aury lopes jr sistemas de investigacao preliminar no processo penal

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Page 3: Aury lopes jr   sistemas de investigacao preliminar no processo penal

EDITORA LUMEN JURIS

EDITORES Joao de Almeida Joao Luiz da Silva Almeida

CONSElHO EDITORIAL Alexandre Freitas Camara Antonio Becker Augusto Zimmermann Eugenio Rosa Firly Nascimento Filho -Geraldo L. M. Prado

.' J. M. Leoni Lopes de Oliveira -LetaCio Jansen

., Manoel Messias Peixinho Marcello C iotola Marcos Juruena Villela Souto Paulo de Bessa Antunes

CONSELHO CONSULTIVO Alvaro Mayrink da Costa Aurelio Wander Bastos Elida Seguin _,

-. Cinthia Robert Gisele Cittadino Humberto Dalla Bernardina de Pinho Jose dos Santos Carvalho Filho Jose Fernando C. Farias Jose Maria Pinheiro Madeira Jose Ribas Vieira Marcellus Polastri Lima Omar Gama Ben Kauss Sergio Demoro Hamilton

AURY LOPES JR. Dautar em Dlrelto Processual Pela

Universidad CompLutense de Madrid Professor de Direito ProcessuaL Penal da

Funda!;ao UrTiversldade FederaL do Rio Grande/RS Professor no Programa de pos-Gradua!;ao_~, .... ~ ..... ~"""" ..... ~ .... ~~_., ... _ ...... __

em Cfenclas Crimlnais da.PUC/RS '. h;.: ~<,~,~ ,.~ \; '.: [I: :i.-;.] !!:h 1';;" Advogado . ";.:.i·.~~ " !.;t(.·,;, .... ;.,' ,-.r-~

Sistemas de Investiga~o Preliminar no Processo Penal

EDITORA LUMEN JURIS RIO DE JANEIRO

2001

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Page 4: Aury lopes jr   sistemas de investigacao preliminar no processo penal

3 \.\ O. !. L~bU.Jo

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Copyright © 2000 Aury Lopes JR.

SUPERVISAO EDI!QRIAL Antonio Becker

EDITORA<;:AO ELETRONICA Maanaim Informatica Ltda.

Telefone (21) 242-4017

CAPA Marcia Campos

A EDITORA LUMEN JURIS nao aprova au reprova as oplni6es emitidas nesta obra, as quais sao de responsabilidade exclusiva do seu Autof.

E proibida .a reproduc;:ao total au parcial, par qualquer meia ou praces­so, inclusive quanta -as caracteristicas graticas"elou editoriais. A viola­c;:ao de direitos autorais constitui crime (C6digo Penal, art. 184 e §§, e

Lei n' 6.895, de 17/1211980), sUjeitando-se a busc. e apreensao e indeniza<;6es diversas (Lei nil 9.610/98).

ISBN 85-7387-172-5

Todas as direitos reservados Ii Editara Lumen Juris Ltda. www.lumenjuris.com.br

Rua da AssembLE;ia, 10 grupo 2.307 Telefane (21) 531-2199

Fax (21) 531-1126 Rio de Janeiro, RJ - CEP 20.011-000

Impressa no Brasil Printed in Brazil

Dedicada a

Meus pais, paradigmas inatingiveis de salidariedade, carinho e campreensao.

Thaisa, minha fante de inspira~ao e razao do meu esfor~o.

Cristina, pelo incansavel apaio, pela campreensao e par sempre haver-me

estimulado a continuar.

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Page 5: Aury lopes jr   sistemas de investigacao preliminar no processo penal

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Agradecimentos

, Ao Prof. Dr. Pedro Aragoneses Alonso; por'el respeto y 10 mucho que me ha ensenado.

Ha sido un honor convivir con un autentico hombre de ciencia.

Aos Profs. Drs. Sara Aragoneses Martinez e Rafael Hinojosa Segovia, por laamabi/idad

y el inestimable apoyo y ayuda.

Aos Membros do Tribunal de Leitura da Tese, Profs. Drs. Andres de la Oliva Santos,

Julio Banac(ikhe Palao, Antonio Garcia·Pablos"de Molina,

Juan Damian Moreno e JUlio'Muerza Esparza, cuyas criticos y sugerencias hacantribuido

mucho para enriquecer el trabajo.

Ao Prof. Dr. Cezar Roberto Bitencourt, pelo inestimdvel.apaia, as muitos ensinamentos

e a valiosa amizade.

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Page 6: Aury lopes jr   sistemas de investigacao preliminar no processo penal

Sumario

ABREVIATURAS •••••..••••.•...• , • • . • . • • • • • . • • . . • . xv

PREF AClo . • . • • • • . • • . • . . . . • • . . . . • • • • • . • • . • •. . • • • xvii

INTRODUc;:Ao ....................................

CAPiTULO I

o FUNDAMENTO DA EXISTENCIA DO PROCESSO PENAL: INSTRUMENTAL/DADE GARANTISTA .•..•..•...••..•.•...• 5 I. A INSTRUMENTALIDADE E a GARANTISMO • . . . • . • . . • • . . . . • • • ..-8

A) A EXCLUSIV1DADE ESTATAL DA PENA E DO PROCESSO . . . • • • . • • . . • 8 B) A INSTRUMENTALlliADE DO PROCESSO PENAL • • . • . • • • . • • • • . • . 11 C) A TEORIA DO GARANT1SMO E 0 PROCESSO PENAL •••.••....••. 13 D) INSTRUMENTAUDADE GARANTISTA E 0 ESTADO DEMocRATICO

DE DIREITO .•••.• , •• . ••. . . . • . . . • • . • . • • . . • • . . • 19 II. CRiTiCAS AO SISTEMA DE "JUSTII;:A NEGOCIADA" ••.••••.••.• 23

CAPiTULO II SISTEMAS DE INVESTIGAc;:Ao PRELIMINAR: CONSIDERAC;:OES PREVIAS 29

I. PROBLEMA TERMINOlOGICO . . • • • . . • . • • • • • • . • • . • . . • . . • 29 II. DEFINIC;:Ao LEGAL •.. ,........................... 31 . III. NATUREZA JURiDiCA .••.•• :...................... 32

A) PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PRE-PROCESSUAL •....•..••••. 3J B) PROCEDIMENTO JUDICIAL PRE-PROCESSUAL . • • . . . • . . . • • . . . • • 34

IV. CARACTERES DETERMINANTES: AUTONOMIA E INSTRUMENTAUDADE. 36 . A) AUTONOMIA DA INVESTIGAC;:AO PRELIMINAR • • • • • . • . • • . • • • • .• 36 B) INSTRUMENTALIDADE QUAUFICADA •.••••.••••..•...•.•. 38

V. FUNDAMENTO DA EXISTENCIA DA INVESTIGAc;:Ao PRELIMINAR . • • . • . 40 A) BUSCA DO FATO OCULTO E A CRIMINAL CASE MORTALITY ••••••••• 41 B) SALVAGUARDA DA SOCIEDADE ••.......•.....••..•••.. 45 C) EVITAR ACUSAc;:OES INFUNDADAS - FILTRO PROCESSUAL •••.•...• 46

a) Custo do processo penal e as penas processuais . . . . . . . • 47 b) Estado de prolongada ansia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 c) Estigmatiza~ao social e juridica derivada do processo

penal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 d) A investiga~ao preliminar como "filtro" . . . . . . . . . . . . . 50

Page 7: Aury lopes jr   sistemas de investigacao preliminar no processo penal

CAPiTULO III

ORGAO ENCARREGADO DA INYESTIGAc;:AOIINSTRUC;:AO PRELIMINAR I. INYESTlGAC;:Ao PRELIMINAR POLICIAL .•••.•.•.......•.••. " A) VANTAGENS DA INVESTIGAC;:Ao PRELIMINAR POLICIAL ....•...••..

B) INCONVENIENTES DO SISTEMA DE INVESTIGAc;:iio PRELIMINAR POLICIAL •.. II. INVESTIGAC;:Ao PRELIMINAR JUDICIAL: 0 JU/Z INSTRUTOR ••.•..•

A) ASPECTOS GERAIS E A IMPARCIALIDADE DO JUIZ INSTRUTOR •••..•.• a) A imparcialidade do orgao jUrisdicional ............ . b) 0 problema da imparcialidade do juiz instrutor: analise

segundo a doutrina do TEDH e critica ao modelo brasileiro ... B) VANTAGENS DA INVESTIGAC;:Ao PRELIMINAR JUDICIAL •.•.....•..

~ INCONVENIENTES DA INVESTIGAc;:iio PRELIMINAR JUDICIAL ....•.••

111.', INVESTIGAC;:AO PRELIMINAR A CARGO DO MINISTERIO PUBLICO:

PROMOTOR INVESTIGADOR ..•.........•..•.•...•.... A) ARGUMENTOS FAvoRAvEIS AO SISTEMA DE PROMOTOR INVEST/GADOR •••• B) INCONVENIENTES DO SISTEMA DE PROMOTOR INVEST/GADOR ••••••.

CAPiTULO IV

OBJETO E GRAU. DE COGNIc;:Ao NA INVESTIGAc;:Ao PRELIMINAR

I. OBJETO DA INVESTIGAC;:Ao PRELIMINAR ..•.•...•.•.•••.•..

II. A SUMARIEDAI)£ DA COGNIC;:AO NA INVESTlGAc;:Ao PRELIMINAR •... A) SUMARIEDADE QUALITATIVA .............•........... B) SUMARIEDADE QUANTITATIVA - LlMITAC;:iio TEMPORAL ....••..•.. C) SISTEMA MISTO ........•.......••..............

CAPiTULO V

aS ATOS DA INVESTIGAC;:AO PRELIMINAR •.........•.•••.

I. FORMA DOS ATOS DA INYESTIGAc;:Ao PRELIMINAR •.•...•.••... A) INVESTIGAC;:iio PRELIMINAR OBRIGATORIA, FACULTATIVA E SISTEMA MlsrO ..• B) FORMA ORAL E ESCRITA DA INVESTIGAc;:iio PRELIMINAR ...•.•.••• C) A PUBLICI DADE NA INVESTIGAc;:iio PREll MINAR ....••.•.....•• D) 0 SEGREDO DOS ATOS DA INVESTIGAc;:iiO PRELIMINAR ..•.• " ... .

a) 0 segredo externo ......................... . . a') JUStificar;iio do segredo externo: utilitarismo judicial

e garantisma ... " ..................... . b') Argumentos contrarios 00 segredo externo ....... .

b) 0 segredo interno .......................... . a') Justificar;iio do segredo interno: utilitarismo judicial . . . b') Inconvenientes do segredo interno no plano garantista .. .

c) Criterio misto ............................ .

57 57 58 59 63 63 66

67 71 7Z

77 78 81

91 91 92 96 97 98

101 101 101 103 106 108 108

109 113 " 114 115 116 119

II. A EFlcAclA PROBATORIA DOS ATOS DA INVESTIGAc;:Ao PRELIMINAR A) DISTINC;:AO ENTRE ATOS DE PROVA E ATOS DE INVEST/GAC;:AOI

INSTRUC;:AO PRELIMINAR ••••.•••••••••••••••••••••• B) A PRODUC;:AO ANTECIPADA DE PROVAS •..••...••......•..•

CAPiTULO VI

INVESTIGAC;:AO PRELIMINAR NO PROCESSO PENAL BRASllEIRO:

o INQUERITO POLICIAl ••...••••••..•....••......•.• I. TERMINOlOGIA, DEFINIc;:iio LEGAL E NATUREZA JURIDICA ....•.•

II. ORGAo ENCARREGADO .••..•..•..••.•••.••••..•..•

III. 0 MINISTERIO PUBLICO E 0 INQUERITO POLICIAl •..••.•....• A) CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL .•...•..•.••.... B) A PARTICIPAC;:AO E/ou CONDUC;:AO DA INVESTIGAC;:AO PELO MINISTERIO

PUBLICO •.•••••.•...••.•..••......•.•..•..• 3.L. A Acompanhamento/participar;ao no inquerito policial .... . ~ investigar;ao conduzida pelo ministerio publico ...... .

c) A situar;ao do sujeito passiv~ no procedimento investigatorio do Ministerio Publico e os riscos da den uncia direta .....

IV. A POSic;:Ao DO JUIZ FRENTE AO INQUERITO POLICIAl ..•...•..• A) 0 JUIZ COMO GARANTE E NAO COMO INVESTIGADOR •.....••••. B) CRiTICAS A PREVENC;:AO COMO CRITERIO DEFINIDOR DA COMPETENCIA .• C) AAUSENCIA DE UMA FASE INTERMEDIARIA E OS PERIGOS DA DENUNCIA DlRETA . D) 0 RECEBIMENTO DA ACUSAC;:AO SEM A DEVIDA FUNDAMENTAC;:AO .••..

V. OBJETO E SUA LlMITAC;:.i.O ........•.•...•............ A) UMITAC;:AO QUALITATIVA •......••..•.....•.•..•...• 8) UMITAC;:AO TEMPORAL ..•...•..••.•....•......•...•

VI. ANALISE DOS ATOS DO INQUERITO POLICIAl .••.•.......••. A) ATOS DE INIClA<;:Ao •.•................•..•..•.•..

a) De oficio pela propria autoridade policial ........... . b) Requisir;ao do Ministerio Publico (ou orgao jurisdicional) .. c) Requerimento do of en dido (delitos de ar;ao penal

publica incondicionada) ................... ':.' . d) Comunicar;ao oral ou escrita de delito de ar;ao penal publicil:". . e) Representar;ao do of en dido nos delitos de ar;ao penal

publica condicionada ...................... : .. f) Requerimento do of en dido nos delitos de ar;ao penal privada .

A) ATOS DE DESENVOLVIMENTO E DE CONCLUSAO DO INQUERITO POLICIAL . B) ESTRUTURA DOS ATOS DO INQUERITO POLICIAL •.••••....•.•.

a) Lugar .................................. . b) Tempo ................................. . c) Forma ................................. .

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119 123

127 127 136 137 138

141 142 142

148 150 150 152 158 159 161 162 164 166 166 166 167

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172 176 178 180 180 182 183

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VII. VALOR PROBAT6RI0 DOS ATOS DO INQUERITO POLICIAL •.••... A) A EQUIVOCADA PRESUN~AO DE VERACIDADE •••••......••..• B) VERDADE FORMAL OU SUBSTANCIAL E A INSTRUMENTALIDADE

GARANTISTA ..•.•••.•..••••...••••••......••. C) DISTIN~Ao ENTRE ATOS DE PROVA E ATOS DE INVESTIGA~AO ••...•• 0) 0 VALOR PROBATORIO DO INQUERITO POLICIAL •••••....•••••

a) Valor das provas repetiveis: meros atos de investiga~ao ... b) Provas nao-repetiveis: necessidade do .incidente de

produ~ao antecipada de provas ................. . c) Contamina~ao consciente ·ou inconsciente do julgador

e a necessidade da exclusao fisica das pe~as do inquerito policial ................................. .

E) 0 PROBLEMA DAS NULIDADES COMETIDAS NO INQUERITO POLICIAL

- CAPiTULO VII

A INVESTIGA<;AOIINSTRU<;AO PRELIMINAR EM OUTROS ORDENAMENTOS

JURiDICOS ••••••••.•......••••.•..••.•..•••••••.

I. ESPANHA ••••••••....•••..•••.•.•••••.••..••••

A) 0 SUMAR/O DO PROCEDIMENTO ORDINARIO .••.•....•.•••.•• B) As D/L/GENe/AS PREY/AS DO PROCEDIMENTO ABREVIADO ..••••••. C) A POLiCIA JUDICIARIA E A DEPENDENCIA FUNCIONAL ... " ••.•...

II. FRAN~A ..•..•••...•..•.•.•..••••....•....•..

III. ITALIA ••..•.......•••••...•.••.••....••••..•

A) DEFINI~AO E NATUREZA JURIDICA •......•••.••....•••.• B) ORGAO ENCARREGADO E A FIGURA DO JU/Z GARANTE •••••••••.

a) 0 promotor investigodor ..................... . b) 0 juiz gorante ........................ _ .... .

C) OBJETO E SUA L1MITA~AO •••..•...•••••.....•••••.. 0) ATOS .•..•.•••.•...••. -•..•••••..•.•...•.•.. E) VALOR PROBATORIO ••.••...•••••.....•••..•...•.

IV. ALEMANHA •••••••.•..•••••....•••••.••..•..•• A) DEFINI~AO LEGAL E NATUREZA JURiDICA •...•.•..•.••....• B) ORGAO ENCARREGADO . • . . • • . • . • • . • • • . . • .• • • • • • • • . C) L1MITA~AO DO OBJETO E ATOS •.•.•.••. , •.•••.•.••....•

V. PORTUGAL •......•.•••••..••.••.•..•..••....•. A) OEFINI~AO LEGAL E NATUREZA JURIDICA •••• " ...••••.•..• B) ORGAO ENCARREGADO . • . • • • . . • • . . . . • • • • • . • . • • • • • . C) L1MITA~AO DO OBJETO E ATOS .•••••..•.••.••.•••..••• D) FASE INTERMEDIARIA .•••••••..•.•••...•..••..•.•

184. 184

185 186 187 188

191

193 196

203 203 205 i11 214 217 221 221 222 222 223 225 225 226 228 228 230 231 235 235 236 238 240

CAPiTULO VIII A BUSCA DO SISTEMA "IDEAL" ...•••.••.•••.•••.•••••.•• I. A CRISE DO INQUERITO POLICIAL ••••...••.•••.• " ••••.... II. A INVESTIGA~AO PRELIMINAR A CARGO DO MINISTERIO PUBLICO E A

FIGURA DO JU/I GARANTE ••..••.••. _ .•.••••.••.••• III. DETERMINAR A SITUA!;AO JURiDICA DO SUJEITO PASSIVO E A GARANTIA

DE UM CONTRADITORIO MiNIMO •.••..•..••.••.•••..•.• IV. A NECESSIDADE DE UMA INVESTIGA~AO EFETIVAMENTE SUMARIA E A

PENA DE INUT/L1IIAS/L1TA •...•.•..•.••.•••••..••... V. A FORMA DOS ATOS •••.••• " •.••..••..•..•..•..•••

CAPiTULO IX

SrrUA<;AO JURiDICA DO SUJEfTO PASSIVO NA INVESTIGAc;AO PRELIMINAR • I. PARTES au SUJE/TOS NA INVESTIGA~AO PREllMINAR •..•.•••..• II. TERMINOLOGIA UTILIZADA PARA DESIGNAR 0 SUJEITO PASSIVO .•..

III. CAPACIDADE E LEGITIMIDADE PASSIVA .•••••••.•.•••..•.. A) CAPACIDADE DO SUJEITO PASSIVO ...•..•.• : •••.•.••.••. B) LEGITIMIDADE PASSIVA ••..••.••..•.••..•.•••.•....

IV. 0 SISTEMA ESCALONADO E A GRADUAL CONCRE<;AO DO SUJEITO PASSIVO .

-CAPiTULO X

o INDICIADO NO SISTEMA BRASllEIRO ...•..•..••.••......

I. INDICIAMENTO .....•.....•••....•.•...••........ II. ClRCUNSTANCIAS PARA QUE SE PRODUZA A SITUA~AQ DE INDICIADO .

A) QUANDO EXISTE UMA PRISAO CAUTELAR .•••.•.....••.•... B) INDICIAMENTO SEM PREVIA PRISAO CAUTELAR •.•...•.••.•...

III. CONSEQO~NCIAS DO INDICIAMENTO ••.•...•••••.••..•.. A) CARGAS QUE ASSUME 0 INDICIADO .................•...... B) OIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS DO INDICIADO .•

a) Oireitos do indiciado preso '" ................. . b) Oireitos do indiciado em liberdade ............... .

CAPiTULO XI

BREVES CONSIDERA<;OES SOBRE A SITUA<;AO JURiDICA DO SUJEITO PASSIVO EM OUTROS ORDENAMENTOS •..•.....•...•...... I. ESPANHA •.•.••...•.•...•.••..••..•..•...•....

A) IMPUTADO .•..•...•••.•..••.••..•.....••.•..• B) PROCESSADO .••.•••.•.•••••.•••••..•.••..•.••

II. ITALIA ••.••.•.•..•..•••.••.••..••.•..••••.•. III. ALEMANHA ••••.•••.•..••..•..••..•..•....•••. IV. PORTUGAL •...••..••.••..•••.•..••.••••.••••..

243 243

246

250

253 256

259 259 261 264 264 267 268

271 271 274 275 277 281 281 282 282 283

287 287 287 290 292 296 298

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CAPiTULO XII

CONTEUDO DA INTERVEN<;AO DO SUJEITO PASSIVO NA INVESTIGA<;AO PRELIMINAR .... , ...•....•..•.•..•......... _ ..... I. 0 DIREITO DE DEFESA NA INVESTIGA~AO PRELIMINAR ..•....... II. DEFESA TECNICA ..•..•....... '; ..........•.......

A) 0 DEFENSOR ••••••••••• , ••••••••••••••••••••• B) GARANT/AS DO DEFENSOR •••••••••••••••••••••• , •••

II I. AUTODEFESA POSITIVA E 0 INTERROGATORIO POLICIAl ....•.... IV. AUTODEFESA NEGATIVA ........•.•.....•........... . A) DIREITO DE SILENCIO •••••••••••••••••••••••••••••

B) AUTODEFESA NEGATIVA, INTERVEN~OES CORPORAlS E PROPORCIONALIDADE • a) Argumentos contrarios a interven~ao corporal

sem 0 consentimento do imputado ..........•... ,. b) Delitos graves, interven~iies sem danos ou riscos

e 0 principio da proporcionalidade , ..•.......... ,'

CONClUSOES ........ , ............•.•..•......•.•

REFERENCIAS BIBllOGRAFICAS .........................

303 303 305 309 312 313 318 318 322

323

325

331

337

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Abreviaturas

CADH Conven~ao Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Sab Jose da Costa Rica) .

CB Constitui~ao brasileira CE Constitui~ao espanhola el Constitui~ao italiana . CM C6digo-Modelo de Processo Penal para fbero-America ep C6digo Penal brasileiro epc C6digo De Proces5o Civil brasileiro CPP C6digo De Processo Penal brasileiro epPF C6digo de Processo Penal frances CPPI C6digo de Processo Penal italiano CPPP C6digo de Processo Penal portugues HC Habeas Corpus IP Inquerito Policial

LECRIM C6digo de Processo Penal espanhol (Ley de Enjuiciamiento Cri­minal)

LO Lei Organica (Espanha)

LOPJ Lei Organica do Poder Judiciario (Espanha) . MF Ministerio Fiscal (denomina~ao do MP na Espanha)

MP Ministerio Publico RECR Recurso Extraordinario Criminal RDP Revista de Derecho Procesal RDPI Revista de Derecho Procesal Iberoamericana RESP Recurso Especial RHC Recurso de Habeas Corpus RT Revista dos Tribunais

STC Senten~a do Tribunal Constitucional (Espanha) STF Supremo Tribunal Federal (Brasil) ST J Superior Tribunal de Justi~a (Brasil) STS Senten~a do Tribunal Supremo (Espanha) STPO e6digo de Processo Penalalemao (Strasfprozessordnung) TEDH Tribunal Europeu de Direitos Humanos TC Tribunal Constitucional (Espanha) TRF Tribunal Regional Federal (Brasil) TS Tribunal Supremo (Espanha)

xv

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Page 10: Aury lopes jr   sistemas de investigacao preliminar no processo penal

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Prefacio

Sentimo-nos profundamente honrados com 0 convite para prefaciar este extraordimirio trabalho do Prof. Aury Lopes Junior, que tem se reve­lado um desses raros cultores do direito, em constante procura pelo saber, no infatigavel desvendar da ciencia juridica. A exuberancia quali­tativa do tr"abalho, confessamos, nao nos surpreendeu, pois conhecemos seu autor de longa data e temos acompanhado a sua grande evolu~ao cientifico-academica.

Aury Lopes Junior e um profundo investigador das ciencias juridico­processuais, sempre disposto ao aperfei~oamento pessoal, profissional e academico. E Doutor em Direito Processual pela Universidade Complu­tense de Madri, professor da Funda~ao Universidade Federal de Rio Grande, professor do Curso de Mestrado de Ciencias Criminais da Pontificia Universidade Cat6lica do Rio Grande do SuI.

A presente obra constitui uma sintese da Tese de Qoutorado do Prof. Aury Lopes Junior apresentada na Universidad Complutense de Madrid, sob o titulo Sistemas de instrucci6n preliminar en los derechos espanol y bra­silenos, com a qual obteve a nota maxima, com distin~ao e que, certa­mente, par todos as meritos, tornar-se-a um classico da literatura juddi­ca" brasileira.

o objeto de investiga~ao, nesta alentada obra, e a investiga~ao cri­minal preliminar, tambem conhecida como fase pre-processual. A despei­to da pouca importancia que desfruta no Brasil, como destaca Aury Lopes, o Processo penal sem investigac;ao preliminar Ii um processo irracional, uma figura inconcebive/'segundo a razao e 05 postulados da instrumen­talidade garantista. Mas ao contra rio da imensa maioria que se dedicou ao mesmo tema, a autor nao se"·limita a analisar 0 sujeito, isto e, quem deve presidir 0 inquerito policial, mas faz uma analise comparativa dos diversos sistemas de instru~ao preliminar em toda sua extensao, exami­nando as vantagens e os inconvenientes de cada um dos sistemas em todos as seus aspectos.

Come~a examinando "0 Fundamento da existencia do processo penal", onde destaca sua natureza instrumental que, necessariamente, deve ser garantista. A seguir analisa os sistemas de investigac;ao prelimi­nar, primeiramente em seus aspectos gerais.e, posteriormente, faz uma decomposi~ao dos sistemas de instru~ao preliminar, a partir do sujeito

xvii

Page 11: Aury lopes jr   sistemas de investigacao preliminar no processo penal

(juiz instrutor, promotor investigador e investiga~ao policial); objeto (ins: tru~ao plemi.ria au sumaria) e operaciona/izQI;iio (publicidade e sigilo dos atos). Criticamente.o autor procurou destacar as vantagens e desvanta· gens de cada um dos sistemas examinados. Concretamente, decomp6e a inquerito policial, que, afinal, corporifica a sistema investigatorio brasi· leiro, examinando seus topicos mais polemicos, tais como, valora~ao, nuli­dades, formalidades, posi~ao do Ministerio Publico, do Juiz, dos Tribunais perante 0 inquerito policia!. Conclui essa leitura critica analisando alguns sistemas de investiga~ao criminal de outros paises (Espanha, Fran~a, Italia, Alemanha e Portugal).

o Prof. Aury Lopes conclui essa analise critica com a ex'ame do que chama de "Linhas gerais de um sistema 'ideal' de investiga~ao preliminar para a processo penal brasileiro". Nessas considera~6es, registra "a crise do inquerito policial"; reflete sabre as figuras do Promotor-investigador e do Juiz-garante; question a a situa~ao juridica do sujeito passivo e susten­ta a necessidade da garantia minima de um contraditorio e advoga a necessidade de iJma investiga~iio sumaria. No entant(),--embora fale em "sistema ideal", a autor tem consciencia que nao existem solu~6es magi­cas e metodos absolutamente eficazes no combate it criminalidade e que nem se admite sonhar utopicamente com H erradica~ao desse flagelo da face da Terra; mas isso nao a impede de criar, de investigar, de apresen­tar sugest6es modernas e progressistas como ocorre no presente trabalho.

Por fim, conclui esta belissima obra, examinando a situa~ao juridica do sujeito passiv~ na investiga~ao preliminar, a imputado; prossegue exa­minando a sua condi~ao no sistema brasileiro; faz uma rapida mas profi­cua incursao sobre a situa~ao juridica do sujeito passivo em outros orde· namentos juridicos. Culmina com a exame da participa~ao do imputado na investiga,ao preliminar, particularmente com a amplitude de defesa au, se preferirem, com a sua inexistencia. .

Pela importancia, conteudo, atualidade e, particularmente, cientifi­cidade dos ultimos capitulos relativos ao sujeito passivo mereceriam uma obra exclusiva. Trata-se, com efeito, de uma obra de leitura obrigatoria nao apenas para consulta dos profissionais do direito, mas especialmente para os estudioSDS do Direito Processual Penal, pela.quantidade de infor­ma~6es, qualidade e profundidade dos raciocinios desenvolvidos e, inclu­sive, pela riqueza da consulta bibliogrMica.

Esta obrai alem de todos as seus meritos cientificos e doutrinarios, ganha maior relevancia em razao de surgir no momenta em que as inter­minilVeis reformas processuais penais acolhem grande parcela do pensa­menta elaborado e sustentado pelo Prof. Aury Lopes Junior.

xviii

Par todas essas raz6es, acreditamos, nenhum profissional do direito que se interesse pelo direito processual penal au que, de alguma forma, preocupe-se com a efetividade do processo, com a materializa~ao das garantias constitucionais, com a necessidade de renovar a arcaico proces­so penal brasileiro, pode deixar de conhecer este magnifico trabalho, que passa a ser bibliografia obrigatoria de todos as estudiosos do Direito Processual Penal, das universidades brasileiras, das Academias, enfim, das bibliotecas especializadas, pais se trata da mais modern a e mais atualiza­da obra cientifica de Processo Pena!.

