currículo e inclusão na escola de ensino fundamental

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  • Clarice Salete TraversiniMaria Isabel Habckost Dalla ZenEl Terezinha Henn FabrisMaria Cludia DalIgna

    Organizadoras

    Currculo e Inclusona escola de Ensino Fundamental

  • Currculo e Incluso na escola de Ensino Fundamental

  • ChancelerDom Dadeus Grings

    ReitorJoaquim Clotet

    Vice-ReitorEvilzio Teixeira

    Conselho Editorial

    Armando Luiz Bortolini

    Ana Maria Lisboa de Mello

    Agemir Bavaresco

    Augusto Buchweitz

    Beatriz Regina Dorfman

    Bettina Steren dos Santos

    Carlos Gerbase

    Carlos Graeff Teixeira

    Clarice Beatriz de C. Sohngen

    Cludio Lus C. Frankenberg

    Elaine Turk Faria

    rico Joo Hammes

    Gilberto Keller de Andrade

    Jane Rita Caetano da Silveira

    Jorge Luis Nicolas Audy Presidente

    Lauro Kopper Filho

    Luciano Klckner

    EDIPUCRS

    Jernimo Carlos Santos Braga Diretor

    Jorge Campos da Costa Editor-Chefe

  • Clarice Salete TraversiniMaria Isabel Habckost Dalla Zen

    El Terezinha Henn FabrisMaria Cludia DalIgna

    Organizadoras

    Currculo e Incluso na escola de Ensino Fundamental

    Porto Alegre2013

    PATROCNIO

    APOIO

  • C976 Currculo e incluso na escola de ensino fundamental [recurso eletrnico] / orgs. Clarice Salete Traversini ... [et al.]. Dados eletrnicos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2013. 238 p. Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader Modo de acesso: ISBN 978-85-397-0376-0 1. Educao. 2. Currculo Ensino Fundamental. 3. Currculo Escolar. 4. Incluso Escolar. I. Traversini, Clarice Salete. CDD 372.19

    EDIPUCRS, 2013

    CAPA: Rodrigo Braga IMAGEM DE CAPA: Renata Stoduto - teatro de sombras desenvolvido pelas alunas Maria Elena Fernandez, Rosane da Silva, Alexandra Monteiro e Magda de Farias, sob a orientao da professora Laura Dalla Zen, para a atividade acadmica Linguagens Artstico-Culturais I (Pedagogia|UNISINOS|2013/1).

    REVISO DE TEXTO: Mrcio Gastaldo

    EDITORAO ELETRNICA: Rodrigo Braga e Rodrigo Valls

    EDIPUCRS Editora Universitria da PUCRSAv. Ipiranga, 6681 Prdio 33Caixa Postal 1429 CEP 90619-900 Porto Alegre RS BrasilFone/fax: (51) 3320 3711e-mail: [email protected] - www.pucrs.br/edipucrs

    TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reproduo total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas grficos, microflmicos, fotogrficos, reprogrficos, fonogrficos, videogrficos. Vedada a memorizao e/ou a recuperao total ou parcial, bem como a incluso de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibies aplicam-se tambm s caractersticas grficas da obra e sua editorao. A violao dos direitos autorais punvel como crime (art. 184 e pargrafos, do Cdigo Penal), com pena de priso e multa, conjuntamente com busca e apreenso e indenizaes diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos direitos Autorais).

  • Dedicamos este livros escolas pblicas, que nos possibilitaram, a partir de suas aes e seus projetos curriculares inclusivos, pesquisar e construir coletivamente esta obra;

    ao colega Mariano Narodowski (Universidad Torcuato Di Tella, Argentina) pelas sua escrita mobilizadora, que nos incentiva a continuar tensionando e reinventando as prticas escolares;

    aos rgos financiadores das pesquisas aqui apresentadas: Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico - CNPQ; Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior - CAPES; - Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul- FAPERGS; Programa de Bolsas de Iniciao Cientfica da UNISINOS- UNIBIC; Pr-Reitoria de Pesquisa e Ps-Graduao- PROPESQ-UFRGS, que tornaram exequvel esta publicao.

  • SumrioDedicatria ................................................................................... 5

    Prlogo - Prcticas curriculares e inclusin: transgrediendo finitudes ............................................................11Mariano Narodowski

    Introduo - Pontos de ancoragem: a pesquisa, o currculo e os processos de in/excluso no Ensino Fundamental ................................................................... 15Clarice Salete Traversini Maria Isabel Habckost Dalla Zen El Terezinha Henn Fabris Maria Cludia DalIgna

    Currculo e diferenas: invenes sobre ensinar e aprender ..................................................................... 21Maria Isabel Habckost Dalla Zen Roseli Ins Hickmann

    Conhecimentos escolares sob outras configuraes: efeitos das movimentaes disciplinares e de controle? ........ 33El Terezinha Henn Fabris Clarice Salete Traversini

    Da turma de progresso docncia compartilhada: uma experincia de incluso na EMEF Dolores Alcaraz Caldas .......55Maria Cludia DalIgna Paula Cristina Pagot Elenilton Neukamp Ester Rodrigues Leo Priscila Gomes Dornelles Denise Severo Spadoni de Vargas Catiana Quadros da Silva Pessi

  • Docncia compartilhada, planejamento integrado e prticas avaliativas ....................................................................71Roseli Ins Hickmann Maria Bernadette Castro Rodrigues

    A incluso escolar como governamento poltico e tico: uma nfase nos processos sociais em detrimento dos processos pedaggicos ...................................83Kamila Lockmann Paula Corra Henning

    Docncia compartilhada e incluso: planejar na pespectiva da diferena .............................................................101Mariza Rabello de Almeida Tnia Regina Silva da Silva

    Arranjos diferenciados nos ciclos de formao: projeto Docncia compartilhada como alternativa de prticas curriculares ............................................................. 111Carlos Augusto Callegaro Catiana Quadros da Silva Pessi Mrcia Almeida Soares Margarete Rossoni Maria Anglica Mallmann Maria Salete Roman Ross Patrcia Cornetet Patrcia Andrades Oliveira Rejane Tesch Barreto Noal Ricardo de Souza Santos

    Diferenas no III ciclo do ensino fundamental: experenciando outras prticas pedaggicas ........................... 125Maria Luisa M. de F. Xavier Ndia Geisa S. de Souza Maria Rosangela C. Monteiro

    Prticas curriculares de in/excluso na educao de jovens e adultos ....................................................................141Sandra dos Santos Andrade

  • Docncia Compartilhada: uma alternativa para novos desafios a serem enfrentados pela escola inclusiva ..........................................................................161Mrcia Dias Logurcio Maria Madalena Ferrari Maria Rosngela Carrasco Monteiro Suzana Moreira Pacheco

    Que polticas? Que prticas curriculares? Que sujeitos? O atendimento educacional especializado em questo .......... 179Mrcia Lise Lunardi-Lazzarin Simoni Timm Hermes

    Diferena surda, nomadismo e incluso escolar: tensionamentos ........................................... 197Betina Hillesheim Adriana da Silva Thoma

    Culturas juvenis: (des)ordenamentos e (des)encaixes nos currculos escolares contemporneos ......................................................209Elisabete Maria Garbin Daniela Medeiros de Azevedo Marlia Bervian Dal Moro

    Arte da docncia, prticas curriculares e inquietaes contemporneas .......................................................................225Luciana Gruppelli Loponte

  • PRLOGO

    Prcticas curriculares e inclusin: transgrediendo finitudes

    Mariano Narodowski1

    En los albores de la pedagoga moderna, en el siglo XVII europeo, la obra de Jan Amos Comenius propalaba la necesidad de Ensear todo a todos lo que pasara a constituir la mxima utopa de la modernidad educacional; elemento central del paradigma transdiscursivo que la sostiene. Despus de tres siglos de pensamiento pedaggico moderno, difcilmente encontremos una sntesis tan aguda como precisa capaz de englobar de modo tan contundente al pensamiento igualitarista de la educacin. Sin embargo, y ms all de los slogans que durante tanto tiempo le han seguido, ese ideal pansfico concita no pocas controversias no ya en su proclama discursiva sino, sobre todo, en su forma de aplicacin concreta. Por el lado del todos; es decir, en relacin a quines son todos aquellos que deben ser educados, los problemas de lo que hoy denominamos inclusin ya aparecen en forma patente.

    En efecto, en la Didctica Magna (COMENIUS, 1986) separa en cuatro fases lo que denomina las edades de la vida e incluye a cada una de ellas en un momento especfico de la escolarizacin. De esta forma, hasta los seis aos de edad los ubica en la escuela materna, hasta los doce aos en la escuela elemental, hasta los dieciocho aos en el Gimnasio y hasta los veinticuatro aos en la Academia. Es verdad que con el tiempo transcurrido desde entonces la psicologa del nio y la pedagoga refinaron algunas de estas etapas y categorizaciones, pero es posible observar que casi todos los sistemas educativos estatales del siglo XXI han confirmado la clasificacin originaria de Comenius y la han perpetuado en los ltimos trescientos aos (NARODOWSKI, 2001).

    El hecho simple y esperable consistente en dividir las edades de los seres humanos y por ese medio ubicar alumnos en diferentes grados o niveles educativos supone, por un lado, una determinada versin de la educabilidad en el sentido de la capacidad de las personas de ser educadas y, por otro, la

    1 Profesor de la Universidad Torcuato Di Tella, Argentina.

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    Currculo e Incluso na escola de ensino fundamental

    delimitacin curricular y el sostenimiento de dispositivos que habrn de incluir, o no, a los alumnos en el sistema educativo.

    De hecho, ya en la Didctica Magna, la implementacin de la inclusin de alguna manera remite a un implcito cuestionamiento a la eficacia real del ensear todo a todos: por ejemplo, la escuela infantil estar, segn el propio Comenius, una en cada hogar pero el Gimnasio se erigir uno en cada ciudad: la escuela secundaria - obviamente - no estaba diagramada para incluir verdaderamente a todos.

    Otra delimitacin supuestamente natural del todos consecuente con determinados criterios de educabilidad consiste en la identificacin de aquellos nios que por razones tericamente naturales son directamente excluidos de la educacin en escuelas. El uso de un determinado criterio de educabilidad como el procedimiento de su identificacin y posterior discriminacin forman parte de los mecanismos de prctica curricular a veces ocultos y a veces implcitos de inclusin y la utilizacin de ciertos dispositivos curriculares para avalarlos. Comenius haba determinado que nadie deba ser excluido de la escolarizacin por motivos naturales pero, obviamente, esto no ha sucedido.

    Pero la misma prctica escolar sostiene otros mecanismos de inclusin/exclusin aunque no ya aplicado al todos del ideal pansfico a la dimensin cuantitativa de la educabilidad sino a su dimensin cualitativa vinculada a la lgica curricular. La solucin brindada por Comenius a la pregunta respecto de qu se ensea en las escuelas es brillante: hay que ensearlo todo pero en sus fundamentos en el contexto de la razn enciclopedista y neo-estoica propias de la modernidad pedaggica (NARODOWSKI, 2001).

