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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO
ULBRA
LEONEL FAGUNDES CARIVALI
A INSTRUMENTALIDADE DA LEI DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS E A
PROTEÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL À INTIMIDADE
CANOAS
2007
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LEONEL FAGUNDES CARIVALI
A INSTRUMENTALIDADE DA LEI DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS E A
PROTEÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL À INTIMIDADE
Dissertação apresentada ao Programa deMestrado em Direito da Universidade Luteranado Brasil como requisito para a obtenção dotítulo de Mestre em Direito.Área de concentração: Direitos Fundamentais.Orientador: Dr.Ângelo Roberto Ilha da Silva
CANOAS
2007
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LEONEL FAGUNDES CARIVALI
A INSTRUMENTALIDADE DA LEI DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS E A
PROTEÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL À INTIMIDADE
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Direito da Universidade
Luterana do Brasil como requisito para a
obtenção do título de Mestre em Direito.
Área de concentração: Direitos
Fundamentais.
Aprovada em: 09 / 11 / 2007.
Dr. Ângelo Roberto Ilha da Silva
(Ulbra, Presidente e Orientador)
Dr. Fabrício Dreyer de Ávila Pozzebon
(PUCRS, Membro Externo)
Dr. Gerson Luiz Carlos Branco
(Ulbra)
Dr. Jayme Weingartner Neto
(Ulbra)
Dr. Wilson Antônio Steinmetz
(Ulbra, Suplente)
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Dedicatória
Para Jacque, pois o amor é, antes detudo, incondicional parceria...
Para meus filhos Douglas e Manuela,por tornarem mais fácil e prazerosaesta missão, e todas as horas do meudia...
Para Carlos Augusto Cabral Vieira, inmemorian, que pereceu lutando, assimcomo viveu, valoroso amigo,insubstituível profissional...
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Agradecimentos
Agradeço profundamente aos meuspais, João Carlos e Vera Regina, porterem deixado as trilhas que percorroiluminadas de amor;
Ao Prof. Dr. Ângelo Roberto Ilha daSilva, orientador deste trabalho, pelotrato cordial e pela paciência com quedividiu seu conhecimento;
Minha gratidão especial ao Delegadode Polícia Ranolfo Vieira Júnior, pelacompreensão e apoio durante opercurso e aos colegas do DEIC,Delegados e Agentes, pela inspiração;
A Maria Teresa, por que ésimplesmente incansável no resguardodo meu lar;
Aos professores Antão Alberto Farias,Joelci Almeida e ao Diretor daAcadepol, Dr. Mário Wagner, pelaconfiança em mim depositada naatividade docente;
A professora e colega Ana LúciaJaques Ramos, pelo inestimávelauxílio na consolidação do texto;
Por derradeiro, aos professores Dr.Leonel Ohlweiler e Dr. JaymeWeingartner Neto, pelas respeitosasmas incisivas ponderações esugestões, que muito auxiliaram nacorreção de rumos desta dissertação,bem como ao Dr. André Luís Callegari,pelo traço inicial, na condição deprimeiro orientador.
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RESUMO
O texto parte de uma análise da postura do Estado e da sociedade diante daconcretização dos direitos fundamentais, em meio ao estabelecimento dapersecução penal. Inicialmente, são abordados aspectos conceituais que dão formaà discussão, em especial no que tange à esfera da intimidade do cidadão sob o viésda restrição de direitos fundamentais e das garantias constitucionais. A profusão dalegislação criminal e as características da criminalidade moderna também sãoobjetos de reflexão, bem como as modernas ferramentas de investigação postas àdisposição do Estado, dentro do contexto de um conflito de direitos que passa aapresentar-se. Em um segundo momento, discorre-se efetivamente sobre a lei querege a interceptação telefônica. O estudo de experiências estrangeiras, a baseconstitucional e o contexto histórico introduzem a análise do aspecto estrutural da leida interceptação das comunicações telefônicas bem como dos requisitos parapostulação e implementação da ferramenta. Ao final, a informação é avaliada comoproduto primordial de qualquer estrutura voltada à persecução penal, momento emque é abordada a tecnologia utilizada pelo Estado para interceptar comunicaçõestelefônicas, no sentido da sua adequação para os fins a que se destina. Nesseandar, vida privada e intimidade são trazidas como direitos em face dos quaisdeverá direcionar-se a atenção do Estado, na condição primeira de destinatário dosmandamentos constitucionais. Dessa forma, ao conceituá-los, o trabalho agregasugestão para a solução da colisão de direitos que se apresenta, sustentada noprincípio da proporcionalidade como guia e na ponderação como método que venhaa revestir de efetividade o veículo da interceptação, tornando-o eficaz com o mínimode ingerência possível, por parte do poder público, na seara da individualidade doinvestigado e também de terceiros.
PALAVRAS-CHAVE: Interceptação telefônica – Intimidade – Persecução Penal -Ponderação
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RESUMEN
El texto se ha ido delante de un análisis de la posición del estado y de la sociedaddel concretion de los derechos fundamentales, en manera al establecimiento de lapersecución criminal. Inicialmente, son los aspectos conceptuales subidos que danla forma a la pelea, en especial en a lo que se refiere a la esfera de la aislamientodel ciudadano bajo diagonal de la restricción de derechos fundamentales y de lasgarantías constitucionales. La profusión de la legislación criminal y lascaracterísticas del crimen moderno también son objetos de la reflexión, así como lasherramientas modernas de la investigación ece de pescados a la disposición delestado, dentro del contexto de un conflicto de las derechas que comience apresentarse. En como momento, se discurre con eficacia en la ley que conduce lainterceptación telefónica. El estudio de experiencias extranjeras, la baseconstitucional y el aspecto histórico introducen el análisis del aspecto estructural dela ley de la interceptación de las comunicaciones telefónicas así como de losrequisitos para la postulación y la puesta en práctica de la herramienta. Al extremo,se evalúa la información como el producto primordial de cualquier estructura dirigió ala persecución criminal, el momento donde la tecnología usada para el estado parainterceptar comunicaciones telefónicas se sube, en la dirección de su suficienciapara los extremos el que si destina. En este piso, la vida y la aislamiento privadas setraen como a la derecha en la cara de la cual tendrá que ser atención dirigida delestado, en la primera condición del destinatario de las órdenes constitucionales. Deesta forma, al valorarlos, el trabajo agrega la sugerencia para la solución de lacolisión de las derechas que si los presentes, apoyados en el principio de laproporcionalidad como guía y el equilibrio como método que viene cubrir con eficaciael vehículo de la interceptación, convirtiéndose en él eficiente con el mínimo demediación posible, de parte de la energía pública, en el seara de la individualidad deinvestigada y también de tercer.
PALAVRAS-CHAVE: Interceptación telefónica - Aislamiento - PersecuciónCriminal - Ponderación
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADEPOL ASSOCIAÇÃO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO BRASIL
ASDEP ASSOCIAÇÃO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO RS
ANATEL AGÊNCIA NACIONAL DAS TELECOMUNICAÇÕES
CBT CÓDIGO BRASILEIRO DAS TELECOMUNICAÇÕES
CF CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988
CP CÓDIGO PENAL BRASILEIRO
CPI COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO
CPP CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO
CTB CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
DEIC DEPARTAMENTO ESTADUAL DE INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS
ERB ESTAÇÃO RÁDIO-BASE
LCH LEI DOS CRIMES HEDIONDOS
MP MINISTÉRIO PÚBLICO
ONU ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
PC POLÍCIA CIVIL
PF POLÍCIA FEDERAL
PJ PODER JUDICIÁRIO
RESP RECURSO ESPECIAL
REXT RECURSO EXTRAORDINÁRIO
RHC RECURSO DE HABEAS CORPUS
RS RIO GRANDE DO SUL
RT REVISTA DOS TRIBUNAIS
STF SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
STJ SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
TJRS TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL
TRF TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 10
2 PERSECUÇÃO PENAL E LIMITES DO ESTADO 172.1 A recente profusão legislativa na seara criminal e acriminalidade contemporânea
17
2.2 As garantias constitucionais e a restrição de direitosfundamentais
22
2.3 A busca da efetividade persecutória e os novos instrumentos deinvestigação
27
2.4 O fenômeno da interceptação das comunicações telefônicas 33
3 A INSTRUMENTALIDADE DA LEI Nº. 9.296/96 393.1 Positivação da interceptação das comunicações: experiênciaestrangeira e amparo constitucional 393.2 A Lei n.º 9.296/96: objeto e condições de admissibilidade 433.3 A importância do instrumento e o compartilhamento legal deatribuições 533.4 A força probatória e a relevância formal da interceptação 59
4 A INTERCEPTAÇÃO E A INTIMIDADE 704.1 A captação da informação:conceituação e método de busca 704.2 Dados sigilosos: seleção, manipulação e controle 764.3 A vida privada e o direito fundamental à intimidade 834.4 Proporcionalidade e colisão de direitos 90
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 97
REFERÊNCIAS 103
ANEXO – PROPOSTA DE MODIFICAÇÃO DO TEXTO VIGENTE 108
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1 INTRODUÇÃO
Em tempos de macrocriminalidade1, entendemos necessária a reflexão
acerca das atividades de Estado que venham a restringir direitos fundamentais
consagrados pela Constituição Federal de 1988. Não raras vezes, por meio de
agentes públicos, o Estado, cujo papel de guardião dos direitos e prerrogativas
individuais emerge da própria Constituição, realiza intromissões na seara da
individualidade dos seus tutelados. A estrutura administrativa posta acaba sendo
utilizada como escudo protetor por parte daqueles que a gerenciam, na qualidade de
mandatários dos cidadãos.
