falas do meu coração

116

Upload: cia-dos-blogueiros

Post on 24-Mar-2016

241 views

Category:

Documents


3 download

DESCRIPTION

Textos de Katharynny Gabriella.

TRANSCRIPT

Page 1: Falas do Meu Coração
Page 2: Falas do Meu Coração

Sumário

Apresentação

Sobre a Autora

Músicas

Memórias

Anjos

DeathOf Hope

Universo de Solidão

Thank You For Nothing

By Your Side

I’m not a Good Daughter

Poema do Menino Morto

Textos

Negra Solidão

Vazio

Lágrimas de Sangue

Ilusões da minha alma

Imensidão Negra

A Droga da Vida

O Eco do Meu silêncio

Nostalgia

Page 3: Falas do Meu Coração

Palavras Soltas

Dúvidas Certas

Maldito Tempo

Ironicamente Certa

Apenas Isso

Morrer Viva

Infância

Vida

Maldita Filosofia

Fênix

Tears

A Cara da Dor

Invisível

Eu sou uma menina

Lost

Branco

Contos

Cenário

Nostalgia

A Garota e o Fantasma

Apocalyptica

Page 4: Falas do Meu Coração
Page 5: Falas do Meu Coração

Apresentação

Não sou escritora. Embora o mundo das palavras me fascine desde os sete anos de idade,

sempre gostei muito de ler e acabei querendo escrever minhas próprias histórias, com meus

próprios finais que eu gosto mais de chamar de “começos”. Nunca escrevi poemas, pelo menos não

que eu os considerasse como tal, poesia é algo superior a apenas um monte de palavras juntas, é

dizer tudo sem falar nada. É uma habilidade sensível e fantástica com a qual eu não fui agraciada.

Escrevi meu primeiro livro com doze anos de idade, todos os que fiz até hoje, dos cadernos dentro

da mochila até os criados direto no computador, são frutos de uma realidade mais branda do que a

que eu vivo, são frutos de coisas que acontecem comigo, a minha volta, maneiras de expressar o

que eu sinto.

As palavras são minha companheiras, assim como a música. E por isso que abro este

trabalho com minhas músicas, sons do meu coração em diversos momentos da minha vida,

expressões da minha alma para a minha realidade, desabafo em letras de lágrimas e sorrisos. Assim

como os textos, que para mim, não são poesias, nem sonetos, são apenas textos, a voz oculta da

minha alma, as falas do meu coração. O Conto que fecha este trabalho, que é o menor que eu

tenho, foi escrito um dia depois do assassinato do meu melhor amigo, nele eu conto o que

aconteceu, como eu me senti, é uma forma que encontrei de mantê-lo perto de mim, de aceitar o

que aconteceu já que eu não podia mudar os fatos.

Falas do meu coração não é um livro, apenas reuni meus escritos mais íntimos para

presentear meu professor de lingüística, que por alguma fonte que ainda não descobri, pensa que

eu sou uma poetisa. Erros de escrita? Sim, muitos. Eu ainda estou me lapidando, e como eu sempre

escrevo mais de uma coisa ao mesmo tempo, estou precisando de um revisor (risos). Eu gosto de

criar o mundo, fugir dessa realidade dura na qual eu sou obrigada a viver, mudar as dores e

transformá-las em conforto, no meu conceito particular de arte. Eu escrevo para levar as pessoas

que lêem ao meu mundo, faze-las ver através dos meus olhos, sentir o que eu sinto... É um jeito de

compartilhar quem eu sou com o mundo.

Não sei falar inglês, é um sonho que tenho. O pouco que aprendi foi sozinha, afinal a escola

só ensina o verbo to be! Os cursos são muito caros onde eu moro, mesmo assim, como uma

apaixonada pelo idioma, eu me arrisco a expressar músicas nessa língua. Nunca me imaginei

fazendo outra coisa além de escrever, é minha maior paixão, mesmo que eu não o faça com a

devida coerência. Eu sou apenas uma garota, assustada com a realidade que muda todo o dia,

Page 6: Falas do Meu Coração

tentando se descobrir, achar o seu lugar, fazer o que ama fazer... E no fim das contas, torcendo pra

não crescer mais do que a vida já lhe impôs.

Espero que quando ler as Falas do Meu Coração sinta cada palavra como eu senti ao

escrever, há textos aqui que eu ainda choro quando leio, é o universo dos meus sentimentos, da

minha vida é a transcrição da minha alma em palavras, o meu avesso que no final é o lado certo.

Assino os textos como Katharynny Gabriella, escolhi esse pseudônimo em 2006, gosto muito, é

um eu que pode falar tudo e continuar sendo a mesma pessoa.

Katharynny Maria Lino Bezerra.

Page 7: Falas do Meu Coração

Sobre a Autora:

Katharynny Maria Lino Bezerra, conhecida pelo pseudônimo

de Katharynny Gabriella, nasceu em 31 de Julho de 1990 na

cidade de Arcoverde estado de Pernambuco. Sofre de

depressão desde os três anos de idade, diagnosticada aos doze

anos, mas se recusou ao tratamento. Escreveu o primeiro livro

com sete anos de idade, com base em um livro de figuras que a

mãe havia lhe presenteado. O Livro chamava-se Victor e o

Jacaré de Mariana Massarani. Morou em Iguape- SP durante

três anos, o segundo livro, ainda com sete anos, foi criado

sobre a obra de Eva Funari “A Bruxinha Atrapalhada”, um de

seus favoritos quando criança. Aproveitando ser um livro de

gravuras ela escreveu a história no livro mesmo.

Leitora assídua desde a infância, incentivada pela mãe e pelas madrinhas, Katharynny teve

sua formação escolar a partir dos três anos de idade na Escola Paulo Freire, sempre tímida e muito

quieta. Passou pela escola Municipal Professora Amância A. Muniz em Iguape, e voltando a

Arcoverde, ingressou na primeira série da Escola Carlos Rios, após passar por uma experiência de

um mês na antiga alfabetização. Sua trajetória aconteceu nesta última, onde ela descobriu que

gostava mesmo de escrever, e que era o que queria fazer. A paixão pela língua Inglesa foi

descoberta na quinta série do antigo ginasial.

Aos onze anos de idade, Katharynny criou “Minhas Palavras”, uma coleção de textos em

aproximadamente cem folhas nas quais ela expressava seus pensamentos e sentimentos e os

primeiros sinais mais nítidos da depressão. O Livro foi perdido um ano depois. Aos doze anos, ela

criou “A História de Pedro e Ana”, seu romance de estréia criado a partir de seu pensamento e

dedicado a um de seus primos mais próximos. Em Dezembro de 2004 ela conclui o ginasial. A

partir da História de Pedro e Ana, vieram outros livros, tais como “Meu Primeiro Amor”, “Beijos e

Olhares”, “Doce Encanto”, “Sem Compromisso”. Em Dezembro de 2007, Katharynny conclui o

Ensino Médio aos dezessete anos de idade, com aproximadamente vinte estórias escritas. Em

2008, ingressa no Normal Médio, onde escreve obras como “Only Hope”, “Folhas Mortas”, “Jogo

de Sentimentos”, “Um Novo Começo”, que começou a se popularizar entre suas amigas mais

próximas com uma boa aceitação.

Page 8: Falas do Meu Coração

Em Dezembro de 2010, ela cria o Design YourUniverse, que mais tarde se tornaria Book

OfDays, seu blog na internet onde ela passa a publicar textos e contar sobre sua vida. Nessa etapa

da sua vida, seus livros já estava amadurecendo, quando surgiram sua criações “Prove To Me”e

“Gesto de Amor”, este último dedicado a um de seus amigos deficiente auditivo. Ainda em 2010

lançou uma série de vídeos na internet mostrando seu lado musical. Em 2011, concluiu o Normal

Médio e criou “Flashes do Passado”, “A Saga Free”, “Sombras ao Sol” e “SilentVoice” seus livros

mais maduros. No ínicio de 2012 aceita começar o tratamento contra a depressão aos 21 anos de

idade quando começa a trabalhar em “Shadows”, “Avalanche” e reescrita de algumas obras antigas.

Em Julho de 2012, aos 22 anos de idade, ela consegue o primeiro lugar na universidade da sua

cidade, passando a cursar Letras. Atualmente, Katharynny continua na faculdade e trabalhando

no seus livros. Seu blog Book OfDayse sites comoNyah! Fanfiction são alguns lugares onde se pode

ver alguns textos da autora.

Copyright do texto © Katharynny Gabriella, 2013

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por meios eletrônicos,

fotocópia ou outra forma sem prévia autorização do autor.

Page 9: Falas do Meu Coração

Músicas

Page 10: Falas do Meu Coração

Memórias Eu tentei sonhar em meus sonhos te alcançar sei que não dá mais eu vivo o que ficou pra trás memórias que aliviam a dor do meu coração Minhas memórias te prendem aqui em meu silêncio te sinto aqui perto minhas memórias te prendem aqui e a todo tempo tento fugir Prometeu me ajudar ao meu lado sempre estar agora estou aqui tentando ser forte e seguir lembrando de toda a nossa paz que ficou pra trás Com você eu muito aprendi te amo demais eu agora vou seguir mesmo que o coração me peça pra voltar

Page 11: Falas do Meu Coração

Anjos Doce anjo, me iludi por tuas palavras meu mundo perdi cega só queria ouvir os sussurros me levando a ti Eu vejo anjos que querem me encontrar à sua porta eu os vou levar sem piedade ou ressentimento por que você não sabe amar Meu coração você quebrou sem hesitar levou meus sonhos edeicou o medo de amar quebrou promessas deixou tudo em escuridão sangrou a ilusão Doce anjo, eu não vi seu real desejo seus planos pra mim anjo em trevas, diz por que sem piedade destruiu meu ser? Eu vejo anjos que querem me avisar em minhas trevas vão caminhar sem piedade ou ressentimento por que você não sabe amar Meu coração

Page 12: Falas do Meu Coração

você quebrou sem hesitar levou meus sonhos e deixou o medo de amar quebrou promessas deixou tudo em escuridão sangrou meu coração Seria pra sempre agora chegou ao fim Um mundo sem sonhos você deixou em seu lugar lembro o seu sorriso ao me deixar sangrar porque você não sabe amar

Page 13: Falas do Meu Coração

Death Of Hope Slave of this fear I walk in empty place without hope like a dead live I walk without way In darkness I found my refuge you love the silence your frail words don't hurt me anymore I don't want more your sorrow I know that I'm not what I used to be but can I dream again? No more unreal dreams you can't show the truth to yourself I'm true when my words lie Set me free of this fear I'm here to confort you I'm here to cry your pain in your darkest hour You are the phantom of my past that still live in my dreams somake me real

Page 14: Falas do Meu Coração

Universo de Solidão Tanto tempo a esperar algo em meu pensamento vivendo os dias a caminhar sempre trancada por dentro só neste mundo de ilusão vagando a estrada sem direção vou protegendo o meu coração e no final perco a razão Universo de solidão negro antro de contradição sem lamento nem compaixão minha vida morrendo na escuridão universo de solidão negro antro de contradição renuncio ao meu coração o direito de uma nova direção Nunca pude me imaginar com alguém por perto o meu mundo particular sempre viveu deserto presa em meus sonhos irreais nunca soube ser eu capaz só sentada à beira do cais do oceano da minha paz Universo de dúvidas a machucar lanças que me perfuram e impedem de amar sofrimento de uma alma a vagar gritos de um coração que só quer descansar

Page 15: Falas do Meu Coração

Thank you For Nothing You always put me down because of you I never believed in me but now I'm not alone I'll show you that I can Thank you for sadness in my life Thank you for hurt me inside Thank you fo ever be absent Thank you for never heard me Thank you for nothing that you gave to me All my life I was alone everybody broke my heart in the dark I left my mind (in) my own world I'm feel alive and you can't hurt me anymore The nothing that I was nowits what you never believed now I am what I want to be I run away, I'll go you can't hurt me anymore forever and never I'll fall down for you again

Page 16: Falas do Meu Coração

By Your Side Never opened up my eyes to dreams I thought, I'm never realize but first time when I saw you I thought that all my dreams could coming true all my life I've lost myself in things that just hurt me inside at day and night but right now I'm feeling so different It's how I'm finally feeling so alive Always by your side I'll be There if the pain break your heart come at me when the tears are falling in your face I am with you right here When you feel you can't be strong I'll by your side to make the pain to go if you can't hold anymore I'll try to find a way an open door count on me forever you need it no matter where I am or where you are I just want a chance make you happy you're now the reason that I'm living for No matter if the world fall down no matter what the people will can say my heart is waiting for your love my arms are preparing to embrace you

Page 17: Falas do Meu Coração

I'm not a good daughter I'm not a good daughter I don't like to cook I don't like to wash all my dishes and clothes I'm not good daughter I don't like to speak about of my life, about of my feels I'm not good daughter I don't want to do the things that I don't like The things that I should I'm not a good daughter I don't want to hear my mom and my sister my dad and my friends I not a good daughter... Oh... I'm not good daughter I'm not good daughter I don't want wake up at 6 at morning to help in breakfast I'm not good daughter I Just do my things just listen to music, I just know to read I'm not a good daughter... oh I'm not good daughter And no one accept me everybody try change me

I know this is wrong But I am Like this I'm not good daughter I am what you see

I'm not good daughter... Oh. I'm not good daughter

I can't be good daughter

Page 18: Falas do Meu Coração

I won't be good daughter

Poema do Menino Morto

(Baseada na música Dead Boy’s Poem – Tuomas Holopainen)

No silêncio fui concebido

concerto inteiro numa canção

tanto à viver e tão certa a morte

não tem lar meu coração

Cante o que não diz

esqueça o intocável

deixe levar por um belo olhar

minha poesia música morta

a carta de amor pra ninguém

Nunca anseie um mundo melhor

já foi composto e alguém tocou

cada parte desta canção

é uma prece do meu coração

Fiz ao eclipse, falei à virgem

fui morto sem a beleza florida

Page 19: Falas do Meu Coração

criei um reino, sábios caminhos

falhei em um deus me tornar

alma sem cor. mar sem amor

Page 20: Falas do Meu Coração

Textos

Page 21: Falas do Meu Coração

Negra Solidão Como se titula o desânimo mortal que percorre as veias de uma alma sem destino aprisionada pelas correntes do medo? Venha óh dor cortante e se apodere do meu ser infeliz, percorra gélida pelo meu sangue e se aposse do meu corpo dona das mágoas desesperadoras!! Sugue a minha vida como um buraco negro que consome o infinito dos desgraçados de almas agonizantes! Seja meu descanço doces trevas do infinito que acarretam esse poço de desamor e desespero no qual caio! Deixeque eu me afogue nos braços dos mares dos meus próprios tormentos, que eu beba o sangue das minhas próprias veias, que eu morra sobre o leito do meu próprio sonho quebrado pela descrença! Saiam de perto de mim Ilusões não atormentem mais minha pobre alma machucada não sangrem mais esse corpo cortado pela trizteza e pela gélida agonia! Que os ventos cescem para o silêncio que não finda contemplar a agonia do meu ser que se lança no seu derradeiro lamento...

Page 22: Falas do Meu Coração

Vazio Sombras caminham ao meu lado tristeza na qual me abandono eu que pensei que era forte nem consigo manter meus sonhos... Alguém pode me dizer o que aconteceu? o que houve com meu sorriso que nas trevas se perdeu? Doce sombra que me acolhe solidão que me cerca ilusão que não se escolhe peito meu que a dor aperta... Venha fria companheira meus lamentos acabar não permita mais meus olhos lágrimas de dor lançar... Sangue vivo que me escorre do meu coração jorras música em meus ouvidos medo que me apavora Os ventos se tornam brisas meu encontro vão chegar e meu último suspiro à quem amo vão levar.

Page 23: Falas do Meu Coração

Lágrimas de Sangue Olhos nevoados pela tristeza esses versos não terão rimas falam da minha angústia desse desamor que me aflige... Lágrimas de sangue meus olhos escorrem sequenciais sem cessar, doendo enquanto escorre não pelo rosto, mas pela alma sofre o coração, corta-me por dentro Não há poesia na tristeza só dores de desespero só lamentos de impossível... lágrimas de sangue que saem em mim levando o desamor descolorindo meu mundo chorando silencioso enquanto caminha rumo a decadência dos dias que não virão das letras que somem da história sem futuro do amor que já não vive dos meus pés que agora já não andam e tudo que me restam são as lágrimas de sangue...

Page 24: Falas do Meu Coração

Ilusões da Minha alma Sonhos... pequenos fragmentos de ilusão que povoam minha alma que agora sofre sem esperanças de ve-los concretizados... Tristezas que trago ardendo em meu peito cansado pela odiosa mágoa da falta do apoio necesário. E, para que afinal sonhar? Se no fundo essa ilusão que me alimenta não passa de mais uma frustração que me acompanha cada dia... eja não há em mim nenhuma sombra da alegria infantil que outrora coloriu meus olhos e alegrou meu coração cercado pela esperança de um futuro que chegaria num lugar onde nunca se envelhece, onde não há mentiras e o coração não sofre... Agora me deparo com a cruel realidade dos sonhos que são mentiras que nós mesmos inventamos para nutrir os desejos que não podemos concretizar... E é por esse motivo que o meu coração chora todos os dias e as minhas pernas já naorespodem ao meu comando para seguir em frente; pois até elas sabem que a essa altura do jogo correr não vale mais a pena...

Page 25: Falas do Meu Coração

Imensidão Negra Doce agonia que agora me envolve, tão pálida e trêmula que mal consigo me por de pé... entreguei-me ao abandono e agora em uma imensidão negra me pego lamentando o cruel destino que tirou-me o último rastro de alegria da alma... e para onde eu vou sem ninguém para me salvar de mim mesma? Andando com as sombras do inexistente eu vou deixando as lágrimas pelo caminho assim como as lembranças e todos os sentimentos que agora não mais me pertencem; Como me destrói toda essa escuridão na qual caio a cada dia, consumindo meu ser, sangrando meu coração; Eu posso sentir a noite surgindo e me separando da vida se eu apenas soubesse como me colocar a parte e eu me congelei dentro de mim mesma e me afastei de tudo agora eu sangro e não respiro mais... ouvindo Longas palavras perdidas, sussurradas lentamente para mim... Ainda não consigo descobrir o que me mantém aqui, gélida, sem vida... presa no som do meu grito lentamente vou me esvaindo... e a calma silenciosa descansa ao meu lado quando enfim... as trevas vencem e eu me deixo levar no vazio infinito....

Page 26: Falas do Meu Coração

A Droga da Vida Nesta sociedade injusta e sem oportunidade como que em rédea curta quer minha dignidade Sou um pobre esquecido sem chance na sociedade me denominam bandido o vício comeu meus sonhos tudo se converteu em pó de mim hoje só resta um sonho mais um jovem a andar só Roubei, matei, fugi minha vida hoje é nas ruas onde tudo que consegui foi lugar nessa guerra crua sujo, ladrão, bandido palavras pejorativas para esse pobre perdido que não tem rumo na vida Os carcks e as heroínas me deram essa saída se hoje eu tenho vergonha sei que escolhi essa vida só me bastou uma prova pra me deixar dominar e nessa vida de droga saber que não tenho lar Talvez um dia eu consiga encontrar o meu lugar reconstruir minha vida

Page 27: Falas do Meu Coração

ter alguém para confiar...

O Eco do meu silêncio Desprendida dos meus sonhos, a luz desapareceu em um segundo ínfimo em que a vida esvaíra-se de seu corpo, o brilho dos olhos se perdeu em um abismo que não foi escolhido, que lhe foi imposto, tirando de mim o sopro de minha felicidade, agora enterrada com seu coração que ja não bate, que continua vivo apenas em minha mente, onde ainda posso senti-lo pulsando vida em seu corpo. Agora leio o poeta do menino morto que ficou cravado nas paredes do meu coração, cada letra escrita com sangue ecoa em minha mente, flagelando meu peito, sua alma solitária vaga nos meus dias junto com a lembrança de sua doçura que nem mesmo o tempo conseguirá desfazer, e quão injusta é a morte, que apenas leva os que não deviam partir, que abraça fria os bons enquanto ignora os maus... E a esperança findara-se com a precoce partida que meu coração se recusa a aceitar. Os dias tornaram-se cinzentos e a cidade que até então parecia minúscula, agora tornou-se ampla e vazia. As noites choram a saudade daquele que o coração nunca esquecerá, que nem mesmo os laços de sangue foram precisos para que se tornasse uma parte única do meu ser. E quando a tristeza vem, sempre traz consigo companhia, e agora me visitam tais entidades... Cada batida do meu coração é como se fosse uma punhalada no meu peito, nem mesmo as lágrimas são suficientes para aplacar a dor que sinto, minha alma da seus gritos silenciosos que ecoam no mais longínquo pesadelo em que eu vivo desde que tudo acabou, desde que a minha vida entrou em um emaranhado de lágrimas que nem mesmo as trevas conseguem acalmar...

