leÃo, m.d; fiss, d.m.l. ensino médio eja - escola, currículo, juventude

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Revista de Educação, Ciência e Cultura (ISSN 2236-6377) http://www.revistas.unilasalle.edu.br/index.php/Educacao Canoas, v. 19, n. 2, jul./dez. 2014 Ensino médio EJA: escola, currículo, juventude 1 Secondary education for adolescents and adults: school, curriculum, youth Mário Dolvidio Duarte Leão 2 Dóris Maria Luzzardi Fiss 3 “A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para as- sumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens”. (Hannah Arendt) 1. Para iniciar Neste artigo, a partir de uma pesquisa desenvolvida no primeiro semestre do ano de 2014, que 1 Este artigo corresponde à versão adaptada do Trabalho de Conclusão de Curso “Ensino Médio EJA, currículo e culturas ju- venis” apresentado à Comissão de Graduação em Ciências Sociais – Licenciatura do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) como requisito parcial e obrigatório para obtenção do título de Licenciatura em Ciências Sociais no primeiro semestre de 2014. 2 Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 3 Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da UFRGS. Resumo: O presente estudo abordou relações constituídas entre o trabalho pedagógico proposto junto a alunos que cursam o Ensino Médio EJA Noturno e sua identidade cultural. Pretendeu-se melhor compreender o significa- do de uma educação que percebe o aluno para além da realidade de sala de aula, considerando as culturas que estão em jogo na escola. Este trabalho buscou refletir so- bre singularidades dos alunos e dos profissionais da edu- cação, identificando as relações e contradições que cru- zam o espaço escolar através do discurso, como espaço de democratização juvenil enquanto prática. Palavras-chave: Ensino médio EJA; Currículo; Culturas juvenis. Abstract: The present study examined the consti- tuted relations between the proposed pedagogical work along with students which attend the Secon- dary Education for Adolescents and Adults, during the evening and their cultural identities. It is intended to better understand the meaning of an education that perceives the student beyond classroom reality, ta- king into consideration the range of cultures that are at stake at the school. This research sought to reflect the students and educational professionals’ singulari- ties, identifying relationships and contradictions that cross the school space through discourse as juvenile democratization as practice. Keywords: Secondary education for adolescents and adults; Curriculum; Juvenile cultures.

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O presente estudo abordou relações constituídas entre o trabalho pedagógico proposto junto a alu-nos que cursam o Ensino Médio EJA Noturno e suas identidades culturais. Pretendeu-se melhor compreender o significado de uma educação que percebe o aluno para além da realidade de sala de aula, considerando as culturas que estão em jogo na escola. Este trabalho buscou refletir sobre sin-gularidades dos alunos e dos profissionais da educação, identificando relações e contradições que cruzam o espaço escolar através do discurso, como espaço de democratização juvenil, enquanto prática.

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  • Revista de Educao, Cincia e Cultura (ISSN 2236-6377)http://www.revistas.unilasalle.edu.br/index.php/EducacaoCanoas, v. 19, n. 2, jul./dez. 2014

    Ensino mdio EJA: escola, currculo, juventude1

    Secondary education for adolescents and adults: school, curriculum, youth

    Mrio Dolvidio Duarte Leo2

    Dris Maria Luzzardi Fiss3

    A educao o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para as-sumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salv-lo da runa que seria inevitvel no fosse a renovao e a vinda dos novos e dos jovens.

    (Hannah Arendt)

    1. Para iniciarNeste artigo, a partir de uma pesquisa desenvolvida no primeiro semestre do ano de 2014, que

    1 Este artigo corresponde verso adaptada do Trabalho de Concluso de Curso Ensino Mdio EJA, currculo e culturas ju-venis apresentado Comisso de Graduao em Cincias Sociais Licenciatura do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas (IFCH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) como requisito parcial e obrigatrio para obteno do ttulo de Licenciatura em Cincias Sociais no primeiro semestre de 2014.2 Graduado em Cincias Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.3 Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora do Programa de Ps-graduao em Educao da UFRGS.

    Resumo: O presente estudo abordou relaes constitudas entre o trabalho pedaggico proposto junto a alunos que cursam o Ensino Mdio EJA Noturno e sua identidade cultural. Pretendeu-se melhor compreender o significa-do de uma educao que percebe o aluno para alm da realidade de sala de aula, considerando as culturas que esto em jogo na escola. Este trabalho buscou refletir so-bre singularidades dos alunos e dos profissionais da edu-cao, identificando as relaes e contradies que cru-zam o espao escolar atravs do discurso, como espao de democratizao juvenil enquanto prtica.

    Palavras-chave: Ensino mdio EJA; Currculo; Culturas juvenis.

    Abstract: The present study examined the consti-tuted relations between the proposed pedagogical work along with students which attend the Secon-dary Education for Adolescents and Adults, during the evening and their cultural identities. It is intended to better understand the meaning of an education that perceives the student beyond classroom reality, ta-king into consideration the range of cultures that are at stake at the school. This research sought to reflect the students and educational professionals singulari-ties, identifying relationships and contradictions that cross the school space through discourse as juvenile democratization as practice.Keywords: Secondary education for adolescents and adults; Curriculum; Juvenile cultures.

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    abordou relaes constitudas entre o trabalho pedaggico proposto junto a alunos que cursam o Ensino Mdio EJA e sua identidade cultural, buscamos evidenciar as responsabilidades prprias a uma educao que busca comprometer-se com o empoderamento (empowerment) poltico desses educandos. Ademais, pretendemos melhor compreender o significado de uma ao educacional que compreende o aluno para

    alm da realidade de sala de aula, considerando as culturas que esto em jogo na escola. Convm destacar que a identidade cultural dos alunos de Ensino Mdio EJA constituda por infinitas relaes, tais como

    as que eles estabelecem com a comunidade onde moram, com os lugares que frequentam, com as roupas que usam, com o cansao habitual e com outras tantas caractersticas que, no ambiente escolar, por ser um ambiente de socializao, se mostram.

    Este trabalho envolveu a aplicao de um questionrio com perguntas fechadas e abertas a alunos de uma escola da rede pblica estadual de ensino, localizada na regio central de Porto Alegre (RS), e lei-tura de documentos que tematizam tanto o currculo da EJA quanto o Ensino Mdio e as culturas juvenis, correspondendo a uma pesquisa quanti-qualitativa do tipo Estudo de Caso. Tal questionrio incluiu ques-tes relacionadas s matrizes culturais e s experincias (extra)escolares a partir das quais os educandos se significam. Objetivamos perceber possibilidades que se produzem no cotidiano desses alunos a partir

    das aulas propostas no Ensino Mdio EJA. As questes de pesquisa que propomos estabelecem relao direta com as inquietaes que mobilizaram a investigao: o trabalho pedaggico desenvolvido junto aos alunos que frequentam o Ensino Mdio EJA estabelece (ou no) relaes com os contedos da vida desses sujeitos? Suas identidades culturais so consideradas? O que as atividades planejadas pelos professores levam em conta? Elas acolhem os educandos em suas caractersticas e em seus gostos?

    O objetivo dessa pesquisa envolveu, precisamente, a compreenso e a anlise das relaes entre o ensinar e o aprender no Ensino Mdio EJA, desde uma perspectiva de acolhimento das culturas a partir das quais os educandos se fazem sujeitos de sua histria, com incentivo na sua formao mais do que apenas na obteno do diploma. Portanto, a proposta implicou investigar essas relaes e as mediaes exercidas para que os sujeitos se constituam como sujeitos de autonomia. Cabe assinalar que, dentre as memrias de leituras e de interaes com a escola que afetam a investigao aqui proposta, uma delas o entendimento de que a transformao social e cultural desses alunos, que buscam na escola muito mais do que contedos para as provas, implica tambm a transformao do seu locus social. Decorreu, assim, das opes feitas para essa investigao, a escolha de Henry Giroux, Paulo Freire, Boaventura de Sousa Santos, Juarez Dayrel e Paulo Carrano como os autores nos quais buscamos subsdios tericos.

    2. A escola, os jovens e as suas identidades2.1 Ensino mdio: perfis, nmeros e estatsticas

    A expanso do Ensino Mdio, principalmente nas ltimas dcadas, trouxe consigo grande hetero-geneidade no que tange ao alunado. Se considerarmos especificamente o Ensino Mdio EJA, a situao

    no diferente: o perfil dos alunos tambm se transformou com o ingresso ampliado de educandos cada

    vez mais jovens que se somam a um diversificado mosaico adultos, homens, mulheres, pessoas das mais

    variadas orientaes sexuais e inscries sociais, pessoas que buscam algo que possa lhes dar um novo sentido, melhores perspectivas e melhores projees na vida presente e futura, compondo, assim, um teci-

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    do social rico de culturas que fazem (ou precisam fazer) parte do currculo.4

    O Censo em Educao, promovido pelo Ministrio da Educao em 2008, contabilizou 1.650.184 alunos matriculados na modalidade EJA no Brasil. Dentro desse total, o Estado do Rio Grande do Sul fica com 178.407 alunos matriculados. O Censo revela, ainda, que 29.212 desse total de 178.401 esto

    matriculados na rea da 1 Coordenadoria Regional de Ensino (CRE) que abrange a capital do Estado (PERONI; LISBOA; FARENZENA, 2008). Em Relatrio sobre o Ensino Mdio Noturno5, organizado pelo Ministrio da Educao tambm no ano de 2008, alguns dados bem ilustram as peculiaridades deste trabalho e o desafio quanto a essa esfera da educao. A ausncia/carncia de registros de aes especfi-cas para o Ensino Mdio Noturno, no projeto pedaggico das escolas que oferecem Educao de Jovens e Adultos, somada s condies das escolas e sua localizao que provoca, no raramente, atrasos nas aulas, gastos em transporte e cansao fsico para alunos que residem, em sua maioria, muito longe e que chegam, muitas vezes, aps as atividades laborais, todos esses elementos contam sobre uma realidade di-fcil, mas, em alguns casos, ainda bastante invisvel. (PERONI; LISBOA; FARENZENA, 2008).