Ao mesmo tempo, procuramos analisar a instrumentalidade da interceptação
das comunicações telefônicas, tida como uma das mais importantes ferramentas de
combate à criminalidade de todos os níveis. Prevista em lei, a interceptação está ao
alcance dos órgãos de Estado encarregados do estabelecimento da persecução
penal, em cuja missão constitucional insere-se a preservação de liberdades
públicas, do direito à vida e à segurança.
Na condição de tutelador dos direitos e garantias individuais, o poder público
constantemente é instado a agir, por meio da implementação de políticas públicas
que possibilitem aos seus tutelados - os cidadãos – o direito de viver em paz. A
sociedade moderna caracteriza-se pelo constante surgimento de novos desafios, e a
elaboração e implementação de tais políticas no âmbito da segurança é discussão
razoavelmente recente, embora recorrente na última década. Não raras vezes, as
estratégias de Estado no combate ao crime são pautadas pela improvisação e por
posturas meramente reativas. O desenvolvimento de algumas delas, inclusive, não
1 O conceito de macrocriminalidade é abrangente. Na acepção de Hassemer, identifica-se com “acriminalidade organizada internacional, mas é, em última análise, a corrupção da Legislatura, daMagistratura, do Ministério Público, da Polícia, ou seja, a paralisação estatal no combate àcriminalidade...é uma criminalidade difusa que se caracteriza pela ausência de vítimas individuais,pela pouca visibilidade dos danos causados, bem como por um novo modus operandi(profissionalismo, divisão de tarefas, participação de gente insuspeita, técnicas sofisticadas etc.).Ainda mais preocupante, para muitos, é fruto de uma escolha pessoal e integra certas culturas”.(HASSEMER, W. Limites del Estado de Derecho para el Combate contra la Criminalidad OrganizadaRevista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 23, p. 07, 1998).
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progride além de meras especulações teóricas, em que fatores práticos são
desconsiderados, permanecendo a ciência distanciada da realidade.
As sociedades democráticas são responsáveis pela articulação capaz de
buscar o estabelecimento de uma ordem social comprometida com a dignidade
humana e o respeito aos direitos fundamentais. Mais do que positivação e definição,
tal comprometimento diz com a sua necessária efetividade. Assim, na busca de
resultados satisfatórios, antes da disponibilização e uso dos parcos recursos
públicos em aventuras políticas e eleitoreiras na área da segurança, as condutas
adotadas pelo Estado pressupõem ações de inteligência. Tais ações deverão,
necessariamente, estabelecer competências e priorizar métodos que façam
convergir respeito às garantias individuais e resposta adequada aos reclames
sociais na área da segurança, mantendo-os em constante sintonia.
Inegavelmente, e este é o pressuposto do qual partimos na discussão que se
avizinha e nas diversas vertentes sobre as quais ela possa se dispersar, as
garantias individuais, tão importantes e de conquista tão difícil em nossa história, só
cedem quando o seu exercício importar a negação do próprio Estado Democrático
de Direito. Toda a atividade estatal de caráter restritivo está limitada à
proporcionalidade entre meios e fins, priorizando reduzir ao mínimo as garantias
constitucionais de toda ordem. Até aonde vão, portanto, os limites do Estado frente
a direitos fundamentais consagrados constitucionalmente? Em especial, no âmbito
das interceptações telefônicas, quais as exigências impostas ao Estado frente à
iminente restrição de um direito fundamental, o da não-violação da intimidade?
Acossado pela crescente criminalidade, que não raras vezes supera em
sofisticação o seu próprio aparato, fiscalizado pela lei e limitado por aspectos de
funcionalidade, o poder público se vê instado a responder à sociedade, a quem
tutela. Ao analisarmos as ferramentas postas à disposição do Estado, para fazer
frente à criminalidade, verificaremos se a ingerência na intimidade do suspeito da
prática de um crime, por meio do acompanhamento das conversas que estabelece
com terceiros utilizando-se de telefonia fixa ou móvel, é realmente um instrumento
adequado e eficaz. A interceptação merecerá reflexão inclusive na condição de uma
ferramenta que não está só a serviço da acusação, vez que poderá estampar a
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inocência do cidadão, na condição de objeto da investigação ou de réu, e os limites
da sua intervenção na empreitada delituosa, ao delinear, com clareza, o grau de
participação naquele crime que se está a perseguir.
A sociedade atual é complexa e o Estado, como gerenciador das relações
humanas, não pode ser estático, o que impõe acompanhamento – e adequação das
suas próprias estruturas - das novas práticas criminosas ou de velhas práticas
perpetradas com os novos meios tecnológicos postos à disposição de todos,
inclusive dos criminosos. A informação, na condição de absorção de conhecimento,
ocorre em tempo real e a ciência do direito, especialmente na seara penal, tem
demonstrado dificuldades em acompanhar adequadamente as mudanças
comportamentais no que tange a determinadas condutas típicas.
Dessa forma, em face da presença de um direito fundamental e em jogo a sua
iminente violação, impõe-se uma análise que também vá além dos limites do
processo e da sua instrumentalidade. Há que se apreciar a amplitude da informação
coletada por meio da interceptação telefônica e a sua manipulação, como ponto
nevrálgico da discussão. Entendemos, ainda, que breve reflexão acerca de alguns
outros veículos de coleta de dados no âmbito da persecução penal também será
importante, porquanto igualmente buscam captar informação, o que resultará em
conflitos de direitos de mesmo porte daquele que passamos a enfrentar.
A necessária consolidação do uso desta ferramenta, a interceptação das
comunicações, bem como a não menos necessária coibição do abuso na
manipulação dos dados captados, são dois vértices que merecem acurada análise.
Ao mesmo tempo em que se almeja a mínima intervenção possível do Estado na
esfera da individualidade, também se postula por maior eficiência e efetividade dos
mecanismos postos à disposição das instituições encarregadas da persecução
penal.
Na busca do equilíbrio necessário entre a preservação das garantias
individuais e a sustentação de um Estado capaz de garantir vida, liberdade,
patrimônio, além de outros direitos, inclusive os de ordem social, de maneira
homogênea e indistinta, é que se impõe discutirmos a elasticidade e a
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permeabilidade das garantias e dos direitos conferidos pela Constituição. Muito
embora a segurança pública não apareça elencada nos incisos do artigo 5º da
Constituição Federal, e o preâmbulo do artigo faça referência tão somente à
segurança, os direitos e garantias ali previstos, quando desrespeitados, acabam por
evidenciar a omissão de um dever de cuidado por parte do Estado que resguarda o
ataque a todos os demais direitos. Inconcebível, pois, no mundo atual, a plenitude
do exercício do direito à liberdade pelo cidadão sem que a segurança pública lhe
anteceda como garantia de que verdadeiramente poderá usufruir de tal direito.
Lembremos, ainda, que o Pacto de San Jose da Costa Rica, a Convenção
Americana dos Direitos Humanos de 1969, do qual o Brasil é signatário, e com isso
tendo status de norma constitucional, reconhece o direito à segurança pessoal como
um direito fundamental do cidadão2. É a partir do conflito que surge entre o direito à
segurança e outros direitos fundamentais que passamos a analisar os instrumentos
de produção de prova postos à disposição do Estado, em especial a interceptação
das comunicações telefônicas.
Diante de tal situação, a iminência de um conflito entre direitos fundamentais
de igual porte, como se verificará ao longo do texto e em especial no terceiro
capítulo, inicialmente buscar-se-á na Constituição Federal o elemento norteador
para a solução do conflito. Em um segundo momento, partir-se-á para a ponderação
dos direitos e bens constitucionalmente envolvidos, sempre no caso concreto, tendo
por objetivo restringir ao mínimo os direitos em colisão. Há que se ressaltar que a
relativização de outros direitos fundamentais em conflito com a segurança não deve
levar aqueles a um processo de erosão, em que as perspectivas totalitárias se
sobreponham à democracia.
Almejando contribuir para o debate da questão, dividimos a presente
dissertação em momentos diferentes que se dão a partir da análise da postura do
Estado e da sociedade diante da concretização dos direitos fundamentais. Quais os
papéis, quem são os atores e quais os reflexos das posturas atualmente adotadas
2O texto da Convenção Americana dos Direitos Humanos assim dispõe: “Artigo 7º - Direito à liberdadepessoal 1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais”. (Disponível em: < http:www.mj.gov.br.> Acesso em 28 ago. 2007).
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frente aos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal, e que tem na
dignidade humana, o princípio reitor do sistema, o limite dos limites3.
O primeiro capítulo, portanto, traz aspectos conceituais que dão forma à
discussão em tela, a intimidade do cidadão sob o viés da restrição de direitos
fundamentais, das garantias constitucionais e da persecução penal como método de
efetivação do jus puniendi. A profusão da legislação criminal e as características da
criminalidade moderna também dão contorno ao capítulo, além da abrangência da
norma constitucional como verdadeiro limite ao Estado legislador, não somente no
aspecto da produção legislativa, mas no estabelecimento de posturas que atendam
aos preceitos emanados do seu texto.
