neoplasia cÍstica do pÂncreas: anÁlise de …hepatectomia.net/pdf/b16 cisto3.pdf · sólido...

5
As neoplasias císticas constituem um grupo incomum dentre as neoplasias pan- creáticas. Estas lesões têm sido vistas e tratadas com maior freqüência nas últimas décadas, provavelmente devido aos avan- ços tecnológicos no diagnóstico e na técnica cirúrgica. Representam cerca de 9% a 13% de todas lesões císticas do pâncreas, cerca de 1% das neoplasias pancreáticas e são predominantes em pacientes do sexo feminino. O quadro clínico é constituído de sintomas vagos de pressão ou dor em região epigástrica na maioria dos pacientes 8 . O objetivo deste trabalho é analisar os aspectos clínicos, diagnósticos, anátomo- patológicos e terapêuticos de 24 pacientes portadores de neoplasia cística do pâncreas tratados no Serviço de Cirurgia das Vias Biliares e Pâncreas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo no período entre 1982 e 1993. MATERIAL E MÉTODOS Foram estudados 24 pacientes portado- res de tumores císticos do pâncreas e aten- didos no Serviço de Cirurgia das Vias Biliares e Pâncreas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo no período entre 1982 e 1993. Foram analisados: sexo, idade, quadro clínico, exames laboratoriais, diagnóstico, tamanho do cisto, exames complementares, tratamento realizado e evolução pós tratamento. RESULTADOS A idade dos pacientes variou entre 21 e 80 anos, com média de 53,5 anos, sendo 22 (91,7%) do sexo feminino e dois (8,3%) do sexo masculino. O sintoma mais freqüente foi dor abdominal incaracterística, presente em 71% dos pacientes. Emagrecimento, au- mento de volume abdominal e peso pós- prandial estiveram presentes em 29%, 25% e 8% dos pacientes, respectivamente. O tumor cístico de pâncreas foi achado ultras- sonográfico em dois pacientes (8%) durante exame de rotina. O diagnóstico de lesão cís- tica foi feito em quatorze de dezoito pacien- tes submetidos a ultrassonografia (Fig.1), enquanto que este diagnóstico foi sugerido em dezoito dos dezenove pacientes que rea- lizaram tomografia computadorizada (Figu- ras 2 e 3), com sensibilidade de 77,8% e 94,7%, respectivamente (Tabela 1). Todos os pacientes foram submetidos a cirurgia. Doze pacientes tiveram diagnósti- co de cistadenoma seroso (Fig.4), dez apre- sentavam diagnóstico de cistadenoma mucinoso (Fig.5) e dois cistadenocarcino- ma mucinoso (Fig.6). Um paciente, com diagnóstico de pseudocisto de pâncreas através de biópsia de congelação, posterior- mente mostrou tratar-se de cistadenoma mucinoso com evolução para cistadenocar- cinoma com carcinomatose cerca de um ano após a cirurgia, que se constitui de anas- tomose cisto-jejunal. O tamanho das lesões císticas variou de 2,3 cm a 15 cm de diâmetro, sendo que o cistadenoma muci- noso tinha diâmetro estatisticamente maior NEOPLASIA CÍSTICA DO PÂNCREAS: ANÁLISE DE 24 CASOS Marcel Cerqueira Cesar Machado, André L. Montagnini, Marcel Autran C. Machado, Roberto Falzoni, Paula Volpe, José Jukemura, Emilio E. Abdo, Sonia Penteado, Telesforo Bacchella, José E. Monteiro-Cunha e Henrique W. Pinotti. REV. HOSP. CLÍN. FAC. MED. S. PAULO49(5): 208-212, 1994 MACHADO, M.C.C. e col. - Neoplasia cística do pâncreas: análise de 24 casos. Rev. Hosp. Clín. Fac. Med. S. Paulo 49(5): 208-212, 1994 RESUMO: Os autores estudaram 24 pacientes portadores de neoplasia cística do pâncreas tratados no Serviço de Cirurgia das Vias Biliares e Pâncreas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo no período entre 1982 e 1993. A idade dos pacientes variou entre 21 e 80 anos, com média de 53,5 anos. O sintoma mais freqüente foi dor abdominal incaracterística, presente em 71% dos pacientes. Emagrecimento, aumento de volume abdominal e peso pós-prandial estiveram presentes em 29%, 25% e 8% dos pacientes, respectivamente. O diagnóstico pré-operatório foi feito através de ultrassonografia e tomografia computadorizada. Todos pacientes foram submetidos a exploração cirúrgica. O diagnóstico histopatológico foi de cistadenoma seroso em 12 doentes, cistadenoma mucinoso em dez e cistadenocarcinoma em dois doentes. As dimensões dos cistos variaram de 2,3 a 15 cm de diâmetro, sendo o cistadenoma mucinoso o que apresentou maior diâmetro. Não houve mortalidade pós-operatória. É apresentada análise do presente material e da literatura com discussão dos métodos diagnósticos e terapêuticos. DESCRITORES: Neoplasias de pâncreas. Cistadenoma. Cistadenocarcinoma Trabalho realizado na Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo do Hospital das Clínicas da FMUSP. Fig 1. Ultrassonografia de paciente portador de cistadenoma mucinoso do pâncreas.

