curso da bienall

Upload: jose-ribeiro

Post on 03-Mar-2016

214 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Material muito bom

TRANSCRIPT

  • Universidade Federal de Minas Gerais

    Instituto de Ciencias Exatas

    Departamento de Matematica

    Maximos locais versus maximos globais

    Alberto B. [email protected]

  • Maximos locais versus maximos globais i

    Sumario

    1 Introducao 1

    1.1 Maximos e Mnimos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

    1.2 A Questao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

    2 Folheacoes e transversalidade 11

    2.1 Folheacoes definidas por submersoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

    2.1.1 Componentes de Reeb . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

    2.2 Transversalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

    3 Maximos globais vs. Componentes de Reeb 20

    3.1 Curvas em posicao geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

    3.2 Prova do teorema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

    3.3 Referencias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

    Referencias 25

  • SUMARIO ii

    PrefacioEstas notas foram escritas para servir de referencia para o minicursoMaximos locais versus maximos

    globais, apresentado na primeira Bienal da Sociedade Brasileira de Matematica, realizado no Departa-mento de Matematica da UFMG de 14 a 18 de outubro de 2002, destinado a alunos de graduacao epos graduacao (mestrado) em Matematica.

    O minicurso foi motivado por um problema que apareceu na secao de problemas da Revista Ma-tematica Universitaria [MU]: Seja f : IR2 IR uma funcao suave, com um unico ponto crtico, digamosp0 IRn, que e ponto de maximo local, pode-se afirmar que p0 e um ponto de maximo global? Depoisde construir funcoes que sao contra-exemplos desta questao, os quais aparecem no numero seguintedesta mesma revista ([S1]), agora podemos perguntar:

    Seja f : IR2 IR uma funcao suave, com um unico ponto crtico, digamos p0 IR2, o qual e pontode maximo local. Que condicoes sao suficientes para garantir que p0 seja um ponto de maximo global?

    Aqui exporemos uma condicao geometricapara o problema anterior, este e o tema que norteia aredacao destas notas. Para obter as ideias intuitivas necessarias, no captulo 1 fazemos uma revisaorapida dos conceitos basicos, dando uma importancia maior no teorema da funcao implcita o qualusamos no captulo 2, para definir de maneira natural uma folheacao no plano. E possvel evitar esteconceito para nossos objetivos, mas notamos que a um baixo custo isto poderia ser apresentado e serum motivador a leituras mais especializadas por parte dos alunos, alem disso, de modo muito sim-plista apresentamos problemas relevantes de atualidade nesta area. Finalizamos o captulo 2 definindocomponentes de Reeb de uma folheacao e transversalidade de curvas.

    No inicio pretendamos redigir estas notas auto-suficientes, mas isto estava tornando as notas muitodensas e fugindo do lado motivador que pretendamos dar. Assim a prova do lema de Morse, como adensidade de pontos de transversalidade, foi sacrificada. Por outro lado, um leitor mais crtico poderase questionar sobre alguns conceitos que foram apresentados sem o devido rigor do caso, espero suacompreensao e convido a ler os textos especializados para formalizar os conceitos.

    Com um certo otimismo estas notas podem ser lidas por alunos que tenham sido aprovados numcurso de calculo 2 canonico. Para eles foi reservado o lado intuitivo que envolve o tema, para os alunosgraduados foi reservado o preenchimento dos detalhes rigorosos de analise necessarios.

    Gostaria de registrar meus agradecimentos ao comite organizador da primeira Bienal da SociedadeBrasileira de Matematica, em especial ao professor Michel Spira pelo incentivo a` realizacao do mini-curso, a o meu aluno Sebastiao Martins Xavier, pela primeira revisao deste material, a meu colega oprofessor Jorge Sabatucci que fez uma revisao deste material e me ajudo a domar algumas das figurasno MAPLE 6. Alem do maple, algumas figuras foram elaboradas no Mayura Draw 4.0. Como de praxea responsabilidade de quaisquer erro encontrado e da minha responsabilidade e agradeco aos leitores oenvio dos mesmos com tambem de suas sugestoes e crticas.

    Alberto SarmientoBelo Horizonte, 10 de outubro de 2002.

  • Maximos locais versus maximos globais 1

    Captulo 1

    Introducao

    Este captulo e dedicado as definicoes basicas e resultados importantes que serao usados no resto dasnotas. Primeiro estudamos pontos crticos procurando um criterio para decidir quando um ponto crticoe ponto de maximo local, mnimo local ou um ponto de sela. Depois descrevemos o comportamentode uma funcao real de varias variaveis, pelas suas superfcies (ou curvas) de nvel, na vizinhanca deum ponto regular como na vizinhanca de um ponto crtico. Para o primeiro caso usamos o teoremada funcao implcita e para o segundo usamos o lema de Morse. Finalizamos este captulo propondo oproblema que motivou estas notas.

    1.1 Maximos e Mnimos

    Dada uma funcao f : IRn IR, n 1, um ponto q IRn e chamado ponto de maximo local de f(respectivamente ponto de mnimo local de f) se existe uma bola com centro q e raio > 0, denotadopor B(q, ) = {x = (x1, x2, , xx) IRn; ||x q|| < }, tal que para todo x B(q, ), temos que:

    f(x) f(q), (resp. f(x) f(q)).

    Dizemos que o ponto q IRn e um ponto de maximo local isolado (resp. mnimo local isolado) se asdesigualdades anteriores sao estritas. Em outras palavras, os valores da funcao f restritos aos pontosde uma pequena bola centrada em q, exceto q, sao menores (resp. maiores) que o valor f(q).

    Os vetores {e1, e2, , en} IRn denotam os vetores da base canonica de IRn, onde ei e o vetorcom todas as entradas iguais a zero exceto na posicao i-esima, onde vale 1.

    Dizemos que f possui derivada parcial no ponto q e na direcao ei, se o seguinte limite existe:

    f

    xi(q) = limt0

    f(q + tei) f(q)t

    .

    Lema 1 . Seja f : IRn IR uma funcao com derivadas parciais no ponto q0, e q0 e um ponto demaximo (resp. mnimo) local de f , entao as derivadas parciais em q0 sao nulas.

    Prova: Mostraremos o lema no caso que q0 e ponto de maximo local de f . A demostracao para o casode mnimo local e analoga.

  • CAPITULO 1. INTRODUCAO 2

    Fixemos i {1, n} e dado > 0 consideremos a funcao : (, ) IR dada por (t) =f(q0 + tei), notemos que da hipotese, t = 0 e ponto de maximo local para . Do calculo I, temos que(0) = 0. Derivando temos que:

    0 = (0) = limt0(t) (0)

    t= limt0

    f(q0 + tei) f(q0)t

    =f

    xi(q0).

    Um ponto q IRn e chamado de ponto crtico da funcao f, se todas as derivadas parciais se anulamneste ponto (isto e, xi f(q) = 0 para todo i = 1, 2, , n). Definimos o vetor gradiente de f no pontox como sendo o vetor:

    f(x) = ( fx1

    (x), , fxn

    (x)).

    Podemos dizer agora que: q IRn e um ponto crtico de f , se o vetor gradiente de f em q e nulo.

    O vetor gradiente de f no ponto x e tambem chamado derivada (ou primeira derivada) de f noponto x se na equacao

    f(x+ v) = f(x) + f(x), v+R(v), tem se que limv0

    R(v)v = 0 (1),

    onde , denota o produto escalar canonico em IRn, neste caso dizemos que a aplicacao f e diferenciavelno ponto x.

    Notemos da equacao (1) que, se f e diferenciavel no ponto x, entao f possui todas as derivadasparciais nesse ponto. Por outro lado, a simples existencia do vetor gradiente (isto e, das derivadasparciais) no ponto x, nao implica necessariamente na diferenciabilidade da funcao f neste ponto, verexemplo 3, pagina 122 de [L], mas, sob certas condicoes isto e verdadeiro, como veremos a seguir.

    Teorema 1 . Seja f : IRn IR uma funcao com derivadas parciais fxi , i = 1, , n contnuas noponto x, entao f e diferenciavel no ponto x.

    Prova: Denotando x = (x1, , xn) onde os xis sao constantes reais e por v = (v1, , vn) o vetorincremento, escrevemos:

    f(x+ v) f(x) = f(x1 + v1, x2, , xn) f(x1, , xn)+

    f(x1 + v1, x2 + v2, x3, , xn) f(x1 + v1, x2, , xn) + +f(x1 + v1, , xn + vn) f(x1 + v1, , xn1 + vn1, xn).