    Em pesquisa mais recente (MORAES et al., 2013), que atualiza os dados do referido Relatrio, notamos um crescimento vertiginoso quanto ao nmero de alunos matriculados no Ensino Mdio em comparao s dcadas de 1970 (1,1 milho de estudantes), 1980 (3 milhes de estudantes) e subsequen-tes. A taxa lquida6 de matrcula de estudantes com idade entre 15 e 17 anos no Ensino Mdio, no perodo entre 1991 e 2010, passou de 17,3% para 32,7%, atingindo 44,2% em 2004 e chegando a 50,9% em 2009.

    Apesar dos esforos feitos pelo Estado, ainda h um verdadeiro abismo no que tange democratizao da escola, pois quase metade dos jovens nessa faixa etria ainda se encontrava fora dos bancos escolares no ano de 2009.

    Segundo o ltimo levantamento feito pelo Censo do IBGE, no ano de 2012, contvamos com mais de 8 milhes de adolescentes no Ensino Mdio, sendo que 1.309.871 desses alunos frequentavam o Ensino

    Mdio EJA. O mesmo Censo evidencia outros desafios a serem enfrentados pelo Estado quanto reprova-o (de cada 4 alunos matriculados, um no obtm xito) e concluso do EM (identifica-se uma queda na taxa de concluintes a partir de 2006). Como apontam Moraes et al. (2013), a [...] queda no atendimento, em nmeros absolutos, e, proporcionalmente, no noturno, do Ensino Mdio considerado regular, tem gerado, objetivamente, vagas que no so disponibilizadas para a EJA (MORAES et al., 2013, p. 29).

    Ademais, quando se coloca o Ensino Mdio como realidade em anlise, como neste texto, pre-ciso esclarecer que, no Brasil, dada a diversidade de oferta, mais adequado pluraliz-lo: so muitos os 4 Cf. BARRETO, V. et al. Trabalhando com a Educao de Jovens e Adultos: alunos e alunas da EJA. Ministrio da Edu-cao, Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade, Departamento de Educao de Jovens e Adultos, Braslia, 2006. 53 p.5 A pesquisa denominada Ensino Mdio Noturno: registro e anlise de experincias, cujas informaes esto sumariadas na presente publicao, ocorreu entre 2003 e 2004 e teve por finalidade subsidiar a formulao e a implementao de polticas educacionais, contemplando eventuais especificidades dessa etapa e desse turno de ensino. Originou-se, poca, de demanda apresentada pela Secretaria de Ensino Mdio e Tecnolgico do Ministrio da Educao (Semtec/MEC) que, tendo em conta o conhecimento acumulado sobre o tema, seja na bibliografia nacional, seja nas polticas implementadas nos anos recentes, identificou a relevncia e a oportunidade de estudos capazes de iluminar alternativas de interveno, particularmente dirigidas ao ensino noturno, como apoio aos administradores de diferentes instncias dos sistemas educacionais (PERONI; LISBOA; FARENZENA, 2008, p. 7).6 Segundo Moraes et al. (2013), a taxa de escolarizao lquida [...] a proporo de pessoas de uma determinada faixa etria que frequenta a escola na srie adequada, conforme a adequao srie-idade do sistema educacional brasileiro, em relao ao total de pessoas da mesma faixa etria (p. 29).

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    Ensinos Mdios e so muitos os pblicos atendidos, assim como variadas so suas peculiaridades EM, EM Regular, EM Normal/Magistrio, EM Integrado (ao trabalho), EM EJA e EM EJA Integrado (ao tra-balho). A Tabela apresentada a seguir retoma os dados referidos antes, incluindo informaes sobre cada um dos EM oferecidos:

    Fonte: MORAES, Carmen Sylvia Vidigal et al. Formao de Professores do Ensino Mdio: Ensino Mdio e Formao Humana Integral - Etapa I - Caderno I. Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Bsica Curitiba: UFPR/Setor de Educao, 2013. p. 27.

    2.2 Ensino mdio EJA: os jovens e suas vozesNa esteira dessa realidade, buscamos compreender, neste trabalho, o que permeia os processos edu-

    cativos constitudos no Ensino Mdio EJA e como eles podem, ou no, ir ao encontro dos jovens e de suas culturas: jovens que, ao produzirem sua(s) identidade(s) desinibida, questionadora, indisciplinada e, at mesmo, violenta , colocam-se em conflito com os outros (escola, professores, currculos) que, por

    vezes, a(s) contestam. A problematizao desses conflitos est relacionada aos auspcios deste trabalho. A capacidade docente de escuta dos jovens educandos e de dilogo com eles o que propomos para tentar entender suas vivncias e suas maneiras de ver e sentir o mundo. Conforme Dayrell, Leo e Batista (2007),

    O mundo da cultura aparece como um espao privilegiado de prticas e representaes, smbolos e rituais no qual os jovens buscam demarcar uma identidade juvenil. Longe dos olhares dos pais, educadores ou patres, mas sempre os tendo como referncia, os jovens constituem culturas ju-venis que lhes do uma identidade como jovens. As culturas juvenis, como expresses simblicas da condio juvenil, se manifestam na diversidade em que se constitui, ganhando visibilidade por meio dos mais diferentes estilos, que tem no corpo e no seu visual uma das suas marcas distintivas. Jovens ostentam os seus corpos e, neles, as roupas, as tatuagens, os piercings, os brincos, falando de adeso a determinado estilo, demarcando identidades individuais e coletivas, alm de almeja-rem um status social. (p. 6).

    Vivemos marcados por amarras sociais, e essas amarras so os elos que ligam os jovens s suas realidades. Reconhecer essa lgica demanda que a escola se debruce sobre a tarefa de pensar os processos educativos para alm do modo como so vistos, hoje, em nossa sociedade. Mais ainda, implica pensar cer-tas caractersticas com que a sociedade significa os jovens, como as de indivduos rebeldes e alienados nas

    suas relaes com o mundo e pessoas desregradas no que se refere ao comportamento social. inegvel a necessidade de que a escola ensine a pensar de modo crtico para que a autonomia e a cidadania se mate-

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    rializem, gerando o empoderamento poltico dos sujeitos que a (re)fazem. Na mesma medida, para que as suas realidades se transformem, necessrio rever as prticas pedaggicas, hoje, na instituio educativa (FREIRE, 2007). Uma educao mais sincera e mais efetiva se construiria se os dilogos com os jovens, a

    partir dos modos como eles se dizem e se fazem jovens, fossem ampliados, como lembram Dayrell (2006) e Carrano (1999) em suas pesquisas.

    Lidar com processos inovadores envolve lutar contra as formas institudas e os mecanismos de poder hierarquizadores consolidados em algumas instituies. Como pontua Silva (2007), interessante constatar que, nas pautas das reunies dos coletivos da escola, no entram questes sobre os contedos ensinados. Isso fica por conta de cada professor ou professora ou, s vezes, do coletivo que forma deter-minada rea de ensino, deixando de lado toda uma gama de possibilidades de aprendizagens que poderiam partir dos alunos em uma construo curricular conjunta. Silva (2007) nos lembra de maneira concisa:

    Nessa perspectiva, uma didtica para trabalhar com a juventude no demanda a criao de uma nova pedagogia ou de uma nova didtica. Demanda, sim, que se capte dos movimentos juvenis, de seus processos prticos de insero, de busca de reconhecimento e de construo de visibilidade, os elementos necessrios para o sucesso da partilha de saberes que envolve os sujeitos da vivncia escolar. Assim, evidencia-se a necessidade de uma didtica da educao com jovens que expresse um processo educacional voltado para a lgica, a necessidade, a demanda e o olhar da juventude, em contraposio a uma escola que torna-se palco de concepes pedaggicas que se contradizem, dificultando a construo de uma escuta ao mundo juvenil. (SILVA, 2007, p. 10).

    Cumpre mencionar, neste tocante, a identidade juvenil construda nas camadas populares. Nelas, filhos e filhas de famlias trabalhadoras vo construindo sua identidade no reflexo do outro, na imagem de

    trabalhador e trabalhadora, de gente que luta para se manter honesta, gente sobre a qual a mdia e a escola enunciam significados, em certos casos, equivocados. A ideologia dominante e as relaes da sociedade

    vo definindo essa identidade, tornando os jovens das classes populares ora fazedores, ora produtos de tal

    identidade, conformando-se e moldando-se, nessas identidades, algo que lhes parea como mais prximo da realidade da sua condio social.Essa realidade , com frequncia, posta em xeque dentro das salas de aula, frente aos mecanismos da lgica capitalista que transforma nossos alunos em mercadorias.

    Carrano (2005) corrobora essa ideia quando reitera que a escola surge no apenas para ensinar sabe-res, mas, fundamentalmente, para adaptar e sujeitar os corpos dos trabalhadores da modernidade industrial capitalista. Nesse sentido, a classificao de quem vale mais e de quem vale menos insiste em fazer parte

    do universo escolar. Silva (2007) nos ajuda a entender essas identidades construdas na sociedade de forma

    coletiva e reificadas, coisificadas, constantemente, nos espaos escolares:

    Os jovens estudantes pobres esto insatisfeitos com seus cabelos que a mdia diz com frequncia que so ruins; com a cor de pele que a sociedade diz, com frequncia, que a cor da marginalidade. Insatisfeitos com suas relaes sexuais, pois, se para as geraes anteriores o uso do preservativo era uma alternativa, para os jovens atuais constitui-se uma obrigao diante da ameaa da AIDS. Outro motivo de insatisfao com suas relaes sexuais que, muitas vezes, essas resultam em gravidez no planejada, em abortos mal feitos, em filhos no desejados. (p. 9).

