poesias ts eliot

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    P R U F R O C KE O U T R A S O B S E R VA E S

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    A Jean Verdenal, 1889-1915,

    morto em Dardanelos

    Or puoi la quantitate

    Comprender dellamor cha te mi scalda,

    Quandio dismento nostra vanitateTrattando lombre come cosa salda.1

    1 Dante Alighieri, Divina commedia, Purgatorio, XXI, 133-136. (N. do T.)

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    Si credesse che mia risposta fosseA persona chemai tornasse al mondo,

    Questa fiamma staria senza pi scosse.

    Ma per che gi mai di questo fondo

    Non torno vivo alcun, siodo il vero,

    Sanza tema dinfamia ti rispondo.3

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    2 Escrito em Paris-Munique, 1911. (N. do T.)3 Dante Alighieri, La divina commedia, Inferno, XXVII, 61-66. (N. do T.)

    A cano de Amor de J. Alfred Prufrock2

    Sigamos ento, tu e eu,Enquanto o poente no cu se estendeComo um paciente anestesiado sobre a mesa;Sigamos por certas ruas quase ermas,Atravs dos sussurrantes refgiosDe noites indormidas em hotis baratos,Ao lado de botequins onde a serragemSe mistura s conchas das ostras:Ruas que se alongam como um tedioso argumentoCujo insidioso intento atrair-te a uma angustiante questo...Oh, no perguntes: Qual?Sigamos a cumprir nossa visita.

    No saguo as mulheres vm e voA falar de Miguel ngelo.

    A neblina amarela que roa as espduas na vidraa,A fumaa amarela que na vidraa o focinho esfregaE cuja lngua resvala nas esquinas do crepsculo,Pousou sobre as poas aninhadas na sarjeta,Deixou cair sobre seu dorso a fuligem das chamins,Deslizou furtiva no terrao, alou um repentino salto,E ao perceber que era uma tenra noite de outubro,Enrodilhou-se ao redor da casa e adormeceu.

    E na verdade tempo haverPara que ao longo das ruas flua a parda fumaa,

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    Roando suas espduas na vidraa;Tempo haver, tempo haverPara moldar um rosto com que enfrentar

    Os rostos que encontrares;Tempo para matar e criar,E tempo para todos os trabalhos e os dias em que mosSobre teu prato erguem, mas depois deixam cair uma questo;Tempo para ti e tempo para mim,E tempo ainda para uma centena de indecises,E uma centena de vises e revises,Antes do ch com torradas.

    No saguo as mulheres vm e voA falar de Miguel ngelo.

    E na verdade tempo haverPara dar rdeas imaginao. Ousarei E Ousarei?Tempo para voltar e descer os degraus,Com uma calva entreaberta em meus cabelos(Diro eles: Como andam ralos seus cabelos!) Meu fraque, meu colarinho a empinar-me com firmeza o queixo,Minha soberba e modesta gravata, mas que um singelo alfinete apruma

    (Diro eles: Mas como esto finos seus braos e pernas!) OusareiPerturbar o universo?Em um minuto apenas h tempoPara decises e revises que um minuto revoga.

    Pois j conheci a todos, a todos conheci Sei dos crepsculos, das manhs, das tardes,Medi minha vida em colherinhas de caf:Percebo vozes que fenecem com uma agonia de outonoSob a msica de um quarto longnquo.

    Como ento me atreveria?

    E j conheci os olhos, a todos conheci Os olhos que te fixam na frmula de uma frase;Mas se me confino a frmulas, gingando sobre um alfinete,Ou se me sinto alfinetado a colear rente parede,Como ento comearia eu a cuspir

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    Todo o bagao de meus dias e caminhos?E como iria atrever-me?

    E j conheci tambm os braos, a todos conheci Alvos e desnudos braos ou anelados de braceletes(Mas luz de uma lmpada, se quedam lnguidosCom sua leve penugem castanha!)Ser o perfume de um vestidoQue me faz divagar tanto?Braos que repousam sobre a mesa, ou se enredam num xale.

    E ainda assim me atreveria?E como o iniciaria?

    . . . . . . .Diria eu que muito caminhei sob a penumbra das vielas

    E vi a fumaa a desprender-se dos cachimbosDe homens solitrios em mangas de camisa, debruados janela?