Upload: lytram

Post on 07-Oct-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: NEOPLASIA CÍSTICA DO PÂNCREAS: ANÁLISE DE …hepatectomia.net/PDF/B16 CISTO3.pdf · sólido intra-cístico e crescimento tumoral no trajeto fistuloso da drenagem externa. Foi então

As neoplasias císticas constituem umgrupo incomum dentre as neoplasias pan-creáticas. Estas lesões têm sido vistas etratadas com maior freqüência nas últimasdécadas, provavelmente devido aos avan-ços tecnológicos no diagnóstico e natécnica cirúrgica. Representam cerca de 9%a 13% de todas lesões císticas do pâncreas,cerca de 1% das neoplasias pancreáticas esão predominantes em pacientes do sexofeminino. O quadro clínico é constituído desintomas vagos de pressão ou dor em regiãoepigástrica na maioria dos pacientes8.

O objetivo deste trabalho é analisar osaspectos clínicos, diagnósticos, anátomo-patológicos e terapêuticos de 24 pacientesportadores de neoplasia cística do pâncreastratados no Serviço de Cirurgia das ViasBiliares e Pâncreas do Hospital das Clínicasda Faculdade de Medicina da Universidadede São Paulo no período entre 1982 e 1993.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram estudados 24 pacientes portado-res de tumores císticos do pâncreas e aten-didos no Serviço de Cirurgia das ViasBiliares e Pâncreas do Hospital das Clínicasda Faculdade de Medicina da Universidadede São Paulo no período entre 1982 e 1993.

Foram analisados: sexo, idade, quadro

clínico, exames laboratoriais, diagnóstico,tamanho do cisto, exames complementares,tratamento realizado e evolução póstratamento.

RESULTADOS

A idade dos pacientes variou entre 21 e80 anos, com média de 53,5 anos, sendo 22(91,7%) do sexo feminino e dois (8,3%) dosexo masculino. O sintoma mais freqüentefoi dor abdominal incaracterística, presenteem 71% dos pacientes. Emagrecimento, au-mento de volume abdominal e peso pós-prandial estiveram presentes em 29%, 25%e 8% dos pacientes, respectivamente. Otumor cístico de pâncreas foi achado ultras-sonográfico em dois pacientes (8%) duranteexame de rotina. O diagnóstico de lesão cís-tica foi feito em quatorze de dezoito pacien-tes submetidos a ultrassonografia (Fig.1),enquanto que este diagnóstico foi sugeridoem dezoito dos dezenove pacientes que rea-lizaram tomografia computadorizada (Figu-ras 2 e 3), com sensibilidade de 77,8% e94,7%, respectivamente (Tabela 1).