    O debate sobre a identidade dos alunos e alunas do Ensino Mdio EJA, espao cada vez mais habi-tado pelos jovens com suas idiossincrasias, e sua vinculao com prticas que envolvam uma didtica da aprendizagem um tema que est na ordem do dia. Tal debate necessita aprofundamento urgente sob o risco de que a ao do docente reproduza concepes e aes que no mais contribuam para a construo

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    do conhecimento dos jovens de maneira protagonista, autnoma e crtica. Nos currculos e nas concepes propostas, na maioria das vezes, so deixados de lado elementos pertencentes a essa realidade juvenil. Em certos casos, negligenciado o fato de que o jovem aluno busca na escola algo maior do que os currculos organizados de modo estanque podem oferecer. Esses jovens, muitas vezes, buscam na escola laos que podero impactar de forma preponderante suas vidas, caso contrrio, no teria explicao o seu retorno aos bancos escolares. Nessa perspectiva, Eugenio (2008) salienta que o currculo um campo sempre contes-tado, o que implica o reconhecimento da existncia de diversos poderes nas relaes sociais estabelecidas entre os sujeitos. Outrossim, esses currculos so atravessados por relaes de poder que, por sua vez, so sempre postas em xeque na ao cotidiana desenvolvida por professores em suas aulas e para alm delas.

    Para que essa educao sensvel ao jovem e s cores de sua cultura se faa, necessria uma postura, por parte dos professores, de rompimento com certo discurso sobre a prtica docente produzido nos es-paos escolares h bastante tempo. Esse discurso, como se disse, muitas vezes no leva a perspectiva dos alunos em conta. necessrio, tambm, que os educadores percebam que a renovao de uma instituio, que represente e seja representada pelas culturas dos estudantes da EJA como realidade prpria dos novos tempos, se faz mais do que necessria. preciso, por fim, que os professores se lembrem de que o saber

    no algo que surge em um movimento espontneo, inato, em funo de talentos particulares que se pre-suma que o sujeito tenha, nem algo dado e acabado; mas trabalhado, modificado e transformado pelos

    seres humanos no decorrer dos tempos, assim como provoca mudanas nos sujeitos e nas suas relaes.

    Convm, contudo, salientar que o paradigma sobre o qual tem se apoiado uma certa forma de compreender a educao, cristalizada a partir de conhecimentos passados e reificados nos cinco sculos antecessores a este, a saber XVI, XVII, XVIII, XIX e XX, ainda exerce enorme fora sobre os educandos da EJA do sculo XXI e, do mesmo modo, sobre seus professores. A esse respeito, o socilogo portugus Boaventura de Sousa Santos (2008) assinala que, desde tempos j distantes de ns, a distino entre as cincias naturais e as cincias sociais deixou de ter sentido e utilidade, pois todos os conhecimentos ten-dem a ser conhecimentos no dualistas. Esses conhecimentos se fundam na superao de fenmenos, at ento, compreendidos desde uma perspectiva que os posicionava como antagnicos natureza e cultura, vivo e inanimado, coletivo e individual, objetivo e subjetivo, animal e pessoa, entre outros: dicotomias centradas num pensamento binrio e dualista. Santos (2008) defende que preciso super-las. Quando superadas, tendero a abrir outros espaos para uma revalorizao dos estudos humansticos, ou seja, a pessoa ser entendida enquanto autor e sujeito do mundo, voltando a ocupar, como lembra Nvoa (2009), o centro da ribalta.

    Infelizmente, ainda constatamos reminiscncias da educao positivista nas salas de aula do tempo presente. Esse passado permanece vivo nos dias atuais, habitando os currculos das nossas escolas. Para Santos (2008), a abordagem do paradigma emergente, no tocante relao do sujeito com o objeto, ope-se ao que postula o paradigma dominante que tem como proposta o distanciamento, a no interferncia no objeto. Na construo do paradigma emergente, h uma relao de reciprocidade entre sujeito e objeto. Seguindo nessa mesma linha de raciocnio, o autor portugus sublinha uma prtica na qual seja reconheci-da a interferncia do sujeito no objeto. Ou, mais ainda, a relao entre ambos que no se caracteriza como perda de rigor metodolgico, e sim como um ganho das duas partes: ganha o sujeito e ganha o objeto. O desafio da classe docente centralizar o esforo na anlise do paradigma emergente. S assim poderemos pensar de forma interdisciplinar e relacional, j que, segundo tal perspectiva, se parte do pressuposto de

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    que no h apenas uma forma de conhecimento. Provoca-se o dilogo com outras formas de conhecimento, possibilitando aos alunos uma troca significativa e lhes oportunizando um aprendizado mais amplo.

    Tais consideraes, por meio das quais se percebem tenses e conflitos entre um paradigma que

    desponta e outro ainda resistente s transformaes, demonstram o peso de uma tradio difcil de ser superada e, ao mesmo tempo, nos ajudam a compreender a discrepncia, ainda presente, entre a prtica

    dos professores e a expectativa dos educandos jovens e adultos nos dias atuais. Para Lioncio (2009), o professor que traz contedos prontos para serem trabalhados com os alunos e alunas da EJA corre o risco de ter seu trabalho e esforo postos fora, pois, muitas vezes, esses saberes prontos no agregam elementos relevantes para os estudantes. Lioncio (2009) afirma:

    Os adultos que chegam at a sala de aula, para concretizar mais esta etapa de seus estudos, sabem muito bem o que querem e todos, mesmo que h alguns anos, j tiveram experincias escolares. Este mesmo aluno traz consigo uma enorme bagagem contendo muitas de suas experincias, e este riqussimo universo no pode ficar de fora desta realidade, os profissionais da educao precisam

    ter em mente que trazer propriamente o contedo pronto muitas vezes no agrega valor algum para este aluno, pois este mesmo contedo se descontextualiza de seu cotidiano, no fazendo sentido algum a ele e, servindo tambm de agravante no que se refere aquisio do saber, pode ainda trazer consequncias ligadas desmotivao. (p. 7).

    Quanto s identificaes culturais, o ambiente escolar do Ensino Mdio EJA, alm de representar

    um lugar de sada/entrada do discente para o espao social, possibilita algumas leituras a partir das quais percebemos que, desde as experincias vividas em tal ambiente, novas e necessrias identificaes podem

    se estabelecer com as culturas juvenis. Isso promove, de certa forma, uma ruptura e uma ampliao dos modelos identitrios culturais assumidos pelos jovens. Dito de outra forma, o Ensino Mdio tem sido con-siderado como um rito de passagem a partir do qual os jovens falam de si, considerando-se um antes de cursar o Ensino Mdio e um depois, com o Ensino Mdio completo. O EM, pois, parece traduzir-se como um marco em suas representaes sociais. Toda a trama construda nos currculos pode corresponder nova roupagem na vida desse alunado, havendo a possibilidade de se desenvolver uma outra compreenso do aluno sobre si mesmo, por vezes, distante daquela estabelecida na escola.

    A mais de uma vez referida distncia entre as expectativas do educando jovem e adulto e as expec-tativas da escola de Ensino Mdio Noturno, frequentemente evidenciada nas vozes dos sujeitos alunos e professores, est associada tambm a elaboraes docentes que ainda olham para o jovem como aluno idealizado, muitas vezes no condizente com o discente que est em sala de aula. Como assinala Dayrell (2007), no trecho que segue,

    Essas diferentes dimenses da condio juvenil so influenciadas pelo espao onde so constru-das, que passa a ter sentidos prprios, transformando-se em lugar, o espao do fluir da vida, do

    vivido, sendo o suporte da mediao das relaes sociais, investido de sentidos prprios, alm de ser a ancoragem da memria, tanto individual quanto coletiva. Os jovens tendem a transformar os espaos fsicos em espaos sociais, pela produo de estruturas particulares de significados. (p.

    1112).

    Especificamente no que tange s diversas relaes que os educandos jovens e adultos estabelecem,

    convm assinalar que as novas tecnologias e os seus impactos na vida dos jovens e adultos fazem com que muitos pensem que a comunicao e a tecnologia so o alicerce da nova sociedade contempornea. No

    entanto, podemos especular que ambas esto em um mesmo pacote a ser utilizado como ferramenta em

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    um srio processo de transformao pelo qual nossa sociedade passa atualmente. Poderamos dizer que a sociedade vive um momento singular tal qual foi o do descobrimento do fogo, da roda, do uso do vapor ou at mesmo da imprensa de Gutenberg. Essas descobertas marcaram demais a vida das pessoas, alterando-a de forma lenta e gradual.

    Talvez o ruir dos muros da escola, a respeito do qual fala Dayrell (2007), acontea de forma a termos

    que repensar a permeabilidade do contexto social e suas influncias. Cada vez mais, percebemos a concor-rncia da informao difundida pelos meios eletrnicos em nossas salas de aula, a competio da ateno do aluno entre o professor e os seus dispositivos mveis eletrnicos. Talvez deva ser repensada, de forma cuidadosa, a maneira com que os jovens se posicionam neste mundo, alimentada pela ponta dos dedos nas telas de celulares, tablets e computadores que tambm fazem parte da identidade juvenil. A dificuldade,

    atualmente, est, talvez, no saber dosar a quantidade e a qualidade de tecnologia e aparelhos eletrnicos a entrar na vida do aluno no ambiente de sala de aula, sem ser autoritrio e licencioso, usando e ensinando a usar de forma que os estudantes tirem proveito das tecnologias. Na fala de Freire (1996), proposta uma reflexo a ser atualizada face presena das tecnologias em sala de aula.