Nao poderia concluir este breve prefacio, sem registrar nossos since­ros agradecimentos pela distin~ao com que fomos agraciados, permitindo­nos engenharizar a portico deste magnifico trabalho.que so honra as tra­di~6es literarias brasileiras, projetando seu autor, jovem e talentoso pro­fessor de processo penal, que ja se destacou em seu doutorado jiJnto it Universidade Complutense de Madri e, agora, come~a a registrar sua extraordinaria participa~ao nas letras juridicas de nosso pais.

Cezar Bitencourt

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Introdu~ao

A presente obra e, na sua essencia, uma apertada sintese da nossa tese doutoral intitulada Sistemas de Instrucci6n Preliminar en los Derechos Espaiiol y Brasileiio (Con Especial Referencia a la Situaci6n del Sujeto Pasivo del Proceso Penal), 895 paginas, que realizamos na Universidad Complutense de Madrid, e que foi aprovada no dia 28 de junho de 1999 com nota maxima (sobresal/ente) e voto de louvor unanime.

A ordem dos vocabulos expressa 0 predominio do objeto (sistemas de instru~ao/investiga~ao) sobre 0 sujeito (passivo), de modo que a exposi· ~ao se centrara em analisar um determinado momenta 0 fase do processo penal levando em considera~ao - especialmente - a situa~ao juridiea de um dos intervenientes.

Por que analisar a investiga~aol preliminar? Porque 0 processo penal sem a investiga~ao preliminar e um proces­

so irracional, uma figura inconcebivel segundo a razao e os postulados da instrumental/dade garantista. E uma pe~a fundamental para 0 processo penal e, no Brasil, provavelmente por culpa das deficiencias do sistema adotado (inquerito policial), tem sido relegada a um segundo plano. Nao se deve julgar de imediato, principalmente em um modelo como 0 nosso, que nao contempla uma "fase intermediaria" contraditoria.

Em primeiro lugar, se deve preparar, investigar e reunir elementos que justifiquem 0 processo ou 0 nao·processo. E um grave equivoco que primeiro se acuse, para depois investigare ao final julgar. 0 processo penal encerra um conjunto de "pen as processuais" que fazem com que 0

ponto nevralgieo seja saber se deve ou nao acusar. Na atualidade, predomina 0 entendimento. de que 0 nosso sistema

polieial de investiga~ao preliminar precisa ser reformulado. toque chao . mamos de crise do inquerito pOlieiaf.

Em torno do tema, proliferam trabalhos juddicos, Inobstante a qua­lidade de muitos deles, todos pecam em um mesmo aspecto: foram pon­tuais, limitados a analisar apenas 0 sujeito, ou seja, se 0 Ministerio Publico deve ou nao ser a autoridade encarregada do inquerito policial. Entendemos -que seria uma contribui~ao util um trabalho com enfoque

Oesde lo,go e importante destacar que utilizamos indistintamente as expressoes Investiga­t;ao/instrUl;ao preliminar para designar a fas~ pre-processual, no Brasil representada pelo inquerito pallcial. Sabre a terminologia, remetemos 0 leitor aa capitulo II.

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geral, comparando os sistemas de instru~ao preliminar em toda sua mag-" nitude. Tambem propomos uma releitura do inquerito policial, a partir de uma vi sao garantista, mais acorde com os postulados de um moderno pro­cesso penal em um estado de direito. A isso tende nossa exposi~ao.

A nosso i!-li'zo". qualquer cambio deve partir de uma analise global, que verifique as vantagens e os inconvenientes de cad a um dos sistemas em todos seus aspectos. Por isso, nao basta discutir qual deve ser 0 orgao encarregado da investiga<;ao, senao que se deve analisar a totalidade de sua estrutura e fun<;ao. Desde 0 primeiro ponto de vista, deve-se exami­nar nao so 0 que concerne ao sujeito, mas tambem ao objeto e os atos. Desde,o segundo aspecto, deve ser estudado seu fim institucional.

Por questao de simetria,2 0 problema juridico-processual e melhor analisado quando decomposto em tres partes. 3 Por isso, observamos a investiga~ao preliminar a partir do trinomio sujeito, objeto e atos.

o moderno processo penal e os postulados de garantia do individuo num estado de direito nos levam a apontar para a sujeito passivo como 0

parametro para qualquer modifica<;ao evolutiva, inclusive porque ele e 0

protagonista de IQ justicia penal, el eje en tomo del cual gira el proce-50. 4 Por isso, depois de analisar a investiga<;ao preliminar, nos ocuparemos de verificar a situa<;ao do sUjeito passivo nesse contexto.

Desde 0 ponto de vista do sujeito passivo, pode-se afirmar que a fase processual do processo penal brasileiro esta estruturada conforme 0 siste­ma acusat6rio, com plena observancia do contraditorio.e.do direito de defe­sa. 0 grande problema esta na fase preliminar, em que 0 inquerito policial ademais de inquisitiv~, limita ao extremo a interven<;ao do imputado.

Partindo da premissa de que 0 estado deve perseguir a justic;a como valor fundamental do ordenamento juridico, e que, por isso, nao pode libertar-se do onus de excluir aquelas atividades que nao estiverem dirigi­das para a realiza<;ao daquele valor, devemos discutir os problemas do inquerito policial-e buscar soluc;6es e modelos alternativos.

Iniciamos com 0 "fundamento da existemcia do processo penal: ins­trumentalidade garantista", um problema crucial do processo penal, cuja

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Esse fenomeno fai multo bern observado por CARNELUnI (Metodo/ogla del Diritto, pp. 94 e seguintes). Basta veriflcar que sao tres as pIanos do tridimenslonalismo (fato, valor e norma); que 0 con­ceito formal de dellto e tripllce (ato tipico, i1icitude e culpabilidade); que para analisar as nuli­dades devemos verlficar as tres pIanos (existencla, valldade e eflcacia); que no processo sao tres as sujeitos que intervem; que sao tres as momentos do procedimento (atos de Inicia«;ao, desenvolvimento e terminac;ao); que a sentenc;a esta composta de tres partes (reratorio, moti­va«;ao e disposltlvo); etc. GUARNIERI, Jose. Las Partes en et Proceso Penal, pp~ 272 e seguintes.

Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

analise foi fundamental para definir os parametros logicos que orientaram toda nossa atividade de interpreta<;ao e integra<;ao das normas ante os problemas juridicos-processuais propostos. Ao estudar a instru<;ao prelimi­nar, nao podemos esquecer seu carater instrumental em rel.a<;ao ao pro­cesso e, como instrumento a servil;o do instrumento-processo, nao pode se afastar da instrumentalidade garantista, que justifica a propria exis-' tencia do processo penal.

Apos, iniciamos 0 estudo dos sistemas de investiga~ao preliminar. Come<;amos por algumas considera<;6es gerais, importantes para definir a terminologia adotada, nossa posi<;ao sobre a natureza juridica dos atos e os caracteres determinantes da instrUl;:ao preliminar. Tambem definimos 0

fundamento da existencia da investiga<;ao preliminar, um ponto crucial e que nao tem merecido a devida aten<;ao pela doutrina. Apos essas consi­dera<;6es gerais, entramos no estudo dos sistemas de instru<;ao preliminar no plano teorico-abstrato, decompondo-os a partir do sujeito (juiz instru­tor, promotor investigador e investiga<;ao policial); objeto (instru<;ao ple­naria e sumaria) e os atos (especial mente publicidade e segredo das atua­~6es). Nessa analise critica, contrastamos as principais vantagens e incon­venientes de cada ponto estrutural.

No plano concreto, decompomos 0 inquerito policial e verificamos seus pontos mais problematicos, como a valor<I~1io probatoria, nulidades, a postura do juiz e do MP frente ao inquerito etc. Para completar, anali­samos alguns sistemas de instru,ao preliminar de outros paises (Espanha, Fran~a, Italia, Alemanha, Portugal). Terminamos com as linhas mestras do que denominados de modelo ideal para substituir 0 inquerito polkial.

Os ultimos capitulos ocupam-se do sujeito passiv~ da investiga<;ao preliminar. Partindo da eXistencia de partes no processo e meros sujeitos na fase pre-processual, an'alisamos aspectos da nomenclatura, quem pode ser sujeito passiv~ (capacidade/legitimidade) e, ao final,qual e a situa­,ao juridica do sujeito passiv~ na instru,ao preliminar. Outro gravissimo problema do inquerito policial e 0 mais completo confusionismo acerca da situa<;ao juridica do sujeito passivo. Sobre a figura do indiciamento pairam inumeras duvidas, principalmente quando nao existe uma prisao cautelar. Em nenhum momento 0 CPP define claramente a situa<;ao do sujeito pas­sivo nao submetido a uma prisao cautelar. Entre as incertezas, questiona· mos: a partir de que momento atguem deve ser considerado como sujeito passiv~; que circunstancias devem concorrer para que se produza a situa­<;ao de imputado; de que forma deve formalizar-se essa situa<;ao; que con­sequencias endoprocedimentais produz 0 indiciamento; que cargas assu­me 0 sUjeito passiv~; que direitos the corresponde etc.

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Enfim, reina a mais absoluta incerteza, em inequivoco detrimento da" sua situa~ao juridica, do status libertatis e da propria dignidade pessoal do sujeito passivo. Sao graves os prejuizos para a defesa, tanto pessoal como tecnica. Isso tudo sem falar nos graves inconvenientes que surgem por alguem ser acusado sem antes haver sid<Hormalmente imputado. Ou ainda, o que e pior, quando 0 sujeito passivo comparece ante a autoridade polio cial na situa~ao de testemunha quando deveria faze-lo na condi~ao de imputado, com todas as garantias inerentes a essa figura. 1550 e uma repug­nante praxis policial, que, aliada a lacuna legal, deve ser abolida. Esses sao alguns dos pontos analisados tambem a luz do direito comparado.

Finalizamos com 0 estudo dos atos da investiga~ao preliminar desde o ponto de vista do conteudo da interven~ao do sujeito passivo. Partimos da premissa de que a interven~ao do sujeito passiv~ manifesta-se pelo exercicio do direito de defesa - resistencia a pretensao acusatoria --, e assim nos centramos no exercicio da defesa tecnica e da autodefesa (posi­tiva e negativa).

Nas conclusoes, enumeramos os principais pontos deduzidos a partir do que foi apresentado e analisado, 0 que nao exclui a existencia de diver­sas outras conclusoes diluidas ao longo da exposi~ao.

Por fim, destacamos que 0 elevado numero de cita~6es de doutrina estrangeira nos levou a evitar as cita~6es literais, na lingua originaria e no corpo do texto. Ainda" que fieis a ideia do autor," preferimos tradu~6es livres as cita~6es literais. Desta forma, a leitura e" mais facil e fluida, nao prejudicando a qualidade da exposi~ao.

" Em definitivo, pretendemos expor .as diversas falhas e lacunas que apresenta 0 nosso sistema de investiga~ao preliminar, ao mesmo tempo em que sugerimos algumas alternativas. Acima"de tudo, buscamos desper­tar a consciencia da importancia da fase pre-processual. Certamente, por culpa das imperfei~6es do inquerito policial, acabamos cometendo no Brasil 0 erro de desprezar essa atividade preparatoria e isso e um gravis­simo equivoco, pois 0 processo penal sem uma previa investiga~ao e total­mente contrario aos postulados da instrumentalidade garantista e da pro­pria razao.

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Capitulo I Fundamento da Existencia do Processo Penal:

Instrumentalidade Garantista

o homem e um ser coexistencial, que nao pode subsistir por longo tempo independente de qualquercontato; ao oposto, devido a natureza de suas condi~6es existenciais, todas as pessoas dependem do intercam­bio, dacolabora~ao e confian~a reciproca.1 Ao nao alcan~ar sua plenitUde isoladamente, esta obrigado a manter" contato com outros homens. Inobstante, 0 homem e um animal insatisfeito, insatisfeito precisamente em rela~ao aos que convivem com ele, e isso arranca-lhe uma serie de ati­tudes sociais, de conflitos sociais. Esses conflitos intersubjetivos de inte­resses devem ser regulados pelo direito, sob pena de colocar em riseo a propria manuten~ao da vida em sociedade. Tal conflito vem caracterizado como uma colisao de aUvidades entre os diversos membros da comunida­de, ou seja, como uma incompatibilidade exteriorizada entre varias atitu­des dinamicas assumidas pelas partes que dao lugar ao conflito.2

Em linhas gerais, 0 Direito Penal surge como um importante instru­mento de manuten~ao da paz social, e, como resume Jescheck, 3 la mision del derecho penal es la proteccion de la convivencia humana en la comu­nidad. No mesmosentido, Wessels· explica que a tarefa do Direito Penal e a prote~ao dos valores elementares da vida comunitaria, no ambito da ordem social, e como garantidor da manuten~ao da paz juridica.

o injusto tipico surge quando falha 0 Direito Penal em sua fun~ao de pre­venir infrQ(;aes juridicas no futurcr - fun~o de preven~ao - e advem uma con­duta humana voluntaria, finalisticamente dirigida, que lesionaou expiie a peri­go esses bens e valores reconhecidos e protegidos pelo ordenamento, gerando um juizo de desvalor da a~ao e tambem de desvalor do resultado. Esse juizo de desvalor, em ultima analise, exterioriza-se mediante a aplica~ao de uma pena (ou medida de seguran~a) e corporifica a fun~ao repressiva do Direito Penal.

Mas 0 Direito Penal e despido de coer~ao direta e, ao contrario do dir,ei­to privado, nao tem atua~ao nem realidade concreta fora do processo cor­respondente. Para que pos~a ser aplicada uma pena, nao s<,>,e necessario que

JESCHECK, Hans Heinrich. Tratado de Derecho Penal, parte geral, pp. 2 e seguintes. GUASP, Jaime. "La Pretensf6n Procesal lt

, In Estudlos lurid/cos, p. 582. Idem.

4 Dire/to Penal - parte geral, p. 3. 5 JESCHEK, Hans Hplnrich. Ob. cit., p. 3.

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exista urn injusto dpico, mas tambem que exista previamente 0 devido pro· cesso penal. A pena nao s6 e efeito juridico do deli to, 6 senao que e urn efei· to do processo; mas 0 processo nao e efeito do delito, senao da necessida­de de impor a pena ao delito por meio do processo. Por isso, a pena depen· de da existencia do delito e da existencia 'efetiva e total do processo penal, posto que se 0 processo termina antes de desenvolver·se completamente (arquivamento, suspensao condicional etc.) ou se nao se desenvolve de forma valida (nulidade), nao pode ser imposta uma pena.

Existe uma intima e imprescindivel rela~ao entre delito, pena e pro­cesso, de modo que sao complementares. Nao existe delito sem pena,

,nem pena sem delito e processo, nem processo penal senao para determi­nar 0 delito e impor uma pena.

Dentro dessa intima rela~ao entre 0 Direito Penal e 0 processo penal, deve-se apontar que ao atual modelo de Direito Penal minima correspon­de urn processo penal garantista. So urn processo penal que, em garantia dos direitos do imputado, minimize os espa~os improprios da discriciona­riedade judicial, pode oferecer urn solido fundamento para a independen­cia da magistratura e ao seu papel de controle da legalidade do poderJ

. A evolu~ao do processo penal esta intima mente relacionada com a pro· pria evolu~ao da pena, refletindo a estrutura do Estado em urn determinado periodo, ou, como prefere J. Goldschmidt,8 los principios de la politica pro· cesal de una nacion no son otra cosa que segmentos de su politica estatal en general. Se puede decir que la estructura del proceso penal de una nacion no es sino el termometra de los elementos corporativos 0 autoritarios de su Constitucion. Partiendo de esta experiencia, la ciencia procesal ha desarrol­lado un numero de principios opuestos constitutivos del proceso.

A titularidade do direito de punir por parte do Estado surge no momento em que e suprimida a vingan~a privada e sao implantados os cri· terios de justi~a. 0 Estado, como ente juridico e politiCO, avoca para si 0

direito (e tambem 0 dever) de proteger a comunidade e inclusive 0 pro· prio delinqOente, 'como meio de cumprir sua fun~ao de procurar 0 bern comum, que se veria afetado pela transgressao da ordem juridico'penal, por causa de uma conduta delitiva.9

A medida que 0 Estado 'se fortalece, consciente dos perigos que encerra a autodefesa, assumira 0 monopolio da justi~a; produzindo·se nao

Como exlica GOMEZ ORBANEJA, Comentarios a la Ley de Enjuicfamfento Criminal, tomo I, pp. _ . 27- e.segulntes. 7 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Raz6n - Tear/a del Garantisma Penal, p. 10. e Problemas Juridicos y PolitiCOS del Proceso Penal, p. 67.

ARAGONESES ALONSO, Pedro. [nstltuc;ones de Derecho Procesal penal, p. 7.

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Sistemas de Investiga,ao Preliminar no Processo Penal

so a revisao da natureza contratual do processo, senao a proibi~ao expres. sa para os particulares de tomarem a justi~a p~r suas proprias maos. Frente it viola~ao de urn bern juridicamente protegido, nao cabe outra ati­vidade lO que nao a invoca~ao da devida tutela jUrisdicional. Impoe-se a necessaria utilizas:ao da estrutura preestabelecida pelo Estado - 0 pro­cesso judicial - em que, mediante a 'atuas:ao de urn terceiro imparcial, cuja designa~ao nao corresponde it vontade das partes e resulta da impo­si~ao da estrutura institucional, sera solucionado 0 conflito e sancionado o autor. 0 processo, como institui~ao estatal, e a unica estrutura que se reconhece como legitima para a imposi~ao da pena.

Depois dessa breve introdu~ao, cumpre buscar uma resposta para a proposi~ao de J. Goldschmidt:" por que supoe a imposi~ao da pena a exis­tencia de urn processo? Se 0 ius puniendi corresponde ao Estado, que tern o poder soberano sobre seus suditos, que acusa e tambem julga por meio de distintos 6rgaos, pergunta-se: por que necessita que prove seu direito em urn processo?

Para 0 autor,12 a necessidade de proteger os individuos-contra os abu . sos do poder estatal e uma "constru~ao tecnica artificial" que nao conven. ceo Segundo 0 autor, para compreender essa defini~ao, e necessario ana. lisar a natureza da pen a estatal, pois a pena se impae mediante um pro­cesso porque e uma manifestac;ao da justic;a e porque 0 processo e 0 cami. nho necessario, e a jurisdiC;tio penal e a antitese da jurisdic;tio civil, por­que ambas representam os doisJ(l.mos da justic;a estabelecida por AristOteles, ou seja, da justi~a distributiva (civil) e corretiva (penal). A justifica~ao do processo penal esta posta na essencia mesma da justi~a.

Entendemos que a fundamenta~ao do autor deve ser vista, na atuali­dade, nao como urn ponto final, mas como urn marco de initio do estudo. Os modern os postulados de garantias processuais e constitucionais do Estado de Direito nos levam a afirmar que os argumentos do jurista ale­mao sao - hoje - insuficientes. Devemos continuar buscando urn funda. mento que justifique a existencia do processo penal, tra~ando uma logica interpretativa de acordo com nosso atual momento politico-processual.

Esse sera 0 objetivo do presente capitulo.

10 Salvo aquelas protegidas pelas causas de exclusao da IJlcitude ou da culpabilldade jurldlca~ mente reconhecldas pelo Direito Penal.

11 Problemas Juridicos y PolitiCOS del Proceso Penal, p. 7. 12 Idem, pp. 7 .. 17 e 21.

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I. A INSTRUMENTALIDADE E 0 GARANTISMO

A evolUl;ao do processo penal esta intimamente relacionada com a evolu~ao da pena, que por sua vez e Tefl~xo da estrutura do Estado em urn determinado periodo. 0 processo surge com 0 terceiro estagio de desen­volvimento da pena, agora como "pena estatal", que vem marcada por uma limita~ao juridica do poder de perseguir e punir. A pena somente pode ser fmposta mediante 0 processojudicial e pelo Estado.

A) A EXLUSIVIDADE ESTATAL DA PENA E DO PROCESSO

o primeiro ponto que deve ser esclarecido, sem embargo da inesti-I

mavelli~ao de J. Goldschmidt, e 0 fato de que 0 modern6 Direito Penal ja abandonou as teorias retributivas, pela sua inutilidade para a reinser~ao social do condenado. Como explica Roxin,13 a Teoria Unitaria (mista)e a que melhor explica a atual fun~ao da pena. Segundo essa ideia, deve-se atribuir Ii pena a combina~ao dos tres principios inspiradores (retribui~ao, preven<;:ao especial e preven~ao geral), conforme 0 momenta em que esti· ver sendo analisada: momento da previsao legal, momenta da determina· ~ao judicial e a fase de execu~ao da pena.

No primeiro momento, a pena deve ter a fun~ao de proteger os bens juridicos, criandoa ideia de preven~ao geral por meio da intimida~ao coletiva e abstrata, inibindo as pessoas de cometer delitos. Em sintese, e um instrumento dirigido a coibir delitos.

No segundo momento, determi!1a~ao judicial, 0 juiz devera individua­lizar a pena (dosimetria) conforme as caracteristicas-'do delito e do autor. Ao impor a pena, 0 juiz, concretiza a amea~a contida no tipo penal abstra­to, atendendo ainda ao fim de preven~ao geral. Por fim, na terceira fase (cumprimentolexecu~ao da pena), obtem-se a preven~ao especial e pre­tende-se a reinser~ao social e reeduca~ao 14 do condenado.

Os fins da pena devem ser perseguidos no marco penal estabelecido pela culpabilidade pessoal do sujeito (juizo de desvalor doautor do fato) , na medi­da mais equilibrada possivel, podendo variar ainda, em uma' ou outra dir~ao, segundo as caracteristicas do caso concreto (desvalor dei, fato do autor).

13 Com ARZT e TIEDEMANN, Introduce/on al Derecha Penal y af Derecho Penal procesal, pp.-63 e seguintes. Tambem ern portugues, Problemas Basicos de Dlreito Penal, pp. 48 e segulntes.

14 Se no plano te6rico ja esta superada a idela de pena como mel<! retrlbul~ao, como aludla GOLDSCHMIDT, no plano pratlco tal conota~ao esta em plene vigor, pols a relnser~o social e a reeduca~ao do condenado sao fins Inalcan~aveis em _ nossa falldo sistema carcerario, levan~ do-nos urna vez mals a Insuperavel dlcotomia entre 0 ser e 0 dever ser do dlrelto.

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

No direito privado, as normas possuem uma eficacia direta, imedia­ta, pois os particulares detem 0 poder de praticar atos juridicos e nego­cios juridicos, de modo que a incidencia das normas de direito material, sejam civis, comerciais etc., e direta. As partes materiais, em sua vida diaria, aplicam 0 direito privado sem qualquer interven~ao dos orgaos jurisdicionais, que em regra' sao chamados apenas para solucionar even- ' tuais conflitos surgidos pelo incumprimento do acordado. Em resumo, nao existe 0 monopolio dos tribunais na aplica~ao do direito privado e ni siquiera puede decirse que estadisticamente sean sus aplicadores mas importantes. 15

Por outro lado, totalmente distinto e 0 tratamento do Direito Penal, pOis, ainda que os tipos penais tenham uma fun~ao de preven~ao geral e tambem de prote~ao, 16 sua verdadeira essencia esta na peria e a pena nao pode prescindir do processo penal. Existe um monopolio ,da aplica~ao da pen a por parte dos orgaos jurisdicionais e isso representa um enorme avan~o da humanidade.

Destarte, fica estabelecido 0 carater instrumental do processo penal com rela~ao ao Direito Penal e Ii pena, pois a processo Ii! 0 caminho neces-seirio para a pena. ,

E 0 que Gomez Orbaneja 17 denomina de principia de la necesidad del proceso penal, amparado no art. 12 da LECrim,18 pois nao exf!;te delito sem pena, nem pena sem delito e processo, nem processo penal senclo para determinar 0 de/ito e atuar a pena. 0 principio apontado pelo autor resulta da efetiva aplica~ao no campo penal do adagio Latino nulla poena et nulla culpa sine iudicio, expressando 0 mono polio da jurisdis:ao penal por parte do Estado e tambem a instrumentalidade do processo penal.

Sao tres19 os monopolios estatais: exclusi"idade do direito penal, eXclusividade pelos Tribunais e exclusivieade processual.

Como explicamos anteriormente, a pena e, atualmente, estatal (pu­blica), no sentido de que 0 Estado substituiu a vingan~a privada e comJsso estabeleceu que a pen a e uma rea~ao do Estado contra a vontade indivi­dual. Esta proibida a autotutela e a "justi~a pelas proprias maos". A pena deve estar prevista em um tipo penal e cum pre ao Estado definir os tipos

15 MONTERO AROC~ Juan. Pn'nciplos del Proceso Penal, p.lS. 16 A tlplcldade serve nao 56 para a protec;ao de bens jurldlcos, mas tambem para proteger os lndl.

vfduos contra os abusos do Estado em sua atlvidade de persegulr e punlr. 17 Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal, tomo I, p. 27. 18 Norma processual penal espanhola - Ley de Enjuiciamlento Criminal. 19 Segulndo MONTERO AROCA, Principlos del Proceso Penal, pp. 16 e seguintes.

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penais e suas conseqi.ientes penas, ficando 0 tema completamente fora da disposi~ao dos particulares.20 .

Entendemos que a exclusividade dos tribunals em materia penal deve ser analisada em conjunto com a excluslvidade processual, pois, ao mesmo tempo em que o· Estado preve que so os tribunais podem declarar o delito e impor a pena, tam bern preve a imprescindibilidade de que essa pen a venha por meio do devido processo penal. Ou seja, cumpre aos jui· zes e tribunais declarar 0 delito e determinar a pen a proporcionalaplica· vel, e essa opera~ao deve necessariamente percorrer 0 leito do processo penal valido e com todas ·as garantias constitucionalmente estabelecidas para 0 acusado. '

Aos demais poderes do Estado, Legislativo e Executivo, esta veda­da essa atividade. Inobstante, como destaca Montero Aroca,21 absurda­mente .. . se constata dia a dia que las leyes van permitiendo a los orga­nos administrativos imponer sanciones pecuniarias de tal magnitud, muchas veces, que ni siquiera pueden ser impuestas por los tribunales como penas.

Outra situa~~o que nos parece inaceitavel e a aplica~ao de uma pena sem que tenha antecedido na sua totalidade urn processo penal valido, como ocorre, v.g., na transa~aci penal prevista no art. 76 clc 85 da Lei nQ 9.099. Os referidos dispositivos permitem que a pen a de mUlta, aplicada de forma imediata na audiencia preliminar, seja convertida em pena pri­vativa de liberdade ou restritiva de direitos, quando nao for paga pelo acusado. 0 resultado final e absurdo: uma pena privativa de liberdade (fruto da conversao), sem culpa e sem que sequer tenha existido 0 pro­cesso penal. E um exemplo de subversao de principios garantidores basi­cos do processo penal.

Por fim, destacamos que 0 processo penal constitui uma instilncia formal de controle do crime, 22 e, para a Criminologia, e uma rea~ao formal ao delito e tambem pode ser considerado como urn instrumen­to de sele~{jo, principalmente nos sistemas juridicos que adotam prin­cipios como da oportunidade, plea bargaining e outros mecanismos de consenso.

20 Inobstante, cum pre destacar que a monop6Ho estatal de perseguir e punir esta sendo questio­nado a cada dia com mais forc;a, com 0 implemento de principlos como aportunidade e conve­niencia da ac;iiQ-penal, aumento do ntimero de delltos de ac;ao penal privada au publica condl­cionada e com as possibilidades de transac;ao penal (plea bargaining).

21 Principios del Proceso Penal, p. 19. 22 Conforme explicam FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE na obra Crimlno/ogia, pp. 365 e

seguintes.

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Sistemas de Investiga<;ao Preliminar no Processo Penal

B) A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO PENAL

Estabelecido 0 monopolio dajusti~a estatal e do processo, tratare­mos agora da instrumentalidade. Desde logo, nao devem existir pudores em afirmar que 0 processo e urn instrumento e que essa e a razao basica de sua existencia. Ademais, 0 Direito Penal careceria por completo de efi­caeia sem a pena, e a pen a sem processo e inconcebivel, urn verdadeiro retrocesso, de modo que a rela~ao e, intera~ao entre Direito e Processo e patente. .

A strumentalitiI23 do processo penal reside no fato de que a norma penal apresenta, quando comparada com outras norm as juridicas, acarac­teristica de que 0 preceito tern como conteudo urn determinado compor­tamento proibido ou imperativo e a san~ao tern como destinatario aquele poder do Estado, que e chamado a aplicar a pena. Nao e possivel a apli­ca~ao da reprova~ao sem 0 previo processo, nem mesmo no caso de con­sentimento do acusado, pois ele nao pode submeter-se voluntariamente a pena, senao por meio de um ato judicial (nulla poena sine iudicio). Essa particularidade do processo penal demonstra que seu carater instrumen­tal e mais destacado que no processo civil.

Inobstante, e fundamental compreender que a instrumentalidade do processo nao tern uma visao exclusivamente juridica e tampouco juridico­processual. Nao e urn instrumento que tern como unica finalidade24 a satis-' fa~ao de uma pretensao (acusatoria) ou a justa composi~ao da lide (pro­cesso civil). E 0 que Barbosa Moreira25 denomina problematica essencial da efetividade do processo e que serve de ponto de partida para. situar um dos mais graves problemas do processo: 0 que se entende par instrumen­tali dade.

