rev francesa jacques godechot

Upload: paula-joelsons

Post on 05-Oct-2015

47 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

rev francesa artigo

TRANSCRIPT

  • BIBLIOGRAFIA

    AS GRANDES CORRENTES DA HISTORIOGRA- FIA DA REVOLUO FRANCESA, DE 1789 AOS

    NOSSOS DIAS (*) .

    JACQUES GODECHOT Diretor da Faculdade de Letras e Cincias Humanas de

    Toulouse.

    INTRODUO .

    A histria da Revoluo francesa, como a prpria Revoluo, apaixonou multides . Por um sculo essas paixes tornaram difcil qualquer estudo objetivo, e ainda hoje tm influncia sbre a histo-riografia revolucionria . A histria da Revoluo foi por muito tem-po uma arma nas lutas polticas do sculo XIX em tais condies foram valorizados certos problemas e deixados de lado outros igual-mente importantes . A pesquisa no teve o carter cientfico que lhe prprio seno no fim do sculo XIX: o centenrio da Revoluo, em 1889 foi influenciado por consideraes totalmente estranhas cincia . Os progressos foram muito lentos .

    A polmica desenvolveu-se inicialmente na prpria poca re-volucionria, isto , entre 1789 e 1815, sbre as causas da Revolu-o: defensores e adversrios atiravam-se reciprocamente a respon-sabilidade dos acontecimentos que haviam acabado de viver, ou ten-tavam, em todo caso, dar-lhes uma explicao . De 1815 ao final do sculo XIX a Revoluo foi um arsenal do qual os partidos polticos tiravam os seus argumentos: os liberais, os republicanos e os radicais para justificarem sua poltica; os realistas, os conservadores e em certos momentos os bonapartistas, para condenarem a de seus ad-versrios . Assim, a histria poltica da Revoluo ficou sendo o ni-co objeto dos estudos . Mas os problemas religiosos que haviam divi-dido to profundamente a Frana na poca revolucionria foram igual-mente discutidos e a legislao religiosa da Revoluo, por volta de 1905, serviu de modlo ao cdigo religioso que a Frana adotou .

    (.). Publicado tambm na Revista Nuove Questioni di Storia Moderna, Milo. Traduo para o portugus de Raquel Glezer (Nota da Redao).

  • 424

    Foi o marxismo que introduziu um nvo ponto de vista na his-toriografia da Revoluo francesa, mostrando a influncia dos fen-menos econmicos e da estrutura social. Mas sses no foram obje-to de pesquisa seno por volta de 1900, com a publicao por Jean Jaurs de sua clebre Histria socialista da Revoluo.

    Com o alargamento do mundo, com a acelerao das comunica-es, a multiplicao dos contactos entre historiadores de vrios pa-ses, graas ao intercmbio universitrio e congressos internacionais, foi possvel histria comparada das naes desenvolver consider-veis progressos e perturbar as concepes tradicionais da Revoluo francesa . Ela aparece no como um fenmeno isolado, mas como o ponto culminante de um movimento geral abarcando todo Ocidente, isto , a maior parte da Europa e da Amrica, de 1770 at 1850, seu final. Examinaremos a evoluo da historiografia em relao aos grandes problemas da Revoluo.

    * *

    1. OS CONTEMPORNEOS DA REVOLUO E O ESTUDO DAS CAUSAS DO MOVIMENTO REVOLUCIONRIO.

    Desde o incio a Revoluo foi violentamente atacada por seus adversrios que, sem fazer a histria prpriamente dita, procuravam suas causas para encontrar os responsveis e pun-los, a fim de im-pedir o prolongamento ou a repetio do movimento revolucionrio na Frana e sua passagem aos outros pases.

    Em primeiro lugar entre os polemistas est o ingls Edmund Burke, que publicou as suas Reflexes sbre a Revoluo francesa em outubro de 1790. Burke, sustentava sobretudo que a Revoluo fra uma reviravolta total das instituies tradicionais da Frana e um esfro para dar sociedade francesa uma estrutura nova, construi-da em tabula rasa, segundo a doutrina dos "filsofos". Ora, Burke considerava isso uma utopia, uma quimera, e sustentava que institui-es baseadas em "abstraes" no poderiam durar. Para le o valor de uma instituio media-se pelo fato dela ter apio em fundamentos histricos, ignorava o que fsse "a liberdade", e no conhecia seno a liberdade do homem honesto, que declarava justificada, e a do la-dro fugido, que condenava . Sua interpretao da noo de "nature-za" era diametralmente oposta dos "filsofos", os quais acreditavam que uma sociedade baseada sbre as regras da razo fsse conforme a "natureza". Para Burke o "natural" herana do passado, portan-to, as instituies tradicionais so naturais, so vitais .

  • 425

    Burke condenava a Revoluo francesa e tda sua obra at 1790. Tratava-se de uma monstruosidade, que no poderia ser seno a vontade de Deus para punir os franceses por sua impiedade e por seus pecados cometidos durante o sculo XVIII. Essa ltima idia foi apenas esboada nas Reflexes, mas Burke retomou-a e ampliou-a at sua morte, ocorrida em 1797. Dsse modo a Revoluo francesa tivera uma causa "providencial", e portanto, a reforma moral e re-ligiosa dos franceses poderia evit-la . ste o fundamento da doutri-na teocrtica: Joseph de Maistre adotou-a, depois de haver lido Burke, em vrias obras e sobretudo nas Considrations sur la France, publi-cada em 1796; Louis de Bonald na Thorie du pouvoir politique et religieux dans la socit civile, aparecida no mesmo ano, e na Lgis-lation primitive, publicada em 1802. o mesmo pensamento do mstico Claude de Saint-Martin, o "filsofo desconhecido", nas Con-sidrations politiques, philosophiques et religieuses sur la Rvolution franaise, publicada tambm em 1796. Para sses polemistas a Re-voluo fra um fenmeno de ordem divina ou satnica, que uma profunda reforma do homem e da sociedade poderia deter, e sses argumentos foram retomados durante todo o sculo XIX pelos his-toriadores conservadores . Como a Revoluo fra vontade de Deus (ou do Diabo) foi dado o menor intersse possvel ao estudo de seu desenvolvimento: todos os seus aspectos eram igualmente conden-veis . O importante era impedir-lhe o retrno impondo ao homem um comportamento moral, e sobretudo religioso, conveniente . No podemos dizer que tais idias desapareceram em nossos dias, pois uma obra recentemente lanada prova o contrrio (1) . Mas so pontos de vistas de polemistas, no de historiadores .

    Um outro notrio contra-revolucionrio, o abade Barruel, ela-borou na poca da Revoluo uma teoria sbre suas causas que tam-bm teve larga divulgao . Em 1789 em uma obra entitulada La Patriote vridique, ou Discours sur les vraies causes de la Rvolution actuelle, le explicava que a Revoluo fra conseqncia de uma conspirao fomentada pelos "filsofos" e por seus discpulos . Na Histoire du clerg de France pendant la Rvolution franaise, publi-cada em Londres em 1792, o abade Barruel precisou suas idias: a nobreza e a burguesia tiveram sua parte de responsabilidade, parti-cipando da conspirao, aderindo Maonaria . Enfim, nas Mmoires pour servir l'histoire du jacobinisme, publicada em Hamburgo, em 5 volumes, em 1798, desenvolveu de forma ampla a tese de conspira-o: na origem de tudo v o dio de trs homens contra o Cristianis-mo Voltaire, d'Alembert e Frederico II, que difundiram os prin-

    (1) . J. P. Boyer, Les prcurseurs, Paris, 1963.

  • 426

    cpios da filosofia nas lojas manicas e elas prepararam cientifica-mente a Revoluo. '

    "Ns vimos escreveu Barruel os homens tornarem-se ce-gos sbre as grandes causas da Revoluo francesa, vimos os que procuravam persuadir-se que a idia da existncia de uma seita re-volucionria e conspiradora anterior Revoluo era totalmente quimrica; para aqules homens todo o mal da Frana, todo o terror da Europa se sucediam e se encadeavam pelo simples concurso de circunstncias imprevistas e impossveis de prever. Baseando-nos em fatos e munidos de provas, teremos uma linguagem diferente. Diremos que nessa Revoluo francesa tudo, at mesmo OS seus me-nores delitos, tudo foi previsto, meditado, combinado, resolvido. Tudo foi obra da mais profunda maldade".

    A obra do abade Baruel teve um sucesso considervel e suas idias foram freqentemente retomadas no sculo XIX e ainda no XX, especialmente por Augustin Cochin (2), Bernard Fay (3), e Pierre Gaxotte (4) .

    Diante dsses polemistas contra-revolucionrios, os primeiros his-toriadores da Revoluo esforaram-se por mostrar o desenvolvimen-to natural dos acontecimentos, descartando qualquer explicao pro-videncialista, qualquer idia de conspirao, limitando-se em geral a expor os fatos. E' o caso dos autres annimos e desconhecidos da Histoire de la Rvolution de 1789 et de l'tablissement d'une consti-tution en France, prcede de l'expos rapide des administrations successives qui ont determin cette rvolution mmorable (5).

    Se ignoramos a identidades dos autres dessa obra, quase certo que os primeiros 7 volumes, que narram a histria da Assemblia Constituinte, no so devidos mesma pena que os seguintes: os aut-res dos 7 volumes iniciais so, com efeito, bastante favorveis Re-voluo, enquanto seus sucessores lhe so violentamente hostiS. Foi sse livro provvelmente que lanou a lenda de um Robespierre "tmi-do", de voz spera e desagradvel, incapaz de falar da tribuna e que. descia dela quase sempre em meio de risos suscitados por "sua esp-cie de idiotismo".

    A Histoire dos "Dois Amigos" teve ainda outra influncia, por sua forma e estrutura, sbre os historiadores que escreveram aps: histria puramente poltica, considerou a Revoluo s na cidade de

    . Les socits de pense et Ia Rvolution en Bretagne, Paris, 1925.

    . La Franc-Maonnerie et la Rvolution intellectuelle au XVIIIe sicle, Paris, 1935; La Grande Rvolution, Paris, 1959.

    . La Rvolution franaise, Paris, nova edio, 1962. (5). De Dois Amigos da Liberdade, Paris, Clavelin, Bidault, 1790-1803, 2C, vol.,

    in 8.

  • 427

    Paris, enquanto os acontecimentos da provncia eram narrados ~en-te na medida em que exerceram influncia sbre a capital.

    Em 1792 o pastor Rabaut-Saint-Etienne publicou um breve re-sumo dos acontecimentos que haviam ocorrido na Frana em dois anos sob o ttulo Almanach historique de la Rvolution franaise pour l'anne 1792, que teve um enorme sucesso: foi re-impressa quase to-dos os anos e pelo menos quatro vzes depois de 1814.

    Trata-se de uma exposio simples e precisa, um pouco orat-ria, dos acontecimentos polticos da Revoluo francesa . O autor fz apologia da obra da Constituinte para responder s Reflexes sbre a Revoluo francesa de Burke, que a condenava .

    Quatro anos depois apareceu uma nova obra que procurava ex-plicar a Revoluo: Histoire philosophique de la Rvolution de Fran-ce depuis la convocation des notables par Louis XVI, jusqu' la spa-ration de la Convention, de Fantin-Dsodoard . Respondendo s ex-plicaoes dadas pelos polemistas contra-revolucionrios, o autor pro-curava justificar a poltica dos Girondinos, cujos sobreviventes esta-vam no poder quando o livro surgiu.