Page 28: Falas do Meu Coração

Nostalgia Que nostalgia insana sinto do teu abraço os braços firmes que com zelo protetor, meu corpo elançavam... Quentes, possessivos. Esta mesma nostalgia tenho dos teus lábios que tão ávidos e urgentes me tomavam queimando a minha pele no fogo do desejo. Nostálgico sentimento de sentir teu corpo envolvendo o meu quente dentro de mim, dando vida aos mais longíquos devaneios de minh'alma. Nostalgia dos teus olhos que leem meu interior azuis como o mar... Brilhantes como as estrelas. Nostalgia da tua voz, minha mais doce canção embalando minha alma na musica dos sonhos... E que cruel é a vida por negar-me tua proximidade... Por matar-me lentamente nesta sádica nostalgia... Vivendo sem esperança os frios e vazios dias.

Page 29: Falas do Meu Coração

Palavras Soltas Divagando dentro da minha mente há um misto de inseguranças, de dúvidas e de frustrações; Perdido no meu peito o medo oscilante, que trava com a dor uma batalha sem fim. Saindo dos meus olhos, pontas de esperança, em formato de lágrimas, percorrem meu rosto indo-se embora para o infinito do impossível. Minha mente divaga no pátio sombrio das dúvidas, e nada mais parece ter sentido ou solução... E nada mais parece melhorar. Deito para chorar e levanto para sorrir, mesmo que não sinceramente, é uma obrigação engolir nós. O que tem os outros a ver com o que sentimos? Mesmo que sejam eles a razão de nossas lágrimas? O sangue parece congelado em minhas veias, o coração bate em um ritmo lento, como se aos poucos procurasse repouso. E nada mais é, e nada mais pode, e nada mais importa... E nada mais vale a pena.

Page 30: Falas do Meu Coração

Dúvidas Certas A que não pertenço, palavras profiro, que sonhos perdidos correm pelo longe, e no horizonte abraçam o infinito. Palavras perdidas tal qual minha alma, alento na calma do lado sombrio, no pardo detido que é iluminado, por longe na calma da luz do pensante. E mesmo distante, meu sonho sofrido caminha no brilho obscuro do medo. Sentimentos que vejo, e não apenas sinto, que em meu pensamento se fazem concreto no imenso deserto dos olhos tão tristes que fitam o longe a buscar no horizonte o amor esquecido. Apenas palavras que em minha mente ecoam, algumas magoam, assombram meus dias, tornando agonia feridas quietantes que antes pulsantes meu peito sangravam... Ninguem detém de todo as palavras, são asas de pássaro que ganham o céu, são sopros de vento que agitam o mar, são sonhos de utopia que vagam em nossa mente, e agora sentindo como me sinto, palavras escrevo sem rumo, sem nexo. Não preciso de rimas, tampouco me atenho a razão, são apenas desabafos saídos do coração este ja muito frágil, flagelado pelo tempo... Açoitado pela vida, renegado da verdade, e sem filosofia, se poe a própria sorte esperando apenas a morte em sua única certeza,

Page 31: Falas do Meu Coração

nos demais dias deleita do involuntário respirar. Abrir os olhos para ver a vida, relembrar momentos marcantes, sentindo saudade inconstante que nada me pode trazer. Assim sigo meu destino e mesmo sem rumo certo, só preciso de uma certeza, a de que sou a minha verdade e que me basta em todo caso ter somente a mim e a tristeza...

Page 32: Falas do Meu Coração

Maldito Tempo Tempo... Ó odioso tempo. Quão controvérsia é essa sensação de odiar-te ao mesmo tempo em que de ti sou dependente. E quanto te desprezo por não controlar-te! Roubas a inocência, leva embora quem amamos, açoitas nosso coração com marcas que nada apaga. És esperto em esconder teus ágeis membros, impedindo-me assim de amputar-te a velocidade, fazer-te parar para sempre, condenar-te a eternidade do esperar por algo que passa e não retorna nunca mais. Dou-te cruel tempo, uma chance de redimir todo mal que a mim causaste. Retorna a tua origem, devolve-me a cor da inocência, o tamanho da virtude oculta e a alegria da imaginação fluente. Traga-me quem de mim levaste sem importar-te com o vácuo que abririas no meu peito. Seca as lágrimas que fizeste cair ao longo de tantos dias. Odeio-te por ter sido criado para marcar a vida, por fazer-nos submergir nessa farsa chamada evolução que nada mais é a utopia da liberdade uma verdade que apenas em nossa mente existe. Oh, odioso tempo. Talvez se não exististes o eterno nos fosse favorável e a dor abrandasse sobre o por do sol. E para que afinal serves senão para delimitar nossa vida, controlar nossa existencia, marcar nossa pele a ferro quente e levar de nós tudo aquilo que nos é intimamente perfeito.

Page 33: Falas do Meu Coração

Ironicamente certa! Insanidade contagiante que nossa mente confunde não sei a que tuas palavras se referem pareces mesmo um escravo de tua própria loucura desacreditado no teu criador se é que de um seio saístes. Confusos são os teus atos e perdidas as tuas palavras me condenas a ser cobaia, da crueldade de tua loucura. Que culpa tenho eu, psicótico ser, se tua mente vaga em um distante horizonte? És filho de Deus entregue ao diabo? Te fazes são ocultando a loucura tão evidente não tens direito de me condenar estranha criatura! De ti divirjo e semelhança não quero. Se mesmo não sabes a tua missão, entrega teus pontos e parte ao eterno de tua loucura não quero ser expectador, tampouco vítima de tua crueldade defendes mentira tornando verdade negas a vida no que te falta amor.

Page 34: Falas do Meu Coração

Apenas isso Me roubaram a inocência, destruíram meu coração, atearam fogo em meus sonhos, sufocaram-me com medos. Fui presa à restrição, trancada em uma redoma de vidro. Protegida de uma realidade que deveria ter visto, vivido, compartilhado. A vida me foi imposta, friamente descoberta fui largada no deserto sem palavras, sem explicação. Agora, me destruíram... De diversas formas, diversas vezes, e os pedaços tentam se juntar... Encontrar encaixe, ligar veias, montar ossos. Minha mente se fechou em seu mundo, onde nada pode me ferir, mas até quando posso viver aqui? Quanto tempo me resta? Eles se foram... Continuam partindo estou ficando sozinha só restam as cinzas, o sangue, os pedaços, as lágrimas... E a pior parte: As lembranças; Do que não volta, do que não foi, do que podia, de quem partiu. Ainda tento entender, procurar, aceitar, conformar... Mas coração e mente nunca se entendem... E eu continuo assim, indo e vindo, como a água batendo nas rochas machucando, lapidando evoluindo?

Page 35: Falas do Meu Coração

Talvez. Apenas sei que a vida é rara demais pra desistir curta demais para pensar rápida demais pra esperar e única para fazer a diferença. Não sei até quando... Mas eu vou continuar aguentando até o dia que der, até as forças se esgotarem, os olhos se fecharem e o coração parar.

Page 36: Falas do Meu Coração

Morrer Viva Mais que respirar, sentir o ar gélido como um veneno dentro de si percorrendo o sangue como um pesadelo a sensação de se partir, de desesperar, desaparecer olhos que se abrem para o nada, presos dentro de si mesmos corpo paralisado na estranha sensação que acomete os sentidos palavras silenciosas na escuridão dos minutos. De um lado, o nada. Do outro o ermo a perda dos sentidos o amargor da verdade os passos que não caminham, o paradoxo do tempo a escolha em firmamento, da alegria perdida. Nada mais a encontrar, nada mais para seguir. Fechar os olhos e deixar-se guiar para o inóspito horizonte, sentir a poeira da estrada arranhar-lhe a garganta, fazer chorar os olhos sem esperança. Descansar no eterno do seu ser adormecer no vazio dos seus sonhos destruídos deitar-se sobre o leito do seu mundo continuar como um zumbi sobre o corpo apodrecido das dores onde o sangue gela na pior das mortes na mais cruel das vidas fundada sobre lembranças, perdida sob verdades destruída por tiros de impiedade. A morte que chega, na vida que flui sem nada ceifar sem alma tirar pior que sofrer, no açoite real é a vida ter morrendo dentro de você sentindo se esvair o todo fixando o vazio

Page 37: Falas do Meu Coração

que não vai mais cessar.

Infância Saudade sinto da infância, a magia de ser criança em um mundo encantado. Quando quedas eram lições, quando eu podia rir do tempo quando as lágrimas eram palavras não dolorosas, menos perdidas, apenas esquecidas ao tocar o chão. O olhar inocente, o sabor do pirulito, as brincadeiras que de mim tiravam sorrisos a noção do eterno dos dias tão certos, dos sorrisos sem máscaras. Saudade da minha infância aquele reino de esperança, onde ninguém morre, ninguém parte saudade das tardes mornas da vida que era rosquinha, em um prato de alegria que a chuva era oportunidade de celebrar a bondade, de criar uma nova forma de brincar Saudade sinto do modo como eu enxergava as pessoas, como eu sonhava em ser pequena para o sempre dos meus dias. E de que me resta sonhar? São esses tempos passados, longe, perdidos no espaço apenas nas lembranças fazem doloroso lar... A inocência fora morta, fecharam todas as portas destruíram meu mundo de criança e agora o sentido de amar é um buquê de flores mortas no que restou da bela infância.

Page 38: Falas do Meu Coração

Vida Começa na dor do rasgar do corpo no suor da angústia nos gritos de morte que chamam a vida. E no resplandecer das lágrimas o respirar se faz, acordando os sonhos que encontram na pele o cheiro da calma. Vida que se manifesta na inocência da criança que brinca correndo em liberdade pelas ruas dos seus sonhos os encontros do destino em um céu arroxeado com pássaros azuis estrelas prateadas que encantam com seu brilho São vias de esperança nos olhos da criança, sinceros sem malícia que expressam a verdade conhecem a liberdade do mais profundo desejo são essas as certezas da vida que começa do futuro desejado. Vida que prossegue, na rebeldia adolescente onde se fazem presentes os tropeços em lições a negação de si mesmo, no renunciar do desejo de aceitar o espelho da alma na tentativa fracassa de igualhar-se à seus próprios sonhos.

Page 39: Falas do Meu Coração

Num pensamento propenso que tudo é imediato, que não há o seguinte que paixão converte em tragédia a recusa de uma rédea, um sonho que é desfeito no pensamento imperfeito que a perfeição tenta alcançar em um breve respirar onde tudo é desfeito. Vida que se renova no amor se é encontrada, com a calma maturidade que à faces duras é imposta e no ventre se faz a continuação da concretização do que já foi começado e o passado começa a ir passando apenas na lembrança, num filme chamado vida que em morte deixa saudades. Vida convertida em rugas marcas expressas de sofrimento e alegrias que se misturam em um conectar perfeito que na imperfeição se comunicam transformando a vida sem nexo em um propósito fixo. Que finda-se com o fechar dos olhos igualhando maus e bons trancados em um mesmo som que se abrem em outros gritos.

Page 40: Falas do Meu Coração

Maldita Filosofia Por que? resume a forma desta trajetória por que a vida? Por que o ser? O que é? Confundindo termos criando espécies, dividindo pensares O por que que confronta o para que a luta entre o sentir e o pensar que não se batem, que se rebatem na guerra eterna que não tem trégua que divide mundos, que ostenta dominio que esforça o pensar De Platão à Aristóteles de Max a Angel matéria é água que tudo forma, que Tales defende principio das coisas, que Max rebate Nos dois corações em uma só alma que Aristóteles prega a teoria das formas no amor platônico preso em um mundo de ideias perfeitas que contrariam a realidade Maldita filosofia as vezes válida, as vezes inútil te penso e te nego aprendo o errado que pode ser certo

Page 41: Falas do Meu Coração

confundindo a mente tornando um deserto de por quês infindáveis que não chegam nunca à nenhuma conclusão

Fênix Repousa no âmago dos sonhos buscando reconstrução Inspira-se nas dores, tristezas, diferenças Tão inteira e tão incompleta na utopia se faz verdade, com braços fortes abraça o infinito segura firme passos incertos descansa eterna nas trevas de luz no seu paradóxo de alma confusa chamado se faz no estranho universo criado sobre água, se torna deserto habitado de dores, converte-se em amor e assim como a fênix, renasce das cinzas do seu próprio desacreditar lançando chamas ao mundo mostrando brilho no renascer no recomeçar.

Page 42: Falas do Meu Coração

Tears Hoje eu quero chorar, soltar-me em queda livre no abismo das dores reprimidas quero que meu coração se afogue em tudo que eu andei engolindo preciso desafiar meu controle subestimar minha força cair... Apenas cair. Hoje eu preciso chorar, livrar de mim o peso do fardo das noites insones e sem remédios das palavras incompreensivas e sem nexo do ódio nutrido que cresce em meu peito chorar o que eu fiz e o que não foi feito jogar-me nos braços da escuridão. Hoje eu tenho de chorar revelar a alma em palavras cristalinas contar as dores, a alma quebrada as fissuras do sonho que se partiu E simplesmente hoje eu quero voltar no tempo em que as lágrimas me fechavam e somente a elas eu ouvia e somente elas me entendiam e somente a elas eu confiava.

Page 43: Falas do Meu Coração

A Cara da Dor De faces sombrias e olhos medonhos oculta na alma, expressa nos sonhos todos já viram, poucos conhecem paradóxos que se entrelaçam nos corações perdidos. Palavras que se tornam pingos cristalinos que da cachoeira expressa decaem e em palavras encontram calmante que lhe externem a agonia interna apenas riscos, sombras, escuridões com frestas de uma luz escassa que se perde no infinito. A dor tem faces, tem face, tem rosto que se mostram que se escondem que sorriem no desgosto. São razões inevitáveis para aprender sobre a vida as questões irrefutáveis de se manter sobre os pés. E assim camuflando caras sentimentos e angústias caminhamos sobre esta terra com o oculto vazio de ser nossa existência, de descobrir nosso fim.

Page 44: Falas do Meu Coração

Invisível Sentimentos esses que trago comigo trancados a sete chaves como minha honra, como os sonhos que nutro escondidos no mais profundo da minha alma fechado em uma porta nunca aberta do meu coração Sentimentos estranhos, novos que trazem consigo sensações voluptuosas imagens caleidoscópicas que desencadeam ilusões E como não percebe os olhos que te cercam por trás de lentes cristalinas de inocência tão sublimes como aquilo que em mim começa a crescer tão puras quanto meu ser inviolado como o véu transparente da minha alma e do meu coração intocado E não, não faço por merecer seu olhar escondo-me atrás do muro do meus medos fechada na redoma da minha insegurança, e por que haveria você de ver-me? Continuo como sempre invisível a tudo e isso para mim nunca foi novo é no pálido escuro que me escondo por proteção, por retração, por inquietação Os holofotes não são meus alvos e talvez por isso seja para você tão pequena por que seu brilho invejável a todos ofusca... Como o sol resplandecente no seio de um novo dia. Talvez um dia eu me torne a lua e que no seu adormecer minha luz pálida seja o seu descanso.

Page 45: Falas do Meu Coração

Eu Sou Uma Menina Eu sou uma menina, que se esconde do escuro por que imagina monstros, que pinta o céu da sua cor favorita, que cria desenhos nas nuvens, que faz pedidos à estrelas. Eu sou uma menina, que vê a vida colorida, que corre contra o tempo a todo instante, que vê desenhos animados, que acredita em finais felizes. Uma menina. Que tem medo de encarar, que teme ouvir duras coisas, que chora com pesadelos, que imagina seu próprio mundo. Somente uma menina, que enxerga além do externo, que gosta do coração, que se encanta com sorrisos, que viaja em livros. Apenas uma menina, que não queria crescer, que sonha preservar pra sempre essa inocência de vida. Que quer enxergar o mundo com esses olhos pequenos pintando de colorido aquilo que a realidade deixa cinza. E é uma menina triste

Page 46: Falas do Meu Coração

que se recusa a sentir essas coisas que machucam que são coisas de adulto. Que não quer mais esperar porque sabe muito bem, que princesa ela não é e que o príncipe está em outro conto. Eu não pedi pra crescer a vida me impôs essa condição magoando meu coração com esse agora impossível, que tampouco faz sentido e me afoga em ilusão.

Page 47: Falas do Meu Coração

Lost

Perdida... E talvez não seja assim tão ruim,

afinal não existe saída quando se está no seu próprio mundo,

internado no sanatório da sua mente

e movido pelas loucuras do seu coração.

Sou talvez demasiado inócua para deleitar um ósculo,

e mesmo não sei como fazê-lo,

mas tiraram-me a inocência o bastante para reconhecer a ilusão,

e nem mesmo assim fora o bastante

para que eu dela ficasse distante,

eu ainda acredito, ainda caio, ainda sofro.

Escondo-me em um lugar desconhecido por todos,

em um mundo onde todas as cores são reais e tão vibrantes,

mas cada vez o mundo torna-se menor para mim,

como que queira jogar-me aos cães da realidade,

louca, insana sim, talvez.

Na realidade a única coisa que eu nunca busquei foi fazer sentido.

Page 48: Falas do Meu Coração

Branco

Levem-me daqui, das frias paredes mortas, para o branco calmante

de um seguro lugar. Quero a cama que range, a claridade mórbida

a calma quietante do auto-conhecer.

E nada mais peço além de cadernos, canetas bastante, apenas a paz

e longe de tudo, imersa na calma da paz mascarada, do frio congelar

que sem o afeto no longe deserto de brancas areias meu leito acharei.

Talvez desta forma a desordem se aquiete e minha mente liberte-se completamente

ao primordial estado.

Prefiro o branco, quieto, e tão mórbido

que esta realidade insana, cruel.

Quem sabe no branco consiga encontrar-me, nas vozes distantes que clamam ajuda

naqueles que são capazes de criar universos de viver imersos em seu próprio real

no branco desejo inócua voltar a ser, deleitar do ósculo da solidão

E presa no branco

criar novo mundo, mais forte, mais vivo, real e meu. O branco depressa que a mente penetra

sem medo e reserva que faz libertar e ter apenas folhas como companhia

quando noite e dia se tornam um só, já não se importam se bem me encontro

sorrindo ou cantando esta dor omitida, quem sabe no branco minha alma encontre na cor semelhante

a quietude ansiada por anos de sofrimento e de dúvidas que afogam.

Não importa o que de mim pensarão, rotulada sou e sempre fui,

agarro-me ao branco em sua doce cela fria

Page 49: Falas do Meu Coração

no mormaço dos dias que iguais me esperam.

Contos

Page 50: Falas do Meu Coração

Cenário

Estava Jacob Martin à mesa naquela noite chuvosa sentindo o leve desconforto da cadeira de madeira sobre sua coluna maltratada pela cifose. As gotículas de chuva desciam como lágrimas pelo vidro embasado da pequena janela à sua frente, o céu, de um escuro quase tenebroso, parecia um grande lençol de piche cobrindo o mundo lentamente se desfazendo naquela tempestade que caía agora na pequena pousada do vilarejo onde ele se instalara há alguns dias, no interior de Massachussets.

Sobre a mesa de madeira, a xícara com café fumegava e a vela, já pela metade, iluminava precariamente o livro e os papéis à sua frente. Dando um suave suspiro ele afrouxou o nó da gravata que usava se perguntando quanto tempo mais duraria aquela tempestade. Recolocando os óculos para leitura ele tentou voltar sua atenção aos afazeres que o levaram até ali onde o tempo parecia ter parado. Segurando o lápis amarelo, com uma borracha ponteira um tanto gasta, ele tentou fazer com que sua mente absorvesse alguma inspiração daquele cenário bucólico.

O silêncio se estendia através da madrugada provocando uma calmaria deveras inquietante, a chama da vela oscilava como se dançasse ao som da música da tempestade, olhando um segundo para o lado ele fitou a pequena cama de madeira forrada simplesmente com um lençol branco de algodão, dobrado na ponta formando uma barra, e adornada com um travesseiro de mesma cor recostado à cabeceira quadrada e lisa também mal iluminada pela vela sobre o criado mudo. Ainda se perguntava como alguém conseguia viver em uma situação tão alheia à modernidade até parar para pensar que aquilo a sua volta era o moderno. Voltando-se novamente para a mesa ele analisou o livro fechado ao lado do candelabro, direcionou sua atenção para o livro aberto passando os olhos por um dos parágrafos como se conseguisse adormecer no âmago das palavras.

Jacob Martin refugiara-se ali com um propósito: Sentir a vida dos antepassados, sentir o clima de quem viveu em cidades como a famosa Salém, o clima rústico que tanto fascinava sua mente, mas observando-o agora realmente indagava-se o motivo de aquilo fascinar-lhe tanto. Achar aquela pousada que ainda mantinha tradições de 1530 foi um desafio, um desafio que ele não esperava vencer. Levantando-se por um momento caminhou ao redor do quarto ouvindo os sons ocos dos seus passos sobre o piso de madeira, olhando os detalhes mínimos e calculados daquele lugar imaginava se a vida seria menos complicada se todos ainda vivessem daquela maneira, do campo, das orações, da vida recatada e cheia de pudores moralistas. Talvez houvesse menos guerras, maldade, dor.

