briefing do estudo de o estudo bendita...2019/03/02  · os novos regimes foram bem tolerados e...

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Histórico A doença de Chagas, ou tripanosomíase americana, é uma doença tropical negligenciada endêmica em 21 países da América Latina, porém também presente na América do Norte, Europa, Japão e Austrália. É causada pelo parasita Trypanosoma cruzi (T. cruzi) e transmitida principalmente por insetos triatomíneos que se alimentam de sangue, conhecidos popularmente como "barbeiros". A transmissão também é possível de uma mãe infectada para o bebê, através de transfusão de sangue e transplante de órgãos, e consumindo alimentos contaminados com fezes do inseto. Como a doença normalmente é assintomática durante anos após a infecção, a maioria das pessoas com a doença não sabe que a tem. Para 30% a 40% das pessoas infectadas, a doença progride para um estágio final da fase crônica. Destas, a maioria sofrerá danos cardíacos, frequentemente resultando em morte súbita ou insuficiência cardíaca progressiva. A doença pode causar ainda o aumento do trato gastrintestinal e dos órgãos e transtornos motores gastrintestinais. Atualmente, há somente dois medicamentos disponíveis para tratar a doença de Chagas, nifurtimox e benzonidazol, ambos descobertos há meio século. O tratamento com o medicamento mais utilizado, benzonidazol, demonstrou ser eficaz na fase aguda e na fase crônica indeterminada, com cerca de 80% dos pacientes sem sinal de parasitas no sangue 12 meses após o término do tratamento. Entretanto, ele tem limitações. O tratamento dura 60 dias, e cerca de 20% dos pacientes o interrompe devido aos efeitos colaterais, que incluem intolerância gástrica, erupções cutâneas ou problemas neuromusculares. Por esse motivo, alguns pacientes nem sequer querem iniciá-lo. Os efeitos colaterais e a duração do tratamento estão entre as principais barreiras à sua expansão para um número maior de pessoas com Chagas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que, das mais de 6 milhões de pessoas com doença de Chagas, menos de 10% sejam diagnosticadas e, destas, muito poucas recebam o tratamento de que necessitam. Por que realizamos este estudo? Enquanto a DNDi, ISGlobal e CEADES procuram medicamentos novos e melhores para tratar a doença de Chagas, estas organizações também trabalham para aprimorar a eficácia, segurança e tolerabilidade do tratamento com os medicamentos existentes. A descoberta e o desenvolvimento de novos fármacos leva tempo, mas os pacientes precisam de tratamentos melhores agora, enquanto a pesquisa de novos medicamentos continua. A partir da ideia de que os efeitos colaterais do tratamento padrão podem estar relacionados à dosagem ou à duração do tratamento, a DNDi decidiu testar a eficácia de novos regimes, nos quais a exposição dos pacientes ao benzonidazol fosse reduzida com um tratamento de duração mais curta ou com doses mais baixas, ou ambos. O objetivo do estudo BENDITA (Benznidazole New Doses Improved Treatment & Associations, ou Novas dosagens de benzonidazol, tratamento aprimorado e associações) foi encontrar regimes que tivessem pelo menos a mesma eficácia do tratamento padrão e que provocassem menos efeitos colaterais, consequentemente melhorando a adesão dos pacientes ao tratamento. Menos efeitos colaterais tornariam o tratamento mais aceitável não somente para os pacientes como também para seus cuidadores e médicos, eliminando uma das principais barreiras à possibilidade de tratar mais pessoas com doença de Chagas. O que foi testado, exatamente? O BENDITA foi um estudo de fase II, duplo-cego, randomizado e controlado por placebo, realizado em clínicas da Plataforma Chagas coordenada pela CEADES e a ISGlobal em Cochabamba, Tarija e Sucre, na Bolívia, entre 2016 e 2018. Foram testados contra um placebo seis tratamentos com benzonidazol com durações e dosagens variadas, tanto como monoterapia (ou seja, o benzonidazol ministrado sozinho) quanto em combinação com fosravuconazol, um medicamento antifúngico de amplo espectro. O BENDITA foi o primeiro teste controlado randomizado a avaliar a eficácia de diversos regimes de benzonidazol. Participaram do estudo um total de 210 pacientes adultos com doença de Chagas crônica indeterminada, alocados de forma randômica em um destes seis regimes de tratamento ou ao placebo: O tratamento padrão de 8 semanas de duração, com uma dose diária de 300mg/dia de benzonidazol em monoterapia. Um tratamento mais curto, de 4 semanas de duração, com a dose diária padrão de 300mg/dia de benzonidazol em monoterapia. Um tratamento mais curto, de 2 semanas de duração, com a dose diária padrão de 300mg/dia de benzonidazol em monoterapia. www.dndi.org 1 2 O estudo BENDITA: Um estudo de fase II para avaliar a segurança, tolerabilidade e eficácia de diversos regimes com benzonidazol, ministrado sozinho e em combinação com fosravuconazol BRIEFING DO ESTUDO DE CHAGAS BENDITA