Explica Rangel Dinamarco,26 em sua magistral obra A Instrumen­talidade do Processo, que a instrumentalidade pode ser classificada em negativa e positivaP

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23 Como explica LEONE, Element; di Diritto e Procedura penafe, p. 189. 2.4 Finalidade e objeto sao colsas distintas, permitindo dizer que as flnalidades do processo van

mais alem de seu objeto. Por 1550, nao exlste nenhuma contradil;ao entre pluralidade de fun­~oes com 0 fato de ser a pretensao acusat6ria 0 objeto unico do processo penal {seguindo a teoria do objeto de James Goldschmidt, especial mente na obra Problemas Juridlcos y Politlc.os del Proceso penal}.

2S "Notas sobre 0 Problema da Efetlvidade do Processo". Revlsta AJURI5, vol. 29, P.orto Alegre, 1983. .

26 Sao Paulo: Malheiros, 1990. 27 A Instrumentalidade do Processo, p. 456. Sem embargo, como extema 0 titulo da monografia,

a ideja do autor encontra-se dilufda em toda a obra.

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A instrumentalidade negativa corresponde a nega~ao do processo como um fim em si mesmo e significa um repudio aos exageros processua· listicos e ao excessivo aperfei~oamento das formas (instrumentalidade das formas, com relevantissimasconseqiiencias no sistema de nulidades).

A instrumentalidade positiva esta caracterizada pela preocupa~ao em extrair do processo (como instrumento) 0 maximo proveito quanto a obten~ao dos resultados propostos e confunde-se com a problematica acerca da efetividade do processo, de modo que ele devera cumprir inte· gralmente toda a fun~ao social, politica e juridica. Sao quatro os aspectos fundamentaisda efetividade: a) admissao em juizo; b) modo de ser do processo; c) justi~a dasdecis6es; d) utilidade das decis6es.

A conclusao e que 0 processo nao pode ser considerado como um fim em si mesmo, pois sua razao de existir esta no carater de instrumento­meio para a consecu~ao de um fim. Esse fim nao deve ser exclusivamente juridico, pois a instrumentalidade do sistema processual nao esta limita­da ao mundo juridico (direito material ou processual). Por esse motivo, 0

processo deve tambem atender as finalidades sociais e politicas, configu­rando assim a finalidade metajuridica28 da jurisdi~ao e do processo.

Com isso, 0 processo penal deve preocupar·se com a pacifica~ao social, com 0 bem comum, e possui inclusive um caniter educacional, ou seja, e urna tendencia universal, no que se refere aos fins do processo e do exerci·

. cio da jurisdi~ao, 0 abandono das formulas exclusivamente juridicas.29

Outra tendencia, tambem apontada por Rangel Dinamarco, e a visao liberal da jurisdi<;ao, como meio de tutela do individuo frente aos possi­veis abusos ou desvios de poder dos agentes es.tatais: e 0 equilibrio .' . entre os valores poder e liberdade.

Resulta imprescindivel visualizar 0 processo desde seu exterior, para constatar que 0 sistema nao tem valor em si mesmo, senao pelos objetivos que e chamado a cumprir. Em uma perspectiva interna - atos do processo - verifica-se que cada um deles tem fun~6es frente ao direito material, a sociedade e ao Estado. Isso nao implica, de nenhum modo, desrespeitar 0

sistema processual ou defender um retrocesso, mas sim reconhecer seu verdadeiro status de instrumento autonomo a servi~o do Direito Material, do Estado e da sociedade, e que, por si so, carece de· razao de existir.

A independencia conceitual e metodologica do Direito Processual com rela~ao ao direito material foi uma conquista fundamentaL Direito e pro-

28 A Instrumentalidade do Processo, especialmente a parte segunda. 29 RANGEL DINAMARCO. Ob. dt., p. 219.

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-" Sistemas de Investiga~o Preliminar no Processo Penal

cesso constituem dois pianos verdadeiramente distintos no sistema juridi­co, mas estao relacionados pela unidade de objetivos sociais e politicos, o que conduz a uma relatividade do binomio direito-processo (substance­procedure).30

Respeitando sua separa~ao institucional e a autonomia de seu trata­mento cientifico, 0 processo penal esta a servi~o do Direito Penal, ou, para ser mais exato, da aplica~ao desta parcela do direito objetivo. 31 Por esse motiv~, nao pode descuidar do fiel cumprimento dos objetivos tra~a­dos por aquele, entre os quais esta 0 de prote<;ao do individuo.

Como explica Rangel Dinamarco, a autonomia extrema do processo com rela~ao ao direito material foi importante no seu momento, e, sem ela, os processualistas nao haveriam podido chegar tao longe na constru­~ao do sistema processuaL Mas isso ja cumpriu com a sua fun~ao. A acen­tuada visao autonoma esta em vias de extin~ao e a instrumentalidade esta servindo para relativizar 0 binomio direito-processo; para--a libera~ao de velhos conceitos e superar os limites que impedem 0 processo de alcan~ar outros objetivos, alem do limitado campo processuaL

A ciencia do processo ja chegou a um ponto de evolu~ao que the per­mite deixar par ... tras tOdos os medos e preocupa~6es de ser absorvida pelo direito material, assumindo sua fun~ao instrumental sem qualquer menos­prezo. 0 Direito Penal nao pode prescindir do processo, pois a pen a sem processo perde sua aplicabilidade_

Com isso, concluimos que a instrumentalidade do processo penal e 0

fundamento de sua eXistencia, mas com uma especial caracteristica: e um instrumento de prote~ao~os direitos e garantias individuais. E uma espe­cial conota~ao do carater instrumental e que so se manifesta no processo penal, pois se trata de instrumentalidade relacionada ao. Direito Pen'al, a pena, as garantias constitucionais e aos ·fins politicos e~:sociais do proces­so. E 0 que denominamos instrumentalidade garantista.

C) A TEORIA DO GARANTISMO E 0 PROCESSO PENAL

Nessa mesma linha de democratiza<;ao substancial da justi~a, atual­mente propugna-se com muita propriedade por um modelo de justi~a garantista ou garantismo penal, cujo ponto de partida passa necessaria­mente pela teo ria estruturada par Ferrajoli. 32

30 RANGEL DINAMARCO. ~b. cit. p. 454. II OLIVA SANTOS, na obra coletiva Derecho Procesal Penal, p. 6. 32 0 que segue e uma analise de dlversos pontes da obra Derecho y Raz6n - Tecria del

Garantismo Penal, de LUIGI FERRAJOLI. Apesar de ser urn dos principals expontes do que

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E importante destacar que 0 garantismo nao tem nenhuma rela~,ao com 0 mero legalismo, formalismo ou mero processualismo. Consiste na tutela dos direitos fundamentais, os quais - da vida a liberdade pessoal, das liberdades civis e politicas as expectativas sociais de subsistencia, dos direitos individuais aos coletivos - representam os valores, os bens e os interesses, materiais e prepoliticos, que fundam e justificam a existencia daqueles artificios - como chamou Hobbes - que sao 0 Direito e 0 Estado, cujo desfrute por parte de todos constitui a base substancial da democra­cia. 33 Dessa afirma~ao de Ferrajoli e possivel extrair um imperativo basi­co: 0 Direito existe para tutelar os direitos fundamentais.

Superado 0 tradicional ccinflito entre direiti:inatural-direito positivo, tendo em vista a constitucionaliza~ao dos direitos naturais pela maioria das constitui~6es modernas, 0 problema centra-se agora na divergencia entre 0 que 0 Direito e e 0 que deve ser, no interior de um mesmo ordenamento juridico, au, nas palavras usadas repetidamente por Ferrajoli: 0 problema esta entre efetivfdade e normatividade. Na doutrina espanhola, Aragoneses Alons034 explica que a Constitui~ao da Espanha de 1978 consagrou os prin­cipios contidos na Declara~ao Universal dos Direitos Humanos, que, por sua vez, vem coincidir com os tambem revelados pela doutrina pontifica, como direito natural. 'Com isso, 0 problema foi transferido e nao esta mais no plano da existencia juridica, mas no da efetividade do garantismo.

, A efetividade da prote~ao esta em grande parte pendente da ati'Jida­de jurisdicional, principal responsavel por dar ou negar a tutela dos direi­tos fundamentais. Como con seqUencia, 0 fundamento da legitimidade da jurisdi~ao e da independencia do Poder Judiciario .estano reconheci­men to da sua funs;ao de garantidor dos direitos fundamentais inseridos ou resultantes da Constitui~ao. Nesse contexto, a fun~ao do juiz e atuar como garantidor dos direitos do acusado no processo penal.

Explica Ferrajoli que .. . el modelo penal garantista equivale a un sis­tema de minimizaci6n del poder y de maximizaci6n del saber judicial, en wan to condiciona la validez de las decisiones a la verdad, empirica y 16gi­comente controlaple, de sus motivaciones.35 0 juizo penal e toda a ativi­dade jurisdicional sao urn saber-poder, uma combina~ao de conhecimento

poderiamos chamar de "modemo garantismo", nao. podemos atribuir a Ferrajoli a paternidade do garantismo, pais muito antes dele BECCARIA, BENTHAM e tantos outros ja tinham definldo as linhas basicas desse modelo. Mas iSSQ nao Ihe retira 0 merecidisslmo merito pelas idelas muito bem expostas na magistral obra citada.

33 FERRAJOU. Ob. cit. pp. 28-29. 34 Na "Nota para la Segunda Edlcion" da obra Proceso y Derecho procesal, p. 2B. 3S FERRAJOU. Ob. cit., pp. 22 e seguintes.

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

(veritas) e de decisao (auctoritas). Com esse entrela~amento, quanto maior e 0 poder, men or e 0 saber, e vice-versa. No modele ideal de jurisdi~ao, tal como foi cCincebido por Montesquieu, 0 poder e "nulo". No modelo autori­tarista - totalmente recha~ado na atualidade - 0 ponto nevralgico esta exatamente no oposto, ou seja, na predominancia do poder sobre 0 saber e a quase elimina~ao das formas de controle da racionalidade.

No garantismo, 0 juiz passa a assumir uma relevante fun~ao de garan­tidor, que nao pode ficar inerte ante viola~6es ou amea~as de lesao aos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, como no supera­do modele positivista. 0 juiz assume uma nova posi~a036 no Estado Democratico de Direito, e a legitimidade de sua atua~ao nao e politica, mas constitucional, consubstanciada na fun~ao de prote~ao dos direitos fundamentais de todos e de cada um, ainda que para isso tenha que ado­tar uma posi~ao contraria it opiniao da maioria. Deve tutelar 0 individuo e reparar as injusti~as cometidas e absolver quando nao existirem provas plenas e legais (atendendo ao principio da verdade formal).

No prologo da obra de Ferrajoli, Bobbio define, as grandes linhas de urn modelo geral de garantismo: Antes que nada, elev6ndolo a modele ideal del estado de derecho, entendido no 5610 como estado liberal pro­tector de los derechos sociales; en segundo lugar, present6ndolo como una teoria del derecho que propone un iuspositivismo critico contrapues­to al iuspositivismo dogmatico; y, par ultimo, interpretandolo como una filosofia politico que funda el estado sobre los derechos fundamentales de los ciudadanos y que precisamente del reconocimiento y de la efecti- ' va protecci6n (ino basta el reconocimiento!) de estos derechos extrae su legitimidad y tambien la capacidod de renovarse sin rewrrir a la violen­cia subversiva.

o sistema garantista esta sustentado por seis prindpios basicos,37 sobre os quais deve ser erguido 0 processo penal:

12 JURISDICIONALIDADE - Nulla poena, nulla culpa sine judicio: Nao so como necessidade do processo penal, mas tambem em serlbdo amplo, como garantia organica da figura e do estatuto do juiz. Tambem represen­ta a exclusividade do poder jurisdicional, direito ao juiz natural, indepen­dencia da magistratura e exclusiva submissao a lei. .

36 SILVA FRANCO, Alberto. "0 Juiz e 0 Modelo Garantlsta", In Doutrina do Instituto Brasifeiro de Ciencias Crimina/sl disponivel no site do Instltuto (www.lbccrim.com.br) em mar~o de 1998.

37 Seguindo a FERRAJOU - OerechO y Raz6nl p. 732 - com a dlferen~ de que conslderamos como seis e nao Cinco as principlos.

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2Q INDERROGABILIDADE DO JUizo: No sentido de infungibilidade e inde­clinabilidade da jurisdi~ao.

32 SEPARAI;JiO DAS ATIVIDADES DE JULGAR E ACUSAR - Nullum iudicium sine accusatione: Configura 0 Ministerio Publico como agente exclusivo da acusa~ao, garantindo a imparcialidade do juiz e submetendo sua atua­~ao a previa invoca~ao por meio da a~ao penal. Esse principio tam bern deve ser aplicado na fase pre-processual, abandonando 0 superado mode-10 de juiz de instru~ao.

42 PRESUNI;Jio DE INOCENCIA: A garantia de que sera mantido 0 estado de inocencia ate 0 transite em julgado da senten~a condenatoria implica diversas consequencias no tratamento da parte passiva, inclusive na carga da prova (onus da acusa~ao) e na obrigatoriedade de que a constata~ao do delito e a aplica~ao da pena ocorren! por meio de urn processo com todas as garantias e atraves de uma senten~a.

5Q CONTRADII;JiO - Nulla probatio sine defensione: E urn metodo de confronta~ao da prova e comprova~ao da verdade, fundando-se nao mais sobre urn juizo potestativo, mas sobre 0 conflito, disciplinado e ritualizado, entre partes contrapostas: a acusa~ao (expressao do interes­se punitivo do Estado) e a defesa (expressao do interesse do acusado em fica"r livre de acusa~oes infundadas e" imune a pen as arbitn!rias e despro­porcionadas) .

62 FUNDAMENTAI;Ao DAS DECISOES JUDICIAIS: Para 0 controle da contra­di~ao e de que existe prova suficiente para derrubar a presun~ao de ino­cencia, tambem e fundamental que as decisoes judiciais (senten~as e decisoes interlocutorias) estejam. suficientemente motivadas. Soa funda­menta~ao permite avaliar se a racionalidade da decisao predominou sobre o poder.

No modelo garantista nao se admite nenhuma imposi~ao de pena: sem que se produza a comissao de urn deli to; sem que ele esteja previa­mente tipificado por lei; sem que exista necessidade de sua proibi~ao e puni~ao; sem que os efeitos da conduta sejam lesivos para terceiros; sem o canlter exterior ou material da a~ao criminosa; sem a imputabilidade e culpabilidade do autor; e sem que tudo isso seja verificado atraves de uma prova empirica, levada pela acusa~ao a urn juiz imparcial em urn proces­so publico, contraditorio, com amplitude de defesa e mediante urn proce­dimento legal mente preestabelecido.

Existe uma profunda rela~ao entre 0 atual modele de Direito Penal minima e seu correspondente processo penal garantista. 0 primeiro e con­dicionado e limitado ao maximo, correspondendo nao so ao maximo grau

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Sistemas de Investiga~o Preliminar no Processo Penal

de tutela das liberdades dos individuos em rela~ao ao arbitrio punitivo, mas tam bern a urn ideal de racionalidade e de certeza. Existe uma clara vincula~ao entre garantismo e racionalismo.

o Direito Penal minima e uma tecnica de tutela dos direitos funda­mentais e configura a prote~iio do debit contra 0 mais forte; tanto do debil afendido ou ameac;ado pelo defito, como tambem do debit of en dido ou" amea~ado pela vinganc;a; contra 0 mais forte, que no defito e 0 delinqiien­te, e na vingan~a e a parte of end ida ou os sujeitos publicos ou privados solidarios com ele.38 A prote~ao vern por meio do monopolio estatal da pen a e da necessidade de previo processo judicial para sua aplica~ao, e da existencia, no processo, de uma serie de instrumentos e limites, destina­dos a evitar os abusos por parte do Estado na tarefa de perseguir e punir.

Como correspondente, a discricionariedade judicial deve ser sempre dirigida nao a estender, mas a' reduzir a interven~ao penal enquanto nao motivada por argumentos cognoscitivos seguros. A duvida sobre a verdade juridica exige a interven~ao de institui90es como a presun~ao de inocencia do imputado ate a senten~a definitiva; 0 onus da prova a cargo da acusa­~ao; 0 principio in dubio pro reo; a absolvi~ao em caso de incerteza sobre a verdade fatica e, por outro lado, a analogia in bonam partem e a inter­pretac;ao restritiva dos pressupostos tipicos penaise extensiva das circuns­tancias eximentes ou atenuantes. Como destaca Ferrajoli em diversos momentos, a duvida deve ser resolvida sempre pel a aplicac;ao do principio in dubio pro reo (criterio pragmatico de solu~ao das incertezas jurisdicio­nais) e a manutenc;ao da presun~ao de inocencia. A unica certeza que se pretende no processo penal esta relacionada com a existencia dos pressu­postos que condicionam a pena e a cODdenac;ao, e nao com os elementos para absolver.

Em sentido oposto, 0 modelo de Direito Penal maximo caracteriza-se pela excessiva severidade, pela incerteza, a imprevisibilidade das conde­na~oes e das pen as e por configurar urn sistema nao controlavel racional­mente, pela ausencia de parametros certos e racionais. No plano proces­sual, identifica-se, em lin has gerais, com 0 modelo inquisitivo. Sempre que 0 juiz tern func;oes acusatorias ou a acusa~ao tern fun~oes jurisdicio­nais, e ocorra a mistura entre acusa~ao e julzo, esta comprometida a imparcialidade do segundo e, tambem, a publici dade e a oralldade do pro­cesso. A carencia dessas garantias debilita todas as demais e, em particu­lar, as garantias processuais do estado de inocencia, do onus da prova, do contraditorio e da defesa. Ademais, a busca da verdade substancial,

JB FERRAJOLI, lulgl. Derecho y Razon, p. 335.

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mediante uma investiga~ao inquisitiva, mais alem dos limitados recursos oferecidos pelo respeito as regras processuais, conduz ao predominio das opiniees subjetivas, eate aos prejulgamentos irracionais e incontrolaveis dos julgadqres. 0 arbitrio surge no momento em que a condena~ao e a pena dependem unicamente da suposta sabedoria e eqUidade dos juizes.

Tambem cumpre apontar a importancia da ado~ao do principio da ver­dade fDrmal e nao da verdade substancial, pois a verdade .substancial, ao ser perseguida fora das regras e controles e, sobretudo, de uma exata, pre­determina~ao empirica das hipoteses de indaga~ao, degenera 0 juizo de valor, amplamente arbitrario de fato, assim como 0 cognoscitivismo etico sobre 0 qual se embasa 0 substancialismo penal, e resulta inevitavelmente solidario com uma concep~ao autoritaria e irracionalista do processo penal. 39

Em senti do oposto, a verdade perseguida pelo modelo formatlsta como fundamento de uma condena~ao e, por sua vez, uma verdade for­mal ou processual e so pode ser alcan~ada mediante 0 respeito das regras precisas e relativas aos fatos e circunstancias considerados como penal­menta,jielevantes. Como explica Ferrajoli,40 a verdade processual nao pre­tende ser a verdade. Nao e obtida mediante indaga~ees inquisitivas alheias ao objeto processual, mas sim condicionada em si mesma pelo res­peito aos procedimentos e garantias da defesa. A verdade formal e mais controlada quanto ao metodo de aquisi~ao e ll1ais reduzida quanto ao con: teudo informativo que qualquer hlpotetica verdade substancial.Essalimi­ta~ao se manifesta em quatro sentidos:

• a tese atusatoria deve estar formulada segundo e conforme a norma;

• a acusa~ao deve estar corroborada pela prova recolhida atraves de tecnicas normativamente preestabelecidas; ,

• deve ser sempre uma verdade passivel de prova e oposi~ao; • a duvida, falta de acusa~ao au de provas 1'itualmente formadas

impeem a prevalencia dapresun~ao de inocencia e atribui~ao de falsidade formal au processual as hipoteses acusatorias.

o valor do formalismo esta em presidir normativaniente a indaga~ao judicial, protegendo a liberdade dos individuos contra a introdu~ao de verdades substancialmente arbitrarias ou incontrolaveis.

Por tim, entendemos ser imprescindivel destacar a eXistencia de ver­dadeiras penas processuais, pois nao s6 0 processo e uma pena em si

39 FERRAJOU, Luigi. Derecho y Razon, pp. 44 e segulntes. 40 Idem. .

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-" Sistemas de Investiga,ao Preliminar no Processo Penal

mesmo, senaotambem que existe um sobrecusto inflacionario do proces­so penal na moderna sociedade de comunica~ao de massas. Existe 0 uso da imputa~ao formal como um instrumento de culpabilidade preventiva e

, de estigmatiza~ao publica, e, por outra parte, na prolifera~ao de milha­res de processos a cada ano, nao seguidos de pena alguma e so mente gera­dores de certificados penais e de status juridico-sociais (de reincidente, perigoso, a espera de julgamento etc.).41

Essa grave degenera~ao do processo permite que se fale em verdadei­ras penas prqcessuais, pois confrontam violentamente com 0 carater e a fun­~ao instrumental do processo, configurando uma verdadeira patologia judi­cial, na qual 0 processo penal e utilizado como uma puni~ao antecipada, ins­trumento de persegui~ao politica, intimida~ao policial, gerador de estigma­tiza~ao social, inclusive com um degenerado fim de preven~ao geral. Exemplo inegavel nos oferecem as prisees cautelares, verdadeiras penas antecipadas, com um marcado carater dissuasorio e de retribui~ao imediata.

o mais grave e que a pena publica e infamante do Direito Penal pre­moderno foi ressuscitada e adaptada a modernidade, mediante a exibi~ao pUblica do mero suspeito nas primeiras paginas dos jornais ou nos telejor- , nais. Essa execra~ao ocorre nao como conseqUencia da condena~ao, mas da simples acusa~ao (inclusive quando esta ainda nao foi formalizada pela denuncia), quando todavia 0 individuo ainda deveria estar sob 0 manto protetor da presun~ao de inocencia.

De nada serve um sistema formal mente garantista e efetivamente autoritilrio. Essa faldcia garantista42 consiste na ideia de' que bastam as razees de um "bom" Direito, dotado de sistemas avan~ados e atuais de garantias constitucionais para canter 0 poder e por os direitos fundamentais a salvo dos desvios e arbitrariedades. Nao existem Estados democraticos que, por seus sistemas penais, possam ser considerados plenamente garan­tistas ou antigarontistas, senao que existem diferentes graus de garantismo eo ponto nevnllgico esta nodistanciamento entre 0 ser e 0 dever ser.

D) INSTRUMENTALIDADE GARANTISTA E 0 ESTADO DEMocRATICO DE',DIREITO

Na defini~ao de J. Goldschmidt, 0 processo penal resume'se como um caminho para a aplica~ao da pena, e a necessidade de proteger os indivi­duos contra os abusos do poder estatal e uma "constru~ao tecnica artifi­cial" que nao e convincente.

41 FERRAJOLl, Luigi. Derecho y Raz6n, pp. 730-731. 42 A expressao e de FERRAJOLl, na obra C\tada, pp. 943 e seguintes.

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Inicialmente, discordamos em parte da afirma~ao, pois antes de ser­vir para a aplica~ao da pen a, 0 processo serve ao Direito Penal e a pena nao e a (mica fun~ao do Direito Penal. Tao importante como a pena e a fun~ao de prote~ao do Direito Penal com rela~ao aos individuos, por meio do principio da reserva legal, da propria essen cia do tipo penal e da complexa teoria da tipicidade.

o processo, como instrumento para a realiza~ao do Direito Penal, deve realizar sua dupla fun~ao: de um lado, tornar viavel a aplica~ao da pena, e de outro, servir como efetivo Instrumento de garantia dos direi­tos e liberdades individuais, assegurando os individuos contra os atos abusivos do Estado. Nesse sentido, 0 processo penal deve servir como ins­trumento de limita~ao da atividade estatal, estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos direitos individuais constitucionalmente previstos, como a presun~ao de inocencia, contraditorio, defesa etc.

Nesse sentido, Battaglini43 afirma que 0 moderno Direito Penal tem como [un~{jo principal a garontia da liberdade individual. Ademais, como destaca Aragoneses Alonso,44 inc/uso tiene el Estado el deber de proteger al propio delincuente, pues esto tambien es una forma de garontizar el libre desarrollo de la personalidad, que es la [uncion de la justicia.

Por sua vez, W. Goldschmidt45 explica que os direitos-"fundamentais, como. tais, dirigem-se contra 0 Estado, e pertencem, por consegUinte, a se~ao que trata do amparo do individuo contra 0 Estado. Prova disso e a quantidade de dispositivos que integram as constitui~6es modernas, regulan­do 0 processo penal, com a finalidade de garantir a plena eficacia dos direi­tos fundamentais do acusado enquanto estiver sendo processado. Tambem nao podemos esquecer que 0 processo penal constitui um ramo do direito publico, e que a essencia do direito publico e a autolimita~tio do Estado_.

Essa evolu~ao levou 0 Estado a aceitar no processo penal uma sobera­nia mitigada, pois deve submeter ao debate publico sua pretensao acusa­toria e poder punitiv~. Enquanto dura 0 processo, dura a incerteza, ate que se pronuncie a senten~a. Por isso, a personalidade do Estado, que aparece monolitica46 dentro do direito publico interno (constitucional e administrativo), uma vez dentro do processo penal parece dividir-se e modelar-se distintamente, segundo ·05 diferentes papeis que exerce: de juiz, na atividade jurisdicional, e como titular da fun~ao punitiva; e de

43 Dlrltto Penafe, p. 133. 44 Instituciones de Derecho Procesal Penal, pp. 7 e seguintes. 45 La Cienc;a de fa Just/cia - Dlkelogia, p. 201. 46 GUARNIERI, Jose. Las Partes en el Proceso Penal, p. 35.

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Ministerio Publico na atividade encaminhada a persegui~ao dos delitos (como titular da pretensao acusatoria).

Explica Bobbi047 que atualmente imp6e-se uma postura mais liberal, de modo que, nas rela~iies entre individuo e Estado, primeiro vern 0 indi­viduo e depois vern 0 Estado, e 0 Estado ja nao e urn tim em si mesmo, porque e, e deve ser, somente urn meio que tern como fim a tutela do . homem, de seus direitos fundamentais de liberdade e seguran~a coletiva.

Ademais, existe urn fundamento hist6rico-politico para sustentar a dupla fun~ao do moderno processo penal e que foi colocado em relevo par Bettiol. 48

A prote~ao do individuo tambem resulta de uma imposi~ao do Estado Liberal, pois 0 liberalismo trouxe exigencias "de que 0 homem tenha uma dimensao juridica que 0 Estado ou a coletividade nao pode sacrificar .ad nutum. 0 Estado de Direito mesmo em sua origem ja representava uma rele­vante supera~ao das estruturas do Estado de Policia, que negava ao cidadao toda garantia de liberdade, e isto surgiu na Europa depois de uma epoca de arbitrariedades que antecedeu a Declara~ao dos Direitos do Homem, de 1789.

A pen a come~a precisamente quando termina a vingan~a ·e os impulsos que dao razao a vingan~a, e a imposi~ao da pen a corresponde ao juiz, nao so desde os tempos do Estado de Direito, mas desde que existe juiz e pena. Juiz e pen a se encontram sempre juntos. 49 Como explica Bettiol,50 la ven­gonzo es [ruto de un impulso, y, por tanto, de una emocion no controlada par la razon, yes a menudo desproporcionada respecto a la entidad del mal o del dana causado. La pena, por el contrario, si quiere en verdad ser y per­manecer como tal, es [ruto de una re[lexion. E urn ate da razao que deter­mina uma importante caracteristica da pena: a proporcionalidade.

A democracia e urn sistema politico-cultural que valoriza 0 individuo frente ao Estado e que se manifesta em todas as esferas da rela~ao Estado-individuo. Inegavelmente, leva a uma democratiza~aodo processo penal, refletindo essa valoriza~ao do individuo no [ortalecimento do sujei­to passivo do processo penal. Pode-se afirmar, com toda seguran~a, que 0 principio que primeiro imperano processo penal e 0 da prote~tio dos ino­centes, ou seja, 0 processo penal como direito protetor dos inocentes. Esse status (inocencia) adquire carater constitucional e deve ser mantido ate que exista uma sentenc;:a penal condenatoria transitada em julgado.

47 No proJogo da obra de FERRAJOLI, Derecho y Razon, p. 18. 48 BElTIOL, Guiseppe. lnst/tueiones de Derecho Penal y Procesal Penal, pp. S4 e segulntes. 49 GOLDSCHMIDT, James. Problemas Juridicos y Po!ftlcos del Proceso Penal, p. 7. 50 Instituciones de Derecho Penal y Procesal Penal, p. 147.

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o objeto primordial da tutela nao sera somente a salvaguarda dos interesses da coletividade, mas tambem a tutela da liberdade processual do imputadb, 0 respeito Ii sua dignidade como pessoa, como efetiva parte do processo: 0 significado da democracia e a revaloriza~ao do homem, en toda la complicada red de las instituciones procesales que solo tienen un significado si se entienden por su naturoleza y por su finalidad politica y juridica de garontia de aquel supremo valor que no puede nunca venir sacrificado por razones de utilidad: el hombre. 51 .

o processo penal e uma das express6es mais tipicas do grau de cultu· ra alcan~ado por um povo no curso da sua historia, e os principios de polio tica processual de uma na~ao nao sao outra coisa que segmentos da polio tica estatal em geral. Nas palavras de J .. Goldschmidt,52 a estrutura do processo penal de uma na~ao nao e senao 0 term6metro dos elementos corporativos ou autoritarios de sua Constitui~ao. Nessa linha, uma Constitui~ao democratica deve orientar a democratiza~aQ substancial do processo penal, e isso demonstra a transi~ao do direito passado ao direito futuro. Num Estado Democratico de Direito, nao podemos tolerar um pro· cesso penal autoritario e tipico de um Estado·Policial, pois 0 processo deve adequar·se Ii Constitui~ao e nao vice·versa. .

