intermed libras artigo b

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  • 8/20/2019 Intermed Libras ARTIGO b

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    Pós-Graduação em EducaçãoLibras

    Intermediário de Libras

    Lídia da Silva

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    FAEL

    Diretor Executivo Marcelo Antônio Aguilar

    Diretor Acadêmico Francisco Carlos Sardo

    Coordenador Pedagógico Francisco Carlos Pierin Mendes

    EDITORA FAEL

    Autoria Lídia da Silva

    Gerente Editorial William Marlos da Costa

    Projeto Gráfico e Capa Patrícia Librelato Rodrigues

    Revisão Thaisa Socher

    Programação Visual e Diagramação Patrícia Librelato Rodrigues

    ATENÇÃO: esse texto é de responsabilidade integral do(s) autor(es), não correspondendo, necessariamente, à opinião da Fael.É expressamente proibida a venda, reprodução ou veiculação parcial ou total do conteúdo desse material, sem autorização prévia da Fael.

    EDITORA FAELRua Castro Alves, 362Curitiba | PR | CEP 80.240-270

    FAELRodovia Deputado Olívio Belich, Km 30 PR 427Lapa | PR | CEP 83.750-000

    FOTOS DA CAPA Anissa Thompson

    Jos van GalenJulia Freeman-Woolpert Krishnan GopakumarStefan KrillaViviane Stonoga

    Todos os direitos reservados.2012

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    Intermediário de Libras

     1. Aspectos gramaticaisda Libras

     A Libras foi oficializada em 2002, antes dissoporém, já existiam pesquisadores brasileiros de línguade sinais (Brito, 1995; Felipe, 1997; Quadros, 1998),discutindo e publicando suas investigações sobre esta

    língua, com o intuito de combater aos mitos que setinham sobre ela.

    Um destes mitos é que “A língua de sinais seriauma mistura de pantomima e gesticulação concreta,incapaz de expressar conceitos abstratos” ou que“as línguas de sinais derivam da comunicação ges-tual espontânea dos ouvintes”. Porém, considerandoque a pantomina e a mímica são formas artísticasde expressão elas não podem ser comparadas com

    a Libras que é uma língua gramaticalmente orga-nizada. Tão pouco devemos colocar a Libras e osgestos na mesma categoria de análise pois mesmoambas sendo produções visuais possuem naturezamuito diferentes.

    Os gestos são as expressões espontâneas daspessoas, são nossas expressividades naturais. Porexemplo, quando colocamos a mão no rosto ou nacintura, ou quando cruzamos os braços, apertamosos dedos uns contra os outros ou ainda quando pas-samos as mãos repetidas vezes no cabelo, estamosproduzindo gestos.

    Diferentemente, para produzirmos a Libras precisa-mos passar por um processo formal de aprendizagem,pois este sistema linguístico é abstrato e não faz parteda nossa expressividade natural – se assim fosse, todosseríamos falantes natos da Libras.

    É bem verdade que a Libras é composta por sinaisque representam manualmente as formas e os movi-mentos dos objetos do mundo, como os sinais abaixoreproduzidos, porém eles não são o todo da língua, há

    outros que não tem relação alguma com os objetos darealidade, conforme vemos nas ilustrações. Esta possibi-lidade do referente linguístico ter relação com os objetosreais – a iconicidade – também é presente nas línguasorais, como é o caso do português.

    Há poucas décadas a língua de sinais brasileira temsido estudada e pesquisada. Isto porque, a populaçãode modo geral e o corpo acadêmico até então tiveramum olhar pejorativo sobre esta forma de comunicação.Ocorre que há – no meio dos estudos linguísticos –alguns postulados que verificam a natureza das formasde comunicação para então a validarem como línguanatural e/ou artificial.

     A Libras passou por todos os itens avaliados ehoje é considerada língua. Neste capítulo percorrermosos mesmos passos históricos de asseveração linguís-tica da Libras, ou seja, demonstraremos os mitos quese tinham sobre ela e os universais linguísticos a elaconferidos. Posteriormente, adentraremos no estudogramatical focado na morfologia e neste escopo defini-remos nossos pressupostos basais tais como: palavrae morfema.

    Olharemos para a formação e classificação daspalavras da Libras e dentro deste primeiro escopo trata-remos dos modos de negação que esta l íngua permite,dos modos de composição, de demonstração de gêne-ros e categorias e na parte destinada à classificaçãolimitaremo-nos a conhecer a variação entre nomes everbos, sendo que deste ultimo trataremos dos seus trêstipos: simples, manual e classificador.

    Percorreremos também as questões morfologica-mente complexas que são os casos de flexão nominale verbal da Libras e neste aspecto demonstraremosas possibilidades de cada um. Finalmente, situaremos,brevemente, algumas questões de ordem semântica noquesito da polissemia e da gíria.

    Palavras-chave:

    Libras. Gramática. Morfologia.

    Resumo

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    3.

    que aponta que a língua de sinais deriva da comunica-ção gestual espontânea dos ouvintes. Se assim fosse,quando um surdo sinalizasse o sinal de árvore para umouvinte, ele rapidamente identificaria o significado, mascomo sabemos não é isso que ocorre. Então, fica refu-tada a ideia de que os sinais da Libras são extraídos daexpressividade natural dos ouvintes.

     Além destes, há também o mito de que “haveriauma única e universal língua de sinais usada por todasas pessoas surdas.” Isto nos revela que muitas pessoaspensavam que a Libras seria universal, que os sinaiseram iguais em todos os países. Contudo, esta afirmaçãonão procede, pois se Libras é a sigla da língua brasileirade sinais, então podemos pensar que se no nome da lín-gua mencionamos sua nacionalidade, é porque existemoutras línguas de sinais espalhadas por outros países,tais como: língua holandesa de sinais, língua francesa

    de sinais, língua americana de sinais, língua alemã desinais e outras.

     Assim, em cada país, há uma língua de sinaisespecífica, que reflete a cultura da nação e daquelacomunidade surda. E não é só pelo nome que enten-demos haver uma língua de sinais para cada país,mas, também baseando-nos na própria teoria gerativasegundo a qual todas as línguas, inclusive as de sinais,apresentam organização sintática com os mesmosprincípios comuns à linguagem humana, que são ape-nas diferentes em sua natureza e comportamento. Istosignifica que as línguas de sinais se diferenciam, comoqualquer língua, na sua organização semântica e dis-cursiva para atender a aspectos culturais e ideológicosdas diferentes comunidades de surdos.