    Eu teria sido um par de dilaceradas garrasA esgueirar-me pelo fundo de mares silenciosos.

    . . . . . . .E a tarde e o crepsculo adormecem to docemente!

    Acariciados por longos dedos,

    Entorpecidos... exangues... ou a fingir-se de enfermos,L no fundo estirados, aqui, ao nosso lado.Aps o ch, os biscoitos, os sorvetes,Teria eu foras para enervar o instante e induzi-lo sua crise?Embora j tenha chorado e jejuado, chorado e rezado,Embora j tenha visto minha cabea (a calva mais cavada)

    servida numa travessa,No sou profeta mas isso pouco importa;Percebi quando titubeou minha grandeza,E vi o eterno Lacaio a reprimir o riso, tendo nas mos meu sobretudo.Enfim, tive medo.

    E valeria a pena, afinal,Aps as chvenas, a gelia, o ch,Entre porcelanas e algumas palavras que disseste,Teria valido a penaCortar o assunto com um sorriso,Comprimir todo o universo numa bolaE arremess-la ao vrtice de uma suprema indagao,

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    Dizer: Sou Lzaro, venho de entre os mortos,Retorno para tudo vos contar, tudo vos contarei. Se algum, ao colocar sob a cabea um travesseiro,

    Dissesse: No absolutamente isso o que quis dizer,No nada disso, em absoluto.

    E valeria a pena, afinal,Teria valido a pena,Aps os poentes, as ruas e os quintais polvilhados de rocio,Aps as novelas, as chvenas de ch, apsO arrastar das saias no assoalho Tudo isso, e tanto mais ainda? Impossvel exprimir exatamente o que penso!Mas se uma lanterna mgica projetasseNa tela os nervos em retalhos...Teria valido a pena,Se algum, ao colocar um travesseiro ou ao tirar seu xale s pressas,E ao voltar em direo janela, dissesse:

    No absolutamente isso,No isso o que quis dizer, em absoluto.

    . . . . . . .

    No! No sou o Prncipe Hamlet, nem pretendi s-lo.Sou um lorde assistente, o que tudo farPor ver surgir algum progresso, iniciar uma ou duas cenas,Aconselhar o prncipe; enfim, um instrumento de fcil manuseio,Respeitoso, contente de ser til,Poltico, prudente e meticuloso;Cheio de mximas e aforismos, mas algo obtuso;s vezes, de fato, quase ridculoQuase o Idiota, s vezes.

    Envelheo... envelheo...Andarei com os fundilhos das calas amarrotados.

    Repartirei ao meio meus cabelos? Ousarei comer um pssego?Vestirei brancas calas de flanela, e andarei pelas praias.Ouvi cantar as sereias, umas para as outras.

    No creio que um dia cantem para mim.

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    Retrato de uma Dama4

    I

    Entre a fumaa e a neblina de uma tarde de dezembro,A tens montada a cena como dever ser vista Assim: Pertence a ti toda esta tarde;E quatro crios na penumbra da sala,Quatro anis de luz no teto a coroar nossas cabeas,Uma atmosfera de tumba de JulietaPropcia a que tudo se diga, ou a que nada se enuncie.Digamos que estivssemos a ouvir o derradeiro polonsA transmitir os Preldios com a ponta de seus dedos e cabelos.To ntimo este Chopin que julgo deveria sua almaRessuscitar apenas entre amigos,

    Uns dois ou trs, talvez, que sequer lhe roariam o vioPolido e arranhado nesta sala de concertos. E de fato as conversas deslizam de mansinhoEntre veleidades e suspiros a custo reprimidosEm meio a tbios timbres de violinosAcompanhados de arcaicos cornetinsE principiam.No sabeis o quanto eles significam para mim, meus amigos,E como raro, estranho e raro, encontrarNuma vida feita de tanto entulho, tanto resto e retalho(Pois na verdade o odeio... sabes? No s cego!Como s vivo e sutil!),Um amigo que possui tais qualidades,Que possui e ofereceTais qualidades sobre as quais arde a amizade.O quanto importa que te diga isto Sem tais amizades a vida, quecauchemar!

    Thou hast commited Fornication: but that was in another country,

    And besides, the wench is dead.