Como conseqUencia, a estrutura do processo penal deve ser tal que . se reduza ao minimo possivel 0 risco de erro e, em segundo lugar, 0 sofri· mento injusto que dele deriva. 53 Todos os mecanismos de prote~ao que busquem amenizar 0 sofrimento e os riscos que ele encerra sao um impe· rativo de justi~a.

II. CRiTiCAS AD SISTEMA DE "JUST1<;:A NEGDCIADA"

A partir da compreensao do processo como instrumento de prote~ao e garantia, deve ser recha~ado 0 sistema de justi~a negociada - plea negotiation - pois configura a degenera~ao do processo e ate mesmo uma perigosa alternatlva ao processo. A tendencia generalizada de implantar no processo penal amplas "zonas de consenso", com a ado~ao de diversos instrumentos e a atribui~ao de imensuraveis poderes ao Ministerio Publico, esta sustentada, .em sintese, por tres argumentos basicos: estar conforme os principios do r,t)'1df'lo acusatorio, resultar da ado~ao de um "processo penal de partes"~toporcionar celeridade na administra~ao de justi~a.

Sl BETTIOL, S2 Problemas 53 CARNELUTTI,

22

~stituciories de Derecho Penal y Procesaf Penal, p. 174. ;-~- .. _. , . Proceso Penal, p. 67.

Procesal Civil y Penal, p. 308.

Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

A tese de que as formas de acordo sao um resultado logico do "modelo acusatorio" e do "processo de partes" e totalmente ideologica e mistifica' dora, como qualificou Ferrajoli,'4 para quem esse sistema e fruto de uma confuslio entre 0 modelo teorico acusatorio - que consiste unicamente na separa~lio entre juiz e acusa~lio, na igualdade entre acusa~lio e defesa, na oralidade e publicidade do julzo ~ e as caracteristicas concretas do sistema·

. acusatorio americano, algumas das quais, como a discricionariedade da a~lio . penal e 0 acordo; nlio tem rela~lio alguma com 0 modele teorico. 0 modelo acusatorio tambem exige que 0 juiz mantenha·se alheio ao trabalho de investiga~ao e passiv~ no recolhimento das provas tanto da imputa~ao como de descargo. 0 processo deve ser predominantemente oral, com plena publi· cidade e com um procedimento contraditorio e de trato igualitario das par· tes (e nao meros sujeitos). Com rela~ao Ii prova, vigora 0 sistema do livre convencimento motivado e a senten~a produz a eficacia de coisa julgada. A liberdade da parte passiva e a regra, sendo a prisao cautelar uma exce~ao.

o sistema negocial nao faz parte do modele acusatorio e, ademais, viola os seis principios anteriormente apontados, terminando por fulminar o mais importante de todos: 0 direito a um processo judicial justo.

E uma confusao injustificavel no plano teorico e explicavel no histo· rico. A discricionariedade da a~ao penal e os acordos sao resquicios histo· ricos da a~ao penal privada etou popular, em que a acusa~ao era disponi· vel. Na atualidade, nos sistemas de acusa~ao publica (inclusive nos Estados Unidos), a livre negocia~ao e uma constru~ao impropria do proces­so de partes e do sistema acusatorio. Com iS5O, surge 0 equivoco de que· rer aplicar 0 sistema negocial, como se estivessemos traliando de um ramo do direito privado. Existe, inClusive, os que defendem uma "privatiza~ao" do processo penal, partindo do Principio Dispositivo do processo civil, esquecendo que 0 processo penal constitui um sistema com suas catego· rias juridicas proprias, como muito bem identificou J. Goldschmidt, e que tal analogi a, alem de nociva, e inadequada.

As particularidades do processo penal, ali ad as ao predominante inte· resse publico - tanto na condena~ao do culpado como na absolvi~ao do inocente - nao permitem esse poder Ii autonomia de vontade que preten­de a plea negotiation. Explica Carnelutti5S que existe uma diferen~a insu· peravel entre 0 Direito Civil e 0 Direito Penal: en penal, con la ley no se juega. Em Civil, as partes tem as maos livres; em Penal, devem te·las ata·

54 FERRAJOLl, Luigi. Derecho y Raz6n, p. 747. 5S "La Equldad en el Juicio Pena!", in Cuestiones sabre el Proceso Penal, p. 292.

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o primeiro pilar da func;:ao garantista do Direito Penal e Processual e a monopolio legal e jurisdicional da violencia repressiva. A negotiation viola desde logo esse primeiro pressuposto fundamental, pais a violencia repressiva da pen a nao passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco· se submete aos limites da legalidade, senao que esta nas maos do Ministerio Publico e submetida Ii sua discricionariedade. E a mais comple­ta desvirtuac;:ao do juizo contraditorio, caracteristico do sistema acusato. rio, e encaixa melhor com as praticas persuasorias permitidas pelo segre­do e nas relac;:iies desiguais do sistema inquisitivo. E transformar 0 proces­so penal em uma "negociata", no seu sentido mais depreciativo.

Muit.as negociac;:iies sao realizadas nos despachos do Ministerio Publico sem publicidade e on de prevalece a poder do mais forte, acen­tuando a posic;:ao de superioridade do parquet. Explicam Figueiredo Dias e Costa Andrade56 que a plea bargaining nos Estados Unidos e responsavel pela soluc;:ao de 80% a 95% de tad os os delitos. Isso significa uma inequivo­ca incursao do Ministerio Publico em uma area que deveria ser dominada

. pelo Tribunal, que erroneamente limita-se a homologar 0 resultado do acordo entre a acusado e 0 promotor. Nao sem razao, a doutrina afirma que 0 promotor e 0 juiz as portas do tribunal. Ademais, as cifras citadas colocam em evidencia que em oito ou nove de cada dez casas nao exis­te nenhum contradit6rio. No mesmo sentido, a Juiz Federal dos Estados Unidos Ruben Castill05? afirma que de todos as processos criminais inicia­dos, mais de 90% nunca chegam a juizo, pois a defesa acorda com aMP.

o que caracteriza 0 principia do contraditorio e exatamente 0 con­fronto claro, publico e antagonico entre as partes em igualdade de condi­c;:iies. Essa importante conquista da evoluc;:ao do Estado de Direito resulta ser a primeira viti rna da justic;:a negociada, que comec;:a par sacrificar 0

contraditorio e acaba por matar a igualdade de armas. Que igualdade po de existlr na relac;:ao do Cldadao suspeito frente Ii prepotencia da acu­sac;:ao, que, ao dispor do poder de negociar, humilha e impiie suas condi­c;:6es e estipula a prec;:o do neg6c10?

56 Crimfnologia, pp. 484 e seguintes. 51 Na palestra "Garantias en el sena del Proceso Penal USA", praferlda no curso Investigar, Acusar,

Juzgar, tambem publicada na Revista Otrosf, n!l141, pp. 30 e seguintes.

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Sistemas de Investiga~o Preliminar no Processo Penal

o pacto no processo penal e urn perverso intercambio, que transforma a acusac;:ao em urn instrumento de pressao, capaz de gerar auto-acusac;:iies falsas, testemunhos caluniosos por conveniencia, obstrucionismos ou preva­ricac;:iies sobre a defesa, desigualdade de tratamento e inseguranc;:a juridica. o furor negociador da acusac;:ao pode levar Ii perversao burocratica, em que a parte passiva nao disposta ao "acordo" ve 0 processo penal transformar-se em uma complexa e burocratica guerra. Tudo e mais dificil para quem nao esta disposto ao "neg6cio". 0 promotor, disposto a constranger e obter 0

pacto a qualquer prec;:o, utilizara a acusac;:ao formal como urn instrumento de pressao, solicitando altas penas e pleiteando 0 reconhecimento de figuras mais graves do delito, ainda que sem 0 menor fundamento.

A tal ponto pode chegar a degenerac;:ao do sistema que, de forma clara e inequivoca, 0 saber e a razao sao substituidos pelo poder atribuido ao Ministerio Publico. 0 processo, ao final, e transformado num lujo reserva­do 5610 a quienes esten dispuestos a afrontar sus castes y sus riesgos. 58

Tampouco entendemos que 0 sistema negocial colabore para aumentar a credibilidade da justic;:a, pois ninguem gosta de negociar sua inocencia. Nao existe nada mais repugnante que, ante frustrados protestos de inocen­

. cia, ter que decidir entre reconhecer uma culpa inexistente, em troca de uma pena menor, ou correr 0 risco de. submeter-se.aum processo que sera desde logo ·desigual. E urn poderoso estimulo negativo saber que tera de enfrentar urn promotor cuja imparcialidade59 imposta por lei foi enterrada junto com a frustrada negociac;:ao, e que acusara de formadesmedida, inclusive obstaculizando a propria defesa. Uma vez mais tem razao Guar­nieri, quando afirma que acreditar na imparcialidade do Ministerio Publico e incidir no erro de canfiar 01 lobo 10 mejor defensa del cordero.

No plano do direito material, as bases do sistema caem por terra. 0 nexo de casualidade entre 0 delito e a pen a e a proporcionalidade da puni­c;:ao e sacrificado. A pena nElO dependera mais da gravidade do delito, mas

58 FERRAJOLI, Derecho y Razon, p. 748. $9 Sao multiplas as criticas a artificial constr\J(;ao juridica da imparcialidade do promotor no pro­

cesso penal. 0 critico mais incansavel foi, sem duvida, 0 mestre CARNELUTfI ("Poner en su puesto al Ministerio Publico", in Cuestiones sabre el Proceso Penal, pp. 211 e seguintes), que, em diversas oportunidades, pas em relevo a impossibilidade de la cuadratura del circulo: l. No es como reducir un circula a un cuadrado, construir una parte imparcial? EI ministerio publica es un juez que se hace parte. Por eso, en vez de ser Una parte que sube, es un juez que baja. Em outra passagem (Lecciones sabre el Proceso Penal, vol. II, p. 99), CARNELUm explica que nao se pode ocultar que, se a promotor exerce verdadeiramente a funC;ao de acusador, querer que ele seja urn orgao imparcial nao representa no processo mais que uma inuti' e hasta moles· ta duplicidad. Para GOLDSCHMIDT (Problemas Jurfdicos y Politicos del Proceso Penal, p. 29), a problema de exigir imparcialidade de uma parte acusadora significa cair en el mismo error psi· cologico que ha desacreditado al proceso inquisitivo, qual seja a de crer que uma mesma pes­soa possa exercitar funC;oes tao antagonicas como ac~sar, julgar e defender.

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da habilidade negociadora da defesa e da discricionariedade da acusa~ao. Em sintese, a seguran~a jurldica dependera do espirite aventureiro do acusado e de seu poder de barganha.

o excessivo poder - sem controle - do Ministerio Publico e seu maior ou menor interesse no acordo fazcom que' principios como os da igualda­de, certeza e legalidade penal nao passem de ideais historicamente con­quistados e sepultados pela degenera~ao do atual sistema. Tampouco sobrevivem nessas condi~oes a presun~ao de inOcE!ncia e 0 anus probato­rio da acusac,:ao. 0 processo penal passa a nao ser mais 0 caminho necessa­rio para a pena, e com isso a status de inocente pode ser perdido muito antes do juizo e da senten~a e, principalmente, sem que para isso a acusa­~ao tenha quer provar 0 alegado.

A superioridade do promotor, acrescida do poder de transigir, ,faz com que as pressoes psicologicas e as coa~oes sejamuma pratica normal, para compelir 0 acusado a aceitar 0 acordo e tambem a "seguran~a" do mal menor de admitir uma culpa, ainda que inexistente. Os acusados que se recusam ao acordo ou a guilty plea sao considerados incamodos e nocivos, e sobre eles pesarao acusa~oes mais graves. 0 panorama e ainda mais assustador quando, ao lade da acusa~ao, esta um juiz pouco disposto a levar 0 processo ate 0 final, qui~a mais interessado que 0 proprio promo­tor em que aquilo acabe 0 mais rapido e com 0 menor trabalho possivel. Quando as pautas estao cheias e 0 sistema passa a valorar mais 0 jUiz pela sua produ~ao quantitativa que pela qualidade de suas decisoes, a proces-. so assume sua face mais nefasta e cruel.

Criticando 0 sistema espanhol {critic a perfeitamente aplicavel ao Brasil), Fairen Guillen60 assinala com muita propriedade que una parada-

,ja mds se hall a en el hecho de que un Estada, que par ahara sigue un n?gi­men politico de enorme intervencionismo en casi todas las esferas de acti­vidad del ciudadano ... funcione en sentido contrario, abandonando un campo de Derecho publico, en beneficia del inten?s particular. (No se venga a decir ahara, al cabo de mds de veinte anos de experiencia del plea bargain en USA, que el Ministerio Publico, al contratar, esta siempre convencido del m6vil elvico, publico, admirable, del acusado ... ).

Possivelmente, a unica vantagem da plea negotiation seja a celerida­de com que sao realizados os acordos e com isso finalizados os processos (ou sequer iniciados). Sob 0 ponto de vista do custo administrativo, exis-•. 60 No pr61ogo da obra "La Reforma Procesal Pena/- 1 9SB-l$192 R

, in Estud/os de Derecho Procesal Civil, Penal y Constitucionaf, p. XXXV.

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Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

, te uma consideravel economia de tempo e dinheiro. Tambem para 0 acu_ sado, a estigmatiza~ao e menor, salvo nos casos (nao pouco freqiientes) em que urn inocente admite uma culpa inexistente. De qualquer forma, nao ha duvida de que sempre e melhor uma senten~a justa, ainda que tar­dia, que 0 imediatismo da injusti~a.

Em sintese, a justi~a negociada nao faz parte do modelo acusatorio e tampouco pode ser considerada como uma exigencia do processo penal de partes, e resulta ser uma perigosa medida alternativa ao pracesso, sepul­tando as diversas garantias obtidas ao longo de seculos de injusti~as.

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Capitulo II Sistemas de Investigac;ao Preliminar:

Considerac;oes Previas

Partiremos do plano teorico para chegar aos sistemas concretos, ana­lisando, inicialmente, a dogmatica da institui~ao,expondo conceito, natu­reza juridica e fundamento da sua existen.cia;, para examinar a continua­~ao, os tipos de investiga~ao preliminar tendo em conta os possiveis sujei­tos encarregados, 0 objeto e a incidencia na estrutura da instru~ao da ati­vidade que nela seja levado a cabo.

Depois dessas considera~6es teWicas, nos ocuparemos de alguns sis­temas concretos, especialmente do modelo adotado no Brasil, mas tam­bern citaremos alguns exemplos do direito estrangeiro, como Espanha, Italia, Alemanha, Portugal e Fran~a. Por fim, sera proposto - em linhas gerais - 0 que entendemos por urn modelo ideal de investiga~ao prelimi­nar para substituir 0 inquerito policial.

I. PROBLEMA TERMINOLOGICO

A busca de uma denomina~ao adequada para essa atividade previa ao -""'l'wcesso, com clara conota~ao instrumental, levou as legisladores a ado­

tarem diversas terminologias. Destarte, no Brasil, denomina-se de inque­rito policial; atendendo basicamente ao orgao encarregado da atividade; a legislador ifaliano emprega a termo indagine preliminare; em Portugal, utiliza-se inqUfirito preliminar; na Alemanha, vorverfahren e ermittlungs­verfahren (procedimento preparatorio au fase de averigua~ao); na Fran~a, I'enquete preliminaire e I'instruction; na Inglaterra, prosecution e preli­minary inquiry; e, no C6digo Modelo, esta empregado a termo procedi­menta preparotorio. Atualmente, na Espanha, a legislador emprega tres diferentes designa~6es, conforme a rita a que esteja vinculada a instru­~ao preliminar. Sera sumario no procedimento ordinaria, diligencias pre­vias no abreviado e instruccion complementaria nos processos de compe­tencia do Tribunal do Juri (Jurado Popular).

Frente a' essa diversidade de denomina~6es para uma atividade que responde, em lin has gerais, aos mesmos fins, surge a necessidade meto­dologica de empregar uma mesma designa~ao para tratar do assunto. Esta designa~ao devera ser suficientemente ampla para abranger a todos os

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atos possivelmente praticados e, ao mesmo tempo, suficientemente pre· cisa para atender a um minima de rigor cientifico.

a termo que nos parece mais adequado e a de instru~iio preliminar. a primeiro vocabulo - instru~ao - vem do latim instruere, que significa ensinar, informar. Serve para aludir ao fundamento e 11 natureza da ativi· dade levada a cabo, isto e, a aporta~ao de dados faticos e elementos de convic~ao que possam servir para formar a opinio delicti do acusador e justificar a processo au a nao·processo. Ademais, faz referencia ao con­junto de conhecimentos adquiridos, no sentido juridico de cogni~ao. Tambem reflete a existencia de uma concatena~ao de atos logicamente organizados: um procedimento.

Para uma analise de sistemas abstratos e concretos de diversos pai· ses, a melhor e utilizar a termo instru~iio que investiga~iio, nao s6 pela maior abrangencia do 'primeiro (pais pode referir -se tanto a uma ativida­de judicial - juiz instrutor - como tambem a uma sumaria investiga~ao policial), mas tambem porque poderia ser apontada uma incoerencia 16gi­ca falar em investigac;iio preliminar quando nao existe uma. investiga~iio definitiva, ao passo que a uma instruc;ao preliminar corresponde uma defi­nitiva, levada a cabo na fase processual.

Ao vocabulo instru~iio devemos acrescentar outro - preliminar -para distinguir da instruc;ao que tambem e realizada na fase processual. Tambem servin\. para apontar 0 carater previo com que se realiza a instru­~ao, diferenciando sua situac;ao cronol6gica. Etimologicamente, a vocabu-10 preliminar vem do latim - prefixo pre (antes) e /iminaris (algo que antecede, de porta de entrada) - deixando em evidencia seu carater de "porta de entrada" do processo penal e a func;ao de filtro para evitar acu-

. sac;6es infundadas. Sem embargo, no Brasil, e tradicional 0 emprego de investiga~iio cri­

mina/. A doutrina brasileira prefere utilizar investiga~iio, reservando ins­truc;iio para a fase pr'ocessual. A nosso juizo, a termo instruc;iio pode ser utilizado, desde que acompanhado do adjetivo preliminaf, evitando assim qualquer confusao com a instruc;ao definitiva realizada na fase processual.

Vencidos pela tradic;ao, tivemos que adotar, inclusive no titulo da pre­sente obra, a designac;ao de investigac;iio preliminar. Por tudo isso, em definitivo, utilizarernos indistintamente as expressc5es investigac;ao/ins­truc;ao preliminar, atendendo a natureza do inquerito policial e a tradi­c;ao brasileira.

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Sistemas de Investiga<;ao Preliminar no Processo Penal

II. DEFINIC;:AO LEGAL

As defini~oes [egais de institutos i.uridicos nem sempre gozam da pre­cisao desejada, mas nem por isso podem ser completamente'desconside_ radas. Por isso, sera 0 ponto de partida para 0 estudo. Tomando por base a defini~ao legal dada pelo legislador, podemos afirmar que:

a) No Brasil, a defini~ao legal do inquerito policial nao consta clara­mente em nenhum artigo do CPP, e, para ser obtida, devemos cotejar as definic;oes dos arts. 4ll e 69- do CPP, de modo que e a atividade desenvol- . vida pela Policia Judicial com a fina/idade de aver/guar 0 deli.to e sua autoria. 0 destinatario da investiga~ao sera 0 Ministerio Publico ou 0 acu­sador privado (requerimento do art. 52, § 52). Esdarece 0 art. 12 que 0 inquerito devera acompanhar a ac;ao penal quando sirva de base para ela e que a promotor (art. 16) nao podera requerer a sua devoluC;ao 11 policia, salvo para a realiza~ao de.novas diligencias imprescindiveis para oferecer a denuncia. . .

b) Na Espanha,l a art. 299 da LECrim define daramente 0 "sumario" (instru~ao preliminar no procedimento ordinario), como sendo as atua~oes encaminhadas a preparar a fase processual ("juicio") e proticadas para averiguar e fazer cons tar a ocorrencia de delitos com todas as circunstiln­cias que possam influir na sua quaUfica(/io e na culpabi/ldade dos delin­qiientes, assegurando sua presenc;a e as responsabilidades pecuniarias do deli to. Paralelamente, no procedimento abreviado, as "diligencias pre­vias" (arts. 782, 785 e 785bis.1) tem por objetivo a comprova~iio dddi?li­toe a averigua~iio e identificaC;iio dos possiveis culpados. Ademais, limi­ta 0 art. 789.3 a que somente no caso de que as informa~i5es descritas (ou diligencia praticadas) na certidiio de ocorrencia2 sejam insuficientes para formular a acusa~iio, 0 juiz ordenara a Polleia Judicial ou praticara por si mesmo as diligencias essenciais encaminhadas a determinar a natureza e as circunstilncias do fato e as pessoas que nele tenham participado. Finalmente, como disposiC;ao geral, a art. 20 da LECrim dispoe?que tOdas as autoridades e funcionarios que intervenham no procedimento penal cui­darao de consignar e apreciar as circunstancias, tanto adversas como favo­raveis ao suspeito.

o que segue e uma tradU/;ao "quase" literal, pois para alguns termos e necessaria atender ao espirito e a ideia que pretende expressar.

Em espanhol utJliza-se a expressao "atestado" para deslgnar 0 documento por melo do qual a policia certifica que recebeu a notiela crime e 0 seu teor (ou 0 conteudo das investiga.;oes de ofielo), 0 mais similar que encontramos no nosso sistema fai a Certldaa de Ocorrencia palida!.

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c) Na Italia, 0 objeto das indaga~6es preliminares - indagini' prelimi­nari - esta conti do no art. 326 do CPPi, como sendo as investiga/;aes e ave­rigua,aes necessarias para 0 exerdcio do a,ao penal, desenvolvidas pelo Ministerio Publico e a Policia Judicial, no ambito de suas respectivas atri­bui,aes. E importante destacar 0 art. 358, d~terminando que 0 Ministerio Publico efetue investiga~6es sobre os fatos e circunstancias que tambem possam ser favoraveis a pessoa submetida a indagine preliminare.

d) Na Alemanha, preve 0 § 160 da StPO que 0 Ministerio Publico deve­ra averiguar as circunstancias do fato punivel constante na noticia-crime, tanto das que sirvam para inculpar como tambem das que sirvam para exculpar, com 0 fim de tomar a resolu,ao SGbre 0 exerdcio da a,ao penal (recordando que la vigora 0 principio da oportunidade).

e) Em Portugal, 0 art. 262 do CPPp determina que 0 Ministerio Publico devera realizar 0 inquerito, definido como 0 conjunto de diligen­cias que visam investigar a existencia de um crime, determinar 05 seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem b decisao sobre a acusa,ao.

Concluindo, a partir da analise de defini~6es legais, podemos concei­tuar a investiga~ao preliminar como 0 conjunto de atividades realizadas concatenadamente par orgaos do Estado; a partir de uma noticia-crime au atividade de oficio; com carater previo e de natureza preparatoria com rela/;ao ao processo penal; que pretende averiguar a autoria e as circuns­tilncias de um fato aparentemente delitivo, com 0 fim de justificar a exerdcio da a,ao penal ou a arquivamento (nao-processo).

III. NATUREZA JURiDICA

A natureza juridica da investiga~ao preliminar sera dada pela analise de sua fun~ao, estrutura e orgao encarregado. A natureza juridica da instru~ao preliminar e complexa, pois nela sao praticados atos de distinta natureza (administrativos, judiciais e ate jurisdicionais). Por isso, ao classifica-la, leva­remos em considera~ao a natureza juridica dos atos predominantes. Isso por­que, mesmo nurn procedimento claramente administrativo como 0 inquerito policial, tambern podem ser praticados atos jurisdicionais, mediante a inter­ven~ao do juiz, como, por exemplo, ao adotar uma medida restritiva de direi­tos fundamentais, como a prisao preventiva. Feita a ressalva, analisemos as duas] principais correntes sobre a natureza juridica da instru~ao preliminar.

32

Poderiamos, alnda, apontar a existencia de uma terceira corrente (minoritaria) que sustenta 0 carater processual da investlgat;ao prelJminar. Sabre 0 tema, remetemos 0 leitor para a obra de PASTOR LOPEZ, -£1 Proceso de Persecucion", Valencia, 1979 .

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Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

A) PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PRE-PROCESSUAL

Considera a investiga~ao preliminar como uma fase preparatoria, um procedimento previo e preparatorio do processo penal, sem que seja, por si mesma, um processo penal.

Sera administrativo quando estiver a cargo de um orgao estatal que nao perten~a ao Poder Judiciario, isto e, um agente que nao possua poder jurisdicional. Destarte, podemos classificar 0 inQuerito policial como um pracedimento administrativo pre-processual, pois e levado a cabo pela Polieia Judiciaria, um orgao vinculado a administra~ao - Poder Executi­vo - e que por isso desenvolve tarefas de natureza administrativa.

A atividade carece da dire~ao de uma autoridade com potestade jurisdicional, nao podendo ser considerada uma atividade jurisdicional e tampouco de natureza processual. As atividades de investiga~ao e compro­va~ao dos dados constantes na notitia criminis sao tipicamente policiais, administrativas. Ainda mais quando 0 inquerito tem por base informa~6es obtidas na tarefa de zelar pela seguran~a publica. A Constitui~ao (art. 144) outorga as polieias civis e federais, nos seus respectivos ambitos, a fun~ao de policia judiciaria, mas isso nao quer dizer que perten~am ao Poder Judiciario e tampouco que suas atividades tenham 0 status de ate judicial. Sao atividades que podem ser realizadas fora do procedimento judicial e por autoridades com poderes meramente administrativos, inclusive por­que sao inerentes ao poder-dever de garantia da seguran~a publica a que estao vinculados 0 Estado e os orgaos da administra~ao.

Como explica Manzini,4 so pode existir uma rela~ao de indole admi­nistrativa entre 0 Ministerio Publico, que e um orgao administrativo de igual forma que a Polieia.Judiciaria, e aquele sobre quem recai a suspeita

'de haver praticado 0 delito. Sem embargo, devemos destacar que, excepcionalmente, a instru~ao

preliminar realizada pelo Ministerio Publico tera a natureza juridica de procedimento judicial. Isso ocorrera naqueles paises em que 0 Ministerio Publico esteja constitucionalmente integrado ao Poder Judiciario e tenha as mesmas garantias da Magistratura. Como exemplos, citamos os sistemas de instru~ao preliminar adotados na Italia e Portugal, pois, nesses dois pai­ses, 0 procedimento pre-processual esta outorgado a um Ministerio Publi­cO'constitucionalmente integrante do Poder Judiciario. Nestescasos, sera um procedimento judicial e nao jurisdicional, porque, apesar de integrar o Poder Judiciario, 0 MP nao possui poder jurisdicional.

4 Tratado de Derecho Procesal Penal, vol. I, p. 120.

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Ademais, a atividade realizada na indagine preliminare ou no inque­rito portugues nao e propria da jurisdi~ao, pelo contrario, consiste em determinar como introduzi-la, 5 preparando 0 e)(ercicio da a~ao penal. Sobre a distin~ao entre procedimento pre-processual e processo (de per­secu~iio), dedicaremos os proximos subtitulos.

Concluimos recordando que, para classificar a instru~ao preliminar como um procedimento administrativo pre-processual, levamos em conta a natureza juridica dos atos predominantes, que, no caso do inquerito policial, sao administrativos_ Isso nao exclui uma possivel interven~ao do orgao' jurisdicional - ao autorizar uma medida restritiva - m'as apenas constatamos que essa interven~aa e contingente e limitada. Como regra geral, 0 inquerito policial pode ser instaurado, realizado e concluido sem a interven~ao do juiz (ou do promotor).

B) PROCEDIMENTO JUDICIAL PRE-PROCESSUAL

A instru~ao preliminar a'ssume a forma de atos concatenados e logi­camente organizados_ Apresenta os caracteres fundamentais de sucessao e efeito comum dos atos que comp6em 0 procedimento e, como tal, pode ser administrativo (como no caso anterior), judicial (ou judiciario) e juris­dicional. Quando jurisdicional, 0 procedimento adquire 0 status de proces­so (como veremos no proximo ponto).

Consideramos como procedimento judicial pre-processual quando a instru~ao preliminar esta a cargo de um orgao que pertence ao Poder Judiciario e dirige a investiga~ao com base na potestas que emana do fato de pertencer ao Poder Judiciario_ Nessa dassifica~ao colocamos, como dissemos anteriormente, os modelos de Italia e Portugal, entre outros que atribuem it instru~ao preliminar a um Ministerio Publico independente do Poder Executivo e constitucionalmente incluido no Judiciario_

A Constitui~ao italiana preve, no art. 107 (Titulo IV - La Magistratura _ Se~ao I - Ordinamento Giurf5dizionale), que 0 Ministerio Publico integra a Magistratura e goza das mesmas garantias organicas dos Magistrados. Em Portugal, como explica Gomes Canotilho,6 0 MinisteriQ Publico estava origi­nariamente concebido como orgao de enlace entre 0 Poder Judiciario e 0

Executivo, mas, atualmenfe, esta previsto no art. 221 da Constitui~ao como um orgao do Poder Judiciario e, como tal, disp6e a norma constitucional que os promotores sao magistrados, gozando das mesmas garantias dos juizes.

34

FERRAIOU, Marzia y DAUA, Andrea Antonio. Corso -df Diritto Processuale Penafe, p. 29.