    Recentemente, um jovem professor universitrio, de opo democrtica, comentava comigo o que lhe parecia ter sido um desvio seu no uso de sua autoridade. Disse, constrangido, ter se oposto a que o aluno de outra classe continuasse na porta entreaberta de sua sala, a manter uma conversa gesticulada com uma das alunas. Ele tivera inclusive que parar sua fala em face do descompasso que a situao provocava. Para ele, sua deciso, com que devolvera ao espao pedaggico o neces-srio clima para continuar sua atividade especifica com a qual restaurara o direito dos estudantes e

    o seu de prosseguir a prtica docente, fora autoritria. Na verdade, no. Licencioso seria se tivesse permitido que a indisciplina de uma liberdade mal centrada desequilibrasse o contexto pedaggi-co, prejudicando assim o seu funcionamento. [...] A liberdade sem limite to negativa quanto a liberdade asfixiada ou castrada. (p. 117-118).

    Podemos perceber, nessas palavras de Freire (1996), que os tempos de hoje so outros. Se, no pas-sado, o que desviava a ateno do aluno eram as conversas paralelas, hoje, alm de continuarmos tendo esse mesmo fenmeno, identificamos a disperso promovida pelos equipamentos eletrnicos, tais como

    o celular, o tablet ou o notebook. E essa uma das realidades que faz com o educador se pergunte: diante das novidades que despontam na escola do sculo XXI, como ser um bom professor sem ser licencioso ou autoritrio? Hoje, o maior desafio nas salas de aulas, no que se refere s tecnologias, mostrar para os alunos os benefcios que elas trouxeram para o avano do conhecimento, mas tambm demonstrar que to-das essas mudanas pelas quais estamos passando fazem parte de uma complexa e difcil realidade sobre a qual ainda no h entendimento consensual. Ademais, todas essas mudanas ainda no geraram uma maior capacidade de compreenso dos desafios que nos cercam. O professor precisa mostrar, tambm, que esses

    equipamentos tecnolgicos podem gerar a estranha sensao de que estamos ss, apesar de cercados por amigos de redes virtuais.

    Convm destacar, no entanto, que esse no o nico desafio com que se depara o professor do sculo

    XXI. Alm da presena, cada vez maior, das novas tecnologias de informao e comunicao, a diver-sidade cultural referida antes tambm assinalada por Antnio Nvoa (2009) como um dos tendes de Aquiles do educador hoje. Todos esses elementos demonstram que a ocupao docente exige uma forma-o contnua, tanto para a escuta das muitas matrizes culturais a reverberar nos espaos escolares quanto para as formas com que a sociedade utiliza as novas tecnologias que vm acompanhadas de demandas

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    por conhecimentos especficos referentes s exigncias prprias s quais so chamados e pelas quais so desafiados os professores. Como diz Nvoa (2009), inquestionvel [...] a importncia de conceber a

    formao de professores num contexto de responsabilidade profissional, sugerindo uma ateno constante

    necessidade de mudanas nas rotinas de trabalho, pessoais, coletivas ou organizacionais. A inovao um elemento central do prprio processo de formao (p. 35).

    Para alm de um extenso domnio dos contedos e da cartilha muitas vezes recomendada pelas instituies escolares, os alunos esperam que o bom professor seja capaz de se manter atento s necessi-dades de compreenso especficas da realidade assim como ela se apresenta hoje. Esse o caso das novas tecnologias que convocam os professores a desenvolverem habilidades e competncias especficas. Enten-demos que a profisso docente e sua identidade no podem ser reduzidas apenas dimenso racional, pois:

    Atravs dos movimentos pedaggicos ou das comunidades de prtica, refora-se um sentimento de pertena e de identidade profissional que essencial para que os professores se apropriem dos

    processos de mudana e os transformem em prticas concretas de interveno. esta reflexo

    coletiva que d sentido ao desenvolvimento profissional dos professores. As minhas palavras tm

    como pano de fundo a convico de que estamos a viver uma fase de transio, na qual se assiste ao fechar de um ciclo histrico, durante o qual se consolidou uma determinada concepo do sistema de ensino, dos modos de organizao das escolas e das estruturas curriculares, do estatuto dos pro-fessores e das maneiras de pensar a pedagogia e a educao. (NVOA, 2009, p. 49).

    O processo de fazer-se professor, atento s vrias realidades identitrias presentes na escola e, no caso deste trabalho, na escola de Ensino Mdio EJA Noturno, vai muito alm da formao docente arti-culada aos contedos de reas de conhecimento especficas, envolvendo considerar tambm o que seria

    e como se deu a construo dessa identidade professoral afetada por outras tantas variveis que abarcam experincias da formao universitria, mas tambm experincias profissionais. Ser professor um pro-cesso de construo de identidades, e essas identidades, construdas ao longo da formao docente, tm um carter importante. Essas identidades recebem marcas ligadas ao ofcio docente cotidiano real ou ante-cipado, construdo ao longo da graduao e de sua atuao na vida profissional dentro do ambiente escolar.

    Nvoa (1995) complementa que:

    A identidade no um dado adquirido, no propriedade, no um produto. A identidade um lugar de lutas e conflitos, um espao de construo de maneiras de ser e de estar na profisso. Por

    isso, mais adequado falar em processo identitrio, realando a mescla dinmica que caracteriza a maneira como cada um sente e se diz professor. (p. 16).

    Ainda que as manifestaes culturais juvenis, notadamente percebidas e reconhecidas pelas mdias eletrnicas, possam e devam ser compreendidas como mecanismos que facilitam o dilogo entre a escola e os jovens, seja atravs dos profissionais da educao ou dos gestores da educao, devemos romper com os processos de hierarquizao de prticas e saberes ainda to presentes em nossas salas de aula (CAR-RANO, 2007). Nesse contexto, embora seja recorrente encontrarmos professores que dedicam suas aulas

    mera transmisso de contedos, no podemos ignorar aqueles profissionais da educao que se apoiam em

    sua sensibilidade no trato com os alunos da EJA, no se restringindo transmisso de contedos escolares. Mas como no deixar de lado as muitas vivncias dos alunos e das alunas? Como valorizar potencialidades que podem no se revelar de forma imediata em nossas salas de aula? As capacidades latentes em uma aula da EJA, seja no Ensino Mdio ou no, no podem ser desconsideradas. Na escola, na sala de aula, identifi-camos muitas realidades culturais atravessadas por aspectos de diversas dimenses da realidade cotidiana:

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    socioeconmicas, tnico-raciais, religiosas, orientaes sexuais e intergeracionais, essa ltima carregada de conflitos polarizados entre os jovens e os adultos.

    O pensamento de Dayrell (2007) segue nessa mesma direo. Segundo ele, o campo da Educao de

    Jovens e Adultos dever ser sempre compreendido de modo bem amplo, abrangendo os aspectos sociais e culturais desses alunos, pois, sem essa bagagem, as aulas podem ficar muito esvaziadas de sentido o que

    no diferente se considerarmos a EJA no Ensino Mdio EJA ou no Ensino Mdio EJA Integrado Edu-cao Profissional. Uma grande questo feita por um pesquisador em educao portugus, Jos Machado

    Pais (2006), destaca uma dimenso da escola na qual estamos inseridos e pela qual somos responsveis. Ele pergunta: transformamos a escola, ameaando, com isso, as relaes sociais, ou silenciamos a juven-tude negando os jovens como sujeitos possuidores de culturas prprias? Pais (2006) refora que esses jovens, percebidos como sujeitos de direitos e de cultura, vo deixando de ser vistos apenas como alunos para serem vistos a partir de identidades especficas que remetem ao sensvel, ao corpreo, expressivida-de esttica, sua manifestao cultural, aos seus hbitos e a todas as outras sociabilidades que se originam no interior de um ambiente escolar. Estar atento aos grupos de identidade com os quais os jovens dialogam e se identificam, ou dos quais fazem parte ativamente, torna-se uma condio bsica para o entendimento

    dos sentidos do agir dos jovens alunos no Ensino Mdio EJA.

    Pensando em uma escola na qual os espaos se tornem pblicos e democrticos, onde possam ser feitas experimentaes, acreditamos na necessidade de construo de aprendizagens associadas melhor maneira de se viver a cultura democrtica, aprendizagens que auxiliem a produzir um conhecimento pru-dente em uma sociedade decente (SANTOS, 2008). Os grupos, como aponta Carrano (2007), por si s,

    so espaos insuficientes para a vivncia da vida pblica. Traz-los para essa vivncia democrtica pode

    ser uma das ferramentas de que a atual escola deveria fazer uso, para que os alunos se constituam como sujeitos da vida democrtica, reconhecendo a si mesmos e percebendo os outros no ambiente escolar:

    A presena de jovens alunos na EJA deveria ser expresso de que a escola parte efetiva de seus projetos de vida. E de que eles e elas esto exercendo seus direitos educao bsica republicana e de qualidade e no apenas participando de um mero jogo funcional de correo de fluxo escolar

    ofertado em instituies de espaos e tempos deteriorados. (CARRANO, 2007, p. 9).

    Nessa modalidade de educao ofertada, a Educao de Jovens e Adultos, a homogeneidade cultural, no a marca dominante. A partir dessa constatao que a escola do nosso tempo precisa ser desafiada e

    pensada em reunies de professores, coordenadores e gestores da educao. A educao na EJA, de modo geral, e no Ensino Mdio EJA, de modo particular, no pode ser encarada como uma forma enxuta de ex-posio de contedos ou currculos que seguem o modelo de outras realidades escolares da Educao B-sica.Antes de tudo, a principal ferramenta de constituio dos projetos de vida desses jovens, visando a um maior empoderamento poltico, de modo que possam exercer seu direito a uma educao de qualidade.

    Com base no emponderamento ou empowerment, diz-se que fundamental constituir, com os su-jeitos, espaos de mobilizao do poder, de liberdade de escolha, de circulao de informao, de forma que lhes seja possvel opinar, tomar decises acerca de suas vidas e participar ativamente da organizao social em todas as esferas da realidade. Giroux (1990) defende uma concepo de alfabetizao na qual os conhecimentos articulados s prticas sociais tenham centralidade na luta por uma sociedade mais justa e mais democrtica. Desde esse ponto de vista, a prpria alfabetizao constitui uma das prticas capaz de empoderar os indivduos, possibilitando-lhes perceber a legitimidade do seu pensar por si e para si e a rela-

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    o entre isso e a busca do bem comum. Freire (1990) v na alfabetizao uma das principais ferramentas da qual os indivduos devem fazer uso. Atravs dela, homens e mulheres buscam subsdios para melhor compreender o mundo que os cerca.