Nessa linha de raciocínio, direcionamos a abordagem aos limites do Estado,
discorrendo acerca da possibilidade de flexibilização de garantias constitucionais
fundamentais, visto que em nenhum momento se revelassem absolutas frente a
interesses preponderantes que também encerram garantias constitucionais de igual
porte, entre elas o direito à vida, e mais do que tudo, vida livre e segura. Ao final,
encerramos o capítulo com uma análise acerca das modernas ferramentas de
investigação postas à disposição do Estado, desde a estrutura legal que as sustenta
até as perspectivas de (in) efetividade que envolve método, praticidade e
instrumentalidade.
Dessa forma, apresentamos a interceptação das conversações telefônicas
como um veículo que - e isso será demonstrado ao longo do texto - foi muito além
das perspectivas dos doutrinadores quanto ao seu potencial e sua abrangência.
Momento oportuno, ainda, para analisarmos o aparato tecnológico à luz de
premissas éticas e jurídicas quanto ao seu potencial e a maneira como é utilizado.
No segundo capítulo, passamos a dissertar sobre a lei que rege a
interceptação telefônica. O estudo de experiências estrangeiras, a base
constitucional e o aspecto histórico abrem o segundo capítulo. Seguimos analisando
a estruturação da lei da interceptação das comunicações telefônicas, os requisitos
3 FREITAS, Luis Fernando Calil de. Direitos fundamentais: limites e restrições. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2007, p. 220.
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para postulação e implementação e os tipos penais aplicáveis. Oportuna também a
análise acerca de propostas de alteração do texto vigente, que tem por escopo
inserir sensíveis modificações na lei, dentro de uma linha de consolidação de
garantias que se confronta com ponderações acerca de um possível engessamento
do instrumento.
No derradeiro capítulo, buscamos analisar a informação como produto
primordial de qualquer estrutura voltada à persecução penal e que está disponível
em todo e qualquer ambiente. No entanto, sua coleta exige, muitas vezes, tecnologia
adequada para que se tenha acessibilidade àquela informação que realmente
importa ao contexto criminal. O procedimento de operacionalização e monitoramento
e a efetividade e utilização da informação captada são, pois, instâncias de discussão
e reflexão que nos pareceram oportunas, vez que, para minimização do dano à
intimidade, há que se estabelecer um método coerente de manipulação dos dados
captados.
Nesse andar, vida privada e intimidade são direitos em face dos quais deve
residir a preocupação do Estado como destinatário dos mandamentos
constitucionais que é, ante iminentes e inevitáveis lesões na esfera de
individualidade dos cidadãos. Dessa forma, ao conceituá-los, agregamos também
sugestão para a solução do conflito de direitos que se apresenta, sustentada na
proporcionalidade como guia e na ponderação como método.
Ao final, esperamos que a discussão posta nos conduza ao equilíbrio no trato
com interesses coletivos e prerrogativas individuais. Que se possa buscar, no
confronto do Estado com a criminalidade, a paridade de armas, sempre apontadas,
ao serem utilizadas, para o alvo certo. Minimizados os equívocos, reduziremos os
danos da violação de direitos fundamentais, em especial, neste enfrentamento, a
violação à intimidade, ao mesmo tempo em que se conferirá credibilidade e
segurança ao instrumento de coleta probatória, a serviço da verdade, que, como já
vimos, poderá estar em qualquer dos pólos processuais.
Para a formatação do texto, utilizamos constante revisão bibliográfica, com a
busca de ensinamentos doutrinários que dessem guarida aos posicionamentos aqui
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expostos. Entendemos necessária a apresentação da visão judicial (ou de parte
dela) com apreciação das interceptações telefônicas postuladas e integradas ao
conjunto probatório, além de breve ilustração de cunho político, já que trouxemos à
baila proposta de alteração dos termos legais apresentada pelo Ministério da
Justiça, buscando analisar todas as influências possíveis quando dos ajustes que se
fazem ou não necessários ao atual texto da lei das interceptações.
Não nos furtamos, porém, em nenhum momento, da apresentação de
posições pessoais, haja vista que a ciência não pode prescindir de convicções,
mesmo que para refutá-las, se inconsistentes forem. Assumimos o risco.
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2 PERSECUÇÃO PENAL E LIMITES DO ESTADO
2.1 A RECENTE PROFUSÃO LEGISLATIVA NA SEARA CRIMINAL E A
CRIMINALIDADE CONTEMPORÂNEA
As últimas duas décadas foram pródigas no nascimento de novas leis penais.
A partir da Lei nº. 8.072/90 – a Lei dos Crimes Hediondos-, que teve por missão
delimitar a repulsa, a repugnância de certas condutas criminosas, testemunhamos a
profusão de inúmeros textos legislativos na área criminal, em especial na esfera
penal. No que pertine à LCH, a titulo de exemplo, o legislador, não satisfeito com a
produção original, promoveu inserções no texto vigente4, tendo sempre como norte a
retorção imediata do Estado em face de condutas geradoras de grave instabilidade
social5.
O século XX findou com uma diversidade de novas leis penais, que deram
vida a novos tipos incriminadores, sanções mais gravosas e instrumentos de
persecução distintos. Incursões legislativas foram realizadas na esfera do combate
ao crime organizado, do trânsito de veículos automotores, do transplante de órgãos,
do meio ambiente, da lavagem de dinheiro, da ordem tributária, entre tantas outras
normatizações6, de maior ou menor importância. Posturas rotineiras que
evidenciaram o método de um Estado decidido (e convencido) a fazer da
formalização da conduta típica, instrumento de equilíbrio (e também de coação), em
face da franca desvantagem sofrida na seara da realidade socioeconômica vivida7.
4 Lei Federal nº. 8.072, de 25 de julho de 1990. A inclusão do crime de homicídio doloso no atualtexto da LCH foi determinada pela Lei nº. 8.930, de 06 de setembro de 1994. Posteriormente, a Leinº. 9.695, de 20 de agosto de 1998, acrescentou o inciso VII – B ao texto legal. (BRASIL. VadeMecum. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de ToledoPinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007).5São termos indeterminados como clamor público, ordem pública e grave instabilidade social,marcados pelo subjetivismo e, consequentemente, pela maior ou menor abrangência que se lhespossa dar o intérprete, merecedores de crítica, por serem sinônimos de insegurança jurídica quandoda sua apreciação.6O período ficou conhecido como marco do surgimento do “Direito Penal Fernandino”, emhomenagem aos patronos desse duvidosamente eficaz gênero de política criminal, os ex-presidentesFernando Collor e Fernando Henrique Cardoso.7 Emerge de tal postura Estatal a visualização do paradigma penal clássico, do final do século XIX. ODireito Penal, dentro desta equivocada concepção dos seus verdadeiros fins, resolverá todos osproblemas sociais por meio da prevenção geral - que a sanção em abstrato prevista na normaincriminadora estabelece – ou da prevenção específica – pela via do estabelecimento da pretensãoexecutória – caracterizada a partir da imposição da pena em concreto.
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No começo de um novo século velhas tradições foram mantidas, entre as
quais a de um método legislativo, em matéria penal, contumaz na utilização da lei
como apanágio de todos os males sociais, e reconhecidamente como instrumento
de manuseio político. Como exemplo, pela sua repercussão e significância na esfera
penal, podemos citar a antiga Lei de Tóxicos, Lei nº. 10.409/02, que logo a seguir –
menos de quatro anos após o início de sua vigência - foi ab-rogada pela Lei nº.
11.343/06, a atual Lei de Drogas.
Procurando, no entanto, nos mantermos afastados de análise crítica em
relação às posturas e estratégias políticas na área criminal adotadas pelo legislador
pátrio, porquanto distanciadas do foco deste estudo, impõe-se que adentremos, ao
longo de nossa abordagem, no conteúdo de alguns desses ordenamentos legais. E
o fazemos à luz da possibilidade de intervenção e dos limites do Estado que deles
emergem no âmbito das garantias individuais consagradas na Constituição Federal
de 1988.
Almejamos, ainda, analisar se da produção legislativa posta à disposição do
Estado nasceram ferramentas realmente eficazes no combate à criminalidade
contemporânea. Em especial, diante do desafio imposto pela proliferação de
organizações criminosas, fruto dos tempos modernos, nascidas em meio à evolução
tecnológica, à inversão de valores e à omissão do Estado no que se refere à
implementação de políticas públicas de qualidade.
Entendemos que, quer seja na forma de novos tipos penais, adequados aos
tempos em que vivemos, ou de novos veículos de coleta e formação de provas, há
que se ter na legislação vigente uma necessária credibilidade como mecanismo de
efetiva proteção da sociedade. Pela eficácia no combate à criminalidade
contemporânea ou pela condição de instrumento limitador das intervenções do
Estado na individualidade dos cidadãos, a norma penal jamais poderá afastar-se da
legitimação social, da adequação à realidade, e da aceitação pelo cidadão, na
condição de destinatário, como algo importante na sustentação de um Estado
Democrático de Direito.