    Quando a informação de que a Libras não é univer-sal começou a percorrer espaços sociais, muitas vezeshavia um questionamento de que seria muito mais fácilpara comunicação dos surdos se todos sinalizassem da

    mesma forma. Porém, se estamos entendendo que alíngua de sinais tem o mesmo valor que a língua oral,então um questionamento como este também perdesua validade já que as línguas orais não são iguais eninguém questiona esse fenômenos pois sabem quedevido a colonização local houve um alastramento dedeterminado idioma naquele determinado lugar. Damesma forma ocorreu com as línguas de sinais. Cadauma tem uma história linguística, no caso da Libras elatem sua origem na língua francesa de sinais.

     As pessoas também pensam que “haveria umafalha na organização gramatical da língua de sinais,que seria derivada das línguas orais, sendo um pidgin  sem estrutura própria, subordinado e inferior às línguasorais.” Este mito revela que algumas pessoas achamque a Libras é derivada das línguas orais e é um pidginsem estrutura própria, subordinada e inferior. Cada uma

    destas proposições pode ser considerada um mito, poisquando as analisamos encontramos conceituação dife-renciada para os termos empregados. Por exemplo, porpidgin  entendemos a mistura de duas línguas, como nasexpressões (1) e (2) a seguir exemplificadas. O pidgin  éutilizado por pessoas que estão em processo de apren-dizagem e necessitam de um recurso emergente decomunicação. Mesmo assim não consideramos o inglêse o português como pidgin .

    (1) Eu love você.

    (2) I amo you.

    Uma manifestação de pidgin   sinalizada é, porexemplo, quando uma pessoa está conversando comum surdo em Libras e na ausência de um sinal, resolveoralizar pausadamente a fim de que o interlocutor oentenda. Esta estrutura se caracterizará por um pidgin ,pois houve a mistura dos sinais com a voz, da oralidadecom a sinalização, da Libras com o português. Porémnão é a Libras que é um pidgin , é o seu mau uso que

    pode tornar-se pidgin.

     A Libras tem uma estrutura gramatical bastantecomplexa, portanto, alegar que ela é subordinada a lín-gua oral além de demonstrar o desconhecimento dasestrutura linguística também aponta para uma posturaaltamente preconceituosa. Assim como fazer compa-rativo de superioridade ou inferioridade em relação àlíngua oral é linguisticamente inviável, pois as línguassão apenas diferentes entre si, tem constituição internaprópria. Na linguística este tipo de comparação inexiste,

    nunca nenhuma sistema linguístico será mais complexoou superior a outro já que todos se prestam aos mesmofim: a comunicação. Neste sentido, a única compara-ção permitida entre as línguas e em sua realização, é oconhecimento dos parâmetros de cada sistema e nãoum julgamento de valor. Da mesma forma como há umaconscientização ao cessar do preconceito linguístico isto já é assegurado no campo da linguística e já foi trans-mitida a sociedade o que falta são algumas tomadas dedecisão quanto ao tema. Sabemos que não podemos

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    4.

    criticar uma pessoa porque ela fala porta acentuando o Rcomo fazem os caipiras ou ainda porque ela fala bicicreta.Este jeito de falar diferente compõe o idioleto de cadaum. Na Libras isto também acontece. Cada um sinalizade um jeito, um tem uma mão mais firma, outro tem umamão mais mole, outro faz os sinais bem no alto, outrosmuito baixo. Podemos admirar uma ou outra forma mas

    nunca taxarmos como “certa” uma única forma.

    Outro exemplo de considerações errôneas é que“a língua de sinais seria um sistema de comunica-ção superficial, com conteúdo restrito, sendo estética,expressiva e linguisticamente inferior ao sistema decomunicação oral”. Outro apontamento que não pro-cede as descobertas científicas, mas que muitas vezesé verbalizado por desconhecedores da Libras é isto.Levando em conta que um sistema de comunicaçãosuperficial é aquele criado para atender a comunicação

    de máquinas, ou seja, é a linguagem de programação,a Libras não se enquadra nesta situação. Toda línguahumana – como a língua de sinais falada pelos surdos –atende aos critérios de criatividade, de flexibilidade e deversatilidade, portanto a Libras não é superficial, é umalíngua natural, que emerge no seio da comunidade e setransforma ao longo do tempo, é dinâmica e com con-teúdo absolutamente ilimitado. É possível falar qualquercoisa em Libras – deste de que se o sinalizante tenhafluência – pois mesmo não havendo palavras comunsentre Libras e português há possibilidade de transmis-são do conceito da palavra.

    Para além disso, há um mito que entende que “aslínguas de sinais por estarem organizadas espacialmente,estariam representadas no hemisfério direito do cérebro,uma vez que esse hemisfério é responsável pelo pro-cessamento de informação espacial, enquanto que oesquerdo, pela linguagem”. Há pessoas que dizem queas línguas de sinais por estarem organizadas espacial-mente estariam representadas no hemisfério direito do

    cérebro uma vez que este hemisfério é responsável peloprocessamento de informações espacial enquanto queo esquerdo é responsável pela l inguagem. Pessoas queconhecem, minimamente, o cérebro humano sabemque ele é dividido em hemisfério direito e hemisférioesquerdo e que cada um deles têm uma função diferen-ciada. Ao hemisfério direito cabem as propriedades parao desenvolvimento musical, artístico, emocional, visual,espacial, matemático e outros. No hemisfério esquerdoestão algumas funções mentais como atenção, memória

    e outras mas, especialmente, é identificada a localizaçãoda propriedade linguística. Há neste hemisfério duasáreas responsáveis pelo desempenho de uma língua. Aárea de Broca que determina a expressividade da fala ea área de Wernicke que determina a compreensão deuma língua.