    Lembrando que fx1 e a derivada da funcao (t) = f(t, x2, , xn) com relacao a t, aplicando oteorema do valor medio de funcoes (de uma variavel) a obtemos:

    f(x1 + v1, x2, , xn) f(x1, , xn)v1

    =f

    x1(1, x2, , xn),

    para algum 1 entre x1 e x1 + v1. Da mesma forma aplicando o teorema de valor medio em cadasomando acima temos:

    f(x1 + v1, , xi + vi, xi+1, , xn) f(x1 + v1, , xi1 + vi1, xi, xi+1, , xn) =

    vif

    xi(x1 + v1, , xi1 + vi1, i, xi+1, , xn).

  • CAPITULO 1. INTRODUCAO 3

    Substituindo temos:

    f(x+ v) f(x) =ni=1

    vif

    xi(x1 + v1, , xi1 + vi1, i, xi+1, , xn),

    Denotando ci = (x1+v1, , xi1+vi1, i, xi+1, , xn) e lembrando que f(x), v =n

    i=1fxi

    (x)vi,temos:

    limv0

    R(v)v = limv0

    f(x+ v) f(x) f(x), vv = limv0

    |ni=1{vi fxi (ci) vi fxi (x)}|v

    limv0

    ni=1

    | fxi

    (ci) fxi

    (x)| |vi|v ni=1

    { limv0

    | fxi

    (ci) fxi

    (x)|},

    Da continuidade das derivadas parciais e como ci tende para x quando v tende para 0, concluimos queos limites da ultima desigualdade tendem para zero, assim:

    limv0

    R(v)v = 0.

    Se as derivadas parciais de f sao contnuas no ponto x, dizemos que f e uma funcao continuamentediferenciavel neste ponto, caso f seja continuamente diferenciavel em cada ponto do seu domnio di-zemos que f e uma funcao de classe C1. Assim dizemos que f e uma funcao de classe Ck se possuiderivadas parciais ate de ordem k e todas elas sao funcoes contnuas. Da mesma forma dizemos que fe uma funcao de classe C se para todo inteiro k 1 todas as derivadas parciais de f ate de ordem kexistem e sao funcoes contnuas.

    Supondo que a funcao f e de classe C2, a matriz ( 2f

    xixj(x))i,j de ordem n n e chamada de

    matriz Hessiana da funcao f no ponto x e denotada por Hf(x). Um ponto p0 e dito ponto crtico naodegenerado da funcao f se, det(Hf(p0)) 6= 0.

    Da formula de Taylor temos que, se f e de classe C2, entao

    f(x+ v) = f(x) + f(x), v+ 12Hf(x)v, v+R2(v), onde lim

    v0R2(v)v2 = 0. (2)

    A funcao f(x, y) = x2 y2 e de classe C e possui um unico ponto crtico (0, 0). E facil notar queeste ponto crtico nao e ponto de maximo nem de mnimo ele e chamado ponto de sela, logo temos quenem todo ponto crtico e necessariamente ponto de maximo ou de mnimo. O seguinte teorema da umcriterio para decidir quando um ponto crtico de uma funcao de classe C2 e ponto de maximo local,mnimo local ou ponto de sela. Antes lembremos o seguinte resultado estudado num curso regular dealgebra linear ( [San], teorema 6,6). Toda matriz simetrica S (de ordem n n) e diagonalizavel, maisainda existe uma matriz P ortogonal (P P t = Id = P t P ), tal que:

    P S P t = D =

    1 0 0 00 2 0 0 0 0 n1 00 0 0 n

    onde os 1, 2, , n sao autovalores da matriz S.

    Afirmacao: Se todos os autovalores da matriz S sao positivos (resp. negativos) entao

    Sx, x > 0 ( resp. < 0),x IRn \ {0}. (3)

  • CAPITULO 1. INTRODUCAO 4

    Com efeito, sendo P uma matriz ortogonal esta e inverssvel, assim dado x IRn existe unico vetoru = (u1, , un) IRn tal que Px = u, entao

    Sx, x = P t D Px, x = D(Px), P x = Du, u,

    logo Du, u =ni=1 iu2i , desta igualdade e facil concluir a desigualdade(3).Teorema 2 . Sejam f : IRn IR uma funcao de classe C2 e p0 um ponto crtico nao degenerado def . Entao temos que:

    (a) Se todos os autovalores da matriz H(p0) sao positivos p0 e um ponto de mnimo local (isolado)de f ,

    (b) Se todos os autovalores da matriz H(p0) sao negativos p0 e um ponto de maximo local (isolado)de f ,

    (c) Se a matriz H(p0) possui autovalores positivos e negativos simultaneamente p0 e um ponto desela de f ,

    (d) Se det(Hf(p0)) = 0, este teorema nao diz nada.

    Prova: Como p0 e um ponto crtico de f entao f(p0) = 0, da equacao (2) temos

    f(p0 + v) f(p0) = 12 Hf(p0)v, v+R2(v), onde limv0R2(v)v2 = 0. (4)

    Do teorema de Schwarz sabemos que as derivadas parciais de segunda ordem mistas sao iguais

    (2f

    xixj(p0) =

    2f

    xjxi(p0)), logo a matriz Hf(p0) e simetrica, para todo vetor nao nulo v, multiplica-

    mos o segundo membro da equacao (4) por v2

    v2 = 1 obtemos:

    f(p0 + v) f(p0) = v2

    2[Hf(p0) vv ,

    v

    v+ 2R2(v)v2 ]. (5)

    Prova de (a), consideremos a funcao real (v) = Hf(p0)v, v esta e contnua, e de (3) temos quepara todo v 6= 0 e sempre positiva, em particular para restrito ao conjunto de vetores de norma 1temos que:

    0 < a = mnimo{(u); u = 1} < Hf(p0)u, u, onde u = vv .

    Por outro lado, como limv0

    R2(v)v2 = 0, dado

    a4 > 0, existe > 0 tal que R2(v)v2 < a4 para todo v

    com v < , logo:a2< 2

    R2(v)v2 v2

    2[a a

    2] =

    v24

    a > 0,

    para todo v 6= 0 e v < .

  • CAPITULO 1. INTRODUCAO 5

    Logo denotando por y = x+ v temos que y x = v < , entao para todo y contido na bola decentro p0 e raio temos que f(y) > f(p0), assim p0 e um ponto de mnimo local de f .

    A prova de (b) e analogo de (a), basta considerar 0 < b = maximo{(u); u = 1} > Hf(p0)u, u,e majorar o segundo membro da equacao (5).

    A prova de (c), sejam 1 e 2 autovalores e u1 e u2 os respectivos autovetores com norma 1 deHf(p0), com 1 < 0 < 2. Consideremos os caminhos vi(t) = tui (i = 1, 2) com t (1, 1), daequacao (5) temos que:

    f(p0 + tui) f(p0) = t2

    2[Hf(p0) tui|t| ,

    tui|t| + 2

    R2(tui)t2

    ].

    Dado |i|4 > 0, existe > 0 tal que R2(tui)t2 < |i|4 para todo |t| < , logo:

    |i|2

    < 2R2(v)v2 0, temos que, f(p0 + tui) f(p0) = t22 [i + 2R2(tui)t2 ]respectivamente para i = 2. Para i = 1 e 0 < t < temos que f(p0 + tu1) f(p0) < t22 [1 + |1|2 ],como 1 < 0, |1| = 1 entao f(p0 + tu1) f(p0) < t22 12 < 0. Para i = 2 e 0 < t < temos quef(p0 + tu2) f(p0) > t22 [2 |2|2 ], como 2 > 0, |2| = 2 entao f(p0 + tu1) f(p0) > t

    2

    222 > 0.

    Assim para pontos proximos de p0 temos valores da funcao acima e abaixo de f(p0).

    Para provar a afirmacao (d), basta analisar as funcoes f1(x, y) = x4 + y4, f2(x, y) = x4 y4 ef3(x, y) = x3 + y3, nestes tres casos (0, 0) e ponto crtico com det(Hf((0, 0))) = 0 e temos que (0, 0) eponto de maximo local, mnimo local e ponto de sela das funcoes f1, f2 e f3 respectivamente.

    O seguinte teorema aparece num curso regular de calculo II, conhecido como teorema da funcaoimplcita. Denotemos os pontos da decomposicao IRn = IRn1IR por (x, y), onde x = (x1, , xn1) IRn1.

    Teorema 3 (funcao implcita) . Seja f : IRn IR uma funcao de classe Ck (k 1). Se num pontop0 = (x0, y0), temos que

    f

    y(p0) 6= 0 e c = f(p0), entao existe uma bola B = B(x0, ) IRn1 e um

    intervalo J = (y0 , y0 + ) tais que f1(c) (B J) e o grafico de uma funcao h : B J de classeCk isto e, f(x, h(x)) = c para todo x B e temos que:

    h

    xi(x) =

    fxi

    (x, h(x))fxn

    (x, h(x)), i = 1, , n 1, x B.