Todos os pacientes foram submetidos acirurgia. Doze pacientes tiveram diagnósti-co de cistadenoma seroso (Fig.4), dez apre-sentavam diagnóstico de cistadenomamucinoso (Fig.5) e dois cistadenocarcino-ma mucinoso (Fig.6). Um paciente, comdiagnóstico de pseudocisto de pâncreas

através de biópsia de congelação, posterior-mente mostrou tratar-se de cistadenomamucinoso com evolução para cistadenocar-cinoma com carcinomatose cerca de umano após a cirurgia, que se constitui de anas-tomose cisto-jejunal. O tamanho das lesõescísticas variou de 2,3 cm a 15 cm dediâmetro, sendo que o cistadenoma muci-noso tinha diâmetro estatisticamente maior

NEOPLASIA CÍSTICA DO PÂNCREAS: ANÁLISE DE 24 CASOS

Marcel Cerqueira Cesar Machado, André L. Montagnini, Marcel Autran C. Machado, Roberto Falzoni, Paula Volpe, José Jukemura, Emilio E. Abdo, Sonia Penteado, Telesforo Bacchella, José E. Monteiro-Cunha e Henrique W. Pinotti.

REV. HOSP. CLÍN. FAC. MED. S. PAULO 49(5): 208-212, 1994

MACHADO, M.C.C. e col. - Neoplasia cística do pâncreas: análise de 24 casos. Rev. Hosp. Clín. Fac. Med. S. Paulo 49(5): 208-212, 1994

RESUMO: Os autores estudaram 24 pacientes portadores de neoplasia cística do pâncreas tratados no Serviço de Cirurgia das Vias Biliares e Pâncreasdo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo no período entre 1982 e 1993. A idade dos pacientes variou entre 21 e 80 anos, com média de 53,5 anos. O sintoma mais freqüente foi dor abdominal incaracterística, presente em 71%dos pacientes. Emagrecimento, aumento de volume abdominal e peso pós-prandial estiveram presentes em 29%, 25% e 8% dos pacientes,respectivamente. O diagnóstico pré-operatório foi feito através de ultrassonografia e tomografia computadorizada. Todos pacientes foram submetidos aexploração cirúrgica. O diagnóstico histopatológico foi de cistadenoma seroso em 12 doentes, cistadenoma mucinoso em dez e cistadenocarcinoma emdois doentes. As dimensões dos cistos variaram de 2,3 a 15 cm de diâmetro, sendo o cistadenoma mucinoso o que apresentou maior diâmetro. Não houvemortalidade pós-operatória. É apresentada análise do presente material e da literatura com discussão dos métodos diagnósticos e terapêuticos.

DESCRITORES: Neoplasias de pâncreas. Cistadenoma. Cistadenocarcinoma

Trabalho realizado na Disciplina deCirurgia do Aparelho Digestivo doHospital das Clínicas da FMUSP.

Fig 1. Ultrassonografia de paciente portador decistadenoma mucinoso do pâncreas.

Page 2: NEOPLASIA CÍSTICA DO PÂNCREAS: ANÁLISE DE …hepatectomia.net/PDF/B16 CISTO3.pdf · sólido intra-cístico e crescimento tumoral no trajeto fistuloso da drenagem externa. Foi então

que o seroso (p<0,01). Devido ao pequenonúmero de casos com cistadenocarcinoma,o estudo estatístico referente a este gruponão pode ser realizado. A dosagem de CA19-9 e CEA no líquido do cisto foi feita emapenas três pacientes, dois com cistadeno-ma seroso e um mucinoso, estando o CA-19-9 aumentado e CEA normal em todoseles. Os achados operatórios, condutacirúrgica e diagnóstico histológico estãoresumidos na Tabela 2.

O tratamento dos pacientes com cista-

denoma seroso consistiu em biópsia em seispacientes (cinco com localização cefálica eum com cisto em corpo de pâncreas); pan-createctomia distal em dois pacientes comlesão em cauda de pâncreas; duodenopan-createctomia com preservação do piloro emum paciente com lesão em cabeça depâncreas, gastroduodenopancreatectomiaem um paciente com lesão cefálica;pancreatectomia subtotal em um (lesão emcolo pancreático) e excisão local em doentecom lesão cefálica pequena.