    Durante o imprio os dois principais historiadores da Revoluo foram Lacretelle e Toulongeon. O primeiro era muito conhecido por haver tomado posio favorvel aos "Clichyens", sob o Diretrio. Suas diatribes contra os jacobinos, contra Bonaparte e a poltica ita-liana do Diretrio, no jornal Les nouvelles politiques, levaram-no a julgamento e priso depois do golpe de estado de 18 Frutidor, tendo sido colocado em liberdade dois anos depois, quando Fouch, em agsto de 1799, precisou de sua pena para retomar a luta contra o jacobinismo renascente (6) .

    O Prcis de Lacretelle, que depois foi seguido de uma Histoire du Consulat et de l'Empire, obteve sucesso maior quando seu autor tornou-se personagem oficial, censor imperial, depois real, e membro da Academia francesa em 1811. Sob a restaurao, Lacretelle rema-nejou e ampliou o seu Prcis e fz uma Histoire de la Rvolution fran-aise em 8 volumes, na verdade, uma arenga elegante e apaixonada contra a Revoluo, em que qualquer citao, qualquer preciso foi rigorosamente excluda e em que os prprios discursos dos oradores revolucionrios, que ocupam uma boa metade da obra, no foram reproduzidos, mas inteiramente imaginados .

    O segundo, Toulongeon, contemporneo de Lacretelle, escreveu em outra condio de esprito e com mtodo diverso . Era um nobre

    (6). No preciso dizer que o Prcis historique de la Rvolution franaise (Paris, 1801, 1803, 1806, 5 vol., in 89) estava impregnado dessas idias.

  • 428

    liberal que havia participado da Assemblia Constituinte e que via as coisas do alto com certo ceticismo (7) .

    Realmente, pela primeira vez, um historiador da Revoluo tra-balhava sbre documentos inditos, e Toulongeon publicou em alguns de seus volumes documentos particularmente importantes . Seu livro no uma obra retrica, nem um panfleto poltico e visava a im-parcialidade . Slido, antigo soldado, le insistiu sbre os aconteci-mentos militares; nsse aspecto teve grande influncia sbre Thiers . Sua exposio no puramente narrativa porque le procurou expli-car as causas dos principais acontecimentos, seja fazendo um aplo reflexo pessoal, seja com inquritos feitos as testemunhas ainda vi-vas . Toulongeon aparece como precursor da escola histrica cient-fica que estudou a Revoluo em fins do sculo XIX .

    Mais que Toulongeon, foi Madame de Stal quem deu a melhor resposta aos corifeus da contra-revoluo . Em Considrations sur les principaux vnements de la Rvolution franaise, escrita sob o Im-prio mas publicada seimente em 1818, dois anos depois da morte da autora, h admirao e elogios a Necker, pai de Germaine de Stal . Entretanto, h nela a primeira explicao racional das causas da Re-voluo: decadncia do Antigo Regime, crise financeira e renasci-mento da opinio pblica . Se Madame de Stal era bem hostil Con-veno, mesmo assim mostrou com muita perspiccia como a Revolu-o encaminhou-se para a ditadura militar . Mas a obra apareceu em uma poca em que as condies gerais da Europa eram outras depois de 1815 a reao triunfava . Os herdeiros de Burke, de Jo-seph de Maistre, de Louis de Bonald, do abade Barruel estavam no poder na maioria dos Estados, e seus adversrios esforavam-se por de-fender a Revoluo, fazendo apologia de sua obra global e sobretudo de sua obra poltica. Nessas condies apareceram as grandes obras sbre e pela Revoluo, entre 1815 e 1850. Essas obras insis-tiram essencialmente sbre o aspecto poltico da Revoluo, sbre as lutas desenvolvidas em Paris entre os partidos e as faces para apo-derarem-se do poder. So as Histrias polticas da Revoluo "vista do alto".

    (7) . Ele comeou a publicar em 1801 uma Histoire de France depuis la rvo-lution de 1789, crite d'aprs les mmoires et manuscrits contemporains recueillis dans les dpots civils et militaires (Paris, 1801-1810, 4 vol. lu 40).

  • 429

    II. OS PROBLEMAS POLTICOS OU "A REVOLUO VISTA DO ALTO".

    a) . Os polemistas franceses liberais. No primeiro plano, entre os historiadores franceses liberais, est Adolphe Thiers . Os dez vo-lumes da sua Histoire de la Rvolution franaise, aparecidos entre 1823 e 1827, foram lidos com avidez pela sociedade liberal e teve nu-merosas edies, sobretudo aps as edies das obras anlogas de Michelet e Louis, Blanc em 1848, que no impediram a obra de Thiers de ter ainda uma 169 edio em 1886.

    "Thiers escreveu A. Aulard fz a histria da Revoluo cair no domnio pblico e na literatura clssica".

    Thiers nasceu em Marselha em 1797 e no vivera os aconteci-mentos que narrava, que eram documentados, no para fazer obra cientfica, mas por dever de jornalista, porque o Constitutionnel, jor-nal liberal no qual trabalhava, esforava-se em opor seu ponto de vista s diatribes contra-revolucionrias inspiradas em Burke, de Maistre ou de Bonald e publicadas nos jornais e panfletos de direita . No pre-fcio de sua obra, Thiers escreveu:

    "A histria da Revoluo no foi escrita seno por contempo-rneos... tempo dos escritores pertencentes gerao atual e que no tm pela Revoluo seno o intersse comum da justia e da liberdade finalmente passarem para o campo dos historiadores des-sa poca memorvel...".

    De fato no foi a narrao histrica que determinou o sucesso do livro, mas as suas tendncias polticas: o elogio da monarquia consti-tucional de 1791 podia ser contraposta s tentativas absolutistas de Carlos X em 1823 e a objetividade com a qual Thiers reconstruia em 1826 a histria do processo de Lus XVI e do Terror tinha um tom de efetiva provocao .

    A Histria da Revoluo de Thiers era de resto, para a poca, notvelmente rigorosa, pois a narrao baseava-se, pelo menos nos dois primeiros volumes, sbre numerosos documentos . Mais ainda, Thiers conduziu um inqurito, entrevistando pessoas sobreviventes da poca da Revoluo.

    A obra de Thiers permanece como essencialmente narrativa . Da Revoluo le mostra sobretudo trs aspectos: a luta poltica pari-siense, sobretudo os debates dentro da Assemblia; as operaes mi-litares, elemento que representava algo de nvo numa obra destina-da ao grande pblico; enfim, os problemas financeiros sbre os quais fra informado pelo baro Lus e que le enfrentava com grande com-

  • 430

    petncia . As causas dos grandes acontecimentos por le descritos so s vzes analisados superficialmente . Apesar de suas imperfeies, a Histria da Revoluo de Thiers teve influncia profunda e duradou-ra: colocou em primeiro plano o autor e no devemos esquecer que foi lendo essa Histria, no Segundo Imprio, o jovem Ernest Hamel, que havia recebido uma educao conservadora tornou-se democr-tico e ps-se a escrever uma Histria de Saint-Just. O prprio Anatole France dir ainda em 1887:

    "Reabri ste livro de minha juventude e confesso que a le permaneci estreitamente interessado e devo ir at o final...".

    Miguel compatriota e amigo de Thiers, publicou em 1824 uma Histoire de la Rvolution, mas apenas em dois volumes . Melhor que Thiers le explicava que a concatenao das diversas fases da Revolu-o era dada por uma espcie de fatalidade. Mignet teve outro m-rito: o de colocar em relvo que a Revoluo no acabou com 18 Brumrio, mas continuou sob o Consulado e o Imprio, embora natu-ralmente no visse o eplogo em Waterloo . Como Thiers, Mignet escreveu uma histria poltica, num estilo mais frio e compassado que o de Thiers, pois adotando o prprio ponto de vista da burguesia li-beral, no atacava o esprito do leitor. A obra de Mignet no suscitou as vocaes histricas ou polticas provocadas pela de Thiers . Por outro lado le abandonou rpidamente as grandes snteses histricas para dedicar-se erudio, da qual foi na Frana um dos renovado-res

    Thiers e Mignet, em seus estudos, limitaram a leitura ao Moni-teur e algumas memrias, e a consulta de algumas testemunhas . Igno-ravam a massa dos documentos acumulados nas bibliotecas e nos arquivos, que foram revelados ao pblico na gigantesca Histoire parle-mentaire de la Rvolution franaise que Buchez e Roux comearam a publicar em 1833 e que compreende bem uns 40 volumes . No de-vemos esquecer que um dos autres, Buchez, teve parte importante na origem do socialismo cristo . Essas tendncias se revelam sobretu-do nos prefcios dos volumes, alguns dos quais provocaram verdadei-ros escndalos e foram qualificados de "reabilitaes dos grandes de-litos histricos". Buchez sustentou que a Constituinte no realizara sua tarefa porque no soubera "pr um princpio de socializao" e constituir um corpo doutrinrio que pudesse "unir" os homens num sistema de pensamento comum; fez o elogio de Robespierre, que ten-tou, por meio do culto do Ser Supremo, dar fundamento idia da fraternidade e do sacrifcio . Em verdade, a obra mais uma vasta coleo de documentos que uma histria: a se encontram empilhados artigos de jornais, panfletos, memrias, verbais da Comuna e das

  • 431

    "sesses" de Paris e discursos pronunciados na Assemblia revolucio-nria ou no clube dos jacobinos . Foi a publicao dessa compilao que orientou os historiadores para a pesquisa em arquivos e o primeiro que a fz largamente foi Jules Michelet

    Jules Michelet reunia as profisses e as qualidades de professor, arquivista, erudito e poeta. Como professor ensinou desde a idade de 28 anos na Escola Normal Superior, na Sorbone e no Colgio de Frana; como arquivista foi nomeado em 1830, com 32 anos, chefe das sees dos arquivos nacionais; como erudito utilizou um grande nmero de fontes inditas que criticou com grande sabedoria, mas como poeta freqentemente deixa-se levar pela inspirao . Dizia que para le a histria era uma "ressureio", e geral-mente diz-se que sua reconstruo dos fatos era devida mais ima-ginao que a documentao, o que no verdade . A sua grande sensibilidade o ajudou a compreender melhor os acontecimentos e a descrev-los com maior vivacidade, mas sem abandonar as regras gerais do mtodo histrico . Michelet, cujo pai era um pequeno im-pressor arruinado pela censura imposta por Bonaparte sbre a im-prensa em 1800, pertencia, por suas origens, a uma das classes que mais havia contribuido para a Revoluo, a dos sans-culotte, "sen-tindo" as aspiraes profundas do "povo" ou do que le chama o povo melhor que qualquer outro de seus predecessores na his-toriografia revolucionria .

    Em 1847 Michelet publicou o primeiro volume de sua Histoire de la Rvolution, que era s uma parte da vasta Histoire de France da qual le j havia escrito a parte sbre a Idade Mdia. A Histria da Revoluo de Michelet, que vai at a queda de Robespierre, com-preendia em sua primeira edio 7 volumes in 8 e foi terminada em 1853. Claro que Michelet no escondia sua admirao pela Revo-luo, ou ao menos, por certos revolucionrios e em particular pelos seguidores de Danton, que encarnavam, a seus olhos, o patriotismo da nova Frana . Sua informao vasta e nova, utilizando trs ti-pos de fontes: os documentos impressos, as fontes manuscritas e a tradio oral. Entre os documentos impressos que utilizou, os textos que mais freqentemente cita foram aqueles que Buchez e Roux iam editando, sabendo critic-los com vivacidade, pois os dois homens, so-cialistas cristos e admiradores de Robespierre, professavam idias diferentes das suas . Michelet serviu-se tambm do Moniteur, da Rvolutions de Paris e das memrias que estavam sendo publicadas em nmero considervel na poca em que escrevia . Consultou as fontes manuscritas nos arquivos parisienses, naturalmente nos arqui-vos nacionais, dos quais era diretor, e tambm no arquivo do Sena, hoje desaparecido pelo incndio de 1871. Nesse aspecto sua obra tem valor excepcional, porque baseada em documentos aos quais

  • 432 --

    quase impossvel recorrer, em especial os registros das delibera-es da Comuna de Paris, os verbais das sesses "parisienses" ou aqules de certos clubes, como o clube dos cordoeiros .