    Prova: Demostraremos o teorema no caso n = 2, porque esta prova passa a ideia intuitiva com maioreficiencia, alem disso, nos usaremos esta versao nos proximos captulos. Esta prova vale no caso geralcom o devido cuidado do numero de coordenadas.

    Para fixar ideias, podemos supor que fy (x0, y0) > 0. Comofy e contnua, existem > 0 e > 0

    tais que, denotando I = (x0, x0+) e J = (y0, y0+) (J = [y0, y0+]) temos que fy (x, y) > 0para todo (x, y) I J . Entao para cada x I fixo, a funcao (y) = f(x, y) e estritamente crescente,como f(x0, y0) = c e da continuidade de f temos que, reduzindo se for necessario podemos supor que

  • CAPITULO 1. INTRODUCAO 6

    IXJ

    x

    y

    I

    J

    cf

    f c

    xx

    y

    y

    Figura 1.1:

    f(x, y0 ) < c < f(x, y0 + ). Pelo teorema do valor intermediario, para cada x I existe um unicoy = h(x) J tal que (y) = f(x, h(x)) = c, portanto f1(c) (I J) = f1(c) (I J) e e o graficode uma de uma funcao h : I J ver figura 1.1.

    Para mostrar que a funcao h e contnua, fixemos x1 I, seja y1 J a correspondente imagem por h(h(x1) = y1). Dada qualquer sequencia {tn}n=1 I convergindo para x1 quando n tende para infinito,para mostrar que h e contnua em x1 bastaria mostrar que h(tn) tende para y1 quando n tende para. Para isto basta notar que h(tn) J admite uma subsequencia {h(tnk)}k=1 e y J tal que h(tnk)tende para y, como f(tnk , h(tnk)) = c e f e uma funcao contnua temos que f(tnk , h(tnk)) tende para(x1, h(x1)) = c, entao da unicidade do limite temos que h(x1) = y1 = y.

    Vamos mostrar que h e de classe Ck, primeiramente mostraremos que h e de classe C1. Denotandopor v = h(x+t)h(x) onde x I fixo e t IR de modo que x+t I, entao temos que h(x+t) = h(x)+v,logo c = f(x, h(x)) = f(x + t, h(x + t)) = f(x + t, h(x) + v)), aplicando o teorema de valor medio a`funcao () = f(x+ t, h(x) + v)) onde 0 1, temos que existe (0, 1) tal que

    0 = f(x+ t, h(x) + v)) f(x, h(x)) = fx

    (x+ t, h(x) + v) t+ fy

    (x+ t, h(x) + v) v,

    Daqui temos quev

    t=

    fx (x+ t, h(x) + v)fy (x+ t, h(x) + v)

    .

    Entaoh(x+ t) h(x)

    t=

    v

    t=

    fx (x+ t, h(x) + v)fy (x+ t, h(x) + v)

    .

    Como a funcao h e contnua entao temos que limt0 v = 0, logo os incrementos (t, v) tendem a zeroquando t 0. A continuidade das derivadas parciais de f nos da:

    h(x) = limt0

    h(x+ t) h(x)t

    = fx (x, h(x))fy (x, h(x))

    .

    Desta formula e do fato que as derivadas parciais sao de classe Ck, entao h e de classe Ck1 e portantoh e de classe Ck.

  • CAPITULO 1. INTRODUCAO 7

    Evidentemente no teorema anterior nao ha nada de especial a respeito da derivada parcial ser naonula na ultima componente, em outro caso bastaria reenumerar as variaveis para levar a`s condicoes doteorema da funcao implcita. Assim temos que: se f : IRn IR e uma funcao de classe Ck (k 1),se num ponto p0 tivermos, f(p0) = c e

    f

    xi(p0) 6= 0 para algun inteiro i = 1, , n, entao existe a

    bola B(p0, ) IRn ( > 0), tal que f1(c) B(p0, ) e o grafico de uma funcao de classe Ck da formaxi = h(x1, , xi1, xi+1, , n).

    Seja f : IRn IR uma funcao diferenciavel, dizemos que o numero real c e um valor regular de f ,se o vetor gradiente f(q) 6= 0, para todo q f1(c) (onde f1(c) = {q IRn; f(q) = c}), isto e,para todo q f1(c) a derivada parcial f

    xi(q) 6= 0 para algum i = 1, , n. Notemos que da forma

    como foi definido o valor regular, se f1(c) = implica que c e valor regular de f . Assim, se c e umvalor regular e f1(c) 6= , do teorema da funcao implcita temos que f1(c) e uma uniao de graficosde funcoes da forma xi = h(x1, , xi1, xi+1, , xn) para algum i = 1, , n. Intuitivamente temosalgo parecido a uma colcha de retalhos, como a intersecao destes retalhos e novamente um grafico destetipo, entao globalmente f1(c) e um conjunto regular chamado de superfcie de nvel c de f . No cason = 3, a ideia e mesmo de uma superfcie mergulhada no espaco IR3, ja no caso n = 2, temos quef1(c) e uma curva mergulhada no plano IR2 chamada de curva de nvel c de f .

    Caso f1(c) contem um ponto crtico, o valor ce chamado de valor crtico de f . Para comprendero que acontece nun nvel crtico, primeiro estudamos o que acontece na vizinhanca de um ponto crtico.Seja f : IRn IR uma funcao de classe C2, dizemos que um ponto crtico p0 IRn de f , tem ndicek, se a matriz Hf(p0) possui exatamente k autovalores negativos.

    Um subconjunto U IRn sera uma vizinhanca aberta ou simplesmente uma vizinhanca, se paracada ponto p U podemos encontrar uma bola com centro no ponto p e raio > 0, toda contida emU (B(p, ) U). No que segue basta pensar em conjuntos que sao imagem por homeomorfismo dointerior da bola com centro na origem e raio um.

    Um sistema de coordenadas sobre uma vizinhanca U IRn e um homeomorfismo h : V Udefinido numa vizinhanca V IRn. As coordenadas de um ponto p U no sistema (V, h) sao osnumeros yi com i = 1, , n, tais que y = (y1, , yn) V e h(y) = p. Reciprocamente, sendo h umhomeomorfismo, temos que h1 : U V e um sistema de coordenadas sobre a vizinhanca V IRn.Dizemos que o sistema de coordenadas e de classe Ck se h e um difeomorfismo de classe Ck, isto e, asfuncoes coordenadas h e sua inversa h1 sao aplicacoes de classe Ck.

    Exemplo 1 Sejam U = IR2 \ {(x, 0) : x 0}, V = (0,) (0, 2pi) e h : V U definido porh(r, ) = (r cos(), rsin()), entao h e um sistema de coordenadas, de classe C sobre U , os numerosr e sao chamados de coordenadas polares dos pontos p = (x, y) U .

    Teorema 4 (Lema de Morse) Seja f : IRn IR uma funcao de classe Cr (r 2), se o ponto crticop0 IRn de f e nao degenerado e de ndice k, entao existe uma mudanca de coordenadas h : V Ude classe Ck2 definida sobre uma vizinhanca V da origem, com h(0) = p0, sobre uma vizinhanca Ude p0, tal que a funcao f relativo as novas coordenadas z = (z1, z2, , zn) e dada por:

    f h(z) = f(z1, z2, , zn) = f(0) (z1)2 (zk)2 + (zk+1)2 + + (zn)2.

    Podemos encontrar a prova deste teorema em varios textos, como por exemplo [L], para entender aideia da forca deste teorema estudemos os seguintes exemplos:

  • CAPITULO 1. INTRODUCAO 8

    Exemplo 2 . No caso que f : IR2 IR e p0 IR2 e um ponto crtico nao degenerado de f , supondoque f(p0) = 0, do lema de Morse temos que todos os casos possveis sao:

    f h(z1, z2) = ((z1)2 + (z2)2), e (z1)2 (z2)2.Logo as curvas de nvel de f restritas a` vizinhanca U sao modulo um difeomorfismo h, curvas de nvelda funcao fh(z1, z2) = (z1)2+(z2)2, no caso k = 0, sao curvas de nvel de fh(z1, z2) = (z1)2(z2)2,no caso k = 2, estes dois casos tem a mesma estrutura de curvas de nvel, ver figura 1.2-(a). No casok = 1, sao curvas de nvel da funcao f h(z1, z2) = (z1)2 (z2)2, ver figura 1.2-(b).

    (a) k=0 ou 2 (b) k=1

    Figura 1.2:

    Exemplo 3 Seja f : IR2 IR a funcao de classe C, dada por f(x, y) = (x2+ y2 16)xy, Os pontoscrticos sao:

    f(x, y) = (3x2y + y3 16y, x3 + 3xy2 16x) = (0, 0),entao

    y(3x2 + y2 16) = 0 e x(x2 + 3y2 16) = 0.