    Com base nessa ideia de empoderamento pela tomada de conscincia sobre os modos como a exis-tncia est sendo produzida, somada escolha por formas de interveno transformadoras dessa realidade, atravs da escola e da alfabetizao, Freire (1990) nos mostra como um projeto poltico pode afirmar o di-reito das pessoas. Na mesma medida, pode ressaltar a sua responsabilidade de compreender e transformar suas experincias pessoais e, tambm, de reconstruir sua relao com a sociedade, sentindo-se parte de um projeto mais amplo de possibilidades tanto individuais como coletivas.

    Nesse sentido, Freire (1990) elabora um novo significado para a alfabetizao enquanto linguagem

    das possibilidades e do empoderamento. Porm, importante salientar que todos ns, profissionais da

    educao, devemos estar cientes de que a alfabetizao pode servir a objetivos opostos: ou funciona como um conjunto de prticas que promove a mudana democrtica e emancipadora, ou reproduz a formao social existente e, com ela, as desigualdades (FREIRE e MACEDO, 1990).

    Diante dessa mo dupla que o processo de alfabetizao, Freire (1990) assegura que a educao objetiva desafiar o sujeito a libertar-se da realidade opressiva e das injustias desenvolvidas na sociedade. A leitura crtica dessa sociedade, ou seja, desse mundo, busca sempre a emancipao de forma a ins-trumentalizar ao sujeito chamando-o a descrev-lo ou reescrev-lo, quer dizer, transform-lo atravs de prticas conscientes. Com base na linguagem, essa potente ferramenta que leva os indivduos a se em-poderarem, Freire (1990) argumenta que a alfabetizao poltica e cultural exige repensar o currculo, compreendendo-o como um instrumento que representa um conjunto de interesses que devem ser postos, debatidos e examinados criticamente, permitindo que as diversas vozes escolares sejam ouvidas de forma democrtica, confirmando e legitimando experincias que daro sentido e empoderaro essas pessoas.

    Cabe lembrar, no entanto, que, embora Freire e Macedo (1990) aproximem o empoderamento da leitura da palavra atravessada pela leitura de mundo, eles no se restringem a ela pensada apenas desde a perspectiva dos processos alfabetizadores. Compreender o currculo como [...] representativo de um con-junto de interesses subjacentes que estruturam o modo pelo qual determinada histria contada mediante a organizao do conhecimento, das relaes sociais, dos valores e das formas de avaliao (GIROUX, 1990, p. 19) diz respeito, igualmente, determinada cultura escolar que urge ser problematizada nos diferentes nveis e modalidades de ensino, o que inclui o Ensino Mdio EJA. Propor, como o faz Henry Giroux (1990), que os [...] alunos devem ser introduzidos a uma linguagem do empowerment e da tica radical que lhes permita pensar a respeito de como a vida em comunidade deve ser construda em torno de um projeto do possvel (p. 21) no tarefa que fica limitada aos tempos da alfabetizao, mas avana ao

    longo do perodo de escolarizao dos educandos e os acompanha pela Educao Bsica.

    Freire (1996) prope que se construa uma escola renovada. Afirma que necessrio romper as al-gemas capitalistas que prendem a escola tradicional positivista em filosofias e prticas docentes que no levam em conta a emancipao e o empoderamento do aluno. Nesse sentido, apresenta uma nova possibi-lidade a ser elaborada e levada prtica pela democracia e reflexo constante sobre as realidades de seus

    alunos e alunas, pois s assim se construir a conscientizao, a crtica e uma nova postura diante das aprendizagens, que tambm deveriam ter por funo a emancipao dos alunos visando ao empoderamen-

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    to. Tais elementos se atam a consideraes feitas por Freire e Shor (2011) em Medo e ousadia. Lembram os autores, quando o empoderamento mais uma vez abordado, que ele est diretamente relacionado com a produo de poder poltico pelos sujeitos: Isso faz do empowerment muito mais do que um invento individual ou psicolgico. Ele indica um processo poltico das classes dominadas que buscam a prpria liberdade da dominao, um longo processo histrico em que a educao uma frente de luta (p. 138).

    Nesse sentido, as articulaes entre as histrias vividas pelos alunos e os contedos escolares apre-sentados pelos professores exigem planejamento e capacidade de fazer uma leitura das realidades dis-centes, partindo da as interaes com os contedos escolares para chegar aos objetivos apresentados por uma proposta mais emergente e transversal. Trata-se de um trabalho mais desafiador e mais dinmico que

    implica que professores e alunos se faam sujeitos da aprendizagem. Os recursos didticos so manipula-dos por ambos, fugindo lgica do professor detentor do conhecimento e do aluno carente desse mesmo conhecimento. Falar em superao dessa lgica, to afetada por uma tradio simptica aos pressupostos do paradigma dominante (SANTOS, 2008), quer significar sua necessria articulao com prticas de em-poderamento de educadores e de educandos por meio de um engenho criativo (FREIRE e SHOR, 2011, p. 142) que implicite a escuta da palavra do outro, marcado por matrizes culturais que lhe so prprias e constitutivas de seu lugar de sujeito no mundo, de modo interessado e fundado numa agenda de trabalho que, como dizem Freire e Shor (2011), [...] tanto um roteiro quanto um currculo uma vez que a [...] sala de aula um palco para representaes, tanto quanto um momento de educao (p. 142) que deman-da do educador aes e in(ter)venes nas quais esteja visvel a sintonia entre os saberes escolares e os muitos sons, cheiros e rudos que os educandos trazem consigo de seu cotidiano e de sua vida.

    3. Metodologia e resultados Foram participantes desta pesquisa quanti-qualitativa 31 alunos, de turmas de 1, 2 e 3 ano, regu-

    larmente matriculados no Ensino Mdio EJA Noturno de uma escola estadual localizada na regio central da cidade de Porto Alegre (RS). No que se refere ao desenvolvimento da pesquisa, seguimos as etapas apontadas por Minayo (2009): fase exploratria, fase do trabalho de campo, fase da anlise e tratamento do material emprico e documental. O trabalho de campo envolveu a imerso emprica no universo da escola pela aplicao de questionrio a alunos do Ensino Mdio EJA Noturno. Tais questionrios conti-nham questes abertas e fechadas, constando das seguintes partes: caracterizao do perfil dos educandos,

    elementos relacionados sua situao na escola, perfil socioeconmico e cultural.

    A primeira fase da anlise baseou-se em destacar dados que demonstrassem o perfil da populao

    entrevistada, o panorama social a partir do qual ela se constitui e concepes que permitissem mapear suas identidades culturais. As respostas dadas pelos estudantes do Ensino Mdio EJA foram analisadas de acordo com a natureza especfica de cada questo a partir de consideraes feitas por Minayo em seu

    livro Pesquisa social: teoria, mtodo, criatividade (2009). Nas questes abertas, destacamos algumas ideias, estabelecendo um dilogo entre elas e o referencial terico em que esse estudo est baseado. As respostas dadas s questes fechadas foram tabuladas atravs do software SPSS7 que calcula a frequncia 7 O SSPS um programa de organizao de dados e anlise estatstica de simples utilizao. Atravs da seleo de opes em menus e caixas de dilogo, permite a realizao de anlises estatsticas desde as mais simples at as mais complexas e elabo-radas.

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    das respostas em cada categoria prevista, informando a porcentagem de ocorrncia e, por vezes, fazendo cruzamentos entre variveis. Cabe ressaltar que a interpretao dos dados foi embasada nos princpios da pesquisa quanti-qualitativa, que mescla leituras de dados quantificados, ou seja, leituras que medem e

    numeram categorias agregando valor aos dados quantitativos. J os dados qualitativos buscam responder questes na sua particularidade, visando ao universo dos significados, dos motivos, das aspiraes, das

    crenas, dos valores e das atitudes dos sujeitos (MINAYO, 2009, p. 21).

    3.1 A leitura dos dados3.1.1 Matrizes culturais dos educandos

    Elementos como gnero, idade, estado civil, religio, cidade de origem, nmero de filhos, acesso a

    bens culturais, renda mensal, trabalho, cor, meio de transporte usado, nvel de escolaridade dos pais, pro-fisso dos pais, rotina de estudo e uso de tecnologias (computador, celulares, tablets) possibilitaram cons-tituir um perfil dos jovens. Destacamos, no entanto, que os resultados, embora no sejam representativos

    do total de educandos do Ensino Mdio EJA no estado do Rio Grande do Sul ou em nosso pas, permitem perceber realidades no to destoantes do que costuma ser identificado quando se busca traar o perfil de

    um grupo no qual se observa grande heterogeneidade. Alm disso, conforme Minayo (2009), podemos produzir algumas especulaes a partir da amostra pesquisada que correspondem ao que se diz sobre grupos maiores, porque o ciclo da pesquisa no se fecha; toda pesquisa produz conhecimento, gera novas indagaes e ajuda a compreender melhor o fenmeno sobre o qual se prope a investigao. No entanto, por se tratar de um Estudo de Caso restrito a um pequeno grupo de estudantes que considera o universo de uma nica escola da rede pblica estadual, no possvel generalizar os resultados (MINAYO, 2009). Vale, ainda, ressaltar que a pesquisa busca refletir e, quem sabe, at colaborar de modo a que a escola tenha

    um mapeamento de seu alunado e configure, se julgar adequado, propostas de ensino com base no perfil

    encontrado a partir da pesquisa.