    Infelizmente Michelet desdenhava a "ostentao" de referncias precisas, e difcil encontrar em sua obra um trao exato dos do-cumentos consultados . Quanto s notas tiradas dsses documentos foram queimadas por sua viva .

    Michelet, enfim, refere-se tambm ao que chamamos a "tradi-o oral". No que le, como Thiers, tenha interrogado alguns dos participantes ainda vivos da poca revolucionria, mas perguntou ao "povo" que, segundo le, no erra nunca em suas impresses . Per-guntava: "Quem causou a Revoluo?" "Voltaire, Rousseau"; "Quem comeou a Revoluo?" "Mirabeau"; "Quais foram os inimigos da Revoluo?" "Pitt e Coburgo"; "E quem mais?" "Os Goddenc os in-glses) e os Calotin (clericais)"; "Quem alterou a Revoluo?" "Ma-rat e Robespierre". Isto foi suficiente para Michelet afirmar que ste "catecismo histrico o de todos os habitantes do campo e da maior parte dos habitantes da cidade". E' claro que trata-se de gene-ralizao prematura e sem valor cientfico, e h necessidade de duvi-dar-se da "tradio oral" contada por Michelet, saber se em certos casos le pode encontrar-se com pessoas que lhe deram recordaes mais precisas, impresses sbre Marat e Jacques Roux, por exem-plo. A admirao total, absoluta, que Michelet professava pelo "po-vo", freqentemente o cegava: falava de seu senso de direito e de justia sem aprofundar-se, e mais ainda, no estudou a vida dsse po-vo que invocava sem interrupo, e no distingia as diversas cate-gorias sociais que o compem, excluindo dle os jornaleiros agrcolas e urbanos, isto , os proletrios que constituiam a massa . A Histria da Revoluo francesa de Michelet permanece ainda, apesar da vas-ta documentao da qual se serviu, muito subjetiva. Vale sobretudo por seu estilo incomparvel, por sua eloqncia dominante, por seu generoso idealismo. Michelet revelou vocaes, mas no teve disc-pulos, pois um poeta no os pode ter.

    No mesmo ano em que apareceu o primeiro volume da Histria da Revoluo francesa de Michelet, foram postas venda outras duas obras sbre o mesmo assunto: a Histoire des Girondins, de Lamartine (8) e a Histoire de la Rvolution de Louis Blanc (9) . Mais poeta e menos terico que Michelet, Lamartine escreveu uma obra de circunstncia em que os rros pululam: tratava-se de justifi-car as aspiraes da burguesia liberal para uma repblica moderada, e contudo a documentao da qual serviu-se foi menos sumria do

    . 1847-1848, 8 vol. in 89.

    . 1847-1862, 12 vol. in 89.

  • 433

    que tem-se dito. Consultou no apenas as memrias que estavam sendo publicadas, mas tambm manuscritos inditos, e apesar disso, freqentemente, contentou-se com informaes medocres, as quais sua imaginao transfigurou, deformando-as ainda mais, como por exemplo, a narrao dos massacres de setembro de 1792 em Reims, que no tm nenhuma ligao com a realidade, e a famosa ltima cena dos Girondinos, que sem fundamento histrico .

    A obra de Louis Blanc totalmente diferente . Embora no fsse historiador de profisso, e como Lamartine, escrevesse uma obra de momento, destinada a glorificar a Revoluo montanhesa e as concesses de Robespierre, retomou uma tradio inaugurada por Buonarroti com a sua Conjuration de l'Egalit (1828) e continuada pelos "socialistas"; Laponneraye (Histoire de la Rvolution franaise, 1838), Tissot (Histoire de Robespierre, 1844), Cabet (Histoire des Montagnards, 1848) . Contudo, diferentemente dles, Louis Blanc se preocupou em fundamentar sua obra sbre documentao precisa. Proscrito em 1849, escreveu a maior parte dela em Londres, utili-zando as riquezas conservadas no British Museum. Esta circunstn-cia, embora limitando naturalmente o campo de suas indagaes, co-locou- o em contato com fontes at ento ignoradas pelos historia-dores em particular os documentos relativos emigrao e a in-surreio vendeana . Louis Blanc teve, por outro lado, maior res-peito pelas fontes que seus predecessores, mesmo quando, como Michelet, fssem historiadores qualificados; foi o primeiro historia-dor da Revoluo que citou, para qualquer fato, a fonte em uma no-ta colocada ao fim da pgina, exemplo que deveria ser seguido cor-rentemente vrios anos depois . Como as outras, a histria de Louis Blanc permanece comum e essencialmente poltica, e apesar das idias "socialistas" de seu autor, no reservou aos problemas econ-micos seno um mnimo lugar .

    Tambm Edgar Quinet, que publicou, em 1865, uma obra em dois volumes, denominada La Rvolution (10), est no mesmo ca-so . Nascido em 1803 e falecido em 1875, Edgar Quinet era, como Michelet, professor no Colgio de Frana . Aps o golpe de estudo de 2 de dezembro de 1851 foi exilado, e ps-se a escrever em Bru-xelas uma Philosophie de l'histoire de France, publicada na Revue des Deux Mondes, em 1855. sse estudo deveria servir de introdu-o a uma Philosophie de l'histoire de la Rvolution, que abreviada tornou-se La Rvolution: trata-se ao mesmo tempo de obra filos-fica, de histria, de epopia e de panfleto, que deveria compreender todo o perodo de 1789 at a queda do Imprio, e ter por eplogo um estudo sbre La Campagne de 1815, aparecido em 1861; mas Quinet

    (10) . Traduo italiana de A. Galante Garrone, Turim, 2 vol., 1953.

  • 434

    parou seu estudo em 18 de Brumrio . No devemos esquecer que seu livro foi escrito no exlio, na Blgica e Suia, e s consultou, pa-ra Quinet a histria da Frana era uma longa luta pela liberdade, e o Moniteur. . Com efeito, Quinet no pretendia trazer elementos precisos sbre os acontecimentos da Revoluo, mas reflexes, o que transformou seu livro em manifesto contra o Segundo Imprio . Pa-ra Quinet a histria da Frana era uma longa luta pela liberdade, no podia reduzir-se quela das conquistas materiais e jurdicas, as supresses dos privilgios feudais, a das transferncias de riquezas de uma classe outra. S a conquista e defesa da liberdade explicam, segundo Quinet, a Revoluo; e mostra-se to hostil ao despotismo do Antigo Regime, do qual exagerou o carter, quanto ao Terror, do qual no compreendeu as causas . Do ponto de vista moral, voltou-se contra os homens que se firmaram por suas numerosas retraes, contra os terroristas que tornaram-se dceis servidores do imperador, contra todos os que sacrificaram suas idias por mdo .

    " quase impossvel escreveu que homens que cederam ao mdo possam agora servir liberdade".

    Se Quinet no tem posio anloga a de Michelet, tem contudo, como le, o sentido das funes da massa popular e da importncia excessiva atribuida por alguns historiadores aos "grandes homens". Gostava de citar a frase de Anacharsis Clootz: "Frana, guarda-te dos indivduos!" Aconselhava o abandno do tipo de hagiografia que caracterizava at ento a histria da Revoluo, e s assim poder--se-ia julg-la com maior imparcialidade.

    b) . Os historiadores do sculo XIX hostis Revoluo. Se em Frana os melhores historiadores eram, nos primeiros trs quar-tos do sculo XIX, liberais que esforavam-se por defender, no ex-terior, ao contrrio, encontramos os ataques mais virulentos e mais slidos contra a Revoluo . Ns consideraremos smente, a obra do ingls Carlyle e do alemo von Sybel.

    The French Revolution de Thomas Carlyle (3 vol. in 8

  • 435

    que produziu o direito do homem e a igualdade que era uma utopia para le: Robespierre era urna "frmula" feita homem. Sua paixo no o cegou a ponto de no compreender, e procurou sempre explicar, mostrar a proporo das coisas na perspectiva histrica. Assim, a prposito das vtimas do Terror escreveu:

    "Abata-se dez vzes mais, mas seguindo a regra e sbre o cam-po de batalha e vs tereis uma vitria gloriosa, com um Te Deum...".

    Devemos acrescentar que o humor inato e mesmo comum de Carlyle aumentava a popularidade do seu livro, que teve sucesso ex-traordinrio, no apenas nos pases anglo-saxes, mas em tda Euro-pa, que o leu no texto original ou traduzido.

    O alemo von Sybel, diferentemente de Carlyle, era um historia-dor de profisso e um erudito, professor em diversas Universidades

    depois diretor dos arquivos prussianos, e escreveu uma Geschichte der Revolutionzeit. A primeira parte, que, publicada em trs volumes entre 1853 e 1858, fechava-se em 1795, apareceu quase na mesma poca das grandes obras de Michelet e Louis Blanc. Von Sybel foi o primeiro historiador que procurou estudar a Revoluo frfancesa do ponto de vista internacional, mas escreveu uma histria essencialmen-te "diplomtica", na qual prevaleceu a perspectiva prussiana . Todavia, sua obra era sriamente documentada: Sybel serviu-se no smente dos documentos encontrados nos arquivos alemes, mas tambm dos arquivos de Paris, Londres e Viena.

    A Revoluo, segundo le, destruiu irremedivelmente o Estado, lamentava porque, prussiano, tinha admirao pelo Estado forte.

    No que concerne poltica internacional, fz cair o pso da responsa-bilidade da guerra sbre os Girondinos, que romperam imprudente-mente o equilbrio europeu construido no Antigo Regime. A segunda parte da obra, escrita quase vinte anos depois, na atmosfera de Sado-wa e Sedan, ainda mais violentamente hostil poltica exterior da Frana, e no se mostra favorvel nem Astria nem Inglaterra . Constitui, apesar disso, um bom estudo geral sbre a Revoluo e foi

    primeiro que se baseou na histria diplomtica e sbre tantos do-cumentos de arquivos .

    Nessa mesma poca Hyppolite Taine publicou na Frana as suas Origines de la France Contemporaine (11) que constituiu a arenga mais violenta que um historiador havia escrito contra a Revoluo, tanto que foi chamado de o "grande livro da reao francesa". Antes de 1870 Taine era conhecido por numerosa e brilhante obra de crtica literria e de filosofia . Impressionado com a Comuna de Paris de

    (11) 5 volumes. Paris, 1875-1893.

  • 436

    1871, decidiu estudar as causas longnqas e voltou seu pensamento at a queda do Antigo Regime . Estudou assim a Revoluo e levou seu estudo at 1808, poca em que, segundo le, fra estabelecida a maior parte das instituies contemporneas .

    De origem burguesa, Taine tinha um esprito liberal e indepen-dente . No princpio do Segundo Imprio fra muito perseguido na Universidade, por causa de suas opinies polticas e religiosas . Do-tado de inteligncia superior, tinha tdas as qualidades e ainda todos os defeitos de um intelectual puro, acrescidos de extrema sensibilida-de, o que explica sua atitude perante a Comuna de 1871; e essa sen-sibilidade quase paralizava sua inteligncia . Iniciou o estudo da Revoluo de partido tomado: smente os "notveis", pensava, so capazes de governar, enquanto o povo, se quer intervir na conduo do Estado, no pode seno provocar uma tremenda anarquia . A In-glaterra representava para le o pas modlo, a Frana revolucionria, sua antpoda . Por que? Antes de tudo porque os seus reis, de Lus XIV em diante, colocaram-se em campo para aumentar a centraliza-o, eliminando da administrao os notveis provinciais . A Revo-luo prosseguiu a obra da monarquia, suprimindo a nobreza, e o povo mostrou-se incapaz de governar: Taine no lhe poupou sarcas-mos . Napoleo, com suas instituies, sobretudo o Cdigo Civil, re-forou a obra da Revoluo e manteve um estado de coisas que produziu as revolues do sculo XIX e enfim a Comuna . . .