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A criminalidade contemporânea8, não é novidade, tem sido marcada pelo
emergir de organizações criminosas dadas à prática dos mais diversos tipos de
crimes. Organizadas, no sentido literal do termo, tem se apresentado,
reconhecidamente, como atividades de natureza transnacional, porquanto não
respeitam as fronteiras de cada país. Merecedoras de toda a atenção e esforço por
parte do poder público na sua inibição, tem características assemelhadas em várias
nações e efeitos sociais observados em todo o globo.
A 1ª Convenção realizada pela Organização das Nações Unidas, a ONU,
sobre crime organizado, em Palermo, na Itália, no ano de 2000, aponta um
crescimento na proporção de 50% ao ano9. Entre os inúmeros tentáculos das
organizações criminosas, sobressaem-se o tráfico de drogas, de armas, de órgãos
humanos, a prostituição e a lavagem de dinheiro decorrente de ilícitos de natureza
fiscal10.
Na ausência de consenso doutrinário, são características do “Crime
Organizado Tradicional”, segundo Mingardi11 , que entende existir pelo menos duas
espécies distintas ou modelos de associações criminosas, a tradicional e a
empresarial:
[...] grupos de pessoas voltadas para atividades ilícitas e clandestinas,possuidoras uma hierarquia própria e capacidade de planejamentoempresarial, que compreende a divisão do trabalho e o planejamento delucros. Suas atividades baseiam-se no uso da violência e da intimidação,
8 A criminalidade contemporânea atrela-se à condição sócio-cultural e estética do capitalismocontemporâneo, também chamado de pós-industrial ou financeiro. É um termo que se tornou de usocorrente, embora haja controvérsias quanto ao seu significado e aplicação. Na esfera dacriminalidade, o período moderno é marcado pelo surgimento de novas condutas ofensivas de bensjurídicos tutelados pela norma penal, como os crimes informáticos e pela profusão do direito penaleconômico, vinculado, especialmente , aos crimes de “colarinho branco”.9Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Internacional, de 15/11/2000 (Convençãode Palermo), aprovada pelo Decreto Legislativo nº. 231, de 29/05/2003, e promulgada pelo Decretonº. 5.015, de 12/03/2004. A referida Convenção tem como “grupo criminoso organizado” aquele“grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamentecom o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente convenção,com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefíciomaterial” (artigo 2- Terminologia, “a”). (Disponível em: < http: www.mj.gov.br.> Acesso em: 15 ago.2007).10ABREU, Sérgio Paulo Rios. Da prisão em flagrante delito no crime organizado, à luz da Lei Federaln. 9034/95. Revista ADPESP, São Paulo, p. 63, 2003.11MINGARDI, Guaracy. O Estado e o crime organizado. Boletim do IBCCrim, São Paulo, n. 05, p. 81,1998.
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tendo como fonte de lucros a venda de mercadorias ou serviços ilícitos, noque é protegido por setores do Estado.
O Estado, que insistiu, ao longo dos últimos vinte anos, em estratégias de
segurança pública arcaicas, além da volumosa produção de leis penais especiais,
nesse ponto acabou por pecar pela insipiência. A legislação pátria é carente do
conceito legal de organizações criminosas, e os estudiosos tentam alinhar as suas
principais características, como já visto. A conceituação, porém, permanece
polêmica. Surge, ainda, ombreando-se com a necessária atualização do texto legal
em termos de conceituação, a exigência ao poder público para que confira
efetividade à nova legislação. A operacionalização também passa a ser ônus
Estatal, no sentido de desenvolver estratégias e disponibilizar recursos para que os
instrumentos previstos em lei sejam adequadamente utilizados.
Na trilha da evolução geral, podemos citar alguns exemplos que deram
certo. O Poder Judiciário houve por bem especializar varas federais em crimes
contra a ordem econômica e, posteriormente, em lavagem de dinheiro. Um dos
primeiros passos foi dado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, com
base na sua autonomia administrativa especializou uma vara em cada capital do sul
do país. O sucesso fez com que a iniciativa fosse objeto da Resolução nº. 314/03, do
Conselho da Justiça Federal, autorizando os Tribunais Regionais Federais a
proceder tal tipo de especialização (posteriormente alterada pela Resolução nº.
517/06). A partir de então, pouco a pouco, os citados tribunais especializaram
inúmeras varas, inclusive em grandes centros econômicos do país, como São Paulo
e Rio de Janeiro. Além desta Resolução, outra, de nº. 51.706, permitiu a
especialização em crimes de lavagem de dinheiro12.
No entanto, o estabelecimento da persecução penal no Brasil enfrenta seus
maiores problemas no nascedouro. Inegavelmente, um dos grandes entraves do
estabelecimento de uma persecução penal eficaz a ser enfrentado pelo Estado é o
12BRASIL. A Resolução n. 51.706. CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Disponível em: <http://www.justiçafederal.gov.br/portal > Acesso em: 17 Jul. 2007.
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do engessamento da investigação criminal, como coloca Sangali13. Em crítica ao
constituinte de 1988, o autor sustenta que, temeroso com a proximidade de um
período revolucionário de poucas liberdades e muitos abusos, produziram-se
dispositivos tímidos, cuja leitura precisa ser atualizada, para que não se mantenham
impunes as ações de grupos organizados. Sangali aduz, finalmente, que a prática de
crimes cada vez mais sofisticados, pela implementação de novas tecnologias,
restariam abrigadas por normas editadas com a finalidade de preservar direitos e
garantias fundamentais e não para acobertar delitos.
A repressão ao crime organizado avança, pois, a nosso sentir, cada vez mais
em direção ao direito especial ou de exceção, postura essa que, segundo Beck14,
não importa em aceitar a renúncia às garantias do direito clássico, mas apenas
reconhecer a sua insuficiência, diante dessa nova realidade criminal. São posturas
de política criminal em conflito com noções liberais do direito penal e do direito
processual penal, garantidoras da esfera de liberdade do indivíduo frente ao Estado,
pelo que também merecem análise.
Nesse andar, a atividade do Estado, e os limites que lhe são impostos, no
âmbito da persecutio criminis estarão estreitamente vinculados aos direitos
fundamentais postos em cheque – e a sua possível restrição - quando do detonar da
pretensão punitiva. Desde o local do crime até o trânsito em julgado da sentença, as
condutas dos agentes públicos serão regularmente sopesadas quando da utilização
dos meios disponíveis, dos reflexos daquele tipo de instrumento utilizado e dos fins
almejados naquele procedimento, ou seja, no caso concreto.
Freitas15 sustenta que:O sistema constitucional dos direitos fundamentais, a par de os
estabelecer e viabilizar a respectiva limitação e restrição, como forma deautodefesa configura um complexo mecanismo de limitação e controle dosatos de aposição de limites e restrições de modo a que a ação limitadora ou
13SANGALI, Luiz Carlos. Interceptação telefônica e prova ilícita: limites da vedação constitucional einfraconstitucional. Porto Alegre: Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande doSul. Estudos MP, n. 11, p.17, 2001.14BECK, Francis Rafael. Perspectivas de controle ao crime organizado e crítica à flexibilização dasgarantias. São Paulo: IBCCRIM, edição especial, p. 67, 2004.15FREITAS, Luis Fernando Calil de. Direitos fundamentais: limites e restrições. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 200701, p.185.
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restritiva somente se dê na medida estritamente necessária e indispensávelà própria concretização e preservação de tais direitos e demais bensconstitucionalmente protegidos.
Assim, avançamos à analise das garantias constitucionais em conflito quando
de uma dada intervenção estatal pela via da persecução penal, o que nos leva,
igualmente, a transitar pela extensão da restrição dos direitos fundamentais
porventura afetados. E é dentro do contexto de proporcionalidade da restrição que o
princípio da dignidade da pessoa humana destaca-se, haja vista que o seu conteúdo
se insere no núcleo essencial de todos e de cada um dos direitos fundamentais
consagrados na Constituição16.
2.2 AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E A RESTRIÇÃO DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS
Os direitos à segurança e à justiça estão insculpidos na Constituição Federal
como direitos fundamentais do cidadão17. Lembra Sarlet que:
[...] No caso da ordem jurídica brasileira, a Constituição Federal de1988, após mencionar a segurança como valor fundamental no seuPreâmbulo, incluiu a segurança no seleto elenco dos direitos “invioláveis”arrolados no caput do artigo 5º, ao lado dos direitos à vida, liberdade,igualdade e propriedade [...]18.
Ao Estado, por sua vez, cumpre criar as condições necessárias para a
efetivação de tais garantias. O que está em jogo, não raras vezes, é a própria
viabilidade do Estado Democrático de Direito. Importa relembrar, neste contexto, e
na linha do sustentado por Sarlet, que a segurança e todas as suas facetas – em
especial a segurança jurídica, a social e a pessoal - integram, na condição de
16SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na ConstituiçãoFederal de 1988. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p.117.17O caput do art. 5º da Constituição Federal Brasileira de 1988 assevera serem todos os cidadãosiguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aosestrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, àsegurança e a propriedade. (BRASIL. Vade Mecum, op.cit., 2007).18SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica: dignidade dapessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no direito constitucionalbrasileiro. Disponível em: < http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em: 19 ago. 2007, p. 05.
