staline e a questao do mercado

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    Para a Histria do Socialismo

    Documentos

    www.hist-socialismo.net

    Traduo do ingls e edio por CN, 30.10.2012

    (original em:http://www.revolutionarydemocracy.org/)

    _____________________________

    Stline e a questo

    do socialismo de mercado na URSS

    aps a II Guerra Mundial

    Vijay Singh1

    Este seminrio Internacional, Stline Hoje, tem lugar em Moscovo no momentoem se assinala o 77. aniversrio da Revoluo de Outubro, depois da desintegraofinal da Unio Sovitica e quando a classe operria dos Estados que se surgiram sobreas suas runas est a dar os primeiros passos contra o renovado domnio do capital.Ter Stline qualquer coisa a dizer-nos a propsito destes acontecimentos? Nestetrabalho consideramos que a sua ltima obra maior, Problemas Econmicos doSocialismo na URSS, o ponto central de partida para examinar as reformas demercado que foram introduzidas depois de 1953 e para chegar a uma conclusoquanto ao seu carcter econmico e poltico.

    Qual era o contexto das discusses econmicas?O PCU(b) considerava que os alicerces da sociedade socialista tinham sido lanadas

    no essencial em 1935. O XVIII Congresso do partido considerou que a transio para asociedade comunista era a via para o desenvolvimento ulterior do pas. Foi constitudauma comisso para redigir o projecto do novo programa do partido e, em 1941, oComit Estatal de Planificao (Gosplan) foi chamado a elaborar um programa dedesenvolvimento econmico para 15 anos destinado a lanar as alicerces da sociedadecomunista. Esta projecto foi interrompido pela invaso nazi mas foi retomadoimediatamente no perodo ps-guerra.

    Em 1947, na Conferncia dos Nove Partidos do Bureau de Informao, Malenkov

    afirmou que o partido estava a preparar o novo programa do PCU(b). O actualprograma do PCU(b) est claramente ultrapassado e tem de ser substitudo por umnovo.2 A tarefa foi reiterada no XIX Congresso do partido em 1952.

    1 Vijay Singh um dos editores da revista terica e poltica marxista-leninistaRevolutionaryDemocracy, publicada na ndia desde 1995, com duas edies anuais, que esto disponveis noseu site. O presente artigo foi apresentado no Seminrio Internacional Stline Hoje,realizado na Universidade Estatal de Moscovo nos dias 5 e 6 de Novembro de 1994 e publicadoemRevolutionary Democracy Vol. I, No. 1, Abril de 1995. (N. Ed.).

    2 Malenkov, G.M. The Activities of the C.C. of the C.P.S.U. (B) inFor a Lasting Peace, Fora People's Democracy, Bombaim, 1948, p. 79.

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    Neste mesmo sentido, ao apresentar o Relatrio sobre o Quinto Plano Quinquenalao Soviete Supremo, em 1946, N.A. Voznessnski3 lembrou a tarefa que lhe foraconfiada em 1941. Segundo disse, o plano visa concluir a construo de umasociedade socialista sem classes e a transio gradual do socialismo para o

    comunismo. Visa a realizao da tarefa econmica bsica da URSS, nomeadamente

    alcanar e ultrapassar economicamente os principais pases capitalistas, no querespeita ao volume da produo industrial por habitante.4

    Stline concordava com esta viso programtica como patente na sua resposta auma pergunta do correspondente britnico sobre se considerava possvel construir ocomunismo num s pas. Stline respondeu que era perfeitamente possvel, emparticular num pas como a Unio Sovitica.5

    O combate aos desvios ideolgicos

    Nos Problemas Econmicos, a crtica de Stline ao economista do Gosplan, L.D.Iarochenko, mostra que no perodo ps-guerra persistiam resqucios considerveis dospontos de vista de Bogdnov. Iarochenko no representava um ponto de vista isolado.Idine6 considerou que havia uma verdadeira ameaa entre os quadros cientficos, umaIarochenkovisse, que se caracterizava por um retorno recidivo ao trotskismo-bukharinismo-bogdanovismo. Recorde-se que Bogdnov tinha sido um autor deinfluentes compndios de economia poltica pr-revolucionrios. Na filosofia adoptouos pontos de vista de Mach e de Avenarius, que motivaram a resposta de Lnine noMaterialismo e Empiriocriticismo. Em 1917 defendeu posies quase mencheviquesalegando que no existiam condies materiais na Rssia para a revoluo socialista.

    No campo da cultura pugnou por uma cultura proletria pura que negava a heranapr-revolucionria. No ltimo perodo da sua vida desenvolveu a cincia

    3Voznessnski, Nicolai Aleksievitch (1903-50), membro do partido desde 1919, do CC(1939-49), doPolitburo entre 1947-49 (candidato desde 1941). Presidente do Gosplan (1938-41e 1942-49), primeiro vice-presidente do Conselho de Comissrios do Povo da URSS (1941-46) evice-presidente do Conselho de Ministros (1946-49). Expulso do Partido e destitudo de todosos cargos em 1949, julgado no Processo de Leningrado e condenado a fuzilamento peloColgio Militar do Tribunal Supremo da URSS em Setembro de 1950.

    4 Voznesensky, N., Five-Year Plan for the Rehabilitation and Development of the National

    Economy of the U.S.S.R. 1946-1950,Soviet News, Londres, 1946, p.10.5 Stalin, J., On Post-War International Relations, Soviet News, London, 1947, p. 13[Respostas s perguntas do correspondente do Sunday Times em Moscovo, ao Sr. A. Werth,recebidas em 17 de Setembro de 1946, I.V. Stline, Obras (em russo) t. 16, p. 39. (O jornalistae escritor Alexander Werth (1901-1969) nasceu na Rssia e veio a naturalizar-se britnico,aps a sua famlia ter emigrado na sequncia da Revoluo de Outubro. Foi correspondente emMoscovo da BBC e do Sunday Times entre 1946 e 1949. O seu filho, Nicolas Werth, umconhecido historiador francs, especializado em histria da URSS.) (N. Ed.)]