Page 51: Falas do Meu Coração

Afastou os pensamentos. Não havia como mudar, o mundo evoluíra e continuaria evoluindo sempre, pena que não sempre para o bem. Respirou fundo tomando um gole do café e afrouxando a gravata e sentando-se novamente posicionou o lápis sobre a folha em branco encarando a angustia das primeiras palavras que não vinham e aquele sem dúvida era o mais difícil dos momentos: Começar. Olhou novamente pela janela e fechou os olhos deixando sua mente viajar longe dali, ainda mais longe de onde ele estava:

Flutuava sobre o ar, como um menino livre que podia voar sobre tudo, o céu anil era o maior limite que sua mente poderia levá-lo, os pássaros o acompanhavam com sorrisos francos e lá embaixo o pasto parecia um enorme lençol verde. Jacob Martin fitou as mãos pequeninas e a roupa de camponês no minúsculo corpo. Sorriu, como se estivesse vendo sua alma diante de um espelho, de repente tudo ficou fácil, tudo clareou-se como um flash de um relâmpago cortando o céu. Ele encontrara-se novamente. Voltara a ser criança.

Naquele instante, como um fluxo de sangue pulsando em uma veia as idéias povoaram-lhe a mente e o lápis começou a deslizar sobre a folha branca à sua frente com a mesma suavidade dos passos de uma bailarina sobre um palco iluminado e as palavras abriam asas voando livres em mundos de encanto, formando conceitos, apresentando pessoas, criando mundos que adentravam naquele pequeno cenário perdido na madrugada.

Page 52: Falas do Meu Coração

Nostalgia

Era tarde. Olhando novamente no relógio Maria Paula percebeu que era madrugada, as horas passaram tão depressa que ela nem percebera. Virando o rosto em direção do sofá ela fitou Alberto espalhado pelo sofá ressonando em um sono pesado que talvez nem o mais alto dos barulhos conseguisse despertar. Sorriu. Um leve suspiro e passou a mão pela testa suada, não estava com sono e desapontou-se um pouco por não ter muito mais a ser feito, trabalharam duro do dia anterior para este, a fim de que a mudança acontecesse o mais depressa possível, embora parte de Maria Paula não quisesse abandonar aquele lugar.

Levantando-se com cautela ela caminhou pela sala alcançando a porta e se direcionou às escadas que levariam ao andar superior onde haviam ainda algumas coisas para colocar dentro das caixas, coisas que fizeram parte da sua vida ali. Olhou a gravata sobre a cama junto ao terno que Alberto usara no seu casamento, um sorriso involuntário despontou-se em seus lábios enquanto os dedos percorriam a peça de seda de um azul marinho com listras brancas. Por um segundo ela relembrou-se do dia mais maravilhoso da sua vida, seus amigos sorridentes e chorosos que a acompanhavam com o olhar enquanto, no altar, vestido com pompa, Alberto a esperava.

Outro suspiro. Sobre o criado mudo estava o livro que ela começara a ler há algumas semanas, Crime e Castigo de Dostoièvisk. Ainda se acostumava com os nomes russos difíceis de ler e impronunciáveis aos seu ver, mas a essência da historia por algum motivo desconhecido a fascinava, pegando-o nas mãos, pensou que seria uma boa companhia durante a viagem de São Paulo até a Inglaterra. Pelo menos em parte do percurso. Quando Alberto recebeu a notícia da oportunidade ela não pode ficar mais feliz pela carreira profissional do marido, mas não esperava ter de sair do Brasil. Tudo bem... Pensou. Afinal sempre sonhara em conhecer Londres.

Dirigindo-se ao banheiro colocou em uma nécessaire as escovas de dentes e alguns outros pertences que já deveriam estar na mala. Parecia que cada parte da casa comunicava-se com ela, trazendo as lembranças como filmes, brigas, sorrisos, surpresas. Desceu novamente, sabia que precisava descansar, mas queria que tudo ficasse pronto logo e para garantir nada como uma boa xícara de café bem forte. Não precisava dormir agora, seriam muitas horas de viagem até a Inglaterra, teria tempo o bastante para descansar. Alberto ainda dormia profundamente, estava sobre uma pilha de roupas que ajudava a esposa a organizar. Os sapatos estavam espalhados pela sala, um em cada canto.

Maria Paula lacrou com a fita adesiva uma das caixas já pronta e cortou a fita com uma tesoura. Pegando um lápis ela escreveu na ficha de identificação o endereço de destino e os dados

Page 53: Falas do Meu Coração

de pertencimento. Caminhou até a cozinha e colocou a cafeteira para trabalhar, lembrando-se que teria de empacotá-la também. O café desceu pela sua garganta como uma bola de fogo, mas era bom. Caso contrário ela certamente dormiria como o marido, sobre alguma coisa que estava arrumando. Certificou-se novamente que os armários estavam vazios e começou a percorrer a casa lentamente enquanto carregava consigo a xícara com café fumegante. Queria despedir-se da casa, encher a última caixa vazia lá dentro, enchê-la de lembranças, de saudades, de memórias, preencher completamente a caixa do seu coração.

Page 54: Falas do Meu Coração

A Garota e o Fantasma

Apresentação

Você partiu, seu enterro aconteceu longe dos meus olhos, eu não queria te ver daquela maneira,

por isso escreverei essa pequena história, pelo menos eu vou tentar, para que talvez ela me ajude a

recordar a sua chatice, teimosia, alegria, inteligência, e de certa forma aplacar esse buraco que a

sua ida deixou no meu coração... Graças a você eu descobri um mundo novo, uma amizade intensa,

forte e inquebrável, nem mesmo a morte poderá nos afastar desse sentimento, e embora ainda seja

difícil falar de você sem chorar, eu sei que nenhuma dor é eterna... A saudade se torna branda,

calma, suave até o ponto que eu possa me lembrar de você e sorrir. Obrigada por todas as coisas

lindas que você me ensinou, uma pena que você não tenha me ensinado como superar essa

saudade que você deixou em todos nós... Essa historinha não é pra te esquecer, ou porque eu

quero me sentir melhor com a sua partida... É para que eu possa me lembrar de você, com menos

lágrimas, e quem sabe até com um sorriso. A gente nunca diz adeus as pessoas que ama, elas

permanecem vivas no nosso coração, a parte difícil é aprender a sobreviver aos dias sem a

presença, sem o sorriso, sem a implicância... Sem o carinho que elas nos davam, e é impossível não

chorar quando perdemos algo que não pode ser substituído... Dói... Dói muito mais do que parece

dar pra suportar, do que eu queria sentir, do que nós merecíamos passar... Nada Nunca vai aplacar

esse vazio... Essa falta, esse buraco que foi feito no nosso coração... E por mais que a dor se acalme

com o tempo, a ferida sempre estará tatuada na nossa pele... sangrará para sempre... Adeus meu

amigo... Saudades eternas...

Em memória do meu melhor amigo David... Eu tentarei escrever aqui... A Garota e o Fantasma.

Não é um romance, mas a amizade é também uma forma de amor...

Katharynny Gabriella.

Page 55: Falas do Meu Coração

A Garota e o Fantasma

[...] Já passava da meia noite, o silêncio tomava cada cômodo escuro, seus passos eram incertos,

duvidosos de querer ou não continuar, aos poucos chegou ao corredor que alcançava a sala foi

quando seus olhos se depararam com a figura de preto com uma aura iluminada, sentiu um tremor

passar pelo seu corpo quando seus sentidos a deixaram e ela caiu. [...]

Sundown City - Agosto de 2011

Antes

AlissaDowees entrou pelo corredor da escola, de cara ja sendo seguida pelos olhares

curiosos dos demais alunos, os coturnos negros pisavam com força sobre o piso de pedra da

Tworeland, a calça jeans e a blusa preta do cannibalcorpse davam-lhe de certa forma mais

segurança para ignorar os cochichos insistentes conforme passava, os olhos castanhos, acentuados

pelo lápis e sombra preta, fitaram com irritação o garoto parado em frente ao seu armário que não

fez menção de que pretendesse ficar. Os lábios rubros por um batom vinho só se arquearam em

um delicado sorriso quando fitaram Deyv se aproximando pelo corredor. Ele a fitava com carinho,

o sorriso em seus lábios, geralmente tão raro, dava-lhe um ar até mais feminino e menos

impactante. Com cabelos negros compridos, uma roupa completamente preta e uma grossa

corrente pendurada nas hastes da calça de brim, Deyv se aproximou de Alissa dando-lhe um

abraço fraterno:

- Oi menina!

- Oi chatinho!

- Ainda vamos pra praça depois da aula?

Page 56: Falas do Meu Coração

- Na quinta aula!

- Matando aula de novo?

- E eu que culpa tenho se as aulas são um saco e além do mais um saco sem importancia?!

- Sei, você vive dizendo isso mas nunca tirou menos que nove!

- Só em matemática!

- Isso pode ser superado pelo seu talento com idiomas e sua habilidade em escrita que apenas

perde para minha pessoa!

- Encontrei com a modéstia quando vinha pra escola e ela te mandou um beijo!

- Aula de que agora?

- Literatura Inglesa e você?

- Biologia.

- Então vai lá e ve se ainda restou algum neuronio funcionando ai!

- Olha quem fala! Maluca!

Bagunçando o cabelo loiro e ondulado de Alissa, Deyv saiu corredor a fora rindo. Alissa

conhecera Deyv pouco depois que mudou de turno escolar, os dois empataram no quesito bullying

e estilo musical. Ambos eram os únicos amigos um do outro na escola, e andavam sempre juntos.

Alissa tinha em Deyv um protetor, um amigo, uma companhia para qualquer momento. Fechando

o armário com certa violência ela caminhou até a sala enquanto arrumava os cabelos bagunçados

com uma das mãos.

Entrando na sala da antipática professora de Literatura, Alissa ainda mais antipática que

ela, andou até seu lugar e se sentou levantando o olhar para ela com indiferença, a maioria dos

alunos não tirava os olhos de Alissa, alguns curiosos, outros com medo. Por causa do estilo

Page 57: Falas do Meu Coração

algumas pessoas acreditavam que Alissa e Deyv tinham pactos demoníacos e andavam em

cemitérios, uma visão além de errônea, preconceituosa. Alissaja não se importava mais com isso,

por um lado preferia o medo das pessoas aos seus sorrisos sempre tão falsos, ela não confiava em

ninguém, ninguém além de Deyv.

Na quinta aula, os dois se encontraram para fazer o que geralmente faziam para se divertir,

ir até a praça da cidade passar o tempo e ver o por do sol da grama macia. Lá eles se encontraram

com Karen, a irmã de Alissa e ainda mais apegada a Deyv. Karen era como a irmãzinha caçula que

Deyv nunca teve, ele a adorava. Ao vê-lo a garota de 16 anos correu ao seu encontro abraçando o

grandalhão de quase dois metros de altura.

- E ai cabeludo safado!

- Fala pirralha!

- Que bom que chegaram, pensei que não vinham mais!

- A sua babá aqui já estava preocupada com você!

Alissa mostrou a língua para ele que começou a rir. Os três se sentaram na grama e Deyv

tirou de dentro do bolso o celular e colocou para tocar uma das bandas que os tres mais gostavam:

Sirenia, mais especificamente, a música In a Maninca. Alissa era dotada de uma voz lírica notável e

Deyv de quatro tipos de guturais diferentes, Karen era aprendiz de Deyv a fazer gutural embora

fosse muito tímida. Os três gostavam de passar algum tempo cantando, Alissa ficava com as vozes

líricas e Deyv e Karen com as vozes masculinas de gutural.

Deyv era um garoto bom, trabalhava para sustentar a filha de alguns meses e a esposa,

Danna de 18 anos. Mesmo assim, por trás dessa bondade havia uma vida difícil que ele e o irmão

Dennys enfrentavam: O "pai" que era não apenas alcoólatra, mas sem os mínimos escrúpulos. Ele

havia sumido ha alguns meses e deixado ele e a família em paz. A mãe de Deyv era doméstica e

trabalhava na casa de uma família rica. Os pais de Alissa e Karen eram de classe média também. A

mãe Tamytha era merendeira e o pai Jordan, autônomo.

Ainda na noite daquele dia, haveria um festival na escola onde a banda de um amigo de Deyv

e Alissa se apresentaria, mas apenas Karen foi. Alissa decidiu ficar em casa pois tinha um trabalho

Page 58: Falas do Meu Coração

para terminar e queria ver Justin, seu namorado ainda aquela noite. Karen foi com Suzan, uma de

suas melhores amigas. Elas e Deyv se divertiram ao som das bandas de rock que tocaram no

pequeno evento da cidade nem saberiam eles que aquela seria sua última noite juntos.

Agora

Nas semanas que seguiram,Deyv não apareceu na escola, preocupada com o sumiço do

melhor amigo, Alissa tentou ligar para ele sem sucesso. Logo um dos amigos do rock lhe manda

uma mensagem:

"Cabelo morreu mesmo"

Cabelo era o apelido de Deyv, por conta das longas madeixas negras que tinha, mais tarde

Alissa e Karen se depararam com a verdade, Deyv estava morto. Alissa não conseguia sentir o chão

sob seus pés, seu coração parecia perdido em algum lugar longínquo, preso no mais tenebroso

inferno, as lágrimas que percorriam seu rosto eram como ácido, cada batida do seu coração era

como uma punhalada no peito. Karen passou mal, Alissa se fez de forte para ajudar a irmã, tentou

acalmá-la de todas as maneiras possíveis, não entendia o que aconteceu, como era possível? Por

quê?

A noite fora tortuosa para as irmãs, mas até que Karen conseguiu dormir depois que a irmã

fez-lhe um chá forte. Alissa, no entanto, estava inquieta, não conseguia dormir, o choro sufocado

parecia estrangular-lhe, o corpo inteiro estava mole como se estivesse entorpecida, não importava

em quantas posições deitasse a dor que sentia só aumentava gradativamente. Foi nesse momento

que ela ouviu, era um barulho de panelas vindo da cozinha, provavelmente o gato entrara de novo,

pensou levantando-se e calçando o chinelo para verificar, ao chegar na cozinha não viu nada

diferente, tudo permanecia igual quando sentiu um arrepio percorre-lhe a espinha e virou-se

bruscamente, mas também não havia nada. Ja passava da meia noite, o silêncio tomava cada

cômodo escuro, seus passos eram incertos, duvidosos de querer ou não continuar, aos poucos

chegou ao corredor que alcançava a sala, a porta do quarto dos pais estava logo a frente, entrando

na sala ela parou diante do sofá pequeno que ficava em frente a porta, foi quando seus olhos se

depararam com a figura de preto com uma aura iluminada:

- Ah Deyv é você! Quer parar de fazer barulho? Estamos tentando dormir!

Page 59: Falas do Meu Coração

Falou normalmente como costumava falar com o amigo, feliz em vê-lo como se fosse um dia

comum de aula, foi quando relembrou o acontecido àquele dia, Deyv estava morto! Ela o olhou

novamente, ele sorria para ela como sempre, um brilho estranho estava emanando dele, sentiu um

tremor passar pelo seu corpo, seus olhos arregalados fitavam a figura a sua frente, não podia ser...

Nesse momento seus sentidos a deixaram e ela caiu. Quando abriu os olhos, Alissa percebeu que

estava em seu quarto, confortavelmente deitada em sua cama e coberta, mas como? Será que

estava tão abalada com a morte de Deyv a ponto de ter imaginado aquilo tudo? Fora apenas um

sonho? Não... Ela lembrava de levantar, foi real. O arrepio ainda percorria todo o seu corpo, estava

pálida. Olhou para a cama de Karen que ainda dormia profundamente, os raios de sol ja se

desprendiam no horizonte, ela se forçou a levantar e fitou sua figura em frente ao espelho, estava

pálida, abatida, e sentia-se sobretudo morta por dentro.

Como ia conseguir sair? Como ia ficar na escola? Na praça, se em todos os lugares havia uma

lembrança dele? Mesmo assim nada podia ser feito, ela precisava encarar, mas a dor que sentia não

podia ser ignorada, naquele dia passou pelo corredor do colégio outra Alissa, uma Alissa pálida e

abatida, com um olhar mortalmente triste, olheiras profundas, cabelos escondidos por um capuz

que vinha do casaco preto que usava, a calça preta e o coturno completavam o visual, nenhum

adorno, nenhuma maquiagem, apenas Alissa e a dor que a acompanhava. Os olhares antes curiosos

ou assustados agora percebiam que a garota estranha e antissocial, tinha sentimentos, que sofria

como qualquer pessoa.

Alissa não queria ver aula, com os fones de ouvido no volume máximo ela se perdia em

recordações dos momentos que passara com Deyv, as lágrimas eram envolvidas por metal

sinfônico, suas músicas favoritas, as musicas que Deyv mais gostava, ainda não conseguia

acreditar que ele estava morto, que nunca mais o abraçaria, ouviria a voz dele a chamando ela de

maluca, de menina. Seu peito doía demais.

- Alissa? - A professora chamou. - Alissa?!

- O que? - Alissa tirou um dos fones tentando prestar atenção.

- Você não esta em condições de ver aula hoje como todo mundo já percebeu, vá para casa.

Page 60: Falas do Meu Coração

- Eu to bem.

- Tem certeza?

- Sim. - Alissa insistiu secando as lágrimas. Repreendeu-se mentalmente. - Vamos lá Alissa, força,

você consegue! Se acalma droga!

O resto do dia pareceu interminável, na hora de sempre Alissa encontrou-se com Karen na

praça onde costumavam se encontrar com Deyv para ver o por do sol, olhando a irmã com os olhos

cheios de água, Karen perguntou com a voz chorosa:

- Ele não vem não é? Nunca mais...

Alissa abraçou a irmã com carinho tentando evitar as lágrimas, tentando tirar força de onde

não tinha para ajudar Karen naquele momento. No fundo queria que alguém ligasse e dissesse que

era mentira, uma piada de mau gosto e que Deyv logo voltaria que tudo seria como antes. Olhando

para o céu ela desejou que ele a ouvisse, que não tivesse ido. O sol se escondeu atrás da montanha

e a escuridão começou a tomar a cidade, Alissa ligou o celular com a música Memories, que julgava

perfeita para aquele momento porque as memórias de Deyv eram tudo que teria agora.

As duas caminharam para casa, tristes, vestindo o preto que desta vez, simbolizava o luto de

suas almas. Alissa não chorava na frente de Karen nunca, dedicava seu tempo a manter a irmã

calma e entretida com alguma coisa, fosse um filme, um dever de casa, um afazer doméstico.

Tentava dar o máximo de carinho que ela precisava e sempre procurava consolá-la quando a dor

alcançava tamanho nível que ela precisava desabafar. Enquanto isso, Alissa guardava suas

lágrimas se começasse a chorar talvez não conseguisse mais parar. Era o momento de ser forte pela

irmã, ela era o único pilar que Karen tinha para se agarrar agora.

Eram duas da manhã quando Alissa despertou, novamente havia um barulho estranho na

casa, desta vez no quarto vazio que ficava na cozinha, insegura ela levantou da cama indo até lá e

sussurrou um "oi" fraquinho enquanto as pernas tremiam. Nenhuma resposta. Ela voltou para o

quarto e sentou na cama levando as mãos ao rosto, Karen dormia profundamente, os pais também,

apenas ela estava ali acordada em meio a casa escura e tenebrosa a noite.

- Qual é Alissa? Desde quando você fica agindo como uma criança de tres anos? Não tem ninguém

na casa! Vai dormir!

Page 61: Falas do Meu Coração

- Ninguém?! Nossa eu ja recebi um tratamento melhor!

Quando Alissa virou o rosto viu que era Deyv ali ao seu lado, o rosto sereno, terno, olhando-

a como sempre fez, ela deu um pulo na cama encolhendo-se contra a cabeceira e abraçando o

travesseiro, fechou os olhos tentando evitar o grito e começou a repetir para si mesma:

- É só um sonho Alissa... Acorda! Acorda!

- Vamos lá menina! Você era menos medrosa antes!

Abaixando o travesseiro Alissa percebeu que ele ainda estava lá, e ria dela com o mesmo

cinismo de sempre, o cinismo que a fazia rolar de rir. Assustada e com os olhos arregalados ela

gaguejou:

- A-Antes você não brilhava... N-Não t-tavaMo... Mo... Mo...

- Morto Alissa! Fala logo! Até parece que ta vendo um fantasma!

Ele começou a gargalhar, Alissa estava imóvel, era mesmo Deyv, seu melhor amigo de sempre.

Como? Ele parou de rir por um momento e a olhou:

- Certo essa piada foi infame eu sei.