    A obra de Taine, escrita de maneira digna de nota, teve magn-fico sucesso e influncia que ainda hoje est longe de ter desaparecido. Uma das razes dsse sucesso foi a considervel documentao sbre a qual pareceu fundamentada.

    Numerosas referncias a documentos de arquivo pareciam pro-var-lhe a solidez . Mais tarde, Aulard escreveu um livro para demons-trar que isso no era seno v aparncia, que Taine havia truncado ou mal interpretado muitos documentos, e sobretudo que no havia lido seno uma mnima parte dos documentos que lhe teria sido indispen-gvel conhecer para escrever uma obra bem informada . Mas crticas anlogas foram logo em seguidas formuladas contra o prprio Aulard. Com efeito, se Taine tivesse querido recolher uma documentao "completa", no poderia escrever seu livro com sucesso. le procedeu por "sondagens", como se diz hoje . O que lhe pode ser reprovado de haver recorrido de preferncia aos documentos favorveis a sua tese:

    "Taine materialmente incapaz escreveu Aulard de ver nos documentos o que no lhe interessa. No digamos que le eli-minou os tetemunhos contrrios, le os evitou. O documento no lhe fala: le quem fala, sempre, ao documento...".

  • 437

    Taine tinha o defeito de generalizar muito rpidamente. Tambm reprovado a Taine, e isso mais grave, o fato de no

    haver escrito seno uma histria interna. No viu que a Revoluo francesa no era seno um aspecto de uma revoluo infinitamente maior, e ainda menos viu que a evoluo interna da Revoluo liga-va-se a circunstncias externas . A isso os sustentadores de Taine re-plicaram que levar em conta as "circunstncias" queria dizer adotar a tese oficial dos govrnos no poder, e a polmica no terminou ainda .

    Taine, contudo, contou a histria da Revoluo de novos pontos de vista, que ningum contestou: demonstrou que a histria no era essencialmente parisiense, mas tambm provinciana: no smente po-ltica, mas tambm econmica e social. De outro lado, no seu dio pelos revolucionrios, Taine viu com exatido que estavam entre les muitos homens desclassificados, despossudos e selvagens, mas ainda a a questo foi estudada perto do ponto de vista sociolgico e estatstico . De fato, Taine demonstrou que sses homens, que consti-tuiam uma multido, no reagiam nela do mesmo modo que reagiam quando estavam isolados, e foi um dos primeiros historiadores a estu-dar a psicologia coletiva; mas o fz com posio tomada e superficial-mente. Taine foi assim um "resvalador" de problemas, no um mes-tre e, como Michelet, no teve discpulos . Mas os defeitos de sua obra fizeram sentir que era urgente fazer entrar a histria da Revolu-o francesa na fase cientfica, fornecer aos historiadores os instru-mentos de trabalho de que tinham necessidade, estabelecer com pes-quisa erudita, de acrdo com planos a longo prazo, a verdade sbre questes controversas . No havia sido terminada a publicao das Origens de Taine, quando a histria da Revoluo francesa entrou numa nova fase .

    c) . A aplicao dos mtodos cientficos na histria poltica da Revoluo . A partir de 1887, com a publicao da revista La Rvo-lution franaise organizou-se um trabalho coletivo visando pesquisa cientfica sbre a histria da Revoluo . Os historiadores continua-ram a escrever grandes snteses e julgavam definitivas aquelas publi-cadas por seus predecessores, sustentando que escreviam a histria da Revoluo francesa com a mesma serenidade com que haveriam escri-to a "das revolues de Atenas ou Florena". Mas no apenas nos livros lanados vemos a reprovao parcialidade e partido tomado por Thiers, Michelet ou Taine . sse perodo no se distingue do pre-cedente pela natureza das snteses publicadas, mas muito mais pelo carter da pesquisa, organizada de modo cada vez mais coletivo e cientfico .

  • 438

    Na origem dessa renovao dos mtodos est a conjugao entre a influncia da cincia histrica alem, o triunfo dos republicanos na Frana em 1879 e a celebrao do centenrio da Revoluo em 1889. Depois da derrota de 1870, os franceses ansiosos de conhecerem as causas puseram-se a estudar a Alemanha. Os historiadores, em parti-cular Renan e Lavisse, haviam mostrado a cincia alem, que aplica-va os mtodos crticos da filosofia, estava em vantagem com relao cincia francesa . Os novos mtodos foram aplicados inicialmente na histria antiga e na histria medieval. Mas a consolidao dos repu-blicanos no poder na Frana depois da vitria eleitoral de 1877 e a necessidade de celebrar o prximo centenrio de 1789, induziram o govrno a favorecer os estudos sbre a histria da Revoluo . Em 1881 foi criada uma comisso encarregada de preparar o centenrio da Revoluo. Em 1889 ela transformou-se em "Sociedade para a histria da Revoluo francesa", e esta adotou novos mtodos de pesquisa cientfica, em parte importados da Alemanha. A sua revista, La Rvolution franaise, fundada em 1881, tomou lugar, a partir de 1886, quando tornou-se diretor Alphonse Aulard, entre as melhores revistas histricas . No mesmo ano o ministrio de Instruo pblica criou uma "Comisso encarregada de pesquisar e publicar do documen-tos histricos relativos Revoluo de 1789", que deveria comear em 1889, sob direo de Aulard, o monumental Recueil des actes du Comit de Salut public, compreendendo 28 volumes . Por outro lado, a cidade de Paris instituiu uma "Comisso encarregada de pesquisar e publicar os documentos inditos relativos histria de Paris durante a Revoluo francesa".

    Nsse mesmo perodo foi criada na Sorbonne por parte do Estado e da cidade de Paris, uma cadeira de Histria da Revoluo francesa (1886), e seu primeiro titular foi Alphonse Aulard.

    Alphonse Aulard nascera em 1846; era filho de um professor de filosofia e seguiu a carreira de seu pai: Liceu Louis-le-Grand, em Paris, Colgio Sainte Barbe, Escola Normal Superior. Ele escreveu uma tese de doutorado sbre Giacomo Leopardi (1877) . Mas era atrado pela Revoluo francesa desde a idade de quatro anos, quan-do havia visto o membro da Conveno Thibaudeau, e sse contato com o veterano da Revoluo lhe deixara profunda impresso . Em 1882 publicou uma obra sbre Les orateurs de la Constituante, de la Lgislative, de la Convention. Aplicou no estudo dos grandes re-volucionrios os procedimentos cientficos recentemente introduzidos na Frana e foi sse livro que atraiu sbre le ` ateno dos historia-dores, e por sse motivo foi nomeado professor encarregado do curso de histria da Revoluo em Paris . Sua primeira conferncia teve lu-gar a 12 de maro de 1866 em atmosfera tensa temia-se manifes-

  • 439

    taes, mas no houve 'nenhuma . Aulard exps seu programa, rigo-rosamente objetivo e cientfico:

    "Se vem a sse curso, disse, um inimigo da Revoluo, con-victo que ela foi no desenvolvimento da Frana um acidente dolo-roso e inevitvel, agiremos de modo que essa pessoa, se possuir o gsto da cincia, possa encontrar em nossa pesquisa a satisfao de sua curiosidade ; agiremos de modo que ela se sinta segura, in-centivada ao estudo da sinceridade de nosso mtodo ; e se algum ficasse com a idia de escrever um livro srio, baseado sbre bons documentos, mesmo que sse livro exprimisse opinies contrrias s nossas, sse efeito de nosso ensinamento seria para ns um ttulo de honra e de sucesso".

    Aulard preocupou-se em difundir os mtodos eruditos que os historiadores alemes empregavam h alguns decnios: atingir sem-pre a fonte, no dizer nada de que no se soubesse a origem, no escrever nada sem ter provas, apresentar os dados de maneira impar-cial e objetiva essas eram as principais regras que le procurou inculcar em seus alunos . A obra de Aulard pode ser dividida em duas partes . Uma, as publicaes dos documentos segundo um mto-do que levantou certas crticas, mas que, devemos reconhecer, prestou e continuou a prestar imensos servios aos historiadores . Outra parte so os estudos, bastante numerosos, dos quais Aulard procurou fazer uma sntese na Histoire politique de la Rvolution franaise, publica-da em 1901. Essas obra no escapou, como a de Taine, a numerosas crticas . Constatou-se antes de tudo que tratava-se, como as que a haviam precedido, de uma histria exclusivamente "poltica". Repro-vou-se a Aulard a constante tomada de partido em favor de Danton e seus amigos contra Robespierre e seu grupo . No fundo, sse livro a histria da idia republicana na Frana de 1789 a 1799. Aulard exerceu influncia maior com seu ensino, com sua revista e com suas pubblicaes eruditas, do que com sua obra, superada pela cincia histrica no momento mesmo em que foi publicada .

    Aulard, que ensinou durante quase quarenta anos na Sorbonne, teve numerosos discpulos, mas aqule que deveria exercer a maior influncia sbre a historiografia da Revoluo francsa durante o pri-meiro tro do sculo XX foi Albert Mathiez .

    Diferentemente de Aulard e pela primeira vez entre os historia-dores da Revoluo, Albert Mathiez era um "especialista". Nascido em 1874, entrou na Escola Normal Superior em 1894, e saiu trs anos depois agreg de histria, e em sua primeira publicao enfren-tou a histria da Revoluo: tratava-se de um tude critique sur les journes des 5 et 6 octobre 1789, que apareceu na Revue Historique de 1898 e 1899. Desde ento Mathiez, alm do ensino que exerceu a

  • 440

    partir de 1908 em vrias universidades, com seus numerosos estu-dos, consagrou-se de corpo e alma histria da Revoluo . A origi-nalidade de Mathiez est no fato de que, diferentemente de seu mes-tre, no se limitou a considerar a histria poltica. Dedicou a sua tese de doutorado histria religiosa da Revoluo da qual falaremos mais tarde enquanto no ltimo decnio de sua vida dedicou-se ao estudo dos problemas econmicos e sociais . Nem por isso a histria poltica deixou de ser o centro da obra de Mathiez e seus estudos po-lticos so caractersticos da importncia que atribuiu personagem de Robespierre, e as lutas entre partidos e faces na Assemblia re-volucionria, em particular ao conflito entre Girondinos e Monta-nheses .

    Foi atravs da histria religiosa que Mathiez entrou em contato, pela primeira vez, com Robespierre: o estudo dos cultos revolucion-rios levara Mathiez a ocupar-se do culto do "Ser Supremo", e de seu fundador, Robespierre .

    Desde ento Robespierre tornou-se o centro dos estudos de Mathiez . Em 1908, fundou a "Sociedade para os estudos sbre Ro-bespierre" e publicou os Annales rvolutionnaires Seu esprito, natu-ralmente suspeitoso, sentia-se vontade em meio s lutas polticas entre a rivalidade pessoal dos Girondinos, dos seguidores de Danton e os de Robespierre; seguia le a trama com a mincia de juiz instru-tor e de erudito e publicou regularmente o resultado de suas pesqui-sas, primeiro em sua revista, depois em volumes .