    Una revisin de esos principios bajo la sombra de una crtica posestructuralista habr de precisar el hecho de que el recorte disciplinario operado por la accin curricular en su intento de llegar, comenianamente, a la enseanza del fundamento de todas las cosas, mantiene no pocas consecuencias sobre la educabilidad y por ende tambin sobre la cuestin de la inclusin: estas no son meramente un residuo cuantitativo de operaciones y dispositivos polticos sino que anidan en los pliegues de la prctica curricular. Pliegues que pueden ser auscultados y evidenciados en sus formas y en sus intersticios.

    Es as que la pedagoga y la investigacin educativa transitan todo el tiempo por una suerte de cornisa conceptual en la que la firmeza de los postulados igualitaristas llamando a la inclusin estn permanentemente expuestos y confrontados, al abismo de las exclusiones agazapadas en dispositivos casi

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    nunca fcilmente visibles: buscarlos, hallarlos, conceptualizarlos y proveer medios tcnicos y polticos para su superacin constituyen una tarea ardua y que necesita del anlisis meticuloso de la construccin efectiva de las realidades que las escuelas cotidianamente construyen.

    Una vez que la denominada pedagoga crtica hubo de denunciar, con errores y aciertos, los meandros ocultos y silenciados de la prctica curricular, mostrando que la inocencia y la puerilidad de la prctica escolar esconden mecanismos de poder vinculados al saber y a las instituciones, es posible continuar con el intento crtico asumiendo la posibilidad de continuar develando aquellos dispositivos a la vez que mostrando alternativas y posibilidades plurales. En esta lnea, el libro que aqu se presenta, pretende, justamente, exponer resultados de la investigacin y acompaarlos con una relevante produccin terica en torno a las posibilidades y lmites en relacin al currculum y la inclusin.

    En el libro Currculo e incluso na escola de Ensino Fundamental las organizadoras: Clarice Salete Traversini y Maria Isabel Habckost Dalla Zen (Profesoras de la Universidad Federal de Rio Grande do Sul) y Eli Terezinha Henn Fabris y Maria Cludia DalIgna (de la Universidade do Vale do Rio dos Sinos) abren un amplio espectro de reflexiones convocando a autores diversos en sus posturas tericas, en sus trayectorias profesionales y en el abordaje a los problemas que depara la posibilidad de construir la problemticas desde diversos ngulos y con diversos focos: desde la visin ms abstracta y general de la prctica terica hasta el anlisis especfico de la prctica escolar.

    En esa tensin entre una prctica escolar y curricular que tiende a delimitar espacios conceptuales y de gobierno y el ideal igualitario de la inclusin heredero de la vieja pretensin comeniana de la pansofia de la modernidad, los captulos evidencian preocupaciones diferentes temticas y de enfoque pero anudadas en el rigor conceptual e investigativo y en la mancomunin en funcin de dar cuenta de la importancia y la densidad de la problemtica. De hecho, la obra est enteramente compuesta por textos oriundos de pesquisas realizadas por profesores universitarios de cinco programas de Posgrado en educacin del Estado de Rio Grande do Sul (Brasil) como de artculos producidos por educadores integrantes de la red de escuelas pblicas que vienen implementando una poltica de inclusin escolar en el sistema educativo municipal organizado por ciclos de formacin para la Educacin Fundamental, en la ciudad de Porto Alegre-RS.

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    Currculo e Incluso na escola de ensino fundamental

    En esta interesante, poco frecuente, pero siempre bienvenida mezcla de acadmicos y educadores, se halla, seguramente, un mrito adicional del libro: la posibilidad de reunificar en un solo espacio (en catorce captulos) el pensar y el hacer en relacin con la escuela, el curriculum y la inclusin. Esa enajenacin entre el saber erudito y el prctico aparece en este libro armnicamente combinada.

    En resumen, si el formato escolar del siglo XVII del que todava somos tributarios sumado a las proclamas igualitaristas, como el ideal pansfico, de las que somos herederos y orgullosos portadores siguen ambas de algn modo vigentes, condicionando en los logros y las dificultades de nuestro accionar, una reflexin relevante que suponga la necesidad de transgredir los lmites de estos dispositivos (y de hacerlo no solamente en una prctica irreflexiva sino con una teora que acompae y alerte).

    Los estudios y las investigaciones expuestos en este volumen pretenden ser una clara contribucin en ese sentido: transgresin del lmite de lo pensable en trminos pedaggicos, disciplinares y curriculares. Preguntas y cuestiones en ambos lados de los lmites articulados hace siglos por el paradigma transdiscursivo de la pedagoga moderna.

    Referencias

    COMENIUS, Jan Amos (1986) Didctica Magna (trad. al castellano de Saturnino Lpez Peces) Akal: Madrid, (1era edicin en checo 1632).

    NARODOWSKI, Mariano (2001) Infncia e poder: conformao da pedagogia moderna Universidade So Francisco: Sao Paulo

  • INTRODUO

    Pontos de ancoragem: a pesquisa, o currculo e os processos de in/excluso no Ensino

    FundamentalClarice Salete Traversini

    Maria Isabel Habckost Dalla Zen El Terezinha Henn Fabris

    Maria Cludia DalIgna

    Como estamos pesquisando as prticas curriculares e a incluso na escola?

    O conjunto de textos que compe este livro, cujo objetivo reunir resultados de pesquisas que focalizam prticas curriculares ditas inclusivas no Ensino Fundamental, permite exercitar possveis respostas. Essas pesquisas, a partir da pluralidade de teorizaes, apresentam abordagens que ora se afinam, ora se distanciam no modo de olhar, selecionar e produzir interpretaes sobre os dados1. Sob nosso ponto de vista, tais abordagens enriquecem e ampliam as discusses exigidas para a leitura, a anlise e a interveno nos processos educativos, aes essas imprescindveis para se lidar com a complexidade da escola contempornea.

    Comearemos, ento, explicitando de que modo entendemos currculo. Compreendemos esse artefato como uma construo histrica de saberes e culturas, um territrio para se pensar as diferenas numa dimenso que movimenta o ensinar e o aprender no mbito escolar. Longe de ser somente uma lista de contedos, para ns, o currculo incorpora esses contedos e prticas de ensino e aprendizagem para constituir o sujeito em seus processos no mbito do cognitivo e de sua insero sociocultural. As prticas de uma cultura so trazidas para a escola por meio das prticas curriculares: aes que articulam contedos com metodologias de ensino, operacionalizadas nas atividades pedaggicas, propostas pelos/as professores/as, com vistas a alcanar a aprendizagem de determinados conhecimentos, valores e comportamentos. Desse modo, podemos dizer que as prticas curriculares articulam elementos

    1 Em nossa perspectiva terica, entendemos os dados como sendo produzidos pelo/a pesquisa-dor/a (GEERTZ, 1989).

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    Currculo e Incluso na escola de ensino fundamental

    que existem no mundo, ao mesmo tempo em que criam sentidos para o mundo ocupando uma posio central nos processos de incluso escolar.

    Argumentamos que na escola contempornea o currculo, necessariamente, precisa ser pensado, discutido e viabilizado na perspectiva da incluso e da excluso, numa dimenso relacional, por isso o compreendemos como um processo de in/excluso. Em se tratando de tal perspectiva, importante pensar as prticas pedaggicas imersas na complexidade de uma escola que, sob o imperativo da incluso, precisa abrir-se para incluir a todos/as e, ao mesmo tempo, enfrentar limitaes de todas as ordens que impedem o acesso com garantia de qualidade nas incluses que promove.

    Os eixos que fazem parte desta obra currculo e in/excluso vm sendo apontados na literatura educacional brasileira em larga escala. O primeiro eixo, por assim dizer, problematiza as relaes saber-poder (MOREIRA, SILVA, 2011; PARASO, 2004; SILVA, 2007; VEIGA-NETO, 2008). J o segundo, in/excluso, agregou-se s discusses curriculares, incorporando distintas perspectivas (BAPTISTA, 2004; BEYER, 2006; LOPES; FABRIS, 2013; SKLIAR, 2005). Essas teorizaes tm influenciado significativamente os grupos de pesquisa com os quais temos compartilhado fecundas interlocues2.

    Os dilogos acadmicos produzidos nas/entre disciplinas, orientao e avaliao de projetos de teses, dissertaes, monografias de concluso de curso de graduao e especializao, orientaes de estgios de graduao e ps-graduao, participao em programas para formao de professores para implementao de polticas pblicas3 suscitaram a elaborao desta publicao temtica compartilhada entre os grupos de pesquisa.

    Fundamentalmente, nosso fio condutor foi a opo por pesquisar com e no sobre a escola. Mas, por que estudar a escola, um lugar onde, supostamente, as prticas so to previsveis? Em uma primeira instncia, somos todas professoras! A repercusso dessa experincia para ns tem vrias dimenses; dentre essas, o fato de estarmos constantemente envolvidas em discusses sobre os eixos educao, formao de professores, escola, prticas curriculares e in/excluso. Essas vivncias e a necessidade de interveno no cotidiano conflituoso da escola espao de experincias socioculturais de

    2 O impacto dessas teorizaes pode ser observado em algumas de nossas produes acadmicas (DALIGNA, 2007; FABRIS, 2009; TRAVERSINI, XAVIER, SOUZA, RODRIGUES, DALLA ZEN, 2012; SOUZA, XAVIER, TRAVERSINI, DALLA ZEN, RODRIGUES, RAMOS, 2012).3 Programa Mais Educao (SEB/MEC) e Programa Institucional de Bolsa de Iniciao Docncia (PIBID/MEC).

  • Currculo e Incluso na escola de ensino fundamental

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    um grande contingente de crianas, jovens e adultos, repleto de situaes de complexo entendimento , portanto, se tornam desafios para quem pesquisa educao no contexto brasileiro.

    Assim sendo, sentimo-nos convocadas a escutar, a dizer, a tensionar a escola, esse lugar pelo qual temos enorme respeito e onde estamos circulando constantemente4, buscando desacomodar discursos e (im)possibilidades. Essa desacomodao gera outras perguntas para aquilo que julgamos conhecer muito de perto e explicar com algumas certezas.

    Para tanto, os alinhavos deste livro comearam a ser delineados no final de 2011 e, na sequncia, discutimos, escrevemos e revisamos os textos, em um trabalho conjunto, ao longo de 2012. Deste modo, a prpria configurao compartilhada desse trabalho possibilitou a formao de professores/as pesquisadores/as, envolvendo participantes das escolas e das universidades5.