- V-você devia ter aparecido para a Karen e não pra mim!

- E você devia parar de gaguejar como se estivesse vendo o Freddy Krueger! Eu sei, eu to morto, e

se eu não apareci para a Karen é porque eu sei que por mais que pareça ela não é forte o bastante.

- E você acha que eu sou? - Ela perguntou já mais calma.

- Você não gritou. É um bom sinal da minha teoria. Qual é Alissa, somos amigos, sempre seremos!

- E o que aconteceria se eu gritasse?

Page 62: Falas do Meu Coração

- Hum... Ia acordar todo mundo e pensariam que você estava louca porque mais ninguém consegue

me ver ou ouvir!

- Eu to vendo que o seu humor não foi nem um pouco afetado pela mulher da foice né? Em que eu

posso te ajudar?

- Eu que estou aqui pra te ajudar!

- Agora eu entendi menos ainda! Me ajudar em que?

- A seguir em frente. Depois de mandar o meu "papai" - Ele cuspiu no chão. - pra cadeia!

- O que houve com você Deyv? Quem fez isso?

- Feche os olhos. Não precisa ter medo.

Alissa obedeceu e Deyv tocou em sua testa, nesse momento ela pode ver a cena clara em sua

mente, Deyv e Dennys discutiam com o homem gordo e de aparência asquerosa, ela não podia

ouvir o que diziam, mas viu quando o Homem apontou a arma para Dennys e disparou Deyv

passou na frente do irmão. Um tiro acertou na cabeça de Deyv e outro nas costas de Dennys que

caiu ao lado do irmão chorando:

- Deyv... Cara... Acorda...

Ele falava com dificuldade, o sangue escapando pela boca enquanto contemplava seu irmão

morto em sua frente, a poça de sangue se formava embaixo da cabeça de Deyv chegando até

Dennys que não conseguia sequer se mexer sentindo uma dor aguda em todo o corpo. A

ambulância chegou alguns minutos depois que o homem sumiu, mas era tarde demais, Deyv estava

morto.

Ao abrir os olhos, ofegante, Alissa começou a tremer, as imagens não saíam da sua cabeça

uma mistura de raiva, revolta e dor se misturavam dentro dela.

- Não acredito que ele fez isso...

- Então acha que eu sou um fantasma mentiroso?

Page 63: Falas do Meu Coração

- Eu falei com indignação Deyv, não com dúvida!

- Eu sei, mas é legal te contrariar!

- Se eu te bater não vai doer né?

- Essa foi uma pergunta idiota!

Os dois começaram a rir, era tão bom sentir aquilo de novo, por um instante Alissa não

sentia uma dor tão forte em seu coração, era como se conseguisse sentir que seu melhor amigo

estava mesmo ali, era mesmo ele, mas como era possível e porque ela? Deyv olhou-a e falou um

pouco sério.

- Olha, eu sinto muito por isso, não imaginei que ele fosse fazer aquilo, o Dennys ta bem, agora

tentem não chorar mais... Eu não gosto de ver você e a Karen assim, você sabe que vocês sempre

foram especiais pra mim...

- E como achou que a gente ia se sentir?

- Eu sempre vou estar com vocês...

- Da um tempo Deyv! Esse papo sentimental não é nem um pouco a sua cara!

- Agora tente dormir, eu tenho que ir. Mas não se preocupe nos veremos de novo logo. E não ache

que esta dormindo se não da próxima vez eu te belisco!

Alissa mostrou a língua pro amigo e sorriu deitando-se na cama, fechou os olhos por um

segundo e quando abriu Deyv havia sumido. Ela respirou fundo várias vezes, no fundo por mais

real que tenha sentido que foi não conseguia de fato acreditar que aquilo estava acontecendo. O

dia amanheceu triste aquela manhã, como se o sol não quisesse mais brilhar depois que a estrela

de Deyv se apagou... Alissa despertou preguiçosa, havia dormido pouco, quase nada e não

conseguia deixar de lembrar-se do que acontecera ontem. Será que estava enlouquecendo?

- Alissa o que está havendo com você?

- Como assim mãe?

Page 64: Falas do Meu Coração

- Eu ouvi você conversando sozinha hoje de manhã.

- Eu estava lendo...

- E quando você conseguiu a habilidade de ler no escuro?

- Tava usando o celular...

- Alissa você mente tão bem quanto faz contas de cabeça! Filha, eu sei que a morte do seu amigo te

afetou muito... Mas...

- Mãe, me deixa ta?

Saiu. Alissa não queria falar daquilo, ela ainda lembrava nitidamente o que Deyv lhe

mostrara, naquele momento ela só queria justiça e conforto para sua alma abatida pela dor da

perda de metade do seu coração.

Enquanto caminhava pela rua sem um destino certo, Alissa via Deyv em cada lugar pelo

qual passava, ainda conseguia ouvir as conversas, os risos, sentir aquela alegria contagiante que ele

tinha. Sentiu seu coração apertar e novamente as lágrimas tomaram conta de seus olhos.

- Caramba como você é teimosa!

Alissa deu um salto de lado ao ouvir a voz de Deyv, logo o vendo ao seu lado, a mesma roupa

preta de sempre, aquela luz forte em volta dele, sentiu o coração subir para a garganta.

- Que idéia é essa?! Quer me matar de susto?

- Bom pelo menos íamos ser amigos fantasmas, tipo o gasparzinho!

- Não teve graça!

- Olha, não é por nada não, mas eu não acho uma boa idéia você estar falando comigo aqui não.

- E por quê?

Page 65: Falas do Meu Coração

- Porque vão te achar maluca!

Nesse momento, Alissa olhou em volta e só então percebeu as pessoas a sua volta, algumas a

olhavam um pouco espantadas. Ela respirou fundo revirando os olhos e continuou caminhando

sem dar importância, já estava acostumada com o que as pessoas achavam dela. Deyv permaneceu

caminhando ao seu lado.

- O que ta fazendo aqui? - Ela perguntou passando as mãos pelo rosto.

- Eu vim porque você estava chorando, de novo!

- E daí?! Geralmente a gente chora quando perde alguém importante! Leva tempo pra passar sabia?

- Você é mais forte que isso Alissa e eu sei que sabe!

- Só me diz como eu vou achar aquele cretino e pronto ta?

- Ainda não. Não é a hora.

- E desde quando fantasma tem relógio?

- Vem cá porque você nunca me mostrou esse seu lado implicante hein? Eu adorei!

- Não enche Deyv! Acha que é fácil viver sem você?

- Eu to te vendo de lá de cima esqueceu? To sabendo que não. E também estou vendo o que esta

fazendo pela Karen, você é exatamente como eu achei que era.

- Ah e como eu deveria me sentir recebendo um elogio de um fantasma?

- Alissa, sou eu, o Deyv! Da pra parar de ver apenas que eu to morto e simplesmente me ver?

- Isso é meio complicado.

- Mas eu sei que você é capaz!

Page 66: Falas do Meu Coração

- Quer saber de uma coisa? Se você não fosse um fantasma eu ia te dar uma surra daquelas! Foi

você que foi embora! Pra que ir atrás daquele demônio? Pra que pular na frente da bala? Achou que

era quem? O homem de ferro?! Agora eu a Karen estamos assim, incompletas! E a parte ruim é que

a gente não pode te ter de volta!

Alissa parou olhando as pessoas que a olhavam assustada, nem percebeu que estava gritando, com

os olhos cheios de água ela esbravejou:

- O que é? Nunca viram uma louca não?! Tão vendo agora! Me deixem em paz!

E saiu rumo a uma praça que ficava próxima ao cemitério. No fundo Alissa não queria

aceitar a partida de Deyv, Karen por mais que tentasse manter a calma sempre acabava chorando

vez ou outra, estava sendo duro para todo mundo, para todos os amigos dele. Sentando em um dos

bancos de madeira, Alissa abriu a bolsa tirando dela um caderno e uma caneta.

As noites escuras vagam, perdendo-se nos ruidos tenebrosos...

Assombrando a minha alma triste e vazia... Eu não quero me acostumar

a viver sem você... E como eu posso fazer isso? Me explique como

ser eu sem o seu sorriso, sua maluquice, sem aquela alegria que você

me ensinou a cultivar e que agora descansa a sete palmos da vida.

As feridas ardem na minha alma e continuam sangrando no meu

coração... Eu não posso ver mais nada... Além do escuro inóspito em que

você me jogou...

Respirando várias vezes para tentar recobrar a calma, Alissa se levantou e guardou as coisas

indo para casa, precisava ver Karen, saber se ela estava calma, desde a morte de Deyv a garota

passara mal duas vezes, Alissa estava preocupada com a irmã. Era hora de engolir as lágrimas e

ajudar quem estava pior que ela. Secou as lágrimas e respirou tres vezes soltando o ar pela boca

antes de entrar em casa. Parando por um momento na sala, lembrara-se do primeiro instante que

vira Deyv ali depois de sua morte, sua espinha gelou e ela saiu a procura da irmã, alcançando o

corredor abriu devagar a porta do quarto e viu que a mesma estava deitada.

- Dormiu de chorar...

Page 67: Falas do Meu Coração

Com um salto, Alissa encostou-se na porta ao fitar Deyv sentado em sua cama.

- Caramba você tem que parar de fazer isso!

- Aparecer?

- Me assustar!

- Desculpe, eu deveria ter pedido um sino de anúncio ou um mensageiro real!

- Engraçadinho!

- Que tal parar de ser teimosa e aceitar os fatos;

- Era só o que me faltava, receber conselho do fantasma do meu melhor amigo!

Nesse momento Karen abriu os olhos, Alissa sentou ao lado dela abraçando-a, a garota

começou a chorar enquanto Alissa tentava acalmá-la. Deyv presenciava a cena com o coração

partido.

- Shh... Ta tudo bem mana...

- Fala pra ela que eu não gosto de ver ela assim... - Deyv sugeriu.

- E você acha mesmo que vai funcionar?!

- O que? - Karen perguntou olhando a irmã surpresa.

- Nada minha linda... Agora, vamos enxugar esse rosto e ocupar nossa cabecinha com alguma coisa

ta?

- Leva ela pra praça. - Deyv falou de novo.

- Claro, ela nem vai mais lembrar de você lá!

- Ta falando com quem Ali?

Page 68: Falas do Meu Coração

Alissa fitou o rosto vermelho e confuso da irmã que a olhava com surpresa. Deyv gargalhava

sentado em sua cama, ela pensou em algo rapidamente para enrolar Karen:

- Ah não é nada meu anjo, eu só pensei alto... Alto demais...

- Aposto que convenceu! - Deyv falou rindo.

- Fica na sua! - Ela sussurrou com raiva pra ele.

Acalmar Karen foi um tanto fácil, Alissa e ela assistiram a um filme e por algumas horas

conseguiram se desligar daquela realidade tão triste que enfrentavam, mas dentro de si aquela dor

ainda era forte demais, recente demais, difícil demais. Naquele momento parecia que ia durar para

sempre, mas Alissa sabia que não era assim, algum dia ela conseguiria lembrar deDeyv e sorrir

mesmo que com os olhos cheios de lágrimas.

Alissa sentia-se mole, não tinha vontade de fazer mais nada além de chorar, mesmo que não

o fizesse para não piorar as coisas com Karen. A noite ela virava na cama de um lado para o outro e

só tinha uma coisa em mente, mandar o cretino que matara Deyv para cadeia ou para o inferno! As

lágrimas começaram a cair novamente e ela se certificou que Karen estava mesmo dormindo antes

de começar a chorar.

- Alissa... Por favor não chora...

Ela cobriu o rosto com o lençol para não olhar Deyv. Ele riu.

- Vamos lá, não seja teimosa, vem aqui.

- O que? - Ela perguntou incrédula descobrindo o rosto.

- Chega mais perto.

- Vai fazer o que, me atravessar?

- Caramba eu to adorando esse seu lado sabia?

Page 69: Falas do Meu Coração

- Me erra!

- Isso seria bem fácil! Mas eu não quero. Agora vem aqui.

Alissa se aproximou dele ainda com os olhos lacrimejando, Deyv a abraçou e ela sentiu um

calor imenso, conseguia sentir levemente aquele abraço, era fraco, mas real. Alissa não tinha

certeza se chorava ou sorria, seu coração estava apertado... Não era fácil encarar o fato que Deyv

não mais existia. Seu celular tocou, ela se afastou para pega-lo percebendo pelo visor que era uma

mensagem de texto:

"Oi amor, como você esta? Melhorou? Eu quero ver você... Estou com saudades. Justin."

Ela devolvera o celular para o lugar onde estava e respirou fundo, não conseguira encontrar

Justin depois do acontecido, além da tristeza que sentia, ainda tinha que cuidar de Karen.

Respirou fungando por causa do choro e olhou para Deyv que a fitava:

- Ele não vai gostar de te ver assim, na verdade ninguém esta gostando.

- E você quer o que hein espertinho? Que eu coloque um vestido gótico e de uma rave pra galera do

rock?!

- Olha, eu não imagino você em uma rave, muito menos dando uma rave, mas adoraria ver você em

um vestido de gótica!

- Vem cá que raio de fantasma você é hein?!

- Certamente o melhor tipo deles!

- To começando a discordar! Você dava menos trabalho vivo!

- Porque você chorava menos!

Page 70: Falas do Meu Coração

- E porque era mesmo? Ah, lembrei, porque você tava vivo!

- Alissa, deita um pouco, tenta dormir direito ou então quando ver seu namorado amanhã ele vai

pensar que o fantasma é você! Está parecendo uma assombração.

- Não vamos começar a comparar as aparências aqui ta bom?

- Vai por mim, vou te ajudar a dormir.

- Claro, eu vou dormir bem melhor sabendo disso!

- Deixa de ser inexorável e deita logo!

- Espera ai, Alisson Deyv acabou de usar a palavra "inexorável"?

- Algum problema?

- Pelo visto seu vocabulário também melhorou muito né? Sabe pelo menos o que significa isso?

- Do latim inexorabilis Que não cede a rogos nem a lágrimas; que não tem piedade. CRUEL,

IMPIEDOSO, IMPLACÁVEL, INSENSÍVEL, Muito rigoroso. DURO, A que não se pode escapar.

- Não sabia que davam aula de português no céu.

- E como sabia que eu estava no céu?

- Você era bom demais para estar em outro lugar...

E dizendo isso, Alissa fechou os olhos mergulhando no mais profundo sono, estava

fisicamente cansada, psicologicamente exausta e emocionalmente confusa. Naquele momento ela

só queria desligar-se da realidade e acreditar que amanhã seria um dia diferente, seria um dia

melhor. A claridade entrou pela janela incomodando seus olhos, o copo pesado virou para o lado

para olhar a hora no celular, eram onze e meia da manhã. Levantou as pressas e correu para tomar

banho, colocou a roupa preta de sempre e calçou os coturnos. Parando um segundo em frente ao

espelho ela passou sombra e lápis preto e permaneceu com a boca sem nada. Estava decidida a

Page 71: Falas do Meu Coração

naquele dia, não deixar ninguém saber como ela se sentia.

Colocou os fones no ouvido e saiu de casa, caminhava a passos levemente rapidos, olhando

no relógio viu que não estava tão atrasada e diminuiu o passo, tentando apreciar a música em seus

ouvidos, escutava Epica, sua banda de metal favorita, mais especificamente a música "Feint",

naquele momento ela lembrava deDeyv, e pensava consigo mesma que procurava apenas um

pretexto para fazer isso quando sabia que não era preciso. Mesmo vendo o fantasma do melhor

amigo, a morte de Deyv não era um fato aceito por Alissa, e a obsessão pela prisão do homem que o

matara era cada vez maior.

- Alissa. - Deyv chamou-a, mas ela não ouviu. - Alissa! - A voz grave e um pouco mais alta fez

Alissa despertar de seus pensamentos e levar novamente um susto ao ver o fantasma ao seu lado.

- Que droga Deyv será que não pode pelo menos agir como um fantasma normal e usar um lençol

pra avisar que ta chegando?!

- E você com esse fone tão alto que não escuta nem vozes do além! Quer o que? Ficar surda?!

- O que é veio reclamar do volume do meu fone agora? Que eu me lembre eu não estava chorando!

- Não implicante, eu vim te dar uma informaçãozinha preciosa...

- Qual?

- Eu sei onde o cretino do Allan está;

- Allan? O seu assassino?

- Não, o ator de Holywood! Claro né!

- Desembucha fantasma espirituoso!

- Ele está em uma casa abandonada nas montanhas que ficam perto da casa onde eu morava.

- Aquele desgraçado!

Page 72: Falas do Meu Coração

- Avise a polícia o mais depressa possível, ele planeja fugir em dois dias...

- Não posso matar ele?

- Enlouqueceu?! Nem sonhe com isso! Ligue pra polícia e lembre se você pensar em fazer algo

imprudente eu vou estar de olho em você!

- Vai fazer o que?

- O que for preciso! Agora pare de ser irritante e faça o que eu mandei!

Alissa pegou o celular e ligou para polícia passando a informação de maneira anônima.

Ainda aquela tarde ela ficou sabendo que Allan estava preso, por um lado a raiva ainda permanecia

dentro de si, por outro estava feliz, uma vez que Dennys sobrevivera poderia acusá-lo

formalmente. Mas nem assim a dor de Alissa diminuía, não importava que o desgraçado estivesse

preso, ele estava vivo, Deyv não. Cruzando os braços em volta do corpo ela olhou pela janela o sol

se pondo enquanto a voz da professora de química passava cada vez mais longe do seu ouvido e da

sua mente. Ela apenas sentia aquele vazio enorme no coração um vazio que nada nunca poderia

preencher.

- Amor!

Correndo até o namorado, Alissa o abraçou com força caindo novamente em lágrimas, não

sabia com certeza se todas de dor ou se havia no meio delas, alguma de alegria pela prisão do

infeliz que matara seu melhor amigo. Justin era forte, olhos incrivelmente azuis, os cabelos negros

cortados curtos, era um pouco mais alto que Alissa. Apertando um pouco o abraço ele falou

suavemente:

- Minha menina... Eu sinto muito... Shh... Vai ficar tudo bem...

Alissa queria acreditar que ficaria tudo bem, que ela conseguiria superar aquilo, dentro dela

conviver com a ausência de Deyv seria o maior desafio com o qual teria que lutar, seu coração

estava quebrado, ferido profundamente, uma ferida que talvez nem mesmo o tempo fosse capaz de

cicatrizar.

Page 73: Falas do Meu Coração

Alissa estava deitada, seu coração estava apertado, sentia-se mal. Não conseguia parar de

chorar mesmo que tentasse, no fundo ela não queria aceitar que Deyv se fora, não importava o que

acontecia nada fazia com que se sentisse melhor, era uma dor aguda que a acompanhava aonde

quer que ela fosse, Deyv sabia que encontrar seu assassino seria mais fácil que ajudar Alissa e

Karen a seguir em frente, e ele em particular apreciava desafios quando vivo.

Virando o corpo para o lado pela, provavelmente, milésima vez aquela noite Alissa fitou no

celular a hora vendo que eram cinco da manhã. Ha dias que não conseguia dormir direito ou não

conseguia dormir nada. Fechando os olhos tentou mais uma vez sem sucesso, nesse momento

Deyv apareceu sentado ao pé de sua cama:

- Você vai ficar com olheiras horríveis!

- E desde quando eu me importo com isso?

- Só porque eu morri vai se esquecer de você agora?

- Você é um fantasma bem intrometido não acha?

- Alissa, torna as coisas mais fáceis pra mim vai!

- Ah é? E você tornou as coisas fáceis para mim Allison Deyv?! Você morreu! Não venha agora

tentar me convencer desse papo de "seguir em frente" porque auto ajuda do além não é o seu

melhor emprego!

- Caramba você é mais irritante do que eu pensei sabia?

- Vou encarar isso como um elogio.

- Alissa, escuta só, pensa na Karen, ela precisa de você pra continuar...

- Jura? O engraçado é que eu também precisava de você pra ir em frente e você comprou viagem só

pra um! O que ainda ta fazendo aqui? O demonio do Allan ja ta preso, descansa em paz agora!

Page 74: Falas do Meu Coração

- Como?! Vendo você desse jeito? Você não deixa eu descansar em paz nem no caixão! Meu corpo

ta lá se contorcendo.

- Então eu vou desenterrar e levar pro Guinness!

- O que eu posso fazer pra te ajudar?

- Você não pode viver Deyv... E eu não posso matar o Allan. Parece que nada no mundo pode me

ajudar! Você foi embora cedo demais... Eu não esperava isso, não queria... Não é justo!

- Mas eu estou aqui por você não estou?

- É, você é o Gasparzinho e eu a louca que fala com fantasmas!

- Você precisa parar de agir como uma criança mimada e aprender a aceitar as coisas que não pode

controlar!