    The Jew of Malta5

    4 Escrito em Cambridge, Massachusetts, 1909-10. (N. do T.)5 Marlowe, Christopher. O judeu de Malta (1592), ato IV, cena 1: Haveis fornicado, / Mas

    foi em outro pas, / E alm disso, a rapariga est morta. (N. do T.)

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    Entre os volteios dos violinosE as arietasDos speros cornetins

    Um obscuro tant em meu crebro comeaAbsurdamente a percutir o seu preldio,Obstinada salmodia:No mnimo, uma estrita nota imprecisa. Respiremos um pouco, no torpor de uma tragada,Admiremos os monumentos,Falemos sobre os fatos mais recentes,Acertemos nossos relgios pelos relgios das praas.E sentemo-nos ento, por meia hora, a beber nossa cerveja.

    II

    Agora que florescem os lilases,Um vaso de lilases tem ela em seu quartoE um deles trana entre os dedos enquanto fala.Ah, meu caro, no sabes, no sabesO que a vida, tu, que a subjugas em tuas mos(Lentamente a retorcer o talo de um lils);

    Deixas que de ti a vida flua, deixas que ela fluaE cruel a juventude, e nenhum remorso temE sorri perante aquilo que sequer consegue ver.Sorrio, claro est.E continuo a tomar ch.

    Mas com aqueles poentes de abril, que de algum modorecordam

    Minha vida j sepulta, e Paris na primavera,Sinto uma paz infinita, e vejo o mundoEsplndido e jovem afinal.

    A voz retorna como a insistente atoniaDe um violino quebrado numa tarde de agosto:Sempre estou certa de que entendesMeus sentimentos, sempre certa de que os sentes,Certa de que, na outra borda do abismo, alcances tua mo.

    s invulnervel, no tens o calcanhar de Aquiles.

    Vais em frente e, quando triunfas, podes dizer: aqui muitos falharam.

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    Mas que tenho eu, que tenho eu, meu caro,Para dar-te que possas receber de mim?Amizade e simpatia apenas

    De quem j quase chega ao fim da vida.

    Estarei sentada aqui servindo ch aos amigos...

    Ponho meu chapu: como posso, pusilnime, exigir satisfaesPor haver ela dito o que me disse?Me encontrars todas as manhs nos jardins pblicosA ler histrias em quadrinhos e a pgina esportiva.Em particular, anoto:Uma condessa inglesa sobe ao palco,Um grego morto num bailado polons,Outro acusado de desfalque bancrio confessou.Mantenho minha posturaE mantenho-me controladoSalvo se um realejo, a martelar mecnico uma escala,Repisa uma cedia cano familiarCom o aroma de jacintos a fluir pelo jardimRelembrando coisas que algum j desejou.Estaro certas ou erradas tais idias?

    III

    Cai a noite de outubro; regressando como outrora,Exceto por uma leve sensao de estar inquieto,Galgo os degraus e giro a maaneta da portaE sinto como se houvesse subido de quatro as escadas.Com que ento viajas? E quando voltas?Ora, que pergunta mais tola!Dificilmente o saberias.Hs de achar muito o que aprender l fora.Caiu-me lento o sorriso entre objetos antigos.

    Poders talvez escrever-me?Por um segundo subiu-me o sangue cabeaComo se assim eu calculasse este momento.Tenho-me surpreendido com freqncia ultimamente

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    (Mas nossos princpios ignoram sempre nossos fins!)Por jamais nos havermos tornado amigos.Senti-me como quem sorrisse, e ao voltar percebi,

    De repente, sua vtrea expresso.Perdi todo o controle; e em trevas na verdade mergulhamos.

    Eu disse o mesmo para todos, todos os nossos amigos,Estavam todos certos de que nossos sentimentosPoderiam conjugar-se to intimamente!Eu mesma dificilmente o entendo.Deixemos que isto fique agora sua sorte.Escrevers, de quando em vez.E talvez nem demores tanto a faz-lo.Estarei sentada aqui, servindo ch aos amigos.

    E devo ento trocar de forma a cada instantePara dar-lhe afinal uma expresso... danar, danarComo faria um urso bailarino,Tagarelar como um papagaio, rilhar os dentes como um bugio.Respiremos um pouco, no torpor de uma tragada.

