con crimes de transito

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  • 8/6/2019 con Crimes de Transito

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    UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

    RAFAELA MARCON

    HOMICDIO PRATICADO SOB INFLUNCIA DE LCOOL NA DIREO DE

    VECULO AUTOMOTOR: DOLO EVENTUAL OU CULPA CONSCIENTE?

    Tubaro

    2008

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    RAFAELA MARCON

    HOMICDIO PRATICADO SOB INFLUNCIA DE LCOOL NA DIREO DE

    VECULO AUTOMOTOR: DOLO EVENTUAL OU CULPA CONSCIENTE?

    Monografia apresentada ao Curso de Direito, daUniversidade do Sul de Santa Catarina, como requisitoparcial obteno do ttulo de Bacharel em Direito.

    Orientadora: Denise Silva de Amorim Faria, Msc.

    Tubaro

    2008

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    RAFAELA MARCON

    HOMICDIO PRATICADO SOB INFLUNCIA DE LCOOL NA DIREO DE

    VECULO AUTOMOTOR: DOLO EVENTUAL OU CULPA CONSCIENTE?

    Esta monografia foi julgada adequada obteno dottulo de Bacharel em Direito e aprovada em sua formafinal pelo Curso de Direito da Universidade do Sul deSanta Catarina.

    Tubaro, 26 de novembro de 2008.

    _________________________________________________________

    Prof. e orientadora Denise Silva de Amorim Faria, Msc.

    Universidade do Sul de Santa Catarina

    _________________________________________________________

    Prof. Lrio Hoffmann Junior, Esp.

    Universidade do Sul de Santa Catarina

    _________________________________________________________

    Prof. Edir Josias Silveira BeckUniversidade do Sul de Santa Catarina

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    Dedico este trabalho aos meus pais, Elizabeth

    e Alberto (in memorian), e minha irm

    Daniela, pelo incentivo durante todo o curso,

    compreenso, carinho, e esforo prestados em

    todos os momentos, sem os quais eu jamais

    teria chegado at aqui.

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    AGRADECIMENTOS

    Primeiramente agradeo a Deus, por ter me dado vida, sade e muita fora para

    enfrentar todos os obstculos que surgiram durante a minha caminhada

    Agradeo toda a minha famlia, em especial minha me Elizabeth Dalponte

    Marcon, exemplo de pessoa, a quem muito devo, tendo em vista seu sacrifcio e afeto, os

    quais eu jamais conseguirei retribuir da mesma forma. Ela que sempre me incentivou a no

    desistir diante dos obstculos que surgiam ao longo desta caminhada.

    Meu pai Alberto Felipe Marcon (in memoriam), que mesmo no estando mais

    presente, sempre me incentivou a estudar, e com certeza estaria muito orgulhoso nestemomento.

    Minha irm Daniela Marcon, que tambm muito me ajudou e colaborou para que

    eu conseguisse chegar at aqui.

    Agradeo de forma especial a professora e orientadora Denise Silva de Amorim

    Faria, por ter aceitado o meu convite e me ajudado nesta tarefa. Tambm pela sua ateno,

    dedicao, conhecimento e tempo despendidos para prestar os ensinamentos necessrios na

    concretizao deste trabalho. minha tia, Itinha, que bastante colaborou na concretizao deste sonho.

    Agradeo, tambm, todos os meus colegas, que durante a caminhada, sempre me

    ajudaram nos momentos em que eu encontrava alguma dificuldade. Aqueles que se tornaram

    grandes amigos e confidentes, os quais deixaro muitas saudades.

    Enfim, a todos que de um modo ou de outro, participaram desta caminhada

    contribuindo de forma significante na realizao deste sonho.

    Obrigada a todos vocs!

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    A coragem a primeira qualidade humana, pois garante todas as outras.

    (Aristteles)

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    RESUMO

    Este trabalho foi elaborado com o objetivo de verificar se um sujeito que pratica homicdio no

    trnsito sob influncia de lcool deve ser punido na forma culposa, na espcie de culpa

    consciente, de acordo com o Cdigo de Trnsito Brasileiro ou na forma dolosa, na

    modalidade de dolo eventual e julgado pelo Tribunal do Jri. Para realizao deste trabalho

    utilizou-se a pesquisa bibliogrfica, com o estudo e anlise de legislao, doutrinas e artigos

    sobre o tema, bem como pesquisa documental, onde foram analisados acrdos colhidos do

    Tribunal de Justia do Estado de Santa Catarina e do Superior Tribunal de Justia. Com esteestudo observou-se queoproblema do lcool e direo bastante complexo e h muito sediscute esta questo, uma vez que cresce diariamente o nmero de veculos em circulao.

    Tambm se verificou que existem entendimentos nos dois sentidos, tanto no Tribunal de

    Justia de Santa Catarina, como no Superior Tribunal de Justia e que atualmente h uma

    tendncia em se punir esses motoristas na forma dolosa. Observou-se, tambm, que no

    necessariamente a maneira de punir o condutor do veculo que vai reduzir esse nmero que a

    cada dia cresce mais. Assim, concluiu-se que a questo dos homicdios praticados por

    motorista sob influncia de lcool um problema social. Os Tribunais esto se mostrandofavorveis em pronunciar o motorista para que o mesmo seja julgado pelo Tribunal do Jri,

    como uma maneira de intimidar outros motoristas no intuito de que no desenvolvam esta

    conduta, mas por outro lado, tambm se mostram favorveis punio na forma culposa, uma

    vez que no a punio mais severa que intimidaria estes motoristas. Medidas preventivas e

    uma educao para o trnsito tambm poderiam auxiliar na reduo desse nmero de

    motoristas que praticam homicdios quando embriagados.

    Palavras-chave: Homicdio. Bebidas e acidentes de trnsito. Culpa (Direito).

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    ABSTRACT

    This work was developed with the goal of verifying if a person that practice murder in the

    traffic under influence of alcohol should be punished as culpable, in the kind of conscious

    guilt, according to the Brazilian Traffic Code, or deceit, in the form of eventual deceit and

    judged by the Court of Justice. To develop this work, it was used literature research, with the

    study and analysis of the legislation, doctrines and articles about the subject, as well as a

    documentary research where were analyzed judgments collected to the Court of Justice of the

    Santa Catarina and the High Court of Justice. With this study, it was observed that the

    problem related to alcohol and driving is quite complex and the issue has been studied for along time, since the number of vehicles on the streets has grown every day. It was also

    verified that there are understandings in both ways, as in the Court of Justice of the Santa

    Catarina as in the High Court of Justice, and currently, there is a tendency in punishing those

    drivers as malicious. It was also observed that it is not the way of punishing the driver that

    will reduce that number which grows every day. So, it is concluded that the issue about the

    homicides practiced by drunk drivers is a social problem. The Courts have been favorable

    when they take the driver to the Court of Jury, as a way to intimidate the other drivers; on theother hand, Courts have been favorable to the culpable prosecution, since it is not the most

    severe punishment to intimidate those drivers. Preventive ways and a good education related

    to transit could also reduce the number of drunk drivers who practice homicides.

    Keywords: Murder. Beverages and traffic accidents. Guilt (Law).

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    SUMRIO

    1 INTRODUO ............................................................................................................. 10

    2 DIREITO PENAL E PENA.......................................................................................... 12

    2.1 CONCEITO DE DIREITO PENAL ............................................................................. 12

    2.2 FUNES DO DIREITO PENAL .............................................................................. 14

    2.2.1 Funes legtimas ou declaradas ............................................................................. 16

    2.2.2 Funes ilegtimas ou no declaradas..................................................................... 18

    2.3 CONCEITO DE PENA ................................................................................................. 20

    2.4 FUNES DA PENA................................................................................................... 222.4.1 Teorias absolutas ...................................................................................................... 22

    2.4.2 Teorias relativas........................................................................................................ 23

    2.4.2.1 Preveno geral ....................................................................................................... 24

    2.4.2.2 Preveno especial................................................................................................... 26

    2.4.3 Teorias mistas ........................................................................................................... 27

    3 HOMICDIO................................................................................................................... 29

    3.1 CONCEITO .................................................................................................................. 293.2 OBJETIVIDADE JURDICA ...................................................................................... 30

    3.3 SUJEITOS ..................................................................................................................... 31

    3.3.1 Sujeito ativo............................................................................................................... 31

    3.3.2 Sujeito passivo........................................................................................................... 32

    3.4 ELEMENTO SUBJETIVO ........................................................................................... 33

    3.4.1 Culpa.......................................................................................................................... 34

    3.4.1.1 Culpa consciente...................................................................................................... 383.4.1.2 Culpa inconsciente................................................................................................... 40

    3.4.2 Dolo ............................................................................................................................ 41

    3.4.2.1 Dolo direto............................................................................................................... 42

    3.4.2.2 Dolo indireto............................................................................................................ 43

    3.4.2.2.1 Dolo alternativo.................................................................................................... 44

    3.4.2.2.2 Dolo eventual........................................................................................................ 45

    4 HOMICDIO PRATICADO SOB INFLUNCIA DE LCOOL NA DIREO DE

    VECULO AUTOMOTOR: DOLO EVENTUAL OU CULPA CONSCIENTE..... 48

    4.1 O TRNSITO BRASILEIRO ...................................................................................... 48

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    4.2 ASPECTOS DO CRIME DE HOMICDIO PREVISTO NO ARTIGO 302 DO

    CDIGO DE TRNSITO BRASILEIRO ......................................................................... 50

    4.3 A INFLUNCIA DO LCOOL E OS CRIMES DE TRNSITO - ALTERAES

    DA LEI 11.705 DE 19 DE JUNHO DE 2008 .................................................................. 54

    4.4 A CELEUMA ACERCA DA NATUREZA JURDICA DOS CRIMES DE

    HOMICDIOS PRATICADOS NO TRNSITO POR MOTORISTA EMBRIAGADO .. 57

    4.4.1 Homicdio culposo (culpa consciente)..................................................................... 57

    4.4.2 Homicdio doloso (dolo eventual) ............................................................................ 59

    4.5 POSIO DO TRIBUNAL DE JUSTIA DO ESTADO DE SANTA CATARINA

    EM RELAO AOS CASOS DE HOMICDIO PRATICADO NO TRNSITO POR

    MOTORISTA EMBRIAGADO.......................................................................................... 604.6 POSIO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA EM RELAO AOS CASOS

    DE HOMICDIO PRATICADO NO TRNSITO POR MOTORISTA EMBRIAGADO.63

    4.7 MEDIDAS PREVENTIVAS PARA A REDUO DOS CASOS DE HOMICDIO NO

    TRNSITO ......................................................................................................................... 66

    5 CONCLUSO................................................................................................................. 70

    REFERNCIAS ............................................................................................................... 73

    ANEXOS ........................................................................................................................... 78ANEXO A Acrdo proferido pelo Tribunal de Justia de Santa Catarina que trata

    sobre dolo eventual ............................................................................................................ 79

    ANEXO B Acrdo proferido pelo Superior Tribunal de Justia que trata sobre

    culpa consciente ................................................................................................................. 83

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    1 INTRODUO

    Os crimes de homicdio praticados por motoristas sob influncia de lcool causam

    repercusso social todas as vezes que aparecem nos noticirios, bem como geram grande

    discusso entre os operadores do direito, com relao natureza jurdica deste delito.