    O fator gnero foi gerado diretamente atravs da varivel sexo que apontou 64,5% da populao como sendo do sexo feminino. As idades variam de 18 anos at 49 anos. Da populao pesquisada, 77,4% dos entrevistados estavam solteiros. Um outro dado obtido na pesquisa aponta que, no que se refere reli-gio, 38,7% disseram pertencer religio catlica; em segundo lugar ficaram os umbandistas, com 29,0%;

    12,9% se disseram espritas; e 12,9%, evanglicos. Dos respondentes, 64,5% disseram que nasceram em

    Porto Alegre e 35,5%, em alguma cidade do interior do Rio Grande do Sul.

    Na Tabela 2, apresentamos o cruzamento das variveis estado civil e nmero de filhos: a maioria dos entrevistados se declara solteira, mas 1/3 dos solteiros responde que tem filhos. Na Tabela 3, mostramos o nmero de filhos dos respondentes.

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    ESTADO CIVILSim

    Filhos TotalSim No

    Casado/a 4 0 4Solteiro/a 6 18 24Unio estvel 1 0 1Divorciado/a 1 0 1Vivo/a 1 0 1

    Total 13 18 31

    TABELA 2- Estado Civil e filhos

    N DE FILHOSSim

    Filhos TotalSim No

    1,00 5 2 72,00 1 0 13,00 2 0 24,00 2 0 26,00 1 0 1

    Total 11 2 13

    TABELA 3 - Nmero de filhos

    Ainda encontramos, na pesquisa, dados relacionados ao perfil socioeconmico e ao acesso a bens cul-turais pelos/as alunos/as. Na populao entrevistada, 90,3% dos estudantes trabalha e tem renda mdia men-sal de aproximadamente R$1.200,00. Outro dado interessante que a maioria dos entrevistados, 51,7%, disse que comeou a trabalhar antes dos 15 anos de idade, muitos (24,2%) afirmam que trabalham mais de 8 horas dirias e 70,3% dos trabalhos desempenhados envolve prestao de servios com baixa remunerao gran-de parte dos entrevistados trabalha como atendente de loja, empregada domstica, bab, cozinheira e por-teiro. Outra caracterstica importante, que impacta nos estudos dessa populao pesquisada, a desgastante jornada de trabalho e o consequente cansao. Muitas vezes, esses alunos chegam bastante cansados na sala de aula, depois de uma extensa atividade laboral, o que requer aes especficas da escola, como servir a janta, o que, no caso da instituio que foi palco da investigao, ocorre, e garantir (ou tentar faz-lo) um ambiente de compreenso dessa realidade por parte dos professores que, por sua vez, so desafiados a tornar suas aulas um pouco mais dinmicas. Dados sobre a cor dos alunos entrevistados podem ser obtidos na Tabela 4.

    Cor Frequncia Percentual Percentual1 vlido

    Percentual2Acumulado

    Branco 14 41,2 45,2 45,2Pardo 5 14,7 16,1 61,3Negro 12 35,3 38,7 100,0Total 31 91,2 100,0

    No respondeu 3 8,8Total 34 100,0

    TABELA 4 - Qual a sua cor?8 Percentual vlido o percentual em que se tem como base somente os questionrios vlidos, ou seja, somente os questionrios que responderam a essa questo. O entrevistado que no respondeu questo no entrou nesse percentual vlido.9 Percentual acumulado o correspondente soma das clulas do percentual vlido, acumulando com a clula seguinte at chegar ao correspondente 100%. O percentual acumulado importantssimo para a construo de histograma ou de um grfico de barras, se fosse necessrio para fins estatsticos.

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    Dos estudantes entrevistados, 87,1% disseram que usam o nibus como principal meio de transporte

    e 12,9% se locomovem a p. E 70,6% disseram ser o principal representante pelo sustento econmico da

    famlia. Um nmero muito expressivo de entrevistados, 64,5%, usa a TV como principal meio de informa-o. No que se refere a irmos, 29,0% de entrevistados declararam ter 2 irmos.

    Na varivel escolaridade dos pais, 54,2% responderam que seus pais tm Ensino Fundamental In-completo frente a 37,5% com pais com Ensino Mdio e apenas 8,3% com pais que cursaram Ensino Su-perior. Outra evidncia investigada foi a profisso dos pais: novamente foram apontados, em sua maioria

    (74,5%), servios para os quais exigida baixa escolaridade e qualificao profissional (CARDOSO DE

    MELLO; NOVAIS, 1998) servios de portaria, vigias, domsticas, donas do lar, auxiliar de servios gerais, assador, jardineiro, autnomo, agricultor e trabalhadores da construo civil.

    Dos estudantes respondentes, 77,4% afirmaram que vo ao cinema regularmente enquanto 22,6%

    disseram que nunca foram ao cinema; 87,1% afirmaram ter livros seus em casa e dedicar at 2 horas por

    semana ao estudo em casa. Essa caracterstica, relacionada rotina de estudos, importante de ser desta-cada tendo em vista que os respondentes afirmaram que ficam mais de 3 horas por dia conectados rede mundial de computadores, usando principalmente a rede social virtual Facebook, e 16% afirmaram que

    passam mais de 2 horas por dia no Facebook. Apenas 22,6% afirmaram que no possuem Facebook. Quan-to ao uso de telefones celulares, 51,6% afirmaram que usam o aparelho o tempo todo. Dos respondentes,

    74,2% afirmaram que veem apenas 1 hora de TV por dia.

    3.1.2 Particularidades do trabalho docenteCompletados os dados do perfil desse alunado quanto a algumas de suas matrizes culturais, vamos,

    agora, para itens do questionrio que remetem estrutura da escola, tanto infraestrutura como poltico--pedaggica. Sobre o desempenho desses alunos na escola, vemos a tabulao das respostas na Tabela 5.

    DESEMPENHO Frequncia Percentual Percentual vlido

    Percentual acumulado

    Vlidos

    Ruim 1 2,9 3,2 3,2Regular 10 29,4 32,3 35,5Bom 17 50,0 54,8 90,3timo 3 8,8 9,7 100,0Total 31 91,2 100,0

    No Respond 3 8,8Total 34 100,0

    TABELA 5 - Como voc percebe seu desempenho na escola?

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    A maioria dos alunos e alunas considera seu desempenho Bom, embora a taxa de participao Boa em sala de aula, informada pelos entrevistados, caia para 41,9%, como fica claro na Tabela 6.

    Frequncia Percentual Percentual vlido

    Percentual acumulado

    Vlidos

    Ruim 1 2,9 3,2 3,2Regular 8 23,5 25,8 29,0Bom 13 38,2 41,9 71,0timo 9 26,5 29,0 100,0Total 31 91,2 100,0

    No Respond 3 8,8Total 34 100,0

    TABELA 6 - Participao Em Aula

    Perguntou-se, tambm, a esses alunos, se eles tinham disciplinas de que mais gostavam. Histria e Geografia foram escolhidas por 17,9% dos entrevistados, seguidas por Filosofia e Sociologia em 11,3% e

    outras disciplinas com menos de 2,9% cada uma.

    Em relao s condies oferecidas pela escola, vemos, na Tabela 7, que, se juntarmos as avaliaes Bom e timo desta varivel, a estrutura da escola considerada por 58,1% dos estudantes entrevistados

    como Boa/tima.

    Frequncia Percentual Percentual vlido

    Percentual acu-mulado

    Valido

    Ruim 4 11,8 12,9 12,9Regular 9 26,5 29,0 41,9Bom 16 47,1 51,6 93,5timo 2 5,9 6,5 100,0Total 31 91,2 100,0

    No Respon 3 8,8Total 34 100,0

    TABELA 7- Estrutura da Escola

    Informaes obtidas por meio de uma pergunta aberta revelam sugestes mais especficas endere-adas escola e relacionadas a reivindicaes dos estudantes como: ter acesso rede de internet Wi-Fi (demanda apresentada por 48,5% do entrevistados), ter um bar na escola (59,4% deram essa sugesto) e

    um laboratrio de informtica (aspecto considerado por 81,3% dos respondentes). interessante desta-car, nesta parte da anlise, a viso de alguns cientistas da educao como Juarez Dayrel (2007) e Antnio

    Nvoa (2009), que apontam que, cada vez mais, a escola destituda da funo mantenedora de alunos compreendidos de modo homogneo e homogeneizador e passa a ser compreendida como espao por onde circulam pessoas que buscam socializao, laos de amizade, namoro, trocas de experincias para alm daquelas relaes embasadas num conceito universal de aluno., A isso, soma-se os desafios relacionados

    introduo e ao uso das novas tecnologias de informao e comunicao nos espaos escolares. Dayrell (2007) aponta que:

    As relaes entre eles [os estudantes] ganham mais relevncia do que as regras escolares, cons-

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    tituindo-se em uma referncia determinante na construo de cada um como aluno, tanto para a adeso quanto para a negao desse estatuto [...]. Nesse processo, novos scripts sociais esto sendo criados e executados pelos jovens alunos, em meio ao conjunto das interaes que ocorrem na escola. (p. 1121).

    Ainda nesse mesmo raciocnio, buscamos apoio nas palavras de Nvoa (2009) quando afirma que,

    nos dias atuais,

    [...] duas outras realidades se impem como temas obrigatrios de reflexo e de interveno. Por

    um lado, as questes da diversidade, nas suas mltiplas facetas, que abrem caminho para uma redefinio das prticas de incluso social e de integrao escolar. [...] Por outro lado, os desafios

    colocados pelas novas tecnologias que tm vindo a revolucionar o dia-a-dia das sociedades e das escolas. (p. 5).