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subprincípios, também os elementos nucleares da noção de Estado de Direito
plasmada na Constituição de 1988 desta sendo indissociável19.
Segundo Rocha20:
[...] todos os Estados Democráticos de Direito contemplam a viabilização dajustiça criminal como causa legítima para justificar a vulneração de direitosfundamentais. O que caracteriza o Estado de Direito é o submetimentodessa possibilidade a um critério de excepcionalidade extrema, bem assimde máximo controle quanto à sua execução.
Conforme afirma Vanise Monte21, “[...] a normatividade deve alcançar o seu
fim maior, que é a paz social”. Cuida-se de opção legislativa, em que se colocou na
linha de frente da política criminal, seguindo modelo mundial, a proteção dos direitos
da vítima, e a efetividade da persecução penal na prevenção e repressão dos delitos
penais.
Entenda-se política criminal como adequação da realidade social com o texto
legal a ser produzido, algo positivo, que constrói parâmetros de comportamento,
sem ser casuísta ou ideológico. Nessa linha, importante a reflexão trazida por Silva
Sanchez22 , para quem a política criminal proporciona a necessária referência a fins
e valores, cumprindo a missão política de orientar a evolução da legislação penal e a
sua própria aplicação ao presente.
Não podemos olvidar jamais, na linha do sustentado por Moraes, que as
garantias individuais não podem ser consideradas escudos protetivos da prática de
atividades ilícitas, tampouco como argumento para o afastamento ou diminuição da
responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena da total consagração
ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito23.
19 Idem.20ROCHA, Luiz Otávio de Oliveira. Agente Infiltrado: inovação da Lei 10.217/2001. Revista Ibero-americana de Ciências Criminais- CEIP, Porto Alegre, n. 5, ano 3, p.55, 2002 .21MONTE, Vanise Rohrig. A necessária interpretação do instituto da delação premiada, previsto naLei 9807/99, à luz dos princípios constitucionais. Revista da Ajuris, Porto Alegre, v. 82, p. 236, 2001.22SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. El derecho penal contemporâneo. Aproximación al Derecho PenalContemporâneo. Barcelona: J.M. Bosch Editor, 1992, p.43.23MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.27.
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Ao Estado incumbe criar, dessa forma, mecanismos de combate à
criminalidade, organizada ou não, reduzidos, obviamente, aos limites da
Constituição vigente. Tem, ainda, como norte, os direitos fundamentais do cidadão,
dentro de uma concepção de relatividade de tais garantias, diante do conflito entre
um ou mais bens jurídicos, como se percebe, na esteira de iterativas decisões do
Supremo Tribunal Federal-STF, conforme manifestações colacionadas:
[...] OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTERABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ougarantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões derelevante interesse público ou exigências derivadas do princípio deconvivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, aadoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas dasprerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termosestabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional dasliberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas- e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elasincidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger aintegridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistênciaharmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode serexercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos egarantias de terceiros. (MANDADO DE SEGURANÇA, Relator (a): Min.CELSO DE MELLO, Julgamento: 16/09/1999)24.
No mesmo sentido o Tribunal Regional Federal - TRF da 2ª Região:
[...] PROCESSUAL – HABEAS CORPUS – QUEBRA DE SIGILOSBANCÁRIO, FISCAL E DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS (ART. 5º, X EXII DA CF) – I. Os direitos e garantias fundamentais do indivíduo não sãoabsolutos, cedendo em face de determinadas circunstancias, como, naespécie, em que há fortes indícios de crime em tese, bem como de suaautoria. II. Existência de interesse público e de justa causa, a lhe darsuficiente sustentáculo. III. Observância do devido processo legal, havendoinquérito policial regularmente instaurado, intervenção do parquet federal eprévio controle judicial, através da apreciação e deferimento da medida".(TRF 2ª R – HC 95.02.22528-7 – RJ 3 ª T. – Rel. Dês. Fed. Valmir Peçanha– DJU 13.02.96)25
24BRASIL. Supremo Tribunal Federal. (1ª Turma). Mandado de Segurança n.82.223/RJ. Relator:Ministro Celso de Mello. In: Diário Oficial da União. 20 de outubro de 1999, p. 45.015.25BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região (3ª Turma). Habeas Corpus n. 95.02.22528-7 –RJ. Relator: Desembargador Federal. Valmir Peçanha. In: Diário da Justiça da União. 13 de fevereirode 1996, p. 40.110.
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25
Sem nos desviarmos da presente linha de sustentação, impõe-se a nunca
demasiada lembrança de que a dignidade da pessoa humana, como núcleo
intangível de cada um dos direitos fundamentais, jamais há de ser vulnerada quando
da sua possível restrição por instrumentos de Estado. Reitera-se, por oportuno, que
sob tal enfoque, a dignidade da pessoa humana há que ser realizada a partir do
respeito e da concretização dos direitos referidos como liberdades negativas
(defesa), muito embora não se descuide dos direitos de liberdade positiva (caráter
promocional/prestacional) que dela (dignidade) dependem ou decorrem
precipuamente26.
Na tentativa de situar e compreender o significado e posição da dignidade
como fundamento da ordem constitucional brasileira, Sarlet assinala que a dignidade
da pessoa humana expressa no título dos princípios fundamentais da Constituição
Federal de 1988, como um dos fundamentos do Estado Democrático (e social) de
Direito, define não somente o sentido e a finalidade, como também justifica o
exercício do poder e do próprio Estado27. O constituinte de 1988 reconheceu
categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o
contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da
atividade estatal.
A dignidade da pessoa humana não foi incluída no rol de direitos e garantias
fundamentais, sendo elevada à condição de princípio e valor fundamental (norteador
da ordem jurídica). Com efeito, muitos autores discutem se a dignidade da pessoa
poderia ser considerada um direito fundamental e, sem adentrarmos nesse debate,
preferimos observar a dignidade como condição basilar para a efetividade dos
direitos, portanto, como a priori e valor fundamental para a ordem jurídica (e
social)28.
Essa dignidade a qual nos reportamos é aquela que, segundo Rocha29:
26FREY, Flávia Colossi. Jurisdição Constitucional. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2005. Paper (Mestradoem Direito), Faculdade de Direito, Universidade de Santa Cruz do Sul, 2005, p. 03.27SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na ConstituiçãoFederal de 1988. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p.112.28FREY, Flávia Colossi. op. cit., 2005.29ROCHA, Fernando Luiz Ximenes. Mídia, processo penal e dignidade humana. Boletim do IBCCrim,Edição Especial, São Paulo, p. 2-3, outubro/2003.
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[...], torna-se algo inerente a todas as pessoas pela simples razãode pertencer ao gênero humano, sequer necessitando de preceito normativoalgum, por constituir valor supremo, que há de ser reconhecido comopressuposto lógico de qualquer sistema jurídico, devendo ser consideradana interpretação de toda norma de direito, pois é ela, afinal, que enfeixatodos os direitos fundamentais, entre os quais destacamos a honra, aintimidade, a vida privada e a imagem das pessoas, catalogadas no art. 5º,incisos V e X, da Lei Fundamental, com os meios necessários a sua defesa.
A dignidade da pessoa humana vem sendo, pois, na linha do sustentado por
Weingartner Neto, considerada fundamento de todo o sistema de direitos
fundamentais, sua fonte jurídico-positiva, dando-lhes unidade e coerência30. Torna-
se, assim, segundo o autor, ao mesmo tempo limite e tarefa dos poderes estatais,
impondo-se o seu núcleo inviolável como limitação à atividade dos poderes públicos.
Na seara das restrições impostas aos direitos fundamentais tão somente “[...]
o conteúdo em dignidade da pessoa em cada direito fundamental encontra-se imune
à restrições [...]”31 pelo que a violação deste núcleo essencial de cada um dos
direitos consagrados na Constituição será sempre e em qualquer caso
desproporcional.32
Freitas lembra ainda que:
[...] a dignidade humana pode atuar tanto na condição de limiteimanente, quando considerado qualquer direito fundamental como desdesempre limitado às hipóteses em que o respectivo exercício não ofenda àdignidade de outros nem do próprio titular , quanto como fator autorizativodo estabelecimento de restrições pelo legislador ordinário – hipótese que irádepender de ponderações a serem efetivadas pelo legislador33.
Assim, permeia a atividade estatal no âmbito da persecução penal por entre
garantias constitucionais, limitações de ingerência na esfera dos direitos
30WEINGARTNER NETO, Jayme. Honra, privacidade e liberdade de imprensa: uma pauta dejustificação penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 122.31SARLET, op.cit., 2004, p.118.32 Idem, p. 118.33FREITAS, Luis Fernando Calil de. Direitos fundamentais: limites e restrições. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2007, p.176.
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27
fundamentais e restrição destes mesmos direitos. Ao poder público caberá a tarefa
de, por ocasião da sua atuação, manter hígida a dignidade da pessoa humana como
núcleo imaculável de cada um dos direitos fundamentais porventura atingidos, ao
mesmo tempo em que transitará dentro dos parâmetros de flexibilização aceitáveis,
dentro do estrito caráter de proporcionalidade entre a restrição e o escopo a que se
destina.