    O Grupo de Estudos sobre Educao e Disciplinamento da Faculdade de Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (GPED6) e o Grupo de Estudo e Pesquisa em Incluso da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (GEPI7) articularam-se, ento, para socializar conhecimentos e metodologias produzidos por meio dos seus estudos. Assim sendo, este livro compe-se de quatorze artigos, os quais foram resultado de parcerias com professores/as de cinco Programas de Ps-Graduao em Educao (Universidade Federal de Santa Maria UFSM, Universidade Federal de Rio Grande FURG, Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC, Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS e Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS),

    4 Referimo-nos aqui as nossas experincias na e com a escola na condio de docentes do ensino superior e da educao bsica.5 Especialmente agradecemos bolsista Lcia Vilma Lissarassa da Silva Carvalho pelo auxlio nos processos de interlocuo entre os artigos.6 Grupo criado em 1992, sediado na Faculdade de Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FACED/UFRGS) e cadastrado na plataforma do CNPq desde 2007. constitudo por docentes e estudantes ligados Graduao e ao Programa de Ps-Graduao em Educao da FACED/UFRGS. Constitui-se em um espao de produo, discusso de pesquisas e divulgao de conhecimentos sobre formao de professores e prticas curriculares no mbito dos processos inclusivos, nas perspectivas dos estudos culturais em educao e dos estudos foucaultianos.7 Grupo criado em 2000, sediado no Programa de Ps-graduao da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, (PPGEDU/UNISINOS) e cadastrado na plataforma do CNPq desde 2010. composto por pesquisadores/as de distintas universidades que se renem, semanalmente, com o objetivo de estudar, discutir e compartilhar resultados de pesquisas sobre a temtica central da in/excluso. Alicerados/as na perspectiva ps-estruturalista, problematizam a incluso como celebrao da di-ferena e como princpio universal, entendendo-a como um campo de tensionamento permanente das verdades que posicionam os sujeitos e definem polticas sociais e educacionais.

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    Currculo e Incluso na escola de ensino fundamental

    por meio de artigos elaborados pelas professoras integrantes dos grupos de pesquisa que organizaram esta obra e pelo coletivo de professores/as de trs escolas da rede municipal de Porto Alegre-RS, nas quais se desenvolveu a ao de implementao de uma ao inclusiva denominada de Projeto Docncia Compartilhada8. Parte das pesquisas que geraram os artigos aqui divulgados contou com financiamentos e/ou auxlios de rgos pblicos como CNPq, CAPES, FAPERGS, UNIBIC/UNISINOS9 e Propesq/UFRGS10. A outra parte contempla trabalhos de reflexo produzidos pelo coletivo de professores/as de trs escolas, nas quais se realizaram alguns dos projetos financiados.

    Os artigos integrantes desta publicao lanaram mo dos focos a seguir relacionados: o primeiro analisa a implementao de polticas pblicas de incluso, mais especificamente, pela via do projeto Docncia Compartilhada. Tais textos se propuseram a discutir estratgias de incluso, seus movimentos e tenses vividos em escolas municipais, para viabilizar a socializao e as aprendizagens dos alunos; prticas pedaggicas e aprendizagens discentes e docentes em turmas regulares nas quais esto alunos com necessidades educativas especiais; processos de planejamento e parmetros de desempenho escolar adotados para posicionar os alunos no lugar de aprendentes. O segundo, de maneira mais ampla, visibiliza o modo como os discursos focalizam os sujeitos aprendentes nos processos de incluso; prticas de excluso da escola regular narradas por alunos da EJA, com atravessamentos de gnero, classe e raa/cor; narrativas de alunos surdos sobre suas trajetrias nmades marcadas pela busca de espaos de pertencimento e continuidade de escolarizao; culturas juvenis e suas

    8 A Docncia Compartilhada (DC) uma proposta pedaggica criada para atender s turmas com-postas por alunos ditos normais e alunos com necessidades educativas especiais (NEEs), atravs de um trabalho pedaggico desenvolvido em parceria por dois professores interagindo com a turma ao mesmo tempo: um professor dos anos iniciais, com um professor de rea especifica de conhecimento, por exemplo: uma pedagoga e uma professora de histria. A referida proposta desenvolvida na rede municipal de educao de Porto Alegre-RS, organizada por ciclos de formao, os quais compreen-dem o agrupamento de turmas por idade. Inicialmente, essa organizao implicou, dentre as turmas regulares, a criao de turmas de progresso, as chamadas TPs agrupamentos de alunos com defa-sagem entre faixa etria e escolaridade formao que, recentemente, est sendo repensada e subs-tituda pela enturmao de alunos com NEEs em turmas regulares, amparada pelo Projeto Docncia Compartilhada. Enturmao entendida como um processo complexo, realizado ao final de cada ano letivo, para agrupar os alunos nas turmas. Esse processo se baseia nos parmetros pedaggicos e na avaliao do coletivo de professores de cada ano-ciclo (KINOSHITA, 2009, p.23).9 A pesquisa com sede na Unisinos contou com auxlio da Unidade de Pesquisa dessa instituio com bolsas de Iniciao Cientfica.10 O Grupo de Pesquisa GPED/UFRGS contou com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvi-mento Cientfico e Tecnolgico CNPq e da Pr-Reitoria de Pesquisa e Ps-Graduao-PROPESQ-

  • Currculo e Incluso na escola de ensino fundamental

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    experincias sinalizando possibilidades de dilogo com o currculo escolar. E, por fim, o terceiro problematiza a discusso relativa formao de professores. Particularmente, a que se refere ao Atendimento Educacional Especializado (AEE) e ao modo como esse produz a docncia na Educao Especial. Tal foco finaliza o rol de textos com algumas provocaes que as artes visuais contemporneas podem trazer para nossos modos de pensar a docncia e seus efeitos nas prticas curriculares.

    Entusiasmadas, apresentamos este livro, reiterando que sua publicao resultado das pesquisas e prticas que temos desenvolvido nas universidades e nas escolas por onde circulamos e onde trabalhamos. Esperamos compartilhar com os/as leitores/as os textos que aqui se encontram, com o objetivo de contribuir para a multiplicao das formas de pensar a escola contempornea e seu currculo, hoje centralmente envolvidos com as prticas de in/excluso.

    Referncias

    BAPTISTA, Cludio R. Incluso Escolar, Imagens e Projetos: o que aprendemos com as pesquisas?. In: BARBOSA, Raquel Lazzari Leite. (Org.). Trajetrias e Perspectivas da Formao de Educadores. So Paulo: Editora da UNESP, 2004. p. 357-369.

    BEYER, Hugo O. Da integrao escolar educao inclusiva. In: BAPTISTA, Cludio R. (Org.) Incluso e escolarizao mltiplas perspectivas. Porto Alegre: Mediao, 2006. p. 73-81.

    DALIGNA, Maria Cludia. Currculo, conhecimento e processos de (in)excluso na escola. In: LOPES, Maura C.; DALIGNA, Maria Cludia. (Orgs.). In/Excluso nas tramas da escola. Canoas/RS: ULBRA, 2007. p. 35-48.

    FABRIS, Eli Henn. A produo do aluno nos pareceres descritivos: mecanismos de normalizao em ao. In: LOPES, Maura Corcini; HATTGE, Morgana Domnica (Orgs.). Incluso escolar: conjunto de prticas que governam. Belo Horizonte: Autntica Editora, 2009. p.51-67.

    GEERTZ, C. Estar l, Escrever Aqui. Dilogo. So Paulo, v. 22, n.3, p. 58-63, 1989.

    KINOSHITA, Julia Harue. Docncia Compartilhada: dispositivo pedaggico para acolher as diferenas? PPGEDU/FACED/UFRGS: Porto Alegre, 2009. (Trabalho de concluso - Curso de Especializao em Educao Especial e Processos Inclusivos)

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    Currculo e Incluso na escola de ensino fundamental

    LOPES, Maura Corcini. Incluso escolar: currculo, diferena e identidade. In: LOPES, Maura Corcini; DALIGNA, Maria Cludia. (Orgs.). In/Excluso nas tramas da escola. Canoas/RS: ULBRA, 2007. p. 11-34.

    ____. FABRIS, Eli Henn. Incluso & Educao. Belo Horizonte: Autntica, 2013.

    MOREIRA, Antonio Flavio B.; SILVA, Tomaz Tadeu. (Orgs.). Currculo, cultura e sociedade. 12. ed. So Paulo: Cortez, 2011.

    PARASO, Marlucy Alves. Pesquisas Ps-crticas em Educao no Brasil: esboo de um mapa. Cadernos de Pesquisa, So Paulo, v. 34, n. 122, p. 283-303, maio/ago. 2004.

    SKLIAR, Carlos Bernardo. Os estudos surdos em educao: problematizando a normalidade. In: ______. (Org.). A surdez: um olhar sobre as diferenas. 3.ed. Porto Alegre: Mediao, 2005. p. 7-32.

    SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introduo s teorias do currculo. 2.ed. Belo Horizonte: Autntica, 2007.

    SOUZA, Ndia Geisa Silveira de; XAVIER, Maria Luisa Merino de Freitas; TRAVERSINI, Clarice Salete; DALLA ZEN, Maria Isabel Habckost; RODRIGUES, Maria Bernadette Castro; RAMOS, Carolina Lehnemann. Leituras e desdobramentos possveis de textos escolares de alunos do III Ciclo. In: FETZNER, Andra R. (Org.). Como romper com as maneiras tradicionais de ensinar? Reflexes didtico-metodolgicas. Rio de Janeiro: Wak Editora, v. 6, p. 195-218, 2012.

    TRAVERSINI, Clarice Salete; XAVIER, Maria Luisa Merino de Freitas; SOUZA, Ndia Geisa Silveira de; RODRIGUES, Maria Bernadette Castro; DALLA ZEN, Maria Isabel Habckost. Processos de incluso e docncia compartilhada no III ciclo. Educao em Revista (UFMG. Impresso), v. 28, p. 285-308, 2012.

    VEIGA-NETO, Alfredo. Crise da modernidade e inovaes curriculares. Da disciplina para o controle. Ssifo Revista de Cincias da Educao, n.7, p.141-150, 2008.

  • Currculo e diferenas: invenes sobre ensinar e aprender

    Maria Isabel Habckost Dalla Zen1 Roseli Ins Hickmann2

    Quem no tem ferramentas de pensar, inventa. (BARROS, 2010, p. 473).

    Pontos de partida

    Currculo: um tempo-espao, um lugar de migraes de conhecimentos, saberes e culturas, um territrio de passagens e de ocupao constante para se pensar e exercitar as diferenas e a multiplicidade de conhecimentos, que ora se diferenciam, se distanciam, e ora se hibridizam e se interpenetram. sobre esse artefato que o presente artigo ir se debruar, buscando compreend-lo com seus despropsitos e invenes (BARROS, 2010), quanto aos movimentos do ensinar e do aprender com a/na diferena no mbito escolar.

    sabido que as discusses que envolvem o ensinar e o aprender so recorrentes no campo dos estudos de currculo. Por isso, no se trata, aqui, de algo novo, mas de um reaparecimento do j dito, que se renova a partir de experincias escolares vistas como acontecimentos (GERALDI, 2010). Para o autor, incorporar a noo de aula como acontecimento implica tom-la como lugar donde vertem as perguntas (ibidem, p. 97). Ao pensar em aulas como um acontecimento, uma pergunta a respeito do currculo, pois, nos ocorre: como tornar parte dele as experincias dos alunos? Lgicas e saberes: como ressignific-los, interpretando/reconhecendo indcios de conhecimentos em processo para ampliar esses saberes? Ou, recorrendo ao poeta citado, como

    1 Doutora em Educao pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora associada do Departamento de Ensino e Currculo da Faculdade de Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integra o Grupo de Pesquisa em Educao e Disciplinamento (GPED/FACED/UFRGS). Contato: [email protected] Doutora em Educao pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora Adjunta do Departamento de Ensino e Currculo da Faculdade de Educao/UFRGS. Integra o Grupo de Pes-quisa em Educao e Disciplinamento (GPED/FACED/UFRGS). Contato: [email protected]

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    lidar com os despropsitos e as invenes dos alunos? Como fazer deles acontecimentos curriculares?

