caio prado junior - formacao da brasil contemporâneo

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  • 8/4/2019 Caio Prado Junior - Formacao da Brasil contemporneo

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    DO AUTOR: C rl lO P , R AD 0 J D N lO RU.R;S.S., UM NOVO MUNDO (esgotado)EVOLU~AO POLITICA DO BRASIL E OUTROS ESTUDOSFORMA~AO DO BRASIL CONTEMPORANEO (COLONIA)HISTORIA ECONOMICA DO BRASILNOT AS INTRODUTORIAS A LOGICA DIALf:TICADIALETICA DO CONHECIMENTO (2 volumes)ESBOC;O DOS FUNDAMENTOS DA TEORIA ECONOMICAoMUNDO DO SOCIALISMO

    HISTORIA E DESENVOLVIMENTO.

    F O R M A C A O D O B R A S I LC O N T E M P O R A N E O

    A REVOLU~A6 BRASILEIRA

    o ESTRUTURALISMO DE U~VI-STRAUSS - 0 MARXISMODE LOUIS ALTHUSSER C O L O N I AA QUESTAO AGRARIA NO BRASIL 1~edicao 194217~edi~a6

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    Agricultura de SubsistenciaJ a apontei acima os motivos principais por que fiz esta dis-tineao, fundamental numa economia como a nossa, entre a gran-de lavoura que produzpara a exportacao, e a agricultura quechamei de "subsistencia", por destinar-se ao consumo e a manu-ten9ao da pr6pria colonia. E acrescentei que alem daqueles fun-damentos gerais da distincao, ocorre ainda a diversidade da orga-nizacao de urn e outro setor da agricultura colonial. De fato,enquanto na grande lavoura, como vimos, encontramos a explora-

    98.0 em larga escala, disposta em grandes unidades produtoras(fazendas, engenhos) que empregam numerosa mao-de-obra eorganiza9ao coletiva do trabalho, na agricultura de subsistencia,pelo contrario predominam outros tipos de estrutura agnhia, va-riaveis, alias, como veremos. J

    Ha naturalmente entre estes setores urn terreno comum, To-dos os produtos da grande lavoura - acucar, algodao, tabaco e osdemais - se consomem igualmente no pais; e neste sentido, por-tanto, sao tambem de subsistencia. Da mesma forma, certos pro-dutos que entram nesta ultima categoria se exportam, emboraem pequenas quantidades e quase sempre ocasionalmente apenas.Seriam pois tambem de exportacao, Mas a proporcao e de talmodo favoravel, no primeiro caso a exportacao, no segundo aoconsumo interno, que nfio ha confusao possivel, E alem destecriterio quantitativo, ha a considerar a natureza econornica intrin-seca de uma e outra categoria de atividade produtiva: 0 funda-mento, 0 objetivo primario, a razfio de ser respectiva de cada umadelas. A diferenca e ai essencial, e ja me ocupei suficientementeda materia.

    Destaquemos alguns ramos da producao agr' quemais se verifica tal superposicao de caracteresvA aguardent emprimeiro lugar. A situacao deste genero e toda especial- tra -sede urn subproduto, e a maior parte de sua volumosa producaodeve-se a esta circunstancia, Nao fosse 0 acucar, e certamenteela se reduziria muito. Doutro lado, a aguardente esta na catego-Formariio do Brasil Contemporaneo 157

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    ria particular dos gEmeros de escambo utilizados no trafico -d eescravos/ I).o ~godao e 0 arroz tambern, embora produzidos para aex:por~a9ao, se consom~m bastante no pals. Ja notei no caso dopnmelro que a prcducao dele no Brasil precede de muito a epocaem. que comecou a ser exportado. Mas depois dis to a situacaose inverte completamente, e a ibra comeca a ser produzida 50-bretudo para. 0 comercio exterior. 0 seu consumo na colonia, emem ~lue contmua a servir na confeccao de tecidos grosseiros paravestll11e~ta de escravos, ocupa urn lugar secundario e de minimaexprcssao.Quanto ao arroz, embora se consuma largamente no pais, 0gra~de volume de sua producao se explica sobretudo pela expor-ta9

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    depende exclusivamente dcoutro, que ihe infunde vida e fort;:rr~!.Daf alia.s ? s~ubaix? .nivel eeonom~c~, quase ==r= vegetativoe de existencia precana. De produtividade escassa e sem vitali-dade apreciavel. Raramente encontramos lavouras desta natu-reza que se elevem acima de tal nivel, Em geraI, a sua mao-de--obra nao e constituida de escravos: e 0 pr6prio lavrador, modestoe mesquinho, que trabalha. As vezes conta com 0 auxilio de urnou outro preto, ou mais eomumente, de algum indio ou mesticosemi-servil. Exeepcionais sao ineste setor as fazendas. Verem~sabaixo estas excecfies. "~e!o ?estino dado aos. produtos desta pobre agricultura desubsistencia, podemos prever a sua localizacao. Ela sera natural-mente e de preferencia vnas proximidades dos grandes centrosu~banos a que particulannente serve. E assim que na Bahia disse-mm~-s,e pelos conto~os do Reconcavo, entremeando os engenhosde acucar e plantaeoes de tabaco. Contentando-se com solos in-feriores ou cansados, inaproveitaveis para a cana e a grande la-voura em, geral, as culturas alimentares encontram nesta regiaoalgumas sobras de terras vantajosas pelo fato de se situarem pr6-ximas a um grande mercado para seus produtos, Em Pernambuco,a cidade nao esta a este respeito tao bern situada. as seus forne-cedores mais pr6ximos acham-se bastantes afas~ntre. elesse destacam Tejucupapo e a ilha de Itamaraca. ~a~o,como a Bahia, e banhado por Iarga enseada que naoe em todoseu contorno aproveitavel para a grande lavoura. As culturas~!:l~5l!It:r:a~"_aj_ ..bastante espa90, bem comon~t"ilhasfronteiras. A capital da co16rna"e em conjunto bem abastecida,porque aqueles sitios se juntam as areas contiguas a cidade parao interior; num raio de mais de uma Iegua e este 0 caso (3). Coisasemelhante se repete, bem que em muito menor escala. nas de-mais aglomeracoes da colonia. . "AMm destas concentraeoes em torno dos centros urbanos, for-mam-se outras que embora afastadas deles sao .suas tributarias.As regioes em que se Iocalizam as grandes cidades sao semprecentros de grar:d~ lavou~a: resultam alias da pres:n9a destas gran-des lavouras, umcas atividades capazes na colonia de provocara formacao de aglomeracoes urbanas de certo vulto, Veremosa?aixo 0 caso ~a mineracao. Sendo assim, as terras pr6ximas ascidades se destmam quase s.emp~e.a grande Iavoura, e sao porela ocupadas, Sobra espa90 insufioiente para as culturas alimen-ta:_es, "me~quinha pla~tac;:ao"~como as chama DesembargadorJoao Rodngues de Brito, mais tarde deputado a s Cortes de Lis-boa, quando consultado sobre a situacao da agricultura colonial

    ( .3) 'Luccock, Notes, 295 e segs.

    (4). Indicarei abah:o (IS conseqiiencias nefastas" dest~ 'desprl'zo,As culturas alimentares se localizam por isso, em grande parte,10nO"edas cidades embora sejam estas seus {micos mereados. Es-coll~em todavia os luzares de aces so mais facil: a marinha, queoferece 0 transporte ~~ais barato que se realiza por agu.a. Assim,os pontos da costa que nao sao suficientemente ~a,vor.ecldosparaque neles se instalasse a grande lavoura, mas aceitaveis para_umaatividade de segunda ordem, se tornarao areas de concentracao daagricultura de subsistencia. Esta no casa do literal que se estendedo Reconcavo baiano ate 0 "Rio de Janeiro, e deste para 0 SuI.Para 0 norte da Bahia, e transposto 0 trecho que foi tomado pelagrande lavoura do 'acucar e q~e vai ate a Paraiba, segue-se comovimos, uma costa arenosa irnprestavel para a agricultura. E porisso que nao teve 0 mesmo destine. Mais para 0 Sul fon~am-seem sucessaocontinua todos estes lugarejos estreitamente hgadosas necessidades alimentares dos grandes centres da colonia, e queconstituem a cornarca de Ilheus e a.s capita~ias de Por~o Segur?e Espirito Santo. 0 mesrno para baIXOdo RIO de [aneiro: no li-toral paulista, incluindo 0 do atuai Parana; na ilha de Santa Ca-tarina .e terra firme que com ela entesta; finalmente no Rio Gran-de do Su1. Estas areas saotodas, e quase exclusivamente, abaste-cedoras do Rio de J aneiro, da Bahia e de Pernambuco, em gene-ros de subsistencia, Em nenhuma delas, salvo em pequenas pro-por90es no Espirito Santo e Sao Paulo, instalou-se a grande la-voura. A U entao nao vingou nelas, Por um motivo ou outro 11aOsa prestaram a isto; e as populacoes que nelas se fixaram, popu-lagoes marginais de baixo teor de vida na maiori~, at se enco~-tram s6 porque. nao acham lugar nas z?na~ de maiores persp~ctl-vas que sao da grande,lavoura. A me~hocndade. desta mesqll:ll~haaO'ricultura de subsistencia que praticam, e que nas oondicoese~onomicas da colonia nao podia tersenao este papel secunda-rio e de nivel extremamente baixo, leva para elas,por efeito deuma espontanea selecao social, economica e moral, as categoriasinferiores da colonizacao. Nao encontramos ai, por via de regra,senao urn elemento humano, residual, sobretl,ldo mesticos do indioque conservaram dele a indolencia e qualidades negativas paraurn teor de vida material e moral mais elevado. au entao, brancosdegenerados e decadentes (5). Martins, 0 Principe Maximilianoe Saint-Hilaire, que percolTeram estas regioes, deixaram delas umtestemunho doloroso. Fazem excecao a regra apenas as popula-

    (4) Cartas economico-poliiicas, 29.u n Em Cairu, Vilhena assinala moradores de sangue ilustre - Mene-ses, Barretos, Castros, Lacerdas, etc" mas intei ramente degenerados. Reeo-pilw,ao, 517.

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    covas de mandioca para cada eSCl'UVO de service: 0 de 27 defevereiro de 1701, que as donas de embarcacoes ocupadas 110trafico africano tivessem ro9as proprias para plantar mandioca,suficicnte para suas tripulacoes e para cs escravos transportados.Ambas as leis foram reforcadas pela Previsao Regia de 28 deabril de 1767( 10). Mais tarde, comecou-se a incluir nas sesma-rias concedidas a clausula de plantar urn certo numero de covasdesde a primeiro ano da ocupacao (11). Outra disposicao legalmandava que ninguem pudesse ser lavrador de cana sem tel' paramais de 7 escravos pr6prios.. , Nao parece contudo que a insisteneia e as vanas medidasadotadas tivessem resultado apreciavel, Todos procuravam fur-tar-se ao seu cumprimento, e pode-se imaginal' como seriam ina-cuas quando os lavradores tinham diante de si as perspectivasde altos pre90s do acucar, e gordos neg6cios em vista. Vilhena,que habitou a Bahia num daqueles bons momentos, ultimos anosdo sec. XVIII, nao en contra palavras para deplorar a desobe-diencia geral na materia, e adverte contra os perigos Iminentesque ja se percebiam na rna qualidade e pre90s excessivos dosgeneros (12). A precaucao que se tomara entao fora de proibira exportacao de generos alimentares para fora da capitania. Pre-judicado maior foi Pernambuco, que dependia dela.

    Escusado dizer que estas determinacoes legais eram acre-mente combatidas. A elas se atribuiam toda sorte de maleficios,e embora praticamente inoperantes, como vimos, consideravam--se responsaveis por boa parte das dificuldades dos lavradores.No conhecido inquerito mandado pro c eder na Bahia em 1807pelo governador Conde da Ponte, os consultados, pessoas de des-taque na administracao, agricultura e comercio, vern todos ful-minar seus raios contra a que as privava, au procurava priva-losdos bans proveitos que direta ou indiretamente auferiam da cana.E tao absurdas achavam as medidas, que urn deles, a notorio se-nhor do Engenho da Ponte, Manuel Ferreira da Camara, nfiohesita em lancar-Ihes seu formal desafio: "Nao planto hum s6pe de mandioca para nao cahir no absurdo de renunciar it me-lhor cultura do paiz pela pior que nelle ha ... " (13). Mas ne-plantio de generos alimentares. Watjen, Das hollandische ko lonialreich inBrasilien, 283. .