    Diante disso, há que se pensar onde se localiza aLibras já que é uma língua e que por isso, basicamente,estaria no hemisfério esquerdo. Portanto, sua modalidadeé espacial e visual e estas são características alocadasno hemisfério direito. Neste sentido, as consideraçõesque se tinha até então era que a Libras era instaladano hemisfério direito para poder dar conta desta modali-dade. O que ocorre, na verdade, é que a função de visãodo hemisfério direito tem uma característica funcional,serve para ver no sentido strito do termo, assim tambémcomo a função do espaço deste hemisfério se relaciona

    a questão geográfica. A partir daí, o cérebro detecta quea visão e o espaço serão utilizados pela modalidadelinguística e então realiza uma transferência hemisferial.Então, no hemisfério esquerdo haverá a visão e o espaçomas com propriedades distintas,agora com função lin-guística, e vão servir para “ouvir” e “falar” a Libras.

    Estas primeiras pesquisas que se prestaram a des-mistificar falsas considerações sobre a Libras deram ori-gem a outras. Todas elas, entretanto, emergiram a partirdo primeiro trabalho conhecido sobre línguas de sinaisnos Estados Unidos, por William Stokoe em 1960. Estefoi o primeiro pesquisador a sistematizar a estrutura gra-matical de uma língua de sinais mas não foi o primeiro ausar esta forma de comunicação pois antes dele, já exis-tiam os abades franceses que burlavam a lei do silêncioque imperava nos mosteiros e conversavam por “códi-gos visuais”. Depois disso, houve um período em queeles – um nome bastante conhecido desta época é oPonce de Leon – se dedicavam a instrução de pessoassurdas e daí sim começaram a usar uma língua estrutu-

    rada para transmitir conteúdos científicos e teológicos.

     A comunicação espaço-visual se espalhou pelaEuropa e posteriormente para América, chegando aoBrasil no século XX. Por isso, alguns sinais da Libras eda Língua Francesa de Sinais e também da Língua Ame-ricana de Sinais são parecidos. São os chamados cog-natos. Assim como existem palavras muito semelhantesno português e no inglês (baby  e bebê, por exemplo) hátambém algumas semelhanças de vocabulário nas lín-

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    guas de sinais do Brasil, EUA e França. Como exemplodesta similaridade, citamos os sinais de CASA em Librase na Língua Americana de Sinais:

    Libras

    Língua americana de sinais

    O que o Stokoe e os primeiros linguistas brasileirosfizeram – além de mostrar o falseacionismo dos mitos– apontaram a natureza da Libras, como ela é. Fizeramisto, utilizando-se da “regra geral” para validação de queuma língua é língua, através dos universais linguísticos.Então, passou-se a mostrar a verdade sobre este sis-tema de comunicação espaço-visual pois para uma lín-gua ser considerada língua ela deve passar por todosos testes postulados pelos pesquisadores, ela deve res-

    ponder positivamente as questões levantadas e a Libraspreenche estes requisitos.

    O primeiro quesito que assevera “onde houverseres humanos, haverá língua(s)”. A primeira análise feitapara atestar o status   linguístico da Libras foi pautadonuma simples consideração que é a de que onde háseres humanos há língua e quanto a isto não se podedeixar de assumir que a reunião de grupo de surdos,constitui-se como um grupo de seres humanos e que,portanto, isso reitera a existência de uma língua.

    O segundo ponto dos universais linguísticos entendeque “não há línguas primitivas – todas as línguas sãoigualmente complexas e igualmente capaz de expressarqualquer ideia. O vocabulário de qualquer língua pode serexpandido a fim de incluir novas palavras para expressarnovos conceitos”. Ao aproximar-se da língua usada pelogrupo de surdos pode-se perceber que apesar de seapresentar numa modalidade diferente das línguas orais,ela não pode ser considerada como uma língua primi-

    tiva pois todas as línguas são igualmente complexas eigualmente capazes de expressar qualquer idéia. Assimtambém como o vocabulário de qualquer língua pode serexpandido a fim de incluir novas palavras para expressarnovos conceitos, acontece com línguas orais e sinalizadas.No português, por exemplo, as palavras são incorporadasao sistema linguístico de um modo geral na língua com

    os empréstimos linguísticos pelo sequente aportuguesa-mente destes termos ou ainda podemos pensar na inclu-são de palavras novas ao repertório individual.

    Em se tratando de termos técnicos e científicos pode-mos destacar que são criados de acordo com a neces-sidade, é o caso de quando entramos na faculdade, háuma enxurrada de palavras novas que nos são inseridasas quais não utilizávamos antes da faculdade. É o casodos termos paradigmas, piagetianos, demandade mercado, psicanálise, biomorfologia, léxico,sintático, pragmática, etc. Na língua de sinais istoocorre da mesma maneira. Os surdos têm a capacidadede inserir em sua língua palavras novas conforme suanecessidade. Daí surge os novos sinais como os abaixo:

    Sinais de neurose

    Sinais de mídia

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    6.

    Sinais de hiperatividade

    Sinal de Ambiente Virtual de Aprendizagem

     Além destes, um outro universal linguístico apregoaque “todas as línguas mudam ao longo do tempo” e nóspodemos verificar que não há permanência vocabular enem estrutural em nenhuma língua e isto implica dizerque as línguas mudam ao longo do tempo. Assim comoocorreu com o vocábulo VOSSA MERCÊ que passoupara VOS MICE, passou para VOCÊ e que hoje é comu-

    mente tratado por CÊ ou VC. Na língua de sinais issotambém acontece. Os sinais muito “trabalhosos” em suarealização, sofrem uma economia produtiva e passam aser realizados de maneira mais simplificada. É o caso porexemplo do sinal MULHER que era realizado com ambasas mãos postas próximas a cabeça, numa imitação decolocar o chapéu, descia do rosto em direção ao pes-coço, onde era encerrado com um movimento que imi-tava o lançar, o amarrar. Hoje esse sinal preserva apenaso trajeto do rosto ao pescoço, é sinalizado, conforme se

    vê na foto abaixo, com o polegar passado na bochecha.

    Sinal de mulher

    Outro universal a ser considerado é de “as relaçõesentre sons e significados das línguas faladas e entregestos (sinais) e os significados das línguas de sinais sãoem sua maioria arbitrários”. Tanto línguas orais quantolínguas de sinais apresentam em sua grande maioriauma relação arbitrária entre sons (sinais) e significado. As palavras e sinais apresentam uma conexão arbitrária

    entre forma e significado visto que dada forma é possí-vel prever o significado e dado o significado é possívelprever a forma. Os símbolos utilizados pelas línguas sãoarbitrários. Podemos constatar que não há uma relaçãointrínseca entre a palavra CÃO e o animal que ele sim-boliza. Quadros e Karnopp (2004) apontam ainda que acaracterística de arbitrariedade das línguas não se res-tringe a ligação entre forma e significado mas aplica-setambém a estrutura gramatical das línguas, pois elasdiferem uma das outras. Isto pode ser constatado nadificuldade de aprender uma língua estrangeira, pois é

    um sistema distinto do que estamos habituados a usar.