    Como se demonstrou antes, a maioria dos estudantes entrevistados (81,3%) assinala que sente falta

    de um laboratrio de informtica na escola. Disso resulta pensar que, se a escola do sculo XXI no est equipada com as parafernlias tecnolgicas, o mundo est: fora da sala de aula, nossos estudantes se deparam com um verdadeiro mundo automatizado e repleto de aparatos tecnolgicos desde a catraca do nibus, que digital e provida de sensores, at o relgio ponto digital que informa a hora em que ele entrou para trabalhar e a hora em que ele deve sair do trabalho. Por tal motivo, ele precisa se integrar a essa vida que requer, cada vez mais, conhecimentos tecnolgicos.

    Dessa insero vertiginosa das novas tecnologias na rotina dos sujeitos do sculo XXI, no cabe escola ficar de fora. Um laboratrio de informtica talvez seja o elo que liga a escola com o mundo digital

    do l de fora, mundo esse de que nossos alunos querem fazer parte e no qual querem estar presentes. Se a escola buscar mecanismos que possibilitem aos nossos alunos utilizar do aparato tecnolgico digital, inserindo-o em seu fazer pedaggico, talvez possa tirar proveito das novas tecnologias de modo a ins-trumentaliz-los em suas aprendizagens com recursos que fazem parte de seus contextos de vida. Como adverte Nvoa (2009), A construo de novas pedagogias e mtodos de trabalho pe definitivamente em

    causa a ideia de um modelo escolar nico e unificado (p. 5).

    Nvoa (2009), ao pensar sobre os desafios colocados pelas novas tecnologias de informao e co-municao escola, tambm desenha um cenrio que, conquanto possa ser considerado hipottico, no to hipottico assim quando pensamos em algumas escolas de lnguas estrangeiras ou em alguns ramos da educao, como a educao a distncia, por exemplo. Segundo seu argumento, com o qual concordamos,

    o trabalho com as tecnologias permite perspectivar que a

    [...] educao pode acontecer em qualquer lugar e a qualquer hora, tendo como referncia profes-sores reais ou virtuais. Autores diversos assinalam a tecnologia como a chave para a educao do futuro: As escolas, tal como as conhecemos, deixaro de existir. No seu lugar, haver centros de aprendizagens que funcionaro sete dias por semana, 24 horas por dia. Os estudantes tero acesso aos professores, mas a distncia. As salas de aula passaro a estar dentro dos seus computadores.

    Frases deste tipo ouvem-se todos os dias. um futuro que os enormes avanos na produo de ferramentas interativas de aprendizagens tornam cada vez mais possvel. (p. 31).

    Diferentes nveis de dificuldade quanto compreenso dos temas propostos pelas disciplinas foram

    assinalados por 19% dos entrevistados. Dentre as disciplinas nas quais os alunos revelam ter maior di-ficuldade esto Matemtica ( considerada a mais difcil por 42%), seguida pela Fsica (17,5% revelam

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    dificuldades) e por Ingls e Literatura (14,7%, as indicam como disciplinas difceis ou de que os alunos

    menos gostam). Sobre o desempenho dos professores na escola, constatamos, como mostra a Tabela 8, que 80,6% dos alunos consideram o desempenho dos professores bom ou timo, o que constitui um indi-cador importante da qualidade da aula e do tipo de relao estabelecida com esses professores sob a tica dos alunos.

    Frequncia Percentual PercentualVlido

    Percentual Acu-mulado

    Vlidos

    Ruim 1 2,9 3,2 3,2Regular 4 11,8 12,9 16,1Bom 17 50,0 54,8 71,0timo 8 23,5 25,8 96,8N.sabe 1 2,9 3,2 100,0Total 31 91,2 100,0

    No Resp. 3 8,8Total 34 100,0

    TABELA 8 - Desempenho dos Professores

    Desses entrevistados, o total de 96,8% considera a escola como importante ou muito importante na

    sua vida, o que um nmero bem expressivo se levarmos em conta que estudantes da Educao de Jo-vens e Adultos costumam retornar aos bancos escolares para conclurem algo que, de alguma forma, foi interrompido no decurso temporal da sua vida. Quando os entrevistados responderam sobre o que mais os motiva a frequentar a escola, eles apontaram, em sua maioria, o desejo de mobilidade social, evidenciando que a busca do saber escolar est associada expectativa de galgar melhores postos de trabalho, alcanar melhor poder aquisitivo e melhorar sua condio de vida. Todavia, outros fatores foram tambm identifi-cados em suas respostas, havendo certa heterogeneidade.

    S.A.N.10 afirma, no questionrio, que o que mais o motiva a frequentar a escola o aprender cada dia mais, j T.R.P. diz que sua motivao o crescimento profissional e que a escola muito importante para o nosso aprendizado. C.P.S. declara que a escola traz ensino e aprendizado. J D.A.R. diz que o que mais o motiva a vontade de estudar e aprender coisas novas com os colegas. interessante des-tacar, na fala de D.A.R., a afirmao segundo a qual, na escola, aprende-se coisas novas ensinadas pelos colegas. Isso evidencia que, alm da relao entre escola e mobilidade social, a aprendizagem est em con-sonncia com os laos de socializao: com o outro, com o colega, com o professor que aprendemos

    coisas novas, ou seja, s aprendemos na relao com os outros.

    Machado & Fiss (2014), em pesquisa realizada nos anos de 2011 e 2012, envolvendo anlise de de-poimentos de 90 educandos jovens e adultos que estudam numa escola da rede pblica municipal de Porto Alegre (RS), defendem que a busca de certo carter emancipatrio e de cidadania, compromisso da escola, aponta para uma caminhada que tem em vista uma melhora na trajetria histrica do aluno. Apontam, no entanto, que nem sempre as relaes entre escola e trabalho contribuem para isso: O trabalho tanto a porta de entrada, fator motivacional para que os alunos busquem a escola no intuito de melhorar sua qua-lidade de vida e seu poder aquisitivo, como porta de sada por incompatibilidade de horrios ou cansao pela dupla e estafante jornada de trabalho (p. 15), manifestando-se, a, uma contradio o educando

    10 Destacamos que, por razes ticas, os nomes dos estudantes entrevistados foram omitidos neste texto.

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    procura a escola visando mobilidade social pela ascenso profissional, mas o seu espao de trabalho, ao

    mesmo tempo, incentiva e dificulta a continuidade do estudo e a permanncia na escola.

    Outro dado marcante que a maioria dos entrevistados a favor do ingresso na UFRGS pelo sistema de cotas a negros e ndios, assim como 74,2% acham que os egressos de escola pblica devero ter cotas

    para o ingresso nas Universidades Federais. Tambm foi indagado aos estudantes do Ensino Mdio EJA entrevistados se eram favorveis ou no unio de pessoas do mesmo sexo: 83,9% declararam-se favo-rveis unio homoafetiva. Um dado alarmante que 100% dos entrevistados disseram no pertencer a

    nenhum partido poltico nem manter qualquer outro tipo de engajamento poltico.

    Reitero, pela relevncia dessa descoberta, que, fazendo a leitura das perguntas abertas, notamos que

    a maioria dos entrevistados v a escola como um mecanismo de mobilidade social por meio do qual ser possvel buscar novos postos de trabalho visando a uma renda melhor e a melhores condies de vida. Se compararmos o trabalho que realizam no momento da entrevista e a funo almejada aps a concluso do Ensino Mdio, nossa constatao se confirma. Alguns exemplos, encontrados nos questionrios, do

    que sublinhamos aqui so: D.A.R. bab e almeja trabalhar como fisioterapeuta ou psicloga; E.M.S. atendente de nutrio e almeja trabalhar como radiologista; R.O. auxiliar de servios gerais e gostaria de trabalhar como tcnica de informtica; C.A.P.F. cozinheira e gostaria de trabalhar no ramo da beleza; D.K.C. secretria e almeja trabalhar como administradora.

    Ainda nesse contexto de reflexo, vale ressaltar, com alguns autores como Bourdieu e Passeron

    (1985), que h, por trs da educao, princpios meritocrticos na busca e legitimidade desses mecanismos escolares. Nesse sentido, observamos diferenas entre as aspiraes dos alunos, que veem a escola como um local que possibilita a mobilidade social, e as aspiraes da escola, que v a educao como uma ferra-menta ideolgica e cultural. Em outras palavras, todo ensino particularmente o ensino da cultura (mesmo que cientfica) e pressupe implicitamente um corpo de saberes, de saber-fazer e, sobretudo, de saber-dizer

    que constitui o patrimnio das classes cultivadas (BOURDIEU; PASSERON, 1985).

    Temos, ento, um jogo de expectativas diversas. Como se disse antes, Machado e Fiss (2014), a partir de sua recente pesquisa, argumentam que, em primeiro lugar, os alunos tm a iluso de encontrar, na escola, a possibilidade de uma mobilidade social que os leve a melhores patamares quanto ao poder aquisitivo; em segundo lugar, relacionam escola e busca de socializao; em terceiro lugar, a associam busca da aprendizagem. Nas palavras de Machado e Fiss (2014) a esse respeito:

    A escola, no discurso dos sujeitos entrevistados, responsvel pela educao vista, por eles, como caminho redentor e condio fundamental para a ascenso social e formao do indivduo. Ba-seados no mito da escola, os alunos retomam ou iniciam seus estudos formais, acreditando que longe dela no h salvao. Os discursos fundadores deste mito partem de vrios segmentos. Os empregadores exigem a educao formal, compreendida como certificao, para habilitar o jovem

    ou o adulto seleo para uma vaga de trabalho disponvel. As famlias, quase todas, gostariam que os filhos tivessem o estudo que, para eles, na sua histria de vida, foi impossvel ter. Os profes-sores salientam a importncia do saber e da formao. Polticos, em campanhas eleitorais, elegem

    a educao como item principal de suas plataformas, prometem mais escolas, mais recursos, me-lhores salrios aos professores e especial valorizao da educao. (p. 21).