    ( 10) Vilhcna, Recopilaciio, 151, e Bri to, Cartes economico-politicas, 28.(1.1) Isto se fez na Bahia, a partir de 1788. Mem6r ia , s.o b re assesmanas da Bahia (fragrnento), 387. . .( 12) Becopilacdo, 159, etc.( 13) Cartes economico-pol ii icas - Protesto contra medidas res tri tivasda exportaciio de generos alimentares 6 do desernbargador presidente da

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    nhum deles se lembrou de discutir 0 verdadeiro problema: a fomeque periodicamente afligia 0 Reconcavo, Por que se lembrariamdela, quando os largos proventos que tiravam do acucar lhesdavam de sobra para pagar os prec;os, que para eles nao eramaltos, dos generos que consumiam?Pernambuco parece ter sido dos mais atingidos pela escassezde alimentos. Alem da reduzida producao local, bern menor quea da Bahia, agrava-se a situacao -pela concorrencia das secas pe-ri6dicas que flagelam 0 sertao, quando as populacoes famintasdo interior refluem para 0 litoral em busca de alivio, Assim na

    Grande Seca de 1793, quando a mortandade foi grande, e a Bahiateve de socorrer os fIagelados com fortes remessas extraordinariasde viveres (14). Pernambuco, apesar de menos povoado que aBahia, dependia muito mais que esta do abastecimento exterior;na exportacao de generos do Rio de Janeiro, figura com volumecerca de duas vezes maior (15).No Maranhao a situacao e a mesma. As fomes sao freqiientes,o algodao absorve todas as atividades e ninguem cuida de cultu-ras alimentares. Isto se da nao somente na capital, mas em todoItapicuru, a grande zona algodoeira( 16). Martius observara queem Sao Luis ocorria par vezes falta tao absoluta de generos, queos habitantes tinham de se contentar com 0 arroz para escapar :i t

    fome(17). Felizmente para a capitania, havia este mantimentoque abundava gra9as ao fato de ser exportavel. Como se ve,. atea alimentacao de seus habitantes e no Brasil-colonia funcao sub-sidiaria da exportacao,Vejamos contudo, para terminar, a distribuicao pOI' especiesdas culturas alimentares do pais. Nao sera precise lembrar queem area. e volume, 0 primciro e incontestado lugar cabe a man-dioca, 0 "pao da terra". Ja observei acima que ela e aqui urnacompanhamento necessaria do Homem, Pelas qualidades nutri-tivas da farinha, adaptabilidade da sua cultura a qualquer terre-no e excepcional rusticidade, a mandioca, introduzida pela tra-di

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    cultura indlgena. Contudo, apesar desta universalidade, pode-seobservar nas diferentes regioes do pais uma certa variabilidadeno gra1.J.de sua. difusao, Assim no SuI 0 milho leva-lhe a palma.Capistrano, observando esta maior predominancia xlo milho naalimentacao meridional, considera 0 emprego deste cereal comotrace cultural que indica a influencia paulista do SuI. E ligandoo consumo habitual do milho ao monjolo que se usa na pilacao,associa-o aos lugares de aguas correntes que acionam aqueleaparelho. Nos sert5es do Norte, onde a agua e escassa, 0 mungu-za , que corresponde a caniica de milho paulista, s6 se usava nascasas-grandes, com escravos para a pilacao (19). Esta associacaode Capistrano e sumamente interessante; mas e preciso consideraroutros fatores que contribuem para a maior difusao relativa domilho e da mandioca, outras condicoes naturais que nao a sim-ples freqiiencia da agua corrente; possrvelmente elementos etni-cos; tambem 0 maior emprego, nas montanhosas regi5es do SuI,de .bestas de carga cuja alimentacao essencial e 0 milho (20). 0certo e que enquanto no Norte domina incontrastavel a mandioca,vindo 0 milho somente muito depois, no SuI a situacao e inversa.Martins, referindo-se a Sao Paulo, chega a afirmar com algumexagero que a mandioca eaf raramente cultivada, "porque e tidacomo pouco saudavel", e acrescenta que nas capitanias do Nortese faz a mesma opiniao do fuba, a farinha do milho (21).

    Podemos grosseiramente tracar 0 limite entre. as areas res-pectivas da mandioca e do milho pelas fronteiras .da Bahia e deMinas Gerais. Nesta, 0 ultimo ja domina. Enumerando os generos. que ai se consomem, 0 autor anonimo das Consideracties sobreas duas classes de povoadores de Minas Gerais, que se atribuema Vieira Couto, se refere unicamente ao milho, ao fei jao e "algunsefeitos dos engenhos de cana", Saint-Hilaire; nas suas longas pe-regrinacoes por esta capitania que percorreu inteiramente, ob-A este respeito, veja-se 0 Diciotuuio de Bot /mica Brasileira, de JoaquirnAlmeida Pinto.( 19) Capitulos de h is t6ria colonial, 278 e 283.(20) No Norte, 0 animal de carga mais usado : e 0 cavalo; e ara9ao class ica deste e la, segundo Gilberto Freyre , 0 melaco ou mel-de-furo.Nordeste, 9 .7. - A pequena difusao do milho no Norte s e p od era atribuirtalvez a condlcoes naturals adversas a sua cultura. Referindo-se it epocaatual, Sr. Greg6rio Bondar, consultor do Instituto de Fomento da Bahia,descreve neste Estado os efeitos devastadores do caruncho dos cereais, 0. que s6 poderia ser obstado pelo expurgo. No SuI, pelo contnl.rio, gracesao clima, 0 caruncho e multo pouco freqi iente, Veja-se 0 interessante artigodaquele agronomc, publicado ern "0 Estado de sao Paulo", de 23 de[eoereiro de 1941: 0 ~xodo da populaciio norc/estin(l elo Brasil e 0 caruncliodOB cereais:(21) Travels, Book, II, 16, .16 6 Caio. Prado 14nior

    serva tarnbem a freqiiencia muito maior do milho. No Norte,pelo contrario, este cereal e pouco cultivado. Fazendo a relacaodas producoes de Pernambuco e das capitanias anexas, a Ldeiada pop1J, la r ;ao, etc., escri ta no governo de Jose Cesar de Meneses,e ja citada acima, s6 se refere ao milho num unico ponto, na fre-guesia de Sao Lourenco da Mata. No Para, a alimentacao se com-poe, alem do peixe, de um pouco de arroz e de carne-seca, exclu-sivamente da mandioca, alias na sua mars indigesta forma, a fa -rinha-d'agua(22). : e : interessante notar que, no Norte, 0 milho pa-rece estar associado ao algodao, e eIe, com 0 feijao, segundo Kos-ter, a principal alimento dos escravos nos algodoais de Pernam-buco(23); e Martius observa a mesma coisa no Maranhao(24).Alias as duas culturas se dao muito bem juntas, e para elas seemprega 0 mesmo terreno, intercalando as plantas, como ja ano-tei acima. Isto se da, enquanto e com a mandioca que se entre-meia a cana; sao associacoes que talvez signiflquem alguma coisa.Na marinha, 0 limite da mandioca desce mais para 0 suIque no interior.Parece pois que 0 olima e urn fator importante.No litoral meridional da Bahia, 0 milho e tao escasso que 0 De-sembargador Luis Tomas de Navarro, viajando por ai em 1808,encontrou ate Canavieiras grandes difictildades para a alimen-tagao de suas bestas (25). Dai para 0suI, Espirito Santo, Rio deJaneiro, Sao Paulo e mesmo Santa Catarina, 0 milho e encon-trado com mais freqiiencia, mas a mandioca ainda predomina ("26)..Em Sao Paulo, enquanto 0 milho e mais abundante serra-acima,a mandioca leva-lhe a palma no litoral(27). Em Santa Catarina,capitania exclusivamente marit ima - 0 planalto interior aindanab se integrara propriamente nela, e vivia apartado _:. a pro-duc;ao, consumo e exportacao da mandioca sao muito superioresaos do milho (28). Mais para 0 sul, ela e desconhecida,

    (22) Martins, Viagem, II, 15. : J l ; 0 que se denomina localmente, donome indigena, farinha puba, que se obtem macerando a raiz na agua edeixando-a sofrer pnncipio de fermentacao, quando perde 0 veneno. Lava-sedepois, 'e uma vez seca, e consumida sob varias formas.(23) Voyages, II, 291.(24) Viagem, II, 548.. (25) Itinerario. ..(26) Embora Bras da Costa Rubin afirme que no Espirito Santo 0rni lho e a par te princ ipa l da a l imentacao tanto do Homem como dos ani-mais (Mem6ria, 310), temos raz5es para . suspeitar de urn _.engano.A asser -9aO vai de encontro a todas as demais informacoes que- possuimos dacapitania, e que sao bastante numerosas. . ". (27) Martius publica (Travels, B O Q k II, 35) 0 qiiadro da exportacaode Sao Paulo ern 1807: por terra, vindo portanto do planalto, exporta-semuito milho, e nenhuma mandioca; por mar, a situacao e iriversa. .(28). Dados de 1810, publicados noPatriota, n.? 3, de marco de 1813;pag. 98. .E or ma cii o d o Brasil C ?ll te mp or dn eo 1 67

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    Depois da mandioca e do milho, seguem na lista dos alimen-tos vegetais da colonia e na de suas culturas, 0 feijiio e 0 arroz,o primeiro se distribui, quase sem discriminacao, por todo 0 pais,embora parega ser mais freqiiente no Centro-Sui: Minas Oerais;Rio de Janeiro, Sao Paulo, Espirito Santo. 0 arroz, artigo degrande exportacao no Maranhao, menos no Rio de Janeiro e Para,cultiva-se para consumo intemo em todo 0 litoral, do Extreme--Norte a Sao Paulo. Evidentemente, fator climatico predominante:calor e umidade. Nao se encontra mais para 0 suI, nem em SantaCatarina, nem no Rio Grande (29) .o trigo e cultivado no SuI, desde Sao Paulo, particularmentenos Campos Gerais, hoje Estado do Parana, ate 0 Rio Grande.~este sobretudo, onde constitui 0 principal genero de alimenta-cao veg~tal,. e donde se exporta em regu.lar quantidade para ou-tras capltamas (30). 0 mesmo se passa em Santa Catarina (31).Cultiva-se tambem 0 trigo, em pequena quantidade, nalzuns dis-tritos de Minas Gerais - Cuanhaes, Serro, Pecanha, Serra daPiedade, pr6ximo a Sabara(32); e em Jacobina, na Bahia, dondese exporta farinha para a capital ( 33) .

    As demais culturas alimentares nao merecem atencao, Hor-talicas sao excepcionais. Mesmo nos grandes centros, consomem--se pouco e s6 os abastados se dao a este luxo. Com as frutas,ocorre mais ou menos a mesma coisa. Pornares, e menos freqiien-temente h?rtas, aparecem as vezes nos gran d es dominies, osengenhos 00 Nordeste e as fazendas do SuI, como culturas sun-tuarias de seus proprietaries. Nas capitanias meridionais sobre-tudo no Rio Grande do SuI e em Santa Catarina, encontram-semais f:eqiientemente as hon:~li9as. Destaquemos a cebola, quese cultiva bastante nestas reglOes e se exporta em regular quanti-dade. Influencia com certeza do ilheu.