Dfreito Co.ns/;itucfonaf, pp. 767 e segulntes.

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Sistemas de Investigat;lio Preliminar no Processo Penal

Ainda que integrante do Poder Judiciario, nao resta duvida de que 0

MP nao possui e nao realiza, nessa atividade de investiga~ao, atos que pos­sam ser considerados como jurisdicionais, mas sim atos judiciais. Inobstante estar integrado ao Poder Judiciario, os promotores tem atribui­<;6es distintas da jurisdictio, que e exclusiva dos juizes, pois eles aplicam o direito objetivo ao caso concreto. Aos membros do MP incumbe colabo­rar no exerdcio desse poder jurisdicional, sem exerce~lo, mas sim exer­cendo outras atividades que sao inerentes ao Poder Judiciario_ Nesse sen­tido, seus atos de investiga~ao nao sao meramente administrativos, mas sim judiciais ou judiciarios. Seu poder nao decorre mais da investidura do Poder Executivo, mas sim do Judiciario.

o problema surge em sistemas cuja instru~ao esta a cargo de um Juiz Instrutor, como, por exemplo, na Espanha_

Entendemos que a instru~ao preliminar, ainda que dirigida por uma autoridade judiciaria dotada de poder jurisdicional, nao pode ser conside­rada como processo em sentido proprio (ou estrito) por carecer das mini­mas notas caracteristicas da atividade puramente processual, como sao:

a) exerdcio de uma pretensao; b) existencia de partes potencialmente contrapostas; c) que atuam sob 0 controle de um orgao supra-ordenado a elas; dJ com garantia de contraditorio; e) a existencia de uma senten<;a e a produ<;ao de coisa julgada.

A instru<;ao preliminar pode iniciar de oficio ou mediante uma mera notitia criminis, pois nao existe 0 exerdcio de uma pretensao acusat6ria (at raves da a<;ao penal). Tampouco existem partes, senao meros sujeitos_ o fato de 0 juiz instrutor atuar numa estrutura inquisitiva, reunindo as fun<;6es de investigar (e acusar lato sensu), decidir e inclusive defender 0

imputado, permite afirmar que ele nao esta supra-ordenado aos demais. o contraditorio, considerado inclusive como uma nota caracteristica do conceito moderno de processo,7 resulta excessivamente mitigado_ Nao existe uma senten~a em sentido proprio, senao meras decis6es'interlocu­torias, de modo que a instru~ao preliminar carece da mais expressiva manifesta<;ao do poder jurisdicional e, por conseqUencia, das garantias da coisa jUlgada. Em definitiv~, 0 juiz instrutor nao exerce plenamente 0

poder jurisdicional, pois nao pode condenar ou absolver, isto e, satisfazer uma pretensao ou a resistencia_

RANGEL DINAMARCO, Candido. A Instrumentafidade do ProcessD, p. 177.

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Aury Lopes Jr.

Falta aquela coordenac;:ao de atos que Calamandrei e Redenti8 cha­mam de estrutura dia!eticado processo, em virtude da qual se desenvol­ve como uma luta de ac;:6es e reac;:6es, de ataques e defesas, na qual cada um dos sujeitos provoca, com a propria atividade, 0 movimento dos outros sujeitos e espera, depois disso, um novo impulso para colocar-se em movi­mento outra vez.

A instruc;:ao preliminar tem a caracteristica de ser um procedimento previo ao processo penal, e, por isso mesmo, de natureza pre-processual e com func;:ao preparatoria do processo ou do nao-processo. Ademais, em geral, os atos da instruc;:ao seguem 0 sistema inquisitiv~ e revestem - predo­minantemente - a forma escrita e secreta, contrariando 0 sistema acusato­rio, a oralidade e a publicidade que deve predominar no processo penal: Tambem devemos considerar 0 limitado alcance do contraditorio e do direi· to de defesa.

Em definitiv~, a natureza juridica da instruc;:ao preliminar, quando levada a cabo por membros do Poder Judiciario (juizes ou promotores9),

sera de procedimento judicial pre-processual.

IV. CARACTERES DETERMINANTES: AUTONOMIA E INSTRUMENTALIDADE

A) AUTONOMIA DA INVESTIGAC;:AO PJ\ELIMINAR

o processo penal, em teoria,lO pode prescindir da investigac;:ao preli· minar. Mas a investigac;:ao preliminar existe para 0 processo. Nao obstan­te, pode nao existir 0 processo e sim a instruc;:ao preliminar. Como coorde­nar isso? Atraves da definic;:ao da autonomia e da instrumentalidade. A autonomia se reflete nos tres pIanos:

a) Sujeitos: inicialmente nao existem partes na investigac;:ao, senao mer~s sujeitos. Ademais, os que intervem na investigac;:ao preliminar nao sao, em regra, exatamente os mesmos que atuam no processo, pois, mesmo no sistema de investigac;:ao judicial, 0 juiz instrutor nao e 0 mesmo que atuara no processo (presunc;:ao absoluta de parcialidade) e, em todo caso, 0 conteudo da sua, interven<;ao e sumamehte distinto. 0 proprio orgao jurisdicional desempenha na investiga<;ao uma atividade qualitati­vamente distinta daquela realizada na fase de juizo. Tambem a situa<;ao

Apud ARAGONESES ALONSO, Proceso y Derecho Procesal, p. 191. Sempre e quando 0 MP estiver assim cons;derado na Constituh:;ao.

10 E Importante frisar que "em teona" 0 processo pode nao' necessitar da lnvestlgal7io prellminar, InduR sive porque pade ter 0 carater facultativo. Sem embargo, na pratica, quanta major for a gravldade do delito, malor sera a Importanda da instruc;ao, ao ponto de poder-se afirmar que, excetuando-se os delltos de menor potencialleslvo, nenhum Promotor ou Juiz presdnde dessa Investlga~o previa.

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Sistemas de Investiga<;1io Preliminar no Processo Penal

do sujeito passiv~ e distinta, nao so porque a investiga~ao pode nascer e se desenvolver quase que totalmente sem a sua presen<;a (ao contnirio do que sucede no processo) mas tambem porque seu status juridico e distin­to (ademais de ser um mero sujeito, existe uma forte tendencia em trata; lo de fato como um mero objeto que deve suportar os atos da investiga­c;:ao). Como sintetiza Pastor Lopez,ll nem os sujeitos do procedimento ins­trutorio coincidem necessariamente em numero e postura pro'cessual com os do periodo decisorio, nem sequer existem na instru<;ao aqueles que sao imprescindiveis para 0 processo.

b) Objeto: e muito distinto daquele de que se ocupara oprocesso penal, pois se,.o objeto do processo e a pretensao acusatoria, na instruc;:ao preliminar sera a notitia criminis e 0 grau de cognic;:ao que deve existir acerca da materialidade e da autoria do delito.

c) Atos: os atos realizados na instruc;:ao preliminar sao distintos daque­les praticados na fase de juizo, basicamente porque distintos sao os sujeitos, o objeto e, principalmente, 0 conteudo da intervenc;:ab. Como elementos chaves do conceito moderno de processo, 0 contraditorio e a defesa estao muito limitados na fase pre-processual, ao contnirio do que ocorre em juizo. Ademais, a forma dos atos da instru<;ao preliminar, em geral, esta regida pela escritura e 0 segredo, ao contrario do que sucede na fase processual.

A investigac;:ao preliminar pode ser corisiderada como um inter, uma situac;:ao intermediaria que serve de elo de liga,ao entre a notitia criminis e o processo penal. Valorativamente, possibilita, com a investigac;:ao, a transi­<;ao entre a mera possibilidade (noticia-crime) para uma situac;:ad de veros­similitude (imputa,ao/indiciamento) e posterior probabilidade (indicios racionais), necessaria para adoc;:ao de medidas cautelares e para receber a ac;:ao penal. Finalmente, na senten~a, e alcan<;ado um juizo de certeza (para condenac;:ao) ou mantido 0 grau anterior de probabilidade, que nao autoriza um juizo condenatorio. Essa situac;:ao escalon ada e uma caracteristica do processo penal, mais ainda porque na~ e necessariamente de trajetoria fixa (progressiva), senao que pode ser regressiva. Voltaremos a este tema ao tra­tar do "Sistema escalonado e a gradual concrec;:ao do sujeito passiv~".

A autonomia"manifesta·se com toi'la,ua amplitude nos casos em que o processo penal inicia sem previa investigac;:ao preliminar, 0 que sup6e um sistema juridico que contemple a instru<;ao previa com carater facultati­vo (como no caso do inquerito policial), e tambem naqueles em que a investigac;:ao preliminar nao da origem ao processo penal.

11 Ef Proceso de Persecucion, p. 45.

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Aury Lopes Jr.

B) INSTRUMENTALIDADE QUALIFICADA

Consideramos a instrumentalidade como a nota predominante 12 da investiga~ao preliminar. 0 processo e um meio para chegar a satisfa~ao juridica da pretensao acusatoria, it pena e ~o justo reparto judicial. A investiga~ao e uma fase previa, mas nao tem como fundamento a pena e tampouco a satisfa~ao juridica de uma pretensao. Nao faz - em sentido proprio - justi~a, senao que tem como objetivo imediato garantir 0 efi" caz do funcionamento da justic;:a. Pode sim ser um instrumento para for" mar ou mesmo introduzir elementos necessarios para 0 exercicio da pre" tensao, isto e, instrumentalizar a propria pretensao acusatoria.

Ao afirmar que ela garante 0 eficaz funcionamento da justic;:a, esta" mos considerando a possibilidade da produ~ao antecipada de provas, a pri" sao cautelar para assegurar a presenc;:a do imputado e a propria fun~ao de tiltro processual, como uma fase na qual se realiza um juizo de pre"admis" sibilidade da imputac;:ao. 13 Com iSso, ela sera basicamente 0 instrumento que permitira ao acusador decidir sobre acusar ou hao, e tambem servira ao juiz, para decidir sobre a admissao do pedido (receber ou naoa acusa" c;:ao; acolher ou rejeitar 0 pedido de arqu;vamento). Em sentido amplo, a ihvestigac;:ao serve ao processo nos dois casos: tanto quando se produz a acusac;:ao, como ainda quando a decisao e pelo nao"processo (non proce" dere), pois, nesse ultimo caso, nao so evitara os elevados custos para 0

Estado, como tambeml.,impedira os graves efeitos nocivos que um proces" so infundado causa para 0 sujeito passivo.

A investigac;:ao preliminar tambem e chamada a atender finalidades metajuridicas. Nesse senti do, apontamos para as conseqli€mcias metajuri" dicas da decisao de acusar, principal mente quando se leva a cabo um pro" cesso com base em acusac;:6es que nao podem ser provadas no curso do processo penal. Em sentido contrilrio, 0 fato de evitar que prospere uma imputa~ao e a futura ac;:ao penal infundada evita a estigmatizac;:ao social, reforc;:a a confianc;:a do povo na justic;:a e evita os elevados custos econo" micos de colocar em funcionamento toda a estrutura estatal sem um sufi" ciente fumus commissi delicti.

"l2 Contrarlo a nossa oplnlao, LEONE (Tratado de Derecho Procesal Penal, vol. II, p. 86) conslde· ra a autonomia da rnstruc;ao preliminar como incompativel com qualquer can~ter instrumental respelto a fase judicial.

13 a jUlzo de pre·admlssibilldade da acusa.;ao sera reallzado oa fase intermedh!irla QU, de forma mars singela, no momento em que 0 jurz decide por reeeber au nao a acusac;ao. 0 julzo defini· tivo de admisslbilidade sera realizado quando da sentenC;a. .

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Sistemas de Investiga9io Preliminar no Processo Penal

Nos sistemas de instrucao il cargo do promotor ou.di! policia, toda ati" vidade realizada tem como destinatario imediato 0 acusador. Por isso, existe uma forte tendencia em buscar a todo custo "municiar" 0 titular da ac;:ao penal, fazendo com que a instruc;:ao seja uma via de mao (mica. Nesse caso, pode"se afirmar que a instruc;:ao serve, em sentido estrito, quase que exclusivamente a acusac;:ao, pOis se preocupa basicamente em buscar os elementos de cargo, fechando os olhos para os de descargo. Na pratica, 0 material produzido serve muito pouco a defesa. Como uma forma de minorar essa grave realidade, sistemas como 0 Italiano (art. 358) e 0 alemao (§ 160 da StPO), preveem a obrigac;:ao de que 0 Ministerio Publ ico (titular da investigac;:ao) tambem diligencie sobre fatos e circuns" tancias que possam ser favoraveis ao imputado.

Por outro lado, no sistema de instruc;:ao judicial- juiz instrutor _ exis" te uma tendencia a produzir um material probat6rio menos parCial, ate porque 0 juiz instrutor nao e 0 titular da ac;:ao penal e esta mais preocupa" do em esclarecer 0 fato. Ademais, por sua propria formac;:ao, 0 juiz, mesmo quando investido da func;:ao investigadora, tende a ser mais permeavel e a nao transformar a investigac;:ao numa inquisic;:ao do acusador, como soi ocorrer no sistema de promotor investigador. Com isso, a tet!dencia e de que 0 material final possa ser usufruido tanto pela acusac;:ao como pela defesa, reforc;:ando a instrumentalidade respeito ao processo ou ao nao" processo,e nao exclusivamente como instrumento a servi,o da acusa~ao.

Feita essa ressalva, pode"se dizer que a investigac;:ao preliminar e um instrumento a servi~o do instrumento, como muito bem definiu Calamandrei14 ao referir"se as medidas cautelares do processo civil. .E: uma instrumentalidade eventual e qualificada, por assim dizer, elevada ao qua" drado. Por eventual entende"se 0 carater facultativo da instruc;:ao, que e uma regra geral (aexcec;:ao e a obrigatoriedade). 0 mais importante e des" tacar que a instrumentalidade e de segundo grau, pois a investigac;:ao pre" [iminar e um verdadeiro instrumento a servi~o do instrumento"processo.

No que se refere a relac;:ao da instruc;:ao preliminar com 0 direito material, seguindo a sistematica de Calamandrei, 0 seu fim imediato tam" bem e assegurar a eficacia pratica do processo penal, que, a sua vez, ser" vira ao Direito Penal. Por tudo isso, podemos afirmar que a inVEstigac;:ao preliminar serve para uma tutela mediata, cujo objetivo nao e fazer jus" tic;:a, mas garantir 0 eficaz funcionamento da justi,~

14 lntroduzlonl alia Studio Sistematico del Provedim/ento Cautelari, pp. 21 e seguintes.

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V. FUNDAMENTD DA EXIST£NCIA DA INVESTIGAC;M PRELIMINAR

o processo penal tem como fundamento de sua existencia a instru­mentalidade garantista e esse tambem sera 0 ponto de partida para jus­tificar a investiga<;ao preliminar. Ela nao pode afastar-se dos fundamentos do instrumento-maior ao qual presta servi<;o. Sem embargo, dentro desse fim de instrumento de garantia cabe questionar com mais especificidade o que pretende garantir a investiga<;ao preliminar.

Beling15 afirma que 0 pre-processo judicial serve ao esclarecimento do suposto fato na medida necessaria para fazer possivel'a resolu<;ao sobre a abertura ou nao do juizo oral (fase processual). Sem embargo do acerto de tal afirmaqao, para compreender a existencia da instru<;ao preliminar nao e suficiente apontar exclusivamente para sua instrumentalidade. E imprescindivel analisar em que termos atua essa instrumentalidade e em que se funda, A instrumentalidade respeito ao processo e 0 ponto de ini­cio da formaqao do conceito e nao 0 ponto final.

Do mesmo modo que 0 processo nao tem como unico fundamento a instrumentalidade, a investiga<;ao preliminar tambem atende a um paten­te interesse garantista, para evitar as acusa<;iies e os processos infundados. Nesse sentido, Camelutti16 defende que a investiga<;ao preliminar nao se faz para a comprova<;ao do delito, mas somente panr-excluir uma acusaqao aventurada. Em outro momento,17 afirma que, para evitar equivocos, a funqao do procedimento preliminar nao deve ser entendida no sentido de uma preparaqao do procedimento definitiv~, senao ao contri\rio, como um obstclculo a superar antes de poder abrir 0 procedimento judicial.

Tambem colocando em relevo essa finalidade de prote<;ao, Leone18

afirma que a instru<;ao preliminar tem duas finalidades: assegurar a maxi­ma autenticidade das provas e evitar que 0 imputado inocente seja sub­metido ao processo (debate), que, com sua publicidade, ainda que con· clua favoravelmente a ele, constitui uma causa de grave descredito, de emoqao e humilha<;ao.

Para Manzini, 19 a investiga<;ao tem a finalidade caractenstica de recolher e selecionar 0 material que havera de servir para 0 juizo, eliminando todo 0 que resulte confuso, superfluo ou inatendivel. Com iS5O, evitar-.se-iam os debates inuteis e se preparana um material seledonado para os debates necessarios.

15 Derecho Procesal Penal, p. 271. 16 Derecho Procesal Civil y Penal, p. 338. 17 Idem, p. 346. 18 Tratado de Derecho Procesal Penal, vol. II, pp. 84 e segulntes. 19 Idem, vol. IV, p. 173 e seguintes.

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Sistem~s de lnvestiga<;ao Preliminar no Processo Penal

Partindo dos conceitos doutrinais apontados,2o podemos distinguir claramente duas linhas gerais que coincidem com 0 proprio fundamento do processo penal: lnstrumentalidade e garantismo. A primeira, como anteriormente explicamos, nao esta relacionada com a pena, mas com 0

futuro processo penal e por isso esta considerada como de segundo grau. o garantismo busca evitar 0 custo para 0 sujeito passiv~ (e para 0 Estado) . de um juizo desnecessario.

Sem embargo; 0 momento e a natureza das atividades realizadas demonstram que, na instru<;ao preliminar, a instrumentalidade garantista adquire contomos distintos e especificos. Das fun<;iies de averiguar e com­provar a notitia criminis, justificar 0 processo ou 0 nao-processo, e pro­porcionar uma resposta imediata ao delito cometido, extraimos os tres21

22 pilares basicos2J da investigaqao preliminar: busca do fato oculto, sal­vaguarda da so~iedade e evitar acusaqiies infundadas.

A) BUSCA DO FATO OCULTO E A CRIMINAL CASE MORTALITY

No processo civil, as partes sao as encarregadas de trazer ao proces­so todos os elementos de convic<;ao necessarios para demonstrar sua pre­tensao, no que se denomina de principio de aportaqiio de parte. A elas e designada a atividade privada e extraprocessual de reunir 0 material fati- . co probatorio, limitando-se 0 juiz a recebe-lo e valor~-lo na sentenqa. Em definitiv~; a regra geral no processo civil e a nao-intervenqao estatal nessa atividade previa ao processo e que se destina a documentar a demanda.

20 Aos quais poderiamos induir a ideia de PASTOR LOPEZ (EI Proceso de Persecucion, pp. 131 e segulntes) de que a Instruc;ao preliminar teria dues fum;6es baslcas: a) Justificac;ao ou ellml­nac;ao da fase processual: para permitir somente a ,ealizac;ao daqueles juizos que apareC;am justificados por dados e provas obtidos na investigac;ao. b) Preparac;ao do processo: por melo da lnvestigac;ao e comprovac;ao da noticia-crime, garantia da celebrac;ao e eficacia do juizo pos­terior e concrec;ao do sujeito passiv~ do processo.

21 FLORIAN (Elementos de Derecho Procesal Pena', pp. 228 e seguintes) c1assiflca em fins gene­ricos e especiais. Como fim generico, aponta que a lnstruc;ao preparatoria serve para determi­nar se foi cometido urn delito, identificar seu autor e participes e decidlr se existem elementos suficientes para 0 juizo, ou se e caso de arquivamento. Como fim especial, destaca 0 que deno­minamos de funC;ao cautelar, ou seja, a atividade de recoiher os elementos probatorios que 0 tempo possa fazer com que desapareC;am.

22 Pam JIMENEZ ASENJO (Derecho Procesal Penal, vol. I, pp. 348 e seguintes) os fins que justifi­cam a instruc;ao preliminar devem ser c1assificados em duas classes: uma de ordem politica ou de garantia juridlca pessoal e outro de ordem puramente processual. Alnda que concordando com essa c1asslficac;ao gerai, pois esta conforme aos postulados aqul defendldos, entendemos que uma analise sistematica fica melhor estruturada sob,e os t'es pilares que definldos.

2] No mesmo sentldo, ARAGONESES ALONSO (Instituic;oes de Derecho Procesal Penal, pp. 219 e seguintes) .

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Mas 0 panorama e completamente distinto no processo penal, em que domina 0 interesse publico em perseguir e punir as condutas que atentem contra os bens juridicos tutelados, e tam bern 0 interesse (igualmente publico) em proteger os individuos de uma injusta persegui~ao. Ademais, as particularidades da conduta delituosa fazem com que seja sumamente distinta das rela~6es juridicas de direito privado.

A rela~ao juridica que existe no delito e uma rela~ao agressor-agre­dido (danneggiante e j/ danneggiato), com uma estrutura completamente diferente da que se imagina no direito civil. Na esfera penal, a base para a incidi'mcia da norma i: a viola<;:ao ou ataque a urn bern juridicamente tutelado e que gera a pena como efeito no mundo juridico_ Desde que a pen a substituiu a vingan~a privada e 0 Estado assumiu 0 poder de apenar, as partes materiais nao tern urn direito proprio para ser adjudicado, pois, ao contrario do que ocorre no processo civil, no penal a parte ativa ape­nas afirma 0 nascimento de urn direito judicial de apenar e solicita ao Estado que atue na puni~ao do culpado por meio da pena_ A parte ativa possui apenas uma pretensao acusatoria - ius ut procedatur. _.

o ponto de partida da instru~ao preliminar e a notitia criminis e, por con sequencia, 0 fumus cammissi delicti. Essa conduta delitiva e, geral­mente, praticada de forma dissimulada, oculta, de indole secreta, basica­mente par daiS motivos: para nao frustraros proprios fins do crime e para evitar a pena como f'feito juridico. .

-. < Par isso, a autor do deli to buscara ocultar as instrumentos, meios, motivos e a propria conduta praticada. Existe uma clara rela~ao entre a eficacia da instru~ao preliminar e a diminui,ao dos indices de criminal case mortality, de modo que, quanta mais eficaz e a atividade destinada a descobrir a fato oculto, menor e a criminalidade oculta au latente, au ainda, as cifras de 10 ineficiencia de la justicia, como prefere Ferrajoli.

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Em sintese, quanta menor e a diferen~a entre a criminalidade real e a cri­minalidade conhecida pelos orgaos estatais de investiga~ao, mais eficaz sera a processo penal como instrumento de rea<;:ao e controle formal da criminalidade.

Como explicam Figueiredo Dias e Costa Andrade,25 a Estado, seja par meio da polieia, do Ministerio PubliCO au dos orgaos jurisdicionais (juiz de instru~ao), nao atua em regra pelo·sistema de self-starter, mas sim atra­yes de uma rea~ao a uma natitia criminis. Para ilustrar essa realidade" segundo dados fornecidos pelos autores, nos Estados Unidos e Alemanha,

24 Derecho Y Razon, p. 210. 25 r;:rimlnofogla, p. 133.

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Sistemas de Investiga<;ao. Preliminar no. Processo. Penal

calcula-se que a inicio das investiga~6es depende em cerca de 85% a 95% da iniciativa dos particulares. /sso leva a que as indices de criminalidade oculta estejam relacionados com a saciologia do denuncia,26 cujos ele­mentos a considerar sao:27

a) ~ secreta QQ crime: pela propria expressao material e fatica da conduta, pode evitar par campI eta a observa<;:ao. Tambem as delitos sem vitima concreta (como as delitos contra a saude au fe publica) au aqueles em que a viti rna nao tern consciencia d<i ilicitude da conduta (como pode ocorrer nos delitos economicos), a rea<;:ao estatal resta prejudicada. . b) Raz6es da vitima: a vitima e considerada a rnais decisiva instiincia naa formal de sele,ao, pais cerca de 90% da delinquencia "oficial" e intra­duzida pela vitima. Logo, podem existir raz6es especificas que a impe,am de noticiar a fato, como a falta de confian,a nas instiincias formais (do Estado), a desejo de evitar as incomodos resultados aleatorios, a medo de represil­lias, a desejo de evitar a publicidade abusiva dos atos processuais etc.

c) Toler€tncia social: e a capacidade da sociedade ·de absorver deter­minadas taxas de criminalidade e certas modalidades de delitos. Como destacam Figueiredo Dias e Costa Andrade, tanto maior sera a tolerancia da sociedade quanta menor seja a correspondi'mcia entre as norm as penais e as representa,6es axiologicas da coletividade.

d) Rea~6es privadas: existe uma tendencia crescente de utilizar for­mas privadas de resposta ao delito, revelando a falta de confian,a nos ins­trumentos formais decontrole da criminalidade. Essas rea~6es vaa desde as manifesta,6es mais simples de autotutela ate as rea~6es para-institucia­nais aplicadas par empresas, supermercados e grandes centros comerciais.

Frente a essa realidade, a Estado deve dispor de instrumentos efica­zes para descobrir a fato e nao permitir que se elevem as indices de cri­minal case mortality, que geram a descredito dos sistemas formais de con­trole e uma inseguran~a social. Nesse tema, a instru,ao preliminar desem­penh a urn papel, relevantissimo e sua eficacia esta nao so no resultado final, senao tambem nas formas de starter. Para issa, alguns sistemas -coma a espanhol, par exemplo - preveem, ao lado da obrigatoriedade da

26 0 termo denuncia e 0 empregado pelos autores no sentldo de notitia criminis e foi mantido canscientemente. Cabe recordar que a expressao denunda e empregada na maior parte dos sistemas jurldlcos europeus para denominar a atividade de um particular de notidar a ocorTen~ cia de um dellto perseguivel de ofido (publico). Denuncla, como nome da pec;a que materiaJl­za 0 exercido da ac;ao penal publica, e uma particularldade do direito brasileiro.

27 Seguindo FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE, Criminologla, pp. 135 e seguintes.

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investiga~ao ex officio nos delitos publicos, a chamada denuncia obriga­taria.2s Atraves dela, qualquer cidadao que tenha conhecimento da pniti­ca de um delito tem 0 dever legal de noticia-lo a autoridade competente.

Tendo em vista que 0 ius puniendi e um poder exclusivo do Estado· Juiz e, como explica J. Goldschmidt,29 la pena se impone mediante un proceso, porque es una manifestacian de la justicia y porque el proceso es el camino de la misma, cabera ao Estado-Acusa~iio exercer a pretensao acusatoria da rnelhor forma possivel, pois somente aportando ao processo todas as provas necessarias para derrubar a presun~ao de inocencia pode­ra alcan~ar a pena.

o processo e um caminho necessario, que podera levar a pen a ou nao, dependendo da efetividade da acusa~ao, que devera vencer a luta contra o ocultamento do injusto tipico. Inclusive a absolvi~ao, em muitos casos, deve ser interpretada como 0 reconhecimento de um erro judiciario e reflexo do mal funcionamento da justi~a, pois 0 processo poderia ter side evitado se 0 sistema fosse dotado de um eficaz filtro3o contra as acusa­~6es infundadas e a investiga~ao preliminar tivesse aportado suficientes elementos para levar ao nao-processo.

Por ultimo, deve-se considerar que 0 processo penal se desenvolve de forma escalonada,31 que leva a uma progressiva ou regressiva concre~ao dos elementos objetlvos e subjetivos que sustentam a imputa~ao. Neces· sariamente, no processo penal, existem juizos escalonados de valora~ao, de modo que 0 fumus commissi delicti necessario para dar origem a ins­tru~ao prelirninar e distinto daquele necessario para adotar uma medida cautelar ou para admitir a acusa~ao formal.

Ademais, 0 processo penal nao e de senti do (mico (progressivo), senao que tambem pode ser um jUlzo regressivo de culpabilidade. A investiga~ao preliminar e 0 primeiro degrau da escada e, atraves dela, se chegara a urna gradual concre~iio do sujeito passivo. Com base nos ele·

28 Prevista no art. 259 da LECrlm. Tambem disp6e da ac;ao popular (art. 125 da Constituic;ao e 101 da LECrim), par meio da qual qualquer pessoa (e nao apenas a vitima) podera exercer a acusac;ao em urn deHto publico, Independente da atlvidade do Minlsttkio Publico.

29 Problemas JUridicos y Politicos del Proceso Penal, p. 17. E Importante destacar que partirnos da concepc;ao de J. GOLDSCHMIDT para definir 0 objeto do processo penal (pretensao acusatoria), de modo que 0 dlrelto de "penar" coincide com 0 poder judicial de condenar 0 culpavel e exe­cutar a penal pols 0 Estado, como titular do dlrelto de punlr, rea\lza seu dlrelto nao como parte, mas como juiz (ob. Cit., p. 25).

30 Talvez 0 prindpal filtro se opere atraves da chamada fase Intermediaria contradlt6ria, urna gra­vissima lacuna do dlrelto brasilelro (e considerarnos como lacuna, pols a prevlsao no procedi­menta especial para as delltos cometidos por funclonarios publlc:os e timlda e de pouco alcan­ce pratico).

31 Esse fenomeno fol muito bem observado par GOMEZ ORBANEJA, Comentarios a la Ley de Enjuidamlento Criminal, vol. I, pp. 37 e seguintes.

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Sistemas de Investiga<;1io Preliminar no Processo Penal

mentos fornecidos pela investiga~ao preliminar, serao realizados esses diferentes juizos, de valor imprescindivel para chegar ao processo ou aa nao-processo.