    Os alunos e alunas entrevistados/as, nesta pesquisa, na sua grande parte deixam evidente sua satisfa-o com os professores, havendo uma relao amistosa entre os educandos e os professores da escola. Na

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    pergunta Como voc avalia o desempenho dos professores?, 54,8% acha o desempenho dos professores bom e 25,8% acha timo. No questionrio, foram propostas algumas questes abertas cujas respostas per-mitem especular sobre aspectos que justificam a avaliao feita pelos educandos: O que voc mais gosta de fazer na escola? Por qu? O que voc menos gosta de fazer na escola? Por qu? Em todo o seu tempo no Ensino Mdio EJA, que momento foi mais marcante? Por qu? Pense num(a) professor(a) de que voc gosta. Quais as qualidades pelas quais voc o(a) considera um(a) bom(a) professor(a)? Depreende-se das respostas que a avaliao positiva feita sobre os docentes possa ser justificada por alguns traos de seu

    trabalho destacados pelos respondentes: o respondente D.A.P. afirma que, para ele, as maiores virtudes em um(a) professor(a) so a pacincia e a educao no trato com os alunos. J a respondente T.R.P. gosta muito do professor de espanhol pois ele explica muito bem e se a gente no entender ele fica explicando

    at voc entender e ele muito paciencioso. C.P.S. destaca que a virtude de um bom professor ser cal-mo, tranquilo e paciencioso. Considerando o conjunto de respostas, de que as de D.AP., T.R.P e C.P.S. so uma amostra, algumas atribuies como calma e pacincia notadamente apareceram nas respostas dos estudantes entrevistados como sendo qualidades de um bom professor. Ou seja, para eles, que, na sua maioria, esto voltando aos bancos escolares depois de alguns empecilhos, ter calma e dar tempo para que o aluno assimile, faa articulaes com suas experincias de vida, fundamental para a solidificao das aprendizagens.

    Alguns entrevistados apontam que a prova o que mais desmotiva a frequentar a escola. Esse fator acompanhado de perto pela grande quantidade de trabalhos e de disciplinas ofertadas a eles no Ensino Mdio. Nesse sentido, G.S.R., assim como outros colegas seus, afirma que [...] so 14 matrias que vai dar um grande volume de trabalho. Alm dessa situao, algumas outras so referidas pelos respondentes com menor frequncia: T.M.P. afirma que o que mais desagrada [...] quando os professores comeam a faltar nas aulas assim como a respondente A.D.T. destaca que no gosta quando no tem aula, j a res-pondente L.S.S. escreve [...] me desmotivo sempre que chego no horrio certo e correto, sempre tenho que aguardar algum professor bem atrasado at mesmo em troca de perodo, que sempre estou no horrio certo em sala de aula. Mas, dos 31 estudantes respondentes, a maioria se desmotiva pela aplicao de provas. Temos, a, o que parece indicar um conflito entre os paradigmas dominante e emergente, respec-tivamente (SANTOS, 2008). Estudantes do sculo XXI, constitudos por matrizes culturais diversas e se significando a partir delas, se deparam com uma escola do sculo XX com a qual entram em conflito, principalmente, no que se refere sua estrutura e maquinaria de aprendizagem ainda amparada em ferra-mentas de avaliao que, conquanto sejam importantes, talvez possam ser repensadas, como muito bem demonstra Armstrong (2004) quando afirma que:

    Na vida real voc no faz testes de mltipla escolha. Como jornalista, quantas vezes voc fez testes de mltipla escolha desde que se formou? Nenhuma! Mas voc est fazendo coisas da vida real, voc est escrevendo, redigindo uma matria. Ns temos que fazer com que os alunos simulem situaes reais, temos que fazer deles pequenos cientistas, pequenos escritores, pequenos matem-ticos... E, para isso, ns precisamos de projetos. Eles so mais prximos da realidade. (p. 9).

    Essa ponderao, presente na maioria dos questionrios, que aponta que a prova a maior causadora de desmotivao para os educandos entrevistados, demonstra que devemos por em prtica outras modali-dades de avaliao, como a diagnstica, a formativa, e no to somente a somativa11, assim como preciso

    11 A avaliao diagnstica presta-se a verificar e levantar pontos fracos e fortes do(a) aluno(a) em determinada rea do conhe-cimento a fim de diagnosticar e ajud-lo nos pontos fracos. Quando a avaliao acontece no decorrer do processo educacional recebe o nome de avaliao formativa, e quando ocorre ao final do processo, com a finalidade de apreciar o resultado deste apenas, recebe o nome de avaliao somativa (FERNANDES; FREITAS, 2008, p. 20).

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    diversificar os instrumentos avaliativos propostos e os modos de planejamento.

    4. Para no concluirRefletir sobre o Ensino Mdio EJA, desde a perspectiva assumida pelos estudantes a partir das

    respostas produzidas por eles, faz pensar a respeito da prpria formao de professores e de seu trabalho na escola, tendo por substrato uma dinmica social que permeia o fazer pedaggico, no s na atuao

    em sala de aula, mas tambm no mbito extraclasse, se aproximando da realidade das escolas, dos seus

    conflitos, dos seus interesses e partindo, assim, para o universo de alunos e alunas. Portanto, as aes na

    escola demandam superao por parte dos professores na busca por uma educao mais condizente com a realidade desse alunado e necessitam que estes assumam uma postura crtica diante da realidade.

    Durante a tessitura deste trabalho, deparamo-nos com uma pergunta no pensada inicialmente: em-bora se perceba alguma mudana nas polticas educacionais voltadas Educao de Jovens e Adultos, que negociaes precisam ser feitas para que tenhamos uma escola que produza educao a partir dos contex-tos juvenis de modo mais potente? Depois de analisarmos tantas respostas de jovens estudantes do Ensino Mdio EJA, percebemos que uma gama importante deles almeja uma educao humana, solidria e, quem sabe, emancipatria. O que torna a escola pesquisada singular, nesta nossa investigao, a percepo da apropriao dela pelos jovens para a formao de suas configuraes. Embora haja elementos contradit-rios, a identidade juvenil se consolida com a sua lgica prpria e trilha seus prprios caminhos. A escola precisa, portanto, estar em dilogo com tais lgicas e trilhas inventadas pela(s) juventude(s).

    Depois de ouvidas as vozes dos alunos do Ensino Mdio EJA Noturno de uma escola da rede pblica estadual localizada na regio central da capital gacha, depois de analisadas suas respostas, sobre o (re)conhecimento das culturas juvenis na e pela escola, foi possvel constatar as mltiplas manifestaes e expresses juvenis dentro dos espaos escolares ao perceber elementos dessas culturas mesclados ao pr-prio funcionamento da escola. As roupas, as linguagens e os grupos formados dentro desses espaos, como tambm aqueles que se referem a condies de vida e experincias fora dos muros da escola, permeiam os contextos da instituio com ou sem a sua autorizao. Poderamos afirmar que as expresses das inte-raes das culturas juvenis dentro e fora da escola e as narrativas juvenis produzidas no dia a dia da sala de aula mantm presentes e revelam os vrios posicionamentos desses alunos e dessas alunas: jovens que fazem da escola um lugar mpar.

    Para os professores, diante das tantas matrizes culturais e expectativas a partir das quais os estudan-tes esto a se significar, fica o desafio de desenvolver algum tipo de estratgia de que resulte o bem viver na escola. Muitos estudantes veem na educao algo dificultoso, algo pesado, uma tarefa herclea, mas tam-bm a identificam com algo que poder ser aproveitado em um futuro, espera-se, no muito distante. Pelas

    respostas dadas pelos alunos, constata-se que a escola e seu tempo concorrem com o mundo sua volta, um mundo que anda a passos largos. Os espaos escolares concorrem com outros espaos extramuros da escola nos quais as culturas juvenis so tecidas constantemente e modificadas ou solidificadas. O professor

    e a escola no podem mais se esquivar dessas realidades. Partindo do princpio de que a escola s feita para seus alunos, de que o seu motivo de existncia so os alunos, esses sujeitos so parte importante e constitutiva do funcionamento assumido pela escola. As interaes e relaes que eles estabelecem, prin-

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    cipalmente (mas no s) no interior da escola, algo importante que deve ser a todo tempo investigado, analisado e, se possvel, modificado para melhor atender os educandos.

    Os processos de construo e reconstruo de valores constitudos na escola parecem ser dinmicos

    e nos dizem que tanto a escola, com suas rotinas e sua gramtica institucional, quanto os educandos, com sua gramtica dos grupos culturais, buscam a construo de identidades. Nesse caso, ambos buscam essa construo, que tambm afeta os valores ali constitudos, e no apenas os alunos. A escola tambm busca a sua identidade, sendo necessrio considerar como vista pelos jovens e pela sociedade. Nesse processo de produo identitria, acontecem tanto tentativas de manuteno de certos valores por parte da escola quan-to tentativas de modificao dos valores existentes na instituio por parte dos alunos. Estes, ao referir

    expectativas, frustraes e representaes sobre suas experincias como alunos, possibilitam reconhecer os modos como eles tm atribudo significados educao e aos valores do fazer pedaggico.

    Durante esta pesquisa, buscamos assumir uma permanente postura reflexiva sobre a escolha pela

    docncia, pois a atuao do professorado est repleta de significados, bons e ruins, estabelecidos, s vezes,

    a partir de uma lgica binria. A consolidao dessa escolha, por sua vez, depende muito do nosso relacio-namento com a docncia, a qual est repleta de utopias. Utopias, sim, mas no aquela utopia impossvel de ser realizada, e sim a utopia que ainda no se realizou e que deixou de ser utpica para se constituir como objetivo, meta, compromisso de trabalho. Ainda que no tenhamos assumido compromisso em trazer, por meio da pesquisa aqui referida, respostas para os sobressaltos com que se deparam todos aqueles que fa-zem a vida da escola, ela trouxe uma certeza: a de que devemos no comear a responder, mas, sim, refletir

    e questionar criticamente o universo da educao na sua diversidade e nos desafios com que se apresenta.

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