    Mineracao"Nao fosse pOl' consideracao de simples ordem na exposicao,deveria ter-meocupado da mineracao logo depois da grande Ia-voura. It que participa do mesmo carater economico desta 'ulti-rna e pertence a mesma categoria. Ambas se destinam a explora-gao de produtos que tern pOl' objeto unicamente a exportacao,em funcao da qual se organiza e mantem a exploracao, sao ativi-dades que se desenvolvem a margem das necessidades propriasda sociedade brasileira. Donde seu carater precario no que dizrespeito aos interesses fundamentais desta ultima, sua improprie-dade como base economica e de. vida para a coletividade huma-na que nelas se ap6ia. Ja vimos isto em- relacao a grande lavoura,que entre outros efeitos ate impediu que a agricultura resolvesseo mais elemental' problema da populacao brasileira,e que e 0da sua subsistencia alimental'. Iremos encontrar coisa semelhante

    na mineracao.No alvorecer do sec. XIX, a industria mineradora do Brasil,que se iniciara sob tao brilhantes auspicios e absorvera durante.cern anos 0 melhor das atencoes e atividades do pais, ja tocavasua ruina final. Os prenuncios desta ja se faziam alias sentir paraos observadores menos cegos pela cobica, desde longa data. Demeados do sec. XVIII em diante a mineracao nao izera maisque declinar; 0 seu apogeu deve ser fixado naquele momento,quando se chega ao maximo da produtividade das minas e inter-rompem-se as descobertas sucessivas que iam mantendo umachama que bruxuleava naIguns lugares, e se apagava ja e m ou-tros; quando finalmente a atividade dos mineradores se estendesobre sua maior area de expansao,

    As causa,s da decadencia que se segue nao sao dificeis deprecisar. Aliam-se ai fatores naturais, que sao as caracteristicaspeculiares. das jazidas auriferas do territorio brasileiro, com outrosmais profundos, economicos e sociais. Sabe-se que 0 ouro explo-rado no Brasil proveio sobretudo de depositos aluvionais recentes.As rochas matrizes sao entre n6s de pequeno vulto e pobres emForma~iio do Brasil Contempordneo 169

    .(29) Notemos que os maiores produtores de arroz sao hoje no paisMinas Gerais, Rio Grande do SuI e Sao Paulo. Este ultimo nao mais nolitoral, mas sobretudo no planalto, 0 vale facilmente irrigav~l do Paraiba.o contraste com 0 passado colonial e neste caso: fr isante. Antes fosse assirnem tudo ...(30 ) Vejg-se 0 quadro de exportacao do Rio Grande do SuI, de1790 a 1792, riuma carta do governador Rafael Pinto Bandeira. Correspon-.dencia de varias au toridades, 266.(31) Pa iriota, n,? 3 de margo 1813.(32) Saint-Hilaire, Voyage dans le s provinces de Rio de Janeiro, 1, 391.e 416; 11, 270. . .(33) Southey, History, III, 796 e 80q ,

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    PecuariaA carne tern importante papel na alimentac;:ao da colonia.Tanto mais que a geral escassez da dieta ordinaria, particular-mente nas maiores aglomerac;:oes, torna-se imprescindivel: Os pro-blemas que 0 seu abastecimento suscita tomam por isso granderelevo na vida do pais, e voltam constantemente - a . baila nos do-cumentos publicos e escritos particuhres da epoca. Nunca foramalias, e emnenhum lugar,' salvo naturalmente nas pr6prias re-gioes produtoras, resolvidos satisfatoriamente. Pelo contrario, 0que se verifica sempre e uma falta completa. A cerrada criticaque Vilhena faz ao comeroio da carne em um grande e irnpor-

    tante centro como a Bahia dos tiltimos anos do sec. XVIII, e paraedificar 0 mais tolerante historiador, E nao e s6 ali que isto severifica: a primeira e mais elementar .providmcia neste terreno, .que Sao os acougues, estava muito longe de ser satisfatoriamenteatendida. 0 clamor contra a falta de matadouros, que s6 existemnas maiores cidades e vilas, e geral; assinala-o no Maranhao 0Major Francisco de. Paula Ribeiro(l); e em Minas Gerais, 0 autoranonimo do Roteiro do Maranhiio (2).A amplitude do comercio da carne pode ser avaliada por estedes filar ininterrupto de boiadas que perambulam pela colonia eque os viajantes de principios do seculo passado assinalam a cadapasso em seus diaries. Mais de 20.000 bois, chegados de um ser-tao remoto, eram consumidos anualmente s6 na cidade da Bahia(3). Em Sao Luis do Maranhao, tambem vindos de longe, aba-tiam-se 6.000 por ano, em prindpios do seculo passado(4). Belern do.Para, com 13.000 habitantes apenas, em 1828, consome 11.000cabecas (5).Este comeroio e consumo de .carne relativamente avultadossao propulsores de uma das principais atividades da colonia: a( 1) Descriyiio do territ6rio dos Pasta; Bans, 51.(2 ) Roteiro, 124. ..( 3) CaIculo feito na base das rer:das da c~rne, 500 reis por r~s

    abatida, nos anos ,de 1795 a 1798, e refendas por Vllhena, Recopilayiio, 69 .(4 ) Mem6na, de Francisco Xavier Machado (1810), 66.(5) P. Le Cointe, L' Arnazoine bresilienne, II~ 70 .1 80 C aia Prad(J Junior

    "I

    pecuaria, a unica, afora as des:in~das ~os 'produt~res. de expor-tacao, que tem alguma importancia. Nao e com, J?shc;:a que serelega em nossa hist6ria para urn plano secundano. Cert? q_uenao ostenta 0 lustre dos feitos politicos, nen; aparece na pnmelrilordem dos grandes acontecimentos do pals. Recalcada p~ra 0intimo dos sertoes, escondem-na a vista, a intensa vida do _litoral,os engenhos, os canaviais, as outras ~randfs lavouras. E n~~ ternos atrativos naturais do ouro e dos dlam~n!es '. Entretan~o,. Ja semcontar 0 papel que representa na SUbsls.tencla da ?~I~ma, bas-taria a pecuaria 0 que realizou na co~q'71sta de ternton? para 0Brasil a fim de coloca-Ia entre os mars importantes capitulos danossa hist6ria. Excluida a estreita faixa que beira 0 mar e quepertence a agricultur.a, a area imensa que constitui hoje 0 p~isse divide, quanta aos fatores que determinar?-~ sua~ocupac;:ao,entre a colheita florestal, no Extreme-Norte, a mmeracao no Cen-tro-Sul, a pecuaria, no resto. Das tres, e dificil destacar ~uma par.ao primeiro lugar d~sta singular c~mpetic;:ao. Mas se';1ao a rn.alsgrandiosa e dramatica, e a pecuaria pelo rneno~ a r;taI.s~u~estIvapara nossos olhos de hoje, Porque ela ainda ai esta, Identi~a aopassado nestas boiadas que no presente como .ontem palmilhamo pais, tangidas pelas estradas e cobrin?o no .seu passo lerdo asdistancias imensas que separam ~ BrasIl;. realizando 0 qu.e 56 0aeroplano conseguiu em nossos dias repetir: a proeza de 19nor~ro espa90. Ha seculos esta cena diu~rna se mantem em todo 0 pa.Is;e neste longo decurso de tempo nao s~ alterou; as mesm~asb?la-das que seu primeiro cronista (Antoml) descreve com tao VIvascores, poderiarn ressurgir hoje a atravanca;ern as .estra~as paramaior desespero dos automobilistas: estes nao notanam dlfere~9a;

    Mas' este elo que nos une tao mtit_:lamente ~o pass,ado, nao eapenas 0 quadro pitoresco que geracoes sucesslVas. v.em pres en-ciando no Brasil: encerra 0 sintoma de urn dos mars importantesfates da nossa vida economica e de conseqi.i~~cias mais profun~a.s.Quero referir-me a separacao completa e nitida entre.' a pecuanae a cultura da terra que ai se revela. Ji acima assinalei este. fato,tirando-lhe a grande conseqiiencia que foi privar 0 solo culh;adodo seu mais importante fertilizante utilizavel: 0 esterco ammal.Tambem apontei a causa ultima determinante. de tal esta~o .decoisas: 0 sistema geral da economia e da agncultura, brasileira,voltadas para a. pr?dU9aO ~bsorvnte de uns poucos generos ,des:tinados ao comercio extenor, e com a monocultura 9ue dai resulta, As terras aproveitaveis, tanto pela .s~a qu~ntida?e comoIocalizacao ao aicance do comercio exterlo~, ~ao. aVldamer;tteocupadas, nao sobrando espa90 par~ outras mdustrias; tan~b~mas atencoes da parte da populacao situada nestes pontos. pnVll~-giados sao monopolizadas por aquela grande lavoura, muito mars

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    atraente e Iucrativa: ja vimos a prop6sito das culturas alimentares,como este papel absorvente da grande lavoura age em detrimentode outras ocupacoes. Muito mais seria com relacao a pecuaria,que por natureza requer muito mais espa90; sobretudo a nossapecuaria, a {mica entao possivel, realizada extensivamente, semestabulacao, silagem e outros processos de criacao intensiva. Tudoisto, evidentemente, estava muito acima das possibilidades doscolones, nem 0 mais simples preparo ou melhoria dos pastes,salvo 0 grosseiro sistema de queimada, entrava nas suas cogitagoes(6). A contingEm'cia da falta de recursos, como alias 0 nivel tee-nico geral da economia colonial, que ja vimos nos seus setoresmais importantes, tinham de resultar num tipo de pecuaria sim-.plista e de requisitos minimos; poueo mais que uma rudimentalindustria extrativa. 0 gada e mais ou menos deixado a lei da Na-tureza, sao-lhe dispensadas muito poueas atencoes, e 0 maiorcuidado consiste em evitar 0 seu extravio e reuni-Io para serutilizado.. Urn tal sistema, dada sobretudo a pobreza dos pastos nativos,imp6e areas rmiito extensas. Viu-se assim a criacao relegada parasetores afastados e impr6prios para a agricultura. Nem paraos animais auxiliares empregados nas industrias agricolasbas-tava 0 espa90que estas the podiam outorgar. Assim em Pernam-buco, terminada amoenda nos engenhos,1evam-se os animais de.trab~lho, b?is eeavalos, a re!aze~em-se em outras reiPoes. B~~[ardim, mais afastado para 0 interior e dos centrosagneolas marsimportantes, encontrava nesta transumancia uma de suas prin-cipais atividades; e seus pastos recebiam todos os anos a alimariados engenhos, extenuadapelo trabalho intenso da safra (7). Apr6pria lei exclui a pecuaria das dez Ieguas maritimas (8), que ea area reservada para a agricultura.

    o deslocamento das zonas criat6rias para longe desta arease verifica desde 0 inicio da colonizacao, Observamo-lo muito(6) Em materia de selecao de forragem, sabe-se que em principiosdo seculo passado importaram-se variedades de capim que vierarn daAfrica e ficaram genericamente conhecidas por capim de Angola. Na Bahia;-cultivou-o urn Sr. Tschfelli, suico, que Martius conheceu, e que vendiaseu produto na cidade. Viagem, II, 303. Luccock observou a cultura docapim de Angola no Rio de Janeiro, Notes, 295, tambern para fornecimentourbano. A nao ser estes casos todo especiais, e OutIOS semelhantes pro-vavelmente, nao havia maiores preocupacoes em materia de forragemselecionada. Notemos contudo que la por 1810, 0 Cons. Veloso de Oliveirarecomendava a formacao de pastas artificiais, em Sao Paulo, com 0 em-

    prego do Angola: Memor ia sabre 0 melhoramento da provincia de saoPaulo, 42.. (7) Ideia da populaciio ... , 30.(8) Cartes economico-polit icas, 30.

    J.'

    hem nos dois nueleos primitives dela: 0 Norte (~ah~a e Per-nambuco) e Sao Vicente. No primeiro caso, como ja vimos, elas, P' I dvao ocupar os sert6es, inclusive 0 remoto iaui; no. segun 0, osCampos Gerais do SuI. Salva-se desta regra que orienta par~ 0alto interior as zonas da pecuaria, 0 caso dos Campos, dos GOlta~cases, no Rio de Janeiro, e da ilha de Joanes, no Para. Atuam a~oireunstancias especiais, a que ja me referi, e sobre que voltareiadiante.Sem acompanhar a evolucao da pecuaria nos tres primei~osseculos da colonizacao, restrinjo-me aqui ao assunta que .pr?pr~a-mente nos interessa. Em principios do seculo passado, distribuia--se a criacao em tres grandes zonas: os sert6es do ~o~e, a partemeridional de Minas Gerais, e finalmente as planicies do SuI,incluindo os Campos Gerais (Parana), mas sabretudo 0 Extreme--SuI, 0 Rio Grande. Condicoes proprias a cad~ uma d~st~s .zonas,nao s6 a sua localizacao, mas sobretudo 0 slstem~ criatono quenelas se adota, as distinguem~lltida~en~e entre ~l. ! " - . pa: dela~,encontram-se outras, de menor importancia e de slgmflcac;ao maislocal: a elas me referirei em ultimo lugar.