Dessa forma, partimos para a necessária análise da estruturação posta a
disposição do poder público, por meio das ferramentas legais existentes, frente às
exigências da persecução penal e da criminalidade contemporânea. Tal discussão
precede a reflexão que se avinha sobre as dimensões diante das quais deve ser
inserido o princípio da proporcionalidade quando do conflito/colisão entre direitos
tutelados pela norma constitucional. De um lado, o direito/dever de estabelecimento
da pretensão punitiva pelo Estado, tendo como veículo a interceptação das
comunicações telefônicas. De outro lado, o direito do cidadão, de resguardo da
própria individualidade ante a iminente intromissão na sua vida íntima.
2.3 A BUSCA DA EFETIVIDADE PERSECUTÓRIA E OS NOVOS
INSTRUMENTOS DE PROVA.
Os limites de implementação dos novos instrumentos de persecução penal e
o seu maior ou menor êxito não dependem, como se vê, exclusivamente dos
aplicadores da lei, mas de uma administração capaz de estabelecer estruturas
sólidas e ágeis na execução da investigação e na produção de provas. Toda a ação
de Estado pressupõe respaldo operacional, por parte dos seus agentes, capacitados
e empenhados na busca dos objetivos traçados, bem como anuência e apoio da
sociedade para quem se direcionam as atividades do poder público.
Alguns avanços instrumentais acrescidos ao direito penal brasileiro por meio
da legislação vigente, embora criticáveis em certos aspectos, são inegáveis.
Determinadas leis trouxeram ganhos significativos, tanto ao direito material quanto
ao processo penal. Incontestável, ainda, a conclusão de que as intervenções de
política criminal – despida de conotações ideológicas - foram fundamentais para a
adequação temporal dos veículos de formação de prova à realidade social do país.
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28
Aperfeiçoamentos serão necessários, tanto de parte do legislador quanto dos
aplicadores da lei. Quer seja no que tange a incessante busca da efetividade das
novas ferramentas de coleta e formação de prova, apresentando resultados
mensuráveis e influenciando na consolidação de um direito penal moderno e
condizente aos anseios sociais, quer seja no que se refere ao controle de tais
instrumentos. Preservar direitos fundamentais, indevassáveis na sua essência de
garantia e defesa do cidadão em relação aos possíveis desmandos e arbitrariedades
do Estado que o tutela, será sempre um desafio para os operadores do direito.
A persecução penal, na sua fase pré-judicial, não traz receitas prontas de
como investigar com sucesso. No entanto, as linhas basilares serão norteadas, com
maior ou menor clareza, pelo grau de coerência e adequação da lei, pela
capacidade de interpretação e envolvimento do poder judiciário com as questões
sociais latentes e, finalmente, pelos limites da coragem e do desprendimento do
agente de Estado que está a por em prática, a materializar a atividade de
investigação e coleta de elementos probatórios.
Ao visualizarmos o sistema persecutório como um veículo em movimento, que
percorre um caminho iniciado no local de crime e concluído por ocasião do trânsito
em julgado da sentença penal, poderíamos dizer que costumeiramente é o agente
público quem o abastece, fazendo com que ele possa andar. A condução do veículo
e a velocidade adequada a ser impressa ao longo do percurso, em direção a uma
sentença justa, serão conferidas pelos operadores do direito, nas diversas fases da
persecução penal, desde a ocorrência do fato criminoso, em um caminho sinuoso e
cheio de curvas perigosas, em que a atenção, a responsabilidade e a paciência são
garantias de uma viagem segura.
Assim, a abordagem de algumas modernas ferramentas postas à disposição
do Estado, previamente à incursão nos meandros das interceptações telefônicas,
vem em complemento às argumentações já expostas. O que dispõe a lei e em quais
pontos há convergência (ou divergência) com as possibilidades práticas torna-se de
suma importância na medida em que abrimos caminho à análise da interceptação
das comunicações como o instrumento de maior utilização, de maior eficácia e,
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29
conseqüente, sobre os quais pendem as maiores discussões acerca da legitimidade
e de uma possível utilização inadequada, motivos pelos quais pontuaram o nosso
discorrer.
Iniciamos pela infiltração policial, normatizada por meio da Lei nº.10.217/0134.
Alguns outros dispositivos legais, como a atual Lei de Drogas, também trouxeram a
previsão da infiltração policial, convergindo sempre ao mesmo objetivo, qual seja,
colher informações em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos
especializados pertinentes.
Em relação a este instrumento de coleta de informação, não somente
questões jurídicas, mas também éticas e operacionais passam a ser merecedoras
de reflexão. A atuação de agentes ao lado de criminosos e com permissão para a
prática de determinadas condutas que incumbem ao Estado reprimir impõe que
analisemos se o poder público está preparado para a implementação de tal
ferramenta assim como ela se apresenta formalizada no texto legal.
Nos Estados Unidos da América, por exemplo, a exclusão de
responsabilidade do agente público infiltrado que comete crimes somente não se
aplica àqueles praticados contra a vida. Na França, por sua vez, incide a excludente
somente quanto aos crimes de menor significação. O Direito Espanhol fica na
dependência da situação concreta35. As oscilações do direito comparado e a
omissão da legislação pátria são motivos que trazem insegurança jurídica no trato
das condutas do agente infiltrado, sujeito que estará, exclusivamente, à apreciação
subjetiva do magistrado quando da prática, no exercício da infiltração, de alguma
atividade ilícita.
Dessa forma, fica claro que, sobrepondo-se à redação legal, é o aparato
administrativo destinado à utilização da infiltração que definirá ser esta viável ou não
34 A Lei nº 10.217/01 encarregou-se da inserção na Lei do Crime Organizado, a Lei nº 9.034/95, noinciso V do seu art. 2º, da “infiltração, por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas deinvestigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciadaautorização judicial”. (BRASIL. Vade Mecum, op.cit., 2007.).35 ROCHA, op. cit., 2002. p. 56.
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30
dentro da normatização vigente. Por ora, proliferam infiltrações “à brasileira”36,
muitas delas sem a necessidade de autorização ou acompanhamento judicial. Não
ultrapassam a forma de dissimulações rápidas para respaldo ao cumprimento de
diligências outras, como mandados de busca e apreensão ou execução de prisões,
sem infiltração de alto risco, sem estabelecimento de relações estreitas com as
organizações criminosas e ainda bastante distantes de atenderem ao espírito do
previsto na legislação que lhes dá guarida.
A “ação controlada” também ganhou a forma de veículo carreador de prova
na legislação pátria37. A observação e o acompanhamento policial de crimes que
estão ocorrendo, para que a medida legal a ser adotada futuramente se concretize
no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e informações
são, conforme observa Abreu38, fundamentais para a efetividade do instrumento
legal. O dispositivo mencionado foi omisso quanto à necessidade de autorização
judicial, o que não afasta a necessidade de se dar conhecimento ao poder judiciário
das diligências de porte que envolvam monitoramento, em face das questões
jurídicas que tangenciam a omissão intencional do Estado.
A obrigatoriedade da intervenção policial por parte da autoridade e seus
agentes, nas situações de flagrância, é substituída por critérios de oportunidade e
conveniência, em nome da busca de uma maior efetividade da investigação em
curso. É sabido que a prematura atuação policial poderá limitar a amplitude da prova
a ser colhida e a identificação dos envolvidos na empreitada criminosa. Sensível a
isso, o legislador inseriu o mecanismo da ação controlada, também conhecido como
flagrante prorrogado, resguardando e legitimando condutas policiais de natureza
omissiva que encontrariam adequação típica na forma do crime de prevaricação39.
36 Ações rápidas de dissimulação, sem a prévia postulação de autorização judicial, que não chegam afazer com que o agente ingresse efetivamente dentro de uma determinada organização criminosaque se está a investigar. Normalmente antecedem e preparam as grandes operações policiais decumprimento de ordens de busca e de prisão.37A discricionariedade da autoridade policial e de seus agentes no sentido de retardar a ação policial,mesmo diante da ocorrência de flagrante delito, nasceu com o art. 2º, II, da Lei nº. 9.034/95, a “Lei doCrime Organizado”. (BRASIL. Vade Mecum, op.cit., 2007.).38ABREU, Sérgio Paulo Rios. Da prisão em flagrante delito no crime organizado, à luz da Lei Federaln. 9034/95. Revista ADPESP, São Paulo, p. 68, 2003.39 O art. 319 do CP dispõe: “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-locontra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena – detenção,de (três) meses a 1 (um) ano, e multa.” (BRASIL. Vade Mecum, op.cit., 2007.).
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31
Por derradeiro, a delação premiada. Surge na Lei dos Crimes Hediondos, no
início da década passada40. É introduzida, em seguida, na Lei de Combate ao
Crime Organizado41. Aparece, ainda, na Lei de Combate à Lavagem de Dinheiro42 ,
na Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária e na Lei de Proteção à Vítima e ao Réu
Colaborador43, sendo reproduzida, também, na atual Lei de Drogas44.
A extensa abordagem da previsão legal do instrumento em questão, serve,
principalmente, para que se faça uma análise crítica das dificuldades de
padronização pelo legislador, de um mecanismo que tem demonstrado, apesar de
adolescente, ser de grande valia no combate à criminalidade organizada. Minorante,
excludente de punibilidade, causa de sobrestamento do processo ou de conversão
em pena mais branda, são várias as suas facetas.