    6Idine, Pvel Fidorovitch (1899-1968), membro do partido desde 1918, membro do CC(1952-1961), candidato do Presidium do CC (1952-53). Professor de Filosofia, trabalhou nodepartamento de imprensa do CC (1934-37) e como director da Unio das Editoras Livreiras e

    de Imprensa Estatais (1937-47). Foi em simultneo director do Instituto de Filosofia daAcademia das Cincias da URSS (1939-44). No ps-guerra foi adjunto do comissrio supremoda URSS na Alemanha e depois embaixador na China (1953-59). (N. Ed.)

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    organizacional a que chamou tectologia, pretendendo que as relaes estruturaispoderiam ser generalizadas como esquemas formais tal como acontece com as relaesde magnitude em matemtica.7 Tais pontos de vista distanciavam-se claramente daspreposies do materialismo dialctico, do materialismo histrico e da economiapoltica marxista. Bogdnov exerceu uma influncia extraordinria sobre os russos de

    esquerda, incluindo Lunatchrski, Bukhrine e Grki. Os seus pontos de vistareflectiram-se nos escritos de Bukhrine sobre questes de economia poltica,materialismo histrico e questes de cincia e tecnologia.

    Stline notou que Iarochenko subestimava a importncia das relaes de produo esobrestimava o papel das foras produtivas no desenvolvimento progressivo dasociedade e, desse modo, reduzia as relaes de produo a uma parte componente dasforas de produo. Iarochenko abolia virtualmente a economia poltica do socialismoao ignorar questes centrais como o facto de continuarem a existir vrias formas depropriedade, a circulao de bens e as categorias do valor em geral. A cincia daeconomia poltica era assim transformada numa organizao racional sem classes das

    foras produtivas, o que era uma reminiscncia de Bogdnov. Contrariando estemarcado economismo, Stline reiterou que na URSS persistiam contradies entre asrelaes de produo e as foras produtivas. Se as instncias dirigentes aplicassempolticas erradas, eclodiriam inevitavelmente conflitos e em tais condies as relaesde produo atrasariam o desenvolvimento das foras produtivas. Os pontos de vistade Iarochenko lembram as tentativas de Bukhrine de fechar os olhos erupo deconflitos de classe no campo e o seu desejo de congelar as relaes capitalistas entoexistentes na agricultura, desviando as atenes para a revoluo tcnica.Bukhrine declarou abertamente nos anos 30 que a revoluo do proletariado nonosso pas entra na sua nova fase: a fase da revoluo tcnica.8 Tais visestornaram-se prevalecentes nos ridos anos que se seguiram a 1953. O socialismo j nosignificava, como para Lnine e Stline, a abolio das classes e o avano para ocomunismo, mas a preservao dos kolkhozes como forma de propriedade, odesenvolvimento da ideologia do progresso tcnico-cientfico margem de umaperspectiva de classe e a introduo generalizada das relaes monetrio-mercantis. Ospontos de vista de Iarochenko eram inteiramente compatveis com o estabelecimentode relaes de mercado verificado aps 1953. A direco sovitica negligenciou aquesto da conteno ou extenso das relaes socialistas de produo e demonstrouser incapaz de manter os elevados nveis de desenvolvimento das foras produtivascaractersticos da poca de Stline. A experincia das polticas econmicas seguidasdepois de 1953 demonstra a justeza da concluso de que a aplicao de polticas

    incorrectas conduziria a uma situao em que as relaes de produo agiriam comotravo das foras produtivas. Iarochenko viria a confirmar que no ignorava asimplicaes dos seus pontos de vista. Escrevendo em 1992, no se interessou emlevantar as questes que a destruio da URSS tinha colocado economia polticamarxista. Continuou a afirmar o primado do conhecimento das leis dodesenvolvimento das foras produtivas sobre todas as questes sociais e reiterou a suaopinio de 1951 de que o objectivo central da discusso sobre o Manual de EconomiaPoltica, realizada nesse ano, deveria ter sido a questo do funcionamento racional e

    7Enciclopdia Filosfica (em russo), Volume I, Moscovo, 1960, p.177.8 Bukhrine, N.I.,A Metodologia e Planificao da Cincia e da Tcnica, Obras Escolhidas,

    (em russo), Moscovo, 1989, p. 135.

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    organizacional da economia socialista. A novidade foi que se referiu questo dasrelaes de produo sob o socialismo, alegando que a organizao cientfica daeconomia pressupunha a perfeio das relaes de produo socialistas, que designouem jargo moderno como relaes sociais-organizacionais e mecanismoeconmico.9 Com esta lgica, Iarochenko defendeu abertamente a economia poltica

    do perodo daperestroika.A questo da persistncia de contradies sociais entre as relaes de produo e as

    foras produtivas tinha ramificaes mais extensas. Na Ideologia Alem, Marxsustentou que a contradio entre as foras produtivas e as relaes de produo estavana raiz dos confrontos de classe. A crtica a Iarochenko confirma claramente que, nasua ltima contribuio terica, Stline continuava a reconhecer a existncia decontradies e da luta de classes na sociedade socialista. Como j vimos, a crtica aIarochenko afirmava claramente que se fossem aplicadas polticas erradas emergiriamconflitos que travariam as foras produtivas. Ao mesmo tempo, Stline consideravaque nas condies do socialismo esta questo no chegaria ao ponto de gerar o conflito

    j que, normalmente, seria possvel sociedade tomar as medidas a tempo de superaro atraso das relaes de produo e recoloc-las em conformidade com o carcter dasforas produtivas. Isto era possvel porque na sociedade socialista no havia classesobsoletas que pudessem organizar a resistncia. Havia no entanto foras retrgradas einertes que no compreendiam a necessidade de modificar as relaes de produo.Stline considerava que seria possvel superar tais posies sem se chegar ao conflito.Este entendimento correspondia ao de Lnine, segundo o qual as contradiespersistiriam sob o socialismo mas deixavam de ser antagnicas.