- Escuta aqui seu fantasma psicanalista, você me ensinou muita coisa quando estava vivo, me

lembro dos ensinamentos sobre metal, sobre pessoas, sobre a vida, sobre os símbolos, sobre os

estilos, mas o único que eu não me lembro foi o dia que você me ensinou a viver sem você! Da pra

refrescar a minha memória nessa lição?

Deyv colocou a mão no rosto olhando pra ela e começou a rir. Alissa o olhava sem entender,

mas logo começou a rir também mesmo sem saber do que exatamente estava rindo. Assim que o

dia amanheceu e os primeiros raios de sol surgiram no horizonte, Alissa deitou e dormiu sobre o

"colo" de Deyv. Por mais que brigassem ela não conseguia deixar ele ir embora Deyv soubesse que

mais cedo ou mais tarde ela teria que aprender.

Em parte, depois dessa conversa, Alissa se sentia melhor, acostumara-se com a presença

constante de Deyv ao seu lado, as conversas ate o nascer do dia, e até mesmo as intromissões dele

quando não devia:

- Amor, está mesmo tudo bem com você? - Olhando-a desconfiado Justin perguntou enquanto

acariciava seu rosto;

Page 75: Falas do Meu Coração

- Está sim... - Alissa falou suavemente.

- Não mesmo! - Deyv revidou.

- Fica quieto! - ELa sussurrou;

- COmo? - Justin perguntou.

- Ahn.. Nada não amor... Esquece isso;

- Cara você acha mesmo que ele é idiota? É só olhar na sua cara que tem um letreiro luminoso

escrito "AJUDA". - Deyv falou em tom sarcástico.

- Quer parar com isso?

- Amor, ta falando com quem? - Justin olhava confuso para Alissa.

- Ahn...

Deyv gargalhava, não apenas com Justin, mas também com Karen e as vezes até com os pais

dela, Alissa nunca conseguia deixar de responder a uma provocação dele. Em parte ele fazia isso

para que ela desejasse não vê-lo mais, o problema é que ela só queria que ele ficasse mais. Os dias

passavam com calma e Karen começava a encarar a falta de Deyv de maneira mais forte que Alissa,

que conseguia vê-lo. A garota sentia-se desmotivada para tudo, e até mesmo as coisas que gostava

de fazer tornaram-se sem graça. Deyv estava ficando preocupado com a situação, não tinha muito

tempo e o seu trabalho parecia não fazer avanço.

Naquela noite, Karen e Alissa resolveram ver um filme. Ja faziam mais de três semanas

desde a morte de Deyv e mesmo assim nenhuma das duas sentia-se confortável para levar uma

vida normal, às vezes até se sentiam mal por estar respirando quando o melhor amigo já não

existia mais. Sentando no sofá com a habitual bacia de pipocas, Alissa deu play no filme e notou a

presença de Deyv no outro sofá. Olhando para ele sentiu um certo alívio de tê-lo por perto, mesmo

que daquele modo, de certa maneira a presença de Deyv havia tornado as dores um pouco menos

difíceis de agüentar, sentir que o melhor amigo não tinha partido de um todo em parte a

consolava.

Page 76: Falas do Meu Coração

Sorrindo para ela Deyv fez um sinal para que prestasse atenção no filme, ela riu e obedeceu.

- Ta rindo de que? - Karen quis saber.

- Nada não.

- Desde quando você ficou tão boa mentirosa e obedece as minhas ordens? - Deyv perguntou.

- Prefere quando eu implico com você?

- Sinceramente não. - Karen respondeu. Deyv começou a rir.

- Cala a boca! - Alissa falou rindo.

- Mas você que perguntou! - Karen falou sentida.

- Não maninha... Não to falando com você não...

- E ta falando com quem?

- To... Decorando as falas de uma peça de teatro!

- Como é?! - Karen falou cética. Deyv gargalhava a certo ponto que balançava as compridas pernas.

- Não to achando nenhuma graça!

- E eu não estou rindo! Para com isso Ali! Ta começando a me assustar!

- Cara você me diverte demais! - Deyv gargalhava.

- Para de encher!

- Alissa, ficou maluca?! Com quem ta falando?

Page 77: Falas do Meu Coração

- Conta pra ela! - Deyv encorajou rindo.

- Eu criei um... Amigo imaginário.

- Essa é velha viu! - Deyv falou sarcástico.

- Um amigo imaginário? Eu por acaso tenho cara de idiota?

- Falei que era velha!

- Eu não disse isso Karen... É que... Ah eu só curto essas coisas.

- Certo... Eu vou dormir ta? Da boa noite pro seu "amigo imaginário"!

Ela falou fazendo o sinal das aspas com os dedos enquanto se levantava para ir para o quarto. Deyv

olhou para Alissa ainda rindo, mas dessa vez mais calmo.

- Sinceramente, você me tira do sério!

- Foi bom, temos que conversar Alissa...

- Ah então você queria um papo cabeça? Porque não disse logo? Eu teria saído sem precisar passar

por louca!

- Eu tenho que ir embora...

Os olhos de Alissa fitaram Deyv cheios de água, seu coração voltou a sentir violentamente a dor da

perda. Não conseguiria continuar sem ele... E nesse momento ela se perguntava o que fazer.

Alissa fitava Deyv com os olhos cheios de água, seu corpo parecia derreter como nos

desenhos animados, seu coração apertou de tal forma que parecia que ela ia enfartar. Deyv sabia

que era necessário, por mais que doesse naquele momento ela precisava aprender a seguir em

frente, como Karen também deveria fazer, ele não poderia ficar com ela para sempre, era hora de

cada um cumprir seu destino. As lágrimas percorriam o rosto de Alissa que perguntou com a voz

trêmula:

Page 78: Falas do Meu Coração

- C-Como assim... Indo embora?

- Alissa... O motivo de eu ter ficado aqui, de eu ter vindo, foi te ajudar a seguir sem mim, de uma

maneira que você me sentisse sempre ao seu lado, eu não posso ficar aqui, não é mais o meu lugar...

Você tem que se acostumar com a idéia...

- Mas... Eu não quero que você vá embora...

Deyv se levantou e sentou ao lado dela abraçando-a com carinho, dessa vez Alissa sentiu a

presença dele como se estivesse totalmente vivo, os braços de Deyv a envolviam em um abraço

cheio de carinho, de calma e de luz.

- E quem disse que eu vou embora? Alissa, eu nunca vou deixar você, sempre estarei ao seu lado

enquanto você lembrar de mim, eu vou ficar no seu coração para sempre, e vou cuidar de você

junto do seu anjo da guarda, afinal ele costuma passear muito enquanto você dorme, alguém tem

que ficar de olho pra você não sair andando por ai!

- Engraçadinho! - As lágrimas percorriam o rosto de Alissa sem pausa.

- Olha, você e a Karen sempre foram especiais pra mim, e tudo que vivemos juntos nunca vai sair

da minha memória nem da memória de vocês, lembre desses momentos e sorria, porque eu

adorava o seu sorriso. Cante, escreva, faça as coisas que gostava de fazer e ajude a Karen a se

recuperar também... Eu posso não estar com vocês de corpo, mas estou vivo no coração de vocês...

- Eu não consigo deixar você ir... Fica comigo... Só mais um tempinho...

- Ali... Você é mais forte do que pensa... Eu sei que crescer dói um pouquinho, mas eu faço isso

porque sou seu amigo, porque quero o seu bem... Você vai ser muito feliz, o Justin é um cara

incrível e vai ser um ótimo companheiro pra você... E a minha filhinha vai precisar que alguem

ensine a ela os bons costumes! Estou contando com você e a Karen pra isso...

Alissa conseguiu dar um sorriso em meio as lágrimas e responder com a voz um pouco chorosa:

- Pode deixar com a gente...

Page 79: Falas do Meu Coração

- Assim que eu gosto... Sorrindo e com força.

- Eu vou sentir sua falta...

- Eu sempre estarei com você... Em todos os momentos, quando a saudade apertar demais, pense

em mim com força e escute um gutural massa pra ouvir!

Alissa deu um leve riso, respirando fundo. Deyv deu um beijo em sua testa e levantou, aos

poucos desaparecendo com um sorriso terno nos lábios, a luz o consumia diante dos olhos

chorosos de Alissa, até que por fim ele desapareceu completamente. ELa continuou ali,

encolhendo-se sobre o sofá, sentindo o coração doer a cada batida, acostumara-se com a presença

de Deyv constantemente em sua vida, e agora ele havia ido para sempre, outra vez.

Os dias passavam calmos para Alissa e Karen que tentavam levar a vida de um jeito o mais

normal possível, embora soubessem que suas vidas nunca mais seriam as mesmas, o luto

permanecia, não apenas nas roupas, mas principalmente em seus corações. Dois meses após a

partida de Deyv as duas voltaram a praça onde costumavam se encontrar, olhando tudo em volta

cheio de recordações e momentos felizes, elas não conseguiram conter as lágrimas, o céu cinzento

não tinha mais o brilho daqueles dias de alegria, caminhando juntas pelas ruas elas percebiam que

a cidade, de repente parecia vazia e sem graça, e contemplando o céu nublado elas seguiram em

frente, não com a mesma alegria de sempre, mas com a certeza de aprender a conviver com a

saudade... E ali permaneceram por um tempo esperando que Deyv do céu as estivesse olhando e

sentindo aquela saudade que permanecia em seus corações.

FIM.

Infelizmente eu ainda não consegui deixar você ir embora David... Falar de você, lembrar

dos momentos que compartilhamos ou até mesmo ver uma foto sua ainda me causa lágrimas...

Dizer Adeus é uma coisa que eu acho que nunca vou conseguir fazer, conviver com essa saudade

que você causou em nós é ainda mais difícil do que eu consegui imaginar que seria, porque no

fundo eu nunca imaginei que ia precisar te dizer Adeus, eu não escolhi isso do mesmo modo que

você não escolheu ir... No fundo, acho que eu não quero aceitar que nunca mais vou ouvir a sua

voz, ver a sua risada maluca, aguentar a sua chatice e as provocações, te irritar por ter cortado o

cabelo ou mesmo perguntar algo sobre o metal... Não quero acreditar que nunca mais vou poder

Page 80: Falas do Meu Coração

ver seu andar esquisito ou ficar com dor no pescoço por você ser mais alto que eu... Não é fácil

deixar ir alguém como você... Que não fez apenas parte da minha vida, mas que tinha um papel

importante nela, eu e Karynny não fomos apenas especiais pra você, você foi especial pra gente

também, era nosso irmão mais velho, nosso melhor amigo, a pessoa mais incrível que nós ja

conhecemos... A sua falta vai doer pra sempre, e mesmo que a gente aprenda a viver com ela, vai

ser uma ferida no nosso coração que nunca vai cicatrizar...

Katharynny.

Page 81: Falas do Meu Coração

Apocalyptica

03 dias de Escuridão

Prólogo

Caminhei por entre as ruas desertas e completamente escuras, nenhum único ruído, o único som audível era o do meu coração acelerado e da minha respiração inconstante. Eu precisava encontrá-lo, se acabasse era o rosto dele a última coisa que eu queria ver...

Alcancei a rua que passava em frente à igreja, quase não conseguisse ver nada à minha frente, e nem imaginava o quão perigoso poderia ser andar por ali sozinha, constantemente meus olhos fitavam o céu, como se eu esperasse algo aparecer, maldita mania de temer o apocalipse... Agora era tarde, estava escuro demais para ler.

Inutilmente voltei a olhar o celular, nada. Não pegava. A tensão no meu corpo era constante, e se ele não estivesse lá? A orientação era não sair de casa, mas e se ele não estivesse em casa? Droga! Pensei. Eu não queria ter vivido para ver isso! Tarde demais. Nesse momento em minha mente eu orava com toda fé que me restava, não era muita, mas era tudo que eu tinha.

Ainda faltavam pelo menos vinte minutos até a casa dele. Eu devia estar louca para cometer tal ato! E imaginava que mais louca estaria a minha mãe por não poder se comunicar comigo. Eu me vi ali, presa naquele cenário de filme de terror muito sem graça como se estivesse na fase sombria de algum jogo como rule of the rose ou the clock tower. Mas era real, infelizmente. Parei um momento encolhendo-me em um canto da rua ao lado da igreja, ofegante apenas olhava para todos os lados, como se esperava que algo acontecesse a qualquer instante. Me forcei a levantar após alguns segundos, não podia ficar ali, precisava continuar se eu queria sair viva daquela história.

Quando estava subindo a rua que levava ao colégio ouvi um barulho e imediatamente por puro instinto me escorei na parede de um bar olhando para todos os lados, o ruído abafado de passos parecia vir da rua de baixo, como se corressem ao meu encontro. Nesse instante eu temi pela

Page 82: Falas do Meu Coração

minha vida, apenas segurei a mochila com força, incapaz de me mover, incapaz de qualquer reação.

Capítulo 01 - contagem regressiva

Uma semana atrás

Será que as pessoas não têm mais o que fazer? É sempre a mesma coisa, todos ficam falando sobre o fim do mundo como um agouro sem graça em um filme sobre bruxaria. Aquilo já estava me cansando. As redes sociais estavam bombardeadas com essas idiotices, mas infelizmente eu não conseguisse me livrar de entrar no maldito facebook, a esperança até patética de encontrá-lo lá me fazia ficar constantemente conectada. Mas ele não estava. Um leve suspiro escapou dos meus lábios enquanto eu tentava me concentrar no meu trabalho, o livro estava quase concluído, mas não seria terminado nunca enquanto eu estivesse com a cabeça em outro universo. Eu me recusava a terminar o livro no qual eu vinha me dedicando nos últimos meses em vinte capítulos com uma conclusão qualquer apenas porque eu não conseguisse me concentrar em nada que não fosse o Ricardo.

O ano passou mais rápido do que eu gostaria, e me levou muito mais do que eu tinha. Ainda doía relembrar tudo que aconteceu, tudo tão rápido e ao mesmo tempo. Eu percebi que não importa essas superstições ridículas de usar a calcinha de tal cor ou vestir branco no fim do ano, isso não muda nada, o destino é inconstante e ele trabalha muito além das nossas expectativas e desejos, é algo sobre o qual não temos controle, infelizmente. Olhei para o céu em um segundo e fitei o azul anil que cobria a imensidão, me lembrei de David e não conseguisse conter as lágrimas... Foi tão rápido, tão estúpido, tão injusto.

Ainda é difícil encarar o fato que você nunca mais vai ter aquela pessoa irritante que te fazia tão bem, com quem você implicava noventa por cento das vezes, tudo porque uma bala idiota atravessou a cabeça dela e em menos de um segundo a sua vida acabou. E eu ainda não tenho certeza se é mais difícil encarar o ódio da bala ou do pai dele que atirou. Menos de um mês depois descobrir que o seu até então “noivo” na internet viaja finalmente pra te ver pessoalmente sofre um acidente, passa por uma cirurgia, amputa as duas pernas e desaparece da sua vida como em um

Page 83: Falas do Meu Coração

passe de mágica é meio que um pouco demais de informação para o seu cérebro processar ao mesmo tempo.

Mas dizem que o que não te mata te deixa mais forte, não que isso funcione comigo exatamente, mas eu continuo de pé sobrevivendo com as sequelas do que aconteceu. Mesmo com tudo isso, 2012 não foi um completo fracasso, eu conseguisse entrar na faculdade, mesmo fazendo o vestibular só por experiência, conheci pessoas incríveis, e aprendi muita coisa. E quando finalmente estava desacreditada em qualquer possibilidade para o meu coração, ele apareceu... Talvez não aconteça, mas isso que eu sinto pelo Ricardo é incrível, e me faz muito bem.

E aqui estou eu de novo, com os fones de ouvido olhando para a praça da cidade completamente parada e quase sem movimento não fossem os carros transitando de um lado para o outro, ou o vento soprando algumas horas com mais força que o normal. Eu sei, eu deveria estar em casa estudando ao invés de estar na rua tentando buscar inspiração nessa cidade sem graça para escrever um livro que nem se passa no Brasil! Mas eu sempre fico muito tensa em semana de provas, preciso de algo que me relaxe.

- Kate?

- Oi Amanda... O que faz por aqui há essa hora? - Falei direcionando meu olhar para o relógio me certificando que não estava tarde. Uma hora.

- Fui colocar crédito no celular, e você?

- Tentando pensar.

- Já estudou pra prova?

- Desde ontem... Mas tenho me concentrado mal.

- Vem aqui pra casa, vamos estudar juntas, estou com algumas dúvidas e talvez você me ajude.

- tudo bem então... Não to conseguindo nada aqui mesmo.

Talvez Amanda tenha salvo a minha pele, além de me ajudar talvez a me concentrar na matéria da prova de latim, ela conseguiu fazer minha mente se desligar daqueles pensamentos. Amanda morava em uma casa na praça mesmo, era uma casa modesta, mas muito bem decorada, eu me sentia a vontade lá como demorava a me sentir em muitos outros lugares, entrando pelo pequeno portãozinho branco eu me dirigi à cozinha para tomar água.

- E o menino lá? - Ela perguntou se referindo ao Ricardo.

Page 84: Falas do Meu Coração

- Ah... Na mesma, a gente se fala uma vez a cada década quando tenho a sorte de encontrar ele online.

- Mas não desanime não...

- Se convencer a minha cabeça disso te dou um dólar!

Ela simplesmente riu. Coloquei o celular sobre a mesa e tentei me concentrar na matéria da prova, segunda declinação da língua latina, naquele momento eu não conseguisse prestar atenção nem no meu vídeo favorito do fireflight! As linhas da apostila pareciam dançar diante dos meus olhos, formando imagens com as palavras, nada fazia sentido.

- Eu to frita nessa prova...

- Não ta entendendo o assunto?

- meu cérebro que não ta entendendo que eu tenho que estudar e ta tirando uma com a minha cara!

- Quer comer alguma coisa? A gente pode conversar um pouco, talvez ajude.

- a essa altura do campeonato, acho pouco provável.

Amanda tinha sempre em casa um biscoito de leite que eu adorava, parecia que ela sempre estava me esperando aparecer. Ela preparou um suco de maracujá, que era o que eu mais gostava e nos sentamos à mesa da cozinha. Eu não queria falar, embora soubesse que era necessário, preciso. Enquanto eu não aprendesse a lidar com o que eu sentia as dores me perseguiriam para sempre.

- Quer me contar o que está havendo?

- Eu não sei se consigo... A verdade Amanda é que eu acho que o Ricardo apareceu cedo demais... Não sei talvez também eu só esteja com medo.

- ainda estou mais tentada a acreditar nessa última opção. Com tudo que aconteceu com o seu melhor amigo e o seu noivo...

- Se é que da pra chamar assim... - eu a cortei.

- Kate, olha pra alguém como você isso é muito novo porque é muito real. Quer dizer, ele está aqui... E você está com medo que ele não esteja mais no segundo seguinte, eu sei que é um desafio controlar suas emoções, mas você precisa tentar...

Page 85: Falas do Meu Coração

- eu sei... Por mais que em certo modo eu considerasse o Julio um relacionamento real, eu sabia que era um absurdo, não existe a possibilidade de se manter uma relação pela internet... Não com ele em um canto do Brasil e eu em outro. É absurdo...

- Deixe as coisas acontecerem...

- Eis a questão, ainda não achei um posto sequer para abastecer minha paciência!

Amanda riu, por mais que eu não conseguisse, eu sabia que ela estava certa, só não sabia como ia fazer aquilo. Por algum motivo ridículo a história do fim do mundo estava mexendo comigo... Só faltava uma semana, nada mais que isso. O que você faria se imaginasse que em uma semana tudo que você considerava real estava prestes a acabar? Que talvez você só tivesse uma semana para fazer toda a sua vida valer à pena? Bom, no meu caso eu morreria virgem, sem ter beijado ninguém, sem descobrir como é ser mãe e sem ter um cachorro, coisa que muito me desapontava. Mas o que fazer? A vida quis assim, e eu não sou o tipo que entrega o coração pra qualquer um que tem um sorrisinho bonito e um par de braços musculosos. Eu busco mais que isso, e o que eu busco talvez não seja pra mim, como parece ser o caso do Ricardo.

Quando eu já tinha devorado basicamente todo o pote de biscoitos, Amanda e eu voltamos a estudar, confesso que eu estava me sentindo mais leve depois de ter conversado com ela. Pelo menos as letras pararam de sacanear com a minha cara e eu conseguisse voltar a ver aquelas orações em latim que pareciam, a primeira vista, escritas em russo ou algo parecido. Perto das quatro e meia eu voltei para casa, havia sido uma tarde de estudo proveitosa, eu estava pelo menos um pouco mais segura para realizar a prova.

Normalmente eu chegava à faculdade perto das seis e meia, mas nesse dia em especial eu decidi ir com Amanda, ela ia de carro e quase me intimou a ir com ela. Eu preferia ir de ônibus, não achava legal ficar na casa dela todo dia. Quando cheguei lá ela estava pronta, entrei e esperei um pouco.

- Os meninos me ligaram.