    . Comecemos pelos sert6es do Norte, que formam a zona cria-t6ria mais antiga da colonia, a mais extensa e a mais importanteembora em prmciplos do seculo passado ja estivesse eedendofrancamente aos seus concorrentes meridionais. J a delineei, aofalarda distribuicao da populacao, os lirnites desta area.~la co~-preende todo 0 territorio do Nordeste, excluida ~ estrelt~ faixaque borda 0 litoral(9), e que se. este~de entre ? ~10P!~alba e 0norte de Minas Gerais; este se Inclui por condicoes fisicas seme-lhantes ~ urn tipo de pecuaria mais ou menos identico, Ao norte,esta area ultrapassa ainda 0 rio .P~r.naiba, ocupando um~, peque~aparte do alto Maranhao: 0 territorio dos Pa~tos Bons, Ja ?eScfltoquando me ocupei da .popula9aa .._No .!taplCuru, as anngas fa-zendas de gado, pioneiras da regIao, Ja tinham dado Ingar. aosalgodoais.Para oeste, 0 limite desta zona do sertao se fixa na margemesquerda do Sao Francisco; alem na regiao limitrofe de Colas, a

    (9) Ao que ja icou dito. aoima, acrescentemos ~ segui?te: A, zonaagricola do litoral nordeste val propnamente da Paraiba ate a bam deTodos os Santos. Para .0 norte, 0 sertao semi-arido se estende ate 0 mar;e e taodesfavonlvel neste. ponto, que ate a peouaria ai nao s.e des~nv~l-veu.' .Para .0 suI do Reconcavo, segue-se uma regiao de segunda l~portancJa,e onde se fixou, como vimos, s6 uma pobre e escas~a agncUltura d~subsistencia. A pecuaria era Impraticavel: a mata densa que a cobre ateuase a linha costeira e urn embaraco irremovivel com os parcos recursosJa coloniza9ao. Alem disso, afastada de mercados interessantes, todos dedificil acesso, nada a podia ai estimular. .

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    colonizacao ainda nao se alastrara e ela servia apenas de passa~gem as estradas que l igam aquela capitania a Bahia ea MinasGerais.Toda esta vasta area, que compreende rna is de urn milhao dequilometros quadrados, se destinou quase exclusivamente a oria-9uO de gada v,acumpara 0 abastecimento da densa populacao- desta zona agn~ola que se estende ao longo do litoral, des de aParaiba ate a Bahia, bem como de Maranhao, tambem, emboraja em pequenas proporcoes no momento que nos ocupa, aos cen-tros mineradores de Minas Gerais ( 10) . -J a apontei noutro capitulo os fatores que permitiram 0 apro-veitamento deste imenso territ6rio sertanejo para os fins da cria-9~0, 0 que al ias se re~lizou e completou muito cedo, ja em fins dosec. XVII: . ' i l vegetacao pouco densa da caatinga, 0 que permiteo estabelecunento do Homern sem trabalho preliminar algum dedesbastamento; 0 rel~vo unido que se estende por largas chapa-das; a presenca frequente de afloramentos salinosque fornecemao gada os chamados "Iambedouros", onde ele se satisfaz destealimento-indispensavel, E ate rnesmo, no centro dele, e ao alean-ce facil pela via fluvial que 0 Sao Francisco oferece, jazidas des~l comercialmente. e~plonlveis. M~rtiusP1) descreve pormeno-nzad_amente ~stas jazI .das que se ~:hssemmam em faixa ao longodo Sao Francisco, do no Salitre a vila do Urubu numa extensao dequase 60 Ieguas de comprimento por 25 a 3 0 de largura. Con--centram-se sobretudo na margem direita: na esquercfa nao saotao fre9.uentes, nem se exploram regularmente. O sal produzidoabastecia todo 0 al to sertao desde 0 Piau! ate Minas Gerais eainda Coias e Mato Grosso. A producao era de mais de 35 .600surrties de 30 a 40 libras por ano. Explica-se assim porque 0 SaoFrancisco, _alem da. perenidade de suas aguas volumosas, excecaonestes sertoes, se tivesse tornado urn condensador tao importantede fazenda~ de gado: ja no tempo de Antonil, principios do sec ..XVIII, havia. ai, segundo este, mais de um milhfio de cabecas.Todas estas vantagens que oferece 0 sertao nao iam sem du-vid~ sem obices de. monta: a pobreza da forragem nativa, a faltade ag,ua.. .. Mas f~ItO 0 balanco, e na falta de outros pontos maisfavo;avels, os sertoes Q O Norte apresentam para os fins a que sedestinaram, um ativo favoravel , E isto permitiu neles 0 que den~ abastecimento destes centres foi feito a principle 86 pelogadp ba,an9;'embora proibido este trafico no primeiro momento das des-cobertas.do ouro para ~ evitar. as contrabandos do metal, permltiu-se logoem segulda porque nao havia outro fornecedor possivel, mas cercou-sede toda sorte de _precaucoes, como se verifica no Regimento das minas de1703. 0 gada baiano, nesta epoca, ia mesmo ate Sao Paulo.(ll) Viagem, II, 401 e segs.190 Caio Prado Junior

    . !,

    outra forma teria sido impossfvel realizar: a ocupacao humana epovoamento regular. A rapidez com que se alastraram as fazen-~as de gada s.e explica, uma parte, pelo consume crescente dohtor~I e das mmas, bern como pela pequena densidade econornica~ b~IXa produtividade da industria; mas doutro, pela Iacilidademcnvel com que se estabeleee nestes sertoes uma fazenda:' levan-tada uma ca~a coberta pela maior parte de palha - sao as folhasde. carnau~eHa que mars se empregam - feitos uns toseos curraise introduzidos os gados (fo rm ar os ca se os como se dizia) estaopovoadas tres Ieguas de terra e formada ~ma fazenda (12). Dezou. doze homens constituem 0 pessoal necessario, Mao-de-obra.~aci. falt a , e nao havendo escravos, bastam destes mesticos de. indios, mulatos ou pretos que abundam nos sertoes, e que, ocio-sos._em regr~ e avessos em principio ao trabalho, tern uma incli-nacao especial para a vida aventuresca e de osforco intermitenteque exigem as atividades da fazenda (13) .

    Contribui ainda para a multiplicacao das fazendas 0 sistemadelaagar 0 vaqueiro, que e quem dirige os estabelecimentos comIf . 'fl. as cnas; pagamento que s6 se efetuadecorridos cinco anos,acumuladas as quotas de todos eles. 0 vaqueiro recebe assim deuma s6 vez, urn grande mimero de cabecas, que .bastam para ir--se .estabelecer por conta pr6pria. Fa-Io em terras que adquire, ou~aIs comu~ente, arrendando:as dos grandes senhores de sesma-nas do sertao. Forma-se com isto urn tipo de fazenda em mao deproprietar ies modestos, que habitam ordinariamente nas suas pro-priedades e participam inteiramente do trabalho e da vida dosertao, Neste caso os vaqueiros, e mesmo os fabricas auxiliares saomuitas vezes. os pr6J?rios f ilhos do fazendeiro(14). Mas este' tipolonge esta de ser 0 unieo, ou mesmo 0 predominante. 0 que pre-valece e 0 gra1!de proprietario ahsentista, senhor as vezes de de-zenas de fazendas, que vive nos centros do litoral e cujo contacto

    .. ( 12) ~ote iro d o Maranhi io , 88. - Outro contemporaneo escreve ~.. sendo tao suave 0 metodo de criar nos sertdes os estabelecimentos degado: tao medianaa despesa dos seus prirneiros ensaios, e tao diminutoo. n~ero de 9perarios que precisa empregar .. ." Francisco de PaulaRibeiro, D es cr iy ao d o te rr it6 r1 o d oe Pastos Boas , 84 ..(13) R oteir o d o M ara nhiio, 88. T a assinalel em seu lsgar pr6priocomo se povoaram os sert5es do Nordeste, explica-se assim a pl'esen

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    unico com suas propriedades consiste em receber-lhe os rendi-mentes ( 15).Urna fazenda de gada se constitui em geral com tres Ieguasde terra, dispost.as ao longo de urn curso dagua, por uma de -Iar-gura, sendo. mew p,ar~ c~da margem,( 16). Este tipo padrao defazenda denva da limitacao estabeleclda na Ordem Regia de 27de d~zembr~ de 1695, confirrnada ' em disposicoes posteriores, eque flXOU~ area das sesmarias ~ serem concedidas (17). E 0 tipoprevalecena. Entre cada sesmana ou fazenda medeava ainda umaIegua de terras ,que se con~ervavam devolutas; nesta Iegua ne-nhu;n dos confmantes podia 1evantar construcoes ou realizarqualsq~er obras; ela serve apenas de divisa, providencia necessaria,0r :de na~ se usam cercas ou quaisquer outras tapa gens, para evitara incursao do gada em fazendas vizinhase confusao dos rebanhos,As instalacoes duma fazenda, como referi, sao sumarias : cur-rais e casas de vivenda, tudo de construc;ao tosca, e quanta nelasse e.n.contra.0~es~oa1 empregado e reduzido: 0 oaqueiro e algunsauxiliares, os fabncas. ~9uele~ que dirige todos os services dafazenda, e remunerado, J~ 0 vimos, com 0 pr6prio produto dela,~a quarta. parte ?as, cnas. Nas fazendas muito importantes haas vez~s dois e at~ t~es va_queiros 9ue repartem entao 0 quartoentre S l( 18). Os tabrtcas sao em numero de dois a quatro, con-forme. ~s proporeoes da faz.enda; sao subo~clinados ao vaqueiro eo auxiliam em todos os services. As vezes sao escravos mais cornu-mente assalar iados, percebendo remuneracao pecuniiria por mesou por ano. Estes f6bricas tambem se ocupam das rocas que lhesforn~~em a subsistencia, e que sao plantadasnas "vazantes", isto e,o leito descoberto destes rios intermitentes do sertao, e onde na

    . ~15) No tempo de Antoni! esta concentra

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    contra as ow;ase morcegos, que abundam em todos os sertfies.Nos pastos (a designaeao ate-sea mal), nao se faz mais que quei-'rna- los anualmente antes das chuvas, para que ao brotar de frescoa vegeta9ao forneca uma forragem mais tenra e vicosa, Nao e ha-bito fazerem-se distribuicoes regulares de sal, que e fornecidopelos "lambedouros", como assinalei.o leite nao e aproveitado comercialmente; serve apenas parao consumo interno das fazendas, e e utilizado coalhado ou entaoem queijo, um queijo grosseiro e mal preparado. Manteiga, pelocontrario, nao se emprega.Afora essas atividades de pequeno vulto,o maior service dasfazendas (e este sim arduo e trabalhoso, e que absorve quasetodo 0 tempo e ocupacoes do vaqueiro e seus auxiliares), e 0 deter 0 gadd sob as vistas; vigilancia particularmente dificil nestasareas imensas que nao separam cercas ou outras tapagens. Nao secorre somente 0 risco de perder as reses, que facilmente se extra-viam, e sem esperan9a, neste sertao ralamente povoado e que naooferece obstaculo algum que se oponha a marcha dos animals, apaisa gem, por eentenas de l eguas , e sempre a mesma, a vegeta9aonao se dist ingue da dos pastos nativos: nada ha que retenha 0 ani-mal aqui ou acola, Mas hi outro risco, talvez mais. grave: 0 de ares perder a domesticidade; tornar-se selvagem e. fugir a aproxi-magao do Homem. Neste estado, ela e I ndomave l e nao se deixaconduzir; e para que nao contamine 0 resto do rebanho, outra so-lus;:aonao existe que a abater. .