    No aeroporto o menino perguntou: - E se o avio tropicar num passarinho? O pai ficou torto e no respondeu. O menino perguntou de novo: - E se o avio tropicar num passarinho triste? A me teve ternuras e pensou: Ser que os absurdos no so as maiores virtudes da poesia? Ser que os despropsitos no so mais carregados de poesia do que o bom senso? (BARROS, 2010, p. 469).

    Seguimos, desse modo, na linha da virtude dos pensamentos correndo soltos; cambaleantes e em profuso; carregados de lgicas interessantes, desconsertantes, poticas... No seria esta uma maneira de exercer o bom senso pedaggico, tal como a me citada no poema? Ou seja: no seria esta uma forma mais viva de dialogar com as experincias das salas de aula, colocando em estado de jogo a programao curricular? A palavra experincia novamente aparece e nos interpela. Em outro texto3 tambm escrevemos sobre o sentido que atribumos a esse conceito, sintonizadas com as palavras de Larrosa (2004), e acreditamos ser importante retom-lo aqui: a experincia um acontecimento, uma ocorrncia no mbito do sensvel, algo ao qual estamos expostos, uma fissura capaz de fazer emergir a criao no cotidiano, um devir.

    Se assim a reconhecemos e nos afetamos, parece-nos uma postura sensvel, e teoricamente desejvel, considerar as experincias dos alunos: suas perguntas tropicando em passarinhos tristes e faceiros, seus assuntos, comentrios e argumentos aparentemente despropositados os quais, muitas vezes, ficam de fora em currculos com arquitetura rigidamente estruturada. E h muitos funcionando dentro desse modelo histrica e largamente padronizado, em tempos escolares aprisionados e recheados de tarefas e no, propriamente, de trabalhos educativos produtivos. De acordo com Arroyo (2011, p. 208), o tempo no apenas contribui para a aprendizagem da cultura do tempo, mas condio para o ensinar e o aprender. Nessa perspectiva, alerta o autor: como articular tempos institudos, sequenciados, num ordenamento temporal, com tempos pessoais, de grupos etrios, sociais, culturais? Ao afirmarmos que o

    3 DALLA ZEN, M. I.; HICMANN, R. I. A interveno compartilhada na sala de aula: uma expe-rincia metodolgica de pesquisa, 2012 (em avaliao).

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    aluno contemporneo outro, haveria que se fazer um esforo, ento, para sintonizar tempos da vida e tempos da escola (ARROYO, 2011).

    Desse lugar, assim como a me aludida nos versos poticos, que teve ternuras e pensou, poderamos compreender o currculo como espao para outras reinvenes, concretizadas em uma disposio para: 1. encarar a imprevisibilidade dos tempos em que se produzem a vida cotidiana e as aprendizagens dos alunos; 2. apostar na observao desses tempos, lendo gestos, expresses, enfim, curiosidades e interesses dos alunos na dimenso de recados fecundos para o interlocutor-professor; 3. mobilizar e ampliar o repertrio de saberes prvios dos estudantes, investindo em uma seleo de outros conhecimentos produzidos e acumulados pela humanidade significativos e contextualizados historicamente; 4. pesquisar/estudar e apropriar-se desses conhecimentos, construindo ferramentas adequadas para mltiplas prticas pedaggicas.

    Elas e eles tinham no rosto um sonho de ave extraviada.

    Ele tinha no rosto um sonho de ave extraviada. Falava em lngua de ave e de criana. Sentia mais prazer de brincar com as palavras Do que pensar com elas. Dispensava pensar. (BARROS, 2010, p. 485).

    Elas e eles sobre os quais nos referimos dizem respeito a professoras e alunos de uma sala de aula efervescente, da Escola Municipal Gilberto Jorge Gonalves da Silva, de Porto Alegre/RS, organizada por ciclos de formao. A turma denominada C124 e faz parte do Projeto de Docncia Compartilhada (DC)5 da citada escola. Tal projeto est organizado para ser desenvolvido nas salas de aula, de forma conjunta por duas professoras uma pedagoga e uma licenciada nas diferentes reas de conhecimento que compem o currculo do 3 ciclo do Ensino Fundamental. Nas anlises aqui apresentadas, sero focalizadas, especificamente, prticas curriculares implementadas por duas professoras da turma C12: uma licenciada em Histria e a outra em Pedagogia.

    4 C12 a denominao de uma das turmas do 1 ano do 3 ciclo do Ensino Fundamental.5 Doravante, neste texto, o projeto de Docncia Compartilhada ser identificado por DC.

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    No ano de 2011, como integrantes do GPED/UFRGS6, nos aproximamos das professoras regentes da classe, tendo como foco as prticas de ensinar e aprender, a singularidade da DC e, ainda, o fato de alguns alunos dessa turma apresentarem necessidades educativas especiais em vrias dimenses (Transtorno Global do Desenvolvimento autismo , deficincia mental etc.). Essas questes, por assim dizer, se vinculam ao tema central de estudo do nosso grupo de pesquisa, qual seja: prticas curriculares nos processos escolares inclusivos. As observaes e a prtica das intervenes compartilhadas fomos parceiras de discusso sobre os registros das observaes realizadas na turma durante um tempo do percurso pedaggico tiveram consequncias nas tomadas de posio referentes s escolhas curriculares por parte das professoras.

    Elas e eles falavam em lngua de ave e de criana

    As professoras planejavam as atividades reinventando, cotidianamente, o percurso, com a cabea cheia de perguntas, e surpreendendo-se com as respostas aparentemente despropositadas. Que lngua falaramos se no tivssemos sido colonizados pelos portugueses? perguntou um menino durante uma discusso sobre os povos indgenas. Temos a vestgios de que comeavam a compreender os conceitos colonizador/colonizado. Foram estabelecendo relaes entre pases, sobre as lnguas faladas nos mesmos e comearam um jogo de responder o nome de algumas capitais. E as professoras, atentas, entravam em estado de jogo, que significa ter uma predisposio ao inusitado e incorporar essa lngua de ave nas discusses. Ou seja, aproveitar esses momentos-acontecimentos para fazer emergir novas perguntas e novas tramas dos tempos e interesses de aprendizagens. Nesse sentido, importante destacar que a dupla de professoras, sob os efeitos produzidos pelas anlises compartilhadas de suas prticas de sala de aula, j no estava afeita aos aprisionamentos da programao curricular. Mais importante se tornavam a articulao dos temas e as relaes construdas sobre os mesmos. E, sob essa perspectiva, vrias abordagens foram desencadeadas e estendidas de um ano para o outro.

    Em novembro de 2011, por exemplo, fizeram um inventrio coletivo de assuntos trabalhados com a elaborao de um ndice as professoras

    6 O referido grupo de pesquisa (Grupo de Pesquisa em Educao e Disciplinamento GPED) desenvolve o projeto intitulado A incluso chega ao 3 ciclo: avanos e impasses no processo de socializao e aprendizagens detectados.

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    queriam situar os acontecimentos curriculares, ou seja, o muito que havia sido feito e aprendido e de acordo as possibilidades peculiares de cada aluno. Para a mesma turma em 2012, elas apresentaram um circuito de slides com a retrospectiva das situaes de ensino-aprendizagem vivenciadas no ano anterior povos mesopotmicos; povos indgenas; visita a uma exposio sobre os ndios Guarani; Misses Jesuticas (projeto Viagem s Misses); estudo sobre museu e patrimnio histrico como preparao para a mostra que seria planejada; Exposio/mostra das aprendizagens sobre os temas desenvolvidos; produo de uma coletnea de lendas indgenas.

    Nesse recorte de currculo vivo, vale destacar a diversidade de gneros discursivos/textuais acionados: vdeos, visitas guiadas a museus, textos impressos (verbetes, literatura, informativos). Nas produes escritas: elaborao de folhetos informativos sobre a mostra de trabalhos, legendas, cartazes. Dentro desse contexto, destacamos a postura do aluno G. durante a palestra7 sobre patrimnio e museu: o aluno, com entusiasmo quase atnito para participar, elencou uma lista considervel de perguntas entremeadas com comentrios que evidenciavam saberes e envolvimento com o tema que estava em cena.

    Sentiam mais prazer de brincar com as palavras. Esse verso lembra um episdio, como muitos dos que ocorrem em salas de aula, o qual vale a pena retomar. Trata-se da experincia do aluno E. Ao ser instigado na escrita de palavras que lembrassem as caractersticas de vida dos povos indgenas, resolveu fazer o desenho de um nibus com o smbolo e o nome do seu time de futebol, como se as palavras fossem pssaros a voar pela sala e a brincar com as ideias. O referido aluno apresentava uma perceptvel defasagem cognitiva e estava em um processo inicial de leitura e escrita. A situao descrita nos permite dizer que h momentos em que os modos de pensar e processar a linguagem escolar de algumas crianas nos escapam; preciso ver que palavras e significaes extraviadas so essas; o aluno E. escreveu palavras queridas que sabia grafar com segurana. Assim como o aluno E., nessa turma, outras aves faziam voar e aterrissar palavras... Eis, ento, a necessidade de reconhecer as diferenas e tambm o sujeito da experincia, lembrando que tal sujeito se constitui por suas fragilidades, vulnerabilidades e incertezas, ou ainda, [...] pelo que uma e outra vez escapa a seu saber, a seu poder, a sua vontade (LARROSA, 2012, p. 290).

    7 Palestra proferida, na escola, pela professora Laura Habckost Dalla Zen, coordenadora do Pro-grama Educativo da Fundao Iber Camargo Porto Alegre/RS.

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    Sobre desexplicar a diferena no currculo

    Escrever uma coisa Nem outra A fim de dizer todas Ou, pelo menos, nenhumas. Assim, Ao poeta faz bem Desexplicar Tanto quanto escurecer Acende os vaga-lumes. (BARROS, 2010, p. 264-265).

    Faz-se pertinente dialogar, neste texto, com os tensionamentos entre a heterogeneidade e a homogeneidade, para buscar desexplicar (ibidem) o movimento da diferena no currculo, considerando que, talvez, tal desafio se constitua numa (im)possibilidade de explicar por que crianas e jovens tm se deparado com este lugar a ser ocupado no cotidiano escolar. Ou ainda, como nos interroga Corazza (2012), por que este lugar das diferenas, com as suas culturas, tem nos interpelado e desafiado com suas alteridades? A prpria autora nos esclarece, dizendo que os diferentes, ao desequilibrarem as relaes conhecidas, dissolveram a sensao de segurana identitria, tornando estranho tudo o que antes era familiar (ibidem).