    Para Aulard os Montanheses e os Girondinos chocaram-se, na Conveno, sobretudo por causa de suas concesses na posio de Paris: segundo le, os Montanheses queriam que Paris tivesse uma posio maior na Frana e os Girondinos, ao contrrio, queriam reduzir a capital a "80% de influncia" (12) . Assim, os primeiros eram "centralistas", os segundos "federalistas". A essa concepo puramente poltica da hostilidade entre Girondinos e Montanheses, Mathiez substituiu-a pela de um antagonismo social: os Girondinos pertenciam sobretudo alta burguesia negociante, os Montanheses eram em grande parte advogados, pequenos comerciantes, artesos (13) . Esta concepo foi recentemente criticada por um historiador ingls, M. J. Sydenham, que procurou demonstrar que os Girondi-nos e os Montanheses provinham dos mesmos grupos sociais (14) . Sem dvida, no possvel aceitar ao p da letra a interpretao de Mathiez. E' indispensvel estabelecer as nuances: diferenas de tem-

    Histoire politique de la Rvolution franaise, captulo VII. De la vritable nature de l'opposition entre les Girondins et les Montag-

    nards, in "Annales Rvolutionnaires", 1923, p. 177-179, e Girondins et Montagnards, Paris, 1930, cap. I.

    The Girondins, Londres, 1961.

  • 441

    peramento, de carreira, de ambio podem estar na origem da toma-da de posies polticas diversas . A . Mathiez deu um grande passo no caminho da histria da Revoluo, introduzindo a noo de po-sio social no estudo das atitudes polticas .

    Mathiez adotou o prprio mtodo para explicar o conflito que ops Robespierre e Danton. Mas porque os dois homem possuiam, no princpio do sculo, seguidores encarniados, a contestao que de-veria permanecer no terreno puramente cientfico, degenerou e to-mou propores excessivas, influenciando a poltica . Os radicais, com Aulard, sustentaram em geral Danton; os socialistas, com Ma-thiez, mostraram-se partidrios de Robespierre . O "robespierrista" Mathiez atacou com violncia que ultrapassou os limites da disputa acadmica seu antigo mestre, o "dantonista" Aulard . Por vinte e cin-co anos a revista La Rvolution franaise sustentou o ponto de vista dos dantonistas, enquanto a Socit des tudes robespierres e seu rgo, os Annales rvolutionnaires, fundados em 1908 e transforma-dos em 1924 em Annales historiques de la Rvolution franaise, de-fendiam Robespierre . Depois da morte de Aulard (1928) e da de Mathiez (1930) a disputa terminou . Quais foram seus motivos? Mathiez reprovava a Danton sua venalidade, sua corrupo, acusa-va-o de ter querido salvar o rei por ocasio de seu processo e de ter tentado negociar com o inimigo na primavera de 1793, quando a Frana estava ameaada . le opunha Danton, que no possuia se-no objetivos polticos, a Robespierre, o "incorruptvel", cuja polti-ca interna tinha por inteno o melhoramento da sorte dos indigentes por nova repartio da riqueza . Aulard replicou louvando o patrio-tismo de Danton, que com sua energia, permitiu a espetacular reto-mada de setembro de 1792, e fazendo o elogio de sua "indulgncia", que opunha aos excessos dos "robespierristas" durante o Terror .

    Quando as mortes de Aulard e Mathiez acalmaram as paixes, Georges Lefebvre, eleito presidente da Sociedade para estudos sbre Robespierre disps-se a colocar ponto final com serenidade e objeti-vidade em um artigo entitulado Sur Danton (15). Lefebvre exami-nou sucessivamente um certo nmero de problemas relativos a Dan-ton: a sua fortuna e em seguida a sua venalidade . Fazendo as con-tas precisamente de suas despesas e de seus ganhos, constatou que nesses faltavam pelo menos umas cinqenta mil liras para cobrir a primeira. Donde viera essa soma? Os testemunhos da venalidade de Danton eram numerosos e no lhes foi posta nenhuma contestao sria, e todavia Lefebvre reconheceu que existe a dvida . No se trata a venalidade de Danton, que provvel, como a de Mirabeau, que provada . No est em causa tanto a venalidade de Danton,

    (15) . In tudes sur la Rvolution franaise, Paris, 1954, p. 25-66.

  • 442

    mas sobretudo o seu carter: tudo o opunha a Robespierre. Em Danton encontra-se com a ligao dificilmente contestvel Nao, um certo realismo que passa perto da falta de escrpulo, um apeti-te de prazer que contrasta com a ligao com a "virtude" de Robes-pierre. A poltica de Danton no exterior e mais ainda no interior, opunha-se, enfim quela de Robespierre . Ns estamos em presena de dois homens, de dois temperamentos que no podiam seno cho-car- se . Depois dessa notvel colocao Gabriel Pioro descobriu no-vos documentos, graves para Danton, nas minutas notariais dos ar-quivos nacionais, que provam que as operaes financeiras realiza-das por Danton para conseguir o seu ofcio de advogado perante o Conselho do Rei, em 1787, beiravam a desonestidade (16) . Assim foi confirmada, vinte e dois anos depois da morte do autor, uma das posies essenciais de Albert Mathiez .

    Mathiez no contentou-se de clarear sse ou aqule ponto da histria da Revoluo . Como Aulard, procurou escrever uma sn-tese . Infelizmente sua morte prematura em 1932 impediu-lhe de termin-la e o que foi publicado falha em homogeneidade. Compre-ende, de um lado, trs pequenos volumes consagrados ao perodo 1787-1794( e dos quais um tro refere-se s lutas entre Girondinos e Montanheses, durante nove meses, de 10 de agsto de 1792 a 2 de junho de 1793 (Paris, 1922-1927; Milo 1933), e de outro lado, dois grossos volumes que estudam, um a reao termidoriana (Paris, 1929), outro o Diretrio terminado a 18 de Frutidor (Paris, 1934) . E' provvel que, se Mathiez permanecesse vivo, tivesse retomado o que em sua idia era semente um esboo . Apesar disso, com seu tom convincente e sua extrema vitalidade sse esboo impe-se aos historiadores e aos estudantes . Tanto quanto a Revoluo de Aulard, a de Mathiez essencialmente histria poltica e os problemas eco-nmicos e sociais, embora nela sejam tratados, permanecem em se-gundo plano . caracterstico notar que Mathiez no quiz ver na conspirao de Babeuf seno um esfro dos antigos terroristas para retomar o poder, e no a primeira afirmao de uma doutrina comu-nista, a primeira tentativa de aplic-la no smente na Frana mas tambm nos pases vizinhos e em particular na Holanda e na Itlia. Permanece o fato que Mathiez no acreditou na lenda do "bloco" revolucionrio: primeiro mostrou que a Revoluo na Frana cons-titu-se de uma srie de revoltas, da revolta da nobreza em 1787 at a revolta dos termidorianos contra os seguidores de Robespierre em 1794. Melhor que todos seus predecessores, mostrou as divises e juntou essas divises em grandes problemas econmicos e sociais exacerbados pela guerra e pela crise econmica . Mathiez no foi

    (16) Annales historiques de la Rvolution franaise, 1954, p. 324-341.

  • 443

    smente historiador eminente, foi tambm grande professor, orador convincente . Se bem que tivesse um carter difcil, se bem que fsse temido por seus alunos e em seu ambiente, tinha o dom de fascinar o auditrio . Suscitou numerosas vocaes e foi verdadeiramente um chefe de escola: foi, sem dvida, o ltimo dos historiadores france-ses da Revoluo que atribuiu to grande importncia histri po-ltica, e contudo consagrou parte importante de sua obra histria religiosa da Revoluo e realizou estudos importantes no campo eco-nmico e social.

    III AS QUESTES RELIGIOSAS .

    Os problemas religiosos que ocuparam um lugar to grande na histria da Revoluo atraram desde logo a ateno dos historia-dores. Tdas as dificuldades encontradas pela Revoluo francesa no foram devidas Constituio civil do clero e sua aplicao? Os massacres de Setembro no comearam com os massacres dos padres refratrios?

    Em 1792 o abade Barruel, do qual j falamos, escreveu uma Histoire du clerg pendant la Revolution franaise. Trata-se de uma longa diatribe contra a Revoluo, na qual procurava a causa da vo-tao da Constituio civil e tornava responsvel tdas as classes so-ciais da Frana, nela compreendendo os membros do clero, muitos dos quais tinham-se tornado discpulo dos "filsofos" ou haviam aderido ao "jansenismo".

    O problema foi retomado com maior ou menor nfase por to-dos os historiadores do sculo XIX: os adversrios da Revoluo de-turparam unnimemente as medidas religiosas por ela tomadas; os seus partidrios mostravam-se mais divididos. Buchez, por exemplo, sustentava que o grande mrito de Robespierre e dos Jacobinos fr -a, com a criao do culto do Ser Supremo, de haver dado os fundamen-tos da idia de fraternidade e de sacrficio . Mas outros historiadores, como Michelet, no pouparam sarcasmos festa do Ser Supremo, e a razo da criao de um culto revolucionrio fugiu-lhes completa-mente .

    Edgar Quinet atribuiu considervel importncia s questes re-ligiosas, forosamente porque era filho de me protestante e pai ca-tlico; sustentava que catolicismo era incompatvel com liberdade e afirmava que o fracasso da Revoluo fra conseqncia de sua po-ltica religiosa: os revolucionrios deveriam no ter estabelecido a separao da Igreja e do Estado, mas sim substituido na Frana o

  • 444

    catolicismo por uma espcie de protestantismo . O problema tor-nou-se importante e atual no fim do sculo XIX quando na Frana, a partir de 1881, o Estado comeou a lutar contra a Igreja, e em 1905, estabeleceu a separao da Igreja e do Estado . Comearam a ser estudadas as origens dsse regime, instituido pela primeira vez na Frana na Conveno de 1794. Aulard consagrou numerosos estu-dos poltica religiosa da Revoluo e publicou a sntese em livro entitulado Le christianisme et la Revolution franaise (Paris, 1925): a Revoluo teve o grande mrito de criar o Estado laico e de forti-ficar a laicidade instituindo em particular o calendrio republicano, a instituio pblica baseada sbre o racionalismo e, bem entendido, a separao entre a Igreja e o Estado. Segundo Aulard, sse regime poderia ter-se mantido se Bonaparte no tivesse feito com o Papa a Concordata de 1801. Naturalmente, condenava o culto do Ser Supremo e Robespierre, que continuava a acusar de hav-lo criado . Afirmava que a massa operria e campnesa estava, em 1792. madu-ra para a descristianizao .

    No era essa a idia de Albert Mathiez, que seguindo conselhos de Aulard havia empreendido o estudo da poltica religiosa da Revo-luo: as suas teses foram dedicadas, uma a Theophilanthropie, e outra Origines des cultes revoluttonnatres.

    Muitas outras obras relativas aos problemas religiosos da Re-voluo seguiram-se e comearam a delimitar o terreno, no qual Aulard no ousara aventurar-se . Mathiez mostroru claramente que a atitude dos revolucionrios estava ligada, em materia de religio, s profundas aspiraes da massa . Foi essa opinio que, pelo que disse o prprio Mathiez, trouxe a primeira dificuldade entre le e seu mestre Aulard, que sustentava que os cultos revolucionrios no foram seno expedientes .

    Por outro lado j o dissemos foi o estudo das concepes religiosas dos revolucionrios que levou Mathiez a ocupar-se a fundo de Robespierre, organizador do culto do Ser Supremo .

    O livro de Albert Mathiez (17) essencial para o estudo da Constituio civil do clero e das reaes que ela provocou . Mathiez a desenvolveu sobretudo duas idias: a primeira, que no mais contestada, a que os membros da Constituinte no concebiam a laicidade do Estado . Para les o Estado deveria ser religioso c qual-quer reforma do Estado deveria ser acompanhada de uma reforma da religio . A segunda tem sido mais discutida: para Mathiez a hostili-dade do Papa Pio VI e dos bispos franceses Constituio civil ex-plicava-se sobretudo por sua preocupao de salvaguardar os seus intersses materiais: territrio pontifcio de Avinho, bens e rendas

    (17) . Rome et le clerg tranais sous la Constituante, Paris, 1911.