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Page 1: BRIEFING DO ESTUDO DE O estudo BENDITA...2019/03/02  · Os novos regimes foram bem tolerados e tiveram perfis de segurança muito bons. Não foram observados efeitos adversos graves

Histórico

A doença de Chagas, ou tripanosomíase americana, é uma doença tropical negligenciada endêmica em 21 países da América Latina, porém também presente na América do Norte, Europa, Japão e Austrália. É causada pelo parasita Trypanosoma cruzi (T. cruzi) e transmitida principalmente por insetos triatomíneos que se alimentam de sangue, conhecidos popularmente como "barbeiros". A transmissão também é possível de uma mãe infectada para o bebê, através de transfusão de sangue e transplante de órgãos, e consumindo alimentos contaminados com fezes do inseto.

Como a doença normalmente é assintomática durante anos após a infecção, a maioria das pessoas com a doença não sabe que a tem. Para 30% a 40% das pessoas infectadas, a doença progride para um estágio final da fase crônica. Destas, a maioria sofrerá danos cardíacos, frequentemente resultando em morte súbita ou insuficiência cardíaca progressiva. A doença pode causar ainda o aumento do trato gastrintestinal e dos órgãos e transtornos motores gastrintestinais.

Atualmente, há somente dois medicamentos disponíveis para tratar a doença de Chagas, nifurtimox e benzonidazol, ambos descobertos há meio século. O tratamento com o medicamento mais utilizado, benzonidazol, demonstrou ser eficaz na fase aguda e na fase crônica indeterminada, com cerca de 80% dos pacientes sem sinal de parasitas no sangue 12 meses após o término do tratamento. Entretanto, ele tem limitações. O tratamento dura 60 dias, e cerca de 20% dos pacientes o interrompe devido aos efeitos colaterais, que incluem intolerância gástrica, erupções cutâneas ou problemas neuromusculares. Por esse motivo, alguns pacientes nem sequer querem iniciá-lo. Os efeitos colaterais e a duração do tratamento estão entre as principais barreiras à sua expansão para um número maior de pessoas com Chagas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que, das mais de 6 milhões de pessoas com doença de Chagas, menos de 10% sejam diagnosticadas e, destas, muito poucas recebam o tratamento de que necessitam.

Por que realizamos este estudo?

Enquanto a DNDi, ISGlobal e CEADES procuram medicamentos novos e melhores para tratar a doença de Chagas, estas organizações também trabalham para aprimorar a eficácia, segurança e tolerabilidade do tratamento com os medicamentos existentes. A descoberta e o desenvolvimento de novos fármacos leva tempo, mas os pacientes precisam de tratamentos melhores agora, enquanto a pesquisa de novos medicamentos continua.

A partir da ideia de que os efeitos colaterais do tratamento padrão podem estar relacionados à dosagem ou à duração do tratamento, a DNDi decidiu testar a eficácia de novos regimes, nos quais a exposição dos pacientes ao benzonidazol fosse reduzida com um tratamento de duração mais curta ou com doses mais baixas, ou ambos. O objetivo do estudo BENDITA (Benznidazole New Doses Improved Treatment & Associations, ou Novas dosagens de benzonidazol, tratamento aprimorado e associações) foi encontrar regimes que tivessem pelo menos a mesma eficácia do tratamento padrão e que provocassem menos efeitos colaterais, consequentemente melhorando a adesão dos pacientes ao tratamento. Menos efeitos colaterais tornariam o tratamento mais aceitável não somente para os pacientes como também para seus cuidadores e médicos, eliminando uma das principais barreiras à possibilidade de tratar mais pessoas com doença de Chagas.