Se para a instaura~ao da investiga~ao preliminar basta existir a pos­sibilfdade, para a ado,ao de medidas cautelares e a admissao da a~ao penal e necessario um"ilrau maior ae seguran~a: e imprescindivel um juizo de probabllidade da autoria e da materialidade. Dadas a relevancia e as dificuldades que encerra a investiga~ao do delito, essa atividade nao pode ser deixada nas maos do particular (como no processo civil) e exige a interven~ao do Estado, por meio de seus urgaos oficiais.

B) SALVAGUARDA DA SOCIEDADE

A jnvestiga~ao preliminar tambem atende a uma fun~ao de natureza sociologica ao assegurar a paz e a tranqUilidade social, pela certeza de que tadas as condutas possivelmente delitivas serao objeto de investiga­~ao. Essa garantia, de que nao existira impunidade, rnanifesta-se tambem atraves da imediata atividade persecutoria estatal.

A salvaguarda da estabilidade social esta fundada no carater oficial da investiga~ao, pOis am para os individuos frente as a~6e£ delitivas, maxi­ma expressao das condutas antisociais, procurando sua justa puni~ao, can­ceito este que indui a reeduca~ao e a reinser,ao social. Sao imprescindi­veis a interven~ao e 0 controle estatal, pois, frente a natureza dos atos a investigar, e necessaria a ado,ao de deterrninadas medidas que so incum­be aos orgaos estatais praticar.

Ademais, as atua~6es preliminares a cargo da Policia Judicial servem como estfmulo negativo para a pratica de novas infra~6es. Inclusive, a pronta interven~ao policial pode evitar a consuma~ao de uma conduta cri­minosa em desenvolvimento. Nesse sentido, os arts. 73 e 232 do C6digo' Modelo para tbero-America contem de forma expressa 0 mandamento de imediata interven~ao da policia e do Ministerio Publico para impedir que los tentados 0 cometidos sean llevados a consecuencias ulteriores .

Tambem a salvaguarda da sociedade manifesta-se na instru~ao preli­--.. minar como um freio aos excessos da per~egui,ao policial ou mesrno do

Ministerio Publico, pois a rapida formaliza~ao da investiga~ao permite a interven~ao do juiz de garantias.

A investiga~ao preliminar aindadesempenha urna funcao cautelar, que adquire distintos contornos conforme a necessidade da tutela, pois podem ser adotadas medidas que tenham natureza pessoal, patrimonial ou probat6ria. A produ~ao antecipada de provas pertence a classe das

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medidas de prote~ao da prova, pois visa assegurar provas t,knicas ou tes­temunhais. Sem embargo, nao e esta a unica manifesta~ao da fun~ao cau­telar. As medidas cautelares patrimoniais tem como objeto garantir 0

pagamento das custas do processo e/ou 0 ressarcimento dos prejuizos causados pelo delito, ou seja, basicamente assegurar a eficacia da sen­ten~a condenatoria com rela~ao as responsabilidades civis_ Isso tambem contribui para manter a tranqUilidade social e a confian~a no funciona-mento da justi~a. .

Mas, sem duvida, sao as medidas cautela res de carater pessoal que exteriorizam com mais clareza a prote~ao da sociedade e 0 restabeleci­mento da paz social afetada pelo deli to_ Entre os fundamentos da prisao cautelar no nosso sistema esta a prisao preventiva para garantia da ordem publica ou economica (art. 312 do CPP e, no mesmo sentido, 0 art_ 503, 22 da LECrim espanhola). A prisao cautelar tem como fundamento32 prin­cipal 0 periculum libertatis, vistocomo a situa~ao de perigo para 0 nor­mal desenvolvimento do processo causado pela situa~ao de liberdade do autor do delito. A prisao cautelar, quando corretamente utilizada, contri­bui para a efetividade do processo e 0 fortalecimento da confian~a da sociedade nos mecanismos formais de controle da criminalidade.

C) EVITAR ACUSA<;:OES INFUNDADAS - FILTRO PROCESSUAL

A fun~ao de filtro processual contra acusa~6es infundadas incumbe, especialmente, a chamada fase intermediaria, que serve como elo de liga­~ao entre a investiga~ao preliminar e 0 processo ou 0 nao-processo. Sem embargo, esse e apenas um momento procedimental em que se realiza um juizo de valor, mais e~pecificamente, de pre-admissibilidade da acusa~ao, com base na atividade desenvolvida anteriormente e no material recolhi­do. E inegavel que 0 exito da fase intermediaria depende inteiramente da atividade preliminar, de modo que transferimos a ela 0 verdadeiro papel de evitar as acusa~6es infundadas.

Com'o explica Canuto Mendes,33 se a instru~ao definitiva prova ou nao prova que existe crime ou contraven~ao, a instru~ao preliminar prova ou

32 Nesse terna, discord amos da automatka transmissao das categorlas do processo civil para 0

processo penal e, par Issa, entendemos que 0 requislto das prisoes cautelares e a fumus com­miss; delicti (e nao a fumu5 boni ;urls) e a seu fundamento Q perfculum libertatis (e nao a peri­culum in mora). Sabre a terna, remetemos a leitor ao nOSSQ artlgo "Fundamento, Requisito e Principlos Gerais das Prisoes Cautelares", publlcado na Rev/sta AJURIS, nQ 72.

33 A Contrariedade na lnstrur;ao Criminal, pp. 12 e segulntes.

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Sistemas de Inves~gao;ao Preliminar no Processo Penal

nao prova se existe base para a acusa~iio. Seu primeiro beneficio e prote­ger ao inculpado. 0 processo penal e um processo formal .de sele~ao, atuando a instru~ao preliminar como um sistema de filtros desde onde se vai desti(ando a notitia criminis ate chegar ao processo penal os elemen­tos de tato que verdadeiramente revistam caracteres de deli to, com 0

previo conhecimento dos supostos auiores. 34 .

Ao lado da cifra Qg ineficiencia - que corresponde ao numero decul­paveis que, submetidos a juizo, restam impunes ou sao ignorados - esta a cifra Q9. injusti<;a, relacionada aos nao menos' graves casos de inocentes processados e as vezes condenados. Se a primeira pode ser justificada (pela absoluta impossibilidade da total enforcement) e ate mesmo tolera­da (com base nas teorias ou ideologias da justi~a), a cifra da injusti<;a resulta absolutamente injustificavel. E, sobretudo, produto das carencias normativas ou da ineficacia pratica das garantias penais e processuais, dis­postas precisamente como diques contra as arbitrariedades e 0 erro, e e tanto maior quanta mais cresce 0 poder judicial de disposi~ao~5 - poder esse ilegitimo juridicamente e politicamente injustificavel.

A nosso juizo, a funs;ao de evitar acusa~6es infundadas e 0 principal fundamento da instru~ao preliminar, pois em realidade, evitar acusa~6es infundadas significa esclarecer 0 fato oculto (juizo proviserio e de probabi­lidade) e com isso tambem assegurar a sociedade de que nao existirao abusos por parte do poder persecutorio .estatal. Se a impunidade causa uma grave intranqUilidade social, nao menos grave e 0 mal causado por processar um inocente.

Consideramos .Qlle essa atividade de "filtro processual" resta plena­mente concretada se levarmos em considera~ao tres fatores: 0 custo do processo; 0 sofrimento que causa para 0 sujeito passiv~ (estado de ansia prolongada) e a estigmatiza~ao social e juridica que gera. Apes analis[!-los, ficara mais evidenciada a necessidade e a importancia do filtro processual.

a) Custo do processo penal e as penas processuais

Ja dizia Carnelutti,36 com absoluta razao, que ao direito processual penal e nao ao direito penal material corresponde, em primeiro lugar, a pena, pois a pen a si risolve nel giudizio e it giudizio neUa pena.Nao e pos­sivel processar sem punir e tampouco punir sem processar.

34 GIMENQ SENORA, Vicente. Fundamentos del Derecho Procesa/, p. 196. 35 FERRAlOU, Luigi. Oerecho y Razon, p. 210. " 36 Lezionl sui Processo Penale, vol. r , pp. 34-35.

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Por iSso, entendemos que 0 processo Ii uma pena em si mesmo e que existem penas de autentica natureza processual. 37 Nesse sentido, explica Ferrajoli,38 existe urn amplo rol de 'san~6es ante, extra au ultra delictum e ante, extra ou ultra iudicium, incluindo com especial destaque as pri­s6es cautela res e toda serie de medidas de ""garantia da ordem publica" que sao atribuidas ao instrutor (juiz, promotor ou policia).

Nao so 0 processo e urn pena em si mesmo, senao que existe um sobre­custo do desenvcilvimento inflacionario do processo penal na moderna sociedade das comunica~6es de massas. Sem duvida que se usa a incrimi­na~ao como um instrumento de culpabilidade preventiva e de estigmatiza­~a() publica. A prolifera~ao de milh6es de processos a cada ano, nao segui­dos de nenhuma pena, somente com 0 fim de gerar certificados penais e degradados status juridico-sociais (de reincidente, perigoso, ou it espera'de juizo etc. )39 e sinal do grau de degenera~ao que alcan~ou 0 instrumento.

Sao casos de patologia judicial, em que 0 processo penal e utilizado como uma puni~ao antecipada, para a persegui~ao politica, para gerar a estigmatiza~ao social, como forma de intimida~ao policial e inclusive com um degenerado fim de preven~ao. A difama~ao publica por meio do pro­cesso penal tern 0 caniter de pena exemplar e dissuasoria.

Para Ferrajoli,40 isso demonstra que a pen a publica e infamante do Direitd Penal pre-moderno foi ressuscitada,solo que el rolla y la picote han sido hoy sustituidos par la exhibicion publica del awsado en las primeras poginas de los peri6dicos a en el televisor; y no como consewencia de la con dena, sino de la acusaci6n, wanta todavia es un presunta inacente.

E devemos destacar que, em muitos casos, a verdadeira puni~ao preten­dida nao e dada pela condena~ao, mas pela simples acusa~ao, quando 0 indi­viduo todavia ainda deveria estar sobre a esfera de prote~ao da presun~ao de inocencia. Muitos processos infundados acabam em uma absolvi~ao, esque­cendo-se que lio caminho fica uma vida destruida, estigmatizada. 0 processo penal em si mesmo produz uma carga grave e onerosa para 0 acusado, que culmina com 0 sofrimento da alma e a penitenda do espirito.41

37 Em Espanha existe uma expressao muito adequada e representativa dessa situa~ao: Ja pena de banquillo. 0 fata de uma pessoa sentar-se no banco destlnado aDs acusados ja e uma pena em si mesmo, com profundos reflexas SOCials, economicos e psicologicos.

38 Derecho y Razon, p. 25. 39 Sabre 0 tema, consulte-se FERRAJOU, Derecho y Raz6n, pp. 730 e segulntes. 40 Idem. 41 Ja alertava BECCARIA (De los Delltos y de las Penas, p. 60) da necessidade de que a pena Fosse

prantamente apllcada, para evltar que 0 reu sofresse os Inuteis e crueis tormentas da-incerte­za, que crescem com 0 vigor da Imagina~ao e com 0 principia da propria fraqueza.

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Sistemas de Investiga<;ao Preliminar no Processo Penal

Eo que Carnelutti42 define como a misure di soffrenza spirituale ou di umiliazione. 0 mais grave da acusa~ao infundada nao e 0 custo mera­mente economico, mas 0 social e psicol6gico. Por desgra~a, 0 custo da injusti~a e um valor imensuravel.

b) Estado de prolong ada ansia

A expressao stato di prolungata ansia foi empregada na Exposi~ao de Motivos do atual Codigo de Processo Civil italiano para justificar a crise do procedimento civil ordinario e a necessidade de implementar formas de tutela de urgencia. Nao obstante, encontra no processo penal um amplo campo de aplica~ao, levando em conta a natureza do ,seu custti.

o processo penal submete 0 particular a uma institui~ao que, em geral, the e absolutamente nova e rep leta de misterios e incOgnitas. A pro­fissionaliza~ao da justi~a e a estrutura burocratica que foi implantada devido tambem it massifica~ao da criminalidade fazem com que 0 sujeito passiv~ tenha que se submeter a um mundo novo e desconhecido. Isso sem considerar 0 sistema penitenciario, que, sem duvida, e um mundo it par­te, com sua propria escala e hierarquia de valores, linguagem etc.

, Esse ambiente da justi~a penal e hostil, complexo e impregnado de simbolismos. Como destacam Figueiredo Dias e Costa Andrade,43 para 0

sujeito passivo, todo 0 cenario revela um misterio, que somente podera compreender depois de submeter-se a toda uma serie de cerimonias degra­dantes. A arquitetura das salas dos Tribunais configura um plagio das cons­tru~6es religiosas, com suas estatuas e inclusive com um certo vazio, onde devera ser "exposto" 0 acusado. Tudo isso traduz, em ultima analise, que 0

binomio crime-pecado ainda nao fOi completamente superado pelo homem. Os membros do Estado - juizes, promotores e auxiliares da justi~a _

movem-se em um cenario que lhes e familiar, com a indiferen~a de quem so cumpre mais uma tarefa rotineira.Utilizam urna indumentaria, vocabu­lario e todo um ritualismo que contribui de forma definitiva para que 0

individuo adquira 'a plena consciencia de sua inferioridade. Dessa forma, o mais forte e convertido no mais impotente dos hom ens frente a supre­macia punitiva estatal.

Tudo isso, acrescido do peso da espada de Damocles que pende sobre sua cabe~a, leva 0 sujeito passiv~ a urn estado de angustia prolongada.

42 Lezioni sui Processo Pena/e, vol. I, pp. 67 e seguintes. 4] Crimlnologla, pp. 377 e segulntes.

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Enquanto dura 0 processo penal, dura a incerteza e isso leva qualquer pes­soa a niveis de estresse jamais imaginados_ Nao raros serao os transtornos psicologicos graves, como a depressao exogena_ 0 sofrimento ,da alma e urn custo que ten! que pagar 0 submetido ao processo penal, e tanto maior sera sua dor como maior seja a injusti~a a'que esteja sendo submetido. Tudo isso pode ser evitado se a investiga~ao preliminar cumprir com suas fun~iies, evitando que acusa~iies infundadas sejam levadas adiante.

c) Estigmatiza~ao social e juridica derivada do processo penal

o termo estigmatizar encontra sua origem etimologica no latim stig­ma, que alude a marca feita com ferro candente, 0 sinal da infamia, que foi, com a evolu~ao da humanidade, sendo substituida por diferentes ins­trumentos de marca~ao. 0 processo penal em geral e a acusa~ao formal em especial sao hoje manifesta~iies da infamia, tendo sido 0 ferro canden­te substituido pela denuncia ou queixa abusiva e infundada.

A Criminologia critica apontapara 0 labeling approach44 como essa ativi­dade de etiquetamento que sofre a pessoa e tal fenomeno pode ser perfeita­mente aplicado ao processo penal. 0 labeling approach, como perspectiva cri­minologica, entende qIJe 0 self - a identidade - nao e urn dado, uma estru­tura sobre a qual atuam as "causas" endogenas ou exogenas, mas algo que se vai adquirindo e modelando ao longo do processo de intera~ao entre 0 sujeito e os demais,4' Nesse panorama, 0 processo penal representa a retirada da identidade de uma pessoa e a outorga de outra, degradada, estigmatizada., Em definitiv~, Q orocesso penal g l!!!19. clara atiyjdade de etiquetamento.

A Criminologia analisa 0 problema da estigmatiza~ao a partir de cer­tas variaveis, como: quais sao os criterios para explicar porque somente certas pessoas sao estigmatizadas como, delinquentes? Quais as conse­qUencias dessa estigiJlatiza~ao?

Sao questionamentos que tambem devem ser aplicados a estigmati­za~ao causada pelo processo penal, pois nao todos os acusados sofrem essa estigmatiza~ao e tampouco ela se produz em mesmo grau. Determi­nados tipos penais causam urn eJiquetamento maior, da mesma forma que o graude prejuizo podenl variar-tonforme a classe social do acusado e, principalmente, segundo a natureza das medidas adotadas no curso da investiga~ao e do processo. Em definitiv~, existem variaveis de natureza subjetiva e objetiva que influem decisivamente nesse tema. Nao resta

44 FIGUEIREDO OIAS, Jorge e COSTA ANDRADE, Manuel. Criminologia, p. 42. 45 Idem, p. SO.

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duvida que a estigmatiza~ao e muito maior quando sao adotadas medidas . cautelares de natureza pessoal ou quando existe uma publici dade abusi­

va46 sobre 0 fato. Outro aspecto fundamental consiste em reconhecer que 0 processo

penal constitui 0 mais grave status-degradation ceremony. Como explicam Figueiredo Dias e Costa Andrade,47 0 conceito de cerimonia degradante foi introduzido em 1956', por H. Garfinkel, como sendo os processos ritualiza­dos em que uma pessoa e condenada e despojada de sua identidade e recebe outra, degradada. 0 juizo criminal e a mais expressiva de todas as cerimonias degradantes.

A pessoa submetida ao processo penal perde sua identidade, sua posi­~ao e respeitabilidade SOCial, pass an do a ser considerada desde logo como delinquente, ainda antes mesmo da senten~a e com 0 simples indiciamen­to. Em sintese, recebe uma nova identidade, degradada, que altera radi­calmente sua situa~ao social. Ademais, se 0 processo como urn todo pode ser considerado uma cerimonia degradante, no seu interior e possivel identifica~'4leterminados atos que aumentam esse grau de vexa~ao, espe­cialmente as medidas cautelares pessoais e a publicidade abusiva dos atos de investiga~ao ou do processo.

A presun~ao de inocencia, como sistema de prote~ao formal, deveria ser 0 mais importante instrumento de prote~ao contra a estigmatiza~ao, de modo que, quanta maior for a eficacia real do principio, menor deve ser 0 prejuizo para 0 individuo. Sem embargo, a realidade demonstra que a presun~ao de inod~ncia falha nos dois pianos:

a) no juridico, porque nao impede 'as penas processuais; b) no social, porque a publicidade abusiva e os juizos paralelos con­

den am 0 sUjeito passiv~ ainda antes mesmo do processo penal come~ar, com a simples investiga~ao policial (nesse sentido, entre muitos outros, 0

triste exemplo do caso da Escola de Base em Sao Paulo).

Ja na sua epoca, Beccaria48 alertava sobre 0 problema do tormento e de que um homem mio pode ser chamado de reu antes dasentenqa do

46 A publicidade abusiva dos atos de !nvestiga~o ou do processo par parte dos melos de comunicac:;ao de massa e um problema gravissimo que enfrenta a modemo processo penal. Somas partidarios de que 0 segredo extemo das atos de investigac;aa au do processo penal seja uma regra geml, paiS, ao mesmo tempo que protege a personaUdade e a intimidade do indldadojacusado, tambem contribui para 0 melhor desenvolvimento do processo e a tranquilldade do julgador. Nesse tema, e sempre necessario recordar a Jiljio de CARNELIJTTI ("La Publiddad del Proceso Penar, in Cuestiones sobre el Proceso Penal, p. 129): Un derecho del dudadano de meter persona/mente la nariz en cada uno de los procesos, a ser infonnado del desarrollo de el, a manifestar su opInion acerca de el, no ex/ste.

41 Crimino/og/a, p. 350. 48 De los De/itos y de las Penas, p. 52.

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juiz, nem a sociedade pode qUitar-lhe a prote~ao publica, senao quando estd decidido que violou os pactos sob os que [oi concedida. Nao Ii! novo 0

dilema: 0 delito e certo ou incerto; se Ii! certo, nao lhe convem outra pena di[erente da estabelecida pelas leis, e sao inuteis os tormentos porque e inutil a con[issao do reu; se Ii incerto, nao !ie deve atormentar a um ino­cente, porqu/i1 tal Ii, segundo as leiS, 0 homem cujo delito nao estd pro­vado. A realidade atual tampouco e muito distinta, pois freqUentemente a sociedade quita essa prote~ao antes mesmo do processo.

o simples indiciamento,49 e com maisgravidade a acusa~ao formal, causam, mais que efeitos juridicos, graves efeitos sociais. Se no ambito juridico a senten~a absolutoria restabelece (em tese) 0 status quo ante, na esfera social seus prejuizos nao sao apagados com tanta facilidade. Ninguem duvida que, em nossos tempos, 0 exito de um inocente e muito dificil, simplesmente porque prevalece a ideia da forc;a e da prepotencia a de justi~a.50 porque se lanc;am misturados, na mesma caverna, os sim­ples acusados com os culpados reconhecidos por senten~a.

A estigmatiza~ao social sequer obedece ao principio da intranscen­dencia da pena, pois, ja com 0 processo, 0 acusado e sua familia sao leva­dos ao isolamento e'a marginaliza~ao.

o fenomeno da televisao e dos periodicos sensacionalistas transforma o julgamento penal em um espetaculo deploravel, de puro escarmento. Nao resta duvida de que a publicidade do processo foi completamente desvirtuada, convertendo-se em um instrumento de manipula~ao e con­trole da correc;ao dos julgamentos conforme interesses economicos e poli­ticos, transformando 0 jUlgamento em um repugnante espetaculo. Com essa deturpada liberdade de informar, opinar e emitir juizos de valor para­lelos, esta oficialmente tolerada a di[amacio judicialis.

Existe tambem uma clara rela~ao entre a estigmatiza~ao e i! dura~ao do processo, que foi muito bem observada pelo legislador portugues no ponto 8 da Exposi~ao de Motivos do atual Codigo de Processo Penal. Nele e destacada a importancia de reduzir a dura~ao da investiga~ao prelimi­nar e do processo a um minimo razoavel (sem, e claro, cercear a defesa), pois 0 processo penal implica sempre uma compressao da es[era juridica de uma pessoa que pode ser - e deve presumir-se - inocente. Com isso tambem se previne QS perigos da estigmatiza~ao e adultera~ao irreversi­vel da identidade do imputado, 0 que podeni resultar num compromisso

49 Urna figura ambigua e que 0 CPP nao delimita quando nasce, que sltua~ao deve existlr para que se produza, que forma deve revestir e, princlpalmente, quais as cargas e direitos que assume o Indiclado.

so Como ja destacava BECCARIA, ob. cit., p. 82.

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com uma carreira delinqiiente. Nessa mesma linha, e perfeitamente pos­sivel tra~ar urn paralelo entre estigmatizacao g reincidencia pois, ao colo­car uma pessoa a margem da sociedade - e a estigmatiza~ao implica iso­lamento social -, estamos introduzindo-a no caminho da delinqUencia.

Ao lade da social, a estigmatiza<;ao juridica pode ser concebida como uma situac;ao de desvantagem gerada pelo fato de ser indiciado ou acusa-' do e que se manifesta no seio do proprio processo. Nesse sentldo, sem pre­tender esgotar 0 tema, citamos exemplificativamente algumas situa~6es de clara estigmatiza~ao juridica:

a) a denuncia abusiva para etiquetar como criminoso hediondo e, com isso, entre outros males, impedir a liberdade provis6ria;

b) a prisao cautelar representa urn etiquetamento do sujeito passiv~ e significa urn prejulgamento que compromete a imparcialidade do julgador;51

c) 0 simples fato de haver sido indiciado em outro processo jil traz pre­juizos juridicos para 0 sujeito passiv~ (inclusive existe alguma mino­ritaria e equivocada jurisprudencia considerando como maus antece­dentes para efeitos de fixa~ao da pena base acima do minimo);

d) entre as causas de prorroga~ao do periodo de provas do sursis (art. 81, § 22 do CP) esta a pratica de nova infra~ao penal, admitindo algu­rna jurisprudencia que basta 0 inicio do inquerito,52 e com mais tran­qUilidade a admissao da ac;ao penal, para justificar a prorroga~ao;

e) entre as causas de revoga~ao da suspensao condicional do processo estil 0 fato de estar sendo processado, isto e, com 0 simples e nao­contradit6rio recebimento da denuncia53 0 sujeito passiv~ podera ser privado do beneficio anteriormente obtido em outro processo.

51 Entendemos que deverla ser repensado 0 criteria de conslderar a prevenc,;:ao causa definldora da competenda. A nossa juizo, deveria ser uma causa de exclusao, pois resulta equivocado que 0 mesmo juiz que homologou uma prisao em flagrante ou decretou a prisao temporaria ou preven­tiva no cursa do inquerito, seja 0 que ira receber e julgar a causa. 0 direlto espanhol, em virtu­de da Figura do juiz instrutor, enfrentou 0 problema com anterioridade e resolveu pela presun­r;50 absoluta de parcialidade. Isto e, 0 juiz prevenido tern sua imparcialidade comprometida e nao pade particlpar do julgamento. Em excelente monografia sabre 0 terna, OUVA SANTOS (Jueces Imparciafes, Fiscaies Investfgadores y Nueva Reforma para la Vieja Crisis de la Justicia Penal" pp. 81 e seguintes) destaca que a preven~ao deriva mais da natureza das decisoes que 0 juiz adota (como nas medldas cautelares) do que propriamente dos atos de reunir material 0 estar em cantata com as fontes de prova. Na sintese do autor, 0 juiz que naa conhece a Investiga~ao determinara slstematicamente 0 que 0 promotor propuser au examinara as autos para decldir segundo seu proprio crlterio. Neste ultimo casa, se converteria em juiz prevenido, inapta para 0 processo e a senten~. No primelra casa, nao e necessaria dizer que 0 reproche e patente.

52 Nesse sentido: TACrim/Sp, RT 384/264. Tambem 0 T1SP (RT 553/349) ja dec1dlu que a prorro­ga~ao do prazo do sursis se justifica mesmo em {ace de inquerito policial par Infrar;ao comet(­da durante a per/ado de prova.

53 0 que, a nasso ver, e incanstitucional (vide nosso artigo "Breves Considerac;6es sabre as Inovac;oes Processuais Penais da Lei 9.099", pUblicado na Revista AJURIS, nn 67).

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Aury lopes Jr.

Sem duvida que toda a estigmatiza~ao iuridica, cuia causa nao fosse uma senten~a condenat6ria transitada em iulgado, deveria ser considera­da inconstitucional, por darissima viola~ao da garantia da presun~ao de inocencia. Sem embargo, nem sempre esse e 0 entendimento, e uma vez mais 0 que se ve e 0 claro conflito entre normbtividade e efetividadeS4 da norma. Isto e, a garantia existe, e valida, mas nao e eficaz. A partir do m9mento em que os direitos natun'lis passaram a integrar as modernas constitui~oes democraticas, 0 conflito entre direito natural x direito posi­tivo fOi superado, dando lugar a outro, nao menos grave: a luta entre nor­matividade x efetividade das garantias constitucionais e processuais.

d) A investiga~ao preliminar como "filtro"

A investiga~ao preliminar nao 56 deve excluir as provas inuteis, fit­trando e deixando em evidencia aqueles elementos de convic~ao que inte­ressem ao julgamento da causae que as partes devem solicitar a produ­~ao no processo, como tambem deve servir de filtro processual, eVitando que as acusa~oes infundadas prosperem. Evidenciados os graves transtor­nos que pode causar um processo penal infundado, resta saber com base em que grau de convencimento deve-se operar 0 fittro processua!. '

A investiga~ao preliminar esta destin ada a fornecer elementos de con­vic~ao que permitam justificar 0 processo ou 0 nao-processo. Para tanto, e necessario definir se ela deve permitir ao final um "julzo de probabilida­de" ou bastaria a mera "possibilidade" para 0 exerckio da acusa~ao. Em outras palavras, quando a denuncia ou queixa deve ser admitida. Quan­do possivel ou quando provcivel a veracidade de suas afirma~6es?

Como explica Carnelutti,ss existe possibilidade em lugar de probabi­lidade quando as razoes favoraveiS ou contrarias a hip6tese sao equivalen­tes. 0 juizo de possib(tidade prescinde da afirma~ao de um predomlnio das razoes positivas sobre as razoes negativas ou vice-versa. Para a a):ler­tura do inquerito policial (ou qualquer outro instrumento de ihvestiga~ao preliminar) seria suficiente um iulzo de possibilidade, posto que no curso da investiga~ao se irao aportando outros elementos que permitam um maior grau de convencimento.

Inobstante, para a admissao de uma a~ao penal ou aplica~ao de uma medida cautelar pessoal, e necessario mais do que isso, deve existir um

S4 Esse tema e abordado com muita propriedade por FERRAJOLI, ao lango da sua obra Derecho y Razon.

55 Lecciones sabre e/ Proceso penal, vol. II, pp, 181-182.

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

julzo de probabilidade, uma predominancia das raz6es positivas. Se a possibi/idade basta para a imputa~ao, nao pode bastar para a acusa~ao, pOis o peso do processo agrava-se notavelmente sobre as costas do imputado.

Como frisa Carnelutti, probabilidade significa 0 predominio das razoes positivas que afirmam a existenciado delito e sua autoria. Logo, a investiga,iio preliminar deve permitir afirmar a probabi/idade da existi'm­cia de todos os requisitos positivos e a (provdvel) inexistencia de todos os requisitos negativos do deli to.

Tambem e importante desmascarar 0 fragilargumento de que no momento de admissao da den uncia exista uma presun¢ao de in dubiO pro societate. Nao s6 nao existe no plano normativo tal previsao, como, se existisse, seria inconstitucional, pois, ao afirmar que na duvida deve-se proceder contra uma pessoa, estarlamos retirando 0 manto de prote~ao constitucional da presun~ao de inocencia.