A conduta cirúrgica nos pacientes comcistadenoma mucinoso foi pancreatectomiadistal em cinco pacientes (quatro com lesãoem corpo de pâncreas e um com lesão emcorpo e cauda), em um deles com preserva-ção do baço; pancreatectomia subtotal emum paciente com tumor em colo de pâncre-as; duodenopancreatectomia em um comlesão cefálica; biópsia em um doente comlesão em cabeça de pâncreas irressecável eanastomose cisto-jejunal em paciente comlesão cística em colo de pâncreas cuja bióp-sia de congelação (ausência de revestimen-to epitelial) foi considerada compatível compseudocisto de pâncreas. Este pacienteretornou com quadro de carcinomatose cer-ca de um ano após a cirurgia. Revisão his-tológica da biópsia efetuada na cirurgiamostrou tratar-se de cistadenoma muci-noso. Além disso, três outros pacientes ha-viam sido submetidos à derivação cisto-digestiva previamente, sendo dois comderivação cisto-jejunal e um com derivaçãocisto-gástrica.

Dos dois pacientes com diagnóstico decistadenocarcinoma na ocasião da cirurgia,um era irressecável e já apresentava metás-tase ganglionar sendo realizada apenasbiópsia do tumor. O segundo paciente haviasido submetido a anastomose cisto-jejunalem outro serviço cinco anos antes, posteri-ormente convertida a drenagem externa porinfecção do cisto. Durante acompanha-mento tomográfico foi notado crescimentosólido intra-cístico e crescimento tumoralno trajeto fistuloso da drenagem externa.Foi então reoperado e submetido a pancrea-tectomia distal associada a ressecção dotrajeto fistuloso com margem adequada. Oprimeiro teve evolução fatal em seis meses,enquanto o segundo estava sem sinais derecidiva tumoral dois anos após a cirurgia,com níveis séricos de CA 19-9 normais.

Fig 2. Tomografia computadorizada de paciente portador de cistadenoma seroso do pâncreas.Observa-se área de calcificação central estrelada (seta) - sugestivo de cistadenoma seroso.

Fig 3. Tomografia computadorizada de paciente portador decistadenoma mucinoso multiloculado.

Fig 4. Exame histológico de paciente portador de cistadenoma seroso do pâncreas. Observa-se parteinterna do cisto com revestimento de células serosas (HE 100x)

Page 3: NEOPLASIA CÍSTICA DO PÂNCREAS: ANÁLISE DE …hepatectomia.net/PDF/B16 CISTO3.pdf · sólido intra-cístico e crescimento tumoral no trajeto fistuloso da drenagem externa. Foi então

Os pacientes operados por cistoadeno-ma seroso evoluíram bem, estando assinto-máticos dez pacientes com seguimento detrês meses a três anos. Uma paciente que foisubmetida a biópsia da lesão cística, apre-senta massa palpável três anos após acirurgia mas está assintomática. Dos paci-entes com cistadenoma mucinoso, todosestão assintomáticos em seguimento dequatro meses a quatro anos.

DISCUSSÃO

As neoplasias císticas constituem umgrupo incomum dentre as neoplasias pan-creáticas. Estas lesões têm sido relatadascom maior freqüência nas últimas décadas,provavelmente devido aos avanços tecnoló-gicos no diagnóstico e na técnica cirúrgica.Embora as neoplasias císticas do pâncreastenham sido tradicionalmente separadas emcistadenoma e cistadenocarcinoma, umaclassificação mais adequada foi feita porCompagno e Oertel2 em 1978, que dividi-ram os cistadenomas em dois grupos: sero-sos e mucinosos. O tipo mucinoso exibe umpotencial de maior malignidade estandorelacionado ao cistadenocarcinoma muci-noso, enquanto os cistadenomas do tiposeroso são considerados como benignossem tendência à malignização. Este conhe-cimento permite uma maior racionalizaçãona conduta terapêutica nestas situações.

Representam cerca de 9% a 13% detodas as lesões císticas do pâncreas e cercade 1% das neoplasias pancreáticas sendo

predominantes em pacientes do sexofeminino. O quadro clínico é constituído desintomas vagos de pressão ou dor abdomi-nal em região epigástrica em cerca de 95%dos pacientes8. Por este motivo, o diagnós-tico é difícil de ser feito e muitas vezes estestumores podem crescer e atingir grandesproporções. Em algumas séries, encontra-semassa palpável em até 47% dos pacientes.Na presente série, o sintoma principal foidor epigástrica incaracterística na maioriados pacientes (71%). Localiza-se igualmen-te na cabeça, corpo e cauda do pâncreas. Nanossa casuística houve predominânciadiscreta de cistos de localização cefálica. A

duração dos sintomas é menor nos pacien-tes com doença benigna do que naquelescom lesão maligna sendo o tamanho médiodos tumores benignos cerca da metade doencontrado nos cistadenocarcinomas. Istosugere que os tumores benignos talveztenham sido detectados em um estágio maisprecoce8.