    Bem! E se ela morresse numa tarde qualquer,

    Numa tarde enevoada e cinzenta, num encardido e rseo crepsculo;Se ela morresse e me deixasse aqui sentado, a caneta entre os dedos.A nvoa a cair sobre os telhados;Por um momento me perco em dvidas,

    J que no sei o que sentir ou se o entendo,Se sou um sbio ou simplesmente um tolo, cedo ou tarde...No colheria ela algum lucro, afinal?Essa melodia culmina com uma agonia de outonoE j que aqui falamos de agonia Algum direito a sorrir eu teria?

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    Preldios

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    A tarde de inverno declinaCom rano de bifes nas galerias.Seis horas.O fim carbonizado de nevoentos dias.E agora um convulso aguaceiro enrolaOs restos encardidosDe folhas secas ao redor de nossos psE jornais que circulam no vazioDos terrenos baldios.O temporal chicoteiaAs persianas rachadas e o capuz das chamins.E na esquina de uma ruaUm solitrio cavalo de cocheBajefa e escarva o solo.E ento

    As lmpadas dardejam seu claro.

    II7

    A manh se apercebeDos miasmas de cerveja chocaQue impregnam as lajes pisoteadasDa rua recoberta de serragem,Imprimindo suas lamacentas pegadasAt as matinais cantinas de caf.

    Em face de outros mil disfarcesQue o tempo reassume a cada passo,Pode pensar-se em todas essas mosQue emergem como sombras embaadasEm milhares de quartos mobiliados.

    III8

    Sacudiste da cama um cobertor,De costas te quedaste, e esperaste;

    6 Escrito em Cambridge, Massachusetts, 1909-1910. (N. do T.)7 Escrito em Cambridge, Massachusetts, 1909-1910. (N. do T.)8 Escrito em Paris, 1910. (N. do T.)

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    Cochilaste, e velaste a noite que revelavaMilhares de srdidas imagensDe que era constelada a tua alma;

    Elas bruxulearam contra o teto.E quando todos regressaramE a luz escorregou entre as venezianasE ouviste o canto dos pardais nas calhas,Tiveste uma tal viso da ruaComo sequer ela prpria a entenderia;Sentada beira da cama, anelasteEm teus cabelos caracis e papelotes;E estreitaste as plidas plantas dos psEntre as palmas de ambas as mos sujas.

    IV9

    Sua alma se estendeu cruzando os cusQue se estiolam por detrs dos edifcios,Ou a pisotearam insistentes pss quatro e s cinco e s seis horas da tarde;E curtos dedos firmes a encher cachimbos,E jornais vespertinos, e olhos

    Convictos de certas certezas,A conscincia de uma rua enegrecidaImpaciente por se apoderar do mundo.

    Sou movido por fantasias que se enredamAo redor dessas imagens, e a elas se agarram:A noo de algo infinitamente suaveDe alguma coisa que infinitamente sofre.

    Enxuga tuas mos boca, e ri;Os mundos se contorcem como velhas mulheresA juntar lenha nos terrenos baldios.

    9 Escrito em Cambridge, Massachusetts, 1911. (N. do T.)

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    Rapsdia sobre uma noite de Vento10

    Meia-noite.Uma sntese lunar capturaTodas as fases da rua,Sussurrantes sortilgios lunaresDissolvem os planos da memriaE todas as suas lmpidas tramas,Divises e precisos mecanismos.Cada lampio que ultrapassoPulsa como um tambor fatdico,E atravs das lacunas do escuroA meia-noite golpeia a memriaComo um louco brande um gernio morto.

    Uma e meia,O lampio cuspia,O lampio resmungava,O lampio dizia: Olha aquela mulherAo teu encontro hesitante luz da portaQue a recorta como um riso escarninho.

    Repara-lhe a barra do vestidoRasgada e suja de areia,E o canto de seu olho que se arqueiaComo um grampo retorcido.A memria expele e dissecaUm turbilho de coisas tortas;Um ramo tortuoso sobre a praiaPolidamente carcomido e cinzeladoComo se um mundo erguesse superfcieO segredo de seu esqueleto,Rgido e alvadio.A mola espatifada no ptio de uma fbrica,

    10 Escrito em Paris, 1911. (N. do T.)

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    A ferrugem que se aferra formaQue a fora deixou tensa e enrodilhadaE pronta a abocanhar com uma dentada.