  • 445

    do clero . De la Gorce contestou essa interpretao (18) e mostrou que o Papa estava preocupado antes de tudo com os intersses espi-rituais da Igreja . Andr Latreille (19) atenuou a clareza dessa con-cluso: se o Papa, sustenta, preocupava-se de defender antes de tudo a religio catlica que lhe parecia gravemente ameaada pela Cons-tituio civil, os bispos no foram entretanto firmes na sua resistn-cia reforma, e sua unnimidade no era seno aparente. Ele do parecer que se a Constituio civil era inaceitvel pelo Papa, era-o menos para os bispos, e menos ainda para os fiis porque nessa po-ca o ultramontanismo no fra inserido ainda no dogma, como seria depois de 1870. O historiador alemo Erdmann mais categrico, pois preocupa-se com a atitude de Pio VI (20) . Contestou a opi-nio de Mathiez que atribuiu questo de Avinho a atitude contem-porizante do pontfice e sustentou, ao contrrio, que a devoluo de Avinho no foi seno uma parte secundria na deciso do Papa. Monsenhor Leflon (21) foi mais do parecer que a Constituio civil era inaceitvel pelo Papa, mas explica porque parte do clero francs aderiru a ela: analisou em outro livro, e nsse mais longamente, a atitude importante de Emery, o superior do seminrio de Saint Sulpi-ce (22) . Emery sustentava que a Constituio poderia propor a mo-dificao da organizao da Igreja, no imp-la . Mas para compre-ender-se a Constituio civil h necessidade de conhecer bem sua g-nese. E. Prclin combateu, em sua tese (23), a opinio bastante di-fundida que fra redigida pelos jansenistas: de fato veremos exerce-rem-se sbre ela influncias muito diversas, enquanto a tendncia que prevaleceu foi aquela dos

    "legistas galicanos e cesaristas" que sustentavam que o sobe-rano ento o povo tinha "o direito exclusivo de introduzir no culto as mudanas que julgasse oportunas" (24) .

    No que diz respeito aplicao da Constituio, os que a estu-daram mostraram que nas regies em que os no-catlicos eram nu-merosos, os bispos foram eleitos logo (25) . G. Pioro encontrou importantes indicaes sbre o modo em que foram consagrados os

    Histoire religieuse de Ia Rvolution franaise, Paris, 1909-1923, vol. 5. L'Eglise catholique et la Rvolution francatise, vol. I, Paris, 1946. Volkssouveranittit und Kirche, Colnia, 1949. La crise rvolutionnaire, 1789-1846, Paris, 1949. Monsieur Emery, l'glise d'ancien rgime et Ia Rvolution, Paris, 1944. Les jansnistes au XVIIIe sicle et la constitution civile du clerg, Paris,

    1929. A. Latreille, op. cit., I, p. 89. J. Levy, Election et sacre du premier vque constitutionnel du Haut-Rhin,

    in "Revue d'Alsace", 1926, p. 451-455; A. Ingold, Grgoire et l'glise cons-titutionnelle d'Alsace, Paris, 1894.

  • 446

    primeiros bispos constitucionais (26) . Os "verbais" de consagrao encontrados nos arquivos notariais em Paris, mostraram que Tal-leyrand teve uma parte fundamental em colocar em seu posto os bis-pos constitucionais . les tambm revelaram em todos os detalhes o procedimento usado para sua instituio .

    Quanto aos padres, discutiu-se por muito tempo e discute-se ainda hoje sbre a proporo dos que juraram e dos que no juraram. Estatsticas precisas so difceis de estabelecer, porque muitos dos pa-dres que juraram em seguida retrataram-se de seu juramento. O es-tudo estatstico realizado por Philippe Sagnac em 1906 est visivel-mente errado (27) : necessitar-se-ia, pelo menos, confront-lo com o estudo das opinies (sobretudo religosas) da Frana, realizado por A. Lajusan (28) .

    No se compreender bem, por outro lado, a atitude da popu-lao em relao Constituio civil e aos padres que a juraram en-quanto no se multiplicarem os estudos sbre a prtica religiosa, s-bre a f, estudos para os quais foi dado o esquema por G. Le Bras, mas que, em relao ao fim do sculo XVIII e o perodo revolucio-nrio so ainda quase inexistentes (29) .

    Sem dvida foi Andr Latreille que chegou, em obra recente, a melhor concluso de seus estudos de histria religosa (30) : tdas as faces que especularam sbre a evoluo do comportamento reli-gioso dos franceses se enganaram. Os Galicanos em 1789 acredita-vam estarem seguros do futuro, mas em trs anos suas esperanas de-sapareceram. A Revoluo acreditou primeiro poder criar uma igre-ja nacional, mas esta durou menos de 10 anos. Quanto ao culto da razo e do Ser Supremo, viveram apenas algumas semanas ou alguns meses. A Revoluo demonstrou um fato: que a grande maioria dos franceses era profundamente catlica e pretendia continuar a s-lo . Mas os contra-revolucionrios e, mais tarde, os ultra-realistas enga-naram-se tambm, quando acreditaram poder governar graas a "aliana do trono e do altar". Se os franceses eram catlicos no pre-tendiam com isso permanecer conservadores ou ainda monarquistas, e apenas muito mais tarde a Igreja francesa deu-se conta que podia

    (26). Institution canonique et conscration des premiers vques constitution-nels, 1n "Annales historiques de la Rvolution franaise", 1956, p. 346-380.

    (27) . tude statistique sur le clerg constitutionnel et le clerg rfractaire en 1791, in "Revue d'histoire moderne et contemporaine", 1906, vol. VIII, p. 97-115, 252-253, 485.

    Annales (E.S.C.), 1949, p. 404-414. G. Le Bras, Introduction Z'histoire de la pratique religieuse en France,

    Paris, 1942-1944, 2 vol.; id., Un programme: la geographie religieuse, in "Mlanges d'histoire sociale", 1945, p. 87-112.

    (30) . A. Latreille et R. Remond, Histoire du catholicisme en France, Paris, 1962.

  • 447

    ser, ao mesmo tempo, catlica e republicana. sse rro de juzo te-ve por conseqncia quase 150 anos de dificuldades e contrastes po-lticos e religiosos .

    O estudo da histria religiosa da Revoluo induziu os histo-riadores a voltarem-se com maior ateno para o comportamento da massa. O desenvolvimento da histria econmica e social deveria confirmar e ampliar essa atitude .

    *

    IV. A EVOLUO ECONMICA E SOCIAL OU A REVOLUO "VISTA POR BAIXO".

    Foi Karl Marx o primeiro a formular com clareza a opinio que os acontecimentos histricos eram mais influenciados pela corrente lenta e profunda das caractersticas econmicas e sociais (a infraestru-tura), que pelas decises, por mais clamorosas que fssem, dos ho-mens polticos (a super-estrutura) .

    Todavia, idias anlogas foram expressas antes da publicao da primeira obra de Karl Marx. Um dos participantes da Revoluo, Barnave, escreveu em 1792 na Introduction la Rvolution franaise, publicada pela primeira vez em 1843 (31), que o grande movimento do qual fra testemunha fra conseqncia, no de maquinaes polticas, mas de lenta transformao da estrutura econmica e social. Na Idade Mdia dizia le em tda Europa houvera o regime feudal, baseado essencialmente na propriedade da terra . As grandes descobertas, a Reforma, o Renascimento tiveram por conseqncia, em certos pases, o desenvolvimento da riqueza mobiliria, que dizia Barnave o "elemento da democracia e o cimento da unidade dos estados". A classe que possuis a riqueza mobiliria, a quem Bar-nave chamava "o povo", mas que era em verdade a burguesia, pre-tendia participar do poder. Essa foi a causa fundamental da Revo-luo.

    E' pouco provvel que Tocqueville houvesse lido Marx, no certo que tenha folheado o livro de Barnave. Entretanto, exprimiu idias anlogas em seu livro A ncien rgime et la rvolution franaise publicado em 1856.

    Alexis de Tocqueville j se havia distinguido pela publicao em 1836 de um estudo sociolgico sbre os Estados Unidos, La dmo-

    (31) . Republicada em Paris por F. Rude em 1960.

  • 448

    cracie en Amrique, que permanece, segundo o parecer geral dos ame-ricanos, como a obra mais notvel que um europeu escreveu sbre os Estados Unidos.

    Mas nessa poca le foi atrado pela histria da Revoluo, co-mo o prova seu artigo sbre L'tat social et politique de la France avant et depuis 1789 (32) . Com sua inteligncia penetrante, Tocque-ville soube dominar a idia recebida da aristocracia, da qual provinha, e da magistratura, da qual havia participado . Casado com uma in-glesa, aliado s suas viagens, os contatos diretos com os Estados Uni-dos, deputado no Parlamento, e por breve momento, em 1849 minis-tro do Exterior, sua experincia permitiu-lhe, mais que a outros his-toriadores, dedicar-se consideraes gerais . Por outro lado, no queria escrever uma nova histria da Revoluo.

    "Indicarei os acontecimentos, sem dvida, e os seguirei em ordem esclareceu a um amigo mas a minha tarefa principal no ser de cont-los".

    Entre os historiadores da Revoluo foi o primeiro que co-mo disse Georges Lefebvre, trouxe

    "a sintse ao nvel superior no qual a desordem dns aconte-cimentos desaparece e os traos gerais da evoluo aparecem em plena luz...".

    Para chegar a sse ponto Tocqueville preocupou-se contudo e. In documentar-se com certeza . No parece que tenha meditado muito sbre as obras publicadas por seus contemporneos, mas cuidou sem-pre de recorrer s fontes: para le a sntese no era vlida se no fsse precedida por uma s erudio: trabalhou na Biblioteca Na-cional; nos arquivos nacionais; nos arquivos do Departamento de Indre-et-Loire; no British Museum, e foi um dos primeiros a exami-nar no Public Record Office, em Londres, os relatrios enviados pelos agentes britnicos na Frana . No contentou-se em ler os documen-tos de carter poltico mas, mostrando a o lado de pioneiro, exami-nou os "estados das sees" e as matrizes dos tributos fundirios esta-belecidos por ordem da Constituinte, comparou os registros de ter-ras do sculo XVIII e final do sculo XIV com o cadastro contempo-rneo, leu os Cahiers de dolances de 1789 e examinou as atas da venda dos bens nacionais . Infelizmente, sua morte prematura, com 53 anos, em 1859, o impediu de terminar a grande obra que planejara. Apenas o primeiro volume foi publicado, e trata-se de um estudo s-bre as causas da Revoluo . Dos volumes que deveriam seguir-se, permaneceram fragmentos bem interessantes, publicados parcialmente

    (32) . Publicada no mesmo ano na London and Westminster Review.

  • 449

    por Gustave de Beaumont em 1861, e com a juno de numerosos textos inditos foram recolhidos em uma edio definitiva por Andr Jardin (33) .

    Apesar de seu aspecto parcial, a obra de Tocqueville impe-se ao historiador por seus mritos excepcionais: em diversos campos indi cou caminhos que no foram retomados seno muito tempo depois . Foi um dos primeiros a sugerir o carter europeu ou a direo oci dental da Revoluo, da qual o aspecto francs no foi seno um episdio, e sobretudo indicou a origem profunda e o carter econ-mico e social. Mostrou que as idias revolucionrias foram facilmen-te aceitas na Renania porque a estrutura econmica dessa regio era bastante similar a da Frana. No que respeita a Frana, viu na luta secular da monarquia contra a nobreza a causa longnqa da Revolu-o . A monarquia aliou-se rpidamente s classes populares contra a aristocracia, e a Tocqueville, apesar da serenidade que habitual-mente demonstrava, deixou sub-entendida a proteo classe a que pertencia, e que no pudera realizar a tarefa a que era destinada, co-mo realizara na Inglaterra . Os reis conduziram essa luta sobretudo por meio da centralizao governamental e administrativa cen-tralizao que Revoluo e Imprio acentuaram: essa uma das idias dominantes de Tocqueville que foi levada depois a todos os manuais, que, entretanto, no o seguem, quando observou que a revolta da no-breza contra o despotismo rgio iniciou a Revoluo francesa em 1787.