O diagnóstico do tipo específico dotumor, seroso ou mucinoso é difícil de serfeito no período pré-operatório pois ascaracterísticas de ambos se sobrepõem: amaioria ocorre em mulheres de meia-idade,têm diâmetro médio de 5 a 6 cm e apresen-tam-se clinicamente com dor, pancreatiteou são assintomáticos11. Na presente série,observamos que os cistadenomas mucino-sos apresentavam tamanho estatisticamentesuperior aos serosos. Não observamos, nanossa casuística, nenhum paciente compancreatite, embora dois pacientes apresen-tassem hiperamilasemia pré-operatória.

O diagnóstico diferencial de uma lesãocística do pâncreas inclui uma variedade deneoplasias, particularmente quando não háantecentes de fatores ou eventos que poderi-am gerar um pseudocisto. Algumas caracte-rísticas físicas das lesões císticas são úteis nodiagnóstico. Localização e tamanho da lesãonão tem valor na diferenciação, enquanto aloculação e presença de componente sólidona tomografia computadorizada são indica-dores confiáveis de neoplasia, mas podemestar ausentes. Observamos ser a tomografiacomputadorizada exame diagnóstico maissensível que a ultra-sonografia, embora esta

Fig 5. Exame histológico de paciente portador de cistadenoma mucinoso do pâncreas. Parede internado cisto - revestimento uniestratificado de células mucinosas (HE 100x)

Fig 6. Exame histológico de paciente portador de cistadenocarcinoma mucinoso do pâncreas. Parede interna do cisto -revestimento pseudoestratificado e complexo de células mucinosas (HE 400x)

Page 4: NEOPLASIA CÍSTICA DO PÂNCREAS: ANÁLISE DE …hepatectomia.net/PDF/B16 CISTO3.pdf · sólido intra-cístico e crescimento tumoral no trajeto fistuloso da drenagem externa. Foi então

última, por ser mais acessível, possa fazer odiagnóstico em pacientes assintomáticos emexames de rotina. Apossibilidade diagnósticade cistadenoma deve estar sempre presentefrente a paciente com lesão cística do pâncre-as, principalmente quando se trata de pacien-tes de meia idade e do sexo feminino10. Comefeito, na nossa casuística, apenas dois eramdo sexo masculino.

A diferenciação diagnóstica com opseudocisto é importante de ser feito, poisum erro no diagnóstico pode levar a condu-ta errônea de derivação cisto-entérica, po-dendo ter conseqüências desastrosas comoem um dos pacientes da nossa casuística.Os pseudocistos de pâncreas incidem maisfreqüentemente no sexo masculino (93%) ena faixa etária de 30 a 40 anos de idade7.Aproximadamente 50 a 75% dos pacientesportadores de pseudocisto tem elevação deamilase sérica7,9, enquanto que isto rara-mente ocorre em pacientes com cistadeno-ma, embora na nossa série dois pacientesapresentassem elevação discreta da amila-se. O exame tomográfico e ultrassonográ-fico podem não mostrar componente sólidodo tumor, característico de neoplasia cística,mas o aspecto multiloculado e calcificaçãoda parede do cisto, presentes nestes examesde imagem sugerem a presença de neopla-sia cística do pâncreas, uma vez que estes

achados são infreqüentes nos pseudocistos4. A pancreatografia endoscópica retrógra-

da mostrando comunicação entre a lesãocística e o ducto pancreático principal (pre-sente em até 60% dos casos de pseudocisto),obstrução ou alterações características depancreatite crônica sugerem o diagnóstico depseudocisto pois não são encontradas nasneoplasias císticas1, a não ser muito rara-mente6. O aspecto de hipervascularizaçãovisto na arteriografia é outro sinal indicativode neoplasia, enquanto hipovascularização écaracterística dos pseudocistos3. No intra-operatório, os achados macroscópicos são degrande importância. Aparede do pseudocistoé, em geral, espessa, opaca e aderente avísceras adjacentes, principalmente aoestômago, enquanto que o parênquimapancreático mostra-se freqüentementeendurecido e nitidamente anormal. Por outrolado, os cistos neoplásicos têm parede fina etransparente sendo o restante do parênquimapancreático, em geral, normal5.