    Este trabalho monogrfico abordar aspectos relativos ao consumo de lcool e os

    homicdios causados pelos motoristas que praticam este delito em estado de embriaguez, uma

    vez que h entendimentos de que este crime configura dolo eventual e entendimentos de que

    configura culpa consciente.

    Para tanto, inicia-se o estudo apresentando consideraes gerais acerca do DireitoPenal, mostrando o conceito deste ramo do direito e as suas funes legtimas e ilegtimas,

    tendo em vista que ele o responsvel por impor regras e aplicar sanes aos membros da

    sociedade com intuito de manter a harmonia entre todos.

    Ainda neste captulo, abordar-se-o o conceito das penas e quais as funes que

    estas cumprem, sob a tica de trs teorias que se ocupam em explicar qual seria a funo da

    pena na sociedade.

    No segundo captulo, discorrer-se-o sobre o crime de homicdio, destacando-se oconceito deste delito, qual o objeto jurdico, ou em outras palavras, qual o bem jurdico

    tutelado neste caso, os sujeitos ativo e passivo, necessrios para a configurao do delito.

    Analisar-se-o, ainda, o elemento subjetivo norteador da conduta do sujeito ativo no momento

    que pratica a infrao penal, que no caso do homicdio poder ser a culpa, consciente ou

    inconsciente e o dolo, direto ou indireto, sendo este dividido em eventual ou alternativo.

    Aps esse apanhado, o terceiro captulo, se ocupar do tema desta monografia,

    sendo enfoque de estudo o trnsito brasileiro e a atual situao de violncia que se encontranas rodovias brasileiras, onde uma das causas preponderantes o lcool.

    Essa violncia no trnsito acaba gerando inmeros homicdios, delito este que, em

    se tratando de crimes de trnsito, tipificado pelo artigo 302 do Cdigo de Trnsito

    Brasileiro, que apresenta alguns aspectos, sendo estes destacados no ltimo captulo.

    Pertinente apresentar algumas alteraes que a Lei n. 11.705/08 efetuou no

    Cdigo de Trnsito Brasileiro, relativas aos delitos de trnsito praticados por motorista

    embriagado, incluindo-se a, o delito de homicdio.

    Os argumentos utilizados para enquadrar o homicdio praticado no trnsito por

    motorista sob influncia de lcool sob o ponto de vista daqueles que entendem se tratar de

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    homicdio doloso, na modalidade de dolo eventual e aqueles que entendem se tratar de

    homicdio culposo, na espcie de culpa consciente, um dos tpicos abordado no ltimo

    captulo.

    Essa divergncia entre homicdio doloso e homicdio culposo ser demonstrada,

    tambm, atravs de alguns julgados oriundos do Tribunal de Justia do Estado de Santa

    Catarina e tambm do Superior Tribunal de Justia, sendo que existem decises nos dois

    sentidos.

    E, por ltimo, elencam-se algumas medidas preventivas que deveriam ser

    colocadas em prtica como uma tentativa de soluo dos problemas do trnsito, tentando

    afastar um pouco do Direito Penal a funo de resolver todos os conflitos sociais.

    Este trabalho monogrfico foi elaborado atravs de pesquisa bibliogrfica edocumental, buscando-se investigar o problema com base em doutrinas, artigos, legislao e

    jurisprudncias.

    O principal instrumento de controle da situao do trnsito brasileiro atualmente,

    o Cdigo de Trnsito Brasileiro, editado exclusivamente para este fim, haja vista o crescente

    nmero de veculos em circulao e os nmeros cada vez maiores de mortos e feridos no

    trnsito.

    A celeuma envolvendo a natureza jurdica dos crimes de homicdio praticados pormotoristas embriagados foi o ponto principal que deu nfase na elaborao deste estudo.

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    2 DIREITO PENAL E PENA

    Diante do tema proposto - Homicdio praticado sob influncia de lcool na

    direo de veculo automotor: dolo eventual ou culpa consciente? - no presente captulo far-

    se-o breves consideraes acerca do conceito de Direito Penal e suas funes legtimas ou

    declaradas, quais sejam, as funes tico-sociais e preventivas e as ilegtimas ou no

    declaradas, divididas em funo simblica e promocional.

    Neste captulo, ainda, analisar-se-o o conceito e as funes da pena, sob o

    enfoque das trs teorias que a explicam: as teorias absolutas, as teorias relativas, estas

    baseadas na preveno geral e preveno especial e as teorias mistas.

    2.1 CONCEITO DE DIREITO PENAL

    Os bens essenciais ao convvio em sociedade, por serem extremamente valiosos,

    precisam ser constantemente tutelados pelo Estado, e, por esta razo, surgiu o Direito Penal,ramo especfico do Direito que visa proteo de todos os cidados.

    As sociedades precisam de um sistema de controle social capaz de assegurar sua

    estabilidade e sobrevivncia, bem como garantir que os indivduos sejam submissos s

    normas de convivncia (disciplina social), que contemple, tambm, modelos de conduta,

    castigando-os (penalmente) quando praticados fatos que (de modo intolervel) coloquem o

    grupo em perigo.1

    Diante desta necessidade, surge o direito penal, que nas palavras de Noronha oconjunto de normas jurdicas que regulam o poder punitivo do Estado, tendo em vista os

    fatos de natureza criminal e as medidas aplicveis a quem os pratica. 2

    Welzel apudBitencourt tambm conceitua o direito penal como aquela parte do

    ordenamento jurdico que fixa as caractersticas da ao criminosa, vinculando-lhe penas ou

    medidas de segurana. 3

    1 GOMES, Luiz Flvio; MOLINA, Antnio Garca-Pablos de; BIANCHINI, Alice. Direito penal: introduo e

    princpios fundamentais. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, v. 1, p. 25.2 NORONHA, E. Magalhes. Introduo e parte geral. In: ______ Direito penal. 34. ed. atual. So Paulo:Saraiva, 1999, v. 1, p. 4.

    3 BITENCOURT, Cezar Roberto. Parte geral. In: ______ Tratado de direito penal. 11 ed. atual. So Paulo:Saraiva, 2007, v. 1, p. 2.

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    O direito penal, portanto, apresenta-se como um conjunto de normas jurdicas que

    regulam o poder punitivo do Estado quando h ofensa a um bem jurdico. Neste sentido

    Bitencourt afirma que:

    O Direito Penal apresenta-se como um conjunto de normas jurdicas que tem porobjeto a determinao de infraes de natureza penal e suas sanes

    correspondentes penas e medidas de segurana. Esse conjunto de normas eprincpios, devidamente sistematizados, tem a finalidade de tornar possvel aconvivncia humana, ganhando aplicao prtica nos casos ocorrentes, observandorigorosos princpios de justia. Com esse sentido, recebe tambm a denominao deCincia Penal, desempenhando igualmente uma funo criadora, libertando-se dasamarras do texto legal ou da dita vontade esttica do legislador, assumindo seuverdadeiro papel, reconhecidamente valorativo e essencialmente crtico, no contextoda modernidade jurdica.4 (grifos do autor)

    Percebe-se, assim, que o direito penal possui um papel fundamental na sociedade,

    tendo em vista que regula as relaes sociais, impondo regras que possibilitem umaconvivncia harmoniosa entre os membros de uma sociedade e, tambm, aplicando sanes

    queles que desviaram sua conduta, praticando alguma infrao de natureza penal.

    Nas palavras de Zaffaroni e Pierangeli, o direito penal, ainda, pode ser

    conceituado como:

    [...] o conjunto de leis que traduzem normas que pretendem tutelar bens jurdicos, eque determinam o alcance de sua tutela, cuja violao se chama delito, e aspira aque tenha como conseqncia uma coero jurdica particularmente grave, queprocura evitar o cometimento de novos delitos por parte do autor.5 (grifo do autor)

    Os autores prosseguem afirmando que com a expresso direito penal se

    designam conjunta ou separadamente duas entidades diferentes: 1) o conjunto de leis

    penais, isto , a legislao penal; ou 2) o sistema de interpretao desta legislao, isto , o

    saber do direito penal. 6 (grifos do autor)

    O direito penal se ocupa de penalizar os indivduos que praticam infraes com

    natureza penal. Essa penalizao dos delitos exercida pelo Estado, que possui a funo de

    garantir o bem estar dos membros da sociedade. Gomes, Molina e Bianchini preconizam:

    [...] trs so as instituies penais bsicas do Direito Penal: (a) o delito, comoantecedente ou pressuposto lgico da resposta criminal; (b) a sano penal (pena oua medida de segurana, como conseqncia jurdica derivada da infrao penal) e(c) as normas (instrumento por meio do qual so formulados os mandamentos ou asproibies legais).7 (grifos do autor)

    Ainda, conceituando o direito penal, Gomes, Molina e Bianchini afirmam que este

    ramo do direito apresenta dois conceitos distintos: um sob o enfoque dinmico e social e outro

    sob o enfoque esttico e formal:

    4 BITENCOURT, 2007, p. 1-2.5 ZAFFARONI, Eugenio Ral; PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral.2 ed. rev. e atual. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 86.

    6 Ibid., p. 85.7 GOMES; MOLINA; BIANCHINI, 2007, p. 28.

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    Pode-se definir o Direito penal, do ponto de vista dinmicoe social, como um dosinstrumentos do controle social formal por meio do qual o Estado, mediante umdeterminado sistema normativo (leia-se: mediante normas penais), castiga comsanes de particular gravidade (penas e outras conseqncias afins) as condutasdesviadas (crimes e contravenes) mais nocivas para a convivncia, visando a

    assegurar, dessa maneira, a necessria disciplina social bem como a convivnciaharmnica dos membros do grupo.Sob o enfoque esttico e formal pode-se afirmar que o Direito penal um conjuntode normas (normas jurdico-pblicas) que definem certas condutas como infrao,associando-lhes penas ou medidas de segurana assim como outras conseqnciasjurdicas (indenizao civil, por exemplo). 8 (grifos do autor)

    Deste modo, observa-se que o direito penal apresenta diversos conceitos, mas de

    um modo geral todos possuem a mesma essncia, qual seja, o poder punitivo do Estado em

    impor regras e aplicar sanes aos membros de determinada sociedade.