    A discusso sobre a persistncia de contradies sociais na sociedade sovitica tevenotrias implicaes na filosofia sovitica. Idine assinalou que muito filsofos,incluindo ele prprio, ao afirmarem que existia uma total correspondncia entre asrelaes de produo e as foras produtivas na Unio Sovitica, estavam a negar aexistncia de contradies entre ambas. Em 1951, o filsofo Glezerman, na suabrochura, A Correspondncia Total das Relaes de Produo com as ForasProdutivas na Sociedade Socialista, chegou com ligeireza a esta concluso sem sequerse dar ao trabalho de analisar as relaes econmicas, as foras produtivas ou asrelaes de produo na sociedade Sovitica. Idine concluiu que a negao daexistncia de quaisquer contradies tinha conduzido a filosofia sovitica construode esquemas metafsicos inertes.10

    Em Maio de 1921, Lnine tinha sublinhado que o produto das fbricas soviticas() no uma mercadoria no sentido poltico-econmico, () j no umamercadoria, deixa de ser uma mercadoria.11 No entanto, nosProblemas Econmicosvemos que o economista Ntkine exprime a opinio de que os instrumentos deproduo fabricados pelo sector socialista seriam na realidade mercadorias. Stlinerejeita esta interpretao declarando que os instrumentos de produo eram entregues

    9 Iarochenko, L.D., Testemunho do Tempo, in Igor Troianovskii (ed), I. Stline,Problemas Econmicos do Socialismo na URSS(em russo), Peredelkino, 1992, pp. 100-104.

    10 Idine, P.F.,A Obra de Stline Problemas Econmicos do Socialismo na URSS Base doDesenvolvimento Ulterior das Cincias Sociais, (em russo), Moscovo, 1953, pp. 23-24.

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    Instrues do Conselho do Trabalho e da Defesa s Organizaes Locais Soviticas(projecto), V.I. Lnine, Obras Completas (em russo), 5. edio, Moscovo, 1965, t. 43, p. 276.(N. Ed.)

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    s empresas, e no vendidos, que o Estado mantinha a propriedade dos instrumentosde produo e que estes eram utilizados pelas administraes das empresas enquantorepresentantes do Estado e em conformidade com os planos estatais. Em 1948, opresidente do Gosplan, N. A. Voznessnski, fez uma tentativa para acabar com osistema de subsdios do Estado indstria pesada e aos transportes, que se

    materializou na reforma dos preos grossistas de Janeiro de 1949. Voznessnskipretendia introduzir o princpio do lucro mnimo, cerca de trs a cinco por cento docusto de produo, nos ramos produtivos, incluindo a indstria pesada e os transportesferrovirios, e desse modo lanar as bases para a transformao dos meios de produoem mercadorias.12 Esta tentativa de colocar a lei do valor em aco nos meios deproduo de base foi rapidamente travada. Voznessnski foi afastado do cargo, em 5 deMaro de 1949, por iniciativa de Stline.

    Nos Problemas Econmicos, Stline afirma que a esfera da produo demercadorias estava limitada e restringida na Unio Sovitica: j no havia burguesia,mas apenas produtores socialistas associados no Estado, cooperativas e kolkhozes. A

    produo de mercadorias estava limitada aos bens de consumo pessoal. Por esta razo,Stline negava que a produo de mercadorias na Unio Sovitica pudesse levar aorestabelecimento de categorias da produo capitalista de mercadorias como a forade trabalho como mercadoria, a mais-valia, o capital, o lucro do capital, a taxa

    mdia de lucro.13 Estas concepes eram prevalecentes entre uma parte doseconomistas soviticos, como mostra evidncia a crtica de Idine aos errosantimarxistas nas cincias sociais. Merzenev e Mikolenko defendiam a opinio de que afora de trabalho na Unio Sovitica era uma mercadoria tal como na sociedadecapitalista. A. Ikovlev alegava que a categoria de capital se aplicava s condiessoviticas. O reputado economista Atlas manifestou a opinio de que a taxa mdia delucro existia na economia sovitica.14

    A viragem na poltica econmica aps a morte de Stline

    No perodo entre a morte de Stline e o XX Congresso do PCUS teve lugar umatransformao fundamental da poltica econmica. Os projectos de planos para lanaras fundaes da sociedade comunista foram abandonados e substitudos por umaprograma consumista de bem-estar. A proposta de Stline aprovada no XIX Congressodo PCUS de introduzir gradualmente a troca de produtos entre a cidade e o campo, emsubstituio da circulao de mercadorias, foi posta de lado logo em Maio de 1953 coma adopo de um programa de alargamento da circulao de mercadorias, sob o sloganda expanso do comrcio sovitico. A esfera do Gosplan na economia sovitica foiprogressivamente restringida com o aumento das competncias econmicas doConselho de Ministros da URSS, em Abril de 1953, e com o aumento dos poderes dosdirectores das empresas e dos ministrios das repblicas federadas em 1955. O sistemacentralizado de plano director, norma herdada do perodo de Stline, foi suprimido em

    12 Trifonov, D.K.,Histria da Economia Poltica do Socialismo, Ensaios, Leningrado, 1972,p. 201.

    13 I. V. Stline, Problemas Econmicos do Socialismo na URSS, www.his-socialismo.net,pg. 10. (N. Ed.)

    14 Idine, op. cit., p.23.

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    1955 e substitudo por um novo sistema de plano coordenado entre o Gosplan e osministrios do conjunto das repblicas soviticas.