    Um currculo que dialogue com a homogeneidade enquanto igualdade de direitos, possivelmente, ter de se debruar sobre a necessidade de praticar polticas de incluso e garantir acesso educao como um direito a ser exercido cotidianamente, mas, importante afirmar: sem ser de forma homognea. Isto , ter presente a complexidade que envolve os percursos e as trajetrias das aprendizagens e de suas expressividades (ESTEBAN, 2004).

    E quanto heterogeneidade no currculo, h que se enfrentar os desafios que nos provoca a diferena, isto em termos de sujeitos, relaes com os saberes, conhecimentos, aprendizagens, avaliaes, planejamentos, ritmos, tempos, espaos, culturas, linguagens... Se assim for o movimento do pedaggico, a comparao entre sujeitos alunos, tendncia forte e usual nas escolas, precisa perder seu poder de atuao. Tendo em vista essa tica, lembramos de uma cena que aqui se encaixa pelos sentidos negociados entre as professoras da turma citada, com relao s diferenas e s condies de aprendizagem demonstradas pelos seus alunos.

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    Contexto: dilogo entre as professoras da C12 em reunio com a coordenadora pedaggica da escola e as pesquisadoras. Professora M: Um dia o E. no conseguiu fazer uma lista do que precisava para confeccionar uma mscara.Professora T: Mas ele tem um lugar de sucesso no futebol. [...] As crianas so apaixonadas por ele. [...] Um dia a gente fez uma assembleia e ele quis ser a pessoa responsvel pelas inscries. Ele disse: eu que vou escrever. Fiquei do lado para dar apoio e ele disse que no precisava, porque conseguiria escrever sozinho. Eu achei que no daria certo, por causa do tumulto. Mas E. foi respeitado por todos e conseguiu realizar a tarefa.

    Fonte: Excertos dos registros de observaes extrados do Dirio de Campo das pesquisadoras, junho/2011.

    Em algumas situaes, o aluno E., assim como outras crianas, no corresponde s expectativas das professoras na realizao de determinadas atividades propostas; entretanto, quando capturado pelo significado de algum contexto especfico de interao e pelo desejo de aprender e aplicar seus conhecimentos e habilidades (no caso da escrita com uma finalidade), evidencia um desempenho exitoso. Ou seja, o aluno em questo lidou com uma situao de comunicao concreta, envolvendo um gnero discursivo oral (assembleia) e escrito (a lista de inscries). Para tanto, precisou compreender enunciados, ordenar participantes, bem como registrar seus nomes. E. percebeu, nesse momento, a funo social da escrita e sua importncia. Como vimos, so saberes localizados, que merecem ser reconhecidos e avaliados; eles parecem menos visveis em atuaes escolares mais rotineiras saberes/conhecimentos que a escola necessita ter olhos para enxergar e as professoras sensibilidade para perceber, tal como o fizeram.

    Faziam ideias e imagens com as palavras...

    Antes a gente falava: faz de conta que este sapo pedra. E o sapo eras. Faz de conta que o menino um tatu E o menino eras um tatu. A gente agora parou de fazer comunho de pessoas com bicho,

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    de entes com coisas. A gente hoje faz imagens. (BARROS, 2010, p. 474).

    Na posio de observadoras participantes das aulas, outro fato que sempre nos chamou a ateno diz respeito ao significado contextual das palavras; exemplo disso ocorreu com: beligerante, colonizador, extrativismo, entre outras. Durante os dilogos com os alunos, medida que esses esclarecimentos iam sendo feitos pelas professoras, concretizados em exemplos cotidianos, os textos informativos sobre os povos indgenas pareciam ganhar sentido, vnculo com as suas histrias de vida: o milho da sopa, a farinha de mandioca do feijo, o hbito de tomar banho todos os dias. A discusso sobre o banho como um hbito cultural indgena rendeu bons resultados no grupo da aluna I. (sim, grupo da I., pois ela era a lder visvel e legitimada; uma aluna produtiva, com bastante capacidade e vontade de aprender).

    Dentro dessas discusses, os alunos foram instigados a pensar se o banho /era um hbito comum em todas as culturas e em todas as pocas. Uma pista pedaggica: pesquisar hbitos culturais a partir da questo preliminar sempre foi assim? nos parece um disparador interessante. Os alunos, na ocasio, ficaram muito curiosos em saber que o banho no visto, em todos os contextos socioculturais, da mesma forma. Ficaram surpresos com o fato de descobrir a frequncia com que os ndios tomavam banho.

    Durante o referido trabalho pedaggico sobre os povos indgenas, os alunos ainda produziram uma coletnea de lendas. Nela, recriaram suas aprendizagens por meio do citado gnero textual. Fizeram remisso a vrios elementos observados no percurso da viagem s Misses Jesuticas. Tambm ficou muito presente o trabalho prvio de explorao das caractersticas estruturais de uma lenda atentar para a frmula de abertura livresca era uma vez, situando o cenrio da narrativa escrita pela aluna C. No texto citado, percebe-se, tambm, a ressonncia das aprendizagens realizadas sobre o tema estudado, ao nomear sua lenda de coisas de ndio. Na produo mencionada, aparecem indcios de como a temtica indgena vem sendo abordada nos diferentes currculos escolares. Nessas abordagens, tal cultura costuma ser vista de forma estereotipada, isto , no h movimentos de perguntas em relao s experincias e modos de vida; o ndio um sujeito com identidade fixa e, muitas vezes, folclorizada (BERGAMASCHI, 2008). Buscar conhecer as coisas em suas origens, como menciona a aluna C., parece destoar, justamente, das formas escolares de abordar contedos; neste caso, os povos indgenas. Na

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    voz da autora: a escola no estava nem a com essas coisas de ndio. Outro aspecto interessante, percebido sob seu olhar de estudante, diz respeito ao sigilo dos conhecimentos revelados pelos ndios ao personagem menino que no era ndio. Esse fato narrado pode significar que o acesso a determinados conhecimentos tem carter restrito, no perpassando, portanto, as discusses curriculares. Vejamos o texto...

    Coisas de ndio Era uma vez um menino que gostava das coisas em sua origem, mas ele no era ndio.Um dia, ele estava caminhando pela rua e encontrou vrios ndios. Ele perguntou-lhes se poderia saber sobre eles. Os ndios concordaram, mas pediram a ele que no contasse para ningum as coisas que lhe revelariam.No outro dia, o menino foi at a aldeia dos ndios, para aprender sobre o que eles faziam. Aprendeu vrias coisas e ficou muito feliz, porque era justamente o que ele queria aprender na escola, mas a escola no estava nem a com essas coisas de ndio. (Aluna C.)

    Fonte: Texto produzido pela aluna C. para a Coletnea de Lendas Indgenas, realizada durante o Projeto de Estudos sobre Povos Indgenas, 2011.

    Chamamos a ateno, mais uma vez, sobre as diferentes possibilidades de fazer um trabalho render, ganhar fora em uma programao curricular, sem a concepo ingnua de abordar determinados contedos associados a uma data especfica. Neste caso, os povos indgenas, com seus mltiplos desdobramentos, estavam sendo trabalhados fora e muito alm do dezenove de abril data destinada s comemoraes do Dia do ndio em calendrios de efemrides.

    Se a (re)inveno desaparecer, as ferramentas de pensar acabam: a ttulo de concluso

    O menino aprendeu a usar as palavras. E comeou a fazer peraltagens. Foi capaz de interromper o voo de um pssaro Botando ponto no final na frase. (BARROS, 2010, p. 470).

    Aqui retomamos o currculo como um lugar em que as noes de trama, teia e rizoma se articulam para: a vivncia de diversos tempos sociais,

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    culturais, histricos e subjetivos; a (re)inveno de processos de ensinar e de aprender acompanhada de uma disposio para exercitar as diferenas em suas mltiplas expresses; deixar-nos educar pelos acontecimentos provocados pelo outro, pela mediao da diferena do outro, seja uma professora, um aluno, um amigo ou qualquer coisa/objeto que nos interpele e nos surpreenda (livro, filme, msica, imagem, ideia esvoaante e capturada ao lu...), conforme o pensamento de Gallo (2012).

    Para tanto, necessrio retomar a aula como acontecimento e experimentar o inusitado e o imprevisvel dos tempos em que as aprendizagens da vida cotidiana so tramadas, tomando-as como acontecimentos surpreendentes, tocantes e fecundos, capazes de serem percebidos no espao da aula. Motivos? Para que contedos escolares, a inveno e a proliferao de ideias como ferramentas de pensar (BARROS, 2010) (re)configurem os territrios de saberes estabelecidos, arbitrariamente, pela tradio e pela conveno.

    E quais saberes e ideias poderiam sugerir pistas e indcios capazes de contemplar a diversidade de conhecimentos, to necessria no currculo escolar? Lembramos, aqui, brevemente, de singelas ferramentas de pensar, que apareceram como vestgios das observaes que compartilhamos com as professoras regentes no decorrer desta investigao, tais como: os rostos infanto-juvenis com suas maquiagens; os bilhetes articuladores das relaes de amizade e de namoro; os escapes durante as tarefas escolares; o relato da aluna F., que, atenta e inquieta sobre as questes envolvendo corpo e sexualidade dos adolescentes, ao narrar um programa assistido na televiso, tornou presente na sala de aula os efeitos da mdia televisiva como disseminadora de situaes tomadas como verdades, ao abordar a temtica da violncia domstica nas relaes parentais; as pesquisas, o acesso a vdeos e exposies sobre os povos indgenas, a partir de perguntas e afirmaes feitas pelos alunos.

    Outra ferramenta de pensar, capaz de produzir invenes que desloquem as fronteiras do pensamento do aluno, diz respeito aos modos de ser/estar, de observar o movimento da sala de aula e dos tempos fora desta: os movimentos de expresso, de formulao de perguntas, de inquietudes com os saberes j sabidos, que, manifestados pelo aluno, necessitam do acolhimento e da interlocuo da professora.

    Alguns episdios so elucidativos: a festa do pijama, durante a viagem s Misses Jesuticas, em que as professoras esperavam que os alunos assistissem calmamente a um filme e se preparassem para dormir, enquanto eram surpreendidas por alunos e alunas com disposio para uma

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    festa juvenil; a deciso sobre os critrios de distribuio dos ingressos (no adquiridos) para a festa de arrecadao de fundos para a viagem s Misses: aps dilogos democrticos, foi proposto o critrio das diferenas sociais, ou seja, os ingressos no vendidos foram divididos entre os alunos que no teriam condies de adquiri-los.