     Além disso, há também a consideração de que“toda língua falada inclui segmentos sonoros discretos,como p, n, ou a, os quais podem ser definidos por umconjunto de propriedades ou traços. Toda língua faladatem uma classe de vogais e uma classe de consoantes.Línguas de sinais apresentam segmentos discretos nacomposição dos sinais.” Assim como as línguas oraisapresentam segmentos sonoros discretos (P, M, A) osquais podem ser definidos por um conjunto de proprie-dades ou traços e possuem uma classe de vogais euma classe de consoantes, as línguas de sinais, igual-mente, apresentam segmentos discretos na composi-ção dos sinais.

     Ainda com relação a isto, Quadros e Karnopp (2004)apontam que há em todas as línguas a característica dadupla articulação. Tal característica significa que têm umagama de unidade que são semelhantes em torno de 30ou 40, mas que cada fonema é normalmente sem sig-

    nificado quando está isolado e ganham um significadoquando é combinado com outras unidades mínimas. Porexemplos os sons de F, G, D, O, A não tem um significadoexpresso, porém quando os combinamos de diferentesmaneiras podemos, então, encontrar significados. É ocaso, por exemplo de fogo, dado, gado, fado. Talorganização de língua em duas camadas: camada desons que se combinam e camadas de unidades maiores,expressa a característica de dualidade ou dupla articula-ção comum ás línguas orais e sinalizadas.

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    9.

    Sinal de 2 meses

    Sinal de 3 meses

    Sinal de 4 meses

    Sinal de 1 dia

    Sinal de 2 dias

    Sinal de 3 dias

    Sinal de 1 semana

    Sinal de 2 semanas

    Sinal de 3 semanas

    Vemos que nestes sinais as configurações de mãocarregam o significado do numeral. Nesse caso, elasconstituem um morfema preso, ou seja, não podem

    ocorrer isoladamente, mas somente com os morfemasque indicam os meses, os dias e as semanas (QUA-DROS; KARNOPP, 2004). Em alguns sinais, no entanto,os parâmetros, isoladamente, não constituem morfemas,mas, quando articulados juntos, resultam em uma uni-dade com significado. Os sinais a seguir reproduzidossão exemplos de que a articulação conjunta de cada umdos parâmetros é que formam o significado:

    Ontem

    Hoje

     Amanhã

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    10.

    Passado

    Futuro

     Ano

    Vemos que a configuração de mão, movimento,locação e orientação, que constituem um único morfema,nesse caso, um morfema livre. Ainda de acordo com Brito(1995) há na Libras morfemas lexicais (o sinal de SEN-TAR, por exemplo) e morfemas gramaticais (movimento).

    Dadas as primeiras definições passemos as con-siderações dos processos de formação e classificaçãode palavra (BRITO. 1995; FELIPE, 2001; QUADROS;KARONOPP 2004; LEITE, 2008).

    Um dos processos de formação de palavras é pormeio de incorporação de numeral e de negação. Nocaso da incorporação de numeral, a configuração demão que representa o numeral se combina com outromorfema preso para formar um sinal, em que apenas aconfiguração de mão se modifica.Como já nos ativemos

    a este ponto quando exploramos a constituição de sinaisque representam morfemas, passemos a discussão daincorporação da negação.

    Neste processo, um dos parâmetros do sinal é alte-rado, em especial o parâmetro do movimento. Em algunscasos, altera-se somente a expressão facial do sinaliza-dor. A seguir vemos o contraste entre os sinais dos ver-bos e a formação de palavras de negação, via alteraçãode movimento e via alteração da expressão facial:

    Sinal de TER

    Sinal de NÃO TER

    (parâmetro movimento alterado)

    Sinal de SABER

    Sinal de NÃO SABER

    (parâmetro movimento alterado)

    Sinal de GOSTAR

    Sinal de NÃO GOSTAR

    (parâmetro movimento alterado)

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    11.

    Sinal de QUERER

    Sinal de NÃO QUERER

    (parâmetro movimento alterado)

    Sinal de PODER

    Sinal de NÃO PODER

    Sinal de CONHECER

    Sinal de NÃO CONHECER

    (parâmetro expressão facial alterado)

    Sinal de ENTENDER

    Sinal de NÃO ENTENDER(parâmetro expressão facial alterado)

    Sinal de PRECISAR

    Sinal de NÃO PRECISAR

    (parâmetro expressão facial alterado)

    Sinal de ACEITAR

    Sinal de NÃO ACEITAR

    (parâmetro expressão facial alterado)

     Além destes processos morfológicos que caracteri-zam formação de palavras, a negação também pode serformada pela adjunção do sinal NÃO ao respectivo sinal,conforme exposto nos exemplos a seguir:

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    12.

    Sinal de não responder

    Sinal de não terminar

    Sinal de não curar

    Há ainda outro processo morfológico que é dadopela combinação de dois morfemas lexicais, resultandoem uma composição. Vejamos nos exemplos a seguirque um sinal é formado por dois sinais independentesque se juntam para formar uma palavra composta.

    CASA + CARNE – Sinal de AÇOUGUE

    BOI + LEITE – Sinal de VACA 

    CAVALO + LISTRAS – Sinal de ZEBRA 

    MULHER + CRUZ – Sinal de ENFERMEIRA 

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    13.

    MULHER + BENÇÃO – Sinal de MÃE

    PAI + BENÇÃO – Sinal de PAI

     ÁGUA + ESPAÇO REDONDO – Sinal de BANHEIRA 

    O mesmo processo morfológico ocorre em rela-ção a formação de palavras que denotem gêneros.Ocorre a combinação de dois morfemas lexicais, umque se refere ao elemento morfológico neutro e outro

    que se refere a marcação de gênero, isto significaque na Libras o gênero é dado pelo processo decomposição morfológica, conforme observamos osexemplos a seguir:

    HOMEM + CUNHADO (A) – Sinal de CUNHADO

    MULHER + CUNHADO (A) – Sinal de CUNHADA 

    HOMEM + SOGRO (A) – Sinal de SOGRO

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    14.