    Nos dois anos que se seguiram ao XX Congresso do PCUS assistiu-se a outrasmudanas radicais na forma de dirigir a economia sovitica. A Resoluo n. 555 doConselho de Ministros de URSS, de 22 de Maio de 1957, ps fim ao sistema de alocao

    dos produtos do sector estatal e criou uma multiplicidade de organizaescentralizadas de vendas, sob a tutela do Gosplan, para escoar os produtos industriaismanufacturados da indstria sovitica. O afastamento de Mlotov, Kaganvitch eSabrov15 da direco do PCUS teve um impacto imediato na poltica econmica. Atransformao dos meios de produo em mercadorias foi oficializada pela Resoluon. 1150 do Conselho de Ministros da URSS, de 22 de Setembro de 1957, segundo aqual as empresas passariam a funcionar na base rentabilidade.

    A terceira edio do Manual de Economia Poltica, publicada em 1958, reflectiufielmente o novo sistema econmico, estipulando que os meios de produo circulavamno sector do Estado como mercadorias.16

    Na sua resposta s cartas de A.V. Sanina e V.G. Venjer, Stline ops-se opinio deque as Estaes de Mquinas e Tractores (MTS), que possuam os instrumentos deproduo de base da agricultura, deviam ser vendidas aos kolkhozes, o que, entreoutros, colocaria uma enorme quantidade de instrumentos de produo na rbita daproduo mercantil. Sanina e Venjer no eram economistas isolados, que apenasexpressavam a sua opinio. Um ano antes A. Pltsev, na sua brochura, Na Via daTransio do Socialismo,17 defendeu que, com o aumento das maquinaria agrcola dasMTSe a fuso dos pequenos kolkhozes, poderiam criar-se departamentos de MTSsoba tutela dos kolkhozes, estreitamente ligados ao trabalho de cada kolkhoz.18 Com estaproposta, Plstev sugeria na prtica que a propriedade de todo o povo, a propriedade

    estatal, deveria ser subordinada propriedade grupal dos kolkhozes. A condiopreliminar para dissolver asMTSera a supresso do sistema de alocao dos principaisinstrumentos de produo agricultura. Atravs da directiva n. 663, de Julho de 1957,o Gosplan acabou com o sistema de alocao de maquinaria agrcola, herdado da pocade Stline, e criou, sob a sua jurisdio, a organizao Glavavtotraktorsbita,19 quetinha como funo vender a maquinaria necessria ao sector agrcola. Em 1958,embora demarcando-se pessoalmente da proposta antes avanada por Venjer,Khruchov concretizou a poltica de dissoluo dasMTSe de venda dos instrumentos deproduo agrcola aos kolkhozes. Em resultado, os meios de produo na agriculturabem como na indstria passaram a circular como mercadorias. O publicista soviticoVinnichenko, que era prximo de Venjer e de Khruchov, difundiu a ideia de que a

    15 Sabrov, Maksme Zakhrovitch (1900-1977), membro do partido desde 1920, do CC(1952-1961), doPresidium (Politburo) (1952-57). Aps a Guerra Civil trabalhou nos sindicatose na juventude comunista e desempenhou funes no partido em Donbass (1926-28). A partirde 1933 exerce a profisso de engenheiro mecnico. Em 1938 entra para o Gosplan da URSS,do qual se torna presidente entre 1953 e 1955. Entre Maro e Junho de 1953 ministro daMetalomecnica, primeiro vice-presidente do Conselho de Ministros (1955-57), entre outroscargos. Em 1958 transferido para funes de administrao econmica at aposentao em1967. (N. Ed.)

    16 Ostrovitianov, K.V.,Manual de Economia Poltica, 3. edio, Moscovo, 1958, p. 505.17 Kiev, 1950.18 Idine, op. cit. pp. 31-32.19 Acrnimo russo de Direco Principal de Escoamento de Tractores. (N. Ed.)

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    desconfiana do campesinato tinha a sua raiz na oposio de Stline propriedadedos instrumentos de produo pelos kolkhozes. Tal no corresponde verdade. Stlinelimitou-se a defender a posio marxista de Engels que, numa carta a Bebel, emJaneiro de 1886, afirmou inequivocamente que os meios de produo na agriculturadeviam ser propriedade da sociedade no seu conjunto, de modo a que os interesses

    particulares dos camponeses das cooperativas no prevalecessem sobre o interessegeral da sociedade.20

    Alm disso, tanto Engels como Stline consideravam que os camponeses ricos nodeviam ser membros dos kolkhozes. compreensvel que nas democracias populares,onde os kulaques (e mesmo uma parte dos latifundirios) eram membros decooperativas de produo agrcola e onde os principais instrumentos de produoagrcolas eram propriedade dessas cooperativas, a critica de Stline a Sanina e Venjertenha sido recebida com frieza

    A lei do valor no socialismo e a marcha para o comunismo

    Somando-se aos escritos de Idine, Sslov21 publicou um artigo no jornal Izvstia,de 25 de Dezembro de 1952, em que analisa as implicaes dos pontos de vista de N.A.Voznessnski expressos na sua brochura, A Economia de Guerra da URSS Durante aGuerra Patritica, publicada em 1947. O principal argumento contra Voznessnski erao facto de ter transformado em fetiche a lei do valor, ao apresent-la como se regulassea distribuio do trabalho nos diferentes ramos da economia sovitica.