    Para evitar tudo isto, alem do "ferro" com que se marca 0gada e que 0 identifiea num raio de centenas de l eguas onde seconhecem sempre, com absoluta seguran9a e preeisao, as letras oudesenhos caprlchos_os

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    permitiu obviarao problema do Irausportenas distAncias enormes,servidas por meios precarios de conductio, que e 0 caso do sertao.E a falta de umidade e naturalmente, para este fim, circunstanciaaltamente favoravel, 0 preparo da carne-seca tornou-se por isso,desde muito cedo, uma industria local importante. 0 Ceara 'foia principio 0 grande fornecedor dela; e e por isso que 0 produtoainda conserva, no Norte, 0 nome generico de carne-do -ceara .Mas esta posicao, ele a perde no ultimo quartel do sec. XVIII, subs-tituindo-o, a principio, 0 Piaui. Ja refer i acima as circunstanciasparticulares em que se deu esta substituicao; 0 fato e que oPiaui,contando com os seus grandes rebanhos, os maiores e melhores doNorte, e com uma via comoda de transporte como 0 rio Parnaiba,suplantou todos seus concorrentes e dominara 0 mercado colonialde carne-seca ate ser suplantado, nos ultimos anos do seculo, pelocharque rio-grandense, como veremos abaixo. .Relativamente a criacao do gada vacum, e preciso lembrarainda os subprodutos, sobretudo couros, de que se faz urn comerciode certo vulto. Em todos osportos do Norte, desde 0 Maranhao atea Bahia, eles figuram nos dados da exportacao em proporcoes im-portantes: couros salgados, curtidos, solas, vaquetas,omovimento ascensional da pecuaria no sertao do Nordestese estende ate principios do sec. XVIII , quando Antonil a descrevecom tanto ardor e colorido. A sua prosperidade ainda se mantemate fins do se.'ulo, 0 que podemos acompanhar pelos progresses dapopulacao, formacao de novas capitanias e erecao de freguesiase vilas. Tudo isto e fun9ao quase exclusiva da pecuaria, {micaocupacdo local. Data de 1758 a constituieao do Piaui em capitaniaindependente, e e tambem no decurso do mesmo seoulo que maisse povoa e coloniza 0 Ceara; e desta fase que data a. formacaoda maier parte dos mieleos de povoamento deste setor, Pelo finaldo seculo comeca 0 declinio. A producao local de Minas Gerais jatirara aos sertdes do Nordeste 0 mercado de came dos centrosmineradores. A reoorrencia dl),S secas, que se sucedem no sec.XVIII em periodos mais ou menos espacados, rnas com regularida-de dramatica, vai destruindo as fontes de vida destas infelizes re-

    gioes(27). Assesta-lhes 0 golpe final a estiagem que durou tresanos, de 1791 a 1793, e que pelas 'suas proporcces ficou conhecidacomo Saca Grande, lembrada ainda com horror muisos deceniosdepois. 0 sertao nfio se refaria mais deste golpe. Ve'getara dai pardiante num estado cromco de debilidade congenita que 5e pro-Iongara ate as nossos dias. A sua funcao de abastecedouro dos

    nucleos agricolas do litoral norte se transferira para 0 Rio Grandedo' SuI, cuja concorrencia, apesar do afastamento desta capitania,nunca mais suplantara.. .Vejamos a segunda zona da pecuaria colonial: Minas Gerais.o setor norte desta capitania se inclui , como afirmei, nos sertoesque acabamos de ver mais acima; atenuarn-se nele os caracteresextremes destes ultimos: nao se verificam ai secas propriamente,mas somente urn baixo indice de pluviosidade. Mas a vegeta9aoe semelhante, a topografia tambem. E 0 que sobretudo identificaestas regi6es, "os generos de vida humana", sao iguais em ambas(.28) ..Alias esta parte de Minas e, geografica e histor icamente, urnprolongamento da Bahia. Foi povoada pelas fazendas 'de gadaque subiram no sec. XVII as margens do Sao Francisco, alcaneandoja nesta fase 0 seu afluente rio das .Velhas. E muito antes de seformar 0 que seria Minas Gerais, cujo contingente maior e carac-teristico de povoadores viria do SuI,0Norte ja se achava ocupadopelos baianos (29) .. . Nao e com este setor que me ocuparei aqui; mas com a parte:meridional da capitania, compreendida na bacia do Rio Crande eque constituia entao a comarca do Rio das Mortes. 0 que caracte-riza esta regiao, em oonfronto com os sertfies' do Nordeste, e , emprimeiro Iugar, a abundancia de agua-.' Rios volumosos, como 0rio Grande e seus principais afluentes, Mortes, Sapucai, Verde,ramificados todos numa densa rede de cursos dagua, todos ao con-trario dos do Nordeste,perenes; uma pluviosidade razoavel ebemdistribuida, fazem desta regiiio, em oposicao a outra, uma areade terras ferteis e bern aparelhadas pela Natureza para as indus-trias ruraise Se bern 9ue o relevo seja ai mais desigual, grande-mente recortada que e de serras quase sempre asperas e de dificiltransite, 0 que sobra e se estende em terrenos apenas ondulados elargamentesuficiente para 0 comodo estabelecimento doHomem.A Ve~eta9aotambem 0 favorece, particularmente para os fins dapecuaria. A densa mata que cobre a serra a leste e sul, e que vern

    (28) Veja-se para mais .porrnenores sabre esta parte de Minas Gerais,a descricao de Saint-Hilaire, no cap. XII da sua Voyage aux provinces deRio de Janeiro et de Minas Gerais.(29) Paulistas tambem, como e sabido, e cujas correrias davam a sVL;eSem estabelecimentos fixos, que vao alias ate a Paraiba (DomingosJorge Velho ), Mas trata-se de estabelecimentos que se destacaram comple-tamente de seu ponto de origem. Nao ha nesta expansao das bandeiras eaventureiros .paulistas 'uma continuidade de povoamento, como se da comas correntes vindas do Norte que. marcham progressivamente e VaGpovoando.c colorirzando 0 territ6rio que a tr avessa rn. - Notemos aindavaqui que acomarca de Minas Nov.as pertenceu it Bahia ate 1757 quando se incorporouit'Minas pelo decreto de ,10. de maio daquele ano, Contudo, a [urisdicaocclesiasttca, a te 0 s e c . XIX, continuou a1 com 0 arcebispo da Bahia. .

    F or tn a!{ ii ci d o B ra si l C 6n te mp or an eo 1 97

    (~1) Castro Carreira enumera as seguintes secas do sec. XVIII, grifa-das as grandes: 1710, 1125 a 1727, 1736, 1744, 1777 e 1778, 1791 a 1793,Descriciio geografica do Ceara, 111. .196 Caio Prado JUnior

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    desde 0 litoral, interrompe-se nestas altitudes que oscilam em.tomodos mil metros, e da lugar a cap6es apenas que se refugiam nosfundos umidos e abrigados, deixando os altos deseobertos, comuma vegetaeao herbosa que da boa forragem(30). .Como se ve, reune-se neste sul de Minas um conjunto de cir-eunstanciasvmuito favoraveis a criacao de gado; e 'logo que aregHio comeea a- serdevassada pelos exploradores de ouro, inicia--se paralelamente u~a a~ividade rural em que se d~t~canl a pe-euaria. Esta chamara a si, aos poucos, o.mercado prOXImoque oscentros mineradores em formacao Ihe van proporcionando. Abas-tecendo-se a principio no sertao do Norte e nos Campos-Gerais doSuI, os mineiros passarao logo para ela, mais acessivel que e , esobretudo melhor aparelbada queseus concorrentes. 0 suI deMinas suprira em seguida, e subst ituira, afinal, os fomeeedores doRio de janeiro: os Campos dos Goitaoases e os mesmos Campos--Gerais citados; estes ficam mais longe, aqueles transformam seuspa'Stos em canaviafsv E em 1765 qU~Ae,seem parap ~o de Jan~ir?os primeiros gados. da nova provenienciaj 31). Ate Sao Paulo, VlZI-nho embora dos Campos meridionais, se abastecera em Minas.Alias, desde fins do sec. XVIII, como ja referi, os criadores minei-ros comecam a descer a Mantiqueira, indo estabeleeer-se IIl S~?Paulo, na r,egiiio.que flanqueia a serra a oeste, de Franca a Mop-mirim, 1 1 : 0 que determinara neste setor de Sao Paulo, onde tam-bern predorriinam as campos naturais, uma zona de eriacao queadotara os modelos de seus fundadores e organizadores (32) .

    Dispondode con~i90es natur~i~ tao proJ?lcias e t~o diver~asdas do sertao nordestino, a pecuana em Minas Cerais tambemadotara padroes diferentes (33). 0:que logo chama a atencao amais leveanalise preliminar, e a superioridade manifesta das suascondicoes tecnicas. A comecar pelas instalacfies, multo mais corn-plexas e melhor cuidadas. A vivenda na~ e a con~tru~ao tosca eprimitiva, coberta de palha de carnaubeira que vimos no Norte;mas tern pelo contrario um certo apum que faz Saint-Hilaire com-para-la as herdades (ferm~s). de sua patria, 0 mesmo s: ~ a cOI?os currais, sem contar a Ieiteria, que forma uma dependencia pro-pria, pois ao contrariodos sertoes, 0 Ieite e aproveita,do comercial-mente. Mas a grande e maior diferenea, porque dai resulta todourn sistema de. criagaointeiramente diverso, esta numpeguenodetalhe: 0 eruprego de obras divisorias, tanto extem.as, dividindoa fazenda de suas vizinhas, como internas, separando-a em partesdistintas. Empregam-se cercas de pau-a-pique, que as matas abun-dante's fornecem em quantidade suficiente - ao contrario do Nor-

    ( 30 ) Acresce que a mata quelmada e substituida pelo chamado capimg'ordura, que constitui excelentejahmentacao para 0 gado. \.. .198 Ca io P rado JU nior

    ! .

    deste, onde a veO'etagao.e pobre em especies utilizaveis para estetim. Usam-se ta~lbem "valos"; e ocasionalmente, muros de pe-dra onde este material e abundante, 0 que tambern nao e raronestas serraniasalcantiladas (34). Esta providencia de cercar pro- .priedades "epastos, imrrati~avel no No:te, tern u~a. i?l, :eneia con-sideravel; ela reduz de muito a necessidade de v1g1lancla do gadocontra extravios, e permite aproveitar melhor 0 tra,?alho.em outrosservices. A :iscalizaS;aose toma naturalmente estreita, dlspensand?gran des esforcos, e se faz diuturna, con.t inuada, na de~~sa ??s am-mais contra pragas e inimigos naturals. Em consequeu_::la, !a,n:~-bern, nao se conhece ai este gada semi-selvagem do sertao, difici lde domar e conduzir, e que Ia empresta a pecuaria ~ste caraterepico, admiravel nos seus efeitos dramaticos, tao bern ~IDtados porEuclides da Cunha, mas deploravel no terreno prosalco da eco-nomia,

    As tarefas "dasfazendas mineiras, reveladoras de uma tecnicasuperior as suas ~ongeneres do Norte, sao t~mbem ~ais ~umerosase complexas, Cuida-se dos pastes com m~ls aten~; n~o qu~ seformem com especies apropriadas e selecionadas, que isto arodase desconhece no Brasil, como referi, nem que se dispense e subs-titua 0 processo brutal da queimada, tambem universal na colonia.Mas adotam-se eertas providencias especiais: os pastos se dividemem quatro partes, os verdes, como se diz la que se queimam ~lter-nadamente cada tres meses, 0 que proporciona ao gado, continua-mente, forragem tenra e vicosav.E h:1pastos eSI?eciais.e.separadospara vacas e touros. Aquelas sao apartadas ate adqUl~r~m ce~odesenvolvimento e so serem cobertas no momento proPlclO, a funde produzirem erias vigorosas. Alem disto, recolhem-se todas asnoites aos currais. . .A alimentacao e mafs cuidada. 0 sal e distribuido regularmen-te; 0 que alias se imp6e, porque 0 solo naoe aqui salina como noNordeste; felizmente para 0 gado, que dispoe d~ urn sal puro,e nao e obrigado a ingerir com ele grandes quantidades de barroprejudicial a sua saude, como se da nos "lambed,o~ros" d.o serta~.A distribuicao de sal ainda tern outro efei to benefice, pOlSconsti-(31) Roteiro do Maranhao, 93.( 32) Excluindo os Campos .Gerais ( Parana}, entfio pertencentes aSao Paulo, e esta regiao que apresenta rnaiores rebanhos de gada vacumda provincia ao recenseamerito de 1835. Muller, Ensaio de um QuadroEstaiisiioo, . .( .33). Para" pormenores,veja-~ Sain~-~ilaire, Voyage aux sour~~s du ri?de S. Francisco . .. , I.cap. VI, que e a principal fonte de que me utilize aqUl.. (34) Assim, na regiao entre Lavras e Sao Joao del-Rei, em terrenomulto pedregoso, vcem-se ate hoje muros que se estendem a perderde vista, por quilometros e quilnmetros .