    Tais fragmentos de cenas expressam a necessidade de deslocamentos por parte das professoras acompanhadas em nosso estudo, as quais, ao deixarem-se educar pelas circunstncias, transformam suas aulas em acontecimentos: na medida em que o estudo, as discusses, a seleo de materiais, a organizao de projetos e a avaliao, bem como a abordagem e a extenso de uma temtica pulsante se tornam ferramentas de pensar capazes de instigar (re)invenes para ensinar e aprender.

    Referncias

    ARROYO, Miguel. Imagens quebradas: trajetrias e tempos de alunos e mestres. Petrpolis: Vozes, 2011.

    BARROS, Manoel de. Poesia completa. So Paulo: Leya, 2010.

    BERGAMASCHI, Maria Aparecida (org.). Povos indgenas & Educao. Porto Alegre: Mediao, 2008.

    CORAZZA, Sandra Mara. Nos tempos da educao... da diferena. Conferncia proferida no Seminrio Institucional do Programa Institucional de Bolsas de Iniciao Docncia (PIBID). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.

    ESTEBAN, Maria Teresa. Diferena e (des)igualdade no cotidiano escolar. In: MOREIRA, Antonio Flavio; PACHECO, Jos Augusto; GARCIA, Regina Leite (org.). Currculo: pensar, sentir e diferir. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. p. 159-177.

    GERALDI, Joo Wanderley. A aula como acontecimento. So Carlos: Pedro & Joo Editores, 2010.

    GALLO, Silvio. Eu, o outro e tantos outros: educao, alteridade e filosofia da diferena. 2012. Disponvel em: . Acesso em: 4 jul. 2012.

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    LARROSA, Jorge. Linguagem e educao depois de Babel. Belo Horizonte: Autntica, 2004.

    ______. Palavras desde o limbo. Notas para outra pesquisa na Educao ou, talvez, para outra coisa que no a pesquisa na Educao. Revista Teias, v. 13, n. 27, p. 287-298, jan./abr. 2012.

  • Conhecimentos escolares sob outras configuraes: efeitos das movimentaes

    disciplinares e de controle?El Terezinha Henn Fabris1 Clarice Salete Traversini2

    Precisamos reconhecer, com humildade, que h muitos dilemas para os quais as

    respostas do passado j no servem e as do presente ainda no existem. Para mim,

    ser professor no sculo XXI reinventar um sentido para a escola, tanto do ponto

    de vista tico quanto cultural. (NVOA, 2010).

    Este texto expressa um momento de nossas produes como pesquisadoras em duas instituies de ensino superior localizadas no sul do Brasil. Temos investido na produo de conhecimentos envolvendo a educao bsica, especialmente no Ensino Fundamental, centrando as pesquisas nos desafios da escola contempornea. Entendemos esse exerccio de pesquisa como uma ao poltica que tanto tensiona a rea de conhecimento quanto busca compreender a educao de outros modos (VEIGA-NETO; LOPES, 2010). No um exerccio fcil, nem de simples expresso retrica de impacto, mas tem a ver com nossas escolhas tericas e prticas. A partir dos estudos foucaultianos, procuramos entender que efeitos o deslocamento da sociedade disciplinar para a sociedade de controle est produzindo nos conhecimentos escolares. Assumimos a defesa da centralidade do conhecimento na escola pblica contempornea. O que nos faz assumir essa posio, alm de nossa insero em escolas pblicas de periferia como professoras e pesquisadoras, so tambm as pesquisas de outros autores que nos possibilitam perceber que a escola contempornea precisa posicionar-

    1 Doutora em Educao pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no curso de Pedagogia e no Programa de Ps-Gradua-o em Educao. Pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em Incluso (GEPI/UNISINOS/CNPq): Contato: [email protected] Doutora em Educao (UFRGS/RS). Professora do Departamento de Ensino e Currculo e do Programa de Ps-Graduao em Educao da UFRGS. Integrante do Ncleo de Estudos sobre Cur-rculo, Cultura e Sociedade (NECCSO/UFRGS) e do Grupo de Pesquisa em Educao e Disciplina-mento (GPED/UFRGS). Contato: [email protected]

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    se diante dessa questo. Pesquisadores como Nvoa (2010) e Moreira e Candau (2007), entre outros, tm alertado continuamente sobre a necessidade de a escola no abdicar dos conhecimentos escolares, numa ao poltica de luta por uma sociedade menos injusta com aqueles que ocupam posies desiguais em termos de direitos sociais. Trata-se, ento, de selecionar e ampliar conhecimentos, tomando como base as perguntas dos alunos para compor currculos e prticas pedaggicas com sentido, como defendem Dalla Zen e Hickmann, no artigo Currculo e diferenas: invenes sobre ensinar e aprender, nesta obra.

    Este exerccio analtico tenta mostrar que as posies desiguais ocupadas pelos alunos so bem mais complexas do que derivadas de escolhas autnomas que professores efetuam em suas salas de aula. Esto implicadas em uma dinmica social, em uma racionalidade poltica que nos conduz a escolhas e prticas que naturalizamos e aceitamos como as nicas possibilidades. Quando o risco social se transforma em danos ou prejuzos, a insegurana mina o campo das prticas, e nossas atitudes so, em primeiro lugar, aquelas que nos colocam em uma situao de proteo. Essas prticas nem sempre sero aquelas que possibilitaro rupturas com essa condio de vulnerabilidade. No entanto, se tivermos a possibilidade de desenvolver uma crtica radical e de entender as racionalidades que nos constituem, teremos outras condies para situar nossas prticas pedaggicas, no apenas no como fazer e nos processos de avaliao constantes, mas especialmente nos conhecimentos. Essas racionalidades polticas conduzem-nos para escolhas e prticas que passamos a viver como verdades pedaggicas desde sempre a, ou, o mais perverso, como prticas alternativas de currculo escolar (MOREIRA, 2007).

    Nessa direo, importante ressaltar os estudos de Popkewitz (1994, 1997, 2002, 2010), que nos ajudam a entender como as constantes reformas curriculares continuam a produzir excluso escolar e social e anunciam transformaes nas funes da escola frente aos desafios da sociedade que se desenvolve, buscando a segurana.

    Ao mostrar como, em nossas pesquisas, o conhecimento escolar tem sido abordado e que efeitos as prticas tm produzido no currculo escolar e nos sujeitos que ele ensina e educa, temos como escopo a explicitao de alguns deslocamentos. Trata-se da passagem de uma racionalidade pedaggica moderna para uma racionalidade pedaggica que est emergindo em uma sociedade que no tem mais a nfase na disciplina, como na Modernidade. Essa racionalidade pedaggica articula-se em uma sociedade que alguns tm chamado de controle (DELEUZE, 1992) e outros, de seguridade (FOUCAULT, 2008).

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    O corpus emprico utilizado nas anlises compe-se de oito entrevistas, relatos de oito encontros de grupos de discusso, quatro observaes de conselho de classe e 84 pareceres descritivos do ltimo ano do 3 ciclo, do ano de 2010. A partir da anlise das informaes recorrentes, apresentamos o que o campo emprico nos instigou a pensar.

    Neste texto, escolhemos como estratgia argumentativa discutir inicialmente o deslocamento de uma sociedade disciplinar para uma sociedade com nfase no controle. Depois, a partir de dois deslocamentos nas prticas escolares presentes em nossas pesquisas o como fazer e a avaliao constante e sistemtica , pretendemos mostrar a articulao de tais processos com as racionalidades polticas que nos constituem na contemporaneidade: a disciplinar e a de controle, com nfase na segunda. Na parte final, compartilhamos algumas possibilidades encontradas com o estudo para pensar a escola do sculo XXI.

    Deslocamentos no conhecimento escolar: da disciplina ao controle

    A gente sabe disso porque a gente vive a realidade na carne, sabe, diariamente, a gente v coisas acontecendo que no saem daqui, que so muito tristes e srias e que infelizmente ficam s aqui, e as crianas no tm como chegar no atendimento e que poderia fazer diferena na hora da aprendizagem... Abuso, trfico, fome, basicamente isso. Para esta comunidade aqui, seria um sonho se realmente tivesse algum fazendo este trabalho maior, assim, psicolgico, pedaggico, de assistncia.

    Fonte: Entrevista PFG53 (2008)

    Ao selecionarmos um excerto do material de pesquisa para iniciar esta seo, pretendemos evidenciar a face do conhecimento priorizado por uma das escolas que no se descentram da chamada realidade. Aqui a expresso refere-se a dois modos de compreenso, um deles enfatizando as prticas centradas em trabalhos sobre a realidade mais prxima:

    3 Sigla utilizada para identificao dos sujeitos da pesquisa: professores de sala de aula e professores gestores.

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    Fiquei pensando quando falaste em realidade, por exemplo, partir de uma temtica que faa parte de uma realidade deles. No adianta trazer de repente um assunto ou palavra, eles no tm conhecimento. Eu acho que primeiro tem que trabalhar a realidade deles, no sentido de trabalhar coisas que eu sei que eles conhecem, para depois ampliar este conhecimento.

    Fonte: Grupo de discusso 17 abr. 2009

    O outro modo de compreender esse sentir a realidade na carne impele as escolas busca acelerada de protees, de segurana. Esse movimento traz efeitos concretos para as prticas pedaggicas, como os citados acima: encaminhamentos, busca de solues localizadas fora da escola e da sala de aula. Todos passam a ensinar, mas quem tem legitimidade para tal desloca a ao pedaggica para outras instncias.

    A literatura pedaggica mostra de diferentes formas o que entendemos como conhecimento escolar, que no momento atual passa por mudanas, por transformaes aceleradas. Pesquisadores de diferentes perspectivas tericas preocuparam-se em discutir as transformaes pelas quais passam os conhecimentos escolares e a chamada crise da escola (VALLE, 2008; MOREIRA; CANDAU, 2007; SANTOS, 1993; YOUNG, 2011). Transformaes impactam o currculo escolar, como nos mostrou Veiga-Neto (2008, p. 141): esta mos hoje vivendo as maiores e mais radicais mudanas nos quatro elementos constitutivos desse artefato esco lar: o planejamento dos objetivos, a seleo de contedos, a colocao de tais contedos em ao na escola e a ava liao. Associamo-nos a esse autor para afirmar que uma dessas grandes mudanas tem ocorrido no deslocamento da disciplina para o controle; nesse movimento, o que entendemos por conhecimento escolar tambm sofre reconfiguraes.

    Constitumo-nos em uma sociedade disciplinar, como nos mostram os estudos de Foucault (1987). At a metade do sculo XX, a disciplina incidia sobre o corpo para que o sujeito que vivia em pleno processo de industrializao adquirisse um conjunto de saberes, habilitando-o a produzir de forma mais intensa e eficiente. A escola desenvolvia seu currculo escolar como um corpo de conhecimentos linear e fixo, que capacitava esse sujeito a viver sob a episteme da ordem e da representao (GODOY; AVELINO, 2009). Est na lgica da transcendncia. A disciplina entra em crise (FOUCAULT, 2006). Depois da metade do sculo XX, a lgica desloca-se para uma sociedade com foco no controle. O corpo torna-se flexvel, adapta-se s realidades, e

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    o saber um conjunto contingente, avaliado constantemente e de forma episdica. Ele est na lgica da imanncia. Se, na racionalidade disciplinar, vivia-se sob os efeitos de um Estado Nacional, nesse deslocamento, a lgica do Estado Empresa que toma centralidade. O sujeito age sobre si e torna-se empreendedor de si mesmo. O Estado passa a ser incorporado por todos os segmentos e sujeitos, em um processo que Foucault (2008) chama de governamentalidade, conceito cunhado para mostrar a operao de novas configuraes de poder e formas de governamento.