    E no h dvida de que o tinha feito uma vez que encontramos naquele trabalho aseguinte passagem: A lei do valor actua no apenas na distribuio dos produtos,

    mas tambm na distribuio do prprio trabalho entre os vrios ramos da economianacional da Unio Sovitica. Neste mbito, o plano estatal utiliza a lei do valor para

    assegurar uma repartio correcta do trabalho social entre os vrios ramos da

    economia no interesse do socialismo.22O que que estava em causa? A aplicao da lei do valor na sociedade sovitica

    tinha na verdade muitas implicaes na perspectiva da teoria econmica marxista.Marx e Engels consideravam que a lei do valor apenas actuava nas sociedades em que a

    20 Engels a A. Bebel em Berlim, 20-23 de Janeiro de 1889, in K. Marx e F. Engels, ObrasCompletas (em russo), 2. edio, t. 36, Moscovo, 1964, p. 361. (N. Ed.)

    21Sslov, Mikhail Andrievitch (1902-1982), membro do partido desde 1921, do CC desde1941, do Politburo/Presidium (1952-53 e a partir de 1955). Formado em economia (1928),torna-se professor da Universidade de Moscovo (1929) e trabalha no aparelho da InspecoOperria e Camponesa (1931-39) e na Comisso de Controlo Sovitico (1934-38). Em 1937exerce cargos de direco poltica no Comit Regional do Partido de Rostov. Entre 1939-44torna-se primeiro secretrio do Partido do Comit Distrital (Krai) de Ordjonijkdze (Stravopol), secretrio do Bureau do CC para a Repblica Socialista Sovitica da Litunia (1944-1946),trabalhando depois no aparelho do CC, de que se torna secretrio em 1947. Entre 1949 e 1951acumula as funes de chefe de redaco do Pravda. Influente sob a direco de Khruchov,torna-se responsvel da seco de Agitao e Propaganda do CC sob Brjnev, funes quemantm at quase ao fim da sua vida. Em 1969 ops-se ao projecto de reabilitao de I.V.Stline, que s se realiza parcialmente.

    22 N.A. Voznessnski, A Economia de Guerra da URSS Durante a Guerra Patritica,Moscovo, 1948, p 118.

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    produo mercantil estava presente. O valor econmico uma categoria prpria daproduo mercantil e desaparecer com ela, tal como no existia antes dela.23 A tesede que o valor regulava a alocao de trabalho na economia levava nica conclusolgica de que o sistema de produo de mercadorias generalizado, isto o capitalismo,prevalecia na Unio Sovitica. Voznessnski levantava assim questes fundamentais

    sobre a verdadeira natureza da sociedade socialista.Para Marx e Engels a lei do valor actua numa sociedade em que existe a produo

    mercantil: A ideia de valor a expresso mais geral e, por consequncia, maiscompreensiva das condies econmicas da produo mercantil.24 Uma sociedadede produo mercantil composta por produtores privados, onde as mercadoriasso produzidas por esses produtores privados, por conta prpria, e so trocadasumas pelas outras.25 Logicamente, numa sociedade em que a produo demercadorias cessa ao apoderar-se socialmente dos meios de produo, cessa aproduo de mercadorias e, com ela, o domnio do produto sobre o produtor. A

    anarquia no seio da produo social substituda por uma organizao consciente e

    sistemtica26

    a lei do valor torna-se ento redundante. Isto tambm o que decorredo argumento avanado por Marx na carta a Kugelmann, de Julho de 1868, ondeafirma:

    Esta necessidade de repartio do trabalho social em propores determinadasno pode de modo nenhum ser suprimida por uma forma determinada da produosocial mas apenas pode alterar o seu modo de aparecimento. Leis da natureza nopodem de modo nenhum ser suprimidas. Aquilo que em situaes historicamente

    diversas se pode alterar apenas a forma pela qual essas leis se impem. E a formapela qual essa repartio proporcional do trabalho se impe, numa situao social

    em que a conexo do trabalho social se faz valer como troca privada de produtos dotrabalho individual, precisamente o valor de troca desses produtos.27

    Numa sociedade em que a interconexo do trabalho social se efectua na ausncia dosistema de mercadorias, isto , sem produtores privados, a alocao do trabalho socialter lugar sem a interveno da lei do valor. Isto confirmado por Engels quandoargumenta que sob o socialismo:

    Sem dvida, a sociedade ter necessidade de saber quanto trabalho precisa paraproduzir qualquer objecto de uso, ter de organizar o plano da produo em funo

    dos instrumentos de produo, frente dos quais figura a fora de trabalho. Em

    ltima anlise sero os efeitos teis dos diversos objectos de uso comparados

    primeiro entre si e, depois, em relao quantidade de trabalho necessrio para

    fabric-los os que determinam o plano de produo. O assunto resolve-se

    simplesmente sem que, em nada, intervenha o famoso valor.28

    23 Engels a Kautski em Zurique, 20 de Setembro de 1884, K. Marx e F. Engels, ObrasCompletas (em russo), 2. edio, t. 36, Moscovo, 1964, p. 181. (N. Ed.)

    24 Friederich Engels, Anti-Dhring, Fernando Ribeiro de Mello/ Edies Afrodite, Lisboa,1974, 2. edio, p. 380. (N. Ed.)

    25 Idem, ibidem, p. 248. (N. Ed.)26 Idem, Ibidem, p. 347. (N. Ed.)27 Marx a Ludwig Kugelmann, em Hannover, Londres, 11 de Julho de 1868, K. Marx F.

    Engels, Obras Escolhidas em trs tomos, ed. Avante, Lisboa ed. Progresso, Moscovo, 1983, t.II, p. 455. (N. Ed.).