40A Lei dos Crimes Hediondos condicionou o benefício da delação à informação que levasse aodesmantelamento da quadrilha ou bando. Introduziu, ainda, a delação nas extorsões medianteseqüestro, preceituadas pelo art. 159 do Código Penal, agregando-lhe o parágrafo 4º., na forma deminorante. Limitado que estava o benefício, inicialmente, ao seqüestro praticado por quadrilha aobando, alterou-se a redação do citado dispositivo por força da Lei 9.269/96, para abranger também osimples concurso de agentes, desde que a informação prestada facilite, de qualquer forma, alibertação do seqüestrado. (BRASIL. Vade Mecum, op.cit., 2007.).41A Lei nº. 9.034/95 trouxe a delação premiada, no seu art. 6º, a incidir sobre qualquer delito desdeque praticado em organização criminosa e levando as informações prestadas pelo intraneus aoesclarecimento das infrações penais e de sua autoria. Inspirou, ainda, a alteração da Lei dos Crimescontra a Ordem Tributária, de 1990, que nesse mesmo ano de 1995, introduziu o parágrafo único doart. 16, condicionando o benefício da diminuição da pena à revelação, pelo delator, por meio deconfissão espontânea, de toda trama delituosa. (BRASIL. Vade Mecum, op.cit., 2007.).42A Lei nº. 9.613/98, no seu art. 1º, § 5º, ampliou o benefício da delação, agregando à minorantetambém o regime mais favorável de cumprimento de privação de liberdade, o aberto. Foi mais longe acitada legislação, ao transformar a delação premiada também em causa extintiva da punibilidade,oportunizando ao Juiz deixar de aplicar a sanção penal ou a comutar a segregação de liberdade emrestrição de direitos. (BRASIL. Vade Mecum, op.cit., 2007.).43A Lei nº. 9.807/99 – foi mais específica quanto à aplicação da delação premiada, dentro da suacaracterística original como minorante e sua posterior ampliação para causa extintiva da punibilidade.O Juiz, de ofício ou mediante requerimento da acusação ou da defesa, poderá conceder o benefício.Especificou resultados a serem alcançados pela delação e condições com o fito de individualizar oalcance do perdão judicial, mantendo a possibilidade de ser aplicado diante da prática de qualquerdelito (de natureza dolosa), executado em comunhão simples de esforços. (BRASIL. Vade Mecum,op.cit., 2007.).44 A Lei 10.409/02, antiga Lei de Tóxicos, no seu artigo 33, pela primeira vez estabeleceu intervençãodo representante ministerial, viabilizando acordo entre o titular da ação penal pública e o indiciadoque poderá levar à redução da pena ou sobrestamento do processo em face da delação, vinculada,obviamente, às espécies penais específicas da lei em tela. O dispositivo legal citado não foireproduzido pela Lei 11.343/06, que no seu artigo 41 limita-se a estabelecer como causa dediminuição de pena a colaboração voluntária do indiciado ou acusado com a investigação policial e oprocesso criminal. (BRASIL. Vade Mecum, op.cit., 2007.).
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Quanto mais importante e eficaz seja a colaboração do agente, menor a
censurabilidade da sua conduta, fazendo jus aos benefícios da delação premiada,
pondera Vanise Monte45. As dúvidas permanecem, então, na natureza jurídica da
delação como direito subjetivo ou não do acusado. O benefício da diminuição de
pena pode acabar sendo concedido sem que a efetividade das informações
prestadas seja avaliada pela sua real importância no curso da persecutio criminis.
A delação premiada, mais do que mera reprodução de dados e provas já
devidamente trazidos ao processo, é necessariamente benefício legal que exige
contrapartida. No entanto, observa-se, em algumas decisões judiciais, uma
tendência de converter-se a agravante da confissão espontânea por parte do Réu
em causa especial de diminuição de pena, sob forma de delação premiada, o que
afastaria a ferramenta, a nosso sentir, dos seus verdadeiros fins:
[...] atenuante da confissão espontânea, por ser de extremo valor noprocesso criminal, já que se constitui em um fator de tranqüilidade e certezapara todos que atuam no processo e significa uma manifestação importanteno sentido da recuperação do agente e gratificação para a vitima, autoriza,em determinados casos, a redução da pena aquém do mínimo, nos limitesde 1/3 a 2/3, passando a atuar como uma causa especial de diminuição, porencontrar apoio no sistema penal com a chamada delação premiada46.
Dessa forma, foram trazidos a lume apenas alguns dos aspectos da delação,
que agora toma forma nos noticiários. Incorre-se, oportuno ressaltar, no contumaz
equívoco da divulgação demasiada e precoce de um mecanismo de formação de
prova. A ninguém mais interessa, a não ser àqueles que intervêm na ação penal, se
haverá ou não delação premiada e se o acusado quer ou não tal benefício, diante do
necessário sigilo das informações prestadas, no resguardo daquilo que se produz e
também daquele que colabora.
Em comum a todas estas ferramentas, a busca pela informação no âmbito da
persecução penal, desde os primeiros momentos em se estabelece. Também a
possível restrição de direitos fundamentais conflitantes, gerada por todas as
45MONTE, op.cit., 2001. p. 241.46 RIO GRANDE DO SUL, TARS, 4ª CC. Apelação Crime n. 296037815. Relator: Danúbio Edon Franco,Julgado em 04/12/1996. Publicado no DJ de 05/01/1997. Disponível em : < http//: www.tj.rs.gov.br/jurisprudencia> Acesso em: 12 jun. 2007.
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ferramentas elencadas, diante da flexibilização de determinadas garantias
individuais quando da sua utilização pelo Estado. Podemos trazer ainda, como
terceira característica convergente, uma certa dificuldade de consolidação no âmbito
operacional. Todas, ainda, passados já alguns anos da sua implementação legal,
não atenderam na plenitude aos fins para os quais foram criadas. A exceção de
uma, omitida intencionalmente até o momento.
2.4 O FENÔMENO DA INTERCEPTAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS.
No contexto das soluções legislativas antes verificadas, surge, como meio
amplamente utilizado nos dias atuais, a interceptações das comunicações
telefônicas. Guarda, na sua essência, a especial condição de veículo arregimentador
de informações na esfera criminal, para instruir investigação ou processo-crime. A
larga escala de utilização se dá por inúmeros fatores, sociais, jurídicos e
operacionais, que passam a ser analisados, pontualmente, no capítulo que segue.
Por ora, impende que avaliemos os aspectos conceituais do instrumento.
A interceptação é, segundo Moraes47:
[...] a captação e gravação de conversa telefônica, no mesmo momento emque ela se realiza, por terceira pessoa, sem o conhecimento de qualquerdos interlocutores. Difere-se da gravação clandestina, que é a captação egravação de conversa pessoal, ambiental ou telefônica feita por um dosinterlocutores, sem o conhecimento dos demais. A escuta, por sua vez, é ainterceptação da conversa telefônica por um terceiro, com o assentimentode um dos interlocutores.
No ano de 1996, por meio da Lei nº. 9.296, de 24 de julho, houve a devida
regulamentação do inciso XII do art. 5º da Constituição Federal48. Até então, a
possibilidade de interceptação, haja vista a carência de texto legal normatizador,
gerava polêmica no âmbito dos tribunais superiores. O Supremo Tribunal Federal
chegou a manifestar-se, à época, no sentido de que provas colhidas mediante
47 MORAES, op.cit., 2005, p.43.48O inciso XII do art. 5º da CF assim dispõe: “É inviolável o sigilo da correspondência e dascomunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso,porordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ouinstrução processual penal”. (BRASIL. Vade Mecum, op.cit., 2007.).
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interceptação telefônica, mesmo que autorizadas judicialmente, eram ilícitas,
porquanto desprovidas de base legal49, muito embora, na esfera desta mesma Corte
Constitucional, existissem decisões divergentes50.
Nasceu no texto constitucional, vale sempre a pena relembrar, a
interceptação, vinculada à denominada cláusula de reserva jurisdicional, afastando
de qualquer autoridade que não seja o magistrado, o poder de quebra da
inviolabilidade da vida privada. Tais poderes cautelares, cuja ausência de
competência jurisdicional, segundo Canotilho51, dado o caráter instrumental da
investigação posta, afasta igualmente o poder de julgamento, exigem a presença do
Estado-juiz na análise da sua imprescindibilidade, ou seja, da verificação da
necessidade da relativização de garantias no caso concreto.
Atualmente, a interceptação é um dos mecanismos mais importantes de
formação de prova no curso da persecução penal, no que tange a materialidade e
autoria de determinados delitos, conforme sustenta Siqueira Filho52. Embora a
operacionalidade do sistema mereça revisão e atualização constante, diante dos
mecanismos utilizados pelo crime organizado para bloquear ou dificultar a
intervenção do Estado, é a interceptação, entre os modernos instrumentos de
investigação, aquele que efetivamente se consolidou e apresentou resultados
importantes e rápidos, conforme se pode observar nas manifestações colacionadas
pelo TJRS:
[...] Não há, no que tange à instrução do feito, qualquer traço deconstrangimento ilegal, na medida em que o processo vem obedecendo aostrâmites normativos, observando-se regularidade em termos de prazos. Éde ser destacado que a apreensão foi desencadeada a partir deinvestigações prévias realizadas pela polícia, incluindo interceptaçãotelefônica com autorização judicial. E por fim, impende repetir queprimariedade, indicação de endereço, eventual alusão a trabalho, menção a
49 O Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida no HC nº. 73.351-4-SP, julgado em 09 de maiode 1996, concluiu não estar o art. 57 do Código Brasileiro de Telecomunicações - Lei 4117/62 –recepcionado, dependendo pois, o texto constitucional, de lei específica para tornar-se eficaz.50 GRECO FILHO, Vicente. Interceptação telefônica: considerações sobre a lei n. 9.296, de 24 dejulho de 1996. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 03.51CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República portuguesa anotada. 3. ed.Coimbra: Coimbra, 1993, p. 719.52 SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderlei. Aspectos relevantes da escuta telefônica. Revista do Centro deEstudos Judiciários – CEJ, Brasília, p. 02, 1998.