    Portanto consideramos que nosso trabalho pedaggico no pode prescindir de entender as tramas e os efeitos do poder, bem como as verdades que somos convocados a assumir como nossas. No deslocamento da disciplina para o controle, h uma atenuao das fronteiras entre o que entendido como conhecimento disciplinar e conhecimento na lgica do controle. Parece que o ncleo de atuao do governo do outro passa do corpo para a mente, para a interiorizao dos exerccios de docilizao, para exerccios de flexibilizao do sujeito na produo de si mesmo. Desse esmaecimento que se produz o deslocamento da solidez para a liquidez (BAUMAN, 2001), o que incide em novos processos de subjetivao: da produo de sujeitos dceis para a constituio de sujeitos flexveis. O conhecimento escolar, como parte do currculo, tambm tem sentido os efeitos desses deslocamentos, conforme mostram nossas pesquisas.

    Ao argumentarmos a favor da responsabilizao, por parte da escola, pelos conhecimentos escolares, no desconhecemos a discusso sobre os conhecimentos no escolares e ressaltamos sua importncia, bem como a das pedagogias denominadas como culturais. Sabemos que elas tambm esto envolvidas nesse mesmo processo de constituio social e cultural. No h como fazer uma separao desses efeitos, mas queremos politicamente nos posicionar ao que cabe escola ensinar e reivindicamos um espao de profissionalizao da docncia, ou seja, o ensino dos conhecimentos escolares.

    Colocar os sujeitos como participantes de sua cultura e inseridos no processo civilizatrio da humanidade continua sendo um importante desafio para a escola. Ocorre que, na racionalidade disciplinar, os conhecimentos e o acesso a eles se davam sob certas condies. Quem poderia estar dentro e quem poderia estar fora era definido de modo sumrio. O regramento e a classificao disciplinar no deixavam apenas contedos, mas tambm sujeitos da diferena fora da escola. Podemos afirmar que os conhecimentos obedeciam a regras para serem autorizados ou desautorizados, impedidos ou

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    liberados para circulao, conforme a ordem ocupada no discurso pertencente episteme de uma poca. Conhecemos bem os efeitos da disposio dos conhecimentos escolares na racionalidade disciplinar, e ela ainda potente nas escolas atuais.

    A potencializao dos modos de conduo de alunos e professores na sociedade de controle

    Ao determo-nos na anlise dos conhecimentos que as escolas colocam em ao, deparamo-nos com prticas que indicam a produo de um modo de conduo dos sujeitos, tanto de alunos quanto de professores, mais do que uma nfase nas reas especficas do conhecimento.

    Tais investimentos acabam produzindo uma potencializao em dois elementos do currculo escolar: as metodologias e a avaliao. A nfase nesses elementos confere outra dimenso aos conhecimentos escolares, o que lido por ns como um esmaecimento daquela concepo que tnhamos como conhecimento disciplinar. Esse esmaecimento pode produzir tanto efeitos positivos quanto negativos; acreditamos que, quando situado nas condies de uma escola de periferia, o fiel da balana pender para o lado das perdas e dos prejuzos.

    Essa questo tambm referida por Veiga-Neto (2008, p. 147), quando mostra a intensificao do controle na escola e seus efeitos sobre o currculo escolar:

    [...] no se trata de intervir nos dois primeiros elementos constitutivos do currculo como vimos, o planejamento dos objetivos e a seleo de contedos , mas sim nos dois outros elemen tos os modos pelos quais os contedos so colocados em ao e so avaliados.

    Para visibilizar tal argumentao, trazemos o relato de uma alfabetizadora, narrando como organiza sua aula.

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    Sempre inicio a aula com um espao de partilha, que as crianas dizem ser a orao, mas este espao muito mais do que uma orao, um espao aberto para cada um contar o que quiser, coisas que o esto angustiando, coisas que o esto deixando feliz, coisas que necessitam de ajuda etc. Eles sabem que a nica combinao deste espao saber escutar o outro sem interromper ou comentar aquilo que est sendo partilhado. No final da partilha, algum aluno sugere uma orao para fazermos juntos em relao nossa partilha. Depois deste momento, os alunos copiam a rotina do dia, trabalhando a data, dia da semana etc. Segue uma lista ordenada das atividades que sero desenvolvidas naquele dia de aula.

    Fonte: Entrevista PFG2 (2008)

    Nesse excerto, fica visvel a nfase da alfabetizadora no espao de partilha, esse espao aberto, de confisso, em que cada um diz o que quiser, mas que depois se encaminha para uma ao conjunta. Notamos aqui um exerccio conjunto de avaliao e de modos de encaminhar a ao, uma conduo das condutas uma aula centrada nas prticas de governo de si e do outro, e no em prticas de acesso s reas do conhecimento especfico. H uma opo pelo espao livre em que cada um conta o que quiser, um espao que funcionaria como espao teraputico ou de autoajuda. Cabe a ressalva de que esse espao de partilha ocorre como estratgia de abertura da aula; o que queremos destacar aqui o fato de que esses momentos no poderiam se tornar o centro do trabalho escolar.

    Nosso argumento que essas prticas fazem parte de uma racionalidade poltica que se gesta na sociedade contempornea, uma sociedade em que outros arranjos produtivos se fazem necessrios para o governo da populao, e a escola no fica imune a esses desafios. Para que a escola possa operar nessa racionalidade como espao produtivo, precisa assumir e desempenhar algumas aes que a posicionem como uma instituio que, alm da normao disciplinar, precisa operar no eixo da normalizao prpria de uma sociedade de seguridade, isto , produzir aes para reduzir ou eliminar os riscos sociais. Quais os riscos sociais que a escola pode reduzir ou eliminar? Quem ganharia ou perderia mais nessa cultura do risco em que a inflao contempornea da noo de risco parece imperar e se abater sobre todas as esferas sociais, produzindo uma demanda por protees em busca da eliminao do perigo e da insegurana (CASTEL, 2005) Se concordarmos com esse autor, a eliminao

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    dos riscos no seria possvel; os riscos contemporneos so de outra natureza, no h como preveni-los, eliminando toda a insegurana.

    Como, nas escolas da pesquisa, os riscos aparecem? A reprovao seria um risco que funciona como uma ameaa constante e um perigo que desafia alunos, professores e famlias a buscar e produzir prevenes, j que a proteo no infalvel. Nesse caso, queremos mostrar que o nus para quem enfrenta tais riscos no igual. Um aluno de escola de periferia provavelmente encontrar mais danos ou prejuzos a enfrentar do que um aluno de uma escola central que vive em condies sociais distintas. Castel (ibidem) argumenta que no podemos classificar essa situao como um risco, mas o que enfrentariam seriam danos ou prejuzos. Tentando tornar mais claro esse argumento, podemos dizer que os riscos nessas escolas so to elevados e sem condies de serem previstos e evitados que se tornam prejuzos e danos. A escola, apesar de viver essa insegurana acentuada e sentir-se pressionada pelos ndices no caso das escolas que analisamos pelo baixo Ideb , busca a preveno, embora algumas aes administrativas possam estar produzindo efeitos contrrios. o que o relato da prxima entrevista mostra:

    E da, no incio, na primeira semana em que assumimos a direo, a Secretaria de Educao chegou aqui nos cobrando o ndice elevado de reprovao do ano anterior. A gente j sabia do tal ndice e que era alto, mas ns tivemos nos anos anteriores, h dois anos atrs, mais especificamente, uma troca de professores muito grande, porque a nossa escola, pela distncia dela do centro, os professores no queriam vir at aqui... Ento, nos anos de 2005, 2004, ns tivemos muitos contratos. A maioria dos professores era contratada, e a minoria, concursada. Durante aquele ano, trocou muitas vezes, ento, as turmas de 1a srie na poca tiveram dois, trs, quatro, at cinco professores, e a, no final daquele ano, chegaram muitos concursados, que foram as professoras que fizeram as reprovaes destes alunos no final do ano.

    Fonte: Entrevista PFG5 (2008)

    possvel perceber que a escola, ao funcionar como um espao de preveno do risco social, de sequestro dos corpos, vai potencializando, justamente, o que pretende evitar. Pois a reprovao e o bom desempenho escolar vo alm do fato de o aluno estar presente fisicamente em sala de aula. Os alunos precisam ter acesso ao conhecimento, mas nesse caso a entrevistada justifica que o alto nmero das reprovaes se deve a condies administrativas

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    de contratao/concurso. Como eles tiveram muitas trocas, no conseguiram aprender, por isso o indicador baixo. Temos aqui um aspecto importante a ser analisado. As condies administrativas ajudam a alimentar a roda da excluso, embora possa parecer que estando os alunos atendidos por professores (mesmo com trocas sucessivas) estariam protegidos, fora do risco. Sim, o Estado pode dizer que os alunos esto atendidos, mas no pode dizer que esto fora da excluso do mundo dos conhecimentos escolares. Essa a complexidade de uma anlise que busca entender como o desempenho escolar produzido, no apenas pelas aes pedaggicas desenvolvidas pelos professores, mas tambm por aes administrativas que produzem efeitos perversos na aquisio dos conhecimentos escolares.

    Os alunos so direcionados para projetos diferenciados, e muitas divises e experimentaes de agrupamentos so vividas, mesmo que no tenham nenhuma sustentao pedaggica:

    Agora, elas [as professoras] andaram fazendo uma separao de grupos: os alunos pr-silbicos ficaram com uma professora; os silbicos, com a outra; os silbico-alfabticos e os alfabticos, com outra. A supervisora e a substituta tambm ficaram com um grupo para tentar.

    Fonte: Entrevista PFG4 (2008)

    Nesse caso, a precariedade to intensa que a insegurana avana sobre os prprios professores, que no conseguem ver possibilidades e sadas para a situao de danos e prejuzos. Ou a sada a segregao, mesmo que tenha efeitos indesejados nos estudantes, tais como o fortalecimento de sua posio de no aprendizagem.

    A escola, ao defrontar-se com questes de extrema precarizao, assume como principal ao a busca de proteo e segurana. Os conhecimentos vo ficando para depois, e o foco atender os sujeitos nos seus danos e prejuzos. Procuramos trazer, abaixo, uma das muitas situaes que mostram as condies vividas pelos sujeitos escolares.