    28 Engels,Anti-Dhring, ed. cit., pp. 379-380. (N. Ed.)

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    Isto ainda corroborado por Marx no seu ltimo trabalho aprofundado sobreeconomia poltica, Observaes sobre o Livro de Adolph Wagner, Manual deEconomia Poltica, de 1879-80, onde rejeita a ideia, que Wagner lhe atribui, de que ovalor continuar a actuar na sociedade socialista. Marx refuta a afirmao de Wagnerde que at no estado social marxista a sua (de Marx) teoria do valor, que se refere s

    relaes burguesas, determinaria o valor.29Marx e Engels excluram claramente a aco da lei do valor na sociedade socialista.

    No entanto, admitiram que na sociedade socialista de transio, o valor seria mantidoenquanto o pequeno campesinato existisse como classe. Engels referiu-se a estascondies no seu artigo de 1884, A Questo Camponesa em Frana e na Alemanha:

    () Quando estivermos de posse do poder do Estado, no poderemos pensar emexpropriar pela fora os pequenos camponeses (tanto faz que com ou sem

    indemnizao), como seremos obrigados a fazer com os grandes possuidores

    fundirios. A nossa tarefa face ao pequeno campons consiste, antes de mais, em

    fazer transitar a sua explorao privada e a sua posse privada para uma [explorao

    e posse] cooperativas, no pela fora, mas atravs do exemplo e da oferta de ajudasocial para esse objectivo.30

    Na URSS, mesmo depois da colectivizao e do estabelecimento da propriedadegrupal, a produo privada continuava a existir numa forma restrita. O Gosplan pdesuprimir a aco da lei do valor na esfera da indstria do Estado, nos sovkhozes e nasMTS, regulando a distribuio do trabalho segundo um plano definido, mas isso noera possvel nos kolkhozes, onde apesar de estarem sob o controlo do plano director area de sementeira, a produo, a utilizao dos tractores, o nmero de cabeas degado pertencentes ao Estado, a produo bruta da agricultura e o volume depagamentos obrigatrios e de pagamentos em gneros s MTS, o Estado no podia

    planificar a utilizao dos excedentes de produo de mercadorias nem a utilizao dafora de trabalho por perodos determinados em determinadas tarefas.31Voznessnski no manteve as posies do marxismo ao defender que a lei do valor

    se aplicava na distribuio do trabalho entre os vrios ramos da economia sovitica,isto , tanto nos sectores industrial como agrcola. Ao propagandear esse ponto devista, Voznessnski colocou-se margem do consenso geral dos economistassoviticos. Num editorial de 1943, intitulado Algumas questes do ensino daEconomia Poltica, afirmava-se que a alocao de fundos e de fora de trabalho acada um dos ramos de produo efectua-se de forma planificada, em conformidade

    com as tarefas bsicas da construo do socialismo.32 No mesmo sentido, no anoseguinte, o decano da economia poltica sovitica, K.V. Ostrovitianov, salientou que naeconomia socialista a distribuio do trabalho e dos meios de produo entre osvrios ramos da economia nacional ocorre no na base de fortuitas oscilaes de

    preos e da busca de lucros, mas na base de uma direco planificada da utilizao

    29 K. Marx, Observaes sobre o Livro de Adolph Wagner,Manual de Economia Poltica,(2. edio) tomo I(1879) K. Marx e F. Engels, Obras Completas (em russo), 2. edio, t. 19,Moscovo, 1961, p. 375. (N. Ed.)

    30 F. Engels, A Questo Camponesa em Frana e na Alemanha (1884) K. Marx F. Engels,Obras Escolhidas em trs tomos, ed. Avante, Lisboa, ed. Progresso, Moscovo, 1985, t. III, pp.526-527. (N. Ed.)

    31 Smolin, N., Sobre os embries da troca de produtos (em russo), Voprosi Ekonomiki,N. 1, 1953, pp. 33-45.

    32Pod Znamenem Markzisma, n. 7-8, 1943.

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    da lei do valor.33 O valor no dirige a distribuio do trabalho social, masdesempenha um papel de instrumento auxiliar da planificao da distribuio dotrabalho e dos meios de produo entre os ramos da economia sovitica.

    O valor no comanda o desenvolvimento da produo de meios de produo, pelorazo de que, caso no fosse limitada a sua aco, no seria possvel alocar os fundos

    necessrios a este sector. Porm, na sua discusso sobre a determinao daspropores adequadas entre a produo de meios de produo e a produo de bens deconsumo com vista a uma reproduo numa escala alargada, Voznessnski exprime-sede tal forma que evita referir-se primazia da produo de meios de produo (SectorI) em relao produo de bens de consumo (Sector II), necessria para assegurar aexpanso contnua da economia nacional, remetendo o assunto para o captulo do seutrabalho dedicado economia do ps-guerra:

    Se dividirmos a produo socialista na URSS em Sector I, produo de meios deproduo, e Sector II, produo de bens de consumo, o valor dos meios de produo

    destinado pelo Estado sovitico ao Sector II deve, obviamente, na medida definida

    pelo plano, corresponder ao valor dos bens de consumo destinados s empresas doSector I. Com efeito, se as empresas do Sector I forem privadas de bens de consumo e

    as empresas do Sector II de meios de produo, a reproduo socialista numa escala

    alargada ser impossvel, na medida em que os trabalhadores das empresas que

    produzem meios de produo seriam privados de bens de consumo enquanto as

    empresas que produzem bens de consumo seriam privadas de meios de produo, isto

    , combustveis, matrias primas e equipamentos.34Em contrapartida, Ostrovitianov reconheceu que o valor funcionava apenas ao nvel

    auxiliar na planificao da distribuio de meios de produo.35 Mais categoricamente,o autor do editorial de 1943 afirmava, dando como exemplo a Fbrica Krov, em