    Se y = 0, entao x = 0 ou x = 4, as solucoes sao p1 = (0, 0), p2 = (4, 0), p3 = (4, 0).

    Se x = 0, entao y = 4, as solucoes sao p4 = (0,4), p5 = (0, 4)

    Olhando o sistema acima temos que os outros pontos crticos se encontram nas intersecoes daselipses

    3x2 + y2 = 16 e x2 + 3y2 = 16,

    que correspondem aos pontos p6 = (2, 2), p7 = (2, 2), p8 = (2,2) e p9 = (2,2).

    Pelo Lema de Morse, notemos que os primeiros 5 pontos crticos sao pontos de sela, e os outrossao pontos crticos de maximo ou de mnimo.

    Outra forma de analisar isto, notemos que as curvas de nvel zero sao as retas x = 0, y = 0 e ocrculo x2 + y2 = 42, estas curvas dividem o plano em 4 regioes ilimitadas e 4 regioes limitadas, nointerior de cada um dos setores limitados pelo crculo a funcao e toda positiva ou toda negativa, comocada uma destas regioes contem um unico ponto crtico e seu valor e: f(2, 2) = 32, f(2, 2) = 32,f(2,2) = 32 e f(2,2) = 32, entao (2, 2) e (2,2) sao pontos de mnimo locais e (2, 2) e (2,2)sao pontos de maximo locais.

  • CAPITULO 1. INTRODUCAO 9

    Pelo teorema da funcao implcita, por cada ponto nao crtico passa uma curva e do lema de Morsetemos a decomposicao do plano em curvas de nvel e pontos crticos como mostra a figura 1.3.

    Figura 1.3:

    1.2 A Questao

    Seja p0 IRn um ponto de maximo (resp. mnimo) local da funcao f : IRn IR, dizemos que p0 eum ponto de maximo global (resp. mnimo global) de f , se

    f(x) f(p0), (resp. f(x) f(p0)), x IRn.

    De agora em diante nos limitaremos a estudar o caso do maximo; o caso de mnimo e estritamenteanalogo, ou simplesmente considere-se a funcao f (onde (f)(x) = f(x)), para levar ao caso demaximo.

    Obviamente, um ponto de maximo global e um ponto de maximo local. O que podemos dizer darecproca? Para o caso de funcoes de uma variavel temos a seguinte proposicao.

    Proposicao 1 Seja f : IR IR uma funcao diferenciavel, com um unico ponto crtico, digamosx0 IR, o qual e ponto de maximo local, entao x0 e um ponto de maximo global.

    Prova: Por absurdo, suponhamos que existe um z0 tal que f(z0) = f(x0). Dessa forma existe y0 6= x0tal que f(y0) = f(x0), entao do teorema do valor medio, existe entre x0 e y0 tal que:

    f(y0) f(x0)y0 x0 = f

    ().

    Logo f () = 0, isto contradiz o fato de x0 ser o unico ponto crtico de f .

  • CAPITULO 1. INTRODUCAO 10

    A seguinte questao apareceu na revista MATEMATICA UNIVERSITARIA n 20/21 (1996), secaode problemas ([MU]), aqui fazemos uma extensao trivial da questao:

    Questao 1: Seja f : IRn IR (n 2) uma funcao suave, com um unico ponto crtico, digamosp0 IRn que e ponto de maximo local, pode-se afirmar que p0 e um ponto de maximo global?

    Em [S1] apresentamos uma resposta negativa a esta questao no caso n = 2. Vejamos a seguir umexemplo que da uma resposta negativa a esta questao.

    Exemplo 4 Seja f : IR2 IR a funcao dada por f(x, y) = e3x3exy+y3. Esta funcao possui um unicoponto crtico p0 = (0, 1), o qual e ponto de mnimo local, isto, porque det(Hf(0, 1)) > 0 e

    2fx2 (0, 1) > 0,

    lema de Morse. De outro lado, notemos que f(0, y) = 1 3y + y3, onde limy f(0, y) = elimy+ f(0, y) = +, logo p0 nao e ponto de mnimo global, ver fig 1.4.

    Figura 1.4:

    A partir de um exemplo de duas variaveis e facil construir exemplos de funcoes reais de tres ou maisvariaveis que respondem negativamente a esta questao. Por exemplo, seja f(x1, x2) = e3x13ex1x2+x32a funcao do exemplo anterior, definimos:

    F (x1, x2, , xn) = f(x1, x2) + 12x23 +

    12x24 + +

    12x2n.

    O unico ponto crtico sera p0 = (1, 0, 0, , 0) a matriz hessiana de F neste ponto e:

    HF (p0) =

    fxx(p0) fxy(p0) 0 0fxy(p0) fyy(p0) 0 0

    0 0 1 0 0 0 0 1

    Do teorema (2), temos que p0 e um ponto de maximo local, mas F (0, x2, 0, , 0) = 1 3x2 + x32aproxima-se de + e quando x2 + e x2 , respectivamente.

    A pergunta que podemos fazer agora e:

    Questao 2: Seja f : IR2 IR uma funcao suave, com um unico ponto crtico, digamos p0 IR2,o qual e ponto de maximo local. Que condicoes sao suficientes para garantir que p0 seja um ponto demaximo global?.

  • Maximos locais versus maximos globais 11

    Captulo 2

    Folheacoes e transversalidade

    O teorema da funcao implcita visto no captulo 1, nos da a intuicao necessaria para descrever local-mente uma curva de nvel, como tambem podemos estudar pacotes de curvas de nveis , e exatamenteisto o teorema da forma local das submersoes, daqui e um passo para obter a nocao de folheacao. Todasestas definicoes podem ser generalizadas para dimensoes maiores, nos preferimos sacrificar isto parapoder aproveitar melhor a familiaridade que temos com as ideias e intuicao no plano.

    Para nao ficar com o material deste captulo simplesmente como material preparatorio para ocaptulo 3, apresentamos algumas nocoes e definicoes necessarias para formular alguns problemas rele-vantes que estao em aberto sobre a teoria de folheacoes no plano. Finalizamos o captulo apresentandoas nocoes basicas de transversalidade de curvas.

    2.1 Folheacoes definidas por submersoes

    Uma funcao f : IR2 IR de classe Cr e uma submersao se, para todo ponto x IR2 temos quef(x) 6= 0, neste caso todo numero real e valor regular de f e do teorema da funcao implcita, porcada ponto x IR2 passa uma curva (de nvel de f) de classe Cr. Logo o plano todo fica decompostopor curvas regulares, esta decomposicao e um exemplo de folheacao regular, e cada curva e chamada defolha da folheacao. No caso que a funcao f possui pontos crticos, a decomposicao do plano em pontoscrticos e curvas regulares de classe Cr e chamados de folheacao com singularidades. Para dar umadefinicao formal de folheacao no plano, primeiramente vamos rever o teorema da funcao implcita vistono captulo 1.

    Sejam f : IR2 IR uma funcao de classe Cr (r 1), e x0 = (x0, y0) um ponto com fy

    (x0) 6= 0.Denotemos por c = f(x0), sendo fy uma funcao contnua, existe uma bola B = B(x0, ) IR2, tais quef

    y(x, y) 6= 0 para todo (x, y) B. Entao podemos encontrar > 0 e > 0 tais que para todo ponto

    da forma (x0, y) B com y0 < y < y0 + , as funcoes implcitas hy (isto e, f(x, hy(x)) = f(x0, y)com hy(x0) = y) estao bem definidas no intervalo (x0 , x0 + ), alem disso (x, hy(x)) B, ver figura(2.1-a). O mesmo vale se

    f

    x(x0) 6= 0, isto e, as funcoes implcitas com hx(y0) = x estao todas definidas

    no intervalo (y0 , y0 + ), ver figura 2.1-b. Este resultado e conhecido como teorema da forma localdas submersoes, uma demonstracao deste pode ser encontrado em [L], pagina 294.

  • CAPITULO 2. FOLHEACOES E TRANSVERSALIDADE 12

    x

    y

    x

    y

    x

    y

    y

    x

    y

    yB

    B

    x x

    (a) (b)

    Figura 2.1:

    Teorema 5 (Forma local das submersoes) Sejam f : IR2 IR uma funcao de classe Cr (r 1),e x0 = (x0, y0) um ponto que satisfaz f(x0) 6= 0, entao existem > 0, > 0, > 0 e homeomorfismoh : (, ) (c , c+ ) B(x0, ) de classe Cr, com h(0, c) = x0 e tal que

    f h(x, y) = y para todo (x, y) (, ) (c , c+ ).