    Duas e meia,O lampio dizia:Observa o gato que se achata na calha,Espicha a sua lngua e saboreiaUm naco ranoso de manteiga.Tal a mo do menino, automtica,Surripiou e embolsou um brinquedoQue deslizava ao longo do cais.Eu no podia ver atrs dos olhos do menino.Tenho visto pela rua olhos que tentamEmergir por entre persianas iluminadas,Um velho caranguejo na sua carcaa calcriaAgarrado ponta de um graveto em que eu o erguia.

    Trs e meia,O lampio cuspia,O lampio no escuro resmungava,O lampio zumbia:

    Olha a lua,La lune ne garde aucune rancune,Pisca um olho tmido,Sorri pelas esquinas.Alisa os cabelos de gramnea.A lua perdeu a memria.Bexigas descoradas ulceram-lhe a face.Suas mos retorcem uma rosa de papelQue recende a p e gua-de-colnia.Ela est s, em companhiaDe todos os antigos eflvios noturnosQue lhe cruzam e entrecruzam o crebro.Aflora a reminiscnciaDe secos gernios plidosE de poeira nas frinchas,Aroma de castanhas pela rua,E odor de fmea nas alcovas clandestinas,E de cigarros pelos corredoresE de coquetis nos bares.

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    O lampio disse:Quatro horas,eis um nmero sobre a porta.

    Memria!Tens a chave,A luminria alastra um crculo na escada.Sobe.A cama franca; a escova de dentes pende da parede,Pe teus sapatos junto porta, dorme, para a vida te prepara.

    A ltima toro da faca.

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    Manh Janela11

    H um tinir de louas de cafNas cozinhas que os pores abrigam,E ao longo das bordas pisoteadas da ruaPenso nas almas midas das domsticasBrotando melanclicas nos portes das reas de servio.

    As ondas castanhas da neblina me arremessamRetorcidas faces do fundo da rua,E arrancam de uma passante com saias enlameadasUm sorriso sem destino que no ar vacilaE se dissipa rente ao nvel dos telhados.

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    OBoston Evening Transcript12

    Os leitores do Boston Evening TranscriptOndulam ao vento como um trigal maduro.

    Quando a tarde freme languidamente na rua,Acordando em alguns os apetites de viverE trazendo a outros o Boston Evening Transcript,Subo os degraus e toco a campainha, voltando-me fatigado,Como algum que o fizesse para dizer adeus a La Rochefoucauld,Caso a rua fosse o prprio tempo e este flusse no fim da rua,E digo: Prima Harriet, eis oBoston Evening Transcript.

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    Tia Helen13

    A senhorita Helen Slingsby era minha tia solteirona,E morava numa casinha prxima a um quarteiro eleganteSob os cuidados de quatro serviais.Ela acaba de morrer e houve silncio no cuE silncio no seu cantinho de rua.Cerraram as persianas e o agente funerrio esfregou-lhe os ps Ele sabia que esse tipo de coisa j ocorrera antes.Os ces tiveram generosamente garantida a sua subsistncia,Mas logo depois o papagaio tambm morreu.O relgio de Dresden continuou seu tiquetaque sobre a lareira,E o lacaio sentou-se mesa de jantar,Aconchegando nos joelhos inchados a segunda criada Ela, que fora sempre to carinhosa enquanto sua patroa era viva.

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    Prima Nancy14

    A senhorita Nancy EllicottAndava a passo largo pelas colinas e esmagava-as,Cavalgava pelas colinas e esmagava-as As ridas colinas da Nova Inglaterra Caando a cavalo com a ajuda dos cesNo pasto do gado.

    A senhorita Nancy fumavaE danava todas as danas modernas;E suas tias no estavam bem certas do que pensavam a respeito,Mas sabiam que era moderno.

    Sob as prateleiras envernizadas da estante vigiavamMatthew e Waldo, guardies da f,O exrcito da lei imutvel.

    14 Escrito em Oxford, Inglaterra, 1915. (N. do T.)

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    Sr. Apollinax15

    Quando o Sr. Apollinax visitou os Estados UnidosSua gargalhada tilintava entre as chvenas de chPensei em Fragilion, essa criatura furtiva entre as btulas,E em Priapo atrs das moitasEspreitando a dama a balanar-se.No palcio da Sra. Phlaccus, na casa do Professor Channing-Cheetah,Ele ria como um feto irresponsvel.Sua gargalhada era profunda e submarinaComo a do velho homem do marOculto sob as ilhas de coralOnde corpos exaustos de afogados flutuam deriva no silncio verde,Gotejando dos dedos da espuma.