    Makeievka, e os complexos de Magnitogorsk e de Kuznetsk, que o valor no regia odesenvolvimento da indstria metalrgica sovitica, a qual funcionava desde h muitosanos com base nos fundos do oramento do Estado, sem proporcionar qualquerlucro.36

    A crtica de Sslov ao pequeno livro de Vosnessnski acertara em cheio. MasVoznessnski no era um mero terico, uma vez que enquanto presidente do Gosplan,sob a dependncia do Conselho de Ministros da Unio Sovitica, estava num posioque lhe permitia aplicar a poltica de alargamento da esfera de aco das relaesmonetrio-mercantis na Unio Sovitica em 1948-49. O exame do Processo deLeningrado, realizado durante o perodo de Gorbatchov, revelou que M.T.Pomaznev,37 que era vice-presidente do Comit Estatal de Abastecimentos da URSS, se

    33 Ostrovitianov, K.V., Sobre os fundamentos do desenvolvimento regular da economiasocialista,Bolchevik, n. 23-24, 1944, pp. 50-59.

    34 Voznesensky, N., op. cit.35 Ostrovityanov, K.V., op. cit.36 Pod Znamenem Marksizma, op. cit.37 Pomaznev, Mikhail Trofmovitch (1911-1987), economista na rea da planificao

    industrial, membro do partido desde 1931, candidato do CC (1952-56), trabalhou no Gosplan(1934-35 e 1935-36), no conselho econmico adstrito ao Conselho de Ministros da URSS (1938-

    41), ocupando cargos de direco em vrios organismo responsveis pelo abastecimento,designadamente como primeiro presidente adjunto do Comit para o Abastecimento tcnico ematerial da URSS (Gossnab) (1948-49). Exerceu ainda funes no Conselho de Ministros da

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    havia queixado de o Gosplan, sob a direco de Voznessnski, ter reduzido o plano deproduo industrial nacional para o primeiro trimestre de 1949. Mais tarde,Chkiriatov,38 da Comisso de Controlo do Partido, reiterou a acusao e o Conselho deMinistros tomou nota de que Voznessnski tinha fracassado na aplicao das directivasdo plano aprovadas pelo governo.39 A acusao da reduo do plano de produo

    industrial inteiramente consistente com a subida dos preos de venda dos produtosda indstria pesada, em 1949, e a tentativa de introduzir a rentabilidade na produode meios de produo e coloc-los na esfera das relaes monetrio-mercantis. Oafastamento de Voznessnski do Gosplan, em 5 de Maro de 1949, marcou o incio darevogao das suas polticas econmicas em vrias etapas at que os preos de vendaacabaram por ser reduzidos em 30 por cento em relao ao nvel de 1949. Voznessnskitornou-se um heri para aqueles que desejavam alterar a economia sovitica na linhada economia de mercado. Pouco depois da morte de Stline, Voznessnski foireabilitado.

    O artigo de Sslov de 1952 levantou uma outra questo relacionada com o valor.

    Criticava a ideia desde h muito prevalecente entre os economistas soviticos de que,sob o socialismo, o valor tinha sido transformado ou modificado de modo aservir o socialismo. NosProblemas Econmicos, Stline rejeitou a opinio de que issopudesse ocorrer nas condies da economia socialista planificada, j que, se o valorpudesse ser transformado, ento as leis econmicas poderiam ser anuladas esubstitudas por outras leis. A esfera de aco de uma lei econmica podia serrestringida, mas no podia ser transformada ou eliminada.40 A noosubjectivista da transformao das categorias do valor sob o socialismo tinhaimpregnado a economia poltica sovitica. Voznessnski ilustrou esta tendncia aoafirmar:

    A mercadoria na sociedade socialista est livre do conflito entre o seu valor e oseu valor de uso, to caracterstico da mercadoria na sociedade capitalista.41 Seriapossvel que sob o socialismo a mercadoria se viesse a libertar do conflito entre o valorde uso e o valor de troca? Na URSS, o valor persistia devido existncia de dois tiposdiferentes de propriedade. Se a propriedade grupal, representada principalmente peloskolkhozes, fosse elevada a propriedade do Estado, ento a base para a aco do querestava do valor cessaria de existir. Mas a mercadoria em si que Marx consideravacomo a clula primordial ou o embrio do capitalismo. Ela no podia sermodificada ou transformada, apenas o seu mbito podia ser limitado erestringido.

    A interpretao que Stline fez desta questo correspondia posio marxista de

    Engels, que, em Setembro de 1884, quando Kautski preparava um artigo sobre as

    URSS (1949-53), sendo transferido para a regio de Riazan para presidir respectiva comissode planeamento (1953-65). (N. Ed.)

    38 Chkiriatov, Matvei Fidorovitch (1853-1954), membro do partido desde 1906, do CCdesde 1939, do presidium do CC (1952-1953). Membro da Comisso Central de Controlo doPCU(b) (1923-34), do rgo colegial do Comissariado da Inspeco Operria-Camponesa(1930-34) e vice-presidente (a partir de 1939) e presidente (a partir de 1952) da Comisso deControlo do Partido.

    39Izvstia Ts.K. KPSS, N. 2, 1989, p. 130.40 I. V. Stline, Problemas Econmicos do Socialismo na URSS, www.his-socialismo.net,

    pg. 5. (N. Ed.)41 N. Voznessnski, op. cit., p. 97.

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    teorias econmicas de Rodbertus, professor e economista socialista alemo, lheescreveu uma carta nos seguintes termos:

    Tu fazes algo parecido [com Rodbertus] com o valor. O valor actual o valor daproduo mercantil, mas com a supresso da produo mercantil modifica-se

    tambm o valor, ou seja, o valor em sipermanece, altera-se apenas a forma. De facto,

    o valor econmico uma categoria prpria da produo mercantil e desaparece comela, tal como no existia antes dela. A relao do trabalho com o produto no seexprime na forma devalor nemantes da produo mercantil nem depois dela.42

    Para Engels, o valor modificado representava a entrada em aco disfarada dalei do valor, o que era inadmissvel numa sociedade socialista. Nos escritos de Kautskital no passava de um passo em falso isolado, mas Stline estava confrontado com umasituao em que virtualmente a totalidade dos economistas na URSS endossavam esteerro.