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laços familiares e/ou de manutenção, são todas elas circunstâncias que nãoconduzem, inexoravelmente, à revogação de custódia [...] 53 [grifo nosso].
Na mesma linha:
[...] tóxico. trafico de entorpecentes. escuta telefônica autorizadajudicialmente. prova técnica irretocável a apontar a responsabilidade dosacusados. Corrupção passiva qualificada, não reconhecida. voto vencido.decretação dos efeitos específicos da condenação. necessidade demotivação. art. 92 parágrafo único do código penal. a perda da funçãopública deve ser devidamente fundamentada pelo magistrado. deram parcialprovimento ao apelo da defesa e negaram provimento ao apelo doministério público. [...]54 [grifo nosso].
O STF, rotineiramente instado a manifestar-se acerca da interceptação das
comunicações, igualmente referenda a importância do instrumento, como se
observa:
[...] “OPERAÇÃO ANACONDA". inépcia da denúncia. alegações de nulidadequanto às provas obtidas por meio ilícito. interceptação telefônica.importante instrumento de investigação e apuração de ilícitos. art. 5ºda lei 9.296/1996: prazo de 15 dias prorrogável uma única vez por igualperíodo. subsistência dos pressupostos que conduziram à decretação dainterceptação telefônica. decisões fundamentadas e razoáveis. se tratar defatos distintos, como ocorre nos caso concreto [...]55 [grifo nosso].
No mesmo sentido:
[...] A interceptação telefônica foi decretada após longa e minuciosaapuração dos fatos por CPI estadual, na qual houve coleta de documentos,oitiva de testemunhas e audiências, além do procedimento investigatórionormal da polícia. Ademais, a interceptação telefônica é perfeitamenteviável sempre que somente por meio dela se puder investigar determinadosfatos ou circunstâncias que envolverem os denunciados.[...] Uma vezrealizada a interceptação telefônica de forma fundamentada, legal elegítima, as informações e provas coletas dessa diligência podem subsidiardenúncia com base em crimes puníveis com pena de detenção, desde queconexos aos primeiros tipos penais que justificaram a interceptação. Do
53RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça (2ª Câmara Cível). Habeas Corpus n. 70018381467,Relatora: Laís Rogéria Alves Barbosa, Julgado em: 08 mar. 2007. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br > Acesso em: 15 jun. 2007.54RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça (1ª Câmara Criminal). Apelação Crime n. 70013054960.Relator: Marcel Esquivel Hoppe, Julgado em 19/04/2006. Disponível em: < http://www.tj.rs.gov.br >Acesso em: 15 jun. 2007.55BRASIL. Supremo Tribunal Federal. (2ª Turma). Habeas Corpus n.84.301/SP. Relator: Ministro.Joaquim Barbosa. Julgado em: 09 nov. 2004. In: Diário Oficial da União. 24 março de 2006, p.54.
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contrário, a interpretação do art. 2º, III, da L. 9.296/96 levaria ao absurdo deconcluir pela impossibilidade de interceptação para investigar crimesapenados com reclusão quando forem estes conexos com crimes punidoscom detenção56.
Existem motivos de sobra para que a interceptação tenha despontado com
tanta naturalidade no rol das ferramentas mais utilizadas pelas autoridades policiais.
Segundo dados disponibilizados pela Agência Nacional das Telecomunicações -
ANATEL, no ano de 1994, existiam 755.224 estações móveis em operação no
Brasil, sendo que esse número, em 2002, saltou para 33.188.209, quase 4.000% de
aumento57. Em 2006, já existem 105 milhões de assinantes, segundo os últimos
dados da agência, que estima encerrar o ano de 2007 com mais de 111 milhões de
aparelhos de telefonia móvel em utilização no país.
A disseminação do número de terminais telefônicos, em especial os de
telefonia móvel, dá à informação velocidade e amplitude, conforto que está ao
alcance de todos e para todos os fins. Por tais motivos as comunicações telefônicas,
em especial a telefonia móvel, tem sido comumente utilizadas na elaboração,
gerenciamento e perpetração de empreitadas delituosas das mais diversas
espécies, não guardando proximidade com tipos penais específicos, mas com
estruturas criminosas minimamente organizadas.
Mais do que discorrer, nesse momento, acerca dos requisitos legais, impõe-
se que observemos alguns tópicos de execução da “escuta” ou “grampo”. Assim é
vulgarmente conhecida a interceptação telefônica, em referência a antigo e em
desuso método de captação de telefonia fixa, no qual a aparelhagem usada é
conectada nos terminais telefônicos, de onde fazem diretamente o desvio de áudio,
“grampeando a linha”, na linguagem popular.
Especialmente no Rio Grande do Sul, a interceptação está instrumentalizada
por meio do “Sistema Guardião”, sediado na Secretaria da Segurança Pública deste
56BRASIL. Supremo Tribunal Federal. (Tribunal Pleno). Habeas Corpus nº. 83.515/RS. Relator:Ministro. Nélson Jobim. Julgado em: 16 set. 2004. In: Diário Oficial da União. 04 de maio de 2005,p.11.57BRASIL. Anatel. Disponível em: < http: //www.anatel.gov.br/notícias > Acesso em: 03 jul. 2007.
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Estado. O “Guardião” nada mais é do que uma plataforma de interceptações de
comunicações telefônicas, na forma de um software que permite escutar,
redirecionar, gravar e armazenar conversações por meio de telefonia fixa ou móvel,
com simultaneidade, por meio de inúmeros canais disponíveis.
O sistema permite, ainda, entre outras possibilidades, identificar a antena
retransmissora do sinal telefônico, a Estação Rádio-Base – ERB, em que está
operando o número interceptado, autorizando uma análise geográfica da área de
atuação dos suspeitos e, se veloz a canalização da informação aos órgãos
operacionais, identificação e prisão de foragidos e autuações em flagrante delito. Há
que se ressaltar, ainda, não ser o “Guardião” nem o único, nem o mais moderno,
nem o mais barato software de interceptações existente e em uso no país.
A interceptação telefônica é um instrumento extremamente eficaz e
importante no combate à criminalidade contemporânea, organizada ou não.
Lamenta-se, entretanto, a ampla divulgação pela mídia de tal mecanismo, inclusive
com reprodução de conversações captadas pelas “escutas”, em meio a
investigações inacabadas ou processos em curso.
Tais condutas acabam por fomentar aquilo que o editorial da Revista do
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o IBCCrim, denominou de “[...] uma franca
banalização de práticas em desconformidade com a lei, que de tão recorrentes,
sequer vinham gerando reação significativa, até que por elas fossem afetadas
figuras públicas alvo de interceptações [...]”58. Acrescente-se, por oportuno, que
essas práticas não raras vezes são comuns por parte daqueles quem tem o dever
legal de guardar sigilo, o que requer constante fiscalização por parte do Estado59,
58 Interceptações Telefônicas: nova lei, velhos problemas. Editorial do Boletim do Instituto Brasileirode Ciências Criminais Ibccrim, n. 176, Julho/2007.59 A Chefia da Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul editou a Portaria nº. 147/06, publicada noDOE de 25 de Julho de 2006, estabelecendo regras acerca do trânsito de informações captadas pormeio de interceptação no âmbito do seu Gabinete de Inteligência, o GIE. Ainda no ano de 2006,novamente a Chefia de Polícia do Estado, por meio da Portaria nº. 200/06, publicada no DOE de 31de outubro, buscou regulamentar, interna corporis, o trânsito das informações captadas,especialmente quanto a sua indevida divulgação, editando normas de segurança “com relação aosconhecimentos obtidos por meio de interceptações telefônicas”. A Secretaria de Segurança Públicado Estado-SSP/RS, por sua vez, já havia estabelecido, em 30 de junho do ano de 2004, por meio daPortaria nº. 085/04, normatização referente à utilização da Plataforma de Comutação Digital DXS-20, o Sistema “Guardião”.
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como verificaremos, oportunamente, à luz do conflito que se estabelece com o
direito fundamental à preservação da intimidade.
Não se pode esquecer que ao resguardar-se o veículo utilizado na
investigação para se chegar até determinada prova, protege-se, sobremaneira, o
interesse público e não interesses escusos, como podem pensar alguns. São
condutas que buscam manter a efetividade do mecanismo e o máximo rendimento
da sua utilização. Lembremos que a ferramenta da interceptação telefônica está em
uso não somente em uma única investigação e diversos são os números