O que foi testado, exatamente?

O BENDITA foi um estudo de fase II, duplo-cego, randomizado e controlado por placebo, realizado em clínicas da Plataforma Chagas coordenada pela CEADES e a ISGlobal em Cochabamba, Tarija e Sucre, na Bolívia, entre 2016 e 2018. Foram testados contra um placebo seis tratamentos com benzonidazol com durações e dosagens variadas, tanto como monoterapia (ou seja, o benzonidazol ministrado sozinho) quanto em combinação com fosravuconazol, um medicamento antifúngico de amplo espectro.

O BENDITA foi o primeiro teste controlado randomizado a avaliar a eficácia de diversos regimes de benzonidazol. Participaram do estudo um total de 210 pacientes adultos com doença de Chagas crônica indeterminada, alocados de forma randômica em um destes seis regimes de tratamento ou ao placebo:

• O tratamento padrão de 8 semanas de duração, com uma dose diária de 300mg/dia de benzonidazol em monoterapia.

• Um tratamento mais curto, de 4 semanas de duração, com a dose diária padrão de 300mg/dia de benzonidazol em monoterapia.

• Um tratamento mais curto, de 2 semanas de duração, com a dose diária padrão de 300mg/dia de benzonidazol em monoterapia.

www.dndi.org

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O estudo BENDITA: Um estudo de fase II para avaliar a segurança, tolerabilidade e eficácia de diversos regimes com benzonidazol, ministrado sozinho e em combinação com fosravuconazol

BRIEFING DO ESTUDO DE CHAGAS BENDITA

Page 2: BRIEFING DO ESTUDO DE O estudo BENDITA...2019/03/02  · Os novos regimes foram bem tolerados e tiveram perfis de segurança muito bons. Não foram observados efeitos adversos graves

DNDi, Maio 2019 Fotos: Ana Ferreira-DNDi

• Um tratamento mais curto, de 4 semanas de duração, com uma dose diária mais baixa de benznidazol, de 150mg/dia, em monoterapia.

• Um tratamento mais curto, de 4 semanas de duração, com uma dose diária mais baixa de benznidazol, de 150mg/dia, em combinação com fosravuconazol.

• Um tratamento de 8 semanas de duração, com uma dose semanal mais baixa de benznidazol, de 300mg/semana, em combinação com fosravuconazol.

Como foi medida a eficácia do tratamento?

Atualmente não existe um teste de cura da doença de Chagas. Isto por si só já é uma barreira ao tratamento e outra área na qual DNDi, CEADES e ISGlobal estão realizando pesquisas. Para avaliar a eficácia do tratamento, fizemos uso de biologia molecular, que nos permite identificar parasitas presentes no sangue através de exames de sangue realizados seis e doze meses após o fim do tratamento. No caso do BENDITA, a eficácia foi medida verificando a ausência do DNA do parasita no sangue através de PCR, uma técnica laboratorial específica para detectar DNA em amostras de sangue. Consideraram-se tratados com sucesso os pacientes sem sinais do parasita em nenhum dos exames de sangue até 12 meses após a conclusão do estudo.

Quais foram os resultados?

Mais de 80% dos pacientes em todos os grupos responderam ao tratamento (isto é, não tiveram parasitas detectáveis nos exames de sangue após o tratamento e durante os 12 meses de acompanhamento), comparados com 3,3% dos pacientes no grupo com placebo. As respostas ao tratamento mantidas 12 meses após sua conclusão variaram de 82,1% dos pacientes tratados com a dose padrão de 300 mg de benznidazol durante um período mais curto, de 2 semanas, até 88,9% dos pacientes que receberam a mesma dosagem durante um período de 4 semanas. A eficácia entre os pacientes que receberam a dose padrão de 300 mg de benznidazol combinada com fosravuconazol durante 4 semanas foi de 83,3%, e de 84% nos pacientes que receberam uma dose semanal de benznidazol combinada com fosravuconazol durante 8 semanas. Os novos regimes foram bem tolerados e tiveram perfis de