    . . , Eormaciio do Brasil Contempordneo 199

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    tui importanfe fator de domesticacao: 0 gada se habitua aos curraisonde e distribuido e ao homem que fazadistribuicao. . 'AIem disfo, a regino que nos ocupa e tambem favoravel aagricuItura; pode-se assim fornecer aos animals um suplemento deracao, para 0 que se utiliza sobretudo 0 farelo de milho, Enfim,'estas e outras medidas denotam cuidados que sern terem nada denotav~l, .em terrr;os absolutes, coIocam apesar disto a pecuariasul-rnineira em myel que nao tem paralelo na colonia. Em conse-qiiencia, 0 gada -parece ser de porte e qualidade. superiores, sendonotado pela sua fon;a e tamanho (35). Adensidade do gado, entre-tanto, nab e elevada, Saint-Hilaire fala em 600 a 700 cabecas iium,espago de duas Ieguas; 0 que' se explica, em parte, pelo sistemaempregadoda rotacao dos pastos e separacao das vacas, que virnosacima.Fmalmente, a industria de laticinios; que e praticamente des-conhecida no Norte, tern em Minas urn papel importante. As va-cas, melhor tratadas e alimentadas, produzem num leite que Saint--Hilaire compara em qualidade com 0 das montanhas da Auvemia(36). Com ele, fabrica-se 0 ja entao famoso q ue ijo d e M in as , que seexporta em grande quantidade para 0 Rio de Janeiro e outros pon-tos da colonia (37). A manteiga e ai tambem ignorada, e a coalhadanao se emprega. .' , ., Outra caracteristica da pecuaria mineira esta no regime dotraba1ho e no tipo de organizacao social a que eleda origem. 0trabalhador e ai 0 escravo, e livres nas fazendas sao apenas 0 pro-prietario e sua familia. Efeito provavel de uma sedentariedademaior das ocupaooes eil confrontocom as do Nordeste, e mais com-pativeis com 0 trabalho do africano. 'Efeito tambem do nivel eco-nornico superior da pecuiria sul-mineira, 0 que .lhe permite 0 em-prego de mais capital. 0roprietario e sua familia participarrialias ativamente do manejo da fazenda, e nao se conhecem aifazendeiros absentistas. A presen9a de escravos, portanto, nao aris-tocratizou 0 criador sul-mineiro; ea pecuaria traz ai , ao contrarioda grande lavoura e da mineracao, uma colaboracao mais intima

    (35) A observacao e de Saint-Hilaire que, como' frances, tern autoridadepara julgar de qualidades de gado. Voyage aux sources. ; " 1,67.(36) 0 Ieite da Auvernia e na Franca de segunda categoria, compa-rado com 0 das regioes' do Norte, famosas pelos seus laticinios, como aNormandiae a Bretanha. Mas para. 0' Brasi l, a comparacao e ' honrosa,Afirma ainda .0 viajante f rances que 'a produeao diaria de uma boa vacae em Minas de- urnas 4 garrafas; mas pao da infelizmente a medida .destasgarrafas. Voyage a ux sources ... , I, 71. .. ( 37) Sant-Hilaire Iaz da fabricacao do queijo uma descr icao impessoale ~em nenhum espirito critico. Mawe, pelo contrario, e multo severo com.a l'udeza. dos processes, e sobretudo coin a falta dc higiene .. Travels in thelint~idor of Brazil. .20 0 C aio P ra do J Unior

    r

    de proprietaries e trabalhadorcs, aproximando as classes por umtrabalho comum. Aqueles nao se furtam a atividades que em outroslugares seriam reputadas indignas e deprimentes. Saint-Hilaire ob-serva 0 fato, e lhe da bastante destaque porque 0 impressiona 0 quelhe parecera no Brasi l uma exceeao {mica. Entre outros exemploscita 0 casa de urn modesto tropeiro que encontrou tangendo urnlote de bestas no caminho do Rio de Janeiro e que veio a conhecerdepois como filho de urn abastado fazendeiro, proprietario alias damercadoria que a tropa Ievava,, Este tipo de vida e relacoes mais democrat icas e geral no suIde Minas; nao apenas na pecuaria mas na agricultura local quecomo vimos atrastem alguma importancia. Terao concorride paraisto muitas causas; uma contudo parece destacar-se, E 'que estamos. numa regiao mineradora onde a extra gao do ouro sempre ocupouas melhores atencfies. E a industria por excelencia da capitania.Relegam-se assim os elementos mais modestos para outras ativida--des de segunda ordem; coisa alias que se verifica tambem nas zonasda grande lavoura. 0 que se da em Minas e que choeara 0 obser-vader, e que la tais atividades secundarias, por circunstancias es-peciais (a exoelencia das condicoes naturais, e tim born mercadoproximo, como sao os centros mineradores e 0 Rio de Janeiro),tomam vulto,adquirem certa Importanoia que as atividades para-lelas .de outros lugares nao lograram aleancar. E. dai vermos gran-des, ..proprietaries, legitimos fazendeiros, senhores de numerosaescravaria, descerem do pedestal em que se colocam os demais pri-vilegiados dacolonia, senhores de engenho ou minerado;~s.. Com efeito daquela maior intimidade entre senhoresempre-gados que se observa no suI de Minas, e maiortrato que aquelestern com as atividades produtivas, note-se tambem, como conse-qiicncia natural e necessaria, uma rudeza maior de habitose mo-dos nas proprias classessuperio.res comparados com os dos distri-tos de mine~':gao, onde 0 papel do proprietario nao vai alem deuma supervisao geral e alheada do trabalho de seus escravos. Aobservacao e do mesmo Saint-Hilaire, que; aristocrata ele propriode sangue, Instinto e educacao, nab esconde uma ponta de descon-tentamento no contacto que teve com estes rudes fazendeiros do8 1 1 1 preferindo-Ihes de multo a finura e educacao que encontrou nosdemais setores da eapitania (38) .

    , Alelp do gada vacum, cri~-.s&'~ta regiao que nosocupa e em grande quantidade, 0 porco. Istb sobretudo nos dis-tritos mais para oeste, como em-Emlniga;que e 0 principal centro',( 38) Ravia no suI de Minasfazendeiros muito abastados, Entre outros,Saint-Hilaire cita urn que todos os anos vendia para 0 Rio, gado propr ioe adquiridc para revenda, 5 a 6.009 cabecas] Voyage aux sources: .. , I, 81.

    . Fotmafi iodo Brasi l C;ontempol 'dneo 20~

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    de producao e comercio de suinos da colonia. Locallzacao que seexplica, pOl 'que sendo ai os pastos natives mais pobres, 0 porco,cujo alimento consiste sobretudo no milho, se avantaja ao gadovacum, que pede mais e nao dispensa forragem herbosa. 0 porcotem na economia colonial urn grande napel, particularmente nascapitanias do Centro-Sul, incluindo 0 Rio de Janeiro e Sao Paulo.A sua carne, neste setor da colonia, entra em grande proporcaopara a dieta dos habitantes (39). Mas' a principal utilidade dosuino e 0 toucinho com que se condimentam os alimentos, sobre-tudo 0 fei jao; e do qual se extrai a banha, a universal materia graxada cozinha brasileira (4 0 ) .Outra criacao bastante difundida e a do carneiro, de que seutil iza sobretudo a la, tecida em panos grosseiros com que 'se ves-tern os escravos; e que se usa tambem na confeccao destes ehapeusde abas largas e copa reduzida, caracteristica dos mineiros (41).Vejamos finalmente a terceira e ultima das grandes zonas depecuaria colonial: os campos do SuI. Ja me referi a. eles. Esten-dem-se para 0 suI do Paranapanema, encerrados de um lado pelaSerra do Mar e seu denso revestimento Ilorestal, do outro pelas ma-tas que bordam 0 rio Parana e os seus grandes afluentes. A

    . ( 39 ) 0 autor anonimo do Roteiro do Maranh iio insurge-se contraeste .grande consumo de carne de porco que desejaria ver substituida pelade vaca. Nao 0 suspeitarnos de cristae novo, apesar des ta ojeriza, porqueele traz um argumento economico, que dentro do seu criterio e de acordocom 0 espirito geral de seu admiravel trabaIho, e plenamente procedente,Honra alias sumamente a finura de suas qualidades de observador eeco~omista. Segundo ele, a cri~gao de .porcos, exigindo uma atividadeagncola paralela para a producao do milho que eles consomem, desviada mineracao, que e 0 que mais interessa a metropole, grande mimero debraces que estariam mais utilmente aplicados nesta ultima, dando ouro aocornercio do Reino, e quintos ao soberano, Como se ve, 0 porco foi urnpequenino fator, modes to embora, na grande obra da Independencia da colo-nia. Roteiro do Maranhiio, 99.(40) Embora com excecoes, no Norte, em particular na Bahia,e~-prega-se tambem 0 azeite-de-dende e outros 6leos vegetais. No Extremo-Norte, alem dos oleos vegetais, usa-se igualmente a manteiga de tartaruga,sobre que voltarei noutro capitulo. .(41) Saint -Hilai re , Voyage aux sources ... , I, 13. Estes chapeus saofabricados .por artesaos es~ecializados, a quem se fornece materia-prima epaga-se 0 feitio. Sobre a utilizacao do carneiro, notemos que nfio se comeser rao excepcionalmente a sua carne . Luccock (No tes on Brazil, 44) observaque no Rio de Janeiro era s6 a colonia inglesa que a incluia na sua dieta,

    0 que alias provocou nos arredores do Rio, depois da abertura dos portose afl uecia de estrangeiros , urn oerto progresso da criacao daqueles animais .Explica Lucc?~k a aversao dos brasileiros pela came de carneiro pelo fatode serem religiosos, e repugnar-lhes a carne de urn animal que simbolizao Cristo. Nao sei ate onde se justifica a explioacao de Luccock, aliasrepetindo-se concei tos que ouviu, e admitindo . tra tar-se talvezde uma facecia202 Caio Prado Junior

    medida que se desce para 0 SuI, esta faixa de campos se alarga,ate atingir no extremo da colonia, os ilimitados pampas de frontei-ra, que nao sao alias senao uma parte da planicie herbosa imensada bacia platina.Nestes campbs do SuI, ou Campos Gerais, como sao conhecidosna sua parte setentrional e de ocupacao mais antiga (Parana) (42) ,aparecem condicoes naturais admiraveis, que ja tive ocasiao deassinalar citando a observacao de Saint-Hilaire que reputou estaregiao como 0 "paraiso terrestre .do Brasil". A sua topografia eideal, urn Ieve e uniforme ondulado que se vence sem esforco, avegetagao muito bem equilibrada, e distribuida entre ervas ras-teirasque dao a melbor forragem nativa do pais, e matas em capoesque atapetam os baixos, e nas quais domina a araucaria, com seuspinh6es que alimentam, e sua madeira, a mais aproveitavel no Bra-sil para construcao, A agua tambem nao falta, e ela corre, cristalina,em Ieitos de pedra, 0 que tambem, no Brasi l, e excepcional .o gado introduzido ai desde long a data - no setor norte, osCampos-Gerais propriamente, pela colonizacao vicentina; no suI,o Rio Grande, urn pouco mais tarde, talvez primeiros anos do sec.XVII (pelos [esuitas das miss5es do U ruguai, ou pelos colonescastelhanos do Paraguai( 43) - proliferou em grande abundancia,o dos Campos Gerais ou de Curitiba serviu para 0 abastecimentode Sao Paulo e do Rio de Janeiro. 0 do Extremo-Sul, pelo con-trario, girou mais na 6rbita eastelhana, quase destacado que estavaseu terri t6rio do resto do pais ate meados do sec. XVIII. Procuram-,_ -no as expedicoes paulistas; chegam-Ihe os primeiros povoadoresluso-brasileiros por Laguna eo litoral, e se estabelecem com fazen-das de gada que abastecerao os nascentes nucleos de Santa Cata-rina. Mas salvo estes pequenos ensaios, 0 atual territ6rio do RioGrande do SuI permanecia virgem da colonizacao portuguesa. Pelocontrario, no Extrema-Oeste, as miss6es jesuiticas de origem caste-lhana estavam af reduzindo 0 gentio e formando os Sete Povos doUruguai, 0 grande porno de futuras disc6rdias ..Mas 0 certo e que a carne de carneiro nunca se consumiu muito no Brasil, eisto ate hoje. -Ainda sobre 0 mesmo assun to, posso adian tar, por observacaopessoal, que em Minas se utiliza muito 0 carneiro como animal de tiropara pequenas cargas, p. ex. a lenha, Mas nada posso afirmar sobre aantigilidade de tal pratica.(42) Campos Gerais e uma designagao generica; mas aplica-se emparticular, tendo-se tornado a designagao do lugar, aos campos que iho]e. constituem 0 planalto paranaerise. . . .(43) Os do is setores alias, ligados embora pelo litoral (Laguna), epela infiltracao de povoadores paulistas que por ali se fez, mantiveram-seafastados e sem contacto apreoiavel, ate meados do sec. XVIII, quando asligou, pelo planalto, a primeira estrada regular.