    2.2 FUNES DO DIREITO PENAL

    O Direito Penal trata de situaes em que as pessoas extrapolam os limites do

    razovel, agindo de forma totalmente liberal e, assim, atingindo direitos de terceiros. Em

    decorrncia disso, a resposta jurdica vem em forma de punio dos desvios. Deste modo,

    discute-se quais seriam as funes do direito penal.

    Em toda sociedade existe uma estrutura de poder e segmentos ou setores mais

    prximos do poder, sendo necessrio assim, um controle social com uma parte punitiva para

    sustentar essa estrutura. O sistema penal o alicerce dessa estrutura, ou seja, uma das

    formas de sustentao mais violentas, e cumpre esta funo mediante a criminalizao

    seletiva dos marginalizados, para conter aos demais. Tambm quando os outros meios de

    controle social fracassam o sistema penal no tem dvida em criminalizar pessoas, a fim de

    que de sejam mantidos no seu rol, e no venham a desenvolver condutas prejudiciais hegemonia dos grupos a que pertencem.9

    Consabidamente,uma das funes primordiais doDireito Penal proteger os bensjurdicos, que nas palavras de Bitencourt seriam todo valor da vida humana protegido pelo

    Direito.10 Quando um bem jurdico ofendido, e os outros ramos do direito no se mostram

    suficientes para resolver o conflito, por se tratar de infrao penal, o direito penal tem funo

    precpua na tentativa de soluo do problema.

    8 GOMES; MOLINA; BIANCHINI, 2007, p. 24.9 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1999, p. 77-78.10 BITENCOURT, 2007, p. 7.

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    Queiroz assinala que o direito penal no seno um dos muitos instrumentos de

    poltica social de que se vale o Estado para a realizao dos fins que lhe so

    constitucionalmente assinalados. 11

    Se uma concepo predominantemente liberal concede ao Direito Penal uma

    funo protetora de bens e interesses, uma concepo social, em sentido amplo, pode, por sua

    vez, adotar uma concepo predominantemente imperialista e, portanto, reguladora de

    vontades e atitudes internas, como ocorreu, por exemplo, com o nacional-socialismo alemo.

    A primeira concepo destaca a importncia do bem jurdico; a segunda apia-se na infrao

    do dever, na desobedincia, na rebeldia da vontade individual contra a vontade coletiva.

    Agora, se um Estado Social pretende ser tambm um Estado de Direito ter de outorgar

    proteo penal ordem de valores constitucionalmente assegurados, rechaando ospostulados funcionalistas protetores de um determinado status quo. 12 (grifos do autor)

    Corroborando com a idia de que o direito penal busca proteger os bens jurdicos

    dos indivduos e proporcionar uma convivncia harmoniosa entre os mesmos, Queiroz

    assevera que:

    [...] sob o manto de um Estado a que se defere funes relativas, exclusivamente,no pode ser fim da pena o retribuir por retribuir, nem o pretender fazer justia sobrea terra, mas simplesmente possibilitar, em termos mui relativos e limitados, isto ,subsidiariamente, e dentro duma poltica social de largo alcance (interveno de

    carter etiolgico), a convivncia social, condicionando o exerccio da liberdade,coibindo o arbtrio e, por conseqncia, a violncia mesma. Ao declarar, pois, oEstado determinados comportamentos como delituosos, pretende-se prevenir, maisenergicamente, sua reiterao, protegendo determinados bens jurdicos; busca-secontrol-lo, enfim, quando semelhante fim no se possa lograr por outros meiosmenos onerosos liberdade, e para cuja finalidade possa o direito penal concorrerutilmente.13 (grifos do autor)

    Cumpre destacar, ainda, que o direito penal possui funes e misses, sendo umas

    distintas das outras, conforme extrai-se da lio de Gomes, Molina e Bianchini, que abaixo

    elencam quais seriam as misses do direito penal:

    As misses do Direito Penal, isto , suas finalidades, suas metas, so asconseqncias queridas e buscadas oficialmente pelo sistema (proteo de bensjurdicos, diminuio da violncia estatal, diminuio da violncia individual etc.).Funes so as conseqncias (efetivas) no desejadas (oficialmente,ostensivamente), mas reais do sistema. [...]14

    Destarte, percebe-se que a funo primordial do direito penal a proteo dos

    bens jurdicos essenciais para se viver da forma mais harmoniosa possvel na sociedade, e este

    11QUEIROZ, Paulo de Souza. Funes do direito penal: legitimao versus deslegitimao do sistema penal.Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 122.

    12 COBO DEL ROSAL, Manuel; ANTON VIVES, R.S. apud BITENCOURT, 2007, p. 7.13 QUEIROZ, op. cit., p. 127.14 GOMES; MOLINA; BIANCHINI, 2007, p. 222.

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    direito entra em cena quando os outros ramos do direito no se mostram razoveis na soluo

    dos conflitos sociais.

    Alm desta funo precpua, Gomes faz uma distino bipartida das funes reais

    do direito penal em funes legtimas ou declaradas e ilegtimas ou no declaradas15, objeto

    de estudo dos prximos tpicos.

    2.2.1 Funes legtimas ou declaradas

    Dentre as funes legtimas ou declaradas, tambm chamada de funes tico-social e preventiva, ressaltam-se as de maior relevncia, quais sejam: a) proteo (subsidiria

    e fragmentria) de bens jurdicos; b) proteo do indivduo contra a reao social que o crime

    desencadeia; c) construo de um sistema normativo dotado de garantias que lhe concedem

    racionalidade. Em outras palavras, significa dizer que o direito penal tem como funo

    proteger a pessoa dos ataques (da violncia) de outras pessoas e tambm, de proteg-las da

    prpria violncia do poder estatal.16

    A funo tico-social exercida por meio da proteo dos valores fundamentaisda vida social, que deve configurar-se com a proteo de bens jurdicos. Esses bens jurdicos

    so de vital importncia para a sociedade e para os indivduos, merecendo assim, proteo

    legal. Em decorrncia da funo tico-social surge a funo preventiva, porque sempre que os

    indivduos violarem limites de liberdade, e esta violao adequar-se aos princpios de

    tipicidade e culpabilidade, acarretar responsabilidade penal do agente. Essa conseqncia

    jurdico-penal da infrao ao ordenamento produz um efeito preventivo, que caracteriza a

    funo preventiva.

    17

    Neste nterim, percebe-se que o direito penal primeiramente busca garantir a

    segurana da sociedade e, posteriormente, aplica uma sano quele que violou uma norma

    penal, reagindo frente a uma situao, em que ocorreu o descumprimento das normas tico-

    sociais.

    As funes legtimas basicamente visam proteger os indivduos da violncia

    praticada por outros indivduos, bem como a violncia do prprio Estado. Neste norte, Gomes

    15 GOMES, Luiz Flvio; BIANCHINI, Alice. O direito penal na era da globalizao. So Paulo: Revista dosTribunais, 2002, p. 92 - 98.

    16 Ibid., p. 92.17 BITENCOURT, 2007, p. 7-8.

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    17

    e Bianchini asseveram que o direito penal:

    [...] poder punitivo, sancionador, castigo, mas tambm Direito (e Direito doEstado Constitucional e Democrtico de Direito). ius puniendi (poder de imporsanes a quem descumprir a norma ofendendo o bem jurdico tutelado), mas

    tambm ius poenale (conjunto de normas dotado de garantias e racionalidade). Direito penal subjetivo (ius puniendi), mas tambm objetivo (conjunto de garantias).Em suma: o poder punitivo do Estado nunca limitado; sempre encontrar (ou deveencontrar) as barreiras tpicas (do contrapoder) do Direito Penal do Estado deDireito. 18 (grifo do autor)

    O ius puniendi tem como objeto a proteo dos bens jurdicos, dando segurana a

    todos, protegendo os inocentes, bem como o descumpridor da norma, sobre o qual pode recair

    reaes sociais decorrentes do delito praticado e o ius poenale deve estar estruturado para

    minimizar a violncia, eliminar os abusos e a arbitrariedade, inerentes ao exerccio do poder

    de investigar, castigar e executar.19

    Gomes e Bianchini tambm afirmam que o direito penal, quando cumpre suas

    funes legtimas, serve de instrumento para reduo das violncias:

    O delito, de um lado, bem como o poder punitivo estatal, de outro, representamambos duas formas de violncia. O Direito penal deve servir de instrumento dereduo dessas duas violncias, tanto contendo os abusos (dos particulares: unscontra os outros) como evitando as arbitrariedades (do poder estatal). 20

    Destarte, extrai-se que o direito penal tem legtima funo quando protege o ser

    humano tanto dos ataques de outra pessoa como da violncia estatal, tornando-se, assim,

    instrumento capaz de intervir na realidade social, evitando qualquer ameaa de perigo ou

    leso aos bens jurdicos mais fundamentais, como a vida, a honra, a integridade fsica, a

    liberdade individual, dentre outros.

    Em resumo, acerca das funes legtimas do Direito Penal, Roxin assinala que o

    direito penal serve simultaneamente para limitar o poder de interveno do Estado e para

    combater o crime. Protege, portanto, o indivduo de uma represso desmesurada do Estado,

    mas protege igualmente a sociedade e seus membros dos abusos do indivduo. 21

    Gomes e Bianchini preconizam, ainda, que o efeito que se espera do Direitopenal, por conseguinte, o de preservar a segurana indispensvel para a convivncia em

    sociedade, criminalizando-se ou punindo-se exclusivamente os ataques mais intolerveis

    pessoa. 22

    Portanto, as funes legtimas que o direito penal cumpre, envolvem a tutela dos

    bens jurdicos mais importantes para o ser humano e a proteo contra a violncia, tanto entre

    18 GOMES; BIANCHINI, 2002, p. 93.19 Ibid., p. 94.20 Ibid., p. 95.21 ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Traduo Ana Paula dos Santos Lus

    Natscheradetz. 3. ed. Lisboa: Vega, 1998, p. 76.22 GOMES; BIANCHINI, op. cit., p. 97.

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    Destarte, fala-se em funo promocional quando o direito penal utilizado para

    promover excessivamente determinado bem jurdico e, assim, aquietar os nimos da

    sociedade.

    A funo promocional (querer infundir na sociedade o respeito a valores por

    intermdio do Direito penal) apresenta-se como o caminho mais imediato para se chegar a

    outra funo patolgica do direito penal, qual seja a funo simblica ou retrica 27, como a

    seguir demonstrar-se-.

    A chamada funo simblica ou retrica da pena se ope s funes instrumentais

    do direito penal, e o meio pelo qual no se objetiva a soluo de um dado conflito de

    interesses, mas sim produzir uma impresso tranqilizadora na opinio pblica, de um

    legislador atento e decidido. E mais, por meio da edio e aplicao das normas penais, cria-se uma segurana jurdica, de modo a se restabelecer o status quo ante.28

    Zaffaroni e Pierangeli destacam que o direito penal acaba sempre cumprindo uma

    funo simblica, entretanto esta no pode ser a nica funo por ele cumprida:

    lgico que a pena, ainda que cumpra em relao aos fatos uma funo preventivaespecial, sempre cumprir tambm uma funo simblica. No entanto, quando scumpre esta ltima, ser irracional e antijurdica, porque se vale de um homemcomo instrumento para a sua simbolizao, o usa como meio e no como um fim emsi, coisifica um homem, ou, por outras palavras, desconhece-lhe abertamente ocarter de pessoa, com o que viola o princpio fundamental em que se assentam osDireitos Humanos.29 (grifo do autor)

    muito comum o legislador recorrer norma penal para apontar aos seus

    destinatrios uma impresso tranqilizadora. No Brasil encontram-se alguns exemplos, tais

    como a lei dos crimes hediondos (Lei n 8.072/90), que aumentou consideravelmente as penas

    dos crimes nela previstos. Posteriormente veio a Lei n 9.426/96 30, agravando as penas de

    determinados delitos, dentre tantas outras leis que surgiram imediatamente divulgao de

    crimes que tiveram repercusso social na imprensa, levando o legislador a editar normas

    penais que acalmassem o impacto das notcias veiculadas. Tambm comum a decretao deprises provisrias, em razo da comoo social gerada pelo delito cometido. Entretanto,

    certo que estas normas penais, sejam ela simblicas ou no, costumam causar, pelo menos

    imediatamente sua publicao, certa impresso de conforto e tranqilidade. 31

    27 GOMES; BIANCHINI, 2002, p. 102-103.28 QUEIROZ, 2001, p. 54.29 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1999, p. 108.30 A lei 9.426/96 aumentou a pena de alguns crimes, tais como furto de veculos, receptao e receptao

    qualificada, dentre outros crimes, Cf. BRASIL. Lei n 9.426, de 24 de dezembro de 1996. Altera dispositivosdo Decreto-lei n 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Cdigo Penal - Parte Especial. Disponvel em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9426.htm. Acesso em: 25 out. 2008.

    31 QUEIROZ, op. cit., p. 55.

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    Ademais, conceber o direito penal com funo simblica significa inegavelmente

    atribuir-lhe um papel pervertido, uma vez que o direito penal simblico desatende-se da eficaz

    proteo de bens jurdicos em funo de outros fins que lhe so alheios, porque no visa ao

    infrator potencial, para dissuadir-lhe, seno ao cidado que cumpre as leis para tranqilizar-

    lhe, para acalmar a opinio pblica.32

    Um direito penal com funo simblica, no legtimo, porque no cumpre com

    suas funes primordiais. Deste modo Garca-Pablos apudQueiroz assevera que:

    [...] um direito penal simblico carece de toda legitimidade porque manipula o medoao delito e insegurana, reage com rigor desnecessrio e desproporcionado e sepreocupa exclusivamente com certos delitos e infratores, introduz um sem fim dedisposies excepcionais, a despeito de sua ineficcia ou impossvel cumprimento e,em mdio prazo, desacredita o prprio ordenamento, minando o poder intimidatrio

    de suas prescries.

    33

    Entretanto, afirmar que o direito penal possui funo simblica, necessariamente

    no significa dizer que no produza efeitos, conforme se extrai da lio de Pereira de

    Andrade:

    Afirmar assim que o Direito Penal simblico no significa afirmar que ele noproduza efeitos e que no cumpra funes reais, mas que as funes latentespredominam sobre as declaradas no obstante a confirmao simblica (e noemprica) destas. A funo simblica assim inseparvel da instrumental qualserve de complemento e sua eficcia reside na aptido para produzir certo nmero derepresentaes individuais ou coletivas, valorizantes ou desvalorizantes, com funo

    de engano.

    34

    (grifo do autor)Portanto, um direito penal com funo simblica no protege necessariamente os

    bens jurdicos. Visa alcanar apenas efeitos polticos que satisfaam a coletividade,

    descumprindo a sua funo legtima e criando uma funo enganadora que faz cessar a

    confiana da populao.

    2.3 CONCEITO DE PENA

    Desde o surgimento da raa humana, sempre existiram meios de punir aqueles

    que desviassem sua conduta em relao aos demais indivduos que fazem parte de

    determinada sociedade.

    32 GOMES; BIANCHINI, 2002, p. 103-104.33 QUEIROZ, 2001, p. 56.34 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A iluso de segurana jurdica: do controle da violncia violncia do

    controle penal. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 1997, p. 293.

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    infrao penal. Nesse sentido Bitencourt acrescenta que quase unnime, no mundo da

    cincia do Direito Penal, a afirmao de que a pena justifica-se por sua necessidade. 40

    Para Zaffaroni e Pierangeli a pena no pode perseguir outro objetivo que no seja

    o que persegue a lei penal e o direito penal em geral: a segurana jurdica. A pena deve aspirar

    a prover segurana jurdica, pois seu objetivo deve ser a preveno de futuras condutas

    delitivas. 41

    Assim, percebe-se que a pena a conseqncia imposta ao indivduo, aps um

    devido processo penal, quando este praticar uma infrao penal e violar as normas jurdicas.

    2.4 FUNES DA PENA

    Trs so as teorias mais importantes que explicam quais so as funes da pena.

    So elas: teorias absolutas, que vem na pena a retribuio por um mal cometido; teorias

    relativas, que atribuem pena um carter preventivo, seja em carter geral ou especial e as

    teorias mistas, que unem a idia de retribuio e preveno.

    2.4.1 Teorias absolutas

    As teorias absolutas so aquelas que entendem que a pena tem carter retributivo.

    Os defensores das teorias absolutas so Imannuel, Kant e Hegel e, segundo esses pensadores,

    o mais importante esclarecer qual a essncia de punir ou qual a natureza. Para eles, s

    legtima a pena que seja justa, ainda que esta pena no seja til. Tanto em Kant como em

    Hegel, a justificao da pena uma justificao idealista, quer dizer, que o direito que a se

    trata no corresponde com o direito como ele , histrica e praticamente, mas como deve ou

    deveria ser, idealmente falando. 42.

    A pena vista, sob o enfoque das teorias absolutistas, como uma forma de

    retribuir um mal cometido. Pune-se o cometimento de um mal com a imposio de outro.

    Neste sentido Queiroz dispe que:

    40 BITENCOURT, 2007, p. 80.41 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1999, p. 103-104.42 QUEIROZ, 2001, p. 18-19.

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    As teorias absolutas, assim chamadas em contraposio s teorias relativas, oufinalistas da pena, recebem tal denominao por verem, embora sob perspectivasdistintas e sob uma tambm distinta argumentao, a pena como um fim em simesmo, pena que, quer como realizao da justia, quer como expiao de um mal,quer por razes de outra ndole, se justifica pura e simplesmente pela verificao de

    uma [sic] fato criminoso, cuja punio se impe categoricamente; independendo,pois, de consideraes finais. A pena se justifica quia peccatum est, nisto esgotandoseu contedo. 43 (grifos do autor)

    No mesmo sentido, Jescheck apud Bitencourt preconiza que:

    O fundamento ideolgico das teorias absolutas baseia-se no reconhecimento doEstado como guardio da justia terrena e como conjunto de idias morais, na f, nacapacidade do homem para se autodeterminar e na idia de que a misso do Estadoperante os cidados deve limitar-se proteo da liberdade individual. Nas teoriasabsolutas co-existem, portanto, idias liberais, individualistas e idealistas. 44

    Para Kant apud Queiroz a pena uma maneira de realizao da justia, e assim

    preleciona que:A pena atende a uma necessidade absoluta de justia, que deriva de um imperativocategrico, isto , de um imperativo moral incondicional, independente deconsideraes finais ou utilitrias. A pena basta a si mesma, como realizao dajustia, pois as penas so, em um mundo regido por princpios morais (por Deus),categoricamente necessrias.45 (grifos do autor)

    Confirmando a idia defendida por Kant, Roxin preleciona que as teorias

    absolutas tambm chamadas de teorias da retribuio, tm a pena como um fim em si mesma:

    Pela chamada teoria da retribuio [...] o sentido da pena assenta em que aculpabilidade do autor seja compensada mediante a imposio de um mal penal. A

    justificao de tal procedimento no se depreende, para esta teoria, de quaisquer finsa alcanar com a pena, mas apenas para a realizao de um fim: a justia. A penano serve, pois, para nada, contendo um fim em si mesma. Tem de existir para que ajustia impere. 46

    Logo, as teorias absolutas recebem tambm a denominao de teorias retributivas,

    porque entendem que a pena tem o fim de retribuir ao agente que cometeu um mal, ou seja,

    descumpriu uma norma penal, impondo-lhe outro mal e isto feito atravs da restrio de um

    bem jurdico.

    2.4.2 Teorias relativas

    De outro norte, tambm informando quais so as funes da pena, existem as

    teorias relativas, que vem a pena como a preveno para que novos delitos no venham a ser

    cometidos. Com base nestas teorias, Queiroz assevera que:

    43 QUEIROZ, 2001, p. 18.44 BITENCOURT, 2007, p. 83.45 QUEIROZ, op. cit., p. 20.46 ROXIN, 1998, p. 16.

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    Em oposio s absolutas, as teorias relativas so marcadamente teorias finalistas, jque vem a pena no como um fim em si mesma, mas como um meio a servio dedeterminados fins; considerando-a, pois, utilitariamente. Fim da pena, em suasvrias verses, a preveno de novos delitos, seja em carter geral, atuando sobre ageneralidade dos seus destinatrios, seja em carter especial, dirigida a atuar sobre o

    nimo daqueles que j tenham incorrido na prtica de crime.47

    Zaffaroni e Pierangeli destacam que as teorias relativas desenvolveram-se em

    oposio s teorias absolutas, concebendo a pena como um meio para obteno de ulteriores

    objetivos. 48

    Ferreira ao tratar sobre as teorias relativas alega que muito ao contrrio das

    teorias absolutas, [...] as teorias relativas se voltam para o futuro atingindo o delinqente no

    para lhe impingir um mal, mas para evitar que volte a delinqir ou que incentive outros a

    faz-lo, pelo seu mau exemplo.

    49

    Prossegue o autor afirmando que a punio visa preveno, como meio de

    segurana social e defesa da sociedade. A pena, pois, no retribuio, e sim um instrumento

    til capaz de evitar crime, pelo temor que impe. Pune-se ne peccetur. 50

    As teorias relativas se opem s teorias absolutas, por entender que a funo da

    pena no retribuir um mal cometido com a imposio de outro, mas sim prevenir que novos

    delitos venham a ser cometidos.

    Estas teorias se opem as teorias absolutas e prevem uma efetiva finalidade para

    a pena. Na concepo destas teorias, a pena se explica por seus efeitos de preveno geral,

    atuando sobre a generalidade dos destinatrios e preveno especial, dirigindo-se ao agente

    que j delinqiu.51

    Destarte, observa-se que as teorias relativas, vem a pena como meio de

    preveno, e no de retribuio. Esta preveno pode ser exercida de duas formas: em carter

    geral e em carter especial.

    2.4.2.1 Preveno geral

    A preveno geral busca prevenir que novos delitos sejam cometidos. Neste

    sentido Feuerbach apud Bitencourt defende que:

    47 QUEIROZ, 2001, p. 35-36.48 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1999, p. 120.49 FERREIRA, 1995, p. 2650 Ibid., 26-2751 SHECAIRA, Srgio Salomo; CORRA JNIOR, Alceu. Teoria da pena: finalidades, direito positivo,

    jurisprudncia e outros estudos de cincia criminal. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 131.

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    atravs do Direito Penal que se pode dar uma soluo ao problema dacriminalidade. Isto se consegue, de um lado, com a cominao penal, isto , com aameaa da pena, avisando aos membros da sociedade quais as aes injustas contraas quais se reagir; e, por outro lado, com a aplicao da pena cominada, deixa-sepatente a disposio de cumprir a ameaa realizada.52

    Prossegue o autor afirmando que para a teoria da preveno geral, a ameaa da

    pena produz no indivduo uma espcie de motivao para no cometer delitos. 53

    No mesmo sentido Queiroz justifica que a funo, pois, da pena, preveno

    geral de delitos, por meio de uma coao psicolgica exercitada sobre a comunidade

    jurdica, a intimidar ou contramotivar a generalidade das pessoas s quais a norma se

    dirige.54

    Essa preveno geral que atua como uma forma de intimidao para que outros

    delitos no sejam praticados, encarada de duas formas: a preveno geral negativa e a

    preveno geral positiva.

    De acordo com Shecaira e Corra Jnior pela teoria da preveno geral, em seu

    sentido negativo, a pena deve produzir efeitos de intimidao sobre a generalidade das

    pessoas, atemorizando os possveis infratores a fim de que estes no cometam quaisquer

    delitos. 55

    Corroborando com a idia, Greco justifica que a preveno geral negativa produz

    um efeito de intimidao:Pela preveno geral negativa, conhecida tambm pela expresso preveno porintimidao, a pena aplicada ao autor da infrao penal tende a refletir junto sociedade, evitando-se, assim, que as demais pessoas, que se encontram com osolhos voltados a condenao de um de seus pares, reflitam antes de praticarqualquer infrao penal. 56 (grifos do autor)

    De outro norte, a teoria da preveno geral encarada em sentido positivo.

    Shecaira e Corra Jnior prelecionam a respeito do assunto:

    Por outro lado, a preveno geral pode ser encarada no sentido positivo ou deintegrao; no pela gravidade da pena com fim de intimidao o que implicaria

    um dever moral de gradu-la ao mximo -, mas como resultado de eficaz atuao dajustia e da conscincia que a sociedade passar a ter sobre esta realidade. 57

    Seguindo o mesmo raciocnio, Queiroz demonstra que a preveno geral positiva

    busca incutir na conscincia dos indivduos que compem a sociedade, o respeito a alguns

    valores:

    Para os defensores da preveno integradora ou positiva, a pena presta-se no preveno negativa de delitos, demovendo potenciais infratores, tampoucodissuadindo aqueles que j tenham incorrido na prtica de delito; seu propsito vai,

    52 BITENCOURT, 2007, p. 89-90.53 Ibid., p. 90.54 QUEIROZ, 2001, p. 36.55 SHECAIRA; CORRA JNIOR, 2002, p. 132.56 GRECO, 2005, p. 548.57 SHECAIRA; CORRA JNIOR, loc. cit.

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    alm disso: infundir, na conscincia geral, a necessidade de respeito a determinadosvalores, exercitando a fidelidade ao direito; promovendo, em ltima anlise, aintegrao social. 58

    A preveno geral positiva pode ser definida, ainda, nas palavras de Hassemer

    apud Shecaira e Corra Jnior como a reao estatal ante fatos punveis para a proteo da

    conscincia social da norma; ajuda ao agente do delito para reinsero social; e a limitao

    dessa ajuda imposta por critrios de proporcionalidade. 59

    Assim, denota-se que a preveno geral positiva busca ponderar a racionalidade

    do homem, para que continue esperando que seus bens jurdicos sejam protegidos e tambm

    fazendo com que os indivduos que cumprem as leis, continuem cumprindo e no venham a

    delinqir.

    2.4.2.2 Preveno especial

    As teorias relativas entendem que a pena tem funo de preveno. Esta

    preveno pode ser geral, como j demonstrado no tpico anterior ou especial, conforme se

    extrai da lio de Queiroz:Para os tericos desta corrente, a interveno penal serve neutralizao dosimpulsos criminosos de quem j incidiu na prtica de crime, o delinqente,impedindo-o de praticar novos delitos. Dito mais claramente: fim da pena evitar areincidncia. A preveno de novos delitos j no se dirige, portanto, generalidadedas pessoas, mas ao infrator da norma em particular. 60

    A preveno especial visa o indivduo que j delinqiu e busca impedir que o

    mesmo venha a praticar novos delitos. Deste modo Roxin assinala que:

    [...] a teoria da preveno especial no pretende retribuir o facto [sic] passado,assentando a justificao da pena na preveno de novos delitos do autor. Tal pode

    ocorrer de trs maneiras: corrigindo o corrigvel, isto , o que hoje chamamos deressocializao; intimidando o que pelo menos intimidvel; e finalmente, tornandoinofensivo mediante a pena de privao de liberdade os que no so nem corrigveisnem intimidveis. 61

    A funo da pena diante da preveno especial, nas palavras de Shecaira e Corra

    Jnior tem um carter humanista, pois pe um acento no indivduo, considerando suas

    peculiaridades, permitindo uma melhor individualizao do remdio penal. Alm disso, sua

    atuao especfica permite o aperfeioamento do trabalho de reinsero social. 62

    58 QUEIROZ, 2001, p. 40.59 SHECAIRA; CORRA JNIOR, 2002, p. 132.60 QUEIROZ, op. cit., p. 56.61 ROXIN, 1998, p. 20.62 SHECAIRA; CORRA JNIOR, op. cit., p. 133-134.

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    Nas palavras de Ferreira as teorias mistas atuam como meio termo entre as

    teorias absolutas e relativas, que, conciliando, atribuem duplo fundamento pena. Para elas,

    portanto, a pena tem duas razes: a retribuio, manifestada atravs do castigo; e a preveno,

    como instrumento de defesa da sociedade. 67

    Estas teorias no visam especificamente retribuir ou prevenir, mas sim retribuir e

    prevenir ao mesmo tempo. Corroborando com esta teoria Jescheck apud Queiroz justifica que:

    As teorias unitrias intentam, assim, [...] mediar entre as teorias absolutas erelativas, no, naturalmente, somando sem mais suas contraditrias idias bsicas,mas mediante a reflexo prtica de que a pena, na realidade de sua aplicao, podedesenvolver a totalidade de suas funes frente pessoa afetada e seu mundocircundante, de maneira que o que importa conseguir uma relao equilibradaentre todos os fins da pena (mtodo dialtico), servindo assim de ponte entre umas eoutras.68

    As teorias mistas ou unificadoras tentam agrupar em um conceito nico os fins da

    pena. Tais teorias partem da crtica s solues monistas, ou seja, s teses sustentadas pelas

    teorias absolutas ou relativas da pena. Aceitam a retribuio e o princpio da culpabilidade

    como critrios limitadores da interveno da pena como sano jurdico-penal. Assim, a pena

    no pode, pois, ir alm da responsabilidade decorrente do fato praticado.69

    Porm, quer seja para fins de retribuio ou de preveno em realidade, a pena,

    hoje, s se justifica, se tiver por objetivo evitar o cometimento de novos crimes.

    ressocializando o criminoso. O punir por punir em obedincia cega a um dogmatismo ticono tem mais sentido. 70

    Portanto, observa-se que as teorias mistas, como o prprio nome pressupe, unem

    a idia de retribuio, defendida pelas teorias absolutas e a idia de preveno, fundamento

    das teorias relativas, idia esta adotada pelo Cdigo Penal brasileiro.

    67 FERREIRA, 1995, p. 29.68 QUEIROZ, 2001, p. 66.69 BITENCOURT, 2007, p. 95-96.70 FERREIRA, op. cit., p. 30.

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    3 HOMICDIO

    Neste captulo, busca-se elencar os principais aspectos do delito de homicdio,

    crime este que est inserido no Cdigo Penal como o primeiro do rol dos crimes praticados

    contra a vida.

    Este captulo apresenta o conceito, a objetividade jurdica, os sujeitos do crime e,

    precipuamente, os elementos subjetivos do tipo penal, quais sejam, a culpa, que se subdivide

    em consciente e inconsciente e o dolo, que pode ser direto e indireto, podendo ser este

    eventual e alternativo.

    Estas consideraes so de fundamental importncia para a anlise e compreensodo tema proposto.

    3.1 CONCEITO

    O delito de homicdio um crime que ocorre com bastante freqncia nassociedades, sempre causando muita repercusso por atentar contra a vida de um ser humano.

    Este delito est inserido no artigo 121 caputdo Cdigo Penal brasileiro, que assim

    dispe, in verbis: Art. 121. Matar algum: Pena - recluso, de seis a vinte anos. 1

    O conceito deste crime de fcil compreenso, uma vez que consiste na morte de

    uma pessoa, provocada por outra. Corroborando com este entendimento, Jesus define o

    homicdio como a destruio da vida de um homem praticada por outro. 2

    Prado preconiza que o homicdio consiste na destruio da vida humana alheiapor outrem. 3 Portanto, apenas quando um ser humano tira a vida de outro, h o delito de

    homicdio.

    Compartilhando deste conceito, Hungria e Fragoso tambm dispem que:

    O homicdio o tipo central dos crimes contra a vida e o ponto culminante naorografia dos crimes. o crime por excelncia. o padro da delinqncia violentaou sanguinria, que representa como que uma reverso atvica s eras primevas

    1 BRASIL.Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Cdigo penal. Disponvel em:

    . Acesso em 14 out. 2008.2 JESUS, Damsio E. de. Parte especial: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimnio. In: ______Direito penal. 28. ed. rev. e atual. So Paulo: Saraiva, 2007.v. 2, p. 17.

    3 PRADO, Luiz Regis. Parte especial, arts. 121 a 183. In: ______Curso de direito penal brasileiro. 2. ed. rev.,atual. e ampl. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, v. 2, p. 43.

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    [...]. a mais chocante violao do senso moral mdio da humanidade civilizada.4(grifos do autor)

    Portanto, o delito de homicdio previsto no artigo 121 caput do Cdigo Penal,

    descreve apenas a conduta matar algum, ou seja, o crime praticado contra a vida de um ser

    humano. Sempre que um homem tirar a vida de outro homem, sem levar em considerao as

    circunstncias que levaram a prtica desta conduta, tem-se a prtica do delito de homicdio.

    3.2 OBJETIVIDADE JURDICA

    Apresentado o conceito do delito de homicdio, este tpico busca demonstrar qual

    o objeto jurdico, ou seja, qual o bem jurdico atingido pela conduta criminosa.

    O objeto jurdico de um crime o bem jurdico, quer dizer, o interesse que a

    norma penal protege. A disposio dos ttulos e captulos da Parte Especial do Cdigo Penal

    obedece a um critrio que leva em considerao o objeto jurdico do crime e coloca em

    primeiro lugar os bens jurdicos mais importantes, como a vida, a integridade corporal, a

    honra, etc. O homicdio o crime que inaugura a Parte Especial do Cdigo Penal e tem como

    objeto jurdico a vida humana extra-uterina.5

    Quando dispe acerca da objetividade jurdica do delito de homicdio, Noronha

    preconiza que como deixa claro o nome do captulo Dos crimes contra a vida esta o

    objeto jurdico tutelado, no s pelo art. 121 [do Cdigo Penal] como tambm por todos que

    integram aquele, com a nuana de vida intra-uterina ou biolgica no crime de aborto. 6 (grifo

    do autor)

    O objeto jurdico do delito de homicdio, qual seja, a vida de um ser humano, de

    tamanha importncia que j se encontra disposto no prprio nome do captulo no qual o artigo121 do Cdigo Penal est inserido.

    De acordo com Fukassawa no caso de homicdio, o bem jurdico tutelado pela

    norma a vida humana, o supremo bem individual no dizer magistral de Nelson Hungria.7

    4 HUNGRIA, Nlson; FRAGOSO, Heleno Cludio. Comentrios ao cdigo penal: Decreto-Lei n. 2.848, de 7de dezembro de 1940. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, v. 5, p. 25.

    5 CAPEZ, Fernando. Parte especial. In: ______ Curso de direito penal. 5. ed., rev. e atual. So Paulo: Saraiva,

    2003, v.2, p. 36 NORONHA, E. Magalhes. Dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimnio. In: ______ Direitopenal. 34. ed. atual. So Paulo: Saraiva, 1999, v. 2, p. 16.

    7 FUKASSAWA, Fernando Y. Crimes de trnsito: de acordo com a Lei n 9.503, de 23-9-1997, Cdigo deTrnsito Brasileiro. So Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p. 116.

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    participao) pode ser sujeito ativo de um crime.10

    Tratando-se do sujeito ativo no caso do delito de homicdio, Capez preconiza:

    Sujeito ativo da conduta tpica o ser humano que pratica a figura tpica descrita na

    lei, isolada ou conjuntamente com outros autores. O conceito abrange no s aqueleque pratica o ncleo da figura tpica (quem mata), como tambm o partcipe, que aquele que, sem praticar o verbo (ncleo) do tipo, concorre de algum modo para aproduo do resultado.11

    Noronha observa que o sujeito ativo quem pratica a figura tpica descrita na lei.

    o homem, a criatura humana, isolada ou associada, isto , por autoria singular ou co-

    autoria. S ele pode ser agente ou autordo crime. 12 (grifos do autor)

    Segundo Prado qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito de homicdio. O

    tipo penal no exige nenhuma qualificao especial (delito comum). 13

    Observa-se que o homicdio no exige nenhum requisito especfico para legitimar

    o sujeito ativo. Qualquer pessoa que tira a vida de outra pessoa ser considerada sujeito ativo,

    tendo em vista ser um delito comum, que qualquer ser humano pode praticar.

    O homicdio um tipo comum que no contm nenhuma exigncia especial da

    pessoa do sujeito ativo ou passivo. Por no ser crime prprio, no exige legitimidade ativa ou

    passiva. Este tipo de delito pode ser cometido por qualquer pessoa.14

    Destarte, por se tratar de crime comum que pode ser cometido por qualquer ser

    humano, a figura do sujeito ativo no exige qualquer requisito especfico. Basta que oindivduo pratique determinada conduta que tire a vida de outro indivduo.

    3.3.2 Sujeito passivo

    Assim como necessria a figura do sujeito ativo no delito de homicdio, a figurado sujeito passivo tambm imprescindvel para a caracterizao deste.

    O sujeito passivo, nas palavras de Bitencourt o titular do bem jurdico atingido

    pela conduta criminosa. Sujeito passivo do crime pode ser: o ser humano (ex. crimes contra a

    10 MIRABETE, Jlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Parte Geral, arts. 1 a 120 do CP, conforme Lei n. 7.209,de 11-07-84. In: ______ Manual de direito penal. 24. ed. rev. e atual. So Paulo: Atlas, 2007, v. 1, p. 110.

    11 CAPEZ, 2003, p. 10.12 NORONHA, E. Magalhes. Introduo e parte geral. In: ______ Direito penal. 34. ed. atual. So Paulo:Saraiva, 1999, v. 1, p. 113.

    13 PRADO, 2002, p. 45.14 JESUS, 2007, p. 20.

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    pessoa), o Estado (ex: crimes contra a Administrao Pblica); [...] e, inclusive, pode ser a

    pessoa jurdica (ex: crimes contra o patrimnio). 15 (grifos do autor)

    Mirabete e Fabbrini complementam justificando que o sujeito passivo do crime

    o titular do bem jurdico lesado ou ameaado pela conduta criminosa. Nada impede que, dois

    ou mais sujeitos passivos existam: desde que tenham sido lesados ou ameaados em seus bens

    jurdicos referidos no tipo, so vtimas do crime. 16

    No caso do delito de homicdio Hungria e Fragoso preconizam que o sujeito

    passivo do homicdio o ser vivo, nascido da mulher. A destruio do embrio ou feto

    humano no tero materno no homicdio, contemplando-a a lei penal sob o nomem juris de

    abrto [sic], menos severamente punido. 17 (grifos do autor)

    O sujeito passivo, assim como o sujeito ativo, pode ser qualquer pessoa que tenhanascido com vida. No h exigncia de nenhum requisito especial para legitimao do sujeito

    passivo, conforme se extrai da lio de Prado:

    Basta, para a caracterizao do delito em tela que o sujeito passivo esteja vivo. Noimporta seu grau de vitalidade ou a existncia ou no de capacidade desobrevivncia. A presena de condies orgnicas precrias que impeam acontinuidade da vida no afasta a configurao do delito.18

    Complementando o entendimento de que no importa o grau de vitalidade do

    indivduo, e que qualquer ser humano pode ser sujeito passivo no homicdio, Capez

    preleciona:

    [...] no importante perquirir o grau de vitalidade da vtima, ou seja, se ela tempoucos minutos de vida, ou ento, se apresenta um quadro clnico vegetativo porno mais haver soluo mdica para o seu caso. Enquanto houver vida, ainda quesem qualidade, o homem ser sujeito passivo do delito de homicdio. 19

    Logo, o sujeito passivo no delito de homicdio pode ser qualquer pessoa que esteja

    vivo, no interessando quais as condies fsicas ou o grau de vitalidade no momento em que

    o crime se consuma.

    3.4 ELEMENTO SUBJETIVO

    Todos os crimes dispostos no Cdigo Penal apresentam um elemento subjetivo,

    15 BITENCOURT, Cezar Roberto. Parte geral. In: ______ Tratado de direito penal. 11 ed. atual. So Paulo:

    Saraiva, 2007, v. 1, p. 231.16 MIRABETE; FABBRINI, 2007, p. 114.17 HUNGRIA; FRAGOSO, 1981, p. 36.18 PRADO, 2002, p. 46.19 CAPEZ, 2003, p. 11.

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    que nas palavras de Wessels apud Bitencourt so dados ou circunstncias que pertencem ao

    campo psquico-espiritual e ao mundo de representao do autor. 20 No caso do delito de

    homicdio no diferente, pois sempre haver um elemento subjetivo quando este ocorrer.

    No caso de homicdio, os elementos subjetivos necessrios para a caracterizao

    do delito so a culpa ou o dolo. Sem a existncia de um deles no h crime.

    Este tpico abordar os elementos subjetivos culpa, na forma consciente e

    inconsciente e o dolo, direto ou indireto, este subdividido em eventual e alternativo, conforme

    a seguir se demonstrar.

    3.4.1 Culpa

    O direito penal se interessa apenas pela conduta humana quando esta agir culposa

    ou dolosamente. A ausncia de culpa ou dolo pressupe ausncia de fato tpico e,

    conseqentemente, inexistncia de infrao penal.

    No caso do delito de homicdio a regra que este seja doloso, entretanto, o artigo

    18, pargrafo nico do Cdigo Penal dispe que salvo os casos expressos em lei, ningumpode ser punido por fato previsto como crime, seno quando o pratica dolosamente. 21

    Destarte, a possibilidade do delito de homicdio ser culposo, est expressa nos

    artigos 121, 3 do Cdigo Penal que dispe: Art. 121 Matar algum: Pena - recluso, de

    seis a vinte anos. [...] 3: Se o homicdio culposo: Pena - deteno, de um a trs anos 22 e

    no artigo 302 do Cdigo de Trnsito Brasileiro, in verbis: Art. 302. Praticar homicdio

    culposo na direo de veculo automotor: Penas - deteno, de dois a quatro anos, e suspenso

    ou proibio de se obter a permisso ou a habilitao para dirigir veculo automotor.

    23

    , ouseja, estes so casos que a lei autoriza a punio do sujeito ativo na modalidade culposa.

    No momento, interessa apenas discorrer sobre a culpa e suas espcies, culpa

    consciente e inconsciente, sendo que o elemento subjetivo dolo ser apresentado no tpico

    subseqente.

    Primeiramente, vale ressaltar os ensinamentos de Noronha quando dispe acerca

    da diferenciao da culpa em latosensu e stricto sensu. Segundo o autor o vocbulo culpa,

    20

    BITENCOURT, 2007, p. 263.21 BRASIL, 1940, loc. cit.22 Ibid.23 Id. Lei n 9.503 de 23 de setembro de 1997. Cdigo de Trnsito Brasileiro. Disponvel em:

    Acesso em: 26 out. 2008

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    em sentido amplo (lato sensu) equivale culpabilidade, compreendendo o dolo e a culpa em

    sentido estrito (stricto sensu). Conseqentemente esta uma das formas da culpabilidade

    [...]. 24 (grifos do autor)

    Discorrendo sobre a culpa em sentido estrito Bataglini apud Bitencourt dispe que

    culpa a inobservncia do dever de cuidado manifestada numa conduta produtora de um

    resultado no querido, objetivamente previsvel. 25

    Hungria e Fragoso, por sua vez, informam que a culpa a omisso da ateno ou

    diligncia normalmente empregadas para prever ou evitar a leso de bens ou interesses

    jurdicos alheios. 26

    Confirmando a idia de que a culpa consiste na omisso do dever de cuidado

    Capez dispe que, se tratando da modalidade culposa h uma ao voluntria dirigida a umafinalidade lcita, mas, pela quebra do dever de cuidado a todos exigido, sobrevm um

    resultado ilcito no querido, cujo risco nem sequer foi assumido. 27

    Para configurao do elemento subjetivo culpa necessrio que o agente tenha

    deixado de agir com zelo e diligncia necessrios, e assim, cometido o delito.

    Mirabete e Fabbrini conceituam a culpa como a conduta voluntria (ao ou

    omisso) que produz resultado antijurdico no querido, mas previsvel, e excepcionalmente

    previsto, que podia, com a devida ateno, ter evitado.28

    A violao de um dever de cuidado para configurao da culpa tambm

    defendida por Zaffaroni e Pierangeli:

    O tipo culposo no individualiza a conduta pela finalidade e sim porque na formaem que se obtm essa finalidade viola-se um dever de cuidado, ou seja, como diz aprpria lei penal, a pessoa, por sua conduta, d causa ao resultado por imprudncia,negligncia ou impercia. [...] 29

    A realizao de uma conduta sem o cuidado necessrio, resultando em leso ou

    perigo a um bem jurdico, protegido pela norma penal, o que caracteriza o elemento

    subjetivo culpa.

    Na modalidade culposa, o resultado final no o pretendido pelo agente. Neste

    sentido Costa Jnior apud Greco justifica que: A ao culposa caracteriza-se por uma

    deficincia na execuo da direo final. E esta deficincia se deve ao fato de a orientao dos

    24 NORONHA, 1999, p. 140.25 BITENCOURT, 2007, p. 278.26 HUNGRIA; FRAGOSO, 1981, p. 47.27 CAPEZ, 2003, p. 62-63.28 MIRABETE; FABBRINI, 2007, p. 136.29 ZAFFARONI, Eugenio Ral; PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral.

    2 ed. rev. e atual. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 506.

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    meios no corresponder quela que deveria em realidade ser imprimida para evitar as leses

    aos bens jurdicos. 30

    Deste modo, entende-se que para a configurao do delito na modalidade culposa,

    alguns elementos so necessrios. Greco assim destaca:

    [...] para a caracterizao do delito culposo necessrio a conjugao de vrioselementos, a saber:a) conduta humana voluntria, comissiva ou omissiva;b) inobservncia de um dever objetivo de cuidado (negligncia, imprudncia ouimpercia);c) o resultado lesivo no querido, tampouco assumido pelo agente;d) nexo de causalidade entre a conduta do agente que deixa de observar o seu deverde cuidado e o resultado lesivo dele advindo;e) previsibilidade;f) tipicidade. 31

    Com relao conduta humana voluntria comissiva ou omissiva, basta que oagente pratique uma ao (comisso) ou deixe de praticar (omisso), e dessa ao resulte

    ofensa a um bem jurdico.

    No tocante ao dever objetivo de cuidado, Bitencourt assevera que tal elemento

    consiste em reconhecer o perigo para o bem jurdico tutelado e preocupar-se com as

    possveis conseqncias que uma conduta descuidada pode produzir-lhe, deixando de pratic-

    la, ou, ento, execut-la, somente depois de adotar as necessrias [...] precaues para evit-

    lo.

    32

    O resultado final deve ser diverso daquele pretendido pelo agente e,

    principalmente deve ser conseqncia da inobservncia do cuidado devido. Em outras

    palavras, indispensvel que a inobservncia do cuidado devido seja a causa do resultado

    tipificado como crime culposo.33

    Tambm fazendo parte da definio da culpa, encontramos a previsibilidade, que

    segundo Noronha consiste:

    Na possibilidade de se prever um fato. Diz-se haver previsibilidade quando o

    indivduo, nas circunstncias em que se encontrava, podia ter-se representado comopossvel a conseqncia de sua ao. Distingue-se da previso, porque esta acontm. O previsto sempre previsvel. A previso o desenvolvimento natural daprevisibilidade. 34

    30 GRECO, Rogrio.Parte Geral. In: ______ Curso de direito penal. 5. ed. rev. amp. e atual.Rio de Janeiro:

    Impetus, 2005, v. 1, p. 198.31 Ibid., p. 197.32 BITENCOURT, 2007, p. 281.33 Ibid., p. 282-283.34 NORONHA, 1999, 141.

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    O elemento subjetivo culpa, est previsto no artigo 18, inciso II, do Cdigo Penal,

    in verbis: Art. 18 - Diz-se o crime: [...] II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado

    por imprudncia, negligncia ou impercia.35

    Conforme se extrai da leitura do artigo 18 do Cdigo Penal brasileiro, existem trs

    modalidades de culpa: imprudncia, negligncia e impercia.

    A primeira delas, a imprudncia apresentada por Bruno apud Greco como a

    modalidade de culpa que consiste na prtica de um ato perigoso sem os cuidados que o caso

    requer. 36 Logo, o agente age de forma perigosa, abrindo mo do zelo que deveria ter em

    determinada situao.

    A imprudncia caracterizada pela prtica de uma conduta de maneira arriscada,

    perigosa e tem carter comissivo. uma impreviso ativa, que se caracteriza pelaprecipitao, insensatez ou imoderao do agente.37

    Outra modalidade de culpa, tambm insculpida no artigo 18 do Cdigo Penal, a

    negligncia. A respeito desta modalidade, Noronha preconiza que:

    [...] inao, inrcia e passividade. Decorre de inatividade material (corprea) ousubjetiva (psquica). Reduz-se a um comportamento negativo. Negligente quem,podendo e devendo agir de determinado modo, por indolncia ou preguia mental,no age ou se comporta de modo diverso.38

    Corroborando com o entendimento de que a negligncia consiste em indiferena

    quando da prtica de certa conduta, Bitencourt assevera que negligncia a displicncia no

    agir, falta de precauo, a indiferena do agente, que, podendo adotar as cautelas necessrias,

    no o faz. a impreviso passiva, o desleixo, a inao (culpa in ommitendo). no fazer o

    que deveria ter feito. 39

    Por ltimo, como terceira modalidade da culpa, denota-se a impercia,

    caracterizada pela falta de capacidade, despreparo ou insuficincia de conhecimentos

    tcnicos para o exerccio de arte, profisso ou ofcio. 40

    Tambm contemplando a idia, Greco dispe que fala-se em impercia quando

    ocorre uma inaptido, momentnea ou no, do agente para o exerccio de arte, profisso ou

    ofcio. Diz-se que a impercia est ligada, basicamente, atividade profissional do agente. 41

    (grifo do autor)

    35 BRASIL. 1940, loc. cit.36 GRECO, 2007, p. 205.37 BITENCOURT, 2007, p. 285.38 NORONHA, 1999, p. 144.39 BITENCOURT, loc. cit.40 Ibid., p. 286.41 GRECO, loc. cit.

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    Destarte, vislumbra-se que a culpa consiste na prtica de certa conduta sem o

    dever de cuidado necessrio, quer seja por imprudncia, impercia ou negligncia, e o

    resultado dessa conduta acaba lesando um bem jurdico, o que no era objetivado pelo agente,

    mas previsvel para o homem mdio.

    O elemento subjetivo culpa apresenta duas espcies: culpa consciente e culpa

    inconsciente, sendo ambas objeto de estudo nos prximos tpicos.

    3.4.1.1 Culpa consciente

    Neste tpico abordar-se-o os principais aspectos da culpa consciente, apresentada

    como uma das espcies da culpa e to debatida atualmente, por ser um elemento que muitas

    vezes est presente quando ocorre um homicdio.

    A culpa consciente pode ser definida tambm como a culpa com previso, pois o

    agente deixa de observar a diligncia a que estava obrigado, prev um resultado, previsvel,

    mas confiante em sua habilidade, tem a certeza que ele no ocorrer. Embora prevendo o

    resultado, acredita que este no acontecer.42

    Ao tratar sobre o assunto, Noronha preconiza que na culpa consciente ou com

    previso (culpa ex lascivia), o sujeito ativo prev o resultado, porm espera que no se

    efetive. Avizinha-se bastante do dolo eventual, mas nem por isso constitui modalidade mais

    grave do que aquela [culpa inconsciente]. 43 (grifos do autor)

    Esta espcie de culpa sempre motivo de acirradas discusses, por se assemelhar

    ao dolo eventual, uma vez que o sujeito age convicto de que no produzir o evento lesivo,

    entretanto no se preocupa muito em tentar evit-lo, pois acredita que o mesmo no vaiocorrer.

    Confirmando este posicionamento, Hungria e Fragoso vislumbram a figura da

    culpa consciente quando, previsto o evento como possvel, no procurou o agente evit-lo

    (pressuposta a sua evitabilidade), esperando, sincera, mas levianamente, que no ocorresse.44

    Para Zaffaroni e Pierangeli a culpa consciente tambm chamada de culpa com

    representao, e assim se manifesta:

    42 BITENCOURT, 2007, p. 287.43 NORONHA, 1999, p. 143.44 HUNGRIA; FRAGOSO, 1981, p. 47.

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    Chama-se culpa com representao ou culpa consciente aquela em que o sujeitoativo representou para si a possibilidade da produo do resultado, embora a tenharejeitado, na crena de que, chegado o momento, poder evit-lo ou simplesmenteele no ocorrer. Este o limite entre a culpa e o dolo (dolo eventual). Aqui h umconhecimento efetivo do perigo que correm os bens jurdicos, que no se deve

    confundir com a aceitao da possibilidade de produo do resultado [...]. Na culpacom representao, a nica coisa que se conhece efetivamente o perigo. 45 (grifosdo autor)

    No caso de homicdio, observa-se que o sujeito age com a chamada culpa

    consciente quando tem conhecimento que o resultado morte poder ocorrer, entretanto,

    confiante em sua habilidade, acredita que pode evit-lo, da tambm cham-la de culpa com

    previso.

    Em se tratando de culpa consciente, o valor negativo do resultado para o agente,

    mais forte do que o valor que atribui prtica da ao. Portanto, se estivesse convencido deque o resultado lesivo pudesse ocorrer, certamente desistiria da ao. Mas, no estando

    convencido dessa possibilidade, calcula mal e age.46

    Jesus observa que a previso elemento do dolo, mas que, excepcionalmente

    pode integrar a culpa em sentido estrito. A exceo est na culpa consciente. 47

    O autor prossegue afirmando que o agente no quer o resultado, no assume o

    risco de reproduzi-lo e nem lhe tolervel ou indiferente. O evento lhe representado

    (previsto), mas confia em sua no produo. 48

    Na culpa consciente, embora prevendo o possvel resultado, o agente acredita

    sinceramente na sua no-ocorrncia. O resultado previsto no assumido ou querido pelo

    mesmo, pois confia em suas habilidades pessoais.49

    O entendimento de que na culpa consciente o sujeito ativo prev o resultado, mas

    no o assume, corroborado com Costa Jnior apud Shecaira e Corra Jnior. Vejamos:

    [...] na culpa consciente o agente no aceita a realizao do evento: repelementalmente o resultado previsto, agindo na esperana ou na persuaso de que oevento no ir verificar-se. Na culpa consciente h uma previso negativa. O evento

    no se verificar. [...] Na culpa consciente o que ocorre um erro de clculo,decorrente de uma falsa representao.50

    Portanto, na culpa consciente o agente no busca o resultado, tampouco assume o

    risco de produzi-lo. Confia em sua habilidade e tem a certeza que o evento morte ser evitado,

    ainda que tenha conscincia da possibilidade de ocorrncia.

    45 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1999, p. 517.46 BITENCOURT, 2007, p. 288.47 JESUS, 2007, p. 81.48 Ibid., p. 82.49 GRECO, 2007, p. 207.50 SHECAIRA, Srgio Salomo; CORRA JNIOR, Alceu. Teoria da pena: finalidades, direito positivo,

    jurisprudncia e outros estudos de cincia criminal. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 397-398.

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    3.4.1.2 Culpa inconsciente

    A outra espcie de culpa definida pela doutrina a chamada culpa inconsciente,

    que se ope culpa consciente, e como o prprio nome j pressupe, no prevista pelo

    agente.

    Nas palavras de Noronha a culpa inconsciente definida como a conduta na qual

    o resultado previsvel no previsto pelo agente. So os casos comuns de crimes culposos

    [...]. a chamada culpa ex ignorantia. 51(grifos do autor)

    Mirabete e Fabbrini compartilham deste conceito afirmando que a culpa

    inconsciente existe quando o agente no prev o resultado que previsvel. No h no agenteo conhecimento efetivo do perigo que sua conduta provoca para o bem jurdico alheio. 52

    (grifo do autor)

    A ausncia de previso, embora presente a previsibilidade, tambm afirmada

    por Bitencourt:

    A previsibilidade do resultado o elemento identificador das duas espcies de culpa.A imprevisibilidade desloca o resultado para o caso fortuito ou fora maior. Naculpa inconsciente, no entanto, apesar da previsibilidade, no h previso pordescuido, desateno ou simples desinteresse. A culpa inconsciente caracteriza-se

    pela ausncia absoluta de nexo psicolgico entre o autor e o resultado de sua ao. 53(grifos do autor)

    Esta idia de que na culpa inconsciente o sujeito ativo no tem conhecimento do

    perigo, e com a sua conduta lesiva acaba ocasionando um delito, defendida por Zaffaroni e

    Pierangeli:

    Na culpa inconsciente ou culpa sem representao no h um conhecimento efetivodo perigo que, com a conduta, se acarreta aos bens jurdicos, porque se trata dahiptese em que o sujeito podia e devia representar-se a possibilidade de produodo resultado e, no entanto, no o fez. Nestes casos h apenas um conhecimentopotencial do perigo aos bens jurdicos alheios.54 (grifos do autor)

    A culpa inconsciente difere da culpa consciente porque nesta o agente at prev o

    resultado, mas espera sinceramente que este no ir ocorrer, enquanto que na culpa

    inconsciente o agente conhece apenas o perigo, mas no prev o resultado lesivo, embora este

    seja previsvel para o homem mdio.

    Nesta linha de raciocnio, a culpa inconsciente pode ser tambm entendida como

    culpa comum, manifestada pela imprudncia, negligncia ou impercia, onde a morte do

    51 NORONHA, 1999, p. 143.52 MIRABETE; FABBRINI, 2007, p. 141.53 BITENCOURT, 2007, p. 287.54 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1999, p. 517.

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    sujeito passivo no prevista, embora seja previsvel. 55

    Logo, embora o agente pudesse ter previsto o resultado lesivo, no o fez, e deste

    modo um bem jurdico foi lesado, uma vida foi interrompida. Assim a chamada culpa

    inconsciente; o resultado no querido e nem previsto, entretanto era previsvel.

    3.4.2 Dolo

    Aps discorrer sobre a culpa e suas espcies, este tpico tratar do dolo, que

    tambm um dos elementos subjetivos do crime de homicdio. Como j mencionado, aconduta que interessa para o direito penal a culposa ou dolosa. Sem a presena de um destes

    elementos no h infrao penal.

    O dolo est previsto no artigo 18, inciso I, do Cdigo Penal que reza: Art. 18 -

    Diz-se o crime: I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.

    [...] 56

    O dolo pode ser conceituado como a vontade de concretizar os elementos

    objetivos do tipo, ou seja, a conscincia e a vontade da realizao de uma conduta descritacomo tipo.57

    A conscincia do que est sendo feito e a vontade na obteno do resultado,

    tambm so preconizadas por Wezel apud Greco:

    Toda ao consciente conduzida pela deciso da ao, quer dizer, pela conscinciado que se quer momento intelectual e pela deciso a respeito de querer realiz-lo momento volitivo. Ambos os momentos, conjuntamente, como fatoresconfiguradores de uma ao tpica real, formam o dolo (= dolo do tipo). 58

    O dolo o elemento nuclear e primordial do tipo subjetivo, e muitas vezes o

    nico componente do tipo. Pode ser definido como querer o resultado tpico, a vontade

    realizadora do tipo objetivo. No caso do homicdio, querer matar um homem, que pressupe

    que saiba que a conduta do objeto um homem. Logo, a vontade realizadora do tipo

    objetivo, guiada pelo conhecimento dos elementos deste no caso concreto. 59

    Essa vontade na realizao do tipo objetivo que caracteriza o dolo tambm

    observada por Noronha:

    55 JESUS, 2007, p. 81.56 BRASIL, 1940, loc. cit.57 BITENCOURT, 2007, p. 266.58 GRECO, 2007, p. 183.59 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1999, p. 481.

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    O dolo direto definido por Zaffaroni e Pieangeli como aquele em que o autor

    quer diretamente a produo do resultado tpico, seja como o fim diretamente proposto ou

    como um dos meios para obter este fim 65

    Corroborando este conceito Hungria e Fragoso preconizam que o dolo direto

    ocorre quando o agente prev como certo o resultado, para cujo evento precisamente

    empreende o ato de vontade. 66

    O dolo direto pode ser entendido como aquele que corresponde com a vontade do

    sujeito ativo quando da ocorrncia do evento lesivo.

    Extrai-se da lio de Greco que o dolo direto aquele querido pelo agente:

    Diz-se direto o dolo quando o agente quer, efetivamente, cometer a conduta descritano tipo, conforme preceitua a primeira parte do art. 18, I, do Cdigo Penal. O

    agente, nesta espcie de dolo, pratica sua conduta dirigindo-se finalisticamente produo do resultado por ele pretendido inicialmente. 67

    Nesta espcie de dolo, o agente quer produzir diretamente o resultado lesivo. Sua

    conduta dirigida realizao de um fato tpico, descrito como infrao penal.

    Seguindo este raciocnio, Bitencourt informa que o dolo direto compe-se de trs

    aspectos, a saber: 1) a representao do resultado, dos meios necessrios e das

    conseqncias secundrias; 2) o querero resultado, bem como os meios escolhidos para a sua

    consecuo; 3) o anuirna realizao das conseqncias previstas como certas, necessrias ou

    possveis [...] 68 (grifos do autor)

    No caso do delito de homicdio, o sujeito ativo age com dolo direto quando sua

    conduta destinada a matar o sujeito passivo. Suas atitudes dirigem-se exclusivamente na

    morte de um indivduo. Ele busca o resultado morte e, para tanto, anui com este resultado.

    Neste sentido, o dolo direto visto como aquele decorrente da vontade do ser

    humano em ocasionar um resultado lesivo a outro ser humano. Sua vontade dirigida para

    este fim.

    3.4.2.2 Dolo indireto

    O dolo apresenta como espcies o dolo direto e o dolo indireto, sendo que o direto

    foi abordado no tpico anterior, e o dolo indireto ser abordado neste tpico.

    65 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1999, p. 497.66 HUNGRIA; FRAGOSO, 1981, p. 45-46.67 GRECO, 2007, p. 188.68 BITENCOURT, 2007, p. 268.

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    O dolo indireto bastante discutido, uma vez que, conforme se demonstrar no

    momento oportuno, ele abrange o dolo alternativo e o dolo eventual, este que motivo de

    acirradas discusses quando o assunto homicdio praticado no trnsito.

    Para Noronha h dolo indireto quando, apesar de querer o resultado, a vontade

    no se manifesta de modo nico e seguro em direo a ele, ao contrrio do que sucede na

    espcie anterior [dolo direto]. 69

    Confirmando a idia de que no dolo indireto a vontade do agente no se manifesta

    exclusivamente para o fim de cometer o delito, Jesus leciona que h dolo indireto quando a

    vontade do agente no se dirige exclusivamente ao resultado morte. 70

    O dolo indireto ou indeterminado, portanto, aquele em que o agente, deseja o

    resultado, entretanto, no h um querer especfico na sua conduta delituosa.Costuma-se subdividir o dolo indeterminado em dolo alternativo e dolo eventual.

    O primeiro deles consiste na previso de resultados diversos, que reciprocamente se excluem,

    propondo-se o agente realizar qualquer deles, indiferentemente, enquanto que o segundo

    ocorre quando o agente, prevendo como provvel ou possvel o resultado, assume o risco de

    produzi-lo. 71

    3.4.2.2.1 Dolo alternativo

    Vislumbra-se a figura do dolo indireto alternativo quando o agente deseja obter

    qualquer dos resultados possveis para aquela conduta tpica.

    Preleciona Noronha que o dolo alternativo d-se quando o agente quer um dos

    eventos que sua ao pode causar: atingir para matar ou ferir

    72

    Hungria e Fragoso, por sua vez, admitem que no dolo alternativo, no h

    indeterminao da vontade: quando se querem, indiferentemente, resultados diversos,

    sabendo-se que um excluir os outros, a vontade to determinada como quando se quer um

    resultado nico. 73

    69 NORONHA, 1999, p. 138.70 JESUS, 2007, p. 36.71 HUNGRIA; FRAGOSO, 1981, p. 46-47.72 NORONHA, loc. cit.73 HUNGRIA; FRAGOSO, op. cit., p. 47.

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    O que distingue o dolo alternativo dos demais o fato de que, como o prprio

    nome j diz o agente alterna entre os resultados e tanto faz se, por exemplo, o disparo da arma

    de fogo ir ferir ou matar a vtima.

    O dolo indireto alternativo mostra-se quando o aspecto volitivo do agente

    encontra-se direcionado de maneira alternativa, quer seja em relao ao resultado ou em

    relao pessoa contra a qual o crime cometido. Se essa alternatividade disser respeito ao

    resultado, fala-se em alternativ