    A noo de valor transformado parece ter surgido como uma expresso da duplanecessidade de criticar a ideia segundo a qual o valor podia ser arbitrariamente

    eliminado na Unio Sovitica, num momento em que a existncia dos kolkhozesimpunha a manuteno das relaes monetrio-mercantis, e de, concomitantemente,expor o facto de que, nas condies da economia socialista planificada, a aco do valortinha uma papel auxiliar e restringido. No obstante a concepo de valormodificado tinha no sentido marxista um claro contedo ideolgico, razo pela qualStline considerou que esta frmula, apesar de h muito ser corrente na UnioSovitica, deveria ser abandonada em nome do rigor. A noo de valortransformado criava um problema similar porque mantinha a ideia de que o valorpodia ser arbitrariamente criado ou abolido e porque podia tornar-se facilmente numaalavanca terica para justificar o alargamento, em vez da contraco, das relaes

    monetrio-mercantis, como visivelmente tinha acontecido com Voznessnski.Com a rpida expanso das relaes monetrio-mercantis na Unio Sovitica, aps1953, era talvez inevitvel que a mercadoria transformada regressasse. O Manualde Economia Poltica de 1954 afirmava que na economia socialista no haviacontradio entre trabalho privado e trabalho social.43 Um tal raciocnio colocavamuitos problemas. Sugeria que numa sociedade onde ainda necessrio utilizar aproduo mercantil de forma restrita, se podia afirmar que o trabalho social existia nasua forma plena, apesar do facto de a classe operria continuar a receber um salriocom o qual comprava bens de consumo. Alm disso, tendia a pressupor que acontradio entre trabalho concreto e trabalho abstracto, a qual segundo Marx spodia desaparecer na sociedade comunista, j tinha sido superada. Tambm dava aentender que o trabalho privado no precisava de ser suprimido, elevando a fora detrabalho do campesinato dos kolkhozes ao nvel do trabalho social da classe operria,que naquela fase histrica controlava a propriedade de todo o povo, apesar de ocampesinato dos kolkhozes no estar inteiramente na esfera da planificao socialista,durante perodos definidos e com tarefas definidas, e conservar as caractersticas dotrabalho privado, uma vez que aqui a relao entre o trabalho e o produto se exprimiainteiramente na forma de valor.

    A edio de 1954 do Manual de Economia Poltica fez recuar a economia polticasovitica para concepo de Voznessnski de mercadorias livres de qualquer

    42 Engels a Kautski, op. cit., ver nota 23. (N. Ed.)43 Ostrovitianov, K.V.,Manual de Economia Poltica, 1. edio, Moscovo, 1954, p.442.

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    contradio e rejeitou a posio de Stline nos Problemas Econmicos de que acontradio social entre as relaes de produo e as foras de produo continuava aexistir na Unio Sovitica.

    Nos anos posteriores a 1953, o PCUS deixou de se considerar como o partido devanguarda da classe operria, na tradio leninista, passando a partido de todo o povo.

    O Estado da ditadura do proletariado, que segundo Marx devia perdurar at aoestabelecimento do comunismo, foi substitudo pelo Estado de todo o povo. Antes dasreformas econmicas realizadas entre 1953 e 1958 era possvel afirmar que a produode mercadorias na Unio Sovitica era de um tipo especial:

    () uma produo mercantil sem capitalistas, composta no fundamental pormercadorias dos produtores socialistas associados (Estado, kolkhozes e outras

    organizaes cooperativas). A sua esfera de aco est limitada aos artigos de

    consumo pessoal, no podendo, evidentemente, de forma alguma transformar-se

    numa produo capitalista, estando pelo contrrio destinada a servir, com sua

    economia monetria, a causa do desenvolvimento e consolidao da produo

    socialista.44Mas aps as reformas de mercado realizadas entre 1953 e 1958, quando os meios de

    produo comearam a circular como mercadorias, a situao alterou-sequalitativamente. As formas de produo de mercadorias que existiam no socialismoeram de um tipo especial como Stline assinalou. Mas aps as reformas, as restriesimpostas produo de mercadorias foram levantadas e as formas de mercadoriascomearam a constituir formas de relaes econmicas de um outro tipo. Marx, n OCapital, concluiu que a mercadoria, clula base do capitalismo, continha nela prpria oembrio tanto do trabalho assalariado como do capital. A lgica da rpida expanso daproduo de mercadorias significava que categorias econmicas como fora de

    trabalho, mais-valia, lucro capitalista e taxa mdia de lucro voltariam a ressurgir. neste contexto deve ser avaliado o programa para alcanar a sociedade comunista,proposto por Khruchov em 1961. Em vez de, na marcha para o comunismo, restringir aesfera de aco da produo mercantil e a circulao de mercadorias, o PCUS decidiualarg-las. O programa abandonou o objectivo da abolio das classes no socialismo eabsteve-se de reestruturar as relaes de produo na sociedade sovitica. A orientaoproposta por Stline de elevar a propriedade grupal dos kolkhozes ao nvel dapropriedade de todo o povo foi abandonada. Em vez dela, sob Khruchov, foi adoptada anoo de uma fuso futura da propriedade kolkhoziana e da propriedade estatal.

    44 I. V. Stline,Problemas Econmicos do Socialismo na URSS, www.his-socialismo.net, p.10. (N. Ed.)