    MULHER + SOGRO (A) – Sinal de SOGRA 

    HOMEM + PRIMO (A) – Sinal de PRIMO

    MULHER + PRIMO (A) – Sinal de PRIMA 

    HOMEM + TIO (A) – Sinal de TIO

    MULHER + TIO (A) – Sinal de TIA 

    HOMEM + IRMÃO (Ã) – Sinal de IRMÃO

    MULHER + IRMÃO (Ã) – Sinal de IRMà

    Não obstante, a formação de palavras que denotamcategorias também passa pelo processo de composi-ção, conforme a seguir exemplificado:

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    15.

    MAÇÃ + VÁRIOS – Sinal de FRUTA 

     ALFACE + VÁRIOS – Sinal de VERDURA 

     ARROZ + VÁRIOS – Sinal de CEREAIS

    BATATA + VÁRIOS – Sinal de LEGUMES

    LEÃO + VÁRIOS – Sinal de ANIMAIS

    Com relação a classificação das palavras, o que setem conhecido é que um nome pode derivar de umverbo por meio da repetição e do encurtamento domovimento do verbo.

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    16.

    O sinal de TELEFONE é produzido com a con-figuração de mão em Y, na locação perto a orelha ecom movimentos curtos, leves e repetitivos na direçãodo espaço a frente do corpo do sinalizador, enquantoque TELEFONAR tem a mesma configuração de mão,a mesma locação, mas o movimento é mais alongado,firme e único. Se o movimento for alongado, firme e

    feito mais de uma vez pode dar a ideia de TELEFO-NAR várias vezes. Da mesma forma se configuram estesoutros sinais que diferem sua classificação nominal ouverbal pela alteração do parâmetro movimento:

    Sinal de CADEIRA 

    Sinal de SENTAR

     Ainda com relação aos verbos da Libras, destacamosneste momento três tipos deles: os verbos simples, manu-ais e os classificadores. Os verbos que se enquadram nacategoria flexional serão abordados na próxima seção,destinamos aqui um espaço para descrição destes outros.

     A seguir apontamos alguns verbos simples daLibras. Ser um verbo simples significa que indiferenteda construção da frase, os parâmetros fonológicos que

    compõe o sinal serão mantidos, processo distinto doque ocorre com os verbos vistos na seção flexão.

    QUEBRAR

    SENTIR

    RIR

    SUJAR

    TRABALHAR

    SONHAR

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    17.

    GRITAR

     VIVER

    TRAIR

    TENTAR

    OUVIR

    OPINAR

    ROUBAR

     A maioria destes verbos são produzidos ancora-dos no corpo do sinalizador. Ainda que seja para sereferir a outra pessoa do discurso o verbo será pro-duzido do mesmo modo, no mesmo ponto de articu-lação, com a mesma configuração de mão e com amesma orientação.

    E com relação aos verbos manuais, apontamos quesão aqueles que se configuram pela incorporação doobjeto a que referem. Eles podem ser considerados icô-

    nicos pela representação da realidade. Alguns exemplos:

     ABRIR (O POTE)

    COZINHAR

    MENDIGAR

    CORTAR (COM TESOURA)

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    LAVAR (A ROUPA)

    ESCREVER

    Postas as questões preliminares dos processosmorfológicos da Libras, agora daremos a conhecer osprocessos morfológicos mais complexos, especialmente

    aqueles formados por flexão.

     2.1 Flexão na Libras

    Segundo Câmara Jr (1985) o termo “flexão” temsua origem na língua alemã e tem os primórdios desua utilização na indicação do desdobramento de umapalavra em outros empregos. No português, o autorassinala que a flexão apresenta-se sob o aspecto dedesinências ou sufixos flexionais. Para ele, a flexão é a

    formação de uma palavra por meio de um morfema,constituindo uma ideia acessória em que o significadobase não é alterado. Em outras palavras, isto demons-tra que flexão é definida como um processo peloqual uma palavra é adaptada a um contexto, com oacréscimo de uma desinência correspondente à fun-ção que exerça na frase, de acordo com a naturezadesta, numa relação fechada, indicando uma moda-lidade específica. Câmara Jr (1985) associa tambémao conceito de flexão, a obrigatoriedade e a siste-matização coerente sendo que estas são impostas

    pela própria natureza da frase. E é neste escopo damorfologia flexional que se destacam os processo deflexão nominal e flexão verbal. Desta feita, damos aconhecer cada um deles.

    O primeiro processo, de flexão nominal, podeser explicitado por meio dos pronomes. Na Librashá pronomes pessoais, demonstrativos, possessivos,interrogativos e indefinidos conforme podem ser aseguir ilustrados:

    Pronomes pessoais podem representar pri-xmeira, segunda e terceira pessoa e podemaparecer no singular ou no plural:

    SINGULAR

    1ª Pessoa – EU

    PLURAL

    NÓS 2

    NÓS 3

    NÓS 4

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    NÓS GRUPO

    SINGULAR

    2ª Pessoa VOCÊ

     VOCÊS 2

     VOCÊS 3

     VOCÊS 4

     VOCÊS GRUPO

    SINGULAR

    3ª Pessoa – ELE (A)

    PLURAL

    ELES (AS) 2

    ELES (AS) 3

    ELES (AS) 4

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    ELES (AS) GRUPO

    Pronomes demonstrativos são iguais aosxadvérbios de lugar. Sua realização semprevem acompanhada da direção dos olhos quese voltam para o local referenciado.

    ESTE (A) AQUI

    ESSE (A) AI

     AQUELE (A) LÀ 

    Pronomes possessivos:x

    MEU (MINHA)

    TEU (TUA)

    SEU (SUA)

    Pronomes interrogativos: em alguns aspec-xtos incorporam alguns advérbios de tempo.Sua realização sempre vem acompanhada daexpressão facial.

    QUE QUEM

    POR QUE ou PORQUE

    ONDE

    QUANDO

    COMO

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    QUAL

    QUANTOS (AS)

    Pronomes indefinidosx

    NINGUÉM

    NADA – SEM

    NENHUM

    NADA 

    NADA 

    Já a flexão para grau é a modificação paramé-

    trica capaz de apresentar distinções para “tamanhos”. A seguir, apresentamos alguns exemplos para flexãonominal de grau.