Recentemente Lewandrowski e col.6

estudaram o conteúdo de 26 cistos pancreá-ticos. Analisaram marcadores tumorais(CEA, CA 125 e CA 19-9), amilase, visco-sidade relativa e citologia. Verificaram queo antígeno carcinoembrionário (CEA) esta-va elevado nos cistadenomas mucinosos e

cistadenocarcinomas, enquanto que noscistos serosos e pseudocistos os níveis destemarcador estavam baixos. Verificaram queo valor 24,7 ng/ml (média mais três desviopadrão) produz sensibilidade e especifici-dade de 100% no diagnóstico de cistadeno-mas mucinosos e cistadenocarcinomas,distinguindo-os dos pseudocistos e cistade-nomas serosos. Os outros marcadorestumorais não foram tão eficientes no diag-nóstico diferencial destes cistos. Assimníveis elevados de CEA no líquido do cistoindicam ou um tumor maligno (cistadeno-carcinoma) ou cistadenoma mucinoso,ambos com indicação cirúrgica. Estesautores sugerem que além do CEA, aviscosidade do líquido do cisto, a citologia,a amilase e lipase são elementos úteis nodiagnóstico diferencial destes tumores.Punção percutânea guiada pelo ultrassomou pela tomografia poderiam efetuar odiagnóstico no pré-operatório. Warshaw11

alerta para o risco desta prática pois apunção de um cistadenoma com degenera-ção maligna poderia espalhar célulascancerosas, causando disseminação neoplá-sica, mudando o estadiamento da doença eo prognóstico do paciente. O risco potencialda disseminação tumoral nos cistadenocar-cinomas é, no entanto, desconhecida. A

TABELA 1. Dados dos pacientes e achados radiológicosdos pacientes com neoplasia cística do pâncreas.

_______________________________________________N. Idade Sexo USG TC

1 49 F lesão cística lesão policística2 61 F lesão sólida -3 34 F lesão cística lesão sólido-cística4 73 F lesão cística lesão cística5 47 M lesão cística -6 58 F sólido-cística lesão policística7 55 F - lesão sólido-cística8 43 F lesão cística lesão cística9 71 F - lesão policística10 32 F - lesão cística11 56 F - lesão cística12 61 F - lesão cística13 49 F sólido-cística lesão sólido-cística14 80 F lesão sólida sólida15 72 F lesão cística lesão cística16 47 F lesão sólida lesão sólido-cística17 48 F lesão cística lesão cística 18 37 F lesão cística lesão cística 19 63 F lesão sólida lesão sólido-cística20 71 M - lesão sólido-cística21 74 F sólido-cística -22 21 F lesão cística -23 45 F lesão cística -24 38 F lesão cística lesão policística__________________________________

TABELA 2. Achado, conduta cirúrgica e histologia dos pacientes com neoplasia cística do pâncreas._______________________________________________________________________________________________