A investiga~ao preliminar esta destinada a conhecer 0 fato em grau suficiente para afirmar a sua existencia e autoria, isto e, probabilidade da materialidade e da autoria. Se nao atingir esse nivel - ficando na mera possibilidade - justificara 0 pedido de arquivamento (nao-processo) e, como conseqUencia, nao devera ser exercida a a~ao penal, porque, se exercida, nao devera ser admitida. Tambem nao devera conhecer profun­damente da materia, pOis a cogni~ao plena, destin ada ao julzo de certe" za, esta reservada a fase processua!.

Concluindo, para que a razao pFedomine sobre 0 poder, e necessario que a denuncia ou queixa venha acompanhada de um minimo de provas _ mas suficientes para demonstrar a probabilidade do delito e da autoria afirmados - para motivar e fundamentar a decisaoS6 do juiz de receber ou nao a acusa~ao e nisso reside a importancia dainvestiga~ao preliminar: fornecer elementos de convic~ao para justificar 0 processo ou 0 nao-pro­cesso, evitando que acusa~oes infundadas prosperem.

S6 InfeJizmente, no Brasil, 0 dever constituclonal de fundamentac;ao das decisoes judldals e subs­tituido pelos despachos de recebJmento sem a menor fundamentac;ao e, no c"aso das prisCies cautelares, pelas ordens de prisao amparadas em decisCies formularias e sem uma suficiente motiva~ao.

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Capitulo III Orgao Encarregado da

Investiga<;ao/lnstru<,;ao Preliminar

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A continua<;:ao, analisaremos os sistemas de instru<;:ao preliminar atualmente existentes, a partir do sujeito encarregado, isto e, segundo a titularidade seja da Policia Judiciaria (sistema policial), do Juiz lnstrutor (sistema judicial) ou do Promotor Investigador.

Depois de algumas considera<;:oes introdutarias, nos centraremos no confronto entre as vantagens e os inconvenientes de cada urn, permitindo assim justificar ao final a escolha do modelo eteito para ser 0 que deno­minamos de sistema idea/.

E importante destacar que neste capitUlo nos ocuparemos da analise no plano tea rico, sem fixar-nos em nenhum pais em concreto.' 0 estudo dos modelos concretos sera feito posteriormente.

t INVESTIGAC;:AO PRELIMINAR POLlelAl

o sistema de investiga<;:ao preliminar policial caracteriza-se por en­carre gar a Policia Judiciaria 0 poder de-mando sabre as atos de~liifiados a investigar os fatos e a suposta autoria, apontados na notitia criminis ou atraves de qualquer outra fonte de informa<;:ao. Todas asinforma<;:oes sabre os delitos publicos sao canalizadas para a policia, que decidira e estabelecera qual sera a linha de investiga<;:ao a ser seguida, isto e, que atos e de que forma. Praticara ela mesma as provas tecnicas que julgar necessarias, decidindo tam bern quem, como e quando sera ouvido. Para aqueles atos que impliquem a restri<;:ao de direitos fundamentais - prisoes cautelares, buscas domiciliares, interven<;:oes corporais, telef6nicas etc. -devera solicitar ao argao jurisdicional.

E importante destacar que neste sistema a policia nao e urn mero auxiliar, senao 0 titular (verdadeiro diretor da instru,iio preliminar), com autonomia para dizer as formas e os meios empregados na investiga<;:ao e, inclusive, nao se pode afirmar que exista uma subordina<;:ao funcional em rela<;:ao aos juizes e promotores.

Como veremos na continua<;:ao, no contraste entre vantagens e incon­venientes, 0 sistema de investiga<;:ao preliminar policial e arcaico e esta totalmente superado, exatamente porque oferece uma infinidade de as-

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pectos negativos contra alguns poucos argumentos que a justifiquem. Excepcionalmente, como na Inglaterra, atendendo as especiais caracteris· ticas sociais, politicas e juridic as -. que se refletem na qualidade do seu corpo policial - este modelo de instru,ao preliminar pode ser considera· do como satisfatorio. .

A natureza juridica desse sistema sera administrativa, pais inegavel­mente a policia e um orgao da administra,ao publica, que nao esta dota­do de poder jurisdicional.

o inquerito policial brasileiro e um bom exemplo de sistema de inves­tiga,ao preliminar policial, inclusive porque reflete os graves problemas e desvantagens do sistema, a tal ponto que se pode falar em crise do inque­rito policial e na urgente necessidade de modifica,6es. Esta crise esta materializada no fato de que as imperfei,6es do nosso sistema sao de tal monta que sobre 0 inquerito policial s6 existe uma unanimidade: nao satis­faz ao titular da a,ao penal publica, tampouco a defesa e resulta de pouca utilidade para a juiz (principalmente pela pouca qualidade e confiabilida­de do material fornecido).

Todos os argume~tos a seguir aduzidos sao aplicaveis ao inquerito policial, que voltara a .ser analisado no apartado destinado aos sistemas concretos.

Por fim, cumpre destacar que alguns sistemas formalmente judiciais ou a cargo do MP sao em realidade levados a cabo pela polieia, ou seja, ocorre uma degenera,ao que coloca uma vez mais em evidencia 0 confli­to entre efetividade e normatividade do direito. Agora, interessa-nos a investiga,ao preliminar "normativamente" policial. Sem embargo, todas as criticas ao modelo legal tainbem servem para a reprovilVel praxis de converter em atividade puramente policial aquilo que legalmente esta a cargo do juiz ou do promotor.

A) VANTAGENS DA INVESTIGAr;:AO PRELIMINAR POLICIAl

Delegar it polieia a titularidade real e efetiva de toda a fase pre-pro­cessual tem poucas vantagens e qUi,a as principais sejam a amplitude da presen,a policial, a teorica celeridade e a economia para q Estado.

Nao ha duvida que a polieia tem condi,6es de atuar em qualquer fin­cao do pais, desde os grandes centros ate os povoados mais afastados e isolados. Isso confere, principalmente, em paises de grandes dimens6es territoriais como 0 Brasil, uma nota de efetividade da persecu,ao, pois a policia esta em todos os lugares. Definitivamente, sua abrangencia e maior que ados juizes de instru,ao ou dos promotores investigadores.

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

Esse foi 0 principal argumento do legislador brasileiro de 1941 para justificar a permanencia do inquerito policial, pois, segundo 0 pensamen­to da epoca, era 0 modelo mais adequado it realidade e as grandes dimen­s6es territoriais de nosso pais. Naquele momento, foi recha,ada a instru­,ao preliminar judicial pela impossibilidade de que 0 juiz de instru,ao pudesse atuar de forma rapida nos mais remotos povoados, que, naquela epoca, exigiam varios dias de viagem.

Em teoria, a atividade policial e mais celere, nao s6 porque a polieia chega mais rapido no local do deli to (esta em todos os lugares), senao tambem porque, ao estar "mais proxima do povo", conduz a investiga,ao de forma mais dinamica.

Sob 0 ponto de vista puramente economieo, a investiga,ao preliminar policial e mais barata, pois demanda recursos humanos com menor grau de especializa,ao. Com 0 salario de um juiz ou promotor, 0 Estado tem condi,6es de manter uma equipe de polieiais (que igualmente existiriam se a instru,ao estivesse a cargo do juiz ou do MP, pois, em ultima analise, nenhum dos dois pode realizar sua atividade sem 0 auxilio policial).

Por fim, para 0 Governo, a investiga,ao preliminar polieial e mais vantajosa, simplesmente porque ele detem 0 poder de mando, 0 total controle do 6rgao e da atividade.

B) INCONVENIENTES DO SISTEMA DE INVESTIGA<;:AO PREll MINAR POLICIAl

Como apontam Figueiredo Dias e Costa Andrade, 1 polieia e 0 simbolo mais visivel do sistema formal de controle da criminalidade, e, em regra, representa a first-line enforcer da norma penal. Por isso, disp6e de uma poderosa discricionariedade de fato para selecionar as condl,ltas a serem perseguidas. Esse espa,o deatua,ao esta, muitas vezes, na zsma cinza, no puerillimite entre 0 lieito e 0 ilieito.

A efieacia da atua,ao polieial esta associ ada a grupos diferenciais, isto e, ela se mostra mais ativa quando atua contra determinados escal6es da sociedade (obviamente os inferiores), distribuindo impunfdade para a classe mais elevada. Tambem a subcultura policial possui seus proprios modelos pre-concebidos: estereotipo de criminosos potenciais e prova­veis; vitimas com maior ou menor verossimilitude; delitos que "podem" ou nao ser esclarecidos etc.

o tratamento do imputado e diferenciado e, conforme ele se encai­xe ou nao no perfil pre-fixado, 0 tratamento polieial sera mais bran do e

Criminologfa, pp. 443 e seguintes.

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negligente ou mais rigoroso. Essa ultima situa~ao e constantemente noti­ciada, em que a policia, frente ao "perfil de autor ideal" daquela moda­lidade de delito, atua com excessivo rigor e inclusive age ilicitamente para alcan~ar todos as meios de incrimina~ao (muitas vezes inexistentes). Assim sao cometidas as maio res barbaries, refletindo as elevadas citras do injustiqa da atuaqao policial.

A discricionariedade de toto da policia e uma realidade que viola completamente qualquer ideal de igualdade juridica. Como apontam Figueiredo Dias e Costa Andrade,2 ela possui algumas variaveis:

a) Grayidade do de/ito - a discricionariedade da policia varia confor· me a gravidade do delito, de modo que a eficacia aumenta nos delitos gra· yes, mas 0 proprio conceito de gravidade varia conforme 0 grau cultural e as circunstancias sociais do agente policial. Par isso, a escala de gravida· de do policial de rua e diferente da realizada pelo juiz au promotor. Tambem existe urna tendi'mcia de valorar mais as delitos de impacto social imediato, ·em detrimento dos delitos sem viti rna concreta au afastados da sua realidade, como podem ser as delitos economicos (white-collar).

b) A atitude do denunciante3 - a policia evita de forma sistematica a persegui~ao de delitos contra a vontade expressa da viti rna (ainda que pUblicos e ·incondicionados), solucionando de forma unilateral entre as partes materiais (principalmente em delitos contra 0 patrimonio ou de pequena gravidade).

c) Distc'lncia social do polfeia - po de ocorrer urn distanciarnento entre a realidade social da policia e a subcultura onde se produz 0 delito. Dessa

. forma, quanta maior e a nivel profissional e burocratico da policia, maior sera a dificuldade de averiguar os delitos cometidos nas favelas. No sentido inverso, as agentes de uma delegacia no meio de urn bairro pobre tendem a absorver as criterios.e as tendencias subculturais do meio. 0 embruteci­menta da policia e a desprezo pelos direitos fundamentais dos suspeitos -a priori considerados culpados - tambem sao reflexos desse distanciamen' to social. Nos dais casas, e patente a prejuizo do principio da legalidade.

d) Atjtude do suspeito - a ponto nevralgico da atua~ao policial nao e a razao, mas sim a poder. Par isso, a policia tende a ser mais compreen· siva e menos rigorosa com as suspeitos que exibem humildade, postura servil e respeito a "autoridade". No sentido inverso, a tratamento sera duro para as que adotem uma atitude contraria e, principalmente, apre­sentem uma postura desafiante, independente de sua culpabilidade au

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Em parte nos baseamos na obra Criminologia, pp. 454 e segu.intes. No sentldo de sujeito ativQ da notrcia~crime.

Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

inocencia. 0 fato de pretender exercer urn determinado direito - como 0

de defesa - muitas vezes e interpretado como urn desafio ao poder e a autoridade, ocasionando graves prejuizos para a suspeito.

e) Relacao com os Juizes, Trjbunais II Q MP - entre a policia e as membros da Magistratura e do Ministerio Publico existe urn contraste subs­tancial no que se refere a situa~ao economica, cultural e, principalmen. te, concep~ao do direito e da propria sociedade. Os membros da policia em geral pertencem e/ou sao provenientes dos estratos mais baixos da sociedade e revelam urn grande apego ao positivismo e a rigidez da norma (que lhes convem), identificando·se facilmente com movimentos como 0

law and order e 0 chamado Estado·Policial (em contraste com a Estado de Direito). Como conseqliencia, tendem a ser menos respeitosos comas direitos fundamentais do imputado e a censurar a postura dos Tribunais como excessivamente benevolente com os que eles consideram "delin­qlientes". A presun~ao de inocencia e uma fantasia retorica, vista como

. uma demagogica cria~ao politica.e que, par isso, e totalmente· menosca­ba pelos policiais. Os juizes e promotores sao vistas como burocratas, que nao compreendem a "justi~a de rua" e acabam par desmoralizar em juizo o trabalho policial. Isso, ademais de criar urn descompasso entre autori· dades que deveriam caminhar num mesmo sentido, pode acabar gerando animosidades e graves prejuizos para a esclarecimento do fato. Em defi· nitivo, essa falta de entrosamento so pode gerar uma coisa: elevar as indi­ces de criminal case mortality e as citras do injustiqa.

f) Interiorizacao das normas legais - sob a ponto de vistada defesa, este e urn dos mais graves problemas do sistema policial. A policia assimi­la as normas de forma completamente diferente dos juizes e promotores e isso influi no grau e na forma do intervencionismo policial. A grande maioria das normas cQnstitucionais de prote~ao au garantia do sujeito pas­sivo sao interpretadas no meio policial de forma restritiva, numa atitude de resistencia aos avan~os democraticos da Constitui~ao. Interpretar as norm as constitucionais de forma a adapta·las ao CPP, restringindo com isso a esfera de prote~ao, e nao ao contrario, como deve ser, e uma realidade constante nas delegacias de todo pais. Em nome do poder, habitualmente a policia nega efetividade as garantias constitucionais. Ademais, nas comunidades afastadas dos centrosde produ~ao legislativa, a policia tende a adaptar a norma ao perfil da pequena comunidade, ainda que nao seja essa a melhor interpreta~ao ou aplica~ao.

g) Poder relativo do infrator - nao existem duvidas de que a status economico e social do suspeito influi definitivamente na atividade polio cial, ate porque a policia e muito mais suscetivel a press6es politicas e

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economicas. Existe uma distribui~iio diterenciado da imunidade e tambem um diferente grau de respeito pela imagem, privacidade, integridade e direitos fundamentais do imputado. A polleia normal mente desenvolve suas atividades junto a uma determinada classe da popula~ao (por sup os· to a mais baixa) e isso faz com que existam os "clientes preferenciais" sobre os quais ela exerce seu poder e faz valer sua autoridade com maxi· ma severidade. Em sentido inverso, frente a "Um individuo de uma classe sociocultura.l elevada, a atua~ao polieial podera ir para um dos dois peri- ' gosos extremas: a conivemcia ou 0 arbitrio. No ultimo caso, frente a uma 'posi~ao de superioridade (social e economical, liberdade de atua~ao e falta de servilismo, 0 polieial pode submeter 0 individuo a toda classe de cerimonia degradante, excessive rigor e arbitrio.

A polleia esta muito mais suscetivel de contamina~ao politiea (espe­cialmente os mandos e desmandos de quem ocupa 0 governo) e de sofrer a pres sao dos meios de comuniea~ao. Isso leva a dois graves inconvenien­tes: a possibilidade de ser usada como instrumento de persegui~ao politi­ca e as graves injusti~as que comete no afa de resolver rapidamente os casos com maior repercussao nos meios de comuniea~ao.

o baixo nivel cultural e economieo de seus agentes faz com que a polleia seja um orgao facilmente pressionavel pela imprensa, por politicos e pelas camadas mais elevadas da sociedade. Tambem e responsavel pelo embrutecimento da polieia e 0 completo desprezo dos direitos fundamen­tais do suspeito, que de antemao ja e considerado como culpado pela sub­cultura polieial. Por fim, a credibilidade de sua atua~ao e constantemen­te colocada em duvida pelas denuncias de corrup~ao e de abuso de auto­ridade.

Toda essa gama de problemas que possui a instru~ao polieial leva ao necessario descredito probatorio do material recolhido e a necessidade de completa repeti~ao em juizo. Pior ainda, nao cumpre com sua fun~ao prin­cipal: aclarar, em grau de probabilidade, a notieia-crime para fundamen­tar 0 processa ou 0 nao-processo. Com rela~ao ao nosso inquerito polieial, Pbde-se afirmar, ademais de todas as criticas anteriormente feitas, que:

• Nao serve para 0 MP, pois, ao ser levado a cabo por uma autorida­de diversa daquela que ira exercer a a~ao penal, nao atende a suas neces­sidades. Ademais, e patente 0 descompasso na rela~ao promotor-policial.

• Nao serve para a defesa, pois a policia nega qualquer possibilidade do sujeito passiv~ partieipar da investiga~ao e solicitar diligE'mcias de des­cargo. Ademais, em regra geral, a autoridade policial nega arbitrariamen­te 0 contraditorio (visto como direito de informa~ao) eo direito de defe­sa (ainda que em grau minimo e previsto na Constitui~ao).

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• Nao serve para 0 juiz, porque a propria forma de atuar da polleia nao permite dar maior credibilidade ao material recolhido.

Em definitivo, na~ se deve atribuir a polleia ainda mais poderes (como a titularidade da investiga~ao), mas sim exercer sobre ela um maior controle por parte dos jufzes, tribunais e membros do MP. A polleia deve ser um orgao auxiliar e nao 0 titular da investigac;:ao preliminar, pOis quan­to maior e 0 controle real dos Tribunais e do MP sobre a atividade polieial, menor e a discricionariedade polieial, e 0 inverso tambem e verdadeiro.

Por isso, entendemos que existe uma crise no sistema de investiga­~iio policial e mais concretamente no' nosso inquerito policial, exigindo uma imediata revisao da sua estrutura e titularidade. Para isso contribui­ra a analise dos modelos de investiga~ao preliminar a cargo do juiz e do promotor, como se vera na continuac;:ao.

11_ INVESTIGA<;AO PRELIMINAR JUDICIAL: 0 JUiZ INSTRUTOR

A) ASPECTOS GERAIS E A IMPARCIALIDADE DO JUIZ INSTRUTOR

Nos sistemas4

que adotam uma investigac;:ao preliminar judieial, So juiz instrutor e a maxima autoridade, responsavel pelo impulso e dire~ao of i­cial. E 0 principal responsavel pelo desenvolvimento da instruc;:ao prelimi­nar. Como protagonista, 0 juiz instrutor detem todos os poderes para rea­lizar as investigac;:iies e diligencias que entenda necessarias para aportar elementos de convie~ao que permitam ao Ministerio Publico acusar, e a ele decidir, na fase intermediaria, pela admissao ou nao da acusac;:ao. Nao se pode afirmar que seja um sujeito ativo, pois a imparcialidade que Ihe impiie a lei faz com que sua posic;:ao seja distinta daquela que ocupam os demais sujeitos. Seraum sujeito imparcial, ainda que responsavel por impulsar e dirigir a investigac;:ao. Isso en cerra uma contradic;:ao que sera analisada ao abordarmos os inconvenientes do sistema. "

As considera(;oes que faremos em continuac;ao sao geraiS e servem para lIustrar a atuac;ao do jUlz instrutor no plano te6rico. Eventualmente, em um modelo concreto, podera apresentar par­ticularidades.

Esclarecemos que a instruc;ao preliminar, quando a cargo de urn JUIZ, sempre sera um procedi­menta judicial pre~processual. 0 juiz instrutor representa 0 sistema de instrw;:ao judicial par excelencia. Eventualrnente, quando a instru~ao estiver a cargo de urn Ministerio Publico inte­grante do Poder Judiciario, como explicamos anterlormente, podera ter a natureza juridlca de procedimento judicial pre-processual. Quando 0 MP estiver atrelado ao Poder Executlvo, sera um procedlmento admlnistrativo pre~processual. Sem embargo, para evitar confusoes, utiUza­remos para esses dois casos a designa~ao de "promotor investigador", reservando a designa­~ao "Instru~ao judicial" para as casas de juiz de instru~aa.

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Originariamente, a figura do juiz instrutor estava intimamente relacio­nada com a figura do inquisidor. Atuava como parte, 6 investigando, dirigin· do, acusaDdo e julgando. Com relac;:ao ao procedimento, costumava ser escrito, secreto e nao-contraditorio. Com relac;:ao 11 prova, vigorava 0 siste· ma de valorac;:ao taxada (tarifa probatoria), a sentenc;:a nao produzia colsa julgada e 0 estado de prisao do acusado era a regra geral. 0 processado era considerado como a melhor fonte de conhecimento e como testemunha, logo, tinha 0 dever de declarar a verdade sob pena de incorrer nas sanc;:oes legais. Confundiam-se as atividades do juiz e acusador, com claro prejuizo . para 0 sujeito passiv~, que se convertia em mero objeto da persecuc;:ao.

Atualmente, 0 panorama mudou e 0 modelo atual nao permite que 0

juiz instrutor seja considerado com<Mlm puro inquistdor (no sentido histo· rico), principalmente porque nao ele acusa. Nao se admitem processos de ofieio e 0 Ministerio Publico divide a titularidade da ac;:ao penal com os particulares, conforme as particularidades de cada pais. Tampouco julga a causa que instruiu, pelo menos essa e uma garantia observada pela maior parte dos paises que adotam 0 modele de juiz de instruc;:ao, sob pena de caracterizar-se como um sistema inquisitivo.

Tambem a divisao do processo em duas fases distintas, com a predo· minio das caracteristicas do sistema acusatorio na fase processual, afasta desde logo a perfeita identificac;:ao do atual juiz instrutor com a historica figura do juiz inquisidor.

De forma geral, vigora a Principio da Oticialidade, de modo que a juiz instrutor devera, por sua propria iniciativa e sem necessidade de qualquer invocac;:ao (salvo nos delitos privados), determinar a instaurac;:ao da inves· tigac;:ao preliminar, dirigindo e/ou realizando as investigac;:oes e, ao final, decidindo sobre 0 encerramento do procedimento. Para investigar, tera it sua disposic;:ao a Polieia Judiciaria, que realizara as tarefas da forma e segundo determine 0 juiz instrutor, isto e, a polieia esta totalmente subor­dinada no plano funcional ao juiz instrutor.

Ao contrario do que pensam alguns, nesse sistema a prova nao e ape· nas produzida na presenc;:a do juiz instrutor, senao que e colhida e produ­zida por ele mesmo. Nessa atividade podera atuar de ofieio, isto e, inde· pendente de qualquer solicitac;:ao do MP au do acusador privado. Entre outras diligencias, podera 0 juiz instrutor: .

a) proceder ao interrogatorio do sujeito passiv~; b) utilizar medidas cautelares pessoais ou reais; c) conceder a liberdade provisoria;

ARAGONESES ALONSO, Pedro. Instituciones de Derecho Procesal Penal, pp. 11 e 42.

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

d) designar defensor para 0 sujeito passiv~, caso nao 0 tenha feito; e) realizar inspec;:oes judiciais e ordenar pericias; ·f) proceder ao reconhecimento de pessoas e ceisas, inti mar e ouvir a

vitima e testemunhas etc.

Dessa forma, tomando conhecimento da pratica de um delito (median. te notitio criminis ou qualquer outra fonte de informac;:ao), 0 juiz instrutor abrira 0 procedimento e investigara por si mesmo ou ordenara que a Polieia Judiciaria pratique aqueles atos que considera pertinentes para averiguar a materialidade e a autoria do fato. A participac;:ao do MP e da defesa sera definida em cada sistema concreto, mas, em geral, podem solicitar diligen­cias, incumbindo ao juiz decidir sobre a sua realizac;:ao.

o juiz instrutor e livre para intervir, recolher e valorar 0 material, nao existindo, portanto, nenhum defeito pela inatividade dos' demais sujeitos_ Nao esta vinculado em nenhum senti do aos pedidos da defesa ou da futura acusac;:ao, de maneira que pode aceita-los au nao, segundo con­sidere uteis e pertinentes para os fins da investigac;:ao. Par isso, tanto a defesa como a Ministerio Publico (especialmente) podem ser considerados como meros colaboradores7 do orgao jurisdicional. Inclusive, a juiz instru­tor pode abrir, realizar e concluir 0 procedimento em contra do que opi­nar a MP (porque nao vislumbra indicios racionais de autoria ou materiali-' dade, nao concorda com a linha de investigac;:ao adotada etc.).

o que deve ficar claro e que 0 juiz instrutor e 0 maximo protagonis­ta, nao estando vinculado ao que postular oMP, a acusac;:ao privada ou a defesa. Por isso, cada sistema concreto deve consagrar um sistema recur­sal que permita aos demais sujeitos impugnar as decisoes do instrutor, para evitar os arbitrios e ilegalidades.

Em teoria, a instrutor devera pautar sua conduta na imparcialidade, buscando nao so os elementos favoraveis it futura acusac;:ao, mas tambem aqueles que servem para exculpar e 'sustentar a tese defensiva. Em essen­cia, deve preocupar-se em comprovar a verdade e par isso, deve atuar como jujz e nao como acusador.8

A tarefa do juiz durante a fase instrutoria e qualitativamente distin­ta daquela desempenhada no processo, pois, na instruc;:ao preliminar, leva a cabo atividades de investigac;:ao, ao passo que, na fase processual, rea­liza atividades proprias do processo de declarac;:ao. .

PRIETO-CASTRO, LEONARDO et alii, Derecho Procesal Penal, pp. 110 e seguintes. MANZINI, Vlcenzo. Tratado de Derecho Procesal Penal, vol. II, p. 126 .

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Por fim, destacamos 0 gravissimo problema que encerra a imparciali· dade do juiz instrutor, frente aos diversos "prE!-juizos" que tern de efetuar na investiga<;:ao preliminar. Analisaremos 0 tema na continua<;:ao, abordan­do primeiramente a aspecto teorico da "imparcialidade do orgao jurisdi­donal" e, posteriormente, 0 problema especifico da "pardalidade/impar­cialidade do juiz instrutor",

a) A imparcialidade do orgao jurisdicional

A imparcialidade do orgao jurisdicional e urn "principio supremo do processo"9 e como tal, imprescindivel para 0 seu normal desenvolvimento e obten<;:ao do reparto judicial justo. Sobre a base da imparcialidade esta estruturado 0 processo como tipo heteronomo de reparto. Nas esclarece­doras palavras de Carnelutti,10 el juicio es un mecanisme delicado como un aparato de relojeria: basta cambiar la posicion de una ruedecilla para que el mecanismo resulte desequi/ibrado e comprometido.

E importante estabelecer a distin<;:ao entre impartialidade e impar­cialidade, urn imperativo (ogico, muitas vezes esquikido pela doutrina, que reflete duas situa<;:6es diferentes: a partialidade e a parcialidade.

Seguindo W. Goldschmidt,ll 0 termo partial expressa a condi<;:ao de parte na rela<;:ao juridica processual e, por isso, a impartialidade do jul­gador constitui uma conseqUencia logica da ado,ao da heterocomposi­,ao, por meio da qual um terceiro impartial substitui a autonomia das partes. Com essa substitui,ao, impede-se 0 uso da for,a, a resigna,ao e a rendi<;ao.

Por outro lado, parcialidade significa urn estado subjetivo, emocional, e tern como antitese a imparcialidade, que consiste em colocar entre pari'mteses todas as considera,6es subjetivas do julgador, que deve submer­gir no objeto, ser objetivo, olvidando sua propria personalidade.12 Por isso, consideramos a imparcialidade como urn estado animico do jlilgador.

Ainda que seja possivel a figura do juiz-parte, com dever de impar­cialidade, como soi ocorrer no Direito Internacional Publico, no processo penal 0 juiz nunca pode atuar como parte.

A expressao e de ARAGONESES ALONSO, na obra Proceso y Derecho Procesal, p. 127. 10 Oerecho Procesal Civil y Penal, p. 342. 11 No magistral trabalho ~La Imparcialfdad como Principia Bas/co del Proceso", in Revista de

Derecho Procesaf, nil 2, 1950, pp. 208 e seguintes. 12 GOLDSCHMIDT, Werner. "La ]mparcialldad como Principia Baslco del Proceso", ab. cit.

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

A imparcialidade corresponde exatamente a essa posi<;:ao de terceiro que 0 Estado ocupa no processo, por meio do juit, atuando como orgao supra-ordenado as partes ativa e passiva. 0 juiz e sujeito da rela~ao pro­cessual, mas nao e parte. Ademais de ser impartial deve ser imparcial, pois na sua atua,ao devera despojar-se de influencias de carater subjeti­vo que 0 impe<;:am de resolver com exatidao e justi,a.

A imparcialidade (terzieta) e a alheamento, urn estado isen~ao do juiz - estar alheioH - aos interesses das partes na causa. Ao seu lado, Ferrajoli14 destaca a independencia, vista como a sua exterioridade ao sis­tema politico e, num sentido mais geral, como a exterioridade a todo sis­tema de pqderes. 0 juiz nao tern porque ser um sujeito representativo, posto que nenhuminteresse ou vontade que nao seja a tutela dos direitos subjetivos lesados deve condicionar seu juizo, nem sequer 0 interesse da maioria, ou inclusive da totalidade dos lesados. Ao contrario do poder exe­cutivo ou do legislativo, que sao poderes de maioria, 0 juiz julga em nome do povo - mas nao da maioria - para a tutela da liberdade das minorias.