    Sinal de CASA 

    Sinal de CASINHA 

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    Sinal de BONITO (A)

    Sinal de BONITINHO (A)

    Sinal de CALOR

    Sinal de CALORÃO

    Sinal de INTELIGENTE

    Sinal de INTELIGENTÃO (ONA)

    Quanto à flexão verbal, temos a possibilidade de fle-xão para pessoa, número, locativos e aspecto. A seguir,apresentamos alguns exemplo de verbos que concordamcom a pessoa do discurso. Os verbos que se flexionamem pessoa são chamados de verbos com concordância.Tomando um primeiro exemplo temos o verbo FALAR.

    Sinal de FALAR

    O verbo falar é produzido com a configuração demão em Y (mão fechada e dedos mínimo e polegar aber-tos). O ponto de articulação inicia-se com o polegar pró-ximo a boca do sinalizador e movimenta-se na direção dequem receberá a FALA. Isto que dizer que se a pessoaque será o receptor está a direita do emissor a direção domovimento será a direita, se o receptor da FALA está aesquerda o ponto inicial do movimento permanece sendona boca, mas a trajetória do movimento será a esquerdae assim sucessivamente para todas as diversas localiza-ções possíveis para o receptor. Assim, a concordância naLibras está na sentença: EU FALO PARA VOCÊ ou seja,a primeira pessoa do discurso – EU – falo (verbo comconcordância) para segunda pessoa do discurso – VOCÊ– ocorre que em alguns casos, a trajetória do movimentoé oposta: inicia-se no objeto indo em direção ao sujeito.Estes verbos são chamados verbos reversos (backwardverbs ). É o caso, do sinal FALAR acima ilustrado, serconcordado para ELE (A) ME FALOU. Neste caso, haveráinversão do ponto inicial do sinal que ao invés de ser naboca será no ponto de localização que está referenciado

    para o objeto (segunda pessoa do discurso).

    Concordância do verbo FALARx 1

    1sFALAR2s 1

    2sFALAR1s

    1 Maiores detalhes sobre as transcrições adotadas no texto estãoexpostos na III parte, adiantamos, entretanto que as pessoas do dis-curso são transcritas como: 1s = 1 pessoa e assim sucessivamente.

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    PEDIR

    Em relação a flexão para número, apontamos quepodem ocorrer com os mesmos verbos colocados acima(verbos com concordância) e há, neste caso, possi-bilidade de indicação do singular, do dual, do trial e domúltiplo, assim o sinalizador pode referir-se a PERGUN-TAR para DUAS PESSOAS ou DAR para TRÊS PESSOASou MOSTRAR para QUATRO PESSOAS ou VER TODAS AS PESSOAS, por exemplo. Além disso, há na Libras apossibilidade de várias formas de substantivos e verbosapresentarem a flexão de número na Libras. Uma delas é

    a diferenciação entre singular e plural realizada por meio darepetição do sinal. Vejamos outros verbos de concordânciadando indicação de flexão para número e depois a marca-ção diferenciada pala palavras no singular no plural.

     A flexão de número refere-se à distinção feita paraum, dois, três ou mais referentes. A seguir, apresenta-mos alguns exemplos do sinal ENTREGAR com concor-dância para número e outros:

    Concordância do verbo ENTREGAR

    Sinal de 1s ENTREGAR 2s

    Sinal de 1s ENTREGAR 2s + 3

    Sinal de 1sENTREGAR2s+3+4

    1s ENTREGAR vários

    Sinal de 1s ENTREGAR grupo2

    2 Uma variação possível deste sinal é a realização destemovimento com ambas as mãos denotando desta forma a ideiade ENTREGAR PARA MUITAS PESSOAS ou ENTREGAR PARA UMGRUPO GRANDE.

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     A diferença da marcação do singular e do plural e

    que para este segundo faz-se a repetição do primeiro,como no caso da marcação de ANOS, por exemplo,sinalizamos ANO + ANO + ANO para ÁRVORES usa-mos o sinal de ÁRVORE repetidamente e assim comtodos os outros nomes que recebem flexão de número,exceto em casos onde houver sinal especifico paramarcação do plural, como em PESSOAS no sentidode multidão.

    E quanto flexão de locação temos a incorporaçãode locativo onde na sua realização é possível percebero trajeto percorrido desde o seu inicio até o local dechegada, como é o caso do verbo IR flexionado paralocação que está a frente do corpo do sinalizador, con-forme abaixo. Os verbos que recebem esta flexão sãochamados de verbos espaciais.

    Sinal de IR

    Outros exemplos desses verbos:

     Verbo ANDAR

    IR DE CARRO

    IR DE AVIÃO

     A flexão para aspecto é marcada de duas formas:lexical e gramaticalmente. Tais marcações dão origem aoaspecto lexical e ao aspecto gramatical, respectivamente.

    O primeiro, se refere ao significado intrínseco do verbo,a semântica implicada em cada verbo e manifesta seustraços (suas propriedades) na composição com seus argu-mentos. Sua expressividade se manifesta, por exemplo, naoposição semântica verificada entre os verbos PROCURARe ENCONTRAR abaixo reproduzidos, pois a flexão codificacomo se estrutura a situação por eles referida.

    Sinal de PROCURAR

    Sinal de ENCONTRAR

    PROCURAR é um verbo que codifica a situação comodurativa, já ENCONTRAR codifica a situação como pontual,

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    ou seja, como não durativa. Por outro lado, aspecto gra-matical é aquele que pode ser codificado em perfectivoou imperfectivo. O perfectivo é produzido com movimen-tos retos e abruptos e se relaciona a eventos passadosenquanto que o imperfectivo é produzido com movimentoslentos e contínuos e refere-se a eventos presentes. Parailustrarmos o que dissemos até aqui, tomemos o exemplo

    do verbo CUIDAR em seu padrão de movimento:

    Sinal de CUIDAR

    O sinal raiz do verbo CUIDAR é produzido com a mão

    passiva fechada (configuração de mão em S) colocada afrente do corpo sendo que o braço fica na horizontal dotronco. A mão ativa configura-se em V e leva o pulso atocar no peito da mão passiva. O movimento que gera ocontato de ambos os pulsos é curto e firme. Claro que pelopróprio léxico, esse verbo transmite o significado aspectualdurativo, indicando uma situação que se desenvolve aolongo do tempo. Todavia, podemos reforçar esta indicaçãolexical por meio do aspecto gramatical imperfectivo, ouseja, podemos indicar uma situação que perdura de formaininterrupta, através do movimento representado a seguir:

    Sinal de CUIDAR imperfectivo

    Nesse caso, mantém a configuração de mão e oponto de articulação do sinal raiz e altera-se o movi-mento para alongado, lento e contínuo. Isto quer dizer,que haverá mais de uma vez o contato do pulso da mãoativa com o pulso da mão passiva e que o afastamentoda mão passiva será mais alongado em relação ao afas-tamento que há na produção do sinal raiz, a retomada

    do contato será feita de modo mais lento.