    Denotemos por U = h((,+) (c , c + )), assim h : (,+) (c , c + ) U e umdifeomorfismo sobre sua imagem. Como os intervalos (, ) e (c , c + ) sao C-difeomorfos aointervalo I = (1, 1), entao modulo a composta com um C-difeomorfismo entre II e (,+)(c, c+), podemos sempre considerar que o domnio dos difeomorfismos h sao da forma (1, 1)(1, 1).O par (h,U) chamaremos de carta local de classe Cr. Modulo uma troca de ordem nas variaveis podemosconsiderar que a aplicacao h leva intervalos horizontais da forma (0, 1) {y}, em pedacos de curvascontidas em nveis distintos de f , ver figura 2.2.

    IxI

    c

    f

    h

    U

    f h

    Figura 2.2:

  • CAPITULO 2. FOLHEACOES E TRANSVERSALIDADE 13

    Uma famlia de cartas locais de classe Cr, {(hi,Ui)i; onde e um conjunto de ndices}, defineuma folheacao regular de classe Cr em IR2 e denotamos esta por F se satisfaz as seguintes propriedades:

    (a) IR2 iUi.(b) Sempre que duas cartas se interceptam, digamos UiUj 6= , temos que a mudanca de coordenadas

    h1j hi : h1i (Ui Uj) h1j (Ui Uj) e da forma:

    h1j hi(x, y) = (gij(x, y), fij(y)).

    IxIIxI

    hih j

    h hi j

    1

    UUi j

    Figura 2.3:

    Os pedacos de curvas da forma i,y0 = {hi(x, y0); x I e y0 I fixo } sao chamadas de placas dafolheacao F . A condicao (b) garante que, fixado y0, y1 I tal que as placas i,y0 = {hi(x, y0); x I} ej,y1 = {hj(x, y1); x I} tem intersecao nao vazia, entao estas placas se sobrepoem na sua intersecao.Um caminho de placas de F e uma sequencia 1, , m de placas tal que i i+1 6= para todoi {1, ,m}. Uma folha de F que passa por um ponto p IR2 e uma uniao de placas de um caminhomaximal que contem uma placa passando pelo ponto p, denotamos a folha por Fp ou simplesmentepor F caso o ponto esteja obviamente definido. Assim, uma folha e uma curva regular conexa, istoe, dados dois pontos q1 e q2 em F existe um caminho de placas 1, , k tal que q1 1 e q2 k.As folhas reduzidas a um ponto sao chamadas de singularidades, as curvas simples fechadas de F saochamadas de trajetorias periodicas, o terceiro e ultimo tipo de folhas que aparecem sao curvas semauto-intersecoes (homeomorfas a retas).

    Chamamos de folheacao singular de classe Cr, com conjunto singular S IR2, a folheacao regularde classe Cr sobre IR2 \ S. Isto e, para todo q IR2 \ S existe vizinhanca Uq IR2 \ S, e uma cartalocal hq : I I Uq de classe Cr, de modo que a famlia de cartas locais {(hq,Uq)}q assim definidase uma folheacao regular sobre IR2 \ S.

    Exemplo 5 No exemplo 3 do captulo 1, cuja funcao e f(x, y) = (x2 + y2 16)xy, as curvas de nvelde f definem uma folheacao singular,ver figura 1.3, com conjunto singular:

    S = {(0, 0), (4, 0), (4, 0), (0,4), (0, 4), (2, 2), (2, 2), (2,2), (2,2)}.

  • CAPITULO 2. FOLHEACOES E TRANSVERSALIDADE 14

    Exemplo 6 Seja f : IR2 IR a funcao de classe C dada por f(x, y) = (x21)ey, o campo vetorialgradiente e: f(x, y) = (2xey,(x2 1)ey), e facil notar que este e um campo de vetores naonulos, logo f e uma submersao. As retas x = 1 e x = 1 sao curvas de nvel zero de f , as curvasde nvel c < 0 se encontram na faixa 1 < x < 1, esta faixa esta decomposta pela famlia de curvasna forma de parabolasassintotando as retas x = 1 e x = 1, as curvas de nvel c > 0 encontram-seno complemento da faixa 1 x 1, assim esta submersao f define uma folheacao regular no planocomo na figura 2.4-(a).

    Exemplo 7 Consideremos a seguinte decomposicao do plano: um ponto crtico na origem, a regiaolimitada pelo crculo C = {(x, y); x2 + y2 = 1}, preenchida por crculos concentricos, a regiao exteriorao crculo C, preenchida por curvas que vem do infinito e enrolam-se no crculo C, como mostra afigura2.4-(b), assumimos que esta decomposicao define uma folheacao singular, afirmamos o seguinte.

    (a) (b)

    Figura 2.4:

    Afirmacao: Essa folheacao regular definida sobre IR2 \ (0, 0) nao e dada globalmente por uma sub-mersao.

    Com efeito, por absurdo, suponhamos que exista uma tal submersao f : IR2 \ (0, 0) IR que definaesta folheacao. Seja h : I I U (onde I = (1, 1)), uma carta da folheacao em torno do pontop = h(0, 0) C, denotemos por = {h(0, y); y I} o segmento transversala` folheacao. Estudamoso comportamento de uma folha F nao limitada que passa pelo ponto q \ p, ver figura 2.5. Afolha F corta num conjunto infinito e enumeravel de pontos, podemos indexar estes com a sequencia{qn}n=0 F , com q = q0, os segmentos de folha F com extremos qi e qi+1 denotado por (qi, qi+1)Fnao intersecta , assim e claro que limn qn = p. Como F e curva de nvel de f , digamos nvel c,entao f(qn) = c, pela continuidade da funcao f temos que f(p) = c, isto e, C tambem e uma curvade nvel c de f . Notemos que este mesmo argumento pode-se aplicar a cada folha nao limitada, logo afuncao f seria constante e igual a c sobre a regiao exterior ao disco unitario, o que contradiz o fato def ser uma submersao.

    p

    qq1

    Figura 2.5:

  • CAPITULO 2. FOLHEACOES E TRANSVERSALIDADE 15

    Dada uma folheacao F sobre IR2 e fixada uma folha F , fixemos uma parametrizacao desta folha : IR F , por exemplo, no caso de um ponto singular p temos que (t) = p, t IR, no caso detrajetoria periodica, e uma funcao vetorial periodica, isto e existe T > 0 tal que (t + T ) = (t),t IR. Dizemos que um ponto IR2 e um ponto limite da folha F , se existe uma sequencia{tn}n=0 tais que (tn) ou (tn) . O conjunto de todos os pontos limites de F echamado de conjunto limite de F e o denotamos por L(F ) ou simplesmente L caso esteja bem definidode que folha se trata. E facil ver que o conjunto limite de uma trajetoria periodica e a propria trajetoriaperiodica, assim como o conjunto limite de um ponto singular e o proprio ponto.

    No exemplo 7 anterior, temos visto que cada ponto do crculo unitario C e ponto limite de cada folhanao limitada (contida no exterior do disco de raio 1), logo o conjunto limite de cada uma destas folhase o proprio crculo unitario C = L(F ). Em outras palavras, podemos dizer que as folhas ilimitadasacumulam-se sobre o crculo C. Assim L tambem e chamado de conjunto de acumulacao.

    Observacao 1 Suponhamos que F e uma folheacao dada globalmente por uma submersao global,usando os mesmos argumentos da prova da afirmacao anterior, mostra-se que neste caso, nao existeacumulacao de uma folha regular sobre outra folha regular. Logo as folhas regulares, com excecao dastrajetorias periodicas, se acumulam numa singularidade ou tendem para infinito.

    Dizemos que a folha F e recorrente se F L(F ), isto e, F e uma folha que se auto-acumula. Astrajetorias periodicas e pontos singulares sao exemplos de folhas recorrentes, esses dois tipos de folhassao chamados de recorrencias triviais. Uma questao interessante e:

    Existem recorrencias nao triviais no plano? Caso existam de que tipo sao?

    Podemos separar o conjunto de folheacoes em duas classes, uma chamada de folheacao orientavelea outra de folheacao nao orientavel. A folheacao orientavel e aquela na qual em cada folha podemosinduzir uma orientacao, por exemplo o sentido de percurso induzido pela parametrizacao ( : IR F ),de modo que folhas vizinhas tenham o mesma sentido de direcao. Outra forma de orientar uma folheacaoe escolher uma famlia coerente de cartas locais {(hi,Ui)i} que define F , isto e:

    (a) IR2 iUi.(b) Tem a propriedade de intersecao, se Ui Uj 6= com i, j , entao a mudanca de coordenadas

    h1j hi : h1i (Ui Uj) h1j (Ui Uj) e da forma:

    h1j hi(x, y) = (gij(x, y), fij(y)).