N. Localização Tamanho Cirurgia Realizada Histologiado cisto (cm)

1 cabeça 6 biópsia cistadenoma seroso2 cabeça 10 biópsia cistadenoma mucinoso3 cauda 8,2 pancreatectomia corpo-caudal cistadenoma seroso4 colo - pancreatectomia sub-total cistadenoma mucinoso5 cabeça 3 excisão local cistadenoma seroso6 colo 3,6 pancreatectomia sub-total cistadenoma seroso7 corpo e cauda 10 pancreatectomia corpo-caudal cistadenocarcinoma mucinoso8 cabeça 4 biópsia cistadenoma seroso9 cabeça - biópsia cistadenoma seroso10 cauda - pancreatectomia corpo-caudal cistadenoma seroso11 cabeça 7 duodenopancreatectomia cistadenoma mucinoso12 cabeça - biópsia cistadenoma seroso13 cabeça 6,6 duodenopancreatectomia cistadenoma mucinoso14 corpo 4 biópsia cistadenoma seroso15 cabeça 3,1 biópsia cistadenoma seroso16 cabeça 2,3 duodenopancreatectomia cistadenoma seroso17 corpo 15 pancreatectomia corpo-caudal cistadenoma mucinoso18 corpo 6,5 pancreatectomia corpo-caudal cistadenoma mucinoso19 corpo e cauda 13 biópsia cistadenocarcinoma mucinoso20 colo 4,5 anastomose cisto-jejunal cistadenoma mucinoso*21 cabeça 7 duodenopancreatectomia cistadenoma seroso22 corpo 12 pancreatectomia corpo-caudal cistadenoma mucinoso23 corpo 8,5 pancreatectomia corpo-caudal cistadenoma mucinoso24 corpo e cauda 10 pancreatectomia corpo-caudal cistadenoma mucinoso_______________________________________________________________________________________________* biópsia de congelação - pseudocisto de pâncreas

Page 5: NEOPLASIA CÍSTICA DO PÂNCREAS: ANÁLISE DE …hepatectomia.net/PDF/B16 CISTO3.pdf · sólido intra-cístico e crescimento tumoral no trajeto fistuloso da drenagem externa. Foi então

decisão de quando puncionar dependebasicamente do julgamento clínico.

O encontro de áreas de adenoma namesma peça de cistadenocarcinoma muci-noso, sugere a possibilidade de degenera-ção maligna do adenoma cístico do tipomucinoso12. Alguns autores11 sugerem que aneoplasia cística do tipo mucinosopermanece em estado de latência pormuitos anos, mas mantém a capacidade dese transformar em câncer agressivo e de altograu de malignidade. Por este motivo todasas lesão císticas mucinosas devem serressecadas, mesmo em pacientesassintomáticos. O achado, durante biópsiade congelação, de cisto sem epitélio poderiasugerir o diagnóstico de pseudocisto. Umavez que os cistadenomas mucinosos podemapresentar áreas extensas sem epitélio, abiópsia de congelação não afasta totalmenteo diagnóstico de neoplasia cística. Umfragmento simples pode induzir ao erro,conforme ocorreu em um dos pacientes dapresente série. Desta maneira, o aspecto

macroscópico, a história clínica e osexames de imagem são fundamentais nasuspeita diagnóstica de cistadenoma,levando à conduta correta que é a ressecçãototal da lesão.

Alguns autores acreditam que o aspectotomográfico de multiloculação ecalcificação central estrelada são muitosugestivos de cistadenoma seroso(adenoma microcístico) e estes pacientes, sefossem de alto risco cirúrgico, poderiam serobservados clinicamente com segurança11.Apesar dos achados de Lewandrowski ecol.6 que necessitam ser confirmados, nãoexiste ainda possibilidade de distinguir emtodos os casos preoperativamente, comcerteza, o cistadenoma seroso (benigno) docistadenoma mucinoso (maligno oupotencialmente maligno).

Enquanto os cistadenomas serosospossuem epitélio seroso uniforme, omesmo não ocorre com os cistadenomasmucinosos, que podem conter, ao mesmotempo, áreas serosas e mucinosas, embora a

malignização ocorra sempre na áreamucinosa11. Isto significa que odiagnóstico exato, em muitos casos, nãopode ser feito até que se obtenha a peçacirúrgica completa para análise histológica.

A inspeção cirúrgica e biópsia podem,portanto, não serem suficientes paradistinguir o cistadenoma seroso domucinoso. Desta maneira todas asneoplasias císticas devem ser ressecadas.Desde que atualmente devido aos avançostecnológicos, somente em pacientes muitoidosos ou de risco cirúrgico muito alto,portadores de cistadenoma seroso(diagnóstico de congelação) de localizaçãocefálica, que necessitariam portanto deduodenopancreatectomia, a não ressecçãoseria conduta aceitável. Se os achados deLewandrowski e col. forem confirmados enão houver risco de disseminação tumoralpela punção percutânea, este métodopoderia ser empregado para facilitar odiagnóstico diferencial dos cistadenomasque necessitam de intervenção cirúrgica.