    Já com relação ao verbo PASSEAR temos aseguinte observação:

    Sinal de PASSEAR

    Vemos aqui que as mãos configuradas em B, pas-sando alternadamente sobre os ombros. Com movi-mentos retos e curtos.

    Sinal de PASSEARimperfectivo

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    Vemos que para realização do sinal com marca doimperfectivo a mesma configuração de mão foi do sinalneutro só que o movimento foi mais alongado e contínuo.

    O mesmo ocorre com o verbo ESPERAR:

    Sinal de ESPERAR

    Mãos configuradas como esperar, na direção decima para baixo com movimentos retos, curtos e abrup-tos no espaço neutro.

    Sinal de ESPERAR imperfectivo

    Mesma configuração de mão que do sinal neutro commovimento lento, alongado, continuo no espaço neutro.

     2.2  Aspectos semânticosda Libras

    Toda língua tem uma semântica implicada em seusitens lexicais, no português por exemplo temos dife-rentes palavras que são capazes de representar basi-camente a mesma ideia. É o caso, por exemplo, daspalavras casa, moradia, lar, abrigo, residência, sobrado,apartamento, cabana. Apesar de terem suas especifici-dades, todas elas representam a ideia de lugar onde se

    mora. Logo, trata-se de uma família de ideias. Por outrolado, há palavras que não têm esta possibilidade dúbiade expressão, mas têm seu significado restrito a deter-minado contexto e que se empregado em outro podecaracterizar uma comunicação truncada. Poderíamoscitar como exemplo os casos de desentendimentos dedetalhes como no discurso reproduzido a seguir:

    Esposa: – Amor, que horas você volta?

    Marido: – Ah... daqui a pouquinho eu to aqui.

    4 horas depois...

    Esposa: – Ué! Você não falou que voltava logo?

    Marido: – Mas eu não vim logo?

    Esposa:- Não você demorou.

    Marido: – Não demorei.

    Esposa: – Demorou sim. Você disse que daqui apouquinho tava de volta, eu pensei que fosse demoraruns 20 minutinhos...

    O “problema” no discurso acima é devido a umadiscordância quanto ao entendimento, quanto ao sig-nificado, quanto a semântica da expressão “daqui apouquinho”. Especialmente por estar no diminutivo,esta expressão ganha um sentido de pouco tempo, debrevidade no espaço temporal e, de fato, para quem

    está a espera de alguém quatro horas é muito tempo.Podemos assim, inferir que pouco tempo se aproximade uma quantidade determinada de minutos e nemchega a completar o ciclo de uma hora do relógio.Neste caso, estamos descartando o significado detempo para cada um dos envolvidos no processo,apenas estamos brincando com uma situação que érecorrente no nosso cotidiano.

    Este mesmo fenômeno acontece na Libras. Hásinais que se produzidos em determinados contex-

    tos são tornam-se mais adequados do que em outrospois – mesmo sendo entendidos – podem gerar certo“estranhamento” ao interlocutor. Esta relação entre signi-ficado e significante (o sinal) da Libras não é análoga arelação de significado e significante (palavras) da línguaportuguesa. A palavra especial é usada no portuguêspara definir algo ou alguém como muito peculiar, comoprivativo, singular, exclusivo, como fora do comum, exce-lente, notável. Já na Libras este sinal não é muito usualem contextos relacionados as pessoas, assim uma frase

    como “Você é muito especial para mim” ou “Esta criançatem necessidades especiais” deve haver a sinalizaçãode um outro item lexical que equivalha a este termo doportuguês, como IMPORTANTE no caso da primeiro sen-tença ou então COISAS PRÓPRIAS no caso da segunda.O sinal de ESPECIAL é empregado na Libras em con-texto de definição bela sobre algo ou alguém, de belezaque se destaca tal qual o brilho em meio a escuridão,que ressalta-se sobre os olhos. Quando um surdo usa osinal de ESPECIAL para alguém ele não está querendo

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    dizer que esta pessoa é importante em sua vida masestá querendo destacar suas qualidades que deslum-bram-se para ele, quer dar ênfase a uma vivacidadenotaria. Isto significa que ESPECIAL em Libras temuma conotação mais “concreta” do que em portu-guês, está mais relacionada as coisas que se vê.

    SINAL DE ESPECIAL

    Este tipo de especificidade de uso ocorre tam-bém com o sinal de EDUCAÇÃO que não tem corres-

    pondência com a palavra em língua portuguesa. Háexpressões como “educação especial” ou “educaçãode surdos” que se sinalizadas como abaixo podemnão se adequar semanticamente pois em Libras amelhor forma de representação desta ideia seria ouso do sinal de ENSINO já que educação tem umcunho mais comportamental para os surdos.

    Sinal de EDUCAÇÃO

    Sinal de ENSINO

     Algo semelhante se dá com o sinal de FAMOSO.Em Libras seu emprego está relacionado não só aofato de uma pessoa ser muito conhecida mas tambémcom uma grande habilidade que ela tenha. Em Librasé possível a seguinte construção:

    ELE Libras FAMOSO

    Sinal de famoso

    Esta frase está invocando a informação de que a refe-rida pessoa é muito fluente, muito proficiente na sinaliza-ção, que é muito habilidoso nesta área. Em português nãohá o emprego deste termo para definição deste conceito.

    Haveria muito mais sinais desta natureza para seremdetalhados mas encerramos por aqui nossas exemplifica-ções e passemos ao estudo da polissemia.