    Alem disso, det(D(h1j hi)(x, y)) > 0 para todo i, j e (x, y) h1i (Ui Uj).

    (c) Orientacao da folheacao, isto e f ij(y) > 0 para todo i, j e (x, y) h1i (Ui Uj).

    Vejamos como esta definicao induz uma orientacao sobre as folhas. Para cada i em cada cartalocal hi : (1, 1) (1, 1) Ui desta famlia, fixemos a orientacao positiva dada pela reta (eixo x)em cada intervalo horizontal {y} (1, 1), esta orientacao e levada por h em cada placa de Ui, paraverificar que este processo induz uma orientacao coerente nas intersecoes de duas placas, fixemos umponto p Ui Uj . Os vetores tangentes correspondentes a` orientacao distribuda em h1i (p) e h1j (p)e o vetor (1, 0), observe que det(D(h1j hi)(x, y)) e igual a :

    det

    (gijx (h

    1i (p))

    gijy (h

    1i (p))

    0 fijy (h1i (p))

    )=

    gijx

    (h1i (p)) fijy

    (h1i (p)) > 0

  • CAPITULO 2. FOLHEACOES E TRANSVERSALIDADE 16

    Embora este determinante preserve a orientacao de uma base positiva {e1 = (1, 0), e2 = (0, 1)}, naonecessariamente preservaria a orientacao na folha, poderia levar e1 em (1, 0) e e2 em (0,1), e claroque {(1, 0), (0,1)} e base positiva assim estaria trocando a orientacao no eixo x. E a que entra acondicao (c) (f ij(y) > 0), isto forca a preservar a orientacao no eixo y, consequentemente preservara aorientacao no eixo x. Assim a orientacao induzida nas placas por estas cartas locais coerentes, induzuma orientacao nas folhas.

    No caso que, nao seja possvel encontrar uma famlia de cartas locais coerentes para a folheacao,dizemos que a folheacao e nao orientavel. Um exemplo de folheacao orientavel e dado pelo exemplo 7,exemplos de folheacoes nao orientaveis sao ilustrados pela figura 2.6.

    Figura 2.6: folheacoes nao orientaveis

    Com um pouco mais de trabalho pode-se mostrar que para toda folheacao orientavel pode-se encon-trar um campo de vetores X : IR2 IR2 cujas trajetorias (solucoes da equacao diferencial x = X(x))coincidem com as folhas da folheacao. Por exemplo, folheacoes dadas por submersoes globais suavesf : IR2 IR sao orientaveis. Com efeito, basta lembrar que o campo vetorial gradiente f(x, y) e naonulo e perpendicular as curvas de nvel, assim o campo vetorial ortogonal ao vetor gradiente definidopor:

    f(x, y) = (fy

    (x, y),f

    x(x, y)),

    e tangente as curvas de nvel de f , portanto as trajetorias deste campo coincidem com a folheacaodefinida por f , as proprias orientacoes das trajetorias induzem uma orientacao coerente nas folhas.

    Usando o Teorema de Poincare Bendixon (ver [So], pagina 243), pode-se provar que folheacoesorientaveis nao possuem folhas recorrentes nao triviais. Para folheacoes nao orientaveis H. Rosembergem [R] apresenta exemplos de folheacoes no plano com folhas recorrentes nao triviais, estes exemplossao chamados de Labirintos de Rosemberg. Outro assunto interessante a estudar sobre folheacoes e oseguinte:

    Questao 3: Existe uma cadeia de inclusoes proprias da forma:

    L(F1) L(F2) L(F3)?

    No caso de folheacoes orientaveis temos que se L(F1) L(F2) L(F3), entao segue do Teoremade Poincare Bendixon que L(F2) = L(F3), assim podemos resumir dizendo que, toda cadeia numafolheacao orientavel e de altura 1.

    No caso de folheacoes nao orientaveis do plano, esta questao esta em aberto. Outros problemasinteressantes sao as respectivas extensoes sobre superfcies de dimensao 2. Uma referencia sobre estestemas podem ser encontrados em [A-B-Z].

  • CAPITULO 2. FOLHEACOES E TRANSVERSALIDADE 17

    2.1.1 Componentes de Reeb

    Consideremos a folheacao do exemplo 6, dada pela submersao f(x, y) = (x2 1)ey, restrito a`faixa 1 x 1. Notemos que por cada ponto interior a essa faixa passa uma folha na forma deparabolaassintotando as retas x = 1 e x = 1. A faixa com essa folheacao e chamada de Componentede Reeb , ver figura 2.4-(a), a restricao da componente de Reeb a` semifaixa R = {(x, y); 1 x 1, y 0} e chamada de meia componente de Reeb, aqui usaremos a letra R para denotar a semifaixacom a folheacao de Reeb induzida. As folhas {x = 1, y 0} IR2 e {x = 1, y 0} IR2 saochamadas de bordas tangentes de R e o intervalo {y = 0, 1 x 1} e chamado de bordo compactode R.

    Dizemos que uma folheacao F possui uma meia componente de Reeb, se existe uma regiao A IR2e homeomorfismo h : R A, que leva folha da componente de Reeb R em folha de F|A (onde F|Adenota a folheacao F restrita ao conjunto A).

    Exemplo 8 No exemplo 4 captulo 1, a funcao f(x, y) = e3x3exy+y3 define uma folheacao singularque possui uma componente de Reeb, ver figura 2.7

    Figura 2.7:

    2.2 Transversalidade

    Uma curva parametrizada de classe Cr e uma aplicacao vetorial : IR IR2 com (t) =(x(t), y(t)), t IR, onde as componentes x e y sao funcoes reais de classe Cr. A parametrizacao e regular se o vetor tangente (t) 6= 0 para todo t IR. Usaremos indistintamente para denotar aparametrizacao da curva como para representar o lugar geometrico da mesma (isto e, (IR)), assim, deagora em diante com a palavra curva entenderemos por uma curva parametrizada regular de classe Cr

    (r 1) ou simplesmente o lugar geometrico desta.

    Dadas duas curvas , : IR IR2, dizemos que intersecta transversalmente a se, = ou para cada ponto na intersecao digamos p = (t0) = (s0) temos que os vetores tangentes as curvas{(t0), (s0)} e um conjunto linearmente independente.

    Toda curva regular de classe Cr, pode ser vista localmente atraves de uma mudanca de coordenadasde classe Cr, como se fosse um intervalo de reta. Isto e, para cada t0 IR existe uma vizinhanca U IR2em torno do ponto (t0), > 0 e um difeomorfismo h : (1, 1) (1, 1) U de classe Cr, tal que

    h (t) = (t, 0), t (t0 , t0 + ).Este resultado faz parte de um resultado mais geral conhecido como teorema da forma local das imersoes,seu enunciado e a prova podem ser encontrados em [L], pagina 290.

  • CAPITULO 2. FOLHEACOES E TRANSVERSALIDADE 18

    Lema 2 Sejam , : IR IR2 duas curvas regulares, suponhamos que intercepta transversalmente no ponto p = (t0) = (s0), entao existe > 0 tal que

    (t0 , t0 + ) (s0 , s0 + ) = {p}.

    Isto e, os pontos de intersecao transversais entre curvas sao isolados.

    prova: Pela observacao anterior o intervalo = {y = 0, 1 x 1} e a imagem pelo homeomorfismoh1 do pedaco de curva (U), podemos supor que h(0, 0) = p. Denotando por = h1(U) e moduloreparametrizacoes podemos supor que (0) = (0, 0) = (0). Como h e um difeomorfismo, em particularDh(x, y) e um isomorfismo, preserva conjuntos linearmente independentes, entao {(Dh(0, 0)1(t0) =(1, 0), (Dh(0, 0)1(s0) = (0)} e um conjunto linearmente independente. Da transversalidade temosque (0) = (x(0), y(0)) com y(0) 6= 0, para fixar ideias podemos supor que y(0) > 0. Como a funcaoy e contnua, existe tal que y(s) 6= 0 para todo < s < , logo a funcao y(s) e estritamentecrescente no intervalo (, ), em particular (, ) (, ) = {(0, 0)}. Usando o fato que h e emparticular um homeomorfismo, levamos esta situacao ao caso original, o que completa a prova. Verfigura 2.8.

    h

    Figura 2.8:

    Teorema 6 (Propriedade de abertura) Sejam F uma folheacao e : IR IR2 uma curva regularambas de classe C1. Se e transversal a` folha regular Fp que passa pelo ponto p = (0), entao existe > 0 tal que e transversal a` folha F(t) no ponto (t) para todo t (, ). Isto e, se a curva etransversal a F num ponto, entao esta curva e transversal a todas as folhas de F numa vizinhanca doponto.

    prova: Seja h : (1, 1) (1, 1) U uma carta local da folheacao em torno do ponto p U comh(0, 0) = p. Lembremos que por h podemos ver a folheacao F sobre (1, 1) (1, 1) dada pelossegmentos horizontais, logo podemos considerar o campo vetorial constante X(q) = (1, 0) para todoq (1, 1) (1, 1), isto e, tangentes aos intervalos horizontais. Denotemos por (t) = h1 (t)(pre-imagem de U), modulo uma reparametrizacao podemos supor que (0) = (0, 0), entao (0) =(x(0), y(0)), pela transversalidade temos que y(0) 6= 0 para fixar ideias podemos supor que y(0) > 0,pela continuidade de y temos que existe um > 0 tal que y(t) > 0 para todo t (, ). Consideremosa funcao

    (t) = det(

    1 0x(t) y(t)

    )= y(t).