    O grande mrito de Tocqueville contudo, o de haver colocado em evidncia o fato da luta de classes na evoluo histrica .

    "Poderiam por sem dvida le escreve os indivduos, mas eu falo das classes, pois s delas deve ocupar-se a histria".

    Assim o livro de Tocqueville assume o tom de antecipao no campo da histria econmica e social da Revoluo. Foi necessrio esperar quase cinqenta anos para que ela fsse estudada sistemti-camente . Sem dvida alguma, os sucessores de Tocqueville intuiram o papel dos fenmenos econmicos e sociais . E' o caso, por exem-plo, de von Sybel, que procurou demonstrar que a Revoluo na Frana no fra tanto poltica como social: explicando que a Revo-luo francesa caracterizou-se sobretudo por uma grande transfern-cia de propriedade, tirada das classes privilegiadas e passada s mos da burguesia e dos camponeses, enriquecidos . Mesmo Taine intuiu a importncia dos problemas econmicos e escreveu que a Revoluo caracterizara-se por uma transferncia de riquezas, mas no apro-fundou o problema.

    (33) . Paris, Gallimard, 1953, vol. II, Ouevres Completes d'A. de Tocqueville.

  • 450 --

    Foi preciso iniciar-se o sculo XX para ser tentado um estudo sistemtico da histria econmica e social da Revoluo baseada nos postulados marxistas . Em 1901, um homem que no era histo-riador de profisso, mas filsofo e grande parlamentar, Jean Jaurs, publicou o primeiro volume de sua Histoire socialiste de la Rvolution franaise. Falando dos historiadores da Revoluo, disse na sua in-troduo:

    "o que faltou mesmo aos maiores, no foram precisamente os documentos, mas a vigilncia e o sentido de evoluo econmica da vida social profunda e agitada".

    Isso faltou sobretudo a Aulard, que s apontou os fenmenos econmicos e sociais que Jaurs procurava descrever. No incio da obra traa um notvel quadro da Frana, no fim do Antigo Regime, segundo os Cahiers de dolances de 1789 e, contrriamente a Mi-chelet, concluiu que a Revoluo no nascera da misria, mas da elevao do nvel de vida das classes mdias, de sua intensa vitalida-de, do sentimento de sua funo na economia da Nao e do desjo legtimo por ela manifestado de dirigir at a poltica do pas . Apesar disso Jaurs indicou a misria do proletariado agrcola e artesanal, embora reconhecendo que estava escassamente informado sob sse aspecto, e que havia necessidade de publicar os documentos indispen-sveis antes de iniciar novos estudos. Ao valorizar as correntes len-tas e profundas da evoluo econmica e social, no descurou, en-tretanto, da fra das idias . Ao contrrio, consagrou pginas procura de novas perspectivas do fermento ideolgico que caracteri-zou a Revoluo, no smente na Frana mas no mundo, com ex-ceo da Itlia e dos Estados Unidos, nos quais no parece ter visto claramente sua funo . Mas os captulos nos quais descreveu a idia revolucionria na Inglaterra e Alemanha merecem permanecer cls-sicos . Entre os pensadores franceses foi Condorcet que atraiu sua particular ateno e Jaurs o considerou com tda admirao apai-xonada que dedicava a filosofia "das luzes". Assim, durante tda obra esforou-se por resolver os difceis problemas das ligaes entre os fatos econmicos e os ideais revolucionrios . Sem dvida, algumas vzes enganou-se e algumas de suas hipteses foram logo em seguida abandonadas, como por exemplo, a importncia atribuda ao pensa-mento de Barnave, ao qual dedicou a Introduction la Rvolution franaise, que foi julgada excessiva, e sua admirao por Mirabeau e Danton, influncia da tradio e destinada a desaparecer . Mas Jaurs viu bem que' a questo da paz e da guerra era o centro da his-tria da Revoluo francesa, e dedicou-se com ardor a sse problema, que era bastante prximo daqules que enfrentava cotidianamente em sua cadeira parlamentar. Colocou no lugar certo a campanha de

  • 451 ---

    Robespierre contra a guera, que historiadores do sculo XIX haviam deixado de lado . Mathiez, que em 1922 foi encarregado de republi-car a histria de Jaurs, disse dela:

    "nenhuma outra histria da Revoluo est to perto da reali-dade. Nenhuma fz avanar tanto a cincia. Constitui um ponto de partida mais do que um ponto de chegada".

    Com efeito, foi Jaurs quem, dando-se bem conta da ins ,ificin-cia da documentao econmica, fz instituir, em 1903, a "Comisso encarregada de pesquisar e publicar dos documentos relativos vida econmica da Revoluo", que presidiu at sua morte. Essa comis-so publicou, de 1903 at 1914, 64 volumes, dos quais 27 dedicados aos Cahiers de dolances e 11 a venda dos bens nacionais . Depois da guerra de 1914 a 1918 publicou uns 50 volumes de documentos

    uns 15 de memrias . Os historiadores tm agora a base indispen-svel para um estudo srio da histria econmica e social da Revolu-o . Base tanto mais necessria pela influncia da Histoire socialiste de la Rvolution, que foi bastante considervel. Albert Mathiez foi

    primeiro a afirmar: "digo humildemente que (a obra de Jaurs) trouxe no apenas o

    incentivo, sem o qual minhas pesquisas teriam sido impossveis, mas tambm muitas sugestes que me serviram de linhas mestras".

    Foi Mathiez o encarregado em 1922 de republicar a Histoire socialiste. Com efeito, at essa poca, Mathiez preocupara-se muito pouco com os problemas econmicos e sociais, pois sua ateno fra atrada pelas questes polticas e religiosas . Foi com a republi-cao da obra de Jaurs e ainda o espetculo dos acontecimentos da guerra de 1914-1918 que induziram Mathiez a interessar-se pelos problemas econmicos . Ainda que admirador de Jaurs, le no era homem de qualquer sistema: duvidava da sociologia e do que depois foi denominada "histria no-vnementielle".

    "No sou partidrio de viso sistemtica de filosofia e do mun-do escreveu tenho horror das construes abstratas... enga-nam-se em querer colocar-me numa classificao, catalogar-me num herbrio. Tenho o culto da vida e amo represent-la em sua com-plexidade, em seu conjunto e nos seus detalhes".

    Escreveu La vie chre et le mouvement social sous la Terreur (34) no tanto porque acreditasse na influncia preeminente da in-fraestrutura econmica, mas porque suas pesquisas, suas descobertas

    suas constataes a o levaram. sse livro constitui sem dvida alguma a parte mais importante de sua obra: pde reconstruir, infini-

    (34) . Paris, 1927.

  • 452

    tamente melhor do que fra feito antes dle, o programa social dos seguidores de Robespierre e mostrou, de maneira indiscutvel, que as divises internas dos revolucionrios entre Fogliantes e Jacobinos, entre Girondinos e Montanheses, entre seguidores de Danton, de Robespierre e Radicais ou seguidores de Hbert, encontravam-se, em sua origem, nas concepes sociais radicalmente diversas e no em contrastes puramente polticos .

    Se Mathiez aproximou-se tardiamente da histria econmica e social, dois outros historiadores que pertenciam mesma gerao, Philippe Sagnac e Georges Lefebvre, haviam voltado suas pesquisas, desde o incio de suas carreiras, aos problemas sociais da Revoluo francesa . Sagnac consagrou sua tese principal, em 1898, a La Lgis-lation civile de la Rvolution franaise: era a primeira vez que sses problemas, em grande parte jurdicos, eram enfrentados por um his-toriador, e Sagnac mostrou no trabalho a imensa vantagem que a his-tria da sociedade poderia trazer a um estudo profundo das institui-es . A tese complementar, escrita ainda em latim, tratava de um problema importante: o das reaes dos senhores feudais no fim do sculo XVIII. Em seguida Philippe Sagnac deixou de lado as questes econmicas e sociais para enfrentar os problemas polticos. Mas le dedicou o melhor de sua obra Revoluo: numerosos ar-tigos (35), publicaes de documentos tais como os Cahiers de dolances de la Flandre maritime, ou, em colaborao com Pierre Caron, a carta dos "Comits" dos direitos feudais, que mostrava co-mo foi abolido o regime feudal . Escreveu por fim uma sntese, re-ferente aos trs primeiros anos da Revoluo, que constitui o pri-meiro volume da Histoire de France contemporaine, publicada sob direo de Ernest Lavisse, obra que permanece ainda hoje como uma das melhores sbre o incio da Revoluo at a queda da mo-narquia .

    Philippe Sagnac, que em 1923 substituira Aulard na Sorbonne, teve por sua vez como sucessor, em 1937, na cadeira da histria da Revoluo, Georges Lefebvre . Nascido como Mathiez em 1874, Lefebvre no fra destinado inicialmente para atividade cientfica. Recebendo uma bolsa de estudo no liceu de Lille, fra colocado no setor de "ensino especial" criado por Duruy, e comeou a estudar grego e latim s por volta dos 17 anos de idade. Livre-docente aos 25 anos, ensinou nos liceus da provncia, mas em 1905, no pouco tempo livre de que dispunha, iniciou uma tese monumental, Les paysans du Nord pendant la Rvolution franaise; defendeu -a em 1924, com 50 anos de idade . Essa tese assinala uma data importante na historiografia da Revoluo, porque pela primeira vez a histria

    (35) . In Revue d'histoire moderne et contemporaine.

  • 453

    da classe camponesa era enfrentada e a Revoluo vista por baixo e no por alto . As influncias que determinaram sua esclha foram explicadas por le:

    "Tive uma derivao intelectual que partiu do liceu e sem d-vida da minha Flandres val, onde Jules Guesde fundoa u partido operrio francs sbre bases do marxismo. Mas devo mais a Jaurs. Foi sua Histria da Revoluo que decidiu a orientao de minhas pesquisas, sbre as quais j me haviam feito pensar, em verdade, a tese de Sagnac e os trabalhos de Loutchisky que j conhecia. S vi e segui Jaurs duas vzes, perdido na multido, e naturalmente le nunca ouviu falar de meu nome. Mas se preocuparem-se em achar-me um mestre, no reconheo outro seno le".

    O nome que Lefebvre colocou na primeira pgina de sua tese foi o de Jaurs, na qual explicou o seu ponto de vista:

    "o carter principal da grande crise aparece mais claramente e quase completamente livre de qualquer superposio de outra natu-reza no campo para os camponeses ela foi essencialmente uma revoluo social".

    E mais: estudando a revoluo no ponto de vista dos camp-neses, Lefebvre examinou pela primeira vez o ponto de vista da mas-sa e no o do poder. O Departamento do Norte prestava-se, de mo-do particular, a sse gnero de pesquisa: de carter mltiplo por suas origens histricas e sua estrutura geogrfica, apresentava uma densi-dade de populao bastante elevada (147 hab. por km2 ) e um incio de industrializao, que permite confrontar os problemas dos cam-poneses com os colocados no incio da revoluo industrial. A sua posio na fronteira da Frana, os ataques inimigos que sofreu, o Terror, que por sse motivo foi mais intenso que em outros lugares, no a isolaram dos grandes movimentos revolucionrios . Lefebvre mostrou quanto os camponeses estavam ligados aos antigos costumes rurais, coletivos e igualitrios .