     2.2.1 Polissemia

    Vamos pensar na polissemia em Libras de duasmaneiras: a versão que o português impõe aos sinais daLibras e a versão que os sinais da Libras impõe ao por-tuguês. Começando pela primeira maneira, vamos pegaruma mesma palavra e ver as várias possibilidades de sina-lização dependendo do contexto de realização. A palavraMAIS. Em relação a segunda maneira, faremos o contrário,ou seja, pegaremos um sinal da Libras e averiguaremos aspossibilidade de tradução para o português.

     A palavra MAIS pode ser sinalizada das seguintesformas se os contextos de realização implicarem nas infor-mações correspondentes:

    Sinal para marcar a ação de somar, numericamente

    falando, operações matemáticas. Como exemplo: 2 + 2

    Sinal para marcar a ação de comparação em relação a

    algo, no sentido de “maior”

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    Sinal para marcar a ação de juntar, aproximar,

    acrescentar.

    Sinal para marcar a ação de “mais uma vez”, de

    repetição.

    Sinal para marcar a ação de comparação absoluta,

    como se houvesse um destaque de maioridade, daquele

    que está acima de todos.

    Sinal para marcar a necessidade de continuidade nopercurso.

    Sinal para marcar a necessidade de aumentar o som.

     Agora temos um único sinal que pode denotar

    várias palavras no português:

    Sinal de ocupado

    Sentido de OCUPADOx

    Sentido de NÃO POSSOx

    Sentido de ADVERTIDOx

     2.2.2 Gírias

     A gíria é um fenômeno de linguagem usada porcertos grupos. Normalmente ela se manifesta sob umaforma diferente da convencional para designar outras

    palavras com o intuito de fazer humor ou segredo. Emrelação aos surdos isso também ocorre. Há gruposque usam uma linguagem codificada de forma queos demais não conseguem entender seu significadoe fazem isso por meio de alteração do significante,mudança da categoria gramatical e criação de metáfo-ras e metonímias que acabam expressando sua visãode mundo, refletindo a ironia, agressividade ou apenaso humor. É bom destacar que o uso da gíria não estáassociada a faixa etária e tão pouco ao nível de esco-

    laridade das pessoas ao contrário ela pode ser usadapara aproximar as pessoas ou para marcar um registroinformal de comunicação. Um exemplo desta gíria tãocorriqueira em nossas vidas é a palavra cerveja quecom o passar do tempo foi chamada de: loira, ceva,boa, gelada e outras.

    Claro que a gíria está atrelada a significaçãosocial compartilhada e a uma semântica disseminadae isto é possível de percebermos quando, por exem-plo um rapaz diz que estava azarrando a moça na

    escola. Como falantes do português sabemos que apalavra AZAR transmite um significa negativo porémneste contexto ela toma o sentido de paquerar, flertar,namorar.

    Na Libras, as gírias são uma parte muito inte-ressante do discurso pois nele que se manifesta ouniverso metafórico da língua, no qual os sinais são“manipulados” de forma a seduzir, enganar, disfarçar,determinar.

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    O que mais fascina na Libras são os artifícios usadospelos surdos para escapar dos olhos dos demais mem-bros do grupo, em momentos em que necessitam falarmensagens subliminares, ou secretas, a algum interlocu-tor. Pela visualidade que é inerente à sinalização, inúmerossinais “discretos” são criados, reduzindo-se o espaço dasinalização ou o ponto de articulação.

    Por exemplo, se em uma roda de adolescentes sur-gem temas tabus como sexo ou masturbação, é comumque eles modifiquem os sinais usados convencionalmente.Da mesma forma, se uma menina quer confidenciar a outraque vai menstruar e há meninos por perto, ela muda aforma de sinalizar, usando um sinal “disfarçado”. Quando sequer falar de alguém que está presente, usam-se mecanis-mos conversacionais de indicação disfarçada ou relaçõesespaciais em que se estabelece uma localização neutra noespaço para que a pessoa que está presente, passando-se

    a enunciar indicando aquele ponto no espaço, sem queninguém saiba de quem, exatamente, se fala.

    Há muitos exemplos de gírias que têm como sen-tido tô nem aí com você, qual é a dele?, você mesacaneou, tá me enrolando, fiquei com o raboentre as pernas, e assim por diante, que nada têm a vercom os sinais convencionais.

    Outros sinais são intraduzíveis isoladamente, pois umamesma forma pode indicar inúmeros sentidos a depender

    do contexto. Um exemplo é o sinal em que a configuraçãode mão com o dedo médio colocado no topo da cabeça,acompanhado de uma expressão facial característica (mauhumor, surpresa), pode significar tô na minha, quemico, tô boiando e assim por diante.

     A Libras possui elementos que constituem a estru-tura gramatical, semântica capaz de produzir significações

    diversas, como é o caso da gíria e isto se dá por meio:movimentos de sobrancelhas, jogo de olhares, menearde ombros e de cabeça, “balanço” ao sinalizar, leveza ouênfase no movimento, duração do olhar ou do movimentono ar, maior ou menor amplitude do espaço de sinalização.

     3. Conclusão Ao término deste capítulo pudemos averiguar que

    a Libras é uma língua de modalidade espaço-visual eque estas características impõe aos seus aprendizesouvintes uma certa dificuldade que deve ser supe-rada. Isto porque como língua é composta por todosos elementos gramaticais e deve ser produzida dentrodestes moldes para então não infringir sua estrutura.Da mesma forma, o fato de sua organização fonoló-gica, morfológica, sintática e semântica ser construídano espaço é um desafio aos ouvintes que produzem

    – naturalmente – tais categorias linguísticas por meioda oralidade e da audição. Estas questões devem ser,então, um convite ao estudo e a busca contínua deaproximação com a comunidade surda e com os estu-dos linguísticos a fim de sanarmos nossa limitação esermos sinalizadores proficientes que sejam capazesde dar conta dos elementos gramaticais imbricadosnesta língua.

    Quanto a questão da morfologia da Libras – objetode estudo deste capítulo – apontamos que esta é umalíngua verbal e que possui morfologia flexional e queestas se manifestam via formulação de elementos denegação, de palavras compostas, de abarcamento degêneros e categorias, por exemplo. Além disso, há pos-sibilidade de classificação de palavras em categorias ede estudo das flexões (concordância) de cada um dosseus tipos verbais.

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