    Como este determinante e positivo para todo t (, ), entao os vetores {(1, 0), (x(t), y(t))} saolinearmente independentes , logo e transversal a`s linhas horizontais sobre os pontos (t) para todot (, ). Como os difeomorfismos preservam transversalidade o teorema esta provado.

  • CAPITULO 2. FOLHEACOES E TRANSVERSALIDADE 19

    O seguinte teorema envolve conceitos de perturbacao de curvas, intuitivamente podemos dizerque a perturbacao de uma curva : [0, 1] IR2 e outra curva : [0, 1] IR2 de modo que adistanciaentre as curvas d(, ) = max{(t) (t); t [0, 1]} seja arbitrariamente pequena,da mesma forma podemos definir a C1-distanciaentre curvas de classe C1 como sendo d1(, ) =max{(t)(t), (t)(t); t [0, 1]}. Neste ultimo caso estamos exigindo que alem dos graficosde e estarem proximos, devem estar proximos os graficos das derivadas respectivas, neste casotambem dizemos que esta C1-proxima de .

    Dizemos que as curvas e tem um ponto de tangencia cubica no ponto p = (0) = (0) se(0) = a (0), onde a e uma constante real, e na vizinhanca do ponto p a curva passa de um ladoda curva para outro lado.

    Teorema 7 (Densidade local da transversalidade) Sejam F uma folheacao e : IR IR2 umacurva regular ambas de classe C1. Se possui uma tangente cubica com a folha Fp no ponto p = (0),entao existe uma curva que esta C1-proxima de e e transversal a` folheacao F numa vizinhanca doponto p.

    Este teorema diz em particular que, se a curva possui uma tangente cubica com a curva noponto p = (0) = (0), entao existe uma perturbacao que esta C1-proxima de e e transversal a .Mais ainda podemos modificar a curva somente numa vizinhanca do ponto p de modo a obter estatransversalidade. A demonstracao deste teorema e muito elaborada para as pretensoes destas notas,mas usaremos este resultado no proximo captulo.

    Observemos a seguinte situacao que encontraremos com frequencia no proximo captulo: consi-deremos a folheacao do exemplo 6, figura 2.4-(a), fixados dois pontos qi = (xi, yi), i = 1, 2, comx1 < 1 < 1 < x2, e uma curva : [0, 1] IR2 de classe C1 com (0) = q1 e (1) = q2, entaousando os dois teoremas anteriores podemos perturbar de modo a encontrar uma curva transversala` folheacao em todo ponto exceto um, no qual temos uma tangencia quadratica. Em outras pala-vras nao tem forma de passar de um lado ao outro da componente de Reeb transversalmente, sempreencontraremos um ponto de tangencia quadratica.

  • Maximos locais versus maximos globais 20

    Captulo 3

    Maximos globais vs. Componentesde Reeb

    3.1 Curvas em posicao geral

    De agora em diante f : IR2 IR denotara uma aplicacao de classe C2, com um unico ponto crticop0, que sera um ponto de maximo local da funcao f . A folheacao (singular) induzida sobre IR2 porf denotaremos por F . Do Lema de Morse (teorema 4), temos que as folhas de F restritas a umavizinhanca U do ponto crtico sao curvas simples fechadas (trajetorias fechadas).

    Observacao 2 Se : [0, 1] IR2 e uma curva simples (isto e, sem-autointersecoes ), regular etransversal a` folheacao F , entao a funcao f | restrita a e estritamente crescente ou estritamentedecrescente.

    Com efeito, o vetor tangente a` curva e o vetor tangente a` folheacao ao longo da curva formam umconjunto linearmente independente {(t), f((t))}, entao o vetor (t) forma um angulo agudocom f((t)) para todo t [0, 1] ou forma um angulo obtuso para cada t [0, 1]. No primeiro caso,temos que a curva atravessa curvas de nvel inferiores para nveis superiores, com isto f | e estritamentecrescente. No outro caso, temos que f | e estritamente decrescente.

    Uma curva simples, regular e de classe Cr, : [0, 1] IR2 sera chamada simplesmente de curvamergulhada de classe Cr. Dizemos que uma curva mergulhada esta em posicao geral com a folheacaoF , se existe um subconjunto finito G ([0, 1]) tal que:

    (i) ([0, 1]) \G e transversal a F ,(ii) ([0, 1]) possui tangencias quadraticas com F em cada ponto de G,(iii) Cada folha de F pode tangenciar no maximo num ponto.

    Nao e difcil se convencer que, dada uma folheacao regular e seja : [0, 1] IR2 uma curva simplesregular, entao dos teoremas de transversalidade 6 e 7 podemos encontrar uma curva proxima de comos mesmos extremos e transversal a` folheacao, exceto possivelmente num conjunto finito de pontos, ondee tangente e do tipo quadratico. Para obter a partir de uma curva em posicao geral, esta faltando

  • CAPITULO 3. MAXIMOS GLOBAIS VS. COMPONENTES DE REEB 21

    conseguir a condicao (iii). Esta condicao nem sempre e possvel obter por pequenas perturbacoes de. O seguinte lema ensina, em particular, obter estas curvas em posicao geral.

    Lema 3 (posicao geral) Seja f : IR2 IR uma submersao de classe Cr (r 1). Suponhamos queexistam pontos p0, q1 IR2 tal que f(p0) = f(q1). Entao existe uma curva mergulhada : [0, 1] IR2com (0) = p0 e (1) = q1 que satisfaz:

    (i) A curva e transversal a` folheacao F induzida por f , exceto num subconjunto finito nao-vazioG ([0, 1]) de pontos de tangencias quadraticas.

    (ii) Se uma folha F e tangente a no ponto q, entao F = {p}. Toda folha de F transversal a intersecta esta no maximo em dois pontos. As folhas F(0) e F(1) nao interseptam ((0, 1)).

    Prova: Do comentario anterior, para mostrar (i) falta apenas mostrar que o subconjunto G e nao-vazio.Com efeito, por absurdo, suponhamos que e transversal a F em todos seus pontos. Da observacao2temos que f restrito a sera estritamente crescente ou estritamente decrescente. Considerando oprimeiro caso, temos f(p0) < f(q1) o que contradiz a hipotese, isto mostra (i). O segundo caso etratado de modo analogo. Denotamos por 1 a curva que satisfaz (i).

    Antes de mostrar (ii) e (iii) consideremos a seguinte situacao: suponhamos que uma folha Fintersecta nos pontos p e q, transversalmente em p e tangencialmente em q de modo que o segmentode folha compreendido entre os ponto p e q ([p, q]F ) intersecta exatamente em {p, q}. Denotando por[p, q] o segmento de compreendido entre os ponto p e q, podem acontecer os seguintes dois casos:

    (a) Uma pequena vizinhanca da folha F no ponto de tangencia q intersecta o exterior da regiaolimitada pelas curvas [p, q]F [p, q], ver figura 3.1-(a).

    (b) Uma vizinhanca da folha F no ponto de tangencia q esta contida na regiao limitada pelas curvas[p, q]F [p, q], ver figura 3.1-(b).

    p q pq

    F Ffig. a fig. b

    Figura 3.1:

    No caso (a), podemos cobrir o intervalo limitado [p, q]F por um numero finito de cartas locaisda folheacao F , assim conseguimos uma faixa (fina) W formada por pedacos de folhas paralelas a[p, q]F , W pode ser visto como imagem de uma aplicacao : (1 , 1 + ) (, ) W, onde{(t, 0); t [1, 1]} = [p, t]F , e para cada s (, ) temos que {(t, s); t (1 , 1 + )} estacontida numa folha, podemos escolher W de modo que intersecte em dois intervalos disjuntos, verfigura 3.2-(a).

    Munindo de uma orientacao, escolhendo pontos p, q W [p, q] com p < p e q > q. Modificamos substituindo o intervalo [p, q] por uma segmento ligando p a q, contido em W e transversal a`

  • CAPITULO 3. MAXIMOS GLOBAIS VS. COMPONENTES DE REEB 22

    folheacao, representado pela linha descontinua na figura 3.2-(a). Com esta modificacao de obtemosuma nova curva com um ponto de tangencia a menos.

    No caso (b), o pedaco de folha Fq que entra na regiao limitada pelas curvas [p, q]F [p, q] naopode ficar presa nesta regiao, porque isto contradiz a observacao 1 do captulo 2, isto e, Fq teria que seacumular em alguma trajetoria regular dentro da regiao, o que lhe e proibido. Assim Fq deve sair destaregiao, essa saida sera transversal ao intervalo (p, q). Nao e difcil ver que escolhendo adequadamenteos segmento de trajetoria estaremos na mesma situacao do caso (a).

    Prova de (ii) e (iii), para construirmos a curva desejada, comecamos a modificar 1 a partir doponto p1. No caso que a folha de um dos extremos digamos Fp1 \ {p1} intersecta 1, o numerode pontos de intersecao e finito, sem perda de generalidade podemos supor que tenha um ponto deintersecao, denotamos este por . Se Fp1 e tangente a 1 em , basta modificar 1 numa vizinhancade para evitar este ponto de contacto, assim podemos supor que Fp1 e tranversal a 1 no ponto .Pelos argumentos anteriores podemos construir uma faixa finaW dada como imagem de uma aplicacao : (1 , 1 + ) [0, ) U , onde {(t, 0); t [1, 1]} = [p1, ]F , e para cada s [0, ) fixo temosque {(t, s); t (1 , 1 + )} esta contida numa folha. Modificamos 1 como mostra a figura 3.2-(b), isto e, orientando 1 escolhemos < e substitumos o intervalo [p1, ]1 por uma curva sempretransversal, dada pela linha pontilhada. Com esta modificacao o novo segmento [p1, ]1 satisfaz (iii).

    p q

    F

    p qp

    a b

    W

    q1q1 11

    fig. a fig. b

    Figura 3.2:

    Agora falta modificar o segmento [p0, ]1 . A partir de procuramos a proxima folha que intersecte[p0, q1]1 nao satisfazendo o item (ii), notemos que se uma folha intersecta 1 transversalmente enum numero mpar de pontos, maior ou igual a tres, por uma modificacao igual ao caso (a) entre oprimeiro e ultimo ponto de intersecao podemos modificar 1 de modo que num segmento maior temosa propriedade (ii), como 1 tem comprimento finito, apos um numero finito de modificacoes seja docaso (a) ou (b), obteremos a curva desejada.

    Lema 4 (Tangencia e componente de Reeb) Seja f : IR2 IR uma submersao de classe C1.Suponhamos que existem pontos p0, q1 IR2 tal que f(q1) = f(p0) e seja : [0, 1] IR2 um mergulhocom (0) = p0 e (1) = q1 satisfazendo o lema 3, suponhamos ainda, que as folhas Fp0 e Fq1 saodisjuntas. Entao existe uma correspondencia um a um entre os pontos de tangencia de F sobre comas meias componentes de Reeb de F que intersectam .

    Prova: Do lema 3 anterior temos que as folhas Fp0 e Fq1 intersectam ([0, 1]) somente nos pontos p0 eq1, respectivamente. Como f(q1) = f(p0) do lema anterior F tem pelo menos um ponto de tangencia,digamos q.

    Observando as folhas de F ao redor de uma vizinhanca do ponto q, podemos ver que existem subarcosfechados [q1, q] e [q, q2] de ([0, 1]) com [p1, q] [q, q2] = {q}, e uma aplicacao T : [q1, q] [q, q2] tal

  • CAPITULO 3. MAXIMOS GLOBAIS VS. COMPONENTES DE REEB 23

    que:

    (a) T (q1) = q2, T (q) = q e para cada x (q1, q], existe um arco de folha que denotaremos por[x, T (x)]|F de F com incio em x e termino em T (x), encontrando ([0, 1]) transversalmente eexatamente sobre {x, T (x)}, ver figura 3.3;

    (b) a famlia de arcos de folhas [x, T (x)]|F ; x (q1, q] varia continuamente com x, logo T (x) qquando x q.

    Assim T e um homeomorfismo sobre sua imagem.

    qq q1 2

    Figura 3.3:

    Seja I = (1, 2) ([0, 1]) o domnio maximal da extensao do homeomorfismo T , satisfazendo(a).Podemos notar que os pontos extremos q1 e q2 nao estao no domnio de T , pois por hipotese as folhasFp0 e Fq1 sao disjuntas, logo 1, 2 ([0, 1]), e as folhas F1 e F2 sao disjuntas, transversais a , econtem as bordas tangentes da componente de Reeb com bordo compacto [1, 2].

    Assim, como q e o unico ponto de tangencia de com a folheacao F contido em [1, 2] , entao paracada ponto de tangencia temos associado uma unica meia componente de Reeb de F . Reciprocamente,a cada meia componente de Reeb de F que intersecta corresponde-lhe um unico ponto de tangencia.

    3.2 Prova do teorema

    Teorema 8 Seja f : IR2 IR uma funcao de classe Cr (r 2) e p0 o unico ponto crtico, supondoque p0 e ponto de maximo local, se a folheacao F (definida por f) nao possui meias componentes deReeb, entao p0 e ponto de maximo global.

    Prova: Por absurdo, suponhamos que existe um ponto p1 IR2 \ {p0} tal que f(p1) f(p0). Bastasupor que f(p1) = f(p0), pelo lema de Morse (teorema 4), as curvas de nvel de f numa vizinhanca doponto p0 sao curvas simples fechadas de classe C2. Consideremos uma curva mergulhada : [0, 1] IR2ligando o ponto p0 = (0) a p1 = (1) e transversal as curvas fechadas em torno de p0. Podemos suporque esta curva satisfaz o teorema 3, logo o subconjunto finito G ([0, 1]) de pontos de tangencia deF com e nao-vazio e do teorema 4 a folheacao F possui pelo menos uma meia componente de Reeb,isto e uma contradicao.

    Os exemplos que seguem ilustram o teorema.

  • CAPITULO 3. MAXIMOS GLOBAIS VS. COMPONENTES DE REEB 24

    Exemplo 9 Seja f : IR2 IR dada por f(x, y) = 3exye3xy3, f possui um unico ponto crtico, quee ponto de maximo local mas nao e ponto de maximo global. Podemos visualizar a meia componentede Reeb da folheacao definida por f , ver figura 3.4.

    Figura 3.4:

    Exemplo 10 Seja f : IR2 IR dada por f(x, y) = y2(x 1)3 x2, e outro exemplo com as mesmascaractersticas que o exemplo anterior porem e uma funcao polinomial, possui um unico ponto crtico,que e ponto de maximo local e nao e ponto de maximo global e a folheacao definida por f possui meiacomponente de Reeb, ver figura 3.5.

    Figura 3.5:

    Suponha que tenhamos uma funcao com um unico ponto crtico, sendo ponto de maximo global.Sera que a folheacao induzida possui meia componente de Reeb? Em outras palavras, vale o recprocodo teorema anterior?

    Olhando para a construcao dos contra-exemplos em [S1], podemos ver que e facil a construcao deexemplos com pontos de maximo global cuja folheacao possui um numero arbitrario de meias com-ponentes de Reeb. A proposito destes contra-exemplos, o autor antes de tomar conhecimento dosexemplos algebricos 9 e 10, ja tinha feito esta construcao em [S1] e aqui aparece conscientemente opapel desempenhado pelas meias componentes de Reeb. Por outro lado, esta construcao e de muitavalia para elavorar exemplos e contra-exemplos com diversos fenomenos, usando o processo de colagemde funcoes.

  • 3.3 Referencias

    [A-B-Z ] Aranson S. Belitsky G. Zhuzoma E. Introduction to the qualitative theory of dinamical systemson surfaces. Mathematical monographs V 153 (1996).

    [MU ] Secao de problemas, Revista Matematica Universitaria N 20/21, p 62, 1996.

    [R ] Rosemberg, H. Labyrinths in the disc and surfaces. Annals of Mathematics, 117 (1983), 1-33.

    [S1 ] Sarmiento, Alberto. Problema do maximo. Matematica Universitaria N 22/23, p 53-56, 1997.

    [L ] Lima, Elon. Curso de analise, vol 2, projeto Euclides N.13 (terceira edicao), 1989. Inc. (1964).

    [San ] Santos, Reginaldo. Um curso de geometria analitica e algebra linear, Imprensa Universitaria daUFMG, 2002.

    [So ] Sotomayor J. Licoes de equacoes diferenciais ordinarias, Projeto euclides N. 11, 1979.