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    E soem'1737 que comeca a colonizacao portuguese regular,oficial e intensa deste territ6rio que, depois das rmais asperas elongas lutas da nossa hist6ria, acabou tornando-se definitivamentebrasileiro, Estas lutas, ate-:"777, sao continuas, Portugueses contraespanhois; portugueses e espanhois contra os [esuitas e indios rebe-lades das miss6es que nlio qtU;riam entre gar a territorio. aos lusos,como estipulava ,0 tratado de 1750. Lutas que na materia que nosinteressa aqui tern grande importancia, porque e a gado bravio esern dono que vagava nestes territories de que a guerra fizerac1esaparecer qualquer organiza9'fio, que serviria de base essencialde subsistencia para as exercitos em luta. Segue-se aquela data,em .que se assina 0 tratado de Santo Ildefonso, que embora revo-gado logo depois, firmou a paz entre as contendores, urn longoperiodo de treguas que iria as novas hostilidades dos primeirosanos do seculo passado( 44). Neste periodo, os rebanhos, alga dizi-mados pela guerra, se refazem rapidamente. Favorecidas pela paz,estabelecem-se as primeiras estancias de gada, sobretudo na fron-teira, onde, merce das guerras, se concentrara a populaeao, cons-tituida a principio quase exolusivamente de militarese guerrilhei-ros. Distribuem-se af sesmarias a grane~; queria-se consolidar aposse portuguesa, garantida ate entao apenas pelas armas, 0 abusonfio tardou, e apesar da limitacao legal (3 leguas), formam-se pro-priedades monstruosas, "Requeriam-se sesmarias niio so em nomeproprio, mas no das rnulheres, filhos e filhas, de crianeas que ainda, estavam no berco e das 'que ainda estavam por nascer" (45). Repe-tia-se a mesma coisa que no seculo anterior ' ,se praticara com tantodano no sertao do Nordeste, e enquistava-se nas msos de algunspoucos poderosos toda a riqueza fundiaria da capitania.. Mas embora eivada no seu nascedouro de todos estes abusesa pecuaria se firma e organiza solidamente, e prospera com rapi-dez, Em fins do sec. XVIII havia no suI da capitania 539 estan-cieiros (46). ,. :o principal negocio foi a principio a produ9aO de .eouros, que

    se exportam em grande quanti dade. A carne era desprezada;: poisnao havia quem a consumisse; a parea populacao local e 0 pe-(44) Guerra Iuso-espanhola de Hi01, que repercutiu fundamente naAmerica, enos devolveu.-o territorio das Sete Miss6es que pelo tratado deSanto I lde fonso tinha voltado a Espanha. .(45) Alcides Lima, Hist6ria popular do Rio Grande do Sul, 106 -Urn obse rvador pr6ximo dos acontecimentos, e screvia em 1808: "Urn homemque tinha a protecao' do govemq,. tirava uma sesmaria em seu nome, outraem nome do filho mais velho, outras em nome do filho e filha 'que aindaestavam no berco, e deste modo ha casa de quatro e mais sesmarias."Manuel Antonio Cuimaraes, Almanaque da Vila de Porto Alegre, 53.(46) Alcides Lima, Historia popular do Rio Grande do Sui, 108.

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    queno mercado catarinense nfio davam conta dos imensos reba-.nhos. A exportacao de gadoem pe nao ia, ainda em .principiosdo sec, XIX, alem de 10 a 12.000 cabecas por ano que se destina-> yam a Santa Catarina e Curitiba( 47) . Abatiam-se as reses e s6 paratirar-lhes 0 couro, e abandonava-se 0 resto. Nao havia mesmo orga-nizacao regular alguma, e 0 gado, ainda semibravio e vivendo alei. da Natureza, e~~ antes "cacado" que criado. Dono dele eraquem em cujas terras se encontrava, Ate fins' do seculuainda, oscouros formariam a maior parte da exportacao da capitania. ..Aos pou9_,osfoi-se organizando aquele caos. E quando surgeuma industria que livraria 0 Rio Grande do onus que the conferiasua POS!9aOexcentrica relativamente aos mercados consumidoresde carne do pais. E a do charque. 0 seu aparecimento no comer-,cio da colonia coincidiria com'a'-decadencia da pecuaria nos sert6es.do Nordeste, 'incapazes ja de atender as necessidades do mercado.Ele encontra a~sim as portas abertas, e disp6e de vantagens con-sideraveis: urn rebanho Imenso que se' tratava apenas de aprovei-tat. Nao perdera a oportunidade: em 1793 ja exportava a capitania13.000 arrobas de charque, nos primeiros anos do seculo seguinte,alcancara quase 60.000. Excluindo 0 rush do ouro, nao se assistiraainda na colonia a tamanho desdobramento de atividade (48) .

    As industrlas do charque, as '"charqueadas", localizam-se numponto ideal: entre os rios Pelotas e Sao Concalo.rnas proxirnidades,ao mesmo tempo, dos grandes centres eriatorios da "fronteira" edo porto para 0 eomercio exterior da capitania, a Rio Grande, queembora multo deficiente, e 0 unico possivel. Esta looallzacao daindustria dara origem ao centro urbano que seria 0 primeiro daprovl.ncia depots da capital; mas primeiro absoluto em riqueza eprestigio social, Pelotas ( 49 ). . .'. (47) Dreys, NoUcia desoritica, 154 ,. ( 48) Dados para a exportar;ao rio-grandense, no perlodo 1790-3, numacarta do Oov, Pinto Bandeira de 14 de' janeiro de 1794, ineluida na

    colecao Correspondeacta de odria autoridades, 266. Pa ra 0 per lodo 1805a 1819, veja-se Saint-Hilaire, Viagem ao Rio Grande . do Sui, 132 e segs., quetransc reve dados of ic iais que the foram fornec idos pe las autoridades. Nestesegundo periodo, exportou 0 Rio Grande 0 seu charque para Havana (Cuba),em grande quantidade. . .(49) 0 unico concorrente ser io que 0 charque rici-grandense encontrou{oi 0 similar platino. A arroba de charque produzia-se no Rio Grande por440 a 480 reis; 0 frete e direi tos ate 0 Rio de Janeiro eram de 280 reis,o .charque platino, pelo contrario, vendia-se no Rio a 400 e 410 reis,Deve - s e a diferenca a superioridade do gada 'platino,' qu e da 16 a 20.ar robas de carne, enquanto 0 crioulo nap pa s s a - de8 a 10. Manuel Ant8niode Magalhaes, Almanaqueda Vila de Porto Aleg1e,48. Quanto a qualidade,a opiniao dos contemporaneos diverge. Saint-Hilaire opina pelo platino,(Viagem. 114); Dreys, pelo nacional (Noticia, '116),Formafao d o Brasil Contempordneo 205

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    A pecuaria rio-grandense, no alvorecer do sec. XIX, nao senpresenta em nive: tecnico. muito superior ao clos ser~6~s'do .Nor-deste, Estava-se aindarnuito perto das suas tumultuarias ongcnsque vimos acima. 0 que as vezes obscurece a comparacao e asuperioridade flagrante das condicoes naturals deIa, a sua fartura,vista em confronto da miseria do Norte. Aquela superioridade em-presta a criacao no Rio Grande urn aspecto risonho que falta porcomplete em sua concorrente. Alem disto, estamos aqui num mo-mente ascensional, enquanto la, em plena fase de decomposicao.Isto tudo precis a ser . Ievado em conta, porque na real idade, 0 pa-:pel do Hoinem e identico nas duas: 0 gada tambem vive aqui numestado semi-selvagem, num quase abandono e a lei da Natureza.Da forma que veio do terreno em que vagava sem dono, assim seincorporou as estancias. Com a industrializacao e comercializacaoda .carne, iniciada la pOI' 1780 com as primeiras charqueadas, eque se comecou a cogitar de alguma coisa mais regular. Assimmesmo, ainda em 1810, observa um contemporaneo, comerciante econhecedor do assunto, que nas melhores estancias s6 uma quartaparte do gada era manso, 0 restante vivia solto por al i, sem cuidadoalgum e estado ainda bravio] 50).Vejamos mais de perto a organizacao das estancias. Elas sao,como notei, muito grandes, resultado de abusos que nfio foi pos-sivel coibir. Ha as de 100 leguas (51). Cada Iegua pode suportar1.500 a 2.000 cabecas (52), densidade bem superior a que encon-tramos no Norte e em Minas, 0 que .mostra a qualidade dos pas-tos. 0pessoal compoe-se do capataz e dos peties, muito raramenteescravos; em regra indios ou mesticos assalariados que constituemo fundo da 'populacao da campanha, como vimos anterionnente(53). Luccock atribui 0 numero de seis pessoas para 0 service decada lote de 4 a 5.000 cabe9as(54). Nao ha mesmo service perma-(50) Manuel Antonio de Magalhaes, Almanaque, 46. A questao de

    amansar 0 gada bravio que se . incorporara por assirn dizer automat icamenteas estancias, quando elas se formam, pela simples demarcacfio de umperimetro que passava a abranger 0 gada nele por acaso contido, estaquestao representa 0 principal problema economico da capitania na ultimaparte do sec. XVIII e ainda por muito tempo seguinte. Ocuparam-se comele todos os govemadores, desde 0 primeiro deste periodo que nos interessa,Veiga Cabral que comecou a governar em 1780.(51) Luccock, Notes, 116.(52) Dreys, Noticia descritiva, 135. - Luccock confirm a : 4 a 5.000por tres Ieguas , Notes, 216. .(53) Dreys, Noiicia desc'ritiva, 133, fala em gauchos, como entfiose chamavam estes mes ticos, gente considerada turbulent a e de maus habitos,("54) Notes, 215. - Saint-Hilaire cita a fazenda do Marechal Chaills,no rio Butut, on de esteve hospedado, e que, com 6.000 cabecas de gatlo,tinha urn capataz e 10peoes. Estes recebiam 8 patacas (2$560) por meso' : \06 Caio Prado Jun ior

    nente para um pessoaI mais numeroso, enos momentos de apertoconcorrem peoes extraordinarios que se recrutam na numerosa po.-pulacao volante que circula pela campanha, oferecendo seus sery~-90Sern todo lugar, participando do chimarri io e do chu!'rasco aqm,para irpousar acola, sempre em movimento e nao se fixando nun-ca. Hilbii:bs nomades e aventureiros adquiridos em grande partenas guerras. Esta gente socialmente indecisa concorre sobret~do ao"rodeio", 0 grande dia da estancia, que se repete duas vezes p_?rano,e quando se procede a reuniao do gado, inspecao, marcacaoe castracao, Isto no meio de regozijos 'em que nao faltam as car-'reftas de cavalos, 0 grande esporte dos pampas.