A legitimidade democratica do juiz deriva do carater democratico da Constitui,ao e nao da vontade da maioria. 0 juiz tern uma nova posi,ao dentro do Estado de Direito e a legitimidade de sua atua,ao nao e politi­ca, mas constitucional, e seu fundamento e unicamente a intangibilidade dos direitos fundamentais. E uma legitimidade democratica, fundada na garantia dos direitos fundamentais e baseada na democracia substancial.1S

Para concluir, a imparcialidade do orgao jurisdicional e 0 principio supremo do processo e, quanta mais parciais forem 0 defensor e a acusa­dor, mais garantida esta a imparcialidade do julgador. Na sintese de W. Goldschmidt,16 la imparcialidad del juez es la resultante de las parciali­dades de los abogados.

b) 0 problema da imparcialidade do juiz instrutor: analise segundo a doutri­na do Tribunal Europeu de Direitos Humanos e critica ao modelobrasileiro

Definido 0 que se entende por imparcialidade do orgao jurisdicional, cumpie verificar se a figura do juiz instrutor esta em conformidade com esse postulado ou se, ao contrario, a juiz instrutor e partial e como tal tern sua imparcialidade comprometida.

13 Para FERRAJOU (ab. cit., p. 580), e a ajen/dad del juez a los intereses de las partes en causa. 14 Idem.

15 Como explica SILVA FRANCO, no artlgo "0 Juiz e a Modelo Garantlsta", publicado na pagina Web do Instituto Braslleiro de Ch~ncias Criminals (mar4;o/1998).

16 Introducci6n Filos6fica a/ Derecho, p. 321.

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o problema da imparcialidade do juiz instrutor e muito mais concre­to e palpavel, pais ele se dedica a tarefas de investiga~ao, de modo que se estabelece uma clara distin~ao entre a sua fun~ao e aquela desempe­nhada pelo juiz ordinaria (que somente atuano processo): um e sinonimo de atividade e a outro de im?rcia. Este e a contraste que se estabelece entre a posi~ao totalmente ativa e atuante do instrutor, contrastando com a inercia que caracteriza a julgador (juiz ordinaria).

Par se manter afastado, efetivamente supra -ordenado as partes, a juiz que sentencia esta muito mais protegido de si mesmo, da pai~ao pela atividade investigadora que inequivocamente acaba par contami­nar a juiz instrutor. Par isso, a imparcialidade do juiz ordinaria esta mais garantida.

Em uma situa~ao completamente diversa esta a juiz instrutor. lnequivocamente, outorgar fun~ees tao diversas como investigar e julgar a um mesmo homem e sempre problematico, pais, na pratica, a alma do homem e fn\gil.

Suscitado a problema, surge a pergunta: a-juiz instrutor pode ser a mesmo que presida a fase pracessual, sentenciando ao final?

Para expor melhor a problema e a sua solu~ao, optamos par analisar a partir de um sistema juridico concreto - direito espanhol - nao s6 por­que e urn modelo tipico de instruc;ao judicial (juiz instrutor), mas porque enfrentou recentemente esse problema, produzindo uma qualificada dou­trina e jurisprud€mCla.

o processo penal espanhol esta estruturado na Ley de Enjuiciamienta Criminal de 1882 e, originariamente, adotou a sistema bifasico (instru~ao preliminar e juizo) com separac;ao de func;ees, de modo que a instrutor nao'1ulgava, s6 instruia. Essa erau.ma preocupa~ao ja manifestada par Alonso Martinez na "Expostc;ao de Motivos" da LECrim. Com a sistema bifa­sica, pretendia-se evitar era a grave vicio que sup6e a mesmo juiz instruir na fase pre-processual e julgar na fase processual, pois seu animo estaria carregado de preocupac;6es e pre-juizos que nasceriam no decorrer da ins­truc;ao preliminar. Essa garantia - separac;ao de fun~6es - foi mantida ate 1967, quando a LO 3/1967, ratifii::ada posteriormente pela LO 10/1980, permitiu erroneamente a instruc;ao preliminar e posterior julgamento pelo mesmo juiz.

Tal erro s6 foi corrigido, restabelecendo a sistema de 1882, com a Senten~a 145/1988 do Tribunal Constitucional, que declarou inconstitucio­nal esse sistema par vi alar a direito ao juiz imparcial.

A decisao do Tribunal Constitucional espanhol teve como base as deci­sees do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), especialmente nos

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

casas Piersack, de 1/10/1982, e de Cubber, de 26/10/1984. Para o-TEDH, a atua~ao do juiz instrutor no tribunal sentenciador sup6e uma viola~ao do direito ao juiz imparcial consagrado no art. 6.1 do Convenio para a Prote~ao dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, de 1950. Segundo a TEDH, a contamina~ao resultante da parcialidade pode ser fruto da falta de imparcialidade subjetiva au objetiva. Desde a caso Piersack, de 1982, entende-se que a imparcialidade subjetiva alude a con­vic~ao pessoal do juiz concreto, que conhece de urn determinado assunto e, deste modo,a sua falta de pre-juicias. A imparcialidade objetiva diz respeito a se' tal juiz'encontra-se em uma situa~ao dotada de garantias bastantes para dlssipar qualquer duvida razmivel acerca de sua imparcia­Ii dade. Em ambos casas, a parcialidade cria a desconfian~a e a incerteza na comunidade e nas suas institui~6es. Nao basta estar subjetivamente protegido, e importante que se encontre em uma situac;ao juridica obje­tivamente imparcial.

Seguin do essas decis6es do TEDH, aduziu a Tribunal Constitucional espanhol (STC 145/88), entre outros fundamentos, que a juiz instrutor nao poderia julgar, pais violava a cham ada imparcialidade objetiva, aquela que deriva nlio da relQ/;lio do juiz com as partes, mas sim de sua rela,lio com o'obj,eto do processo. Ainda que a instru~ao preliminar supo­riha uma investiga~ao objetiva cia verdade (consignar-e apreciar as cir­cunstancias tanto adversas como favoraveis ao sujeito passiv~), 0 conta­to direto com a sujeito passiv~, com as fatos e dados, po de provocar no animo do juiz instrutor uma seriede "pre-juizos" e impressees a favor au contra 0 imputado, influenciando no momenta de sentenciar.

Destaca 0 Tribunal uma fundada preocupa~ao com a- aparencia de impar­cialidade, que 0 julgador deve transmitir para os submetidos a administrac;ao da justic;a, pois, ainda que nao se produza 0 prejulgamento, e difkil evitar a

, impressao de que a juiz (instrutor) nao julga com plena imparcialidade. Isso afeta negativamente na confianc;a que os Tribunais de uma sociedade demo­cratica devem inspirar nos justiciaveis, especialmente na esfera penal.

Dessa forma, atualmente, existe uma presunc;ao absoluta de parcialida­de do juiz instrutor, que a impede de julgar a processo que tenha instruido.

Em definitiv~, a prevenc;lio Ii uma causa de excluslio17 da competencia. o juiz instrutor e prevenido e como tal nao pode julgar. Sua imparcialidade

17 Isso no dlrelto europeu, pols no sistema brasileiro a prevenc;ao vern concebida nos arts. 75 e 7B, II, c, do CPP como uma causa de f1xac;ao e determinac;ao da competencia. 0 nossa CPP adota urn entendlmento compietamente distinto. Se confrontarmos esses argumentos e 5ltua~ c;6es cam 0 direito brasileiro, teriamas que recanhecer que a nassa criteria de preven~aQ -

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esta comprometida nao so pela atividade de reunir 0 material ou estar em contato com as fontes de investiga~ao, mas pelos diversos pre-julgamen­tos que realiza no curso da instruc;ao preliminar18 (como na ado~ao de medidas cautelares, busca e apreensao, autorizac;ao para interven~ao tele­fonica etc.). Sao esses processos psicologicos interiores que levam a um pre, julgamento sobre condutas e pessoas. 0 problema e definir se 0 juiz de ins' tru~ao tem condi~6es de proceder ao que se chama de uma ideia sobre a pequena histOria do processo, sem intensidade suficiente para condicionar, ainda que inconscientemente --: e ainda que seja certeiramente - a posi~ao de neutralidade interior que se exige para que comece e 'atue no processo.

Como aponta Oliva Santos,19 essas ideias pre-concebidas ate podem ser corretas - fruto de uma especi~ perspicacia e melhores qualidades intelectuais - mas inclusive nesse casa nao seria conveniente iniciar 0

processo penal com tal comprometimento subjetivo. Crer na imparcialidade de quem esta totalmente absorvido pela labor

investigadora e 0 que J. Goidschmidt20 denomina de erro psicologico. Foi essa incompatibilidade psicologica que levou ao descredito do modelo inquisitivo. No mesmo sentido, Carrara21 aponta que nao se pode preten­der uma pura objetividade por parte do juiz instrutor, pois uma objetivi­dade pura e uma alta imparcialidade mio podem obter-se nunca do juiz instrutor, sendo um absurdo a pretensao de que 0 juiz passa atender a uma parte e a outra com duos armas, combatendo inclusive contra si mesmo, e ainda permanecer 0 juiz da luta,

Finalmente, outra decisao sumamente relevante, que vai marcar uma nova era no processo penal europeu, foi proferida pelo TEDH no caso "Castillo-Algar contra Espana" (STEDH de 28/10/1998), na qual 0 tribunal declarou vulnerado 0 direito a um juiz imparcial no fato de dois magis­trados, que haviam formado parte de uma Sala que denegou um recur­so interposto na fase pre-processual, tambem· haverem participado do julgamento. Em breve, esta decisao do TEDH levara a outras de carater interno, nos respectivos Tribunais Constitucionais dos paises europeus, e sem .duvida acarretara. uma nova altera~ao legislativa.

como causa de fixa~ao da competemda - viola 0 direito a urn juiz Imparcial. Segundo a juris­prudencla do TEDH, podemos afirmar que no atual direito europeu juiz prevenido e sinonimo de pre-jutgamento, comfJrometlmento pslcologico e pardalidade, Que protel;ao subjetiva pos­suem as juizes brasileiros que nao possuem os demais?

18 OUVA SANTOS, Andres. Jueces Imparcia/es, Fiscaies Investigadores y Nueva Reforma para /a Vleja Crisis de Ja Just/cia Penal, p. 30.

19 OUVA SANTOS, Jueces imparc/ales ... , ob. cit., pp. 30, 44 e seguintes. 20 Problemas Jurfd/cos y Polfticos del Proceso Penal, p. 29. 21 Apud GUARNIERI, ob. cIt., p. 128.

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Sistemas de Investiga9io Preliminar no Processo Penal

Para 0 Brasil, essa senten~a - e tambem as anteriores - e um rele­vante marco informativo, ainda que nao seja vinculante. Frise-se que, no caso submetido a julgamento (Castillo-Algar centra Espana), aqueles dois magistra(Jos nao haviam atuado como juizes de instru~ao, mas apenas par­ticipado do julgamento de um recurso interposto contra uma decisao interlocutoria, tomada no curso da instru~ao preliminar pelo juiz instru­tor. 1550 bastou para que 0 TEDH entendesse comprometida a imparciali­dade desses dois juizes, impedindo-os de atuar no posterior julgamento do recurso interposto contra a sentenc;a final cendenatoria.

Analisando 0 preblema it luz do direito brasileiro, por analogia, os magistrados do Tribunal que julgarem em grau recursal a impugna~ao de uma decisao interlocutoria estarao prejulgando e, como tal, comprome­tendo a imparcialidade objetiva necessaria para julgar urn recurso contra a senten~a final. Ou ainda, 0 juiz que decidir sobre um habeas corpus ou Mandado de Seguranc;a contra ate do inquerito policial esta em posi~ao de comprometimento da sua imparcialidade e, como tal, nao pode ser 0 que deva processar e julgar.

Mais grave ainda e a situa~ae j uiz brasileiro - e criticavel d criterio de preven~ao cemo definidor da cempetencia - em atua~6es judiciais como as previstas nas Leis n'" 7.716/89,9.034/95 e 9.296/96. Sem'duvi­da, chegeu 0 momento de repensar a preven~ao no. processo penal brasi­leiro e tam bern 0. rumo que esta sen do tornado. na rela~ao juiz/inquerito, pois, em Lugar de caminhar cada vez mais em dire~ao it figura do. juiz garante, alheio it investiga~ae e verdadeiro orgao supra partes, esta sen de tornado. 0 caminho errado de juiz instrutor.

Em sintese, e respondendo it pergunta anteriormente elaborada, para 0 sistema de instru~ao judicial e impresciridivel que se divid1j 0 pro­cesso penal em duas fases distintas, atribuindo a diferentes pessoas as tarefas de investigar e julgar. Em definitivo, 0 born inquisidor mata 0 born juiz, ou ao contrario, 0 bom juiz desterra 0 inquisidor.22

B) VANTAGENS DAINVESTlGA(:AO PRELIMINAR JUDICIAL

A investiga~ao preliminar judicial, a cargo. de um juiz instrutor, tem come principal vantagem a dupla garantia de ser realizada por urn orgao suprapartes e que nao participara do julgamento. Com isso, a tripla fun­damenta~ao da existencia da instru~ao preliminar (buscar 0 fato oculto, salvaguardar a seciedade e atuar como filtro processual, evitando acusa-

22 "Exposicl6n de Motivos" do C6digO Procesal Penal Modelo para ibero-Amerfca.

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~6es infundadas) encontra melhores condi~6es de efetividade, principal· mente pela maior qualidade do resultado das investiga~6es, que ten! maior probabilidade de ser util tanto para a futura acusa~ao como tam· bem para a defesa.

Cumpre destacar a importante garantia de imparcialidade contida no principio nullum iudicium sine accusatione, na separa~ao dos papeis de acusador e julgador e, principalmente, na proibi~ao (que obrigatoriamen· te um sistema como esse deve conter) de que 0 juiz que instrui tambem julgue. Essas garantias, acrescidas da divisao do processo em duas fases distintas e do predominio do sistema acusatorio na fase processual, afas· tariarn, desde logo, a identifica~ao do juiz instrutor com a figura histori' ca do juiz inquisidor. Como afirma Gomez Colomer,23 em uma democracia real .. eizer que 0 juiz instrutor e uma figura autoritaria, um residuo dita· torial, simplesmente carece de fundamento.

Na investiga~ao preliminar sao praticados atos de averigua~ao e com· prova~ao que implicam a limita~ao de direitos fundamentais, especial· mente pela via das medidas cautelares, exigindo que essa atividade seja levada a cabo por um orgao dotado de potestas jurisdicional, sendo incon' cebivel que tais atos sejam praticados por orgaos sem tal poder, como 0

Ministerio Publico ou a Policia. Sob 0 ponto de vista economico, a investiga~ao preliminar judicial

nao e mais gravosa para 0 Estado, pais, se essa atividade for realizada pela policia ou por promotores, necessariamente devera estar prevista a figu· ra do juiz garante, que nao devera ser 0 mesmo que sentencie e atuara na instru~ao preliminar para permitir ou nao a ado~ao de medidas limitativas de direitos fundamentais. Qualquer dos dbis modelos (policial ou promo· tor) necessita de um juiz para decidir sobre determinados temas. Logo, nao ha como eliminar a presen~a do juiz e 0 melhor seria encarrega·lo da totalidade dos atos.

Por fim, como explica Guarnieri,24 instruir significa recolher provas, mas nao as pode recolher serena e objetivamente outro que nao um orgao imparcial, e dizer, 0 juiz. Confiar essa missao a uma parte, ainda que seja publica, significa eleva·la a juiz do processo, atribuir·lhe fun~6es de juizo, apesar de que inevitavelmente se sinta inclinada a realizar as provas de cargo, esquecendo·se das de descargo; a fazer servir 0 material adquirido

23 "La Instrucci6n del Proceso Penal por ef Min/sterio Fiscal: Aspectos estructura/es a la Iuz del Derecho Comparado H

, In La Reformi! de la Just/da Penal - Estudlos en homenaje al Prof. Klaus Tiedemann, p. 493.

24 Las Partes en el Proceso Penal, p. 355.

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Sistemas de Investiga9io Preliminar no Processo Penal

ao triunfo da tese acusatoria, que brilha na sua consciencia como uma estrela orientadora de atos e inspiradora de conjeturas e dedu~6es.

Em sintese, enumeramos as principais vantagens do sistema judicial de instruc;:ao preliminar: .

a) a imparcialidade e independencia do juiz instrutor sao as garantias de que a instru~ao preliminar nao servira - por exemplo - como instrumento de persegui~ao politica por parte do Poder Executivo;

b) 0 fato de ser a investiga~ao conduzida por um orgao suprapartes; c) maior efetividade da investiga~ao equalidade (credibilidade) do

material recolhido; d) 0 produto final podera servir tanto para a acusa~ao como tambem

a defesa, pOis advem de um orgao .imparcial e preocupado em ada· rar 0 fato, tanto buscando as provas de cargo como tambem as de descargo;

e) garantia de que 0 juiz que instrui nao julga e a observancia do prin' cipio de nullum iudicium sine accusatione;

f) na investiga~ao e necessario adotar medidas que limitam direitos fundamentais (cautela res, busca e apreensao etc.) e que par essa razao necessitam que sejam ado tad as por um orgao com poder jurisdicional. Logo, nada melhor que seja 0 proprio titular da ins· tru~ao dotado desse poder.

C) INCONVENIENTES DA INVESTIGAC;:J..O PRELIMINAR JUDICIAL

Como principal inconveniente de que a instru~ao preliminar seja rea­lizada por um juiz esta a estrutura inquisitiva do modelo, que praticamen­te outorga a uma unica pessoa as tarefas de investigar, acusar lato sensu (imputa~ao) e inclusive defender, 0 que culmina por matar a propria posi' ~ao de imparcial, de orgao suprapartes.

A compara~ao da instru~ao preliminar judicial com os parametros do sistema acusatorio exige uma analise desapaixonada. Se entendermos que o sistema acusatorio significa, simplesmente, a separa~ao das atividades de acusar e julgar, ou seja, que a acusa~ao deve ser exercida por uma pes­soa distinta daquela que acusa, a figura do juiz instrutor - por si so - nao viola os postulados do modelo acusatorio. 0 juiz instrui e 0 MP acusa para outro juiz julgar.

Sem embargo, a conclusao e distinta se verificarmos, de forma ampla, que 0 modelo acusatorio atual propugna pela igualdade das partes com rela~ao as oportunidades no processo, mantendo·se 0 juiz como um terceiro imparcial, alheio ao trabalho de investiga~ao e passiv~ no que se

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refere ao recolhimento da prova, tanto das provas de';mJ3tlta~ao como das de descargo;25 cujo procedimento e em regra oral; com plena publkida­de, e, principalmente, contraditorio. Nesse caso, cotejada a figura do juiz instrutor com as demais caracteristicas do sistema (segredo, forma escri­ta, ausencia de igualdade e de contraditorid, atividade de oficio do juiz na investiga~ao do fato etc.), chegamos·a conclusao de que 0 modelo esta contrario ao sistema acusatorio. .

E inegavelque permanecem os rasgos da figura inquisidora, inerente a propria posic;:ao de juiz e deinvestigador. 0 poder·dever de atuar de ofi­cio, impulsionar todo 0 procedimento sem necessidade de interven~ao dos demais, buscar e colher a prova por si so e sem nenhuma invoca~ao, e uma nota caracteristica do modele inquisitiv~.

o moderno processo penal nao pode aceitar a figura do juiz instrutor, simples mente porque nao pode ser uma mesma pessoa quem considere necessario um ato de instru~ao e ao mesmo tempo valore a sua legal ida­de. Sao logicamente incompativeis as fun~6es de investigar e ao mesmo tempo garantir 0 respeito aos direitos do imputado. Sao atividades que nao podem ficar nas maos de uma mesma pessoa, sob pena de comprome· ter a eficacia das garantias individuais do sujeito passiv~ e a propria cre· dibilidade da administra~ao de justi~a.

Como aponta Carneluttj,2' ja existe na instru~ao preliminar 0 triste, mas necessario duelo entre 0 inquirente e 0 inquirido, e esse duelo e uma rela~ao de forc;:a que deve ocorrer entre duas partes. Por isso, entre 0

inquirido e 0 inquirente, se este ultimo e 0 Ministerio Publico, e [isiolo· gico; mas, em ciimbia, se 0 inquirente e um juiz, estamos no campo da patologia. E necessario recordar 0 carater indefectlvel do juiz de estar suprapartes, como fim supremo do processo.

Em definitiv~, nao e suscetlvel de ser pensado que uma mesma pessoa se transforme em um investigador eficiente e, ao mesmo tempo, em um guardiao zeloso da seguran~a individual. E inegavel que 0 bom inquisidor mata 0 born juiz ou, aocontrario, 0 bom juiz desterra 0 inquisidorY

Esse problema deve·se nao ao fato de intervir 0 juiz, mas sim que sua interven~ao seja de um sujeito ativo na tarefa de investiga~ao e nao um terceiro imparcial, suprapartes. 0 juiz instrutor converte·se . em um inves· tigador, por nao dizer ioquisidor, e por isso, e parte, ainda que seja uma

25 BETTIOL, Guiseppe. Instltuclones de Derecho Penal y Procesai, p. 279. 26 Derecho Procesal Civil y Penal, p. 336, 27 "Expos!cion de Motivos" do C6digo Procesal Penal Modelo para {berO-America.

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parte publica. Essa e a intima contradi~ao que desaconselha a instru~ao preliminar judicial. Mais contundente, Carnelutti28 afirma que os erros tecnicos nunca sao inoeuos e este de que 0 juiz veja-se constrangido a [azer·se parte, conseqiiencia inevitdvel de haver posto um procedimento jurisdicional em lugar de um procedimento administrativo, constitui cer. tamente uma das calamidades mais dolorosas do procedimento penal tal como estd atualmente ordenado.

Outro aspecto negativo esta na celeridade, pois ela esta seriamente comprometida pela interven~ao do juiz. 0 juiz instrutor, por vicio da ati· vidade jurisdicional, acaba por converter a instru~ao preliminar em plena­ria, pois nao se contenta com a mera probabilidade: quer chegar a certe. za e para isso gera um atraso injustificado e contrario a propria natureza da instru~ao preliminar.

Tampouco beneficia a economia processual, pois, ao estender a inves· tiga~ao, acaba por realizar atos muito alem dos necessarios para atingir 0

juizo de probabilidade. E todos deverao ser repetidos em jUlZO, pOis a unica .. prova valida e a realizada no processo. 0 contraste e patente quan­do confrontamos esse sistema com a instru~ao preliminar a cargo do Ministerio Publico. A atua,ao a cargo do MP implica um notavel acelera­mento do processo penal, pois 0 promotor centra a atividade preliminar no minimo necessario para decidir sobre a abertura ou nao do pr~cesso, pois sabe que para a senten,a so valerao aquelas provas praticadas em jUlZO.

A investiga,ao preliminar deve ser uma atividade dirigida ao titular 'tla ac;:ao penal, logo, existe uma contradi,ao logica no fato do juiz instruir para 0 promotor aeusar. Como explica Gomez Colomer,29 a contradi,ao e grave tambem porque 0 juiz, instruindo, nao julga, e porque, sobretudo, fica enquadrado dentro de um .estatuto organico e dentro de um Poder do Estado que nao lhe corresponde, ja que, nao sendo a instru~ao preliminar um processo, a investiga,ao do crime e uma atividade administrativa e nao judicial.

Por ultimo, outro grave problema esta no fato da instru~ao preliminar judicial degenerar 0 valor probat6rio dos atos de investiga<;:ao;:Ao serem realizados por um juiz (em teoria, tem maior credibilidade), freqGentemen­te os atos da investiga~ao acabam por ser valorados na senten,a, sem a pre­via produ,ao em juizo. Destarte, erroneamente, os simples atos de investi-

28 Derecho Procesa/ Civil y Penal, p. 336. 29 "La Instrucci6n del Proceso Penal por e/ Mlnisterie Fiscal: Aspectos estructurales a fa luz del

Derecho Campara do", In La Reforma de la Justicia Penal - Estudios en homenaje al Prof. Klaus Tiedemann, p. 493.

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Tudoisso leva a que se fale atualmente em uma crise da instru<;iio preparatoria e do juiz instrutorJO, pois 0 modelo e apontado como um dos mais graves impedimentos a plena consolidac;:ao do sistema acusatorio, por

. suas predominantes conota<;iies inquisitivas e a lenta administra<;ao da justi<;a que acarreta nos paises onde e adotado.

Em sintese, estes sao alguns dos graves inconvenientes que apre­senta 0 juiz de instru<;ao: .

a) Eum modelo superado e intimamente relacionado a figura histori­ca do juii inquisidor, pois sua estrutura outorga a uma mesma pessoa as tarefas de (ex officio) investigar, proceder a imputa<;ao formal (0 que representa uma acusa<;ao lato sensu) e inclusive defender_

b) 0 grave inconveniente que representa 0 fato de uma mesma pes­soa decidir sobre a necessidade de um ato de investiga<;ao e valorar a sua legalidade_

c) Transforma 0 processG penal (lato sensu) em uma luta desigual entre 0 inquirido, 0 juiZ'inquisidor, 0 promotor e a polieia judiciaria_ Essa patologia judicial acaba por criar uma grave situac;:ao de desamparo, pais, se 0 juiz e 0 investigador, quem atuara como garante?

d) Por vieio inerente ao sistema, a instruc;:ao judicial tende a se trans­formar em plemiria, comprometendo seriamente a celeridade que deve nortear a fase pre-processual.

e) Representa uma gravissima contradic;:ao logic a, pois 0 juiz investi­ga para 0 promotor acusar e 0 pi~r, muitas vezes contra ou em desacordo com as convicc;:iies do titular da futura ac;:ao penal. Em definitiv~, se a ins­truc;:ao preliminar e uma atividade preparatoria que deve servir, basica­mente, para formar a opinio delicti do acusador publico, deve estar a cargo dele e nao de um juiz, que nao pode e nao deve acusar_

f) Gera uma confusao entre as func;:6es de acusar e julgar, com inega­vel prejuizo para 0 processo penaL

g) Por fim, outro grave problema da instruc;:ao judicial esta no fato de converter a instruc;:ao preliminar em uma fase geradora de provas, algo absolutamente inaceitavel frente ao seu carater inquisitivo. A maior cre­dibilidade que normal mente geram os atos do juiz instrutor pode levar a que a prova nao seja produzida no processo, mas meramente ratificada. o re~ultado final e a monstruosidade juridica de valorar na sentenc;:a ele-

30 ARMENTA DEU, Teresa. Crimlnalidad de bagatela y principia de opottu~idad, p. 149.

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.' Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

mentos recolhidos em um procedimento preliminar em que predomina 0

segredo e a ausencia de contraditorio e defesa. Nao se pode olvidar que a investigac;:ao preliminar serve para aclarar 0 fato em grau de probabilida­de, estando dirigida a justificar 0 processo ou 0 nao-prQcesso_ Jamais deve servir para amparar um juizo condenatorio.

111_ A INVESTIGA!;A.O PRELIMINAR A CARGO DO MINISTERIO POBLlCO: PROMOTOR . INVESTIGADOR

No que se refere a investigac;:ao preliminar, a atuac;:ao do Ministerio Publico poderil variar substancialmente, desde um mero auxiliar do juiz instrutor (no sistema anteriormente analisado) ate a posic;:ao de titular da instruc;:ao_ Interessa-nos, pois, 0 ultimo caso, do promotor investigador QU

do MP titular da investigac;:ao preliminar_ Atualmente, existe uma tendencia de outorgar ao Ministerio Public9

a direc;:ao da lnvestigac;:ao preliminar, de modo que 0 promotor investiga­dor podera obrar pessoalmente e/ou por meio da Polieia JUdidan~~fneces­sariamente subordinada a ele)_

A instruc;:ao preliminar a cargo do MP tem sido adotada nos paises europeus como um substituto ao modelo de instruc;:ao judicial anterior­mente analisado. Neste sentido, a reforma alema de 1974 suprimiu a figu­ra do juiz instrutor para dar lugar ao promotor investigador_ A partir de entao, outros paises, com maior ou menor intensidade, foram realizando modificac;:6es legislativas nessa mesma direc;:ao, como sucedeu, v.g., na Italia (1988) e em Portugal (1995).

Na Espanha, a Lei Orgimica (LO) 7/88 que instituiu 0 procedimento abreviado deu as primeiros passos nessa direc;:ao, ao autorgar ao fiscal maiores poderes na instruc;:ao preliminar. Sem embargo, e fundamental fri­sar, ao cantrario do que afirma equivocadamente alguma doutrina brasi­leira mal infarmada, que na ESDanha ainda vigora Q sistema!E juiz instru­tor, pois as altera<;iies legislativas, ao mesmo tempo em que atribuiram mais' poderes ao promotor, nao romperam com a tradic;:ao da instruc;:ao judiciaL 0 que existe na atualidade e que 0 promotor ate pode iniciar e praticar atos de investiga<;ao. (uma das criticas que se faz e exatamente 0

sistema hibrido que fai instalado, em que 0 promotor e um instrutor para­lelo), mas, a partir do momento em que 0 juiz deinstruc;:ao passa aJ:l1uar, .. ele automaticamente assume 0 mand031 total da instruc;:ao preliminar,

31 Basta ler 0 art. 785 bis.3 da LECrim: cesara ef fiscal en sus diligencias tan pronto como tenga conocfmiento de fa existene/a de un procedlmlento judicial sabre los mismos hechos. .

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Aury Lopes Jr.

devendo 0 fiscal remeter para ele todas as informa~6es obtidas e cessar sua intervenc;:ao. Apesar de existir uma tendencia de implementar os pode­res da Fiscalia, a figura do juez de instruccion na~ foi abandon ada. Feito esse parentese sobre 0 direito espanhol, voltemos ao tema.

No sistern~'{E!.s!!gas~o prelimi~ar. a 'cargo do MP, 0 promotor e 0

diretorQ1Linyestjg.<l<;i\Q, