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815 * Professor Assistente no Insper Instituto de Ensino e Pesquisa/Pesquisador do CEM-Cebrap Doutor em Administração de Empresas, Fundação Getulio Vargas (FGV) Pós-doutorado em Sociologia Econômica, Columbia University. [email protected] ** Doutoranda em Sociologia, The University of Chicago. Bolsista CAPES – Proc. nº 0841/12-1 cysakamoto@ uchicago.edu *** Professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (EBAPE/FGV) Doutor em Administração, Ecole dês Hautes Etudes Commerciales de Paris (HEC). flavio. [email protected] CONFLITO E IMPROVISAÇÃO POR DESIGN: A METÁFORA DO REPENTE Charles Kirschbaum* Cristina Sakamoto** Flávio C. Vasconcelos*** Resumo A metáfora do Jazz foi introduzida nos Estudos Organizacionais com o objetivo de estimular a adoção de práticas que levassem a um maior grau de improvi- sação. Essa apropriação foi feita assumindo-se um alto grau de cooperação, em oposição a organizações altamente formalizadas onde as rotinas se apre- sentariam como rígidas e geradoras de inércia. Esse artigo se apropria dessa literatura, buscando em primeiro lugar ampliar a ideia de rotina organizacional, enfatizando a dimensão interpretacionista, salientando o aspecto conflitivo e finalmente revendo o valor heurístico da dicotomia entre “colapso do sensemaking” e sensemaking. Essa reapropriação nos permite preparar o terreno para a introdução e análise da metáfora do Repente e subsequente comparação com a metáfora do Jazz. Buscamos mostrar como as estruturas do Repente permitem a improvisação e ao mesmo tempo prote- gem os espaços de cada oponente. Essa configuração é importante quando toma-se o conflito como vetor preponderante na improvisação. Palavras-chave: Rotinas organizacionais, improvisação, sensemaking, conflito, Repente Abstract T he Jazz metaphor was introduced in Organizational Studies aiming to en- courage the adoption of practices that could lead to a greater degree of improvisation. This appropriation was made assuming a high degree of co- operation, as opposed to highly formalized organizations where routines are taken as rigid routines, source of inertia. This article appropriates from this literature, seeking first to extend the idea of organizational routines, emphasizing the interpre- tationist dimension, pointing out the role of conflict and finally reviewing the heuristic value of the dichotomy between “collapse of sensemaking” and “sensemaking”. This reappropriation allows us to prepare the ground for the introduction and analysis of the Repente metaphor and subsequently to compare it with the metaphor of Jazz. We attempt to show how the structures of Repente allow improvisation while protecting each opponent’s space. This setting is important when one takes conflict as the pre- dominant vector for improvisation. Key-words: Organizational routines, improvisation, sensemaking, conflict, Repente Revista O&S 68-2014-cap3.indd 815 31/03/14 09:55

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teorias de improvização

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    * Professor Assistente no Insper Instituto de Ensino e Pesquisa/Pesquisador do CEM-Cebrap Doutor em Administrao de Empresas, Fundao Getulio Vargas (FGV) Ps-doutorado em Sociologia Econmica, Columbia University. [email protected]

    ** Doutoranda em Sociologia, The University of Chicago. Bolsista CAPES Proc. n 0841/12-1 [email protected]

    *** Professor da Escola Brasileira de Administrao Pblica e de Empresas da Fundao Getulio Vargas (EBAPE/FGV) Doutor em Administrao, Ecole ds Hautes Etudes Commerciales de Paris (HEC). [email protected]

    Conflito e improvisao por Design: a metfora Do repente

    Charles Kirschbaum*Cristina Sakamoto**

    Flvio C. Vasconcelos***

    Resumo

    A metfora do Jazz foi introduzida nos Estudos Organizacionais com o objetivo de estimular a adoo de prticas que levassem a um maior grau de improvi-sao. Essa apropriao foi feita assumindo-se um alto grau de cooperao, em oposio a organizaes altamente formalizadas onde as rotinas se apre-sentariam como rgidas e geradoras de inrcia. Esse artigo se apropria dessa literatura, buscando em primeiro lugar ampliar a ideia de rotina organizacional, enfatizando a dimenso interpretacionista, salientando o aspecto conflitivo e finalmente revendo o valor heurstico da dicotomia entre colapso do sensemaking e sensemaking. Essa reapropriao nos permite preparar o terreno para a introduo e anlise da metfora do Repente e subsequente comparao com a metfora do Jazz. Buscamos mostrar como as estruturas do Repente permitem a improvisao e ao mesmo tempo prote-gem os espaos de cada oponente. Essa configurao importante quando toma-se o conflito como vetor preponderante na improvisao.

    Palavras-chave: Rotinas organizacionais, improvisao, sensemaking, conflito, Repente

    Abstract

    The Jazz metaphor was introduced in Organizational Studies aiming to en-courage the adoption of practices that could lead to a greater degree of improvisation. This appropriation was made assuming a high degree of co-operation, as opposed to highly formalized organizations where routines are taken as rigid routines, source of inertia. This article appropriates from this literature, seeking first to extend the idea of organizational routines, emphasizing the interpre-tationist dimension, pointing out the role of conflict and finally reviewing the heuristic value of the dichotomy between collapse of sensemaking and sensemaking. This reappropriation allows us to prepare the ground for the introduction and analysis of the Repente metaphor and subsequently to compare it with the metaphor of Jazz. We attempt to show how the structures of Repente allow improvisation while protecting each opponents space. This setting is important when one takes conflict as the pre-dominant vector for improvisation.

    Key-words: Organizational routines, improvisation, sensemaking, conflict, Repente

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    Charles Kirschbaum, Cristina Sakamoto & Flvio C. Vasconcelos

    Introduo

    A metfora do Jazz-como-improvisao foi introduzida nos estudos organi-zacionais com o intuito de reforar a contraposio ao modelo burocrtico. De forma caricatural, poderamos sintetizar o argumento da seguinte forma: a) as organizaes (principalmente as burocrticas) desenvolvem rotinas rgidas, b) essas rotinas so postas em dvida apenas quando h um colapso do sensemaking, c) o que leva necessidade de improvisao e recriao das rotinas. Em contraste, d) os msicos de Jazz se engajam na improvisao sem que haja ne-cessariamente um colapso do sensemaking (como por exemplo, um grave erro de um msico), e essas prticas poderiam ser traduzidas para a realidade organizacional. Assume-se que as bandas de Jazz sejam e) harmnicas, democrticas, e informais (talvez um revival da metfora de organizao orgnica) e com isso a improvisao transcorre de forma esteticamente agradvel. No decorrer desse artigo, retomaremos a esses pressupostos.

    No lugar do entendimento convencional das rotinas como rgidas e inertes, ofereceremos uma viso mais flexvel das rotinas ao explicitar suas dimenses osten-siva e performativa. Se as rotinas, mesmo em contextos mais burocratizados, no so plenamente rgidas, possvel vislumbrar uma dinmica de mudanas nas rotinas que prescinde do elemento de colapso de sensemaking. Se o Jazz aparecera na litera-tura como bala-de-prata para a promoo da improvisao espontnea, tentaremos mostrar que a improvisao pode ocorrer de forma deliberada em contextos altamente estruturados. Finalmente, ao retratar a banda de Jazz como um grupo harmnico, tememos que o papel conflitivo da improvisao no ganhe a nfase necessria.

    Em comparao com o Jazz, caracterizado como o lcus social onde h pre-dominncia de interaes informais e coeso grupal e o conflito tomado como se-cundrio, sugerimos o estudo do Repente, que por sua vez evidencia o conflito como um elemento central, e existncia de rotinas que demarcam o territrio dos atores envolvidos, sugerindo maior formalizao. Mostraremos que o Repente nos ajuda a pensar as metforas musicais como configuraes (RAGIN; BECKER, 1992): na me-dida em que encontremos nos diversos gneros musicais combinaes distintas das dimenses crticas, podemos tornar a comparao entre a metfora e as organizaes um exerccio de gerao de novos conhecimentos ao evidenciar tanto na metfora quanto na organizao os mecanismos (anlogos ou alternativos) que do coerncia configurao.

    Especificamente no estudo do Repente, mostraremos como o papel central do conflito est ligado improvisao e suportado pela estrutura de versos (anlogo aos processos organizacionais). Essa estrutura ao mesmo tempo protege o espao de cada msico, mas permite a improvisao temtica e obriga as partes a engajarem--se em dilogo.

    A centralidade das rotinas organizacionais

    Um dos conceitos centrais para esse artigo a centralidade das rotinas para entendermos o comportamento organizacional. Rotinas podem ser definidas como atividades repetitivas, cujos padres podem ser reconhecidos e associados a aes interdependentes, levadas a cabo por mltiplos atores (FELDMAN; PENTLAND, 2003; PENTLAND, 2010). Recentemente, agregou-se a ideia de que rotinas tambm so associadas a predisposies adquiridas atravs de atividade passada e que podem ser reativadas se evocadas pelo estmulo adequado. (BECKER; ZIRPOLI, 2008)

    Tradicionalmente, a literatura assume as rotinas como estveis e associadas a um baixo engajamento cognitivo. (REYNAUD, 2005) March e Simon (1958) identifica-ram nas rotinas uma das fontes de reduo de esforo cognitivo, na medida em que permitiam reduzir os esforos de busca de solues, assim como abreviar o tempo dedicado deliberao. As rotinas tambm so importantes para reduzir incertezas (BECKER; KNUDSEN, 2005), e podem ser o resultado de trgua entre partes (por

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    Conflito e improvisao por Design: a metfora do Repente

    exemplo, de departamentos) em conflito. (NELSON; WINTER, 1982; ANTONELLO; GODOY, 2009; PENTLAND, 2010)

    Se partirmos do pressuposto que as rotinas estabilizam a interao interpes-soal, coerente assumir que os indivduos tero pouco estmulo para modific-las, ganhando um alto grau de estabilidade. Sob esse ponto de vista, como poderamos entender a mudana nas rotinas? Cyert e March (1963) elaboraram um modelo adap-tativo, localizando em meta-rotinas a fonte da mudana nas rotinas respectivamente subordinadas (ver tambm BECKER et al., 2005).1 Uma outra forma de mudana o estmulo dos gestores aos subordinados de desempenhar a mesma rotina de forma distinta. (ADLER; GOLDOFTAS; LEVINE, 1999) No outro extremo do espectro, pes-quisadores alinhados com a Ecologia Organizacional enxergam nas rotinas uma fonte de inrcia organizacional que rompido apenas com um choque externo capaz de forar a organizao a uma reorganizao mais profunda. Vale ressaltar que nessas abordagens as rotinas so sempre vistas de forma reificada elas existem de forma objetiva e inequvoca, seja como fonte de inrcia, ou como subproduto da atividade organizacional.

    Em contraste, propostas recentes vm reexaminando o conceito de rotina com a finalidade de reinterpretar as rotinas como elementos intermedirios entre estrutura e agncia. (BECKER, 2004) Pentland e Feldman (2005) propuseram que o estudo das rotinas deve cobrir sempre duas dimenses, a ostensiva e a performativa. A dimenso ostensiva se refere ao aspecto explcito, verbal e formalizvel, e tambm abstrato das rotinas. Em contraste, o aspecto performativo leva em considerao que as rotinas so concretizadas na medida em que so efetivamente desempenhadas atravs de prticas.

    Ao propor a existncia dessas duas dimenses, possvel verificar que a rotina em sua dimenso cognitiva no ganha correspondncia unvoca nas prticas, como se as prticas pudessem ser determinadas pelas rotinas. Ao contrrio: a sustentao da rotina pode dar-se atravs do desempenho de prticas concretas que fogem do reconhecimento consciente da gesto (BECKER; ZIRPOLI, 2008), ao mesmo tempo em que no justo fixar o aspecto ostensivo como antecedente ao aspecto performativo. O ltimo pode influenciar o primeiro, na medida em que a codificao de prticas em rotinas pode ser relacionada como um esforo estruturante. (GIDDENS, 1986)

    importante salientar que possvel estabelecer vnculos diretos entre ambas as dimenses com abordagens interpretativistas vida organizacional. Em oposio a uma leitura objetivista das rotinas, entende-se que seu aspecto ostensivo est sempre aberto para reinterpretaes e no pode ser tomado como uma entidade unificada. (PENTLAND; FELDMAN, 2005) Alm disso, a especificao da dimenso ostensiva nunca exaustiva, sempre permitindo que as respectivas prticas variem, satisfazendo de forma diversa as lacunas deixadas pela dimenso formal. (BECKER, 2004; COHEN, 2007) Traduzindo essa ideia para as metforas musicais, isso corresponde evidncia de que mesmo na execuo da msica erudita, onde poderamos conceber a partitura como exaustiva em suas instrues, h liberdade de interpretao.

    Alm disso, a interpretao das rotinas tambm depende da experincia pas-sada e da leitura da situao. Dessa forma, h uma relao forte entre sensemaking e a abordagem interpretativista das rotinas. (REYNAUD, 2005; COHEN, 2007) Se a atividade ligada s rotinas depende de interpretao da dimenso ostensiva e da traduo dessa dimenso em prtica, alcanando atravs de esforo uma adequao aceitvel entre as duas dimenses, h pelo menos trs formas em que o sensemaking um elemento preponderante na constituio das rotinas: na interpretao do as-pecto ostensivo, na interpretao da situao e na reapropriao de experincias passadas. De forma correlata, possvel pensar no sensemaking organizacional como fortemente influenciado pelas rotinas, na medida em que as rotinas influenciam a ateno organizacional.

    1 Feldman e Pentland (2003) identificam a ideia de meta-rotina de Cyert e March como an-tecessora a ideia atual de capacidades dinmicas.

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    Se as rotinas no so simplesmente tidas como dadas e facilmente reproduzi-das, mas que so suscetveis interpretao e dependem de esforo para o alcance de nveis aceitveis de desempenho em situaes diversas, podemos admitir que haja uma fonte endgena de mudana nas rotinas. (NELSON; WINTER, 1982; BECKER et al., 2005) Como corolrio da mudana que ocorre a cada vez que uma rotina performada, sempre h um elemento de improvisao. (JOAS, 1996; PENTLAND; FELDMAN, 2005)

    Para o nosso estudo, importante tambm enfatizar o aspecto coletivo e rela-cional das rotinas. (PENTLAND, 2010) Como salientado acima, as rotinas por definio so um fenmeno coletivo, interpessoal, enquanto que as atividades que se restringem aos indivduos sem serem compartilhadas ou sem aspectos interpessoais so corren-temente definidas como hbitos individuais. A possibilidade de compartilhamento de rotinas torna-as passveis de serem distribudas nas organizaes. (BECKER, 2004) De forma correlata, como adquirem um status de coordenao interpessoal, tambm exigem um mnimo de consenso, exigindo o sensemaking coletivo e sustentao de interpretaes intersubjetivas. Em situaes onde h presso para o desempenho de rotinas (por exemplo, tempo exguo para a realizao de tarefas), possvel que haja menor predisposio dos indivduos para engajarem-se em sensemaking coletivo, le-vando a possvel rompimento na rotina. (WEICK, 1993; BECKER, 2004) Se a trgua entre os indivduos envolvidos j no mais sustentvel, o conflito interpessoal pode levar remoo da sustentao social da rotina (ZBARACKI; BERGEN, 2010)

    A partir desses elementos, possvel sugerir um mecanismo dinmico de mu-dana das rotinas, como resultado da interao entre indivduos e grupos dentro das organizaes. Na medida em que rotinas so relacionais, elas sempre dependem do status intersubjetivo e, portanto, se sustentam em um acordo (tcito ou explcito). (BECKER et al., 2005) Essa mudana pode ocorrer ainda que seu aspecto ostensivo se mantenha inalterado. Eventualmente o aspecto ostensivo tambm poder ser al-terado para dar conta das modificaes nas prticas concretas dos grupos engajados na rotina. Essa dinmica pode ser descrita como um mecanismo coevolucionrio de mudana de rotinas atravs de interaes intraorganizacionais. (NELSON; WINTER, 1982; BECKER, 2004)

    Sensemaking, incerteza e improvisao

    Como apontamos acima, torna-se importante recuperar o conceito de sense-making proposto por Weick e sua relao com as rotinas e a improvisao. Tentaremos mostrar uma possvel bifurcao na apreenso desse conceito de Weick. Por um lado, h possibilidade de utilizao desse conceito a partir de uma perspectiva realista, onde a ao social presume a existncia de uma realidade objetiva e plenamente com-partilhada. Em contraste, enfatizamos a apreenso interpretacionista, onde a produo de sentido e negociao do entendimento da realidade so dimenses imbricadas na ao social. Esse deslocamento nos levar a uma releitura da ideia de colapso do sensemaking e maior nuance da ideia de improvisao.

    O conceito de sensemaking proposto por Weick (1998) est intimamente ligado produo de sentido: Sensemaking envolve transformar circunstncias em uma situao que possa ser compreendido explicitamente em palavras e serve como tram-polim para a ao (WEICK, 1998, p. 2, traduo nossa)2 Sensemaking transformar em palavras a forma com que a organizao percebe o seu ambiente: Ns sentimos um entusiasmo conjunto ao reestabelecer o sensemaking ao torna-lo mais voltado ao futuro, mais macro, mais vinculado ao organizar3 (WEICK, 1998, p. 2, traduo nossa)

    o dar sentido s aes das pessoas para os fins da organizao e o entendi-mento do grupo forma da realizao de suas tarefas. De acordo com Weick (1998),

    2 Sensemaking involves turning circumstances into a situation that is comprehended explicitly in words and that serves as a springboard into action.

    3 We sense joint enthusiasm to restate sensemaking in ways that makes it more future orien-ted, more action oriented, more macro, more closely tied to organizing.

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    o sensemaking se faz mais explcito quando h um evento inesperado na organizao e que poucas pessoas, ou ningum, tem conhecimento anterior de referncia para lidar com essa situao imediatamente; portanto, naquele momento, a organizao ser obrigada a aprender com esta nova situao. O sensemaking tem as seguintes caractersticas (WEICK, 1998): a) organiza o fluxo de experincia, dando coerncia aos eventos percebidos; b) produz e renova as categorias cognitivas, organizando os eventos percebidos em esquemas cognitivos compartilhados, c) sustenta e produzido de forma concomitante ao social: Se a primeira pergunta do sensemaking O que est acontecendo aqui?, a segunda questo igualmente importante O que fao em seguida?.4 (WEICK, 1998, p. 13, traduo nossa)

    Um elemento central na ideia de sensemaking o papel da incerteza. Iniciemos a anlise dessa relao a partir de um experimento mental, propondo uma situao fictcia onde inexiste a incerteza. Nessa situao, a produo de sentido seria trivial: todas as informaes relevantes seriam plenamente compartilhadas, coletivamente interpretadas da mesma forma, eliminando, portanto, o elemento subjetivo e inter-subjetivo da ao humana. Nesse sentido, poderamos sugerir a articulao dessa ideia com as elaboraes tericas recentes nos estudos de rotinas organizacionais. Se as situaes pudessem ser concebidas como destitudas de incerteza e o elemento intersubjetivo concebido como trivial, poderamos admitir como corolrio uma viso das rotinas organizacionais limitada dimenso ostensiva descrita acima.

    No entanto, ao defrontar-se com a incerteza, intrnseca a toda ao humana, que a produo de sentido se faz como uma atividade no trivial. Essa ideia se desdobra em duas implicaes importantes para o nosso entendimento da ao social dentro das organizaes. Em primeiro lugar, podemos entender a dimenso performativa das rotinas como um corolrio da existncia intrnseca da incerteza, em graus variados, na experincia individual e coletiva.

    Entretanto, possvel que invertamos os termos da equao: ao darmos a devida nfase dimenso agntica e colocarmos como pressuposto a necessidade e direito de todos indivduos em produzir sentido para aquilo que fazem, isso nos leva possibilidade que os indivduos, de forma deliberada introduziro e toleraro incerteza em suas situaes cotidianas para que a partir disso possam mobilizar sua capacidade de gerao de sentido. Em outras palavras: sem incerteza, no h oportunidade de recriao de sentido, o que nos obriga a abandonar o pressuposto que os indivduos conseguem eliminar completamente a incerteza de seu dia a dia.

    A partir desse posicionamento, podemos fornecer o marco terico para a im-provisao dentro das organizaes. Improvisao pode ser definida como a distncia entre o planejamento e a execuo (VENDELO, 2009), o que nesse sentido, define--se com trs caractersticas importantes: a) assume um objetivo (no apenas uma atividade aleatria), b) extempornea (no h como planejar como a improvisao ir ocorrer) e c) ocorre durante a ao. (CUNHA; CUNHA; KAMOCHE, 1999)

    A improvisao pode ser concebida como a ao social que permite o desatar-rachamento (uncoupling) da dimenso performativa e ostensiva das rotinas, e pode ser motivada por eventos exgenos como choques, por questes de complexidade sistmica, por falhas e variaes individuais, mas tambm por ao deliberada, seja do indivduo, de grupos, ou por design organizacional.

    Como mostramos acima, o elemento performativo pode levar a variaes nas prticas concretas, sem levar a modificaes na parte ostensiva. Dessa forma, a im-provisao desencadeada pelos fatores listados acima poder levar a variaes nas atividades, sem com isso promover uma desestabilizao da dimenso ostensiva das rotinas, o que permite a manuteno da coordenao, dado que os atores entendem que as modificaes introduzidas no implicam em um rompimento dos elementos ostensivos compartilhados, essenciais para a coordenao.

    Na prxima sesso, recuperaremos a relao entre improvisao e colapso do sensemaking. Argumentaremos que embora essa relao tenha sido til como estra-

    4 If the first question of sensemaking is Whats going on here?, the second equally important question is, What do I do next?.

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    Charles Kirschbaum, Cristina Sakamoto & Flvio C. Vasconcelos

    tgia heurstica para explorar a relao entre incerteza, sensemaking e improvisao, ela traz o risco de uma nfase exagerada em casos limtrofes.

    Deslocando a centralidade do colapso do sensemaking

    Karl Weick utilizou uma srie de casos limtrofes de perda de sentido (colapso do sensemaking) com o objetivo de evidenciar como se d a ao social e a recons-truo do sentido quando categorias, esquemas cognitivos, narrativas, relaes de causa e efeito, procedimentos sedimentados em processos formais, enfim, quando elementos que de forma ampla podemos nos referir como sentido usualmente evo-cado parecem no surtir efeito. (WEICK, 1993, 2010) Traduzindo para o arcabouo terico sobre rotinas que elaboramos anteriormente, essas situaes limtrofes levam os atores a suspenderem a validade da dimenso ostensiva das rotinas. Nessas situa-es, a improvisao motivada por choques externos ou rupturas internas radicais. De forma correlata, a recriao de sentido pode vir a modificar ou adaptar de forma extensa esses elementos ostensivos.

    Essa estratgia analtica, no entanto, arrisca dar uma nfase exagerada s situaes limtrofes. Em outras palavras: a necessidade lgica de enfatizar o papel da incerteza na produo do sentido leva os estudantes de organizaes a coletar e analisar os casos onde h uma perda radical de sentido. De forma correlata, retira-se a nfase sobre situaes que seriam classificadas pelo pesquisador como normais e, portanto destitudas do glamour necessrio para nossa ateno. Nesse sentido, interessante que o exemplo do desastre de Mann Gulch envolvesse bombeiros que no se conheciam e que dependiam de convenes e rotinas altamente burocratiza-das para se coordenarem (WEICK, 1993) o que refora a apreenso em relao seleo enviesada de situaes limites.

    Quando damos nfase exagerada s situaes limtrofes, arriscamos enten-der a relao entre a incerteza e a ao social de forma dicotmica: a incerteza experimentada como plena (collapse) ou tomada como completamente eliminada (taken-for-grantedness). O mesmo problema se espraia nos conceitos conexos: as rotinas existem como objetivas e dadas, ou simplesmente no do conta dos eventos percebidos. E, sobretudo, o ator social concebido como realista, na medida em que acredita e exige uma realidade externa e objetiva para agir. Ainda que o prprio pesquisador saiba que esse posicionamento epistemolgico no sustentvel, cabe a indagao quanto necessidade de conceber o ator social dessa forma. Embora no acreditemos que tenha sido essa a inteno original de Karl Weick, entendemos que essa pode ser uma das formas de apreenso de sua ideia de sensemaking, rotinas, e colapso do sensemaking quando se privilegia o material emprico coletado a partir de desastres, acidentes e outras situaes limtrofes.

    Apresentao e reapropiao da metfora da improvisao no Jazz

    A situao distpica do colapso do sensemaking parece depender de uma viso de rotinas rgidas, onde a dimenso ostensiva e performtica esto fortemente atarrachadas (tightly coupled), talvez prprio de um contexto altamente formalizado (por exemplo, CROZIER, 1963). Dessa forma, no estaremos cometendo uma injustia ao contextualizar a crtica de Weick dentro de uma corrente de pensamento na segunda metade do sculo XX, que buscava rejeitar a excessiva formalizao e burocratizao como solues necessrias. Nesse contexto, a apresentao de alternativas viveis

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    Conflito e improvisao por Design: a metfora do Repente

    torna-se um esforo ao mesmo tempo propositivo e terico. nesse contexto histrico que a metfora do Jazz pode ser melhor apreciada5.

    Ao descrever e relatar a metfora da improvisao do Jazz, Weick nos convida a pensar como os indivduos poderiam, de forma voluntria, colocar em dvida a percepo da sua realidade e, por consequncia, a forma como enxergam as rotinas. Weick evoca a improvisao no Jazz como uma situao ideal de criatividade, onde os indivduos podem livremente negociar o desenrolar da sequncia musical. Em contraste com organizaes tradicionais, aqui os indivduos so levados a introduzir delibera-damente a incerteza em seu dia a dia, emulando o caos que podemos observar em uma performance jazzstica. (BARRETT, 2012) A seguir, recuperaremos os elementos que guardam afinidade com essa forma de apresentao do Jazz.

    De criao afro-americana, o Jazz um estilo derivado do Blues originrio de New Orleans, onde, durante e ao fim da escravido, artistas negros expressavam sua condio musicalmente, utilizando-se da influncia europeia da msica clssica. Di-versos artistas romperam as barreiras da msica inovando as tcnicas da formalizada msica clssica para uma transformao mais sincopada no ragtime de Buddy Bolden e Scott Joplin. Seguido de novas formas de cantar e tocar os instrumentos clssicos de orquestra, como o saxofone e o trumpete, com Louis Armstrong and Sidney Bechet; que inspiraram, posteriormente, os msicos que nessa poca tambm rompiam as barreiras raciais Benny Goodman e Glenn Miller com suas orquestras de swing. (BURNS; DAVID; CORREL, 2001; BERLINER, 1994)

    O swing popularizou o Jazz, pelo seu ritmo acelerado e forma danante, tornando-se o principal estilo musical em Nova York e Los Angeles. No entanto, a vontade de romper ainda mais barreiras na execuo musical com grande ousadia, outros subestilos do Jazz surgiram como o Bebop, Cool Jazz, Free Jazz, nos anos 40 e 50, ao Jazz Fusion e Post Bop nos anos 60 e 70, ao Jazz experimental dos anos 80 em diante. (BURNS; DAVID; CORREL, 2001) Hoje, o Jazz pode ser considerado um estilo musical de experimentao, no qual os artistas procuram um estilo pessoal de execuo, se diferenciando dos demais msicos, testando o limite dos seus talentos. Um grande exemplo o pianista Thelonious Monk, que, atravs da dissonncia de sons, marcou-se como um pianista inovador. (GOURSE, 1997)

    Cooperao e conflito no Jazz

    O Jazz comumente idealizado como um estilo musical democrtico na medida em que traz a possibilidade para que cada indivduo expresse o seu estilo pessoal na msica. Ao mesmo tempo, concebido como um estilo cooperativo, onde todos esto empenhados em resguardar a coeso interna da msica. A cooperao tomada como necessria para que o grupo todo produza uma boa apresentao.

    Quando uma sesso de Jazz tpica comea, os msicos tocam parte da melodia principal, acrescentando o seu estilo prprio, batida e arranjos. Segue-se ento s improvisaes: enquanto um msico desenvolve sua improvisao, os outros acompa-nham em um volume mais baixo para que o solista possa se destacar. Para que exista ordem no revezamento dos solos, o lder da banda determina o tempo e a ordem, para que cada msico de Jazz fique mais vontade para criar o seu solo no tempo da msica que lhe foi concedido, sem ser abruptamente interrompido por outro.

    Portanto, a cooperao tornou-se um elemento central na forma como entende-mos o Jazz. Essa percepo reforada pelas evidncias trazidas pela etnomusicologia:

    [A] comunidade do jazz esposa uma [] viso de liberdade de expresso que enfatiza a interdependncia mtua dos msicos que de certa forma limita a liberdade individual. Para Leroy Williams, tocar jazz como um esforo de equipe, do tipo que voc encon-tra em basquete ou beisebol. Cada um deve desempenhar sua tarefa especfica. Essa

    5 Apesar do foco desse artigo ser o Repente, acreditamos que podemos nos beneficiar da anlise da metfora do Jazz, com o objetivo de refletir criticamente quanto apropriao dessa metfora.

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    a nica forma de marcar pontos. Um jogador no consegue tomar para si todos os lances no basquete, por exemplo. Ele tem que ficar na retaguarda de vez em quando. Voc tem que dar a bola para o jogador que tiver a melhor posio, qualquer que seja ele. um grande esforo coletivo e quando todos esto em harmonia, assim que as melhores coisas acontecem. As vezes voc tem que sacrificar suas melhores ideias.6 (BERLINER, 1994, cap. 15, grifo nosso, traduo nossa)

    Quando tocam em conjunto, cada artista transmite seu estilo individual que compreendido pelos colegas que o correspondem tambm com seus estilos individuais. O resultado da interao de uma banda de Jazz em uma jam session,7 por exemplo, o equilbrio do talento individual de cada um. A caracterizao acima nos leva a crer que a improvisao no Jazz, para que tenha sucesso, deva comprometer-se com o ideal de harmonia do grupo, suprimindo a competio e conflito8 entre os membros da banda. Essa uma fotografia simplificada do Jazz, onde as relaes de poder e dominao tambm esto presentes. (ZACK, 2000) Em primeiro lugar, concebe-se as relaes internas ao grupo de Jazz como preponderantemente horizontais, minimizando a assimetria de poder que se pode observar empiricamente na histria do Jazz. Em segundo lugar, o grupo de Jazz imaginado como um espao social harmnico, onde o conflito tem um papel secundrio.

    A liderana no Jazz geralmente vista como secundria, e funcional, na medida em que caracterizada como uma varivel epifenmica liberdade, coeso e harmo-nia no Jazz. O lder da banda concebido como o coordenor dos membros do grupo dando igual oportunidade para solar, indicando por gestos ou olhares, quem deve ser o prximo, ou quando algum deve parar.

    Em contrapartida, historicamente podemos observar na histria do Jazz o papel do poder hierrquico do lder (principalmente nas big bands de Swing, mas mesmo em pequenas bandas como a de Miles Davis). O conflito entre os msicos para con-seguir um pouco mais de espao de solo bem documentado pela etnomusicologia e um elemento constitutivo da emerso de novos estilos. (BERLINER, 1994; DE-VEAUX, 1999) No Jazz, a competio torna-se mais evidente quando os msicos de uma banda tentam superar seus colegas na apresentao, mas sem importarem-se como seus colegas iro reagir ou se eles sabero acompanh-lo; ou mesmo sabendo, o colega no pode lhe superar tecnicamente, portanto, podendo ser deliberadamente competitivo. Berliner (1994) nos oferece uma passagem:

    Uma vez, ao final de uma cano numa apresentao no Sweet Basil em Nova Iorque, Lonnie Hillyer diminui seu ritmo de repente e comeou a improvisar a cadencia num tom fora da mtrica. Olhando do teclado surpreendido, o pianista instantaneamente diminui seus padres rtmicos e trocou olhares rpidos com o percursionista que aban-donou as baquetas pelas vassouras para criar ondas de som desprendidas de ritmo com seus cmbalos. Na medida em que o ritmo e a textura da msica mudou ao seu

    6 [T]he jazz community espouses a [] view on freedom of expression, stressing the mutual interdependence of players and someway limiting individual freedom. For Leroy Williams, playing jazz is like a team effort, the kind you find in basketball or baseball. Everybody has to do their specific job. Thats the only way youre going to score. One guy cant take all the shots in basketball, for instance. He has to lie back at times. You have to give the ball to whichever player has the best shot. Its one big group effort, and when everybodys in harmony, thats when the best things happen. You have to sacrifice your own ideas at times.

    7 Jam Sessions so um tipo de apresentao do Jazz em que diversos msicos, que trabalharam juntos previamente ou no, revezam em bandas a fim de demonstrarem seus talentos. Geralmente, participam de Jam Sessions, msicos desconhecidos ou no profissionais, como uma oportunidade de prtica em banda.

    8 Em vrios pontos desse artigo nos referiremos aos termos competio e conflito como conceitos prximos, mas distintos. Enquanto a competio marca a disputa por recursos excassos (como por exemplo, a ateno da plateia), ela no implica a desestabilizao das regras e do framing de uma situao. Em contraste, o conflito j implica no questionamento do framing mais apropriado para a situao em questo. Essa distino entre competio e conflito o que leva socilogos como Georg Simmel e Robert E. Park pensarem o conflito social como um escalonamento da competio.

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    redor, o baixo ficou confuso de incio e parou de tocar. Mas em seguida, entretanto, ele comeou a dedilhar o baixo como se fosse um violo e tocou em conjunto com os outros msicos enquanto Hillyer conclua a cano.9 (BERLINER, 1994, p. 377, traduo nossa)

    Se por um lado as evidncias de competio no Jazz frustram a viso idlica desse estilo como um lcus harmnico e cooperativo, justamente o impulso ao destaque individual e o embate tcnico nas cutting sessions que fez surgir o Bebop, o paradigma do Jazz moderno. (DEVEAUX, 1999) Em contrapartida, a ideia de que o Jazz deve permanecer como um estilo onde o coletivo se sobrepe ao indivduo e a improvisao coletiva seja a nica autntica (em detrimento da improvisao indivi-dual percebida como comercial) acusada de primitivismo. (GIOIA, 1989) Ou seja, a ideia de que para o Jazz ser autntico, seus msicos devem manter suas caracte-rsticas originais (especificamente a harmonia coletiva em detrimento da expresso individual) origina-se de um movimento intelectual norte-americano dos anos trinta que apoiava o New Deal, no qual o jazz era apropriado como smbolo de coeso social. Essa apropriao torna-se um problema para ns, estudantes de organizaes no Brasil, quando tomada de forma acrtica e a-histrica, sanitizada de conflitos e assimetria de poder. Ainda assim, podemos acatar a ideia de que o papel do conflito no Jazz , na melhor das hipteses, coerente com a coordenao informal. Com o propsito de enderear a dimenso conflituosa das organizaes de forma mais direta, trabalhos como de Kamoche, Cunha e Cunha (2003) trouxeram aos estudos organi-zacionais gneros musiciais alternativos como o da msica indiana. Ao abordarmos o Repente, esperamos contribuir para esse esforo, buscando analisar uma forma de improvisao que combine dimenso conflituosa promovida de forma deliberada e sustentada pelas rotinas.

    Rotinas e Improvisao no jazz

    A improvisao no Jazz acontece em dois nveis: do indivduo e do grupo como um conjunto. A improvisao no nvel individual mais perceptvel quando o artista est solando. A improvisao individual influenciada pelo prvio preparo do artista. Assim como as organizaes utilizam-se da sua memria organizacional para rea-lizar suas atividades, o artista tambm utiliza na sua improvisao seu aprendizado passado sobre teoria musical, execuo do instrumento e tambm o aprendizado ao ter escutado msicos que o precederam.

    Msicos de seo rtmica se baseiam na sua experincia de execuo musical para improvisar acompanhamentos compatveis dentro dos arranjos musicais, satisfazen-do assim as expectativas do grupo de uma interao bem-sucedida. [...] Para cada gerao de improvisadores, as prticas acumuladas de performance da tradio do Jazz tm servido como diretrizes gerais de composio, delimitando as possibilidades infinitas dentro do papel de cada instrumento e contribuindo para a coeso musical coletiva.10 (BERLINER, 1994, p. 347, traduo nossa)

    9 Once, at the close of a ballad in a set at New Yorks Sweet Basil, Lonnie Hillyer slowed his tempo suddenly and began improvising a cadenza in unmetered time. Looking up from the keyboard in surprise, the pianist instantly slowed his comping patterns and exchanged quick glances with the drummer, who switched from sticks to brushes to create free-rhythmic waves of sound with his cymbals. As the musics tempo and texture changed around him, the bass player appeared flustered initially and stopped performing. Soon, however, he began to strum the bass softly like a guitar and phrased in step with his counterparts as Hillyer concluded the ballad.

    10 Rhythm section players draw upon their knowledge of the interrelated performance practices sampled above to improvise compatible accompaniments within arrangements, thereby satisfying the groups expectations for successful interaction. [...] For each generation of improvisers, in effect, the jazz traditions cumulative performance practices have served as general compositional guidelines, delimiting otherwise infinite possibilities for invention within each instruments part and contributing cohesion to collective musical invention.

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    Como sugerimos acima, podemos identificar as seguintes fontes de improvisa-o, em relao s rotinas organizacionais. Em primeiro lugar, desatarrachamento da dimenso performativa da dimenso ostensiva. Em segundo lugar, choques exgenos e estmulos endgenos podem levar a variaes nas prticas (dimenso performativa), podendo ou no levar a uma modificao na dimenso ostensiva das rotinas. Essas duas fontes no so excludentes. No Jazz, os msicos podem deliberadamente criar interpretaes distintas a partir da mesma base harmnica, mas fugindo da base meldica original. (BARRETT, 2012) Como a mesma base harmnica pode se referir a inmeras canes distintas, mesmo que no haja um perfeito compartilhamento de repertrio, possvel que msicos que nunca se viram antes, nem conheam as mesmas msicas possam tocar juntos. (FAULKNER; BECKER, 2009) Em contrapartida, o distanciamento da base meldica original pode ocorrer em virtude de um erro ou provocao de um colega.

    Finalmente, a forma de construo da msica muitas vezes caracterizada como catica, completamente livre, como se a improvisao fosse a expresso pura e ab-soluta de uma ao livre, destituda de regras. Oguri, Chauvel e Suarez (2009) mostram como a improvisao a partir de estruturas mnimas permite que a organizao resista rigidez tipicamente associada ao planejamento burocrtico. No Jazz, h diferentes nveis de improvisao que podem ser comparados a diferentes tipos de organizaes. No trabalho de Moorman e Miner (1998), utiliza-se um departamento de pesquisa e desenvolvimento de uma organizao como exemplo nos diferentes nveis de improvisao:

    Primeiro nvel: acrescenta-se modificaes simples, para embelezar e orna-mentar uma pea pr-existente. Segundo Moorman e Miner (1998), como se modificasse uma caracterstica de um produto j existente.

    Segundo nvel: a improvisao na msica comea a expressar caractersti-cas do artista, fazendo com que sobre menos elementos da melodia original do que no primeiro nvel. Segundo as autoras, como se a organizao criasse novos produtos, mas como variaes de produtos pr-existentes.

    Terceiro nvel: nesse nvel, o improvisador cria uma nova estrutura, utilizan-do muito pouco da msica original, isso se no a descartar. Ainda segundo as autoras, como criar um produto inovador que no existe no mercado.

    Fica evidente que, em contraste com uma viso de que a improvisao se d de forma livre, estudos de musicologia no Jazz revelam que a improvisao s pode ocorrer quando os msicos compartilham coletivamente da base harmnica que rege a msica e logram modificar a melodia de tal forma que a base harmnica no rom-pida. com esse entendimento de como regras, normas e procedimentos que sejam abstratos suficientes permitem uma adaptao s situaes concretas, mas coerentes o suficiente para manter a coeso em torno de objetivos comuns. (STINCHCOMBE, 2001; DAVIS; EISENHARDT, BINGHAM, 2009)

    Como apontado acima (seo 1), erros podem levar improvisao (FLACH; ANTONELLO, 2011) e mudana das rotinas. (RERUP; FELDMAN, 2011) Berliner indica um exemplo sobre o caso.

    Durante uma execuo no clube Sweet Basil, o solo de Lonny Hillyer vacilou, e ele precisou temporariamente segurar e tocar o trumpete com a mo direita, enquanto ele passava a esquerda pelo cabelo com um nico movimento, como para se coar, e ento, passou levemente a mo sobre sua orelha antes de retornar a mo esquerda ao trompete. Compreendendo o gesto, o pianista instantaneamente passou de pa-dres de acompanhamentos indescritveis para aberturas de acordes, at que Hillyer recuperasse sua auto-confiana.11 (BERLINER, 1994, p. 381, traduo nossa)

    11 During a Sweet Basil engagement in which Lonny Hillyers solo faltered, he temporary held and played the trumpet with his right hand, while he ran his left through his hair with a single motion, as if to scratch an itch, then lightly brushed his ear before replacing his left hand on the trumpet. Un-

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    O erro fora os msicos a criarem um novo movimento para que ele seja re-dimido.

    Com relao ao ato de salvar uma msica por solistas, grupos de jazz simplesmente tratam erros de execuo como problemas de composio que exigem solues ime-diatas e coletivas, e em alguns casos, exigindo a salvao hbil da execuo de um msico por outro.12 (BERLINER, 1994, p. 382, traduo nossa)

    A flexibilidade com que os eventos acontecem durante as apresentaes levam a esse tipo de evento.

    Dentro do passo normal de uma apresentao, improvisadores devem reagir de forma criativa s surpresas que surgem constantemente. Mudanas inesperadas de eventos ocorrem de todas as maneiras: nos detalhes de cada parte e nas mudanas peridi-cas de grande escala em programas de repertrio e estruturas formais que orientam a improvisao. Esta ltima ocorre geralmente quando o fluxo de idias de uma apresentao faz com que o grupo mude seu estilo de acompanhamento a fim de se igualar execuo de um improvisador externo. Em ltima anlise, a flexibilidade com que os msicos tratam arranjos musicais e de seus repertrios, seja ornamentando sutilmente ou alterando as suas caractersticas substancialmente, refora o esprito de improvisao de performances. 13 (BERLINER, 1994, p. 374, traduo nossa)

    Gostaramos de propor na prxima sesso o estudo do Repente como candidato metfora para o entendimento da ao social. Enquanto a metfora do Jazz parece ser adequada ao entendimento da dinmica interna de equipes coesas, acreditamos ser necessria a introduo de metforas que deem conta de situaes onde as partes se encontram em unidades distintas (departamentos, unidades de negcio, ou mes-mo parceiros em aliana estratgica). Essas situaes se distinguem das equipes na medida em que no podemos assumir uma coeso social suficientemente forte para produzir a coordenao, nem podemos assumir que a coordenao seja garantida por elementos hierrquicos de governana, mas onde existem elementos institucionais de coordenao (como rotinas) que permitem a improvisao.

    O Repente como metfora: conflito por design, improvisao e aprendizado

    As razes do Repente14 remontam s tradies trovadoras da Pennsula Ibrica por sua forma e poesia serem baseadas na sextilha setissilbica, podendo variar para

    derstanding the gesture, the pianist instantly switched from elusive comping patterns to explicit chord voicings, which he continued until Hillyer regained his confidence.

    12 As for musical saves of soloists discussed earlier, jazz groups simply treat performance errors as compositional problems that require instant, collective solutions, in some cases the skillful mending of one anothers performances.

    13 Within the normal compass of their activities, improvisers must respond creatively to surpri-ses that constantly arise during performances. Unexpected turns of events occur everywhere: in the ever-changing details of each part and in the periodic large-scale changes in repertory programs and formal structures that guide improvisation. The latter occur typically when the natural flow of ideas conceived in performance leads a particular improviser outside the groups agreed-upon formats and other players follow along. Ultimately, the flexibility with which musicians treat repertory and musical arrangements, whether subtly ornamenting or substantially altering their features, enhances the im-provisatory spirit of performances.

    14 Em comparao com o volume de pesquisas sobre o Jazz, h pouca literatura acadmica sobre o Repente. A maioria da literatura formalizada sobre o repente apresentada neste trabalho foi encontrada pelos autores fora do Brasil, apesar de serem resultados de pesquisas financiadas pelo Ministrio da Cultura (MinC), como no caso da obra de Salles (1985), ou ento, por serem resultado de pesquisas de acadmicos americanos, alemes e franceses.

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    quartilha e/ou para versos de dez slabas (CROOK, 2005; SALLES, 1985). Artistas nordestinos transformaram essa tradio musical europeia atravs da mescla das culturas europeia, negra e indgena. Eles expressavam sua situao de pobreza no Serto Nordestino, e migrao dos nordestinos ao sul do Brasil; contedos sociais que alimentaram a msica Repentista (MCGOWAN; PESSANHA, 1998) O Repente tambm se desenvolveu no Par, principalmente na Ilha de Maraj. (SALLES, 1985)

    Segundo Crook (2005), os repentistas tinham a funo de crticos sociais, his-toriadores, filsofos, e intelectuais orgnicos comentando sobre os problemas dirios e sociais confrontados pela populao rural e migrante do Nordeste em um momento em que tais profissionais pouco existiam formalmente naquela regio.15 (CROOK, 2005, p. 94, traduo nossa) Atravs de sua poesia improvisada, os cantadores discutiam assuntos desde os problemas sociais do seu cotidiano a disputa da ateno de alguma mulher, usando como base a melodia e ritmos achatados e quase montonos que so a base da msica repentista (MCGOWAN; PESSANHA, 1998). Os tpicos abordados pelos cantadores revestem-se de certa malcia e ironia, que s vezes descambam para o insulto. (SALLES, 1985, p. 46)

    O Repente ajudou a difundir a cultura nordestina para o resto do Brasil, uma cultura tradicionalmente oral. A dana Baio executada antes do Desafio (cantoria) em praas pblicas nas cidades do Nordeste servia como preldio competio potica, que atraia sua plateia. Os cantores produziam seus versos, mantendo seu ritmo me-ldico constante acompanhado de suas violas de dez cordas, pandeiro ou ganz. Um cantor expe uma questo, desafio ou insulto; o outro responde tentando vencer seu oponente sempre na mesma forma potica rigidamente observada. As palavras so cantandas planamente, quase que montonas.16 (MCGOWAN; PESSANHA, 1998, p. 153, traduo nossa) A disputa verbal, piadas e insultos divertem a plateia; e depois da apresentao, passa-se um chapu para recolher algumas moedas. (MCGOWAN; PESSANHA, 1998, p. 153)

    O repentista tinha um status social elevado, e sobreviver com a sua arte signi-ficava ter que encontrar o equilbrio entre manter as tradies do Repente, enquanto se adapta ao meio social em que se expressa, criando suas falas dentro dos costumes e da tica local. A reputao do repentista era firmada principalmente ao receberem convites dos fazendeiros para participar de desafios, e aqueles que mais entretiam e venciam os desafios eram os mais convidados. Portanto, o grande motivador para a competio no Repente o status social conferido ao Repentista pela qualidade da sua arte. (MIGUEL; SAUTCHUK, 2010)

    Cooperao e conflito no Repente

    O formato mais comum da msica repentista envolve dois cantadores que utili-zam suas violas de dez cordas para acompanh-los enquanto improvisam na criao de versos, discutindo e dialogando, dentro da msica improvisada, um tpico especfico muitas vezes definido e informado atravs de manifestaes vocais pela plateia; ou, no caso de competies formais, a dupla recebia no palco o tpico da disputa em um envelope selado. (SALLES, 1985; CROOK, 2005)

    Travassos (2000) aponta que os valores imbudos no Repente transformaram-se. Originalmente o Repente era uma expresso artstica que envolvia conflitos acirrados. A plateia esperava que apenas um cantor fosse o campeo, e esse receberia o total do dinheiro doado pelos ouvintes. Em consequncia, os embates poderiam durar dias. No era raro que esses duelos terminassem em lutas fsicas violentas; portanto, em alguns casos, o cantador era tido como um marginal (ou para usar a expresso de

    15 Repentistas (as these singers-poets are also called) functioned as social critics, historias, philosophers, and organic intellectuals commenting on the daily problems and social issues confronted by the rural and migrant populations of the Northeast.

    16 One singer poses a question, challenge, or insult; the other responds, trying to top his op-ponent, always in the same rigidly observed poetic form. The words are sung rather flatly, almost in a monotone.

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    BECKER, 1972, um desviante social), por envolver-se com lcool, brigas e ser um andarilho sem razes.

    Aps a profissionalizao e formalizao do Repente, os versos dos cantadores passaram a definir com mais peso o vencedor da competio, por exemplo, quando um cantador d-se por vencido ou fica-se claro que um deles no possui mais argu-mentos contra o outro.

    A emerso do perodo atual do Repente levou modificao de alguns desses elementos. Em primeiro lugar, a busca de profissionalizao do msico de Repente levou ao repdio da luta fsica. Em segundo lugar, e mais importante, os msicos envolvidos em um embate j no se preocupam em encontrar um vencedor. Ao con-trrio, h um esforo de manuteno de uma equidade entre as partes, para que o jogo mantenha-se equilibrado:

    Um desafio envolve dois indivduos que se confrontam um contra o outro como poetas. Como homens e mulheres comuns, suas identidades sociais so constitudas por uma gama de atributos, como status, relacionamentos, gnero, idade, religio, etc; mas ao entrar na arena da execuo musical, eles devem esforar-se para suspender as suas identidades sociais cotidianas, neutralizando esses atributos para se envolver com o outro oponente como poetas, ou seja, como iguais.17 (TRAVASSOS, 2000, p. 63, traduo nossa)

    A fim de se obter uma certa equidade entre os dois cantadores, algumas regras emergiram no Repente, notando-se que essas regras esto embutidas no estilo mu-sical como um todo, e permanecem durante a apresentao. Essas regras envolvem o formato dos versos e o fato de que os dois cantadores devem garantir o espao do outro para que tambm possa se expressar, diferentemente do caso da competio no Jazz, quando um msico pode se arriscar a prolongar sua improvisao roubando o tempo do colega. (SALLES, 1985; BERLINER, 1994)

    A cooperao dentro do contexto competitivo pode ser observada em vrios elementos do ethos contemporneo dos msicos de Repente. Em primeiro lugar, cada msico providencia o acompanhamento para seu parceiro. Os msicos tocam toadas conhecidas e que podem ser facilmente acompanhadas por seus parceiros. Toadas so melodias e canes que so conhecidas pela comunidade de repentistas e que formam os repertrios dos subgneros, ajudando os repentistas a se guiar na criao de versos, j que no h tempo hbil para que possam contar o nmero de slabas por verso antecipadamente. O rtmo de melodias padres, marcadas e compassadas ajudam-nos nessa criao.

    Esse procedimento leva proteo do oponente de certa forma porque se elimina o risco de desconhecimento da melodia e ao mesmo tempo protege-se a voz e afinao do parceiro atravs da baixa variao meldica. Em segundo lugar, as provocaes tpicas do Repente so contidas para evitar-se a humilhao do opositor. O oposto acontece: se a humilhao ocorre, aquele que ofende tem a sua reputao posta em risco pela comunidade de repentistas. Finalmente, os repentistas repartem as doaes recebidas da plateia, reforando mais uma vez o carter cooperativo da competio.

    A dupla inicia a msica em um mesmo nvel, ou seja, os dois participantes tm o mesmo status diante da plateia. Na medida em que a msica se desenvolve, um msico pode se sentir-se em desvantagem em relao ao outro. Logo, o outro se sente vitorioso, por ter proferido algo em um verso que poderia ter feito com a imagem do outro diminusse. A vontade de um repentista em tentar vencer o outro durante a msica faz com que exista um jogo de palavras, derrubando-o s vezes,

    17 A desafio involves two individuals who confront one another as poets. As ordinary men and women, their social identity is constituted by a range of attributes, such as status, a network of relations, gender, age, religion and so on; but on entering the performance arena, they must strive to suspend their everyday social identities, neutralizing these attributes to engage with one another as poets, that is, as equals.

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    mas tambm, por solidariedade e para no cristalizar a assimetria de status, ajudar o parceiro para que esse se recupere.

    O elemento de improvisao entra no Repente novamente ligado ideia de justia e equidade no embate, que s so possveis quando a interao autntica (no ensaiada) e quando as partes tm oportunidades reais de recuperar a face. Para que a interao no fique presa em rotinas engessadas, preciso que ambos repentistas se engajem na improvisao. Como salienta Travassos:

    O princpio da prtica repentista a condenao do uso excessivo de versos previa-mente preparados, o chamado decoro (memorizado) ou balaio. Um balaio um receptculo para o transporte da safra, mas metaforicamente, significa versos prontos, aqueles que foram armazenados. A fim de impedir o uso de versos memorizados e garantir a autenticidade das improvisaes, cantores podem ser chamados a fazer a primeira linha de seu verso rimar com a ltima linha da improvisao do seu parceiro; essa prtica chamada de pegar na deixa[...].18 (TRAVASSOS, 2000, p. 80, grifos do autor, traduo nossa)

    Em resumo, o Repente contemporneo nos revela uma expresso artstica que comporta a competio cooperativa. Os jogadores esforam-se por manter o jogo justo, mantendo assim uma conduta tica entre os repentistas. Seguindo Huizinga (1971), poderamos tambm adicionar que esses jogos justos mantm o interesse dos competidores e da plateia.

    Quando um poeta demora demais para soltar seu verso, batendo nas cordas da viola para pensar no que vai dizer, ele quebra o andamento do dilogo potico e dispersa a ateno do pblico, o qual tende a entender que o cantador que tarda insistentemente esteja apanhando. Pecando pelo oposto, h poetas que, em disputas acirradas, usam iniciar seu canto logo que o colega encerra sua ltima slaba, quase emendando sua estrofe com a do outro, mas isso no bem visto, porque inibe ou encobre aclamaes eventuais da audincia (aplausos, gritos, elogios) estrofe do parceiro. (MIGUEL; SAUTCHUK, 2010, p. 179)

    Portanto, verificamos um forte consentimento com um conjunto de regras e valores que regem a competio entre os repentistas. A possibilidade de competio cooperativa que a) bloqueie a destruio mtua, b) mantenha a simetria (justia) na competio e c) fomente embates futuros possvel pelo desenvolvimento e consen-timento a esse ethos contemporneo do Repente.

    Rotinas e improvisao no Repente

    As regras de versificao so inspiradas em diversos gneros poticos, sendo a mais comum as sextilhas (versos de seis linhas de rima abcbdb) de sete slabas de comprimento. Os temas das disputas so escolhidos pela plateia que os comunicam gritando a distncia aos cantores, que os convertem em jogos intelectuais, atravs de argumentos trocados entre eles enquanto seguem estritamente as regras poti-cas e meldicas. (SALLES, 1985; MCGOWAN, PESSANHA, 1998) E o ltimo verso da sextilha deve permitir que o segundo cantador consiga continuar com seu argumento buscando rimar seu primeiro verso com o final do ltimo verso do cantador anterior, a chamada deixa. (CROOK, 2005)

    18 The principle norm in repentista practice is the condemnation of the excessive use of pre-viously prepared verses, the so-called decoro (memorized) or balaio. A balaio is a receptacle for transporting the harvest, but metaphorically, it means ready-made verses, ones that have been put away. To hinder the use of memorized verses and guarantee the authenticity of the improvisations, singers can be called upon to make the first line of their verse rhyme with the last line of their partners improvisation; this practice is called pegar na deixa [].

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    A msica dos repentistas baseada na improvisao, pois eles criam as suas falas no momento da execuo da msica, e criam um acompanhamento musical simples em sua viola, como que apenas para acrescentar um tom musical poesia. A melodia da msica repentista bem simples, sendo quase montona e recitada, pois segundo Crook (2005, p. 97, traduo nossa), a viola serve apenas para apoiar e ajudar na interpretao da poesia, e no para ofusc-la.19 O repentista Ivanildo Vilanova, entrevistado pelo peridico Folha de So Paulo, afirma que quando vem um sujeito que s canta com a viola, que no tem voz privilegiada, pobre em melodia, estranham. No percebem que a fora do cantador a palavra. As pessoas preferem o barulho. Existe um preconceito em relao ao cantador. (ALMEIDA, 1982)

    O paralelo dos Jazz e do Repente com as organizaes

    Metforas tm sido abundantemente utilizadas nos Estudos Organizacionais. Oferecemos aos nossos alunos ilustraes vvidas de empresas-como-mquinas ou organizaes-como-selva. Entretanto, a utilizao das metforas limitadas s seme-lhanas e analogias ao mesmo tempo desperdia oportunidades de descobrimento de novas associaes conceituais, assim como obscurece o entrelaamento semntico dos conceitos, assumindo a transposio imediata dos significados de um contexto a outro. (TSOUKAS, 1991; PALMER, DUNFORD, 1996) Como ilustrao: assistimos ao filme Ensaio de Orquestra de Federico Fellini com o intuito de ilustrar conflitos den-tro de uma burocracia. E curiosamente, em um dos depoimentos dos msicos nesse pseudodocumentrio, a orquestra caracterizada como uma linha de produo. Se a metfora deveria ser um espelho fiel da realidade, Fellini inverte esse espelho e nos fora desancorar as metforas (nesse caso, as musicais): a organizao burocrtica serve como metfora aos msicos, que refletem at que ponto so capazes de criar e se expressar. E mesmo em contextos onde acreditaramos estar destitudos de au-tonomia (como em orquestras), h depoimentos de liberdade de criao.

    Cornelissen (2005) sugere que a utilizao de metforas deve ir alm do esforo de evidenciar a simples similaridade, em direo criao de novo conhecimento. Na medida em que os termos so correlacionados, os proponentes da utilizao da metfora devem evidenciar de que forma eles so reinterpretados, dado que se en-contram em domnios semnticos distintos. Nesse esforo, os proponentes devem tambm explicitar no apenas as semelhanas, mas tambm as tenses (diferenas) de utilizao do mesmo termo em contextos distintos. a partir da explicitao das diferenas que os termos ganham maior poder analtico.

    Alm disso, novo conhecimento pode ser gerado a partir da identificao de rela-es causais existentes em um contexto, mas que poderia ser investigados em outro. Por exemplo, no caso da metfora do Jazz, evidenciamos como as regras simples constituem parte do mecanismo que suporta a improvisao. tambm nesse sentido que a utilizao das metforas vai alm da analogia: os elementos observados podem ser gerados por causas distintas nos diversos contextos, evidenciando a equifinalidade tpica da anlise configuracional. A partir dos conceitos de rotina, sensemaking e im-provisao, partimos para a comparao do Jazz e do Repente, visando a construo de pontes para o estudo das organizaes.

    Relao entre as dimenses ostensiva e performativa das rotinas. No Jazz existe a possibilidade de migrao entre a melodia e harmonia, enquanto marco orientador (aspecto ostensivo das rotinas). Essa possibilidade torna as regras mais abstratas, aumentando o poder discricionrio na dimenso performativa e, portanto, d maior espao de criao e improvisao. J o Repente traz a dimenso ostensiva aparentemente mais rgida, ao estabelecer a mtrica e a versificao. No entanto, essa rigidez compatvel com a natureza conflitiva da interao dos msicos, como

    19 Viola serves only to support and help interpret the poetry, not to overshadow it.

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    iremos aprofundar a seguir. Em contrapartida, os msicos gozam de alta liberdade de improvisao temtica.

    Conflito. Enquanto no Jazz o conflito visto como algo secundrio, talvez inde-sejado, no Repente o papel do conflito central. A estrutura do jogo proposto aos seus participantes coloca os oponentes em conflito; sua improvisao fruto dessa competio, e ambas as partes aprendem um com o outro justamente por estarem em competio, em contraste com a caracterizao idlica do aprendizado em grupos harmnicos. (DEWEY, 2004) O conflito leva as partes a se engajarem no reconheci-mento mtuo e estreitamento da relao. (SIMMEL, 1955) Se as rotinas podem ser vistas como o resultado cristalizado das trguas entre partes conflitivas (ver seo 1 acima), ao promover o conflito, as organizaes tambm esto fomentando a reviso das rotinas em suas diversas acepes.

    Cooperao. Como exploramos acima, o Jazz bastante marcado pela coopera-o tipicamente encontrado em equipes. Ainda que exista o conflito e a competio, e esses desempenhem um papel importante para o desenvolvimento de novos estilos20, salientamos que a dimenso conflitiva no deliberada no Jazz, como no Repente. A existncia de frico interna s equipes nas organizaes refora ainda mais a ne-cessidade de releitura da metfora do jazz como um lcus onde h o conflito e com-petio, ainda que o objetivo coletivo seja o de realizao coletiva. (EINSENHARDT; KAHWAJY; BOURGEOIS, 1997; LANGFRED, 2004)

    interessante notar que embora o Repente traga a dimenso conflitiva de forma explcita, existe a expectativa normativa que o oponente salve a face do companheiro, assemelhando-se assim ao salvar a face encontrado no Jazz, quando h erros. Essa constatao importante, na medida em que o Repente nos ajuda a perceber como o conflito s pode ser produtivo quando existe um esforo de ambas as partes para que a relao perdure e que o conflito no seja disruptivo (ver tambm nos embates no rap, LEE, 2009). Em comparao com o Jazz (que se traduz melhor para situaes de equipe), sugerimos que o Repente se traduza melhor para situaes onde h pouca ou nenhuma coordenao via liderana, e ao mesmo tempo um alto grau de formalizao da interao. Eccles e White (1998) reportam como o conflito entre gestores de uni-dades de negcio autnomos em organizaes multidivisionais ajudava ao CEO obter uma quantidade mais elevada de conhecimento tcito. As interaes e a circulao de conhecimento se davam atravs de rounds de negociao em torno de oramentos anuais e estabelecimento de preos de transferncia. Nessa situao, o processo de formulao do oramento deliberadamente conflitivo, e os atores implicados devem levar em considerao os argumentos utilizados anteriormente por seus oponentes. dessa forma que esse processo se assemelha ao Repente: os diversos rounds se assemelham s estrofes intercaladas entre os msicos.

    Liderana. Como vimos acima, o papel da liderana no Jazz na sua verso mais frouxa desempenhado de forma benevolente (na medida em que associado princi-palmente mediao das interaes entre os msicos para que haja respeito mtuo); em sua forma mais coercitiva, o lder pode vir a impor fortes restries autonomia de seus msicos. No Repente, a figura do lder inexiste. Em compensao, torna-se ainda mais importante a adeso estrutura de versos para que as partes possam respeitar-se mutuamente. Ainda insistindo na analogia de formao de oramento em organizaes complexas, o CEO desempenha predominantemente o papel de plateia do que lder, uma vez que se v como provedor de capital, e no necessariamente o coordenador de atividades de seus executivos. (WILLIAMSON, 1973)

    Concluso

    O desafio desse artigo foi de explorar no Jazz e no Repente uma metfora que seja ao mesmo tempo capaz de mobilizar as dimenses cognitivas e emocionais do

    20 Com exeo dos cutting sessions, jam sessions onde havia um intuito de disputa pela maestria tcnica. (DEVEAUX, 1997)

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    gestor (HATCH, 2002) e conduzir a desenhos organizacionais que incluam a dimenso da improvisao. (CAVALCANTI, 2004) Em contraste com a metfora do Jazz, o re-pente oferece de forma mais explcita a possibilidade de localizar a improvisao em contextos onde o conflito organizacional deliberadamente promovido.

    Ao tomarmos a comparao entre o Jazz e o Repente, podemos vislumbrar configuraes distintas, onde os vrios aspectos (conflito, improvisao, cooperao, relao entre as dimenses ostensiva e performativa das rotinas) se combinam de formas distintas. Ou seja: enfatizamos como essas variveis se combinam de forma coerente, retirando a nfase da anlise isolada de cada dimenso. (RAGIN; BECKER, 1992).

    Nosso ponto de partida foi a relao entre as rotinas organizacionais e a improvi-sao. Atravs do Jazz percebemos formas como a improvisao pode ser desencadeada sem uma ruptura das rotinas. Ao contrrio: as rotinas podem levar improvisao, na medida em que suportam a flexibilidade nas prticas locais e concretas. Mostramos tambm como a improvisao, mesmo ocorrendo em situaes destitudas de um colapso do sensemaking, pode levar a uma mudana nas rotinas, na medida em que levam a modificaes nas meta-regras.

    Em contraste com uma viso unvoca entre harmonia e aprendizado, recupe-ramos tambm o papel do conflito na mudana das rotinas e no aprendizado. Embora o conflito exista no Jazz, no promovido de forma deliberada. Assim, tornou-se importante trazer tona os estudos de sociologia organizacional onde o conflito deliberado. nessa configurao (conflito deliberado, improvisao e demarcao de territrios atravs de rotinas) que se justificou a apropriao do Repente.

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