- hum...

- tudo bem ir com eles também?

- por mim tudo bem... Desde que eles me deixem um pouco invisível hoje...

Eles eram marcos e Cesar, normalmente Amanda os leva para faculdade, e trás todos nós até o centro, isso quando eu não resolvo voltar a pé. Mesmo sendo longe eu não me importo muito, me ajuda a pensar na vida, até mesmo a chorar como eu já fiz muitas vezes desde que me descobri apaixonada pelo Ricardo... A cidade onde moramos é um buraco no meio do zero acho que é questão de uma hora para você percorrer de carro da entrada à saída dela. Típica cidade de

Page 86: Falas do Meu Coração

interior. Isso sem falar no calor insuportável do nordeste, todos os dias eu me convenço que não posso ser brasileira, porque eu prezo o frio, preferia morar mil vezes no Alaska ou no Canadá! Mas essa noite em especial até que não está tão absurdamente quente. Entramos no carro e nos dirigimos até o ponto de encontro onde ela apanhava marcos e Cesar. Eles ainda não haviam chegado, Amanda estacionou o carro.

- Vamos esperar um pouco né?

- é...

- está preparada pra prova?

- até que depois que a gente estudou deu uma ajudada legal.

- eu também, mas vou estudar mais na sala.

Logo a porta do carro abriu e os dois entraram, Cesar era absurdamente magro, poderia compará-lo com um esqueleto desses usados para dar aula de biologia, sem problema. Ao contrário dele, marcos era mais “robusto” um pouco mais que eu. Eles tomaram seus lugares nos cumprimentando:

- boa noite. - marcos falou.

- bona nox! - Cesar tentou o latim.

- boa noite. - Amanda e eu respondemos em coro.

- e então meninas, preparadas para o fim do mundo semana que vem? - Cesar perguntou.

- fala sério? Eu to mais preocupada em passar no período do que com uma teoria de índios retrógrados que não tinham o que fazer e pensavam que era Deus.

- caramba... - Cesar exclamou. - fechou.

- já estou farta dessa história.

- a NASA confirmou que vai ter um fenômeno estranho no dia 21 e que vamos ficar três dias na escuridão completa.

- a NASA é provavelmente formada por meio bando de cientistas ateus que tenta controlar e explicar cada alfinete que cai no chão.

Page 87: Falas do Meu Coração

- é verdade. - Amanda concordou.

- estudasse pra prova de latim Amanda? - marcos perguntou quebrando a discussão.

- eu estudei. Estudasse?

- não. Entendi nada. E tu Kate?

- eu estudei com ela.

- por favor, passem fila.

Já esperava por isso! Pensei. Toda aquela conversa sobre fim de mundo me deixou irritada, caminhei até a sala com passadas rápidas e descompassadas. Olhando no relógio eu vi que eram dez para sete, Ricardo chegava sempre as sete em ponto. Tomei meu lugar e fiquei com o olhar fixo na porta, não fazia muito tempo que havíamos nos falado pessoalmente pela primeira vez, depois que eu declarei publicamente para meio mundo que estava apaixonada por ele. Dito e feito, as sete ele passou pela sala:

- oi.

- oi... - falei enquanto fitava os olhos castanhos perfeitos que se escondiam atrás dos óculos, parecia que eu conseguisse enxergar a luz da sua alma através deles.

- estudando pras provas?

- muito... E você?

- também. Estava mesmo era quebrando a cabeça com esse artigo científico...

- eu notei pela sua rede social... Pelo menos você conseguiu terminar.

- é... Deixa eu ir lá.

- ta bom... Boa prova.

- pra você também.

Sabe a arte de parecer idiota na frente da pessoa que você gosta? Sou profissional nisso! Parece que a minha boca desliga do cérebro e eu não consigo falar nada ou falo algo nada a ver. Nesse momento eu fiquei ali, parada no meio da sala fazendo a contagem para o que faltava de

Page 88: Falas do Meu Coração

tempo para vê-lo. Não sei ainda porque motivo, mas nesse momento eu imaginei que poderia ser a última semana, a última vez.

- com licença professor, posso falar com a Kate rapidinho?

- claro.

Era bel, ela era a responsável pelo meu curso e um dos motivos que eu tinha para não desistir por mais que tudo parecesse contra mim, ela me inspirava. Levantei da cadeira e saí ao seu encontro, os olhinhos dela me fitavam com a meiguice de sempre, ela tinha um brilho especial sempre constante no olhar, os cabelinhos castanhos com algumas mechas coloridas aparecendo, apenas sorri. Era impossível ser diferente perto dela.

- oi.

- Eu queria te convidar pra ir à minha casa no sábado... Vai ter uma festinha pra comemorar o meu aniversário... Você vai?

- claro.

- pronto, sábado de sete horas.

- certo! Estarei lá!

Poderia ser a minha última chance de me divertir.

Page 89: Falas do Meu Coração

Capítulo 02 – a melhor noite da minha vida

Em um piscar de olhos... Já era sexta-feira. A semana estava indo mais rápido do que eu gostaria. As provas fluíram bem, algumas como sempre eu me saí melhor que em outras, mas não importava, eu tinha alcançado à média. Ser convidada para a festa da Bel é quase como receber um convite para um baile na casa branca! Por ser a responsável pelo nosso curso ela é quase idolatrada na faculdade, e por ser uma pessoa absurdamente incrível e carismática ela é idolatrada entre a maior parte dos meus amigos. David falava muito dela.

- Ainda vai pra festa da Bel? - Kary me perguntou calmamente.

- Vou ao que fiquei sabendo ela vem me buscar se eu não for...

- Ainda vou com você?

- Se eu não te levar provavelmente mamãe vai me ligar nove vezes no mesmo minuto para se certificar que estou viva e com certeza o caminho de volta não vai ser divertido.

- Engraçadinha!

Decidi entrar no facebook aquela manhã, por algum motivo desconhecido eu queria ver alguma coisa naquele site recheado de algumas coisas idiotas que me serviam para passar o tempo, além de coisas importantes sem as quais eu não conseguisse ficar sem. Para minha surpresa o Ricardo estava online. Imediatamente minha barriga começou a sentir aquele enjôo, as mãos começaram a tremer e aquele arrepio atravessou todo o meu corpo. Mas não, eu não ia chamar ele no chat de jeito nenhum. Eu já tinha feito demais, era hora de ele agir e eu não esperava que o fizesse. Mas ele fez.

- Oi. - A janela de diálogo subiu provocando o barulho de um sineta. Mordi o lábio tentando manter a calma e controlar a surpresa, ele havia mesmo me chamado?

Page 90: Falas do Meu Coração

- Oi...

- Você também vai pra festa da Bel?

As palavras também e Bel balançaram diante dos meus olhos por alguns instantes. Como assim se eu também ia?

- Ahn... Acho que sim... Ela meio que me intimou... Se eu não for ela vem me buscar.

- kkkkkkkkk Me too.

Espera um segundo... Ele também foi convidado? Como assim? Nesse momento meus neurônios loiros fizeram valer os livros de Agatha Christie que eu já havia lido e juntaram as peças para montar o quebra cabeça, a insistência de Bel finalmente fazia sentido! Ela armou pra mim! Eu não tinha certeza se ria ou se tinha vontade de matá-la ao mesmo tempo em que queria abraçá-la e agradecer em todos os idiomas existentes.

A pior parte foi decidir uma roupa em que eu me sentisse confortável o bastante para me sentir a vontade e que não me deixasse parecer com a Moby Dick! Problema resolvido. Optei por uma calça jeans que havia comprado aquele mesmo dia e uma blusa preta de mangas curtas com estampas de caveira. Saímos de casa às 18h40min em ponto que foi o horário em que eu combinei com Tainan, uma nova amiga minha e amiga de Bel, para ir à festa, até porque eu corria sérios riscos de errar a casa dela. Tainan, a quem Bel chama de Tatá e que eu carinhosamente aderi ao apelido, é uma gracinha, tem uma personalidade incrível e uma meiguice invejável. O caminho foi bem tranqüilo, teria sido mais não fosse à mania de Kary de ser irritantemente prolixa!

Confesso que eu estava nervosa. A idéia de encontrar com ele lá mexiam comigo mais do que deveria. Subimos uma ladeira não muito comprida e chegamos à casinha de Bel, ele estava justo na entrada junto ao namorado de Bel e outro rapaz que eu não conhecia. A alegria que ele demonstrou ao me ver me desmontou imediatamente, eu sorri me aproximando para abraçá-lo e por um segundo mínimo me imaginei ali para sempre, sem nunca mais me desprender dos braços dele. Me afastei um pouco sem jeito e falei com o namorado de Bel, entrado em seguida para vê-la.

A pequena grande moleca estava na sala, Bel tinha um carisma contagiante, a alegria dela conseguisse encher qualquer lugar por maior que fosse isso me fazia tão bem, ela era maluca ao mesmo tempo em que era tão doce... Entreguei o presente que havia levado pra ela e sorri abraçando-a:

- Eu vou te matar! - Falei sorrindo.

Page 91: Falas do Meu Coração

Ela riu. Estava insuportavelmente quente aquela noite, saímos para o lado de fora onde Ricardo e os outros estavam eu mantinha fixo na minha mente que precisava dar um tempo com aquela história, por mais que ficar perto dele me deixasse absurdamente nervosa. Nos sentamos no meio fio da calçada da casa de Bel, ele nos olhou por um segundo enquanto conversava com os outros rapazes até que pegou a câmera e veio até nós.

E não era qualquer câmera, era uma câmera fotográfica digital profissional! Eu e Tatá conversávamos quando ele começou a nos bombardear com fotos, como um paparazzo quando vê alguém famoso, nós nos escondíamos em algumas e posávamos para outras, confesso que por um segundo cheguei a pensar que ele estava fazendo aquilo de propósito, me fotografando mais que as outras pessoas. Não. Eu estava enlouquecendo por pensar algo assim. Alguns minutos depois de muitas fotos – E foram muitas mesmo! - Nós entramos na casa de Bel, ao som de Evanescence para o jantar. Minha irmã armou para que eu sentasse ao lado do Ricardo, e a pior parte é que era o único lugar disponível, mas eu confesso, eu adorei isso!

- Com licença... - Falei antes de sentar.

- Licença? - Ele perguntou incrédulo enquanto ria.

Dei de ombros e comi calmamente. Era estranho, normalmente eu ficava travada na frente de pessoas que eu gostava comer, chorar, sorrir, eu não fazia isso... Mas ao lado do Ricardo eu me sentia a vontade para tudo. Quando terminamos de comer todo mundo conversava e ele acabou puxando assunto comigo, começamos a falar sobre o livro dele que eu estava lendo.

- Ta em que parte do livro?

- Capítulo 09... Estou gostando muito das demonstrações de magia, gosto desse lado. E o poder de Sofia... Caramba!

- Gostou de Sofia?

- Muito!

- Vai rolar muita coisa ainda... Eles já fugiram já?

- Já, a fuga de Maal, capítulo 04. Morri de rir com o Arthur tremendo nas bases no cavalo alado.

- Pronto, eu tava ouvindo essa música quando escrevi aquele capítulo.

Espera. Eu estava MESMO ouvindo música com ele no mesmo fone? A gente estava compartilhando o fone de ouvido??? Meu Deus aquilo estava mesmo acontecendo! Vocês tem noção do que é uma pessoa nas nuvens? Se já sentiram isso então vocês me entendem, foi um momento

Page 92: Falas do Meu Coração

mágico, ele acabou me mostrando outras músicas do celular dele e me perguntando se eu já tinha ouvido One Republic, uma banda de pop rock, ok eu já tinha ouvido falar, mas não tinha escutado, pelo menos não que eu me lembrasse. Adivinha a música que ele colocou pra eu ouvir: Made For You. Dá pra acreditar?! E, não sei se pra me testar, ou se sinceramente mesmo ele falou:

- EU nunca consigo traduzir o nome dessa música... Não sei como fica.

Eu olhei no visor do celular e falei com segurança:

- Feito pra você.

- Feito pra você né?

- Aham...

Certo, meu inglês não é isso tudo. Também a culpa não é toda minha, a escola pública não ensina droga nenhuma além do verbo to be, e estudar um idioma em casa sozinha não tem muito rendimento, você precisa praticar e vai praticar com quem? Os cursos aqui na cidade são caros demais. Ainda ficamos algum tempo lá conversando trivialidades com Tatá, e pelas das nove da noite eu precisava ir pra casa.

- Bel eu já vou...

- Já?

- Eu também tenho que ir... Que horas são? - Ele perguntou.

- Nove e quinze. - Respondi.

- Você vai por onde?

Expliquei mais ou menos o caminho. Ele sorriu perguntando se eu não queria ir com ele metade do caminho, prontamente eu aceitei, só de imaginar eu fiquei quase eufórica. Nos despedimos de Bel e saímos. No caminho ele, minha irmã e eu fomos conversando, mais eu e ele, ela decidiu dar uma mudinha (de propósito!) falamos sobre livros, ele é viciado em Harry Potter, conversamos sobre séries e até deu para dar umas risadas. Mesmo sendo um tempo relativamente curto foi o bastante para me deixar flutuando no paraíso, nos abraçamos de despedida e ele foi embora.

Aquela noite eu dormiria na mais profunda e completa felicidade. Uma pena que o meu sonho estava tão perto de se converter em um sombrio pesadelo.

Page 93: Falas do Meu Coração

Capítulo 03 – Dia Um

Eu não queria acordar... Os sonhos que eu estava tendo com o Ricardo eram melhor que qualquer realidade que eu pudesse viver. Abrindo os olhos vi que já passava das dez horas, droga! Era exatamente dia 21 de dezembro de 2012, o tão temido e falado, a verdade é que para mim era só mais um detalhe idiota se o mundo fosse acabar pela boca do povo teria acontecido muito antes! Ao que parecia seria um dia normal, o céu estava claro, e a minha mãe estressada, ou seja, dia completamente comum.

- Kate, isso é você mesmo?

- Não, é um holograma.

- Eu pensei que você tinha morrido enquanto dormia.

- O mundo acaba hoje se não te avisaram, não acha que eu morreria sem prestigiar esse evento acha?

- Isso é leseira do povo!

- Concordo plenamente! - Falei enquanto me sentava pegando um pão. - Até porque ele também ia acabar em 1999, 2000 e 2001! Incrível como as pessoas gostam de morrer não é?

Ela apenas assentiu. Tomei meu café calmamente, estava mais para almoço pela hora, mas depois de ir dormir quase três da manhã era meio impossível acordar de oito e meia. Quando terminei fui para o meu quarto, sim, eu deveria ter ficado na cozinha ajudando minha mãe a cozinhar e enxugar pratos, mas eu não consigo fazer isso, principalmente quando meu cérebro

Page 94: Falas do Meu Coração

está trabalhando a toda potência em algum livro. Todo o dia era assim desde que eu entrei de férias, não chamo de ociosidade, eu estou trabalhando afinal e em algo que me faz muito feliz.

Estava ouvindo o cd do One Republic, mais especificamente o álbum waking up que foi o álbum que o Ricardo me indicou, admito os caras mandam muito bem, fazem uma linha de pop rock bem calmo o que até me ajuda muito quando estou trabalhando, embora eu tenha mais costume de ouvir música barroca enquanto escrevo. As palavras simplesmente fluíam enquanto eu digitava no meu querido notebook que eu ainda não continha o orgulho de chamar de meu depois de desejar desde os doze anos de idade... Mas não era ali que a minha mente se encontrava, nem mesmo na história que a minha cabeça formava em cada palavra... Ela estava presa a cada nota das músicas que corriam no cd salvo no meu computador, elas me levavam a ele.

Cada sensação de estar perto do Ricardo vinha a minha mente como a cena de um filme passando em um gif, repetindo-se infinitas vezes. A sensação de ter a voz dele tão perto, de ouvir o som suave de cada palavra proferida pela boca desenhada... A sensação de olhar nos olhos dele, de sentir o abraço leve que me envolveu. Quando dei por mim estava viajando acordada no mundo dos meus próprios pensamentos. Eu precisava parar com isso. Voltei a escrever tentando manter minha cabeça na história, às vezes eu me condenava por não escrever em algum papel antes de digitar, mas era costume meu de criança escrever assim de hora, achava mais divertido não ter controle total sobre o destino dos personagens, era diferente apenas escrever de acordo como eu me sentia e só respeitar minhas expectativas. As coisas iam bem, o dia estava calmo, meu avô assistia televisão na sala, meu pai como sempre enfurnado cuidado da lan house, minha mãe havia saído para trabalhar, minha irmã também e como eu era a única desempregada por ali dividia meu tempo entre ler, escrever e fazer as coisas de casa.

Me convencia cada vez mais que preguiça era a palavra que regia as pessoas do signo de leão, eu admitia com todas as letras que odiava me dedicar a coisas que eu não gostava de fazer, como lavar pratos que nem mesmo ouvindo música conseguisse ser algo divertido, isso sem falar na parte de arrumar a casa, que eu odiava o dobro! Enquanto a música soava e eu tentava limpar uma maldita panela de peixe meu pensamento voava longe dali, observando o céu eu percebi que, ao longe, lentamente ele escurecia. Virei à cabeça em direção ao relógio e vi que ainda eram três horas da tarde, larguei a panela na pia e corri até a frente da casa para me certificar que meus óculos não estavam vencidos e não sei se para minha alegria ou tristeza, não estavam. O céu enegrecia rapidamente como se fosse tomado por nuvens carregadas naqueles desenhos animados em um momento que de repente vai chover. Minha espinha gelou. Em menos de um minuto um carro parou na frente da minha casa e dele saíram minha mãe e irmã entrando em casa correndo.

- Mãe? Kary? O que ta havendo?

- Não sei... - Kary respondeu tensa. - Só fomos orientados a não sair de casa.

Page 95: Falas do Meu Coração

- Como assim?

Minha mãe começou a fechar todas as janelas e cortinas. Meu pai subiu em seguida fechando as portas. Só então eu percebi que a televisão estava desligada e o rádio havia se calado na cozinha. Havia algo errado ali, mas eu não conseguisse entender o que. Caminhei até a cozinha e vi que o relógio digital sobre o balcão estava apagado, olhando pela janela novamente eu vi a cortina negra cobrindo o céu bem acima da minha casa, em uma tentativa inútil eu tentei acender a luz, mas nada funcionava. Corri para o meu quarto pegando o celular, sem sinal.

- Faltou energia? - Perguntei me voltando para Kary.

- Não Kate... Acho que é a profecia Maia.

- Ah qual é! Não me vem você também com essa história absurda! O mundo NÃO vai acabar que droga!

- Então como você explica isso? - Ela falou apontando para o céu.

- Eu não sei... Mas deixa de besteira, não vai acabar nada agora.

Pelo menos era disso que eu queria me convencer. A escuridão começou a tomar conta de tudo, a rua estaria tenebrosamente silenciosa não fosse o choro agoniado dos três filhos da vizinha do lado. Tomei cuidado para não esbarrar em nada enquanto caminhava para fora do quarto, era a sensação de ter faltado energia quando você não tem uma única vela por perto. Não que eu tivesse medo do escuro, mas eu sabia que não tinha faltado energia e aquilo se tornava assustador.

- Felipe as portas estão fechadas? - Era a voz da minha mãe.

- Sim.

- A da cozinha também?

- Fechei.

Espera ai, eu não vou ficar nesse cemitério sem música de jeito nenhum! Tateei a cama em busca do celular e dos fones de ouvido, eu precisava manter a calma, recapitular os últimos dias e ligar com o que estava acontecendo, tinha de haver uma explicação lógica para o que estava acontecendo... Ou não. E essa última alternativa me deixava ainda pior. Nada me ocorria, além daquelas histórias absurdas que as pessoas inventavam de portais. Ridículo. Certamente estavam vendo muito sobrenatural. Foi nesse instante que eu comecei a sentir o frio... O ar gélido tomando conta do meu corpo fazendo como que eu me encolhesse. O único som que eu ouvia era dos meus

Page 96: Falas do Meu Coração

pais e da minha irmã movendo coisas de um lado para outro e eu estava ali alheia, querendo qualquer sentido para o que estava havendo.

Tentei iluminar com meu celular o armário no meu quarto em busca de um agasalho, o frio aumentava cada vez mais, eu não conseguisse conceber a ideia de que era o fim, era ridículo, contrariava todas as regras. Meneei a cabeça me livrando daquele pensamento. Olhando pela janela do meu quarto eu fitei as ruas desertas, por um instante eu jurei que tinha visto um vulto no meio da escuridão... Não, era a minha imaginação. Nesse instante um forte estrondo em algum lugar ao norte do bairro onde estávamos fez minha espinha gelar.

- O que foi isso?! - Era a voz de Kary.

- Desde quando está aqui fantasma?

- Cheguei agora... Você também ouviu?

- Ouvi...

- O que acha que foi?

- Certamente nada bom.

- Eu to com medo Kate...

- Eu detesto admitir isso... Mas eu também.

Ela levantou caminhando até a minha cama e me abraçou. Eu beijei a sua cabecinha, eu não podia chorar não naquele momento alguma parte de mim sabia que aquilo ia passar. Dei um suspiro pesado sentindo um nó na minha garganta e meus olhos ardendo, apertei um pouco o abraço falando calmamente:

- A gente vai sair dessa você vai ver... E mesmo se não sair, eu vou passar a eternidade irritando você... Eu te amo muito minha pequenina... Você foi à melhor coisa que mamãe e papai poderiam ter dado pra mim.

Senti as lágrimas dela molhando a minha camisa e apenas beijei sua cabeça novamente mantendo-a sempre juntinha. O silencio ocupava cada pedaço de cada lugar ajudei minha irmã a ir para cama, orientando-a que descansasse embora eu soubesse que ela não o faria e sai do quarto ao ouvir meus pais conversando baixinho no quarto, me aproximei para ouvir o que falavam:

- Fomos orientados a não sair de casa, parece que... Há alguma coisa lá fora que eles ainda não sabem bem o que é... Isso sem falar nos riscos de assalto que há nesse escuro.

Page 97: Falas do Meu Coração

- Quanto tempo isso vai durar?

- Eles não foram específicos... Ao que parece três dias.

- Até lá o que nós vamos fazer?

- Rezar para sobreviver.

As últimas palavras não foram muito animadoras. Nesse instante eu caminhei até a janela da sala observando a rua, não havia uma única luz acesa, tudo estava completamente escuro, nem mesmo a lua podia ser vista em qualquer lugar do céu. Eu repensei toda a minha vida nesse momento, as coisas que eu não conseguisse viver, as coisas que eu queria ter feito e as coisas que eu desisti sem ao menos tentar. Como a vida é frágil... A gente perde tanto tempo com futilidades e acaba esquecendo o que realmente importa. Nesse instante Ricardo me veio à cabeça, quer dizer que ia simplesmente acabar assim? Eu não ia aceitar isso, já que estava tudo ferrado mesmo eu ia arriscar. Voltei para o quarto onde Kary estava deitada, fechei a porta devagar e pedi ajuda:

- Eu vou pra casa do Ricardo.

- O que?! Perdeu a noção Kate?!

- Ao contrário Kary, pela primeira vez no que resta da minha vida eu quero arriscar!

- Katheryne é basicamente suicídio! Você não sabe o que tem lá fora!

- Eu sei que se é mesmo pra morrer eu quero morrer com ele! Sabe quanto tempo eu passei para sentir isso? Vale à pena.

- E se você não conseguir?

- pelo menos eu tentei! Vamos lá mana, me da uma força nessa...

- Ta, e o que eu digo pra mamãe?

- Que eu estou bem e que assim que tudo acabar eu volto pra casa.

Eu sabia que ela estava relutante em aceitar, mesmo sem ver o rosto dela direito porque a vela mal iluminava o quarto, eu conseguisse sentir o medo e a apreensão em cada pulsar do seu coração. Eu também estava com medo, mas era algo que eu queria fazer. Rapidamente ela me ajudou a colocar algumas roupas e pertences básicos na mochila, aproveitei que meus pais estavam com a porta fechada já que as vozes deles estavam abafadas, Kary me ajudou a sair pela sala eu a abracei forte dizendo novamente que a amava e, como se eu abrisse o portão ia fazer

Page 98: Falas do Meu Coração

muito barulho decidi escalar por entre as frestas dos ferros. Acenei para ela, mas possivelmente ela não estava me vendo, acendi a luz do celular e acenei, ela respondeu do mesmo modo, senti um aperto no peito, poderia ser uma despedida, eu poderia não voltar mais... Mas pelo menos tinha a certeza que ela estava segura.

Tudo estava completamente escuro e deserto, não havia sequer um ruído na rua, desci a ladeira com passos largos, por mais que eu não quisesse anunciar minha presença os passos do all star pareciam ecoar devido ao silencio tenebroso. Estava muito escuro, me condenei por não ter nenhuma lanterna em casa, mas talvez fosse melhor mesmo me misturar com a escuridão. Até agora tudo bem, não havia topado com ninguém, parece que as pessoas haviam mesmo obedecido à regra de não sair de casa e nesse instante eu me senti uma louca declarada. As palavras da minha mãe ecoavam na minha cabeça “rezar para sobreviver”, nesse momento eu comecei a pensar em todas as orações que conhecia, mas no fundo talvez meu medo fosse maior. Ou não uma vez que eu estava na rua. Alcancei a pista que levaria a ponte pela qual tinha de passar para poder chegar ao centro da cidade, estavam construindo alguma geringonça faraônica aqui no meu bairro e havia um túnel de vinte metros de altura cavado e o que nos ligava ao “mundo comercial” era uma ponte de ferro e madeira improvisada, sem segurança que balançava quando vinha mais de três pessoas sobre ela. Como não havia carro nas ruas eu não demorei a chegar à ponte assim como não demorei pra atravessar. Levaria mais ou menos de vinte a trinta minutos até a casa do Ricardo, isso se eu continuasse com aquele passo de agente secreto.

Parecia que cada passo que eu dava era mais incerto, quando cheguei à rua do hospital senti como se estivesse sendo seguida, parei. Eu não conseguisse enxergar quase nada mesmo nem adiantaria olhar para trás, apenas virei à esquina chegando à ladeira que levaria ao comércio, mas aquela sensação persistia e meu coração batia com tal força que parecia ser audível em toda rua. Apertei a alça da mochila e apressei os passos. Caminhei por entre as ruas desertas e completamente escuras, nenhum único ruído, o único som audível era o do meu coração acelerado e da minha respiração inconstante. Eu precisava encontrá-lo, se acabasse era o rosto dele a última coisa que eu queria ver.

Alcancei a rua que passava em frente à igreja, quase não conseguisse ver nada à minha frente, e nem imaginava o quão perigoso poderia ser andar por ali sozinha, constantemente meus olhos fitavam o céu, como se eu esperasse algo aparecer, maldita mania de temer o apocalipse. Agora era tarde, estava escuro demais para ler.

Inutilmente voltei a olhar o celular, nada. Não pegava. A tensão no meu corpo era constante, e se ele não estivesse lá? A orientação era não sair de casa, mas e se ele não estivesse em casa? Droga! Pensei. Eu não queria ter vivido para ver isso! Tarde demais. Nesse momento em minha mente eu orava com toda fé que me restava, não era muita, mas era tudo que eu tinha.

Page 99: Falas do Meu Coração

Ainda faltavam pelo menos vinte minutos até a casa dele. Eu devia estar louca para cometer tal ato! E imaginava que mais louca estaria a minha mãe por não poder se comunicar comigo. Eu me vi ali, presa naquele cenário de filme de terror muito sem graça como se estivesse na fase sombria de algum jogo como rule of the rose ou the clock tower. Mas era real, infelizmente. Parei um momento encolhendo-me em um canto da rua ao lado da igreja, ofegante apenas olhava para todos os lados, como se esperava que algo acontecesse a qualquer instante. As lágrimas rolaram livres, dei vazão aos meus sentimentos, era inútil tentar ser forte, eu estava com medo e precisava admitir de uma vez. O nó na minha garganta pareceu aumentar, e minha respiração passou de inconstante para sufocada.

Me forcei a levantar após alguns segundos, não podia ficar ali, precisava continuar se eu queria sair viva daquela história. Uma onda de determinação tomou conta de mim, eu precisava vê-lo, na verdade eu não ia conseguir vê-lo, mas precisava ouvir o som da sua voz, sentir o calor da sua presença. Pensando nisso eu percebi o quão estava frio, me encolhi dentro do casaco e continuei andando agora um pouco mais rápido.

Quando estava subindo a rua que levava ao colégio ouvi um barulho e imediatamente por puro instinto me escorei na parede de um bar olhando para todos os lados, o ruído abafado de passos parecia vir da rua de baixo, como se corressem ao meu encontro. Nesse instante eu temi pela minha vida, apenas segurei a mochila com força, incapaz de me mover, incapaz de qualquer reação. Os segundos se passaram lentamente, logo eu vi um vulto se movendo em meio à escuridão, sua forma era difícil de descrever ele parecia tão sombra quanto o escuro que me rodeava, mas se havia algo que eu nunca esqueceria eram os olhos brancos que pareciam brilhar e olhavam diretamente para mim como se eu irradiasse uma luz que dedurasse a minha presença, não era hora pra gritar, e sim para correr e foi o que eu fiz, saí correndo ladeira acima sentindo que aquela coisa estava atrás de mim, era como se eu conseguisse ouvir os seus passos estranhos e abafados virei à esquina da casa de Ricardo e peguei o celular às pressas tentando iluminar o número das casas.

- 30... 120... 96... Achei! 127!

Um misto de alívio e medo me acometeu... E se ele não estivesse em casa? Eu estaria perdida. Olhei para trás e vi novamente os olhos brancos me perseguindo...

- Ricardo!!! - Gritei.

Senti algo passar no meu braço e uma dor aguda me acometeu. As lágrimas escorreram dos meus olhos imediatamente, me virei de costas para casa dele e fitei os olhos brancos absurdamente próximos, o hálito esfumaçado pelo frio chegava ao meu rosto e um rosnar baixo saía da boca daquela criatura, eu não conseguisse distinguir o que era aquilo, mas naquele instante eu vi a

Page 100: Falas do Meu Coração

morte perto de mim, quando fechei os olhos temendo o pior senti algo me puxar e perdi os sentidos.

Capítulo 04 – Perdida e Salva

- Caramba... O braço dela ta muito machucado...

A voz suave parecia tensa ao pronunciar as palavras, meus olhos abriam e fechavam e aos poucos as vozes pareciam perto, a realidade parecia perto. Havia luz. Feixes de uma luz branca, pálidos e ao mesmo tempo tão fortes, meus olhos fecharam novamente.

- Quem é?

- Uma amiga minha...

- Precisamos colocar alguma coisa no braço dela antes que infeccione... Eu vou buscar os curativos na cozinha.

- Essa é aquela lá que gosta de você Ricardo?

- Fica na sua Amanda!

As vozes se misturavam na minha cabeça, eu sabia que tinham três pessoas falando, a voz suave e masculina era a do Ricardo... Eu reconheceria a voz dele em qualquer lugar, as outras duas eram femininas, mas eu não conseguisse reconhecer, abri os olhos novamente me incomodando com a claridade sobre o meu rosto, eu não conseguisse enxergar quem estava por trás das lanternas, mas fiquei relativamente chocada ao perceber que ainda estava viva, que o meu coração

Page 101: Falas do Meu Coração

estava batendo e que eu não estava no inferno. Mas também me frustrei ao ver que não era um pesadelo, a escuridão ainda persistia.

- Kate?

- Ricardo?

- Isso... Está tudo bem agora. Como se sente?

- Estranha...

- Consegue dizer o que aconteceu?

- Eu não sei o que era aquilo...

- Agentes da morte. - Uma voz feminina suave falou ao meu lado direito.

- O que?! - Ricardo perguntou incrédulo.

- São ceifeiros.

Senti um ardor intenso no meu braço esquerdo, me encolhi tentando conter o grito que insistia em sair. Senti a mão de Ricardo segurar a minha, a maciez e suavidade dos dedos dele encontrando a minha pele eram como um sonho que entorpecia o meu corpo fazendo a dor parecer insignificante. Eu ainda não tinha entendido direito o que estava acontecendo, ou melhor, o que tinha acontecido então aquilo que me perseguiu era um ceifeiro? Seria muito desaforo eu dizer que era um absurdo? Melhor não arriscar. Um minuto de silencio enquanto quem eu achava ser a mãe do Ricardo envolvia uma faixa de gase no meu braço.

- O que deu na sua cabeça para sair de casa desse jeito? - Ela me perguntou.

- Se eu contasse... A senhora provavelmente não ia acreditar.

Ela posicionou a lanterna sobre uma estante que havia na sala fazendo uma luz pálida e precária tomar o ambiente, só assim eu pude ver o seu semblante. Ela parecia um pouco com ele, tinha os cabelos castanhos com leves toques de dourado assim como os dele, eram curtos e lisos. A pele alva e bem tratada usava óculos e tinha um porte suave. Ricardo estava ao meu lado e só então eu percebi que estava deitada no sofá da sala deles, era de um caramelo vivo, havia um centro de mesa preto com tampo de vidro onde repousava um pequeno arranjo de flores artificiais.

- Até parece que ela precisa responder não é mamãe?

Page 102: Falas do Meu Coração

Só então eu fitei o rosto da garota morena com cabelos lisos de um castanho perfeito que estava espalhada no outro sofá, situado no lado oposto ao que eu estava deitada. Ela tinha um sorriso divertido no rosto como o da minha irmã na festa da Bel. Ricardo fitou-a sério e ela apenas piscou. Me senti sem graça, não sabia se eu já tinha me arrependido de ter ido lá, mas agora eu encarava a consequência pior da minha decisão idiota e impensada: Eu estava presa lá! Não podia voltar. Imaginei como a minha família estaria naquele momento e se a minha mãe já sabia que eu não estava mais em casa. Provavelmente já estaria subindo pelas paredes. Ok era oficial agora, eu era muito idiota.

- Vem... - Ele me chamou pegando a lanterna. - Consegue levantar?

Assenti com a cabeça ainda um pouco tonta e levantei seguindo-o em silencio, andamos por um pequeno corredor até chegarmos a um quarto, imaginei ser o quarto dele, pois era bem a cara dele mesmo. A cama de solteiro no centro encostada à parede onde estava uma estante enorme cheia de livros, CDs e algumas fotos. A estante tomava a parede deixando apenas o pequeno espaço onde estava a cabeceira da cama. Do lado direito ficava uma escrivaninha onde repousava o notebook e ao lado o tablet, havia alguns livros dispostos sobre ela também, uma luminária de mesa. Foi até ai que a luz fraca da lanterna que ele segurava me permitiu ver, iluminando o outro lado ele me permitiu ver uma poltrona vermelha e entendi que era um sinal para me sentar, caminhei até ela em passos incertos e me sentei em silencio, eu não sabia o que dizer, na verdade talvez não tivesse nada a ser dito. Ele posicionou a lanterna sobre uma pilha de CDs na estante fixada à parede acima da sua cama iluminando parcialmente o lugar.

- Certo, agora é a nossa vez de conversar...

Senti um frio intenso na barriga. Ele me olhava sério e ao mesmo tempo tão doce.

- Por que veio aqui no meio disso tudo? É quase um suicídio.

- Eu... Tenho que responder?

- Adoraria ouvir uma resposta plausível para essa loucura. Faz ideia do que poderia ter acontecido com você?

Nesse momento eu desejava que estivesse escuro, queria que ele não pudesse me ver, que aqueles olhos de chocolate tão perfeitos não estivesse me fitando agora com aquela expectativa e aquela cara de reprovação à minha atitude. Mesmo pálida e distante a luz sobre nós era o bastante para me deixar tensa o bastante para querer permanecer em silencio, eu não sabia o impacto que as palavras que eu pudesse dizer teriam sobre ele.

- Não tinha tanta certeza quando saí de casa... Mas...

Page 103: Falas do Meu Coração

- Mas... ?Nesse momento eu olhei nos olhos dele com determinação, eu já tinha ido até ali não tinha mais nada a perder.

- Eu não sei o que ta havendo, não sei se vou estar viva daqui a cinco minutos, só queria fazer a minha vida valer a pena, me arriscar por você foi à única coisa que eu fiz por merecer o ar que respiro! Se eu morresse queria poder passar por isso com você... Do seu lado. Loucura talvez, mas eu nunca te disse que eu era normal.

Ele sorriu. Eu estava completamente constrangida com o que tinha acabado de falar e ele ali, sorrindo. Não conseguisse não sorrir de volta feito uma boba, era absurdamente lindo quando ele sorria.

- O que foi? - perguntei sorrindo e ainda sem jeito.

- Você é maluquinha sabia? Mas nós não vamos morrer.

- Acha que o que a sua mãe disse é verdade? Sobre os ceifeiros?

- Talvez... Não tenho certeza. Esse fenômeno é realmente muito estranho, mas não acredito que vá durar tanto assim... Até lá, vamos ter um tempinho de convivência. - Ele falou em um tom de voz tão calmo e tão doce que me deixava encantada e mole como manteiga em cima da torrada quente. - Você sempre arrumando uma maneira de me surpreender não é?

- Eu gosto de coisas difíceis...

Nós não tínhamos noção de horas, a escuridão permanecia inviolada, mas agora eu me sentia segura, e estava feliz, precisava admitir. A mãe de Ricardo nos chamou para comer a gente tinha passado acredito que uns trinta minutos no quarto dele, com a lanterna ele me mostrou sua coleção de livros, os CDs que mais ouvia alguns dos seus esboços dos livros que davam seqüência ao livro que eu estava lendo e que havia estacionado no capítulo nove. Ele me guiou pela casa até a cozinha onde estavam a mãe e a irmã dele. Estranhei o pai dele não estar em casa, mas decidi não perguntar. A mãe dele cozinhava divinamente, o cardápio da noite foi macarronada com molho branco, eu sabia que o Ricardo era apreciador de cardápios salgados...

- Onde você mora... Kate não é?

- Sim... Ahn... É um pouco longe daqui... Por trás do Hotel Serrano Imperial...

- Minha filha! - Ela exclamou surpresa – Você veio andando até aqui...

- Bom... Correndo em alguns trajetos... - Tentei aliviar.

Page 104: Falas do Meu Coração

- Meu Deus querida... Você se arriscou demais...

- Algumas coisas... Valem à pena. - Falei brincando com o macarrão enquanto olhava para o prato.

- O Ricardo? Ta falando sério? - Amanda me perguntou aparentemente surpresa. - Nossa você ta amando mesmo! O que você viu nele afinal?

Nesse momento fui eu que a encarei incrédula. Como assim, ela achava o irmão tão sem qualidades ou ela era a melhor pessoa do mundo e ninguém superava? Antes que eu pudesse dar a resposta que ela estava pedindo um grito agudo vindo da rua fez minha espinha congelar, ficamos ali paralisados, incapazes de qualquer palavra ou movimento. Ricardo se levantou ignorando os pedidos da mãe para não aparecer na varanda e sem pensar eu fui atrás dele, mas era impossível enxergar qualquer coisa em meio a escuridão tenebrosa que tomava casa centímetro de todos os lugares, ele arriscou iluminar a rua com a lanterna e nós tivemos a visão do corpo inerte a poucos metros da frente da casa dele, completamente mutilado e irreconhecível, coloquei a mão na boca para sufocar o grito de horror e ele virou-se me abraçando e desligando a lanterna imediatamente. Era só o primeiro dia.

- Não dava pra ver quem era? - A mãe dele perguntou abismada.

- Não... Parecia que... Tinham arrancado a pele fora... Só viam-se restos... Como se ela tivesse virado uma larva.

- Meu Deus... Tende misericórdia de nós... E vocês não voltem a me colocar um pé naquela varanda!

- Quando isso vai acabar? - Perguntei ainda tentando me recuperar da visão.

- Quando todos que tiverem dívidas pagarem por seus atos.

Nesse momento eu a olhei assustada, o que ela queria dizer com isso? Não, eu não queria saber. O que estava acontecendo afinal? Não, certamente não era o fim do mundo como todo mundo estava esperando aquilo era possivelmente muito pior. Nesse momento eu pensei nos meus pais, na minha irmã e no meu avô... Uma aflição tomou conta de mim e não conseguisse conter as lágrimas. A mãe de Ricardo ordenou que fôssemos dormir, como se aquilo fosse mesmo possível. Me indicando o quarto de Amanda ela ordenou a filha que me deixasse com ela, mas a mesma interveio:

- Ah mãe, não é hora de pudores moralistas e fala sério, acha mesmo que eles vão transar em meio a isso? Por favor! Deixa ela ficar no quarto do Ricardo, tem uma cama extra no quarto dele e afinal de contas ela ta aqui por causa dele não é?!

Page 105: Falas do Meu Coração

- Amanda Macedo Silva! - Ela repreendeu. Eu me senti corar naquele instante, qual o problema da garota comigo?

- Ahn... Tudo bem... Eu não vou conseguir dormir mesmo, posso ficar aqui na sala. - Falei sem jeito.

- Não, ta tudo bem em você ficar comigo, ignore a Amanda. No meu quarto tem uma cama extra.

- Lembre-se de se comportar hein Ricardo! - Amanda falou sarcasticamente.

- Já chega né Amanda?! - Ele falou irritado.

Eu apenas abaixei a cabeça me virando para a porta sem saber a reação exata para uma situação como aquela. Eu não entendia se ela pensava que eu era uma vadia e realmente não gostava de mim ou se ela achava o irmão dela surpreendentemente incapaz de conquistar uma pessoa. Por um segundo me arrependi novamente de ter ido para lá, mas agora não era hora para arrependimentos, eu não podia simplesmente ir embora, eu estava presa ali e havia pessoas morrendo... Provavelmente em muitos lugares. Segui Ricardo até o quarto e me deti na poltrona incapaz de dizer uma única palavra. Ele colocou a lanterna no mesmo lugar e puxou uma cama extra de debaixo da sua, estava forrada com um lençol vermelho, virando-se até o guarda-roupa ele tirou um travesseiro com uma fronha amarela e me entregou. Segurei abraçando-o com força e olhando para o chão, ele parecia ao mesmo tempo em que chateado, tão constrangido quanto eu.

- Olha... A Amanda às vezes passa dos limites, mas isso é típico dela quando quer se aproximar de alguém... - A voz dele era tensa.

- Tudo bem... - Falei quase sem voz. - Onde está o seu pai? - Perguntei tentando mudar de assunto.

- Ele não conseguiu chegar em casa... - Ele falou sentando na cama. - Ficou preso na rádio...

- Eu sei como é frustrante não conseguir ter notícias...

- Como você conseguiu convencer seus pais a vir pra cá...

- Não convenci...

Ele me olhou e sorriu.

- Vou cuidar de você para te devolver inteira...

- Só a parte do cuidar de você já ta de bom tamanho...

Page 106: Falas do Meu Coração

Momento de silencio ficamos ali apenas nos olhando por segundos que pareceram uma eternidade. Quebrando o gelo do momento eu me movi em direção a minha mochila tirando a escova de dente e uma roupa mais leve para dormir.

- O banheiro é essa terceira porta no corredor... Pode levar a lanterna.

Não me pronunciei apenas obedeci. Troquei de roupa e escovei os dentes de maneira demorada, como se eu estivesse atrasando o máximo a minha volta para o quarto, eu estava absurdamente tensa. Ainda não acreditava que aquilo estava mesmo acontecendo, eu estava ali com ele? Era real, no meio do pesadelo assustador eu estava vivendo um sonho, como a vida é irônica. Voltando pro quarto eu apenas coloquei as roupas na mochila e me posicionei na cama me cobrindo, o frio na casa de Ricardo não estava tão intenso como na minha casa, imaginei que pela posição da casa dele em relação a minha, virada para a poltrona eu apenas tentei me concentrar em alguma oração que permitisse manter os nervos em ordem, eu estava viva e isso por si só já era uma vitória, nesse momento que eu parei só então senti o incômodo no meu braço e toquei a gase que o enfaixava.

- Sabe... - A voz de Ricardo interrompeu meus pensamentos. - Por um lado estou feliz que esteja aqui...

- E por qual lado não está?

- Pelo lado de não saber como agir...

Eu também não sabia... Empate. As horas provavelmente estavam se arrastando, por mais que eu estivesse cansada não conseguisse dormir. Um barulho de vidro quebrado fez com que eu me sentasse na cama assustada, tudo estava completamente escuro novamente, meus sentidos ficaram em alerta e como Ricardo não se pronunciou imaginei que estivesse dormindo. Com uma coragem que eu não sei de onde tirei eu me levantei caminhando até a origem do som que ouvi, parecia ter vindo do quarto ao lado da sala, um frio na minha espinha aumentava a cada passo que eu dava um rosnar baixo fez meu peito pular com os batimentos acelerados do meu coração e se aquela coisa lá fora tivesse conseguido entrar em casa? Era possível? Lá fora outros gritos foram ouvidos, eram de homens, mulheres... Gritos agonizantes, pedindo socorro... Um socorro que ninguém prestaria.

Uma mão tapou a minha boca e a luz da lanterna pairou sobre o meu rosto.

- O que está fazendo fora do quarto? - A voz de Ricardo fora um alento pra mim.

- Ouvi um barulho aqui...

- É o quarto da minha mãe... - Ele falou iluminando a porta com a lanterna.

Page 107: Falas do Meu Coração

- Acho que quebraram o vidro...

- Pode ter sido de uma das casas próximas... Mesmo assim...

Ele falou colocando a mão sobre a maçaneta e girando-a devagar, uma tensão nos dominou sobre o que encontraríamos ali dentro, os ruídos abafados persistiam tornando ainda maior o pavor dentro de mim, quando ele iluminou a janela para nossa surpresa ela estava intacta. Respirei fundo aliviada.

- Vem... - Ele sussurrou. - Vamos voltar.

Eu o segui até o quarto e ele entrou fechando a porta.

- Faz ideia do susto que eu levei quando não te achei aqui?

- Desculpa...

- Não sai mais do quarto quando eu não estiver com você...

- Ta bom... Tem mesmo gente morrendo lá fora...

- É... E isso me faz pensar se eu não posso ser o próximo...

- Como assim?

- Minha mãe diz que isso é como um acerto de contas Kate... Quem deve esta pagando.

- Quem deve o que?

- Pecados mortais.

- E você fez alguma coisa do tipo?

- Não... Nada além de...

- De que?

- Desejar você.

Meu estômago deu uma volta e me senti absurdamente enjoada e tonta. Ele disse mesmo aquilo? Review:

- Minha mãe diz que isso é como um acerto de contas Kate... Quem deve esta pagando.

Page 108: Falas do Meu Coração

- Quem deve o que?

- Pecados mortais.

- E você fez alguma coisa do tipo?

- Não... Nada além de...

- De que?

- Desejar você.

Sim queridos telespectadores, ele disse isso! Engoli seco, eu pensava que tinha coragem de me declarar publicamente no facebook, de sair de casa no completo escuro atrás dele até ouvir ele dizer aquilo bem na minha cara. Eu processei mentalmente todas as vezes que imaginei minha primeira vez, e todas as vezes que imaginei minha primeira vez com ele. Para com isso Kate.

- Vá por mim... Se desejar alguém for um pecado mortal... Não vai ficar ninguém vivo...

Falei tentando aliviar a tensão em mim mesma. Será que já havia “amanhecido”? Olhei no meu celular, três pontos de bateria ainda poderia agradecer a Nokia por fazer um celular com bateria tão durável! Eram quatro da manhã do dia 22. Eu não tinha medo pelo Ricardo, ele era bom demais para ter alguma conta para acertar, já eu provavelmente estava com a ficha criminal sem espaço no céu... Eles viriam atrás de mim? A ideia me fez encolher na cama.

O dia passou exatamente assim, cheio de gritos que se afastavam como se estivessem em outras ruas agora... Um pouco mais longes da casa de Ricardo, mesmo assim graças ao silencio tenebroso que tomava a cidade assim como o escuro, eles eram suficientemente audíveis não importava a distancia que estivéssemos de quem estava sendo cobrado por crimes que ninguém sabia além de Deus... De certa forma era uma noção de juízo final, mas como poderia ser justo morrer sem ser julgado? Não... Não era assim que funcionava, quem quer que esteja mexendo e fazendo toda aquela bagunça não era enviado do céu... Mas de onde? Eu provavelmente não queria mesmo descobrir.

Ricardo me abraçou com força e eu conseguisse sorrir, naquele instante o medo se tornou menor... E mesmo que a morte viesse agora finalmente minha vida tinha até certo ponto valido a pena.

Page 109: Falas do Meu Coração

Capítulo 05 – Condenada

Abraçados. Era assim que Ricardo e eu estávamos e passamos basicamente todo o dia anterior, ele tentava evitar, em vão, que eu ouvisse os gritos, que eu me preocupasse com a escuridão, com a minha alma. A verdade é que nada estava de longe bem, a mãe dele tentou fazer com que comêssemos alguma coisa, mas era quase impossível, parecia que cada segundo que se passava era pior e o fim parecia cada vez mais perto.

Eram 08h do dia 23, já havia três dias que a escuridão tomara a cidade e, provavelmente, o mundo. Aquilo simplesmente não se explicava, estava acontecendo sem que tivéssemos o menor controle ou mesmo comunicação com quem estava longe de nós, queria a certeza que a minha família estava bem, mas tudo com o que podia contar eram as lanternas da casa de Ricardo e a fé que parecia cada vez mais frágil. Os gritos eram agora ainda mais constantes como se acontecessem em todos os lugares simultaneamente.

- Quando será que isso vai acabar?

- Multiplique o número de ceifeiros pelo número de pessoas no mundo e você possivelmente terá uma base.

- Pelo amor de Deus acho que eu não consigo fazer nem uma soma de terceira série e você quer que eu faça uma conta dessas?!

- A gente vai sair dessa...

Page 110: Falas do Meu Coração

- Eu já não estou mais tão otimista...

Por um momento tudo ficou no mais absoluto silêncio, eu me perguntava se preferia a agonia dos gritos ou o pavor mortal do silêncio. Eu nunca fui à fã numero um de clima de cemitério, sempre gostei de barulho, e dificilmente passava mais que cinco minutos sem ouvir música. Talvez em parte por isso eu estivesse surtando no meio daquela situação. A mãe e a irmã de Ricardo estavam em seus respectivos quartos, ninguém tinha cabeça para nada, estávamos exaustos daquela situação e ao mesmo tempo com medo. Eu estava estranhando o silêncio mortal, não havia mais gritos, barulhos, nada.

Me aproximei de Ricardo que estava sentado na cama e o abracei com força encostando a cabeça no seu peito, eu tremia involuntariamente, o pavor agora parecia maior que em qualquer outro momento. A lanterna dele iluminava a cama onde a gente estava eu o olhei por um segundo, temendo ser o último e sem medos ou receios toquei o rosto dele com carinho, sentindo a pele macia sob meus dedos.

- Não precisa ter medo... - Ele falou calmamente enquanto me olhava.

- Nem você...

Falei pressionando meus lábios nos dele ainda me perguntando mentalmente de onde eu tirara coragem para tanto, ele passou o braço com mais força em volta do meu corpo correspondendo ao beijo com mais intensidade do que eu esperava, eu imaginei aquele momento tantas vezes, provavelmente eu era a única boca virgem aos vinte e dois anos. E não podia negar, era verdade o que todo mundo dizia, era mágico, lindo e bom... Muito bom. Minha mão subiu aos cabelos dele enquanto meu corpo se colava ao dele, parecia que o mundo havia desaparecido a nossa volta, como se fôssemos sobreviventes em meio a uma catástrofe. Sem fôlego nos afastamos mantendo os olhos fechados e as testas encostadas naquele abraço intenso:

- Agora eu posso morrer em paz... - Falei respirando rápido.

- Eu não vou te deixar morrer... - Ele ergueu meu rosto me olhando nos olhos. - Ouviu bem? Eu não vou deixar você morrer...

Ele pressionou os lábios contra os meus novamente e me surpreendi com sua atitude, correspondendo imediatamente parte de mim pensava em levar aquilo adiante, e se eu só tivesse aquela chance de descobrir como era? Não. O barulho forte na sala fez com que meus pensamentos se esvaíssem imediatamente, o grito de Amanda congelou minha espinha, sem conseguisse raciocinar Ricardo e eu corremos porta a fora até a sala iluminando com a lanterna a figura paralisada de Amanda que fitava algo que provavelmente eu desejaria não ver. A lanterna dela iluminava a criatura mais estranha que eu sequer teria imaginado, não, os ceifeiros não tinham

Page 111: Falas do Meu Coração

nada a ver com aqueles homens enrugados com roupas parecidas com as do Pe. Cícero que apareciam em Sobrenatural, pelo menos não este.

Seu rosto era indescritível, parecia um animal com feições humanas, os olhos brancos que cintilavam na escuridão eram o destaque da aparência medonha, nas mãos garras enormes e afiadas sujas de sangue, toquei involuntariamente o meu braço onde sob a gase estava a pele dilacerada por aquelas garras, ele havia me marcado. O corpo era forte e estranho, não tinha estrutura humana e nem de nada que eu pudesse imaginar agora. Aquilo não veio do céu, era uma criatura demoníaca, eu tinha certeza.

- Katheryne.

A voz pronunciou meu nome quase em um rosnado, estremeci. Dei um passo à frente, as luzes das três lanternas estavam sobre aquela coisa, Ricardo me impediu de dar mais um passo se colocando na minha frente novamente, a mãe dele desesperou-se segurando no braço do filho:

- O que você quer? - Ele perguntou quase gritando.

- Eu tenho de levá-la.

- Me dê uma boa razão!

- Ricardo! - A mãe dele interveio. - Por favor.

- Ela tem contas a acertar.

- E quem é você pra julgar alguém?

- Eu sou a lei.

- A lei de quem?! Até agora as pessoas só estão morrendo sem sequer terem chance de se defender, isso é a lei de quem afinal de contas? Eu sinto muito, mas levá-la está fora de questão! Terá de me matar também.

- Você não tem contas...

- E o que ela pode ter feito de tão grave para merecer isso?

Eu não sabia com o que estava mais assustada, com a coragem de Ricardo enfrentar aquela coisa ou com o controle absurdo que aquele ser tinha. De qualquer maneira aquela conversa certamente não acabaria em boa coisa. O ceifeiro mantinha os olhos brancos fixos em mim,

Page 112: Falas do Meu Coração

Amanda continuava estática incapaz de qualquer movimento, e a mãe de Ricardo entrava em um desespero cada vez maior:

- Ela tem que vir! - O ceifeiro falou quase em fúria.

- Já falei que nela você não toca! - Ricardo falou me mantendo atrás dele.

- Ricardo... - Finalmente conseguisse falar. - Não faça isso... A sua família...

- Você também tem para onde voltar, ninguém pode ser julgado assim, não é como funciona, não é como está escrito!

Um vento forte soprou para dentro da casa e em um segundo vários olhos brancos pareciam a espreita por todos os lugares, o pavor tomou conta de todos nós, Ricardo ainda tentava me manter a salvo mais parecia impossível, os olhos da mãe dele estavam marejados e assustados, ela assim como Amanda, não conseguisse mover um músculo, eu não podia deixar que eles fossem machucados por minha causa, e agora sim eu estava realmente arrependida de ter ido para lá, se eu soubesse jamais teria colocado a vida deles em risco. Em um ponto Ricardo tinha razão, quem eles pensavam que eram para me condenar daquela maneira? Eu não podia ser julgada daquela forma, não era justo.

Eu me posicionei na frente dele e virei de costas para aquela coisa, segurei o rosto dele com as mãos olhando fixamente em seus olhos, a expressão de Ricardo era de dor, medo e aquilo me fez bem de certa forma, o fato de saber que ele não queria me perder me deixava feliz, ele se importava e isso já era tudo pra mim. Dei um beijo suave em seus lábios nem me importando com as presenças da mãe e da irmã dele ali, as lágrimas caíram pelos meus olhos, eu estava com medo sim. Segurei com força a mão dele e falei baixo.

- Eu amo você...

Antes que eu pudesse terminar a frase senti algo forte atravessar as minhas costas saindo bem rente ao peito uma dor aguda tomou o meu corpo inteiro paralisando-o imediatamente, eu conseguisse ouvir o grito apavorado de Amanda e sua mãe e o grito gutural e desesperado de Ricardo. As garras do ceifeiro haviam atravessado o meu peito, senti o sangue me subir à boca transbordando e aos poucos os sons do meu coração foram ficando baixos, os movimentos lentos, os olhos de Ricardo me fitavam com dor e desespero, silêncio, mais escuridão.

***

Page 113: Falas do Meu Coração

A morte é diferente do que dizem... No meu caso, ao contrário do que eu queria foi bem mais dolorosa, mas até rápida. Eu não me lembro de muito que aconteceu, mas é como se ainda conseguisse sentir aquela dor aguda atravessando meu corpo, os braços de Ricardo me envolveram e os gritos da mãe e irmã dele ainda pareciam audíveis.

- Eu... Me condeno tanto por não ter conseguido... Me perdoa... Eu sei que agora pode ser tarde também... Eu nunca demonstrei, acho que no fundo eu não conseguisse acreditar que uma garota como você pudesse mesmo sentir alguma coisa por mim... Você me conquistou mesmo Katheryne... Eu me apaixonei por você. Me perdoa se não conseguisse te dizer isso...

A voz de Ricardo, desesperada e sufocada, estava longe... Perto o bastante para que eu pudesse ouvir e distante o bastante para não parecer real. Não havia luz, não havia dor, não havia nada. Só a leveza estranha do meu corpo e o choro distante dele. Não importa o que os filmes mostram sobre céu, inferno, túnel, tudo não passa de uma ilusão. Naquele momento eu estava simplesmente presa no nada. Em um súbito as imagens começaram a passar, era como se a minha vida estivesse sendo exibida em um enorme telão. Não conseguisse conter as lágrimas ao ver ali minha irmã, o David, minha mãe, o Julio, Shirllene... Tantas pessoas importantes pra mim... Tantos momentos inesquecíveis da minha vida, bem ali diante dos meus olhos.

- Você amou Katheryne?

Uma voz suave e imperativa ecoou pelo lugar, uma sensação de susto me tomou quando finalmente, no último telão apareceu a imagem de Ricardo me abraçando no quarto dele, a sensação dos braços dele me envolvendo, em outro telão o sorriso da minha irmã enquanto me irritava, ainda em outro a alegria de Bel, das minhas amigas de faculdade, a gargalhada da minha mãe, a minha alegria de criança, as imagens do David.

- Sim. - Falei com as lágrimas escorrendo pelo meu rosto. - Ainda amo.

Em um mínimo momento todas as imagens cessaram. A escuridão foi quebrada por um único telão. E nele eu conseguisse ver meu corpo sendo atravessado pelas garras do ceifeiro enquanto Ricardo me olhava desfalecer em desespero, toquei meu peito naquele momento e vi que estava intacta, voltando os olhos para a tela eu fitei ele acolhendo meu corpo banhado em sangue enquanto pronunciava palavras sem som pra mim. Em um mínimo minuto os lábios dele tocaram meus lábios sujos de sangue, e eu por algum motivo desconhecido senti, senti aquele toque nos meus lábios ali mesmo onde estava, naquele vácuo, foi quando o telão desapareceu, e novamente, tudo ficou escuro.

***

- Isso é impossível! - Falou a voz feminina surpresa.

Page 114: Falas do Meu Coração

- Katheryne... Meu... Deus... - Outra voz feminina gaguejava por alguma razão.

- Eu te amo.

Essa era a voz de Ricardo. A sensação estranha de escuridão tomava conta de mim, mas por um lado, depois de três dias sem o menor resquício de luz que não viesse daquelas lanternas, já nem me assustava de certa forma. Abri os olhos, Ricardo me olhava atentamente e assustado, os olhos vermelhos e ainda cheios de água, minha visão ficou turva por um segundo, mais escuridão.

Quando finalmente conseguisse acordar, reconheci o quarto de Ricardo, olhei a janela do lado esquerdo e vi a claridade intensa, o sol havia voltado. Como assim? Eu me lembrava vagamente do que havia acontecido, passei os olhos pelo quarto e encontrei os olhos de Ricardo finalmente se surpreendendo em me ver:

- Oi... - Ele falou sorrindo.

- Oi... - Falei desnorteada.

- Como se sente?

- Não sei...

- Pensei que...

- Eu tinha morrido... É, eu também.

- O que aconteceu?

- Eu não sei... Só me lembro de muitas imagens e... Da pergunta...

- Que pergunta? - Ele perguntou calmo.

- “você amou?”- Falei como se ainda ouvisse aquela voz novamente.

- E o que você respondeu?

- Sim.

- E por isso está aqui.

Só então eu pude notar a presença da mãe de Ricardo no quarto.

Page 115: Falas do Meu Coração

- Como assim? - perguntei.

- Você não devia tanto assim Kate, seja lá o que achavam que você tinha de grave, a única coisa que importa realmente é que você tem amor verdadeiro no seu coração. Isso é maior que tudo Kate, as pessoas hoje em dia não tem mais amor. Deus não condena ninguém... Que não mereça realmente condenação.

Senti uma leveza suave me acometer. Ouvi vozes do lado de fora e logo entraram meus pais e minha irmã. Se aproximaram me abraçando colocando fim aquele pesadelo. Muitas pessoas morreram, a dor em muitas famílias era grande, e nós nos compadecemos disso, mesmo assim, eu acredito que nada foi em vão, não porque eu estava viva, havia um motivo para isso, mas imaginava que aqueles três dias de dor e trevas foram apenas uma resposta aquele tempo de escuridão que nós vivíamos às claras. As mortes que aconteceram podem ter sido mínimas perto de tantas mortes que pareciam naturais, chacinas em escolas, filhos que matam pais e pais que matam filhos, crianças violentadas, guerras sem motivos... Sim, havia um propósito... Uma razão.

Eram três e meia da tarde, o sol estava majestoso no céu, ao lado de Ricardo e de nossas famílias reunidas contemplamos o começo daquela nova etapa das nossas vidas, daquela nova etapa do mundo. Fitei a imensidão azul anil procurando, em algum lugar, a resposta daquela voz que me perguntou se eu amei, na esperança que ela falasse que finalmente, ficaria tudo bem.

Page 116: Falas do Meu Coração