segurança muito bons. Não foram observados efeitos adversos graves em nenhum dos pacientes que tomaram 300 mg de benznidazol durante 2 semanas. No grupo que tomou 150 mg de benzonidazol durante 4 semanas, somente um dos 30 pacientes precisou descontinuar o tratamento devido aos efeitos colaterais. Entre os pacientes que seguiram o regime padrão de 300 mg de benzonidazol durante 8 semanas, 6 dos 30 pacientes descontinuaram o tratamento devido aos efeitos colaterais. Esta taxa de interrupção do tratamento era esperada, sendo consistente com outros estudos com os regimes padrão (5 mg/kg/dia durante 60 dias).

O que estes resultados significam para o futuro das pessoas com doença de Chagas?

Embora todos os regimes de tratamento tenham sido eficazes e tido bons perfis de segurança, o braço de tratamento de 2 semanas é particularmente promissor, pois é significativamente mais curto do que o tratamento padrão e nenhum paciente interrompeu o tratamento em consequência de efeitos adversos. Ainda que este estudo tenha sido realizado com um número pequeno de pessoas, o fato de que benzonidazol seja um medicamento antigo e bem conhecido e de que os resultados tenham apresentado um bom perfil de segurança para o regime mais curto nos permite acreditar que o novo regime pode ser proposto para adultos com Chagas crônica indeterminada. Em paralelo, os regimes atuais podem continuar a ser prescritos, apresentando os resultados positivos já conhecidos.

Ainda estamos concluindo a análise dos braços em combinação (benzonidazol combinado com fosravuconazol) para avaliar sua potencial indicação para certos grupos de pacientes com necessidades específicas.

A modificação do protocolo de tratamento de modo a reduzir sua duração de 8 para 2 semanas pode ajudar a eliminar uma das principais barreiras à expansão do acesso ao tratamento contra Chagas na região. O tratamento mais curto pode eliminar algumas preocupações comuns de cuidadores e pacientes, aumentando assim a adoção do tratamento. Esta modificação também reduziria os custos do tratamento para os programas nacionais. Agora, a DNDi trabalhará com a Organização Pan-Americana de Saúde/OMS, programas nacionais, ministérios de saúde e outros parceiros para confirmar os resultados e propor uma mudança de política e registro desta nova indicação.

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Análise de resposta

parasitológica ao final do tratamento e

nos seguimentos de 6 meses (“desfecho

primário”) e 12 meses (“desfecho

secundário”)

Quem foram os parceiros neste estudo?O estudo foi conduzido em parceria com a CEADES (Fundación Ciencia y Estudios Aplicados para el Desarrollo en Salud y Medio Ambiente); a ISGlobal; a Eisai Co. Ltd., companhia farmacêutica japonesa que fabrica fosravuconazol; a Elea e a Fundación Mundo Sano, companhia farmacêutica argentina que fabrica benznidazol e fundação associada, entre outras, com financiamento do Global Health Innovative Technology Fund (GHIT).

www.dndi.org

Análise segundo a intenção de tratar. Significa que todos os pacientes selecionados no estudo e randomizados em um dos grupos de tratamento foram incluídos na análise, independentemente do fato de terem ou nāo iniciado ou completado o tratamento.

BZN 300 mg

8 semanas

BZN 300 mg 4 semanas

BZN 300 mg 2 semanas

BZN 150 mg4 semanas

BZN 150 mg4 semanas /

E1224 300 mg

BZN 300 mg(semanal) 8 semanas/

E1224/ 300 mgPlacebo

Seguimento de 6 meses 89,3 89,3 82,8 83,3 85,2 82,8 3,3

Seguimento de 12 meses 82,8 89,3 79,3 80,0 85,2 82,8 3,3

Sujeitos com efeitos adversos relacionados ao tratamento que levaram a interrupção

definitiva do mesmo6 (20,0) 1 (3,3) 0 1 (3,3) 3 (10,0) 4 (13,3) 0

Esta é uma nova versão do documento publicado pela primeira vez em março/2019. Foram feitos ajustes na resposta da última pergunta para refletir atualizações na estratégia adotada pela DNDi a respeito da confirmação dos resultados e proposta de nova indicação.