    Afora isto, os services regulares sao de pequena monta; quei-rna dos pastos anualmente; urna vigilancia relativamente facilnestes campos despidos e limpos em que a res nao se pode escon-der como nas brenhas do Nordeste, e onde os inimigos naturais'sao muito menos perigosos. 0 sal nao e distribuido regulannente:supre-o em parte, seg~ndo Dreys, 0 teor saline das yastagens ex-postas aos ventos maritimos que sopram nestas planicies desprot~-gidas(55). Em suma, a pecuaria no-grandense nada tem de parti-cularmente cuidadosa; e a Natureza propicia 'que realiza 0 melhor,e 0 Homern: confia mais nela que em seus esforcos, E por isso asuaproducao nfio e brilhante; vimos como 0 gado e ai largamenteinferior ao platino, 50%menos ptodutivo de came, apesar da seme-lhanca das condicoes naturais. 0 dado que citei e confirmado numcaloulo orcamentario feito pelo Gov. Silva Gama em 1803, e queatribui ao boi rio-grandense media de 9 arrobas de carne, umaarroba apenas, portanto, mais que G nordestino (56) .A industria de laticinios nao e muito desenvolvida, e esta multoaquemda de Minas Gerais. Na exportacao de fins do. sec. XVIII,o queijo figura nos quadros da capitania; mas no segumte desapa-rece, e e substituido pela importacao dele, embora em pequenaquantidade. Lembremos mais que,. ao c~ntrarjo' do resto do pal~,aqui se produz e consome a manteiga, dl.feren

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    :1l !\i10 de sebo se deve sem duvida a qualic1ac1edo boi, que 11riOe so 0 musculoso animal do sertao nordcstino. ,A par do gada bovino, criam-se no Rio Grande cavalos ~ sobre-tudo muares. Na capitania so se empregam os primeiros, sendo des-prezados os outros, e mesmo considerado deprimente menta-los.It interessante fazer 0 paralelo entre as varias r-egioesdo pais nestnmateria dosanimais de trabalho utilizados. Encontramos 0 cavalocomo vimos, no N?rt~; e a besta no Centro. 0 cavalo reaparec~no SuI. A topografia e certamente 0 fator decisivo nesta discrimi- 'naciio: as planioies das chapadas do NOlie e dos pampas meridic-nais opoe-se a montanha do Centro-Sul , onde a besta, mais lenta,mas mais forte e rude, presta melhores services. Mas quem a for-nece e 0 Rio Grande e atraves dele os paises platinos. Veremosesta materia com mais vagar quando falarmos dos transportes ecomunicacdes. 0 Rio Grande exports, pOI 'terra naturalmente, de~2 a 15.000 bestas pOl' ana em prindpios do seculo pass ado. DecavaI~s, 4 a 5.000 apenas(57). 0 gada lanigero aparece em certaquanti dade; tambem, como em.Minas Gerais, nao para a producaode carne, mas de la, com que se rnanufaturam os famosos ponchosde que se vestem os pedes e classes baixasda populaeao (58).. Temos Avi~toate agora s6 a parte meridional dos campos su-lmos da coloma; falta-nos 0, outro setor que, embora de meio fisicomuito proximo, envolveu, como vimos, apartado do outro, A pe-cuaria desta parte que nos vai ocupar aqui foi pormenorizadamentedescrita pOI'Saint-Hilaire(59). Embora de importanoia muito me-nor que aquela vista acima, parece mais estavel e organizada (60),o gado nao se encontra no estado semi-selvagem do suI: a for-maefio dos reban~os tern ai uma hist6ria muito difer~~te, padf~cae ordenada, Mas intervem tambem, para esta domesticidads materdele, 0 habito, imposto pelas cirounstanoias, da distribuicao regulardo sal, cujo efei to ja assinalei relativamente a Minas Gerais, Taldistribuicao nao e contudo tao abundante como nesta ul tima ca-pitania (61).As fazendas dos Campos Gerais - "fazendas" e nao "estancias",como no SuI, que adotou a designacao castelhana - sao grandes;mas longe das do Rio Grande. Saint-Hilaire, que ainda nao visitaraesta ult ima capitania, admira-se com a propriedade do Coronel

    (57) Dreys, Noticia descritiva, 154.(58) Saint-Hilaire, Viagem, 90. '( 0 5 9 ) Voyage ( l'UX provinces de Saint -Paul ... , II, 10 e segs.(60) Producao em 1835 - na falta de dados anteriores: 17.859 boise 4,992 cavalos. Mulle r, Ensaio de um quadro esiaiistico,. e6l) Saint-Hila ire nos fomece a respeito os seguintes dados compara-tivos: nos Campos Gerais, a distribuicao e de 2 em 2 meses, ou mesmo 56 de3. :m 3. Em Minas, ela e mensal, Numa fazenda dos Campos Gerais,visitada pelo autor, dava-se de cada vez urn alqueire para cada 100 animais.

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    Luciano Cordeiro, em JaguariaIva, que contava 2.000 vacas alemdos touros e bezerros. No, Rio Grande, esta fazenda nfio 1~1ecau-saria t 'anta surpresa. Alias, como notei, nao tern esta regiao a im-portancia da do suI . A industria da carne-seca e inexistente, e parao gada em pe, as unicos mercados regulares sao 0 litoral para-naense (Paranagua ), de expressao infima, e Sao Paulo, tambemde pouco vulto. E nem para isto era suficiente a sua producao, poisvimos 0Rio Grande contribuir com alguns milhares de cabecas pOl'ano. Ja se fora havia multo 0 tempo em que os Campos Geraiseram as grandes abastecedores de todas as capitanias do sul dacolonia, inclusive 0 Rio de Janeiro. , '

    Criava-se algum gada lanigero, mas nao muares, pois is to eraproibidoao norte do rio Igua9u para proteger a industria similardo Rio Grande, que a metr6pole desejava vel' povoado(62). OsCampos Gerais serviam apenas de invernadapara as tropas quevinham do SuI e .ai repousavam antes de alcancar a feira de Soro-caba, onde entao se fazia a venda e distribuicao das bestas. 'As demais zonas criat6rias do pais sao de segunda importan-cia. No Extreme- Norte, temos a i lha de Joanes (63) . : r t ai que seabastecem os centros coloniais da foz do grande rio onde se agru-pa a major parte da populacaodo vale. A escolha se impos pela fal-ta de alternativa nesta regUio florestal. e semi-aquatica da bacia

    amazonica. Nao havia outro local pr6prio. 0 gado foi at introduzi-do no sec. XVII, tendo-se organizado a primeira fazendaregular em1692(64). Em 1750 havia na ilha 480.000 cabecas, em 1783, 0 mi-mero de fazendas era de'153, atingindo em 1803, 226, co, 500.000cabecas, como se ve, 0 progresso do rebanho nao era grand~ (65) .Nem era de espera-lo. As condicoes em que ai se realiza a criacaosao precarias, embora a parte da ilha que escolheu se]a de terrasmais altas e livresdas enchentes do rio, que inundam completa-mente a outra parte, 0 mau escoamento das aguas nestes terrenosde pouca alt itude e pequena inclinacao, e sujeitos a elevada plu-(62) Veloso de Ol~eira, Mem6riapara 0 melhoramento 'de SiioPaulo, 39. ' " '.(63) l ! : : a nome primitivo daflha Maraj6; esta ultima designacao apli-cava-se unicamente a parte oriental da ilha, com vegetacao de campo eonde se fixou a pecuaria, em opostcao a par te oc idental , por onde se estendea selva semi-aquatics da Amazonia., (64) l ! : : a de Francisco Rodrigues. Pereira, e situou-se na mar gemesquerda do rio Arari. P. Le Cointe, L'Amazonie bn3silienne, II, 62.(65) A maior fazenda da ilha era ados mercenarios (Ordem dnsMerces ), e passoll em 1794, com todos os bens da Ordem que e,P.tf.O, s e extinguiu, para 0 patrimonio da coroa. Esta fazenda, sita no rio Arart,. que e a principal regiao da ilha, contava com 150 escravos e perto de3.000 cabecas de gada, alem de grande numero de cavalos. Frei FrC6; d-:Nessa Senhora dos Prazeres, Poranduba Maranhense, 116, nota .

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    viosidade local, transforma-a nas chuvas em pantanais imensos emque afloram acima da agua estagnada apenas algumas.estreitas f~i-xas de solo firme, os tezos, onde se recolhe ogado. FICa ele entaoobrigado a pastar com a cabeca literalmente metida na agua (66) .Os bezen os nascidos nesta ocasiao morrem quase sempre afogados.A forragem e de:r;na qualidade;.e 0 gada e.aind~ vitirna de do~s~ni-migos Ferozes e smgulares: a piranha e 0 JUcare.Nestas condicoes,ja se ve que nao podia a pecuaria tornar ai grande incremento,nem abastecer com suficiencia 0 consumo local crescente. Este au-mento do consumo s6 se verificou alias muito tarde; os colonosadotaram a principio, em materia de dieta camosa, os habitos indi-genas que nao conheciam senao 0 peixe e a ca

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    Artes e IndustriasNo final desta revisao dos setores da producaocolonial haquereservar urn canto, modesto embora, e proporci6nal a sua insigni-ficfmcia,as artes e a industria; isto e, as atividades que, indepen-dentes da agricultura ou da mineracao, tern por objeto elaborara materia-prima. Nao que em si tenham urn papel apreciavel naeconomia da colonia: ao contrario, 0 plano que ocupam e dos maisinexpressivos, e s6 se apercebe mesmo delas uma analise muito de-talhada, Mas como fun gao particular que sao, e com caracteristicaspr6prias, bern como, sobretudo, por compreenderem umacategoriaa parte e individualizada da sociedade colonial - embora isto naoseja sempre, como, veremos, 0 caso, -elas nao podem ser passadas

    e 1 1 1 silencio.. Precis amos comegar nesta materia por distinguir os centresurbanos da zona rural. Os oficios mecanicos se exercem diferente-mente nestes dois setores. Fora das grandes aglomeracoes, de queme ocuparei depois, as artes meeanicas e industrias constituemum_simples :l.cessori.o.os est~belecimentos agr~Et_:;_Q.u.de mine-racao, Para 0 maneJo destes, ou para--atenderas necessldades deseus numerosos moradores - 0 proprietario e sua familia, escrava-ria e agregados, - torna-se necessario por motivo das distanciasque os separaram dos centros populosos, merceda extensao dosdominios, ou por. outras consideracces de ordem pratica e eco-nomica,a presencadz toda uma p~.quena industri~ de carpinteiros,ferreiros e outros, bern -eomo, frequentemente, ate de manufaturasde pano e vestuario, Em certas regioes ainda, como em Minas Ge-.rais .onde ha ocorrencia de minerios de ferro, encontra-se mesmo,.por 'vezes, uma pequena siderurgia para consumo interno do' esta-belecimento, ,. .Esta pequena industria domestica, entregue a escravos maishabeis ( 1), ou as mulheres da casa - como a fiagao, tecelagem e ;::costura, - embora obscura e passando ~ primeira vista desperce- _bida, tern seu papel na vida da colonia, pois completa -essa auto-.. (1) No caso da siderurgia, sabe-se que muitos povos africanos pr~ti-cavam no seu continente esta industria. Os escravos trouxeram .para 'casuil.habilidade nativa que prestou grandes services aos colones,

    Domin dos grandes dominies ..rurais, ji.assinalada noutros seto~es,e que representa um trace tao caracter.istico e 'in:p~rtante d~ vidaeconomica e social da colonia. Alem disto, constitui 0 embnao deuma industria de maior vulto e sxpressao, que infelizmente a poli-tica da metr6pole, bem como outros fatores que assinalarei adiante,fizeram gorar. no seu nascedouro.Como atividades autonomas, os oficios aparecem, fora dos'centros urbanos, nestes artesaos ambulantes que de porta em portaofereeem seus services. Destes, os mais freqiientes sao os ferrei-ros, que se ocupam sobretudo em calcar as bestas das tropas que.circulam pelo interior; Luccock, entre outros, os assinala em. Mi~a.sGerais (2). Mas e naturalmente nos centres urbanos de maior rm-. portancia que as profissdes mecanicas sao mais numerosas~ profis-s6es propriamente, desligadas de outras atividades, e autonomas,como nao se da em regra no campo (3 ) .Oeupam-nas geralmente ?s mulatos, que sao, segund~ Martius,os mais habeis entre os nacionais( 4). Como e a regra universal da

    epoca, encontram-se as profiss6es organizadas em corporacoes. Na-da h!'tde particular neste terreno q~e nos diga respeito: as corpo-ra90es sao dirigidas por juizes e escrivaes, eleitos por seus pares, e.funcionam no mais, em PJ~ncipio'pelo menos, como suas similaresda Europa (5). Em principio apenas, porque os lagos sao menosestreitos, a regulamentagaq mais frouxa e a Hscalizacao menos rigo-rosa; em suma, uma liberdade profissional muito mais ampla, eainda desconhecida na Europa. Coisa que Martius lamenta, atri-buindo-Ihe a desorganizacao do trabalho neste setor e a defi-ciencia dosservicos que presta. 0 fato e real, mas a explicacao fa-lha; nao sao a falta de regulamentos e a liberdade profission~l .osresponsaveis pela influencia das profiss6es mecanicas da coloma;hi causas mais profundas disto, e ve-Ias-emos noutro lugar.

    (2) Notes, 395. .( 3) Pode-se fazer uma ideia dos oficios mecanicos nas. cida~es evilas da colonia, pelas relacoes que publicam as Almanaques do. RI O deJaneiro de 1792 e 1794. 0 Sr. Salomao de Vasconcelos publicou recente-mente interessante estudo sabre os "Oficios m.ecanico8 em Vila Rica duranteo sec. XVIII."(4 ) Travels, Book I, 197.(5) As corporacoes eram entidades