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    O professor tinha chamado, e a me da menina no vinha, no vinha. Da, ele disse: Agora, chegou, porque faz duas semanas que eu estou chamando e no vem. Eu perguntei: T, mas e a?. Ela [a menina] disse: Ai, sora, quero falar s com a senhora. Ento, ele [professor] saiu, e ela me disse: Sabe o que , professora, a minha me no pode vir porque ela est grvida e agora ela est tentando arrumar dinheiro para tirar porque ela j tem cinco filhos, ela no quer esse filho, ela quer tirar. E ela me falando normal. E agora ela vai ter que trabalhar noite para arrumar este dinheiro de qualquer jeito, ento, ela no pode vir aqui.

    Fonte: Entrevista PFG2 (2008)

    Uma das escolas pesquisadas oferece os estudos de recuperao fora do horrio escolar como uma forma de garantir que todos possam fazer parte da mdia de alunos aprovados, embora as prprias escolas percebam que tal investimento no est conseguindo atingir a maioria dos alunos, pois eles faltam muito. Essas condies de precariedade dos sujeitos de tais escolas inviabilizam que as mesmas formas de acesso ao conhecimento oferecidas no caso, atividades no turno contrrio ao da aula (projetos e recuperao) produzam efeitos semelhantes sobre os alunos de escolas posicionadas em reas de vulnerabilidade sociais e os de escolas que possuem outras condies sociais.

    Fica evidente a nfase nos comportamentos e o esmaecimento dos conhecimentos das reas especficas, especialmente quando os professores expressam as aprendizagens de seus alunos nos pareceres descritivos. Observa-se a avaliao centrada na descrio e no julgamento dos comportamentos, e no nos conhecimentos, conforme mostraremos a seguir.

    A avaliao como forma de perceber o deslocamento da sociedade disciplinar para a sociedade de controle

    Uma das formas que as escolas utilizam para expressar a avaliao so os pareceres descritivos. Neles, possvel perceber com maior veemncia a nfase nos comportamentos, como tm evidenciado as pesquisas de Cardoso (2002) e de Pinheiro (2006).

    Os estudos mencionados tiveram seus focos investigativos sobre as Sries Iniciais; ento, uma de nossas pesquisas investiu em estudar as prticas

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    de avaliao nos Anos Finais do Ensino Fundamental em uma escola ciclada. Tnhamos a expectativa de encontrar explcitos conceitos atingidos ou no pelos alunos na narrativa dos professores expressa nos pareceres descritivos. No centramos nosso trabalho nos instrumentos de avaliao, mas sim na etapa posterior, qual seja, nas decises coletivas dos professores que resultaram na visibilizao do desempenho num determinado tempo (primeiro e segundo bimestre de 2010). A anlise do material coletado foi dirigida pela seguinte questo: nas prticas de julgamento da avaliao/registro do desempenho do aluno, como os conhecimentos e os comportamentos so tornados visveis pelos professores. A recorrncia das informaes foi o critrio da construo argumentativa apresentada a seguir.

    No incio de 2010, como parte das discusses do projeto poltico-pedaggico realizado na escola, os professores comearam a repensar as formas e os registros da avaliao. A escola desejava construir um documento de avaliao que tivesse condies de expressar a trajetria do aluno nos Ciclos de Formao (Dirio de campo, 13 mar. 2010).

    Uma das preocupaes da coordenao pedaggica que atualmente a poltica de avaliao da escola divide o desempenho do aluno entre a avaliao cognitiva e de socializao. Uma das coordenadoras comenta (em um dos encontros de devoluo das anlises parciais da pesquisa) que o ideal seria que tambm a prpria comunidade avaliasse o trabalho da escola (Dirio de campo, 15 abr. 2010).

    Isso denotaria como os pais e/ou responsveis pelos alunos compreendem a expresso dos resultados de avaliao. A preocupao com a expresso da avaliao uma tnica da escola, e durante os ltimos anos vrias iniciativas foram tomadas em relao questo. Inicialmente, havia uma ficha com os contedos discriminados de cada disciplina e por trimestre. Era modificada a cada trimestre para atualizar os contedos aprendidos, mas havia reclamaes, pois os pais no entendiam o que eram os contedos, e houve modificaes (Dirio de campo, 13 mar. 2010). Ento, na discusso com os professores, foi proposta uma ficha contendo quatro dimenses: Leitura, Escrita, Resoluo de Problemas e Clculos; entretanto, continuava a dvida se os pais entenderiam a nomenclatura registrada na ficha. Passamos a fazer um parecer descritivo, o que na rea [de conhecimento] demandava um tempo imenso, pois os professores que ministravam aulas em mais de um ciclo tinham muitas turmas (Dirio de campo, 13 mar. 2010). Devido a isso, a coordenadora informou que foi construda uma ficha composta por duas partes: a primeira denominada Saber ser e

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    conviver, contendo objetivamente perguntas de cunho comportamental de cada aluno, por exemplo, contribui para o bom andamento das aulas; comprometido com os estudos; demonstra disponibilidade para ouvir os outros; conversa que atrapalha a aula.... A segunda parte da ficha seria completada pelos professores de cada disciplina com recados sobre o desempenho do aluno.

    A forma operativa para a construo do registro de desempenho escolar na escola investigada ocorreu em trs momentos: primeiro, com utilizao de instrumentos aplicados individualmente ou em grupos (provas, trabalhos, apresentaes orais etc.) com foco no contedo de cada disciplina, para evidenciar conhecimentos aprendidos pelos alunos; segundo, a autoavaliao da turma, e junto com esta os professores registravam a aprendizagem da turma em relao sua disciplina; terceiro, o conselho de classe de cada turma. O terceiro momento nos interessa analisar, pois quando se construiu o chamado perfil da turma e o parecer para cada aluno. Desse modo, conseguimos perceber a primazia do discurso psicolgico para narrar o aluno face ao seu rendimento escolar, conforme argumentamos a seguir.

    Nos dois ltimos momentos mencionados, identificamos maior incidncia da discusso sobre os aspectos comportamentais, cuja forma de expresso alicerada nos discursos psicolgicos, como j dito. No decorrer do conselho de classe, uma das turmas descrita como tendo coerncia e maturidade na autoavaliao do seu prprio processo de aprendizagem no bimestre. Em parte, os professores concordam ao afirmar:

    uma turma bastante participativa e proativa, que atingiu os objetivos da aprendizagem e se envolve nas atividades. No entanto, alguns precisam de interveno forte por terem muitas dificuldades de aprendizagem; s vezes, so inseguros, instveis emocionalmente, tendo atitudes infantis e inadequadas.

    (Dirio de campo, 27 maio 2010).

    Nas observaes dos conselhos de classe, os professores apresentam diferentes olhares sobre cada turma, dependendo da sua expectativa sobre os alunos, da forma como construram a relao com cada grupo e das experincias escolares vividas pelos alunos em relao s diferentes disciplinas. Observamos que,

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    [...] muitas vezes, h discrepncia na opinio das professoras. Em cada disciplina, o aluno tinha um tipo de comportamento: para mim, ela tima, um amor, ou ela no respeita o professor. Em outra situao, um professor narra: meio aptica; j outro discorda: comigo, rapidssima.

    (Dirio de campo, 27 maio 2010).

    Essa discrepncia de olhares exigiu o estabelecimento de consensos para expressar a avaliao no parecer individual e da turma. Entretanto, por vezes, a negociao no se efetivou, e a divergncia continuava nos pareceres individuais:

    Portugus: Voc um timo aluno. Continue assim!Histria: Tuas conversas atrapalham tua aprendizagem. Tens potencial para render mais!

    Fonte: Parecer do aluno 05-1T-C33

    Nas observaes realizadas, tambm percebemos que alguns professores procuram compreender o aluno contemporneo presente nas suas turmas, que vive a cultura juvenil do seu tempo e tem outro modo de agir na sala de aula (XAVIER, 2003). Em vrios momentos do conselho de classe, constatamos:

    A professora X procura apresentar contrapontos no momento de avaliar o comportamento e desempenho cognitivo do aluno, tentando compreender a situao do ponto de vista da vida desses jovens Eu o entendo... Ele no consegue ficar muito tempo sentado, precisa caminhar, respirar... A volta.

    (Dirio de campo, 27 maio 2010).

    Outra professora, que nos pareceu a nica daquele grupo a ter em mos os registros da autoavaliao da turma sobre sua disciplina, traz as produes escritas e visuais dos alunos para inserir o vis da subjetividade do aluno, usando termos como border, mltiplas personalidades, hiperatividade e egocentrismo (Dirio de campo, 27 maio 2010).

    As informaes levam-nos a pensar que, se h a primazia do discurso psicolgico sobre o pedaggico para narrar o desempenho do aluno, isso no

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    se d sem um desconforto entre os professores. Eles percebem que os aspectos relacionais e comportamentais esto tomando dimenses maiores que as do registro dos aspectos cognitivos atingidos ou dos contedos aprendidos. Uma professora explicita isso no conselho de classe: samos de uma ficha que era s contedo, depois trabalhamos com as habilidades, agora s comportamento! (Dirio de campo, 27 maio 2010). Essa narrativa emblemtica para mostrar como o modo disciplinar de constituio dos sujeitos escolares foi se deslocando e abrindo espaos para emergir em uma forma centrada no controle. Se, em tempos anteriores, o mais importante para evidenciar a aprendizagem na escola eram provas para verificao dos contedos aprendidos, agora esse apenas um aspecto, reservado, prioritariamente, para as avaliaes de larga escala. No somos contra as avaliaes de larga escala, o problema est em delegar a elas a seleo dos contedos e a anlise do desempenho escolar. Para a forma centrada no controle, evidenciar se o aluno sabe ou no o contedo apenas uma faceta da avaliao, necessria para situar os alunos e a instituio em determinada posio. Quando o controle adquire centralidade, mudam-se os focos daquilo que pode ser mais importante na educao escolar, multiplicam-se proces sos de avaliao, classificam-se e ranqueiam-se institui es e pessoas (VEIGA-NETO, 2008, p. 147). E uma dessas mudanas de foco pode ser a visibilidade dos aspectos relacionais e comportamentais do sujeito na condio de aluno da escola, que nos pareceres toma forma de contedo escolar, em outro argumento que construmos a partir das anlises dos materiais, qual seja: a forma de expresso dos resultados no parecer redescreve os contedos sob a forma de comportamentos.

    Analisados os pareceres, verificamos a flexibilidade dos professores em aceitar algumas formas de agir dos alunos em sala de aula, bem como a constatao da ausncia de uma linguagem pautada pela especificidade das reas de conhecimento. Quanto ao primeiro aspecto, a resposta dos professores na primeira parte do parecer, isto , Saber ser e conviver, parece indicar uma caracterstica de flexibilidade frente s atitudes dos alunos, expressa pela aceitao das conversas em sala de aula na maior parte das turmas. Conforme mostrou a pesquisa de Garcez (2006), mesmo sendo situada em outra perspectiva terica, o professor, no exerccio da sua docncia, consegue administrar o processo de ensino de modo que sua voz autorizada no seja a nica que prevalece. O autor acredita que a temos propsitos de construo conjunta de participao sendo postos em prtica, mais do que propsitos de reproduo de conhecimento ou disciplinamento (p. 78).

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    Se, por um lado, os professo