    "A histria social da Revoluo escreveu Mathiez no foi ainda examinada com tal profundidade e amplido".

    Lefebvre continuou seus estudos sbre camponeses, alternan-do-os com a publicao de documentos . Em 1914 havia iniciado a publicao dos Documents relatifs l'histoire des subsistances dans le district de Bergues. Em 1932 sob o ttulo Questions agraires au temps de la Terreur, publicou um certo nmero de textos bem ca-ractersticos, precedidos de uma introduo importante na qual to-dos os problemas da poltica agrria dos robespierristas eram reto-mados . Contrriamente a Albert Mathiez, Lefebvre chegou con-cluso que essa poltica no era seno obra de circunstncia e que

  • 454

    no era possvel individualizar nos robespierristas um plano de re-forma agrria eficaz e profunda .

    Lefebvre estendeu os seus trabalho de histria rural a tda Fran-a em diversos artigos que foram reunidos em um volume, em 1954, por ocasio de seu octagsimo aniversrio, e sobretudo em um livro bastante sugestivo, La Grande Peur de 1789. O grande mdo, o mdo dos "assaltantes", isto , dos vagabundos que supostamente es-tavam a servio dos senhores, hostis a qualquer medida que negasse os seus privilgios, explicado pelas condies do campo em 1789, pela massa enorme de "indigentes", conseqncia da inflao demo-grfica do sculo XVIII. De fato, "o povo tinha mdo de si mesmo". Mas sse movimento o primeiro grande frmito revolucionrio que atingiu o povo francs em seu ntimo, provocando a abolio dos privilgios, a formao das municipalidades revolucionrias, da guar-da nacional, das federaes; foi le enfim que levou proclamao da "unidade e indivisibilidade" da Nao . sse estudo foi ainda am-pliado em um volume dedicado a tda histria do ano 89 publicado por ocasio do 150 aniversrrio da Revoluo em 1939 (36) .

    Georges Lefebvre teve discpulos que continuaram e confirma-ram suas pesquisas e suas concluses . Por um lado os camponses foram estudados em outras regies da Frana por Robert Laurent (3), Paul Bois (38) e P. de Saint-Jacob (39) . Por outro lado, foi estudado um outro grupo social que teve participao importante na Revoluo na Frana, o dos sans-culottes.

    Com efeito, se a aliana dos camponeses e da burguesia permi-tiu a conquista dos "princpios de 89" e as reformas fundamentais e definitivas, conseguidas nos primeiros meses da Revoluo, foi uma nova coligao que imps em 1792, uma vez declarada a guerra, so-lues audazes e verdadeiras "antecipaes socialistas" que deveriam ser efmeras, mas que serviriam de exemplo aos tericos e aos ho-mens de ao do sculo XIX e mesmo do XX . Essa coligao, po-derosa sobretudo em Paris, conhecida sob o nome de sans-culottes. Era formada de pequenos burgueses, artesos e operrios; imps a repblica, a taxao, a repartio dos excedentes alimentcios por parte do Estado, uma nova distribuio da propriedade, um incio de segurana social. At ento os sans-culottes no haviam sido estu-dados com a mesma ateno dedicada aos camponeses . A maior par-te dos historiadores sustentava que tratava-se de uma massa amorfa que havia seguido as sugestes de qualquer agitador: os "hebertistas", do nome de um dles, Hbert, e os "Radicais". Albert Soboul reno-

    . Traduo italiana de A. Galantee Garrone, 1949, Turim.

    . Les vignerons de la Cte d'or au XIXe sicle, Paris, 1958.

    . Les paysans de l'Ouest, Paris, 1960.

    . Les paysans de la Bourgogne du Norel au XVIIIe sicle, Paris, 1961.

  • 455

    vou o nosso conhecimento sbre essa questo fundamental com sua tese de doutorado (40), cujas concluses essenciais foram reprodu-zidas recentemente (41) .

    Albert Sobou mostrou o carter complexo do grupo social dos sans-culottes, que no constituiam uma classe no sentido marxista da palavra. Os sans-culottes eram originrios de reas bastante hetero-gneas: trabalhadores independentes, membros de profisses liberais e assalariados . Da, no interior do grupo, as contradies que im-pediram o sucesso de sua ao . Se os sans-culottes estavam de acr-do ao reclamar a taxao que deveria impedir o aumento do custo de vida, muitos dles eram hostis a uma organizao coletivista da so-ciedade, sbre a qual as formulaes eram de resto pouco definidas . Os sans-culottes foram simples realizadores de uma forma de de-mocracia direta e de uma ao revolucionria bastante anrquica, o que permitiu sem dvida o sucesso das "jornadas" de 10 de agsto de 1792 (a derrubada de Luis XVI) e de 2 de junho de 1798 (a elimi-nao dos Girondinos da Conveno), mas que perturbava a ao do govrno, e em particular do Comit de Salvao Pblica, respon-svel pela defesa nacional. Assim Robespierre, membro preeminente do Comit, fz prender, em maro de 1794, os expoentes dos sans--culottes, Hbert e os Radicais, que foram levados ao tribunal revolu-cionrio, condenados e justiados, enquanto o govrno promulgava, para aplacar a massa dos sans-culottes, os decretos de Ventoso, que deveriam multiplicar a pequena propriedade individual, dividindo en-tre os indigentes os bens dos suspeitos . Entretanto, essa compensa-o de resto dificilmente aplicvel no satisfez os sans-culottes que desde ento sustentaram com pouca energia o govrno revolu-cionrio: assim explica-se a queda dos seguidores de Robespierre a 9 de Terminador do ano II (27 de julho de 1794) . Contudo o movi-mento sans-culotte, pelo tom radical que conferiu Revoluo fran-cesa, permitiu a instalao do govrno revolucionrio, a resistncia eficaz contra a invaso, as primeiras tentativas modernas de econo-mia programada e de segurana social. Os trabalhos de Albert So-boul foram completados pelos do historiador ingls Georges Rud, que analisou a composio da multido durante as grandes jornadas revolucionrias (42) e pelos do noruegus Kke D. Tnnesson (43). Claro que a jornada de 9 de Terminador no anulara o grupo dos sans-culottes parisienses, que ao contrrio foram induzidos a reto-mar sua ao para lutar contra a indescritvel misria do inverno de 1794-1795. Nessa poca foram influenciados pela propaganda de

    . Les sans-eulottes parisiens en l'an II, Paris, 1958.

    . Prcis d'histoire de la Rvolution franaise, Paris, 1962.

    . The Crowd in the French Revolution, Oxford, 1958.

    . La dfaite des sans-culottes, Paris, 1959.

  • 456

    Babeuf e de Buonarroti, ento trancados na priso de Plessis, e que comeavam a desejar uma transformao social radical e a instaura-o de um regime comunista . As insurreies de Germinal e de Prairial do ano III (maro-abril de 1795) assinalaram o ltimo es-fro dos sans-culottes parisienses para apoderarem-se do poder. Fa-lharam porque pela primeira vez a Conveno no hesitou em apelar ao exrrcito regular para reprimir os movimentos . Assim, stes dife-rentes trabalhos delimitaram a estrutura social dos sans-culottes, seu programa e sua ao.

    sses estudos permitiram histria social da Revoluo rea-lizar grandes progressos . Sem dvida, outros grupos sociais ficaram sem serem estudados, seja em Paris, seja nas provncias, como por exemplo a burguesia: Georges Lefebvre consagrou de Orleans um estudo considervel que no teve tempo de publicar em vida, mas que apareceu postumamente (44) . Outros esto em realizao . Pa-ralelamente progrediu tambm a histria econmica . Depois de ter permanecido por muito tempo indecisa e ser colocada na rea da histria "para campees", (45) a histria econmica encontrou seu caminho com os trabalhos fundamentais de Franois Simiand sbre salrios e preos (46) . Ernest Labrousse, inspirando-se nos mtodos de Franois Simiand, renovou a histria econmica da Revoluo francesa com suas obras clssicas (47) .

    Mostrou que a Revoluo fra provocada por uma crise eco-nmica que comeou a ser sentida por volta de 1770 e continuou a agravar-se at 1789. O aumento dos preos iniciado crca de 1730 interrompeu-se, com efeito, por volta de 1770 para ser substituido por uma sucesso de aumentos bruscos e de quedas profundas dos preos dos cereais, que indicam graves perturbaes na economia . significativo que 14 de julho de 1789 no seja smente o dia em que foi tomada a Bastilha, mas tambm aqule no qual o preo do po atingiu em Paris o seu nvel mais alto . Por outro lado, no mesmo momento, em que as colheitas de trigo diminuiam, as de uva torna-vam-se muito importantes . Ao mesmo tempo o campons sofria com a diminuio dos ingressos derivados da venda do gro, escasso, e com a do vinho, abundante . Quando aos viticultores que no produ-

    . tudes orlanaises, Paris, 1963, vol. 2.

    . Cfr. os trabalhos de Henri Se, por exemplo, a lista que consta na "Bi-bliografia" de sua Histoire conomique, vol. II; publicada por Robert Schnerb, nova edio, Paris, 1951.

    . Em especial Le salaire, l'volution sociale et la monnaie, vol. 3, Paris, 1931-1932 e Recherches anciennes et nouvelles sur Ze mouvement gnral des prix du XVIe au XIXe sicle, Paris, 1933.

    . Esquisse du mouvement des prix et des revenus en France au XVIIIe sicle, 1933 e La crise de l'conomie franaise la fin de l'ancien rgime et au dbut de la Rvolution, 1944.

  • 457

    ziam cereais, estavam arrasados . Assim, a Revoluo francesa ex-plica-se, em grande parte, por uma sria crise econmica iniciada por volta de 1770 e que atingiu o auge em seguida a desastrosa co-lheita de 1788.

    Mas uma outra causa da Revoluo dada, sem dvida, pela presso demogrfica que agora comea a ser estudada. No sculo XVIII tda a populao da Europa aumentou considervelmente, sem dvida alguma duplicou (48) . Mas o aumento seguiu seu prprio ritimo em cada um dos pases . Na Frana o aumento mdio para o perodo que vai de 1715 a 1789 esteve smente em 40%; mas per-manece sempre o fato que sse aumento foi grave, pois a Frana j era o pas mais populoso da Europa. Quanto as causas disso, tra-balhos minuciosos realizados sob orientao do Instituto nacional de estudos demogrficos, mostraram que tal aumento era devido diminuio da mortalidade dos adultos jovens, isto , a elevao do nvel de vida, devido possivelmente ao melhoramento do regime alimentar, conseqncia do desenvolvimento das culturas agrcolas, importadas da Amrica no sculo XVI. Assim, aparece de modo claro que as causas profundas, mas essenciais, da Revoluo foram de ordem econmica e social. A valorizao das causas econmicas e demogrficas da Revoluo no deve levar os historiadores a mi-nimizar as causas intelectuais e as causas polticas . As causas inte-lectuais so bem claras, mas depois da obra de Daniel Mornet (49), no foi publicado nada de realmente importante sbre a questo . Quanto "conspirao manica", se encontra ainda seguidores, a abertura dos arquivos da Maonaria, hoje acessveis em Frana, mos-trou que seus aderentes dividiram-se em 1790 de modo quase igual entre partidrios e adversrios da Revoluo (50) .

    Sem dvida no podemos negar que a Maonaria teve alguma influncia sbre as origens da Revoluo: as lojas, locais de reunio dos esprirtos "ilustrados", centros de leitura de jornais e publica-es "filosficas", contribuiram para difundir as "luzes". No orga-nizaram as conspiraes revolucionrias . De fato, na Frana, a in-capacidade da monarquia de resolver os problemas polticos e finan-ceiros, precipitou a exploso revolucionria, provocando, para co-mear, a revolta das classes privilegiadas . Jean Egre