1. BYNUM, T.E. - Endoscopic retrograde cannulation of the pancreaticduct. In: BROOKS, J.R. - Surgery of the Pancreas. Philadelphia: W.B.Saunders, p. 118-121, 1983.

2. COMPAGNO, J. & OERTEL, J.E. - Microcystic adenomas of thepancreas (glycogen-rich cystadenomas): A clinicopathologic study of34 cases. Am. J. Clin. Pathol. 69:289-298, 1978.

3. FREENEY, P.C.; WEINSTEIN, C.J.; TAFT, D.A. & ALLEN, F.H. -Cystic neoplasms of the pancreas: angiographic and ultrasonographicfindings. Am. J. Roentgenol. 131:795-802, 1978.

4. FRIEDMAN, A.C.; LICHTENSTEIN, J.E. & DACHMAN, A.H. -Cystic neoplasms of the pancreas. Radiological-pathologicalcorrelation. Radiology 149:45-50, 1983.

5. HODGKINSON, D.J.; REMINE, W.H. & WEILAND, L.H. -Pancreatic cystadenoma. A clinicopathologic study of 45 cases. Arch.Surg. 113:512-519, 1978.

6. LEWANDROWSKI, K.B.; SOUTHERN, J.F.; PINS, M.R.;COMPTON, C.C. & WARSHAW, A.L. - Cyst fluid analysis in thedifferential diagnosis of pancreatic cysts. Ann. Surg. 217:41-47, 1992.

7. MONTEIRO DA CUNHA, J.E.; MACHADO, M.C.C.;BACCHELLA, T.; REIBSCHEID, S. MOTT, C.B. & RAIA, A.A. -Pseudocisto do pâncreas. Considerações diagnósticas, terapêuticascom base no tratamento de 58 pacientes. Rev. Ass. Med. Brasil. 28:37-41, 1982.

8. REMINE, S.G.; FREY, D.; ROSSI, R.L.; MUNSON, L. &BRAASCH, J.W. - Cystic neoplasms of the pancreas. Arch. Surg.122:443-446, 1987.

9. SHATNEY, C.H. & LILLEHEI, R.C. - Surgical treatment ofpancreatic pseudocysts: 119 cases. Ann. Surg. 189:386-394, 1979.

10. WARSHAW, A.L. & RUTLEDGE, P.L. - Cystic tumors mistaken forpancreatic pseudocysts. Ann. Surg. 205:393-398, 1987.

11. WARSHAW, A.L.; COMPTON, C.C.; LEWANDROWSKI, K.;CARDENOSA, G. & MUELLER, P.R. - Cystic tumors of thepancreas: New clinical, radiologic, and pathologic observations in 67patients. Ann. Surg. 212:432-443, 1990.

12. YAMAGUCHI, K. & ENJOJI, M. - Cystic neoplasms of the pancreas.Gastroenterology 92:1334-43, 1987.

REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS

SUMMARY

Cystic neoplasms of the pancreas: report on 24cases

Cystic neoplasms are an uncommun groupamong pancreatic tumors. These lesions are seenmore frquently in recent surgical practice,probably because of advances in diagnostic andsurgical techniques. We report our findings in 24patients with cystic tumors of the pancreas,including twelve patients with serous

cystadenoma, ten with mucinous cystadenomaand two patients with mucinouscystadenocarcinoma. Twenty-two patients werewomen and two were man. The median age ofpatients was 53.5 years (range, 21 to 80 years).Mild abdominal pain was the main symptom in71% of patients and weight loss in 29%. Thelesions were incidental finding in 8% of patients.The mean size of the cysts was 7.8 (range, 2.3 to15 cm). Eleven cystic neoplasms were located in

the head, three in the neck, five in the body, twoin the tail of the pancreas and three in the bodyand tail. All patients underwent surgicalexploration. There was no perioperativemortality. Total tumor resection provides the thebest chance of cure and may remove the risk ofmalign transformation of the cystadenomas,particularly of the mucinous type.

DESCRIPTORS: Pancreas. Cystic neoplasm