    Tentei avistar a cabea do Sr. Apollinax rolando sob uma cadeiraOu arreganhando os dentes por cima de um biombo

    Cheio de algas marinhas nos cabelos.Escutei o tropel do centauro sobre a relva duraEnquanto sua conversa seca e apaixonada engolia a tarde.Ele encantador Mas, afinal de contas, o que quer dizer? Suas orelhas pontudas... Ele parece disforme Dele ouvi algo que no consigo contestar.No que toca viva do Sr. Placcus, ao professor e senhora Cheetah,Lembro-me de uma rodela de limo e de um bolinho apimentado.

    Luciano

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    15 Escrito em Oxford, Inglaterra, 1916. (N. do T.)16 Oh, que novidade! Por Hrcules, que coisa incrvel! Que homem criativo! Zuxis ou

    Antoco. (N. do T.)

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    Histeria

    Quando ela ria, eu me apercebia de que estava comeando a envolver-mecom a sua risada e a fazer parte dela, at que seus dentes se reduzissemapenas a estrelas ocasionais aptas a formar esquadres em treinamento.Eu era tragado por ininterruptas arfadas, inalado aps cada momentnearecuperao, e me encontrava perdido, enfim, nas cavernas escuras desua garganta, golpeado por ondulaes de msculos desconhecidos. Umgarom idoso com as mos trmulas estendia apressado uma toalhaquadriculada em rosa e branco sobre a mesa verde corroda pela ferrugem,repetindo: Se a dama e o cavalheiro desejarem tomar o seu ch no jardim,se a dama e o cavalheiro desejarem tomar o seu ch no jardim... Concluque, se sua respirao arquejante pudesse ser interrompida, alguns dosfragmentos da tarde poderiam ser recolhidos, e, com extremo cuidado,concentrei sutilmente a minha ateno para que esse fim fosse alcanado.

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    Conversa Galante17

    Observo: Nossa sentimental amiga, a Lua!Ou talvez ( fantstico, admito)Seja o balo do Preste Joo que agora fitoOu uma velha e baa lanterna suspensa no arAlumiando pobres viajantes rumo a seu pesar.

    E ela: Como divagais!

    Eu, ento: Algum modula no tecladoEsse noturno raro, com que explicamosA noite e o luar; partitura que roubamosPara dar forma ao nosso nada.

    E ela: Me dir isso respeito?Oh, no! Eu que de vazios sou apenas feito.

    Vs, senhora, sois a perene ironia,A eterna inimiga do absoluto,A que mais de leve torce nossa tristeza erradia!Com vosso ar indiferente e absoluto,De um golpe cortais nossa louca potica os seus mistrios...

    E ela: Seremos afinal assim to srios?

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    17 Escrito em Cambridge, Massachusetts, 1909-1910. (N. do T.)

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    La Figlia Che Piange18

    Detm teus passos no topo da escada...Apia-te numa urna do jardim...Tece, tece a luz do sol em teus cabelos...Aperta tuas flores contra ti com doloroso espanto...Atira-as ao cho e volta-teCom uma furtiva mgoa em teus olhos,Mas tece, tece a luz do sol em teus cabelos.

    Assim teria eu desejado que ele se fosse,Assim teria eu desejado que ela ficasse e sofresse,Assim teria ele ido emboraComo a alma deixa o corpo ferido e dilacerado,Como o esprito abandona o corpo que o serviu,Deveria eu encontrarAlgum caminho incomparavelmente leve e sutil,Algum caminho que ambos pudssemos compreender,

    Simples e sem f como um sorriso e um aperto de mo.

    Ela se foi, mas com o outonoPor muitos, muitos dias e muitas horasTiraniza a minha imaginao,Com os cabelos sobre os braos e os braos cheios de flores.E pergunto como teriam conseguido unir-se!Deveria eu renunciar a um gesto e a uma atitude.s vezes tais reflexes ainda assombramA inquieta meia-noite e o tranqilo meio-dia.

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    O quam te memorem virgo...19