dia mundial do rim

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DOSSIER SAÚDE DIA MUNDIAL DO RIM Este suplemento faz parte integrante do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias (Grande Porto) de 10 de Março de 2011 e não pode ser vendido separadamente CapaEscolhida.indd 1 04-03-2011 20:35:42

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Dia Mundial do Rim 2011

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DIA MUNDIAL DO RIM

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O Dia Mundial do Rim e doença renal crónicaA doença renal crónica é actualmente um dos principais problemas de saúde pú-blica em todo o mundo, nomeadamente nos estratos etários mais avançados e nas áreas de menores recursos económicos.

Em Portugal, graças ao in-quérito anual da Socieda-de Portuguesa de Nefro-logia, sabemos que em 31

de Dezembro de 2009 cerca de 16 000 doentes apresentavam in-suficiência renal crónica terminal (o que corresponde a uma preva-lência de 1510 doentes por milhão de habitantes). Para substituírem a função dos seus rins necessita-vam de estar em diálise ou de terem sido submetidos a transplante renal (correspondendo aproximadamen-te a 40% de transplantados renais e 60% em diálise).

Este número por milhão de ha-bitantes é dos mais elevados a nível mundial, verificando-se um aumento de cerca 1000 doentes/ano no con-junto da diálise e transplantação.

Quais as razões para este au-mento progressivo do número de doentes que atingem as fases mais avançadas da doença renal?

Como primeira razão surge o aumento progressivo do número de doentes com doenças cardio-vasculares ou diabetes. Este cres-cimento associa-se igualmente a um aumento paralelo do número de doentes com compromisso renal.

No caso das doenças cardio-vasculares, a doença renal cróni-ca pode ser consequência des-sas mesmas doenças, e ao mes-mo tempo factor que aumenta as suas complicações e mortalidade. Por exemplo a hipertensão arterial, grande factor de risco das doen-ças cardiovasculares, é não só uma causa muito importante mas tam-bém uma consequência habitual da doença renal crónica.

Conjugam-se assim diferen-tes factores de risco, potencian-do-se entre si de forma marcada,

resultando em maior morbilidade e mortalidade.

Se juntarmos a este panorama a diabetes, cada vez mais genera-lizada, muitas vezes presente mes-mo em doentes que ignoram a sua existência, ficamos com a noção de que é necessário interferir rapi-damente neste cenário.

Com efeito a diabetes acom-panha-se a longo prazo frequen-temente de doença renal e vascular.

Na realidade nos últimos anos não são as doenças primárias do rim que têm aumentado, mas antes a doença renal secundária a outras situações, como a hiperten-são arterial ou a diabetes, não diag-nosticadas atempadamente ou de-vidamente controladas.

Uma segunda razão para o núme-ro elevado de doentes em fase avan-çada de doença renal é a evolução quase “silenciosa” de muitas das do-enças renais em fases mais precoces. É frequente atingirem-se patamares de função renal muito diminuídos, na ausência de qualquer manifestação clínica que chame a atenção, não nos alertando para a sua existência.

É no entanto nestas fases pre-coces que a nossa intervenção é mais promissora, permitindo atra-sar ou mesmo prevenir a evolução da doença renal.

Aprendemos muito neste contex-to com a doença renal secundária à diabetes. Sabemos que intervin-do nas fases mais precoces, quando

ainda não existem lesões estruturais avançadas, temos maiores possibi-lidades de sucesso a longo prazo.

Esta intervenção na diabetes foi um importante sucesso nos úl-timos 20 anos. Os doentes e a so-ciedade entenderam a importância de um controlo metabólico estreito da diabetes, associado a estratégias de detecção precoce da doença. A terapêutica dirigida ao controle de factores renais prejudiciais permite então que a longo prazo seja menos frequente a perda de função renal.

Necessitamos de impulsionar estratégias semelhantes para as restantes situações, como a hiper-tensão arterial, reduzindo o consu-mo de sal e promovendo uma me-lhoria da alimentação, bem como evitando a obesidade.

Finalmente precisamos de ex-plorar cada vez mais a utilização de determinados medicamentos que sabemos interferirem na evolução da doença renal, promovendo a sua evolução mais lenta.

Alguns destes fármacos têm sido utilizados amplamente com sucesso, actuando nos mecanis-mos de ajuste vascular intra-renal. No entanto é previsível o início da utilização a curto prazo de outros fármacos, com mecanismos dife-rentes de actuação, e que se pen-sa poderem vir a oferecer um novo impulso ao sucesso desta actuação

Seja como for, o melhor resulta-do vai ser sempre obtido pelas es-tratégias que envolvam um conhe-cimento precoce da doença renal e da sua evolução, evitando assim as suas consequências.

Torna-se de grande importância a campanha promovida anualmente pela Sociedade International de Ne-frologia, e a que a Sociedade Por-tuguesa de Nefrologia tem aderido com entusiasmo, promovendo a di-vulgação de informação sobre estas doenças, e uma tomada de conheci-mento geral sobre a importância de procurarmos a sua identificação pre-coce, evitando a sua progressão. •

FERnanDO nOlascOpresidente da sociedade portuguesa de nefrologia

«Precisamos de explorar cada vez mais a utilização de determinados medicamentos que sabemos interferirem na evolução da doença renal, promovendo a sua evolução mais lenta.»

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25.0 congresso português de Nefrologia

«Não temos nada a desmerecer de ninguém»Com muitas novidades e um modelo que privilegia os contactos informais e a troca de experiências, o 25.º Congresso Português de Nefrologia vai debater as questões centrais desta área que, segundo José Diogo Barata, continua de boa saúde.

Quais as novidades deste 25.º Con-gresso Português de Nefrologia?Antes de mais, gostava só de fazer uma referência importante que resi-de na questão do nome. Nós cha-mamos-lhe Encontro Renal porque acreditamos que é mais abrangente do que um congresso exclusivo da Sociedade Portuguesa de Nefrologia (SPF), embora seja a SPF o pivô da organização, mas engloba também a Associação de Enfermeiros Re-nais, que faz uma reunião em simul-tâneo connosco, e ainda porque, para além dos dias clássicos de congres-so tem outros eventos, como cursos pré-congresso, reuniões com outras sociedades, etc.Este ano a formatação do congresso vai ser um bocadinho diferente do que é habitual, foi rebuscado o modelo mais tradicional, privilegiando o con-vívio e a troca de impressões perso-nalizadas. Reservamos um momen-to inicial para as formalidades e para as homenagens que desejamos fazer, como por exemplo ao nosso colega João Pinto Santos, fazemos também a entrega de prémios e a proclama-ção dos novos membros honorários. Isto antes estava espalhado ao lon-go do congresso, este ano juntamos tudo num único bloco.Outra novidade é que vamos fazer uma conferência todos os dias, com um convidado especial, sobre um tema aprofundado. Assim, no primei-ro dia, por exemplo, temos o Profes-sor Marc DeBroe, da Antuérpia, que vem falar das calcificações vasculares e da nefrocalcinose. O Prof. Charles Herzog vem falar de bases de dados, na realidade americana, e o Prof. Lo-pez-Novoa, de Salamanca, do papel das pequenas GTPases da família rãs na progressão da fibrose renal.

Há algum grande tema?Os temas globais são os temas tri-viais da nefrologia. O tema da diálise, sobretudo assente nas questões car-diovasculares, e aqui o Prof. Herzog

vem também falar da mortalidade por questões cardiovasculares nos doen-tes em hemodiálise, e temos também um grande especialista inglês, o Prof. Chris McIntyre, que vem apresentar trabalhos muito recentes, desenvol-vidos nos últimos meses, sobre a is-quémia silenciosa intradialítica.Um tema que é sempre importante é o tema da diálise. Este ano vamos discutir a questão dos factores de ris-co na população, como é que esta-mos a lidar com o envelhecimento da população que nos chega à diálise e como é que podemos melhorar as condições de tratamento desta popu-lação mais envelhecida e fragilizada.

Ainda no tema da diálise vamos dis-cutir esta questão do pacote conjun-to proposto pelo Ministério da Saúde de medicação, tratamento, exames, etc., que está a criar alguns constran-gimentos na prestação de cuidados.Finalmente vamos também discutir a diálise peritoneal, nomeadamente esta forma de tratamento nos doen-tes mais idosos para quem pode ser muito penoso ter que fazer hemodiá-lise, com tudo o que isso implica: sair de casa, muitas vezes em pleno Inver-no, voltar a altas horas da noite, etc... Era importante conseguirmos prestar

a estes doentes um serviço capaz de lhes disponibilizar a diálise peritoneal, através de entidades como os lares, por exemplo, à semelhança do que acontece por exemplos nos países nórdicos, que vão a casa do doen-te fazer isso.

E a questão da transplantação e da legislação?Sim, também vamos abordar a ques-tão da nova legislação de transplan-tação, nomeadamente a questão dos dadores e dos receptores, o acesso dos candidatos à transplantação e o esquema de prioridades. Isto porque, nos últimos dois anos, temos estado a transplantar essencialmente doen-tes de grande risco imunológico, do-entes muito complexos do ponto de vista clínico, de grande risco, e pensa-mos ser importante partilhar experiên-cias e discutir todas estas questões.

Como vai a saúde da nefrologia portuguesa?A nefrologia portuguesa tem sido uma nefrologia muito actual. Não que te-nhamos dado grandes contributos para a tecnologia – tivemos, isso sim, um grande contributo para a questão da gestão financeira, com esta moda-lidade de preço compreensivo, preço englobado, que se iniciou cá e já está a ser usado noutros países.Em termos científicos, somos dos pa-íses com maior acesso ao tratamen-to da doença renal crónica e somos sempre, de ano para ano, o primeiro ou o segundo país do mundo com maior número de transplantes por mi-lhão de habitantes. Não temos nada a desmerecer de ninguém. Agora esta patologia é um grande consumidor de recursos. E em tempos de vacas magras vamos seguramente ter que aprender a gerir melhor esta prática. E o congresso é um bocadinho vo-cacionado para isso: pensar novas maneiras de nos podermos encaixar nas características dos doentes e dos recursos que temos para lhes dar. •

José Diogo Baratapresidente do 25.0 congresso português de Nefrologia Director do serviço de Nefrologia do Hospital de santa cruz

«Somos sempre o primeiro ou o segundo país do mundo com maior número de transplantes por milhão de habitantes.»

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Nefropatia diabética

«Os sintomas são escassos ou mesmo ausentes»É a causa mais frequente de insuficiência renal crónica em estadio 5 – fase a ne-cessitar de diálise ou transplantação – nos países desenvolvidos. O deficiente con-trolo das glicemias, a presença e gravidade da proteinúria e a hipertensão arterial associada são, segundo Aníbal Ferreira, os principais factores de risco.

O que é a nefropatia diabética?A nefropatia diabética corresponde às alterações funcionais e morfoló-gicas das diversas estruturas renais, que ocorrem num quadro de diabe-tes tipo 1 ou tipo 2. Nas fases iniciais observa-se um aumento do débito de filtração glomerular, que se acom-panha de hipertrofia glomerular e ex-pansão mesangial (nodular ou difu-sa). Posteriormente surge a proteinú-ria que começa por ser inferior a 300 mg/24h (microalbuminúria) e que, na ausência de intervenções terapêu-ticas evolui rapidamente (ao longo de poucos anos), para macroalbu-minúria (entre 300 e 500 mg/24h) ou mesmo para proteinúria acentuada (superior a 500 mg/24h). A acompa-nhar este agravamento da proteinú-ria, surgem alterações estruturais no rim, nomeadamente fibrose túbulo-intersticial, atrofia dos nefrónios, hia-linose das arteríolas e deterioração progressiva da função renal.

Quais são os factores de risco?Os três principais factores de risco no desenvolvimento de nefropatia diabética são o deficiente contro-lo das glicemias, a presença e gra-vidade da proteinúria e a hiperten-são arterial associada. Foram ainda identificados outros factores de ris-co significativos, nomeadamente o tabagismo, o género masculino e o diagnóstico da diabetes antes dos 20 anos de idade.

Qual a prevalência da doença?A nefropatia diabética é a causa mais frequente de insuficiência renal cróni-ca em estadio 5 (fase a necessitar de diálise ou transplantação) nos países desenvolvidos. Em muitos registos (incluindo o Português) a prevalên-cia de diabetes em doentes hemo-dialisados situa-se entre 30 e 40%. Este aumento marcado da nefropatia diabética reflecte, não apenas o au-mento da prevalência da diabetes na população em geral, mas igualmente

a melhoria nos cuidados de saúde (preventiva e curativa) e da esperan-ça de vida dos diabéticos. Cerca de 30 a 40% dos doentes diabéticos tipo 1 vêm a desenvolver nefropatia diabética, em comparação com 10 a 20% dos diabéticos tipo 2.

Quais são os sintomas e sinais de alerta?Nos estadios iniciais da nefropatia diabética, os sintomas são escas-sos ou mesmo ausentes, o que difi-culta a sensibilização do doente e a sua referência atempada à consulta de nefrologia. Só após 15 a 20 anos de evolução da diabetes é que, habi-tualmente, surge proteinúria maciça, a qual se manifesta por eliminação de urina espumosa e eventualmente aparecimento de edema. Frequente-mente são outros territórios micro-vasculares, também envolvidos na diabetes, como a retinopatia e a neu-ropatia, que alertam mais precoce-mente o doente. Quais os tratamentos disponíveis?O controlo rigoroso da glicemia, ten-do como objectivo uma HgA1c in-ferior a 7%, acompanha-se de sig-nificativa redução da incidência de nefropatia diabética. Também os li-mites propostos para os valores ten-sionais nos doentes diabéticos são ligeiramente inferiores aos da popu-lação em geral, e não devem ultra-passar 130/80 mmHg. Os fármacos de primeira opção no controlo da TA destes doentes são os que blo-queiam o eixo renina / angiotensina /aldosterona, o qual está fortemen-te estimulado nos diabéticos. Es-tes medicamentos demonstraram,

em estudos retrospectivos e em en-saios prospectivos reduzir significa-tivamente a proteinúria e o desen-volvimento de nefropatia diabética, mesmo em doentes não hiperten-sos. Os fármacos com estas carac-terísticas são os inibidores do enzi-ma de conversão da angiotensina, os bloqueadores do receptor da an-giotensina e os inibidores da renina. Mais recentemente, a utilização de um activador selectivo do receptor da vitamina D (o paricalcitol) asso-ciou-se à redução significativa da proteinúria, em doentes diabéticos já sob terapêutica optimizada com iECA/ARA. Tendo em conta que es-tes doentes têm, quase sempre, ca-rência em vitamina D nativa e activa, e que o receptor da vitamina D está presente em múltiplos tecidos en-volvidos na morbi/mortalidade dos doentes diabéticos (miocárdio, cé-lulas musculares das paredes dos vasos, células dos ilhéus pancreá-ticos, células do sistema imunitário) estes resultados são de particular importância.

Qual o impacto na (qualidade de) vida do doente?Cerca de 40 % dos doentes em pro-grama regular de diálise são diabé-ticos, apresentando uma razoável integração social, profissional e fa-miliar. No entanto, as principais limi-tações à sua qualidade de vida sur-gem associadas à doença macro-vascular, nomeadamente a doença vascular periférica (com elevada pre-valência de amputação de membros e de acidentes vasculares cerebrais) e à doença coronária (com aumen-to da incidência de enfartes de mio-cárdio). Felizmente, o número de doentes diabéticos tipo 1 sujeitos a transplantação pancreática e renal tem aumentado significativamente, bem como os doentes diabéticos em programa regular de diálise que rece-bem, com frequência crescente, um rim funcionante. •

aNíbal FErrEiraassistente graduado de Nefrologia do Hospital curry cabral

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Hemodiálise

“avanços técnicos têm melhorado tratamento”Um tratamento regular, feito durante várias horas e várias vezes por semana, com um profundo impacto na vida do doente. É assim a hemodiálise. João Frazão, ne-frologista, destaca no entanto o papel positivo que os avanços técnicos e os novos fármacos têm trazido a todos os que sofrem de doença renal crónica.

O que é a hemodiálise?A doença renal crónica, também chamada de insuficiência renal cró­nica, consiste numa doença carac­terizada pela perda progressiva da função renal. Os rins deixam len­tamente de desempenhar as suas funções habituais. Nas fases mais avançadas os portadores desta do­ença necessitam de realizar regu­larmente um tratamento de substi­tuição da função renal, que poderá ser a hemodiálise, diálise peritoneal ou transplante renal. O rim desempenha um conjunto alargado de funções, que podem ser categorizadas da seguinte for­ma: manutenção da composição corporal, mediante eliminação de água e iões; excreção de produtos resultantes do metabolismo, como a ureia e a creatinina; produção e secreção de enzimas e hormonas, como a eritropoetina, hormona es­sencial à formação de glóbulos ver­melhos, e a activação da vitamina D, indispensável à saúde do osso.As causas mais frequentes de do­ença renal crónica são a diabetes mellitus e a hipertensão arterial.

Como se processa? A hemodiálise é geralmente fei­ta num centro próprio, localiza­do num hospital ou numa clínica. O tratamento de hemodiálise regular é realizado habitualmente em três sessões semanais, tendo em mé­dia a duração de quatro horas cada sessão. Contudo, alguns doentes têm necessidade de fazer hemodiá­lise com sessões mais frequentes e com maior ou menor duração. A hemodiálise consiste num pro­cesso em que através de um cir­cuito de sangue extracorporal se processa à passagem do sangue num filtro que contém uma mem­brana semipermeável. Este filtro encontra­se acoplado a uma má­quina, que é responsável por um

conjunto alargado de funções. En­tre elas encontra­se o transporte do sangue do doente até ao filtro e, uma vez purificado, de o devolver ao organismo, através de um aces­so vascular.Quais os doentes que têm que o fazer e porquê?Os doentes com doença renal cró­nica na sua fase mais avançada, estadio 5, quando só uma peque­na percentagem do rim se encontra

a funcionar, necessitam em deter­minada altura, para poderem viver, de efectuar um dos tratamentos de substituição da função renal, sendo a hemodiálise uma opção.

A hemodiálise é associada a uma alteração profunda no estilo e na qualidade de vida do doente. Mudou alguma coisa nos últimos anos?A hemodiálise representa um tra­tamento regular, feito durante um número significativo de horas, do qual depende a vida do doente, e por esse motivo pode causar uma rotura importante no estilo de vida dos doentes. Os doentes são obri­gados a restrições alimentares sig­nificativas e isso exige disciplina,

força de vontade e pode ser difícil para os doentes. A forma como cada um vivencia o seu tratamento de hemodiálise é muito variável. Um número signifi­cativo de doentes está muito bem adaptado ao tratamento. Estes in­divíduos sentem­se bem e conse­guem uma vida pessoal, social e profissional plena e com qualidade. Os estudos mostram que um tra­tamento eficaz diminui o risco de complicações e tem um impacto positivo na qualidade e quantida­de de vida dos doentes em pro­grama regular de hemodiálise. Os avanços técnicos da hemodiálise têm melhorado muito a qualidade e segurança do tratamento e con­sequentemente a qualidade de vida

dos doentes. A compreensão mé­dica de algumas complicações da insuficiência renal crónica e dispo­nibilização de fármacos mais se­guros e eficazes também têm tido um impacto positivo na morbilidade associada a esta doença.A maioria dos doentes tolera mui­to bem os tratamentos. Durante o tratamento é possível dormir, ler ou ver televisão, mas podem surgir complicações. A mais frequente é a diminuição súbita da tensão arte­rial, designada de hipotensão, que pode ser acompanhada transito­riamente de tonturas, náuseas, vó­mitos ou cãibras. Existem diversas medidas que ajudam a prevenir e a tratar as complicações que podem ocorrer durante a hemodiálise. •

João MiguEl FrazãoMédico nefrologistaassistente graduado hospitalar de Nefrologia Hospital de s. João, portoprofessor associado da Faculdade de Medicina, universidade do porto

«A compreensão médica de algumas complicações da insuficiência renal crónica e disponibilização de fármacos mais seguros e eficazes têm tido um impacto positivo na morbilidade associada a esta doença.»

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Transplantes renais

“O transplante permite melhor qualidade de vida”O transplante renal é mais barato para o Estado que a diálise. Fernando Macário avança que em Portugal existem mais de 10 mil doentes a realizar diálise e, desses, cerca de 25% têm indicação e condições clínicas para serem transplantados.

Quais os doentes candidatos a um transplante renal?O transplante renal destina-se aos doentes com insuficiência renal cró-nica (IRC) em fase avançada, que já necessitem duma terapêutica para substituir a função dos seus rins. A ma i oria destes doentes está em di-álise enquanto espera um transplante. Podem ser transplantados doentes que tenham condições clínicas que lhes permitam suportar a cirurgia do transplante, e que não tenham contra-indicação à cirurgia ou aos medica-mentos que vão necessitar para não rejeitar o rim doado. Em Portugal exis-tem mais de 10 mil doentes a realizar diálise e, desses, cerca de 25% têm indicação e condições clínicas para serem transplantados.

Como decorre o processo, quer em caso de dador cadáver, quer em caso de dador vivo?O transplante renal pode ser efectua-do a partir de dadores cadáver, ou seja, a quem tenha sido declarada a morte e não tenham contra-indicação à doação de rins, ou não tenham ex-presso em vida o desejo de não se-rem dadores através de inscrição no

registo nacional de não dadores, ou, em alternativa, a partir dum dador vivo. Os candidatos ao transplante são colocados em lista de espera. A maioria está em diálise e um núme-ro menor recebe o transplante como primeira opção. A prioridade é deter-minada por um sistema de pontuação que tem em conta diversos factores, entre as quais as compatibilidades de grupo sanguíneo, de tecidos e o tempo em diálise. Grupos de risco es-peciais, como por exemplo as crian-ças ou doentes cuja condição clínica torne o transplante mais urgente, po-dem receber pontuação extra ou prio-ridade especial. Todo o processo de

escolha do receptor é absolutamen-te isento e independente das equipas que vão efectuar o transplante.No caso do dador vivo a situação é algo diferente, pois aí existe um da-dor específico para um determinado receptor. Na actual lei o dador pode ter ou não consanguinidade. Quando alguém se propõe doar um rim a um familiar ou amigo, é exaustivamen-te estudado do ponto de vista clíni-co para que se garanta, tanto quanto é possível, que não será prejudicado com a sua doação e poderá continuar a fazer uma vida normal. No hospital onde está em estudo é ainda obriga-tória uma entrevista com elementos da EVA (Entidade de Admissibilidade ao Transplante), que garantirá que todo o processo foi realizado no respeito de todas as normas éticas e com consen-timento devidamente informado. Nal-guns casos pode haver incompatibili-

dade entre quem pretende doar o rim e o receptor, o que impossibilitava esse transplante de dador vivo. Está em ar-ranque um novo programa nacional, o Programa Nacional de Doação Re-nal Cruzada, que permitirá, através da partilha de dadores e receptores nes-sas condições, efectuar transplantes de dador vivo nesses grupos.

Quais os riscos associados a um transplante renal?Quando um doente é seleccionado para receber um rim, é efectuada a ci-rurgia do transplante. Existem riscos a curto prazo, relacionados com a cirur-gia, e a longo prazo, resultantes dos

tratamentos necessários para evitar a rejeição do rim transplantado. É ne-cessário referir que esta “vida” é limi-tada e, em média, um rim transplan-tado funciona adequadamente entre 10 a 15 anos, após o que o doente poderá voltar à diálise ou ser de novo transplantado.Quais as vantagens do transplante perante a diálise?O transplante renal com sucesso permite uma melhor qualidade de vida do que a diálise. Habitualmen-te sentem-se melhor e mais activos e ficam também com mais tempo livre para as suas actividades de traba-lho e de lazer. Os custos suportados pelo Estado com a diálise são supe-riores aos decorrentes do transplan-te, pelo que também por aí poderá haver benefício para a comunidade.

Qual a situação portuguesa nesta matéria?Portugal tem um enquadramento legislativo equilibrado em relação à transplantação renal. A nossa le-gislação favorece a colheita no ca-dáver, ao considerar que todo o ci-dadão que morre é um potencial dador, excepto se tiver declarado expressamente em vida, através de inscrição no registo nacional de não dadores, que não pretende que lhe sejam colhidos os órgãos após a morte. No transplante de dador vivo também foram efectuados avanços legislati-vos significativos, com a possibilida-de de doação por pessoas sem grau de consanguinidade. Até há uns anos, só era possível o transplante renal de dador vivo entre pessoas com grau de parentesco com consanguinidade até ao 3.º grau. Actualmente, a do-ação em vida é possível desde que estejam cumpridos todos os requisi-tos técnicos e esteja garantida a se-gurança do dador e a inexistência de qualquer tipo de coação. Esta lei per-mitiu, por exemplo, a doação entre cônjuges. •

FErnandO MacáriOpresidente da sociedade portuguesa de Transplantaçãoassistente graduado de nefrologia nos Hospitais Universitários de coimbra

«Portugal tem um enquadramento legislativo equilibrado em relação à transplantação renal.»

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Diálise peritoneal

Tão eficaz como a hemodiáliseMuito vantajosa como forma inicial de diálise, a diálise peritoneal pode ser fei-ta enquanto o doente trabalha ou passeia. Anabela Rodrigues explica que este tipo de tratamento não dói nem exige picadas ou manipulação de sangue.

Em que consiste a diálise perito-neal?A diálise peritoneal trata doentes com insuficiência renal irreversível: permite a remoção de fluidos e toxinas que os rins doentes não conseguem eliminar. Para tal é usada a membrana perito-neal, que existe no abdómen (barriga) do doente e que funciona como um filtro, mais fisiológico, interno. É um processo contínuo, diário. É tão efi-caz como a hemodiálise mas menos conhecida. Pode ser feita em casa pelo próprio doente e não necessita manipulação de acessos vasculares nem contacto com sangue. Tem três vantagens fundamentais: 1) preser-va a função renal residual, parâmetro

clínico importantíssimo; 2) evita fístu-las e cateteres centrais poupando o capital vascular do doente; 3) confere sobrevivência do doente geralmente maior nos primeiros anos e similar a mais longo prazo, quando comparada com a técnica de hemodiálise vigente.

Como se processa?O doente pode fazer um tratamento manual e neste regime pode fazer em regra três trocas por dia (cada troca inclui a drenagem do líquido de diálise saturado e a sua substitui-ção por líquido fresco, procedimen-to que dura cerca de 20 minutos). As trocas respeitam o ritmo de vida

ou trabalho do doente com grande flexibilidade: digamos uma troca ao levantar, uma troca ao deitar e ou-tra durante o dia, ao almoço ou fim da tarde, dependendo dos compro-missos do doente. Esta modalida-de pode, em muitos doentes, ser viável por vários anos, se o trans-plante não ocorrer entretanto, pois se a diurese do doente se mantiver este regime é suficiente. Se o do-

ente precisar de mais diálise pode, por opção, fazer uma quarta troca durante o dia ou, preferencialmen-te, transitar para diálise peritoneal automática que usa uma ciclado-ra, a qual permite o tratamento en-quanto o doente dorme. Há vários regimes que ajustamos à vida quo-tidiana do doente. Basta consultar um centro experiente e certamente mostrarão as muitas variedades de regimes possíveis.

O que a distingue da hemodiálise?A diálise peritoneal é uma forma de diálise domiciliária, viabiliza mais qualidade de vida. O tratamento

não exige deslocações obrigató-rias a um centro, horários rígidos, interrupções imperiosas do horário de trabalho ou do convívio familiar. Não dói nem exige picadas ou ma-nipulação de sangue. Evita as com-plicações dos acessos vasculares. Mesmo quando o doente trabalha, passeia, convive, a diálise está sem-pre a ocorrer, através da membrana peritoneal. É uma técnica diária, con-tínua, pelo que, embora parcialmen-te, imita melhor o funcionamento de 24 horas dos rins nativos do doen-te, sem remoções agressivas de flui-dos, hipotensões, arritmias. Se o do-ente ainda tiver alguma função dos seus rins nativos, é frequente a diá-lise peritoneal permitir uma maior e mais longa protecção dessa função renal residual o que beneficia muito o doente e lhe prolonga a vida.

Para que tipo de doentes é indica-da e porquê?É uma técnica muito vantajosa como forma inicial de diálise. O can-didato ideal é a criança ou o adul-to autónomo, activo laboralmente e que pretende manter-se indepen-dente. A maioria dos doentes po-deria fazer esta técnica desde que para ela estivessem motivados e ti-vessem capacidade de auto diálise. Doentes de todos os níveis sociais e mesmo iletrados o podem fazer. Ter condições sanitárias básicas é, regra geral, aconselhado. Uma situ-ação limitante será a incapacidade do doente para fazer ele próprio o seu tratamento. Alguns doentes têm o apoio de um familiar para executar a diálise nocturna com uma máqui-na (cicladora) o que pode contornar essa barreira e permitir ao doente fazer um tratamento que lhe viabili-ze mais conforto. Só em situações de complicações intra-abdominais, tais como abcessos, tumores, infla-mações ou situações cirúrgicas re-centes, pode a diálise peritoneal ser contra-indicada. Outras situações podem frequentemente ser resolvi-das ou contornadas em centros ex-perientes, para que o doente possa beneficiar de uma diálise feita em casa. •

anabEla RoDRiguEsnefrologistaprofessora associada do instituto de ciências biomédicas abel salazar

«Mesmo quando o doente trabalha, passeia, convive, a diálise está sempre a ocorrer, através da membrana peritoneal.»

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Estudo económico da prevenção

«Um grama de prevenção é melhor que um quilo de tratamento»Alteração de hábitos de vida, referenciação precoce ao nefrologista para iní-cio de tratamento ou mesmo transplantação antes da necessidade de diálise são, segundo André Weigert, algumas das soluções custo-efectivas.

A prevenção, mesmo em termos económicos, continua a ser a me-lhor aposta?Os doentes com insuficiência renal, ao atingirem a necessidade de subs-tituição da função renal, dependem da hemodiálise, diálise peritoneal ou de um transplante renal, tratamentos que, para além de afectar a qualidade de vida, são muito dispendiosos. Já Maimonides dizia no século 12 (muito antes de aparecer “fast food”…), que “em cada mil pessoas só uma mor-re de morte natural; as outras sucum-bem aos seus hábitos irracionais de vida”. O elevadíssimo consumo de sal, o aumento do consumo de alimentos ricos em calorias e do sedentarismo verificados em Portugal associa-se a um número crescente de hipertensos, obesos e diabéticos. Essas doenças são a principal causa de doença renal crónica em Portugal. Uma estratégia economicamente mais eficaz do que o uso de qualquer medicamento, é a reeducação de hábitos de vida. Um grama de prevenção é melhor que um quilo de tratamento. No entanto, em-bora os médicos devam promover os hábitos de vida saudáveis, é impossí-vel intervir só na prevenção, pois en-contramos muitas doenças já bem es-tabelecidas. Note-se que as medidas preventivas, essenciais para travar a progressão das doenças renais, tam-bém reduzem o risco cardiovascular. Assim, ao tratar o rim também esta-mos a tratar o coração e as artérias, evitando a necessidade de diálise, mas também ataques cardíacos e AVC.

O que dizem os estudos farmo-económicos sobre a doença renal?Vários medicamentos são eficazes na prevenção ou atraso por muitos anos da necessidade de diálise. Os estudos farmo-económicos nesta área são limi-tados. Alguns grupos de medicamen-tos foram estudados numa doença

frequente, a doença do rim associa-da a diabetes mellitus. Estudos com medicamentos que bloqueiam a for-mação ou acção da renina ou angio-tensina (hormonas que causam hiper-tensão) mostraram que esses medi-camentos atrasam significativamente a deterioração da função do rim. Por atrasarem a necessidade de hemodiá-lise, estima-se que, apesar do seu cus-to, na doença renal associada a diabe-tes, observam-se ganhos de entre 5 a 10 mil euros por doente. Portanto, a não utilização desses medicamentos antecipa a necessidade de uma solu-ção muito mais cara: a diálise. Há ou-tros medicamentos promissores nessa área, como alguns derivados da vita-mina D. O tratamento por hemodiá-lise, mais os custos com transportes dos doentes, custam mais de 30 mil euros por ano por doente, enquanto os tratamentos que podem atrasar o desenvolvimento da insuficiência renal custam algumas dezenas a centenas de euros por mês.

Um tratamento caro mas eficaz, principalmente se a referenciação aos nefrologistas ocorrer numa fase precoce da doença…Sim, apesar da terapêutica da subs-tituição da função renal ser cara, é também extremamente eficaz. Per-mite que milhares de pessoas que, sem essa terapêutica morreriam, te-nham uma vida com algumas limita-ções, mas muito razoável. Quando as doenças renais evoluem para a neces-sidade de substituição da função renal, é clara a importância da referenciação precoce ao nefrologista. Ao chegar

mais cedo ao nefrologista, alguns do-entes poderão optar pela diá lise pe-ritoneal, que poderá ser uma opção custo-efectiva. Se optarem pela hemo-diálise, deverá ser construído atempa-damente um acesso vascular, evitando a necessidade de começar esse trata-mento com um cateter venoso. A ne-cessidade de iniciar com cateter pode associar-se a infecções graves, com internamentos hospitalares, também eles onerosos. Assim, é muito impor-tante que haja uma rede eficaz de re-ferenciação aos nefrologistas.

E qual o valor – clínico e económi-co – da transplantação antes da ne-cessidade de diálise?É outra solução que pode de facto ter um valor clínico e económico. Não é fácil implementá-la com o transplan-te de dador falecido, devido às gran-des listas de espera, mas tem sido possível sobretudo com as doa ções em vida por familiares ou cônjuges. A transplantação antecipada (“ preemp-tive”) pode ser vantajosa em algumas situações, e, para além de melhorar a qualidade de vida do doente, pou-pa recursos. Em geral o transplante é mais caro no primeiro ano após a operação, mas, depois, torna-se mais económico do que a diálise. Note-se, porém, que a transplantação não é a melhor solução para todos os doentes e para alguns os riscos podem exce-der bastante os benefícios, devendo ser uma decisão individualizada. Da mesma forma, é necessária uma indi-vidualização da decisão sobre o me-lhor tipo de tratamento (hemodiálise ou diálise peritoneal). Portanto, apesar de os nefrologistas lidarem diariamente com rins deteriorados, a sua primeira missão é tentar protelar a vida dos rins nativos, atrasando a necessidade de instituir diálise ou o transplante renal. Num automóvel o travão é muito mais importante do que o pára-choques! •

andré WEigErt assistente graduado do serviço de nefrologia do Hospital de santa cruz professor auxiliar convidado de Farmacologia da Facul-dade de Medicina de lisboa

«A transplantação antecipada pode ser vantajosa em algumas situações, e, além de melhorar a qualidade de vida do doente, poupa recursos.»

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Referenciação dos doentes renais

“Doentes devem ser seguidos a três níveis”A referenciação dos doentes renais é essencial para um combate precoce a esta pa-tologia. Portugal não tem uma estratégia concertada nesta matéria e, segundo José Maximino Costa, são muitas as melhorias a ser feitas no sistema.

Qual o actual panorama português nesta matéria?Não existe em Portugal uma estra-tégia concertada de referenciação dos doentes renais, nomeadamente dos doentes com doença renal cró-nica (DRC). O que temos são medi-das avulsas, geralmente da iniciativa do Serviço de Nefrologia de referên-cia. A referenciação deve ter em conta as especificidades locais e ter como base um plano de actuação com nor-mas escritas, concisas e claras, con-sensuais entre os cuidados de saúde primários (CSP) e o Serviço de Nefro-logia do hospital de referência. Tanto quanto eu sei existe uma comissão junto do Ministério da Saúde que inte-gra peritos indicados pelo Colégio de Nefrologia da Ordem dos Médicos e pela Sociedade Portuguesa de Nefro-logia que estão a trabalhar neste tema.

O diagnóstico precoce relaciona-se com esta questão, uma vez que os doentes continuam a ser identi-ficados numa fase já avançada da doença. O que pode ser feito para alterar esta situação?Essa é uma questão pertinente. A DRC é um grave problema de saúde pública que afecta cerca de 10% da população. É um factor de risco car-diovascular independente e aditivo. Só uma minoria evolui para a insu-ficiência renal crónica terminal com necessidade de tratamento substituti-vo renal, a maioria, se não for devida-mente identificada e tratada, sofrerá e morrerá de doença cardiovascular, com múltiplos internamentos hospi-talares e grandes custos para o Servi-ço Nacional de Saúde (SNS). A nossa atenção deverá estar focada na popu-lação de alto risco, em que uma ac-tuação precoce e adequada poderá obviar à progressão da doença. Os idosos, os doentes hipertensos, os diabéticos, os com doença cardio-vascular, os obesos e os com antece-dentes familiares de doença renal são exemplos de população de alto risco. Os CSP têm um papel fundamental

na identificação, tratamento e referen-ciação. As unidades locais de saúde (ULS), como modelo de integração entre os CSP e os cuidados hospitala-res, poderão ser um modelo a ter em conta. A nível hospitalar o problema também se coloca mas noutra dimen-são. É relativamente frequente a refe-renciação tardia por outras especiali-dades hospitalares, ou seja, o doen te é referenciado para “iniciar diálise”, sem qualquer seguimento prévio por nefrologia, com custos óbvios para o doente e para o SNS. A sensibilização dos nossos colegas para este proble-ma deverá ser prioritário.

Em termos de referenciação quais os principais problemas e dificul-dades?Tendo em conta que a estimativa de DRC é de 10% da população, tor-na-se claro que o seguimento des-tes doentes deverá ser efectuado a três níveis: a grande maioria a nível do seu médico de saúde familiar (MSF), uma parte de forma partilhada entre o MSF e o nefrologista e uma mino-ria predominantemente pelo nefrolo-gista. Tal facto implica a implementa-ção de uma estratégia de seguimen-to partilhado em que o nefrologista será o coordenador e promotor de um programa que melhore os conhe-cimentos, aptidões e confiança dos MSF no seguimento de doentes com DRC. Como efectuar esta articulação? A nossa experiência baseia-se no fun-cionamento da ULS de Matosinhos, a mais antiga e durante vários anos a única ULS do País.Em 2007 apresentamos aos centros de saúde da ULS de Matosinhos a DRC na perspectiva de um problema de saúde pública. O passo seguinte

foi como avaliar a função renal através de uma estimativa da taxa de filtração glomerular (TFG). Na ULS de Matosi-nhos a maioria dos utentes efectua o controlo analítico num único labora-tório (Serviço de Patologia Clínica do Hospital de Pedro Hispano), o que fa-cilitou a introdução da fórmula MDRD como estimativa da TFG. O apareci-mento no boletim analítico da estima-tiva da TFG nos doentes com valores <60 ml/min. e a sua estratificação em estadios de DRC, implicou uma infor-mação prévia a todos os médicos so-bre as limitações e correcta valoriza-ção da fórmula. O conhecimento da realidade em que estamos inseridos é fundamental, com dados referentes a 50 mil utentes representativos da po-pulação da ULS.O seguimento partilhado implica a existência de um sistema informáti-co comum, de uma reunião periódi-ca entre um nefrologista e os centros de saúde, uma forma de comunica-ção rápida e a possibilidade, se ne-cessário, de agendamento imediato de uma consulta.

O que pode então ser feito para me-lhorar o sistema?A criação de um documento de con-senso entre os CSP e a nefrologia que estabeleça uma estratégia clara na abordagem do DRC. Alguns aspectos que deverão estar contemplados são: Qual a população de alto risco? Como avaliar essa população?

(Análises e MCDTs de despiste e seguimento)

Exclusão de causas potencialmen-te reversíveis.

Estabelecer os objectivos terapêu-ticos: controlo da pressão arterial, da proteinúria, da diabetes, da dis-lipidémia, etc.

Recomendações relativamente à iatrogenia.

Critérios de referenciação à Ne-frologia.

Critérios de seguimento partilhado. Formas de articulação com os

CSP. •

José MaxiMino costaMedico nefrologistaResponsável da unidade de nefrologia da Unidade local de saúde de Matosinhos

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Dia Mundial do Rim

as razões de mais um dia que deveria ser igual aos outros Pedro Leão Neves defende que nos últimos anos temos assistido a uma “epide-mia” dos chamados dias de… alguma coisa. “Não existe nenhuma semana em que um dos seus dias não tenha sido escolhido para nos lembrarem de algo que deveria fazer parte do nosso quotidiano! O próximo dia 10 de Março será mais um destes dias!”, afirma.

Quais os factores de risco para a doença renal crónica?Cerca de 10 % da população em ge­ral, pelo menos nos países ditos de­senvolvidos, poderá sofrer de algum grau de doença renal crónica. Esta epidemia é secundária a duas situa­ções particularmente prevalentes: a diabetes e a hipertensão arterial, os principais factores de risco de doen­ça renal crónica, que podem e de­vem ser alvo de tratamento. Existem outros factores de risco, que pode­rão ser corrigidos, como a obesida­de, o tabagismo, a ingestão excessi­va de sal e a presença de quantida­des anormais de proteínas na urina. Há, no entanto, factores que favore­cem o aparecimento da doença re­nal, como a idade avançada, a his­tória familiar de doença renal, o sexo masculino e a raça africana que não são passíveis de correcção.

Proteja os seus rins, salve o seu co-ração é o lema do Dia Mundial do Rim deste ano. Porquê a escolha deste tema?O lema do Dia Mundial do Rim des­te ano: «Proteja os seus rins, salve o seu coração», tem a ver com o facto da doença renal crónica, mes­mo numa fase incipiente, se asso­ciar a um elevado risco de doença cardiovascular, a principal causa de morbilidade e mortalidade em ter­mos mundiais. Este risco de doen­ça cardíaca é tanto maior, quanto mais avançada for a doença renal! Deste modo, uma intervenção di­rigida e precoce, no sentido de se evitar a doença renal crónica ou de se atrasar a sua evolução, irá cla­ramente reduzir o risco de doença cardiovascular.

Qual é efectivamente, a ligação co-ração / rins?Existe ainda uma ligação forte entre

o coração e o rim, que se torna mais evidente quando um deles se torna insuficiente. Assim como o risco de doença cardiovascular aumenta na doença renal crónica, de um modo geral todas as situações que com­prometem o funcionamento do co­ração poderão determinar um mau funcionamento renal, pelo facto de haver uma diminuição do fluxo san­guíneo renal. Esta estreita ligação também se consubstancia no facto das doenças do coração e do rim terem causas comuns, como a dia­betes e a hipertensão arterial, a obe­sidade e o tabagismo.

É possível apostar na prevenção? De que forma?

É importante a detecção preco­ce da doença renal crónica, pois o seu acompanhamento permiti­rá atrasar a sua evolução e evitar algumas das suas complicações. Teoricamente os indivíduos que têm maior risco de terem doença renal, e que deverão ser alvo de um rastreio ­ medição da pressão arterial e simples análises ao san­gue e urina ­ são os diabéticos e os hipertensos, aqueles com his­tória familiar de doenças do rim e os idosos. Também se recomen­dam atitudes saudáveis que po­derão evitar e/ou atrasar a doen­ça renal: praticar exercício físico; evitar a obesidade; evitar o taba­gismo; controlar a tensão arterial e a diabetes; evitar medicamentos sem indicação médica, sobretudo analgésicos e anti­inflamatórios; manter sempre um bom estado de hidratação, particularmente os mais idosos nos meses mais quentes. •

Um Bom Dia do RIM!

pEDRo lEão NEvEsDirector do serviço de Nefrologia do Hospital de Faro professor associado de Medicina da Universidade do algarve

«Uma intervenção dirigida e precoce, no sentido de se evitar a doença renal crónica ou de se atrasar a sua evolução, irá claramente reduzir o risco de doença cardiovascular.»

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Metilbardoxolone e atrasentan:

Futuro promissor no tratamento da doença renal crónica

Os resultados de dois estudos apresentados pelo Abbott e pela Reata Phar-maceuticals na Conferência da Sociedade Americana de Nefrologia em Den-ver, em 2010, abrem novas portas para a investigação e para o tratamento da doença renal crónica (DRC).

Os resultados de um es-tudo de Fase 2b, divul-gados no final de 2010 pelo Abbott e pela Re-

ata Pharmaceuticals na Confe-rência da Sociedade Americana de Nefrologia em Denver, suge-rem que o metilbardoxolone (um tratamento investigacional para a DRC) pode reduzir o estadio da doença e melhorar as medidas de função renal em doentes com DRC e diabetes tipo 2.

O ensaio avaliou doentes com DRC moderada (estadio 3b) a gra-ve (estadio 4) e diabetes tipo 2. Aproximadamente 60% dos doen-tes que receberam metilbardoxo-lone tiveram uma redução na clas-sificação da gravidade da doença,

após 24 semanas de tratamento, comparativamente ao grupo pla-cebo em que apenas 17% dos do-entes obtiveram tal redução. Além disso, apenas 4% dos doentes em cada grupo metilbardoxolone so-freram agravamento da fase de DRC em comparação com 13% no grupo de placebo.

Pablo Pergola, director de in-vestigação da Renal Associates PA e professor associado de Medici-na da Universidade do Texas, Cen-tro de Ciências de Saúde, em San Antonio, que apresentou os dados, está optimista: "Estes resultados encorajadores sugerem que me-tilbardoxolone tem potencial para mudar o panorama no tratamento da doença renal crónica e constituir

uma nova esperança para estes do-entes e famílias." Também Eugene Sun, vice-presidente de Desenvol-vimento Farmacêutico Global do Abbott, se mostrou satisfeito: "É um medicamento promissor para uma nova abordagem no tratamen-to da DRC, que tem a capacidade de impedir que os doentes evoluam

«Metilbardoxolone pode reduzir o estadio da doença e melhorar as medidas de função renal em doentes com DRC e diabetes tipo 2»

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SOBRE O ABBOTTPresente em Portugal desde 1948, o Abbott é uma compa-nhia global de cuidados de saú-de presente em mais de 130 paí-ses, dedicada à investigação, ao desenvolvimento, ao fabrico e à comercialização de produtos far-macêuticos e médicos, incluindo nutricionais, dispositivos médi-cos e de diagnóstico. O Abbott tem décadas de experiência na doença renal nas áreas de negó-cio farmacêuticas, diagnósticos e nutricionais. Além do atrasentan, o Abbott tem um acordo de co-laboração exclusiva com a Reata Pharmaceuticals para desenvol-ver e comercializar metilbardoxo-lone para o tratamento da doen-ça renal crónica fora dos EUA. Na área de diagnóstico, o Abbott tem inúmeros testes para diagnóstico e monitorização de DRC, avalia-ção de função renal, e um teste de urina NGAL (neutrophil gelatinase- -associated lipocalin), um novo biomarcador que pode identifi-car doentes com ou em risco de lesão renal aguda.

para estadios mais avançados da doença e de diálise."

Na mesma conferência foram ainda apresentados os resulta-dos de um outro estudo de Fase 2, de avaliação de dosagem de atrasentan, um antagonista do receptor endotelina A, de ele-vada selectividade (AREA), em desenvolvimento para ajudar a retardar a progressão da doen-

ça renal crónica (DRC) em do-entes com nefropatia diabética tipo 2 (doença renal diabética). Os resultados do estudo suge-rem que atrasentan, usado em conjunto com inibidores do sis-tema renina-angiotensina (IECA), pode reduzir a albuminúria (pre-sença de proteína na urina) em doentes com diabetes tipo 2. A albuminúria é o principal sinal de

nefropatia diabética: com a dimi-nuição da função renal, o nível de albumina na urina aumenta.

As principais conclusões do ensaio de oito semanas de três doses de atrasentan (0,25mg, n = 22, 0,75mg, n = 22; 1,75mg, n = 22) contra o placebo foram: atrasentan reduziu de forma sig-nificativa a taxa de albumina/ /creatinina na urina (UAC) nos gru-

pos de 0,75mg e 1,75mg contra o placebo (P = 0,001 e P = 0,011 por avaliações repetidas, respec-tivamente). A dose de 0,25mg não teve efeito significativo; A redu-ção da linha basal à UAC final foi de 21%, 42% e 34% nos grupos 0,25mg, 0,75mg e 1,75mg contra 11% no grupo placebo (P = 0,292, P = 0,023 e P = 0,080, respectiva-mente). •

«O atrasentan, usado em conjunto com inibidores do sistema renina- -angiotensina, pode reduzir a albuminúria em doentes com diabetes tipo 2.»

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«Temos que substituir o Governo na sua função social» A comparticipação dos medicamentos para patologias associadas, a entrada em funcionamento da Fundação Renal Portuguesa e a abertura de centros de hemodiálise em todos os hospitais portugueses são, actualmente, os cavalos- -de-batalha da Associação dos Doentes Renais do Norte de Portugal.

Qual é a missão da Associação dos Doentes Renais do Norte de Por-tugal?A Associação dos Doentes Renais do Norte de Portugal (ADRNP) surgiu em 1976 no Hospital de Santo António, com o apoio de médicos, enfermeiros e doentes, de forma a ser a interlocu-tora válida e representativa para junto do Governo conseguir a abertura de centros de hemodiálise no nosso país para repatriar todos os nossos com-panheiros que foram obrigados a emi-grar. Nessa altura a maior parte des-ses doentes eram obrigados a emi-grar para fora do país para poderem tratar-se, numa altura em que mais necessitavam do apoio familiar. Ha-via, assim, todo o interesse em criar uma associação que defendesse os

interesses destes doentes. Assim foi e a verdade é que, em 1978, conse-guiu-se repatriar a maior parte destes doentes. No entanto, isto não foi su-ficiente. O que acontecia é que eles continuavam a emigrar, mas agora dentro do próprio país. Havia a neces-sidade de abrir mais centros de diáli-se, espalhados pelo país. Consegui-mos que fossem abertos centros de hemodiálise em quase todos os hos-pitais centrais e depois na periferia.Os doentes renais são doentes que enfrentam vários problemas sociais. Um dos problemas é o facto de esses doentes serem reformados compul-sivamente por faltarem sistematica-mente por terem que ir fazer hemo-diálise, e com reformas que não lhes permitiam muitas vezes comprar os medicamentos. Assim, lutámos pela

comparticipação dos medicamentos e depois pelo pagamento dos trans-portes para as deslocações aos trata-mentos. Ou seja, tentamos minimizar ao máximo os problemas que estes doentes enfrentam e acompanhá-los em todas as suas necessidades: le-gislação, tratamentos, deslocação para consultas, prevenção, etc. So-mos um pólo de concentração dos problemas destes deficientes.

Qual a importância que a ADRNP dá à questão da prevenção?Muita. Fazemos várias jornadas de in-formação, sensibilização e rastreios sobre esta questão. Ao informarmos as pessoas sobre o que é a doença renal crónica, ajudamos as pessoas a que mais rapidamente procurem o médico e sejam diagnosticadas.

Quais os principais projectos a mé-dio/longo prazo?Neste momento uma das nossas grandes apostas é que sejam aber-tos centros de hemodiálise em todos os hospitais nacionais. Isto porque se entra sistematicamente na ques-tão do que se paga aos centros pri-vados. E essa discussão constitui uma enorme desestabilização para os doentes renais, porque o Esta-do acaba por se sentir refém destes centros privados, uma vez que não tem uma alternativa própria. A ideia não é de todo acabar com os cen-tros privados, mas sim criar uma al-ternativa viável, até porque os nefro-logistas e os enfermeiros dos centros privados na sua grande maioria são os mesmos dos hospitais…Outro projecto actualmente de gran-de interesse para nós foi a criação da

Fundação Renal Portuguesa, da qual somos fundadores e curadores. Tem tardado a entrada em funcionamen-to, mas esperamos que entre em ac-tividade rapidamente. Esta fundação foi instituída em fins de 2004, com o fim de criar uma resposta social ao tratamento, prevenção, investigação e integração dos insuficientes renais portugueses.

Finalmente outra questão sobre a qual nos vamos continuar segura-mente a debruçar é a questão dos transportes, nomeadamente dos transportes particulares. Há 30 anos pagavam 3.50 escudos por quilóme-tro aos doentes que se deslocavam aos tratamentos nas suas próprias viaturas. Esse valor actualmente continua o mesmo e nós gostáva-mos de ver isso alterado. É impor-tante incentivarmos as pessoas a usarem os seus próprios transpor-tes, porque é mais cómodo até para elas. Existem autocarros que fazem recolha dos doentes, mas vão bus-car um aqui, outro acolá, outro ali, e isso demora uma eternidade. E no fim do tratamento há o percurso in-verso para deixar os doentes em sua casa. É extremamente desgastante para estes doentes.

Mais uma vez é um problema so-cial….Sem dúvida. Houve uma enorme evolução em termos de tratamento, estamos equiparados aos melhores da Europa – e agradecemos aos cen-tros privados por nos proporcionarem isso –, mas socialmente não. Temos pessoas reformadas com 200 euros por mês. Com uma família, filhos, etc. E com outras patologias asso-ciadas, depois de muitos anos de diálise, e para essas outras patolo-gias não têm comparticipação. Mui-tos não fazem a medicação. Não têm dinheiro. É por isso que sentimos que temos que substituir o Governo na sua função social. •

José GouvEiapresidente da associação dos Doentes Renais do Norte de portugal

«Os nefrologistas e os enfermeiros dos centros privados na sua grande maioria são os mesmos dos hospitais»

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Nefropatia diabética

“a prevenção faz-se optimizando o tratamento”Ter um adequado controlo metabólico e manter a tensão arterial dentro de níveis normais é a melhor forma do doente diabético prevenir a nefropatia diabética, defende João Raposo.

O que é a nefropatia diabética?As pessoas com diabetes têm um ris-co aumentado de ter complicações associadas com os pequenos vasos sanguíneos (complicações microvas-culares) e complicações associadas aos grandes vasos (complicações macrovasculares). São exemplo de complicações microvasculares a reti-nopatia (doença da retina – complica-ções dos olhos), a neuropatia (doença dos nervos que transmitem a sensibi-lidade ou os impulsos para os múscu-los) e a nefropatia (doença dos rins). As complicações macrovasculares são as associadas à doença coroná-ria, doença cerebrovascular e doença vascular periférica.Sabemos hoje que existem vários estadios entre um funcionamento re-nal completamente normal no início da diabetes e uma insuficiência renal terminal no final da história da nefro-patia diabética. Os pequenos vasos do glomérulo renal (zona importan-te do rim onde decorre a filtração do sangue) são muito sensíveis a varia-ções da pressão arterial e aos níveis de glicemia (açúcar no sangue) mais elevados. Na presença destes facto-res, e outros (genéticos, hormonais, etc.) começa a existir um defeito nes-sa função de filtro - o rim começa a deixar passar pequenas quantidades de proteínas. Se não houver nenhu-ma intervenção, estas quantidades vão progressivamente aumentando até coexistirem alterações mais gra-ves da função renal que evoluem para a insuficiência renal terminal a neces-sitar de tratamento de substituição re-nal (diálise ou transplante).

Quais são os doentes de risco?As pessoas com diabetes têm risco de vir a ter esta complicação que é espe-cífica da diabetes. Sabemos que este risco será tanto maior quanto pior for o controlo da diabetes, ou seja quan-to mais elevados andarem os níveis de açúcar no sangue (geralmente ava-liados de 3/3 ou 4/4 meses pela ava-liação da HbA1c). O risco também

aumenta se as pessoas tiverem ní-veis de tensão arterial elevados. Tem havido muita investigação para tentar caracterizar outros factores que pos-sam influenciar a nefropatia, mas até este momento existem poucas con-clusões de aplicação prática.

Como pode ser feita a prevenção?A prevenção da nefropatia faz-se em primeiro lugar optimizando o trata-mento das pessoas que têm diabe-tes. Para tal é necessário que as pes-soas que têm diabetes reconheçam o papel importante que têm no seu tratamento, exigindo também um ele-vado padrão de cuidados prestados por profissionais de saúde com com-petências nesta área.A prevenção passa por ter o melhor controlo metabólico possível para a situação clínica individual da pessoa com diabetes e por manter a tensão arterial dentro de níveis normais.O rastreio sistemático anual da

nefropatia (fazendo o doseamento de microalbuminúria – que mede a pre-sença de albumina na urina) permite o diagnóstico precoce e intervenção farmacológica que é eficaz a alterar a progressão desta complicação.

Qual o papel que a APDP tem de-sempenhado nesse sentido?A Associação Protectora dos Diabéti-cos de Portugal, como centro de ex-celência que é nos cuidados às pes-soas com diabetes, promove a edu-cação das pessoas com diabetes nas suas consultas procurando a corres-ponsabilização no plano de cuidados adequados a cada um. Os objectivos terapêuticos são discutidos em cada consulta de acordo com a situação do momento. O rastreio sistemático da nefropatia está implementado, bem como o tratamento das suas fases precoces na consulta de Diabetologia. Em fases mais avançadas de nefropa-tia, a APDP dispõe também de con-sulta de Nefrologia, assegurada por profissionais de saúde (nefrologistas e enfermeiros) especialmente treina-dos para o acompanhamento desta patologia. Em breve, com a abertura do centro de diálise (em fase final de licenciamento), poderemos comple-tar o ciclo de tratamento da nefropa-tia diabética.Mas a APDP tem também responsabi-lidades na formação de outros profis-sionais de saúde que trabalham nou-tras estruturas do Serviço Nacional de Saúde e, por isso, promovemos cur-sos de formação onde a prevenção e tratamento da nefropatia diabética são parte integrante. Finalmente o progra-ma de formação passa também pela realização de cursos para pessoas com diabetes e seus familiares, pro-movendo a autonomia e participação da pessoa no seu tratamento.A APDP é ainda um centro de inves-tigação, tendo participado em vários ensaios clínicos de novas terapêuticas para esta área e desenvolvido projec-tos próprios como o da importância da vitamina D na nefropatia diabética.•

João RaposoapDp – associação portuguesa dos Diabéticos de portugal

«O risco da nefropatia diabética será tanto maior quanto pior for o controlo da diabetes, ou seja quanto mais elevados andarem os níveis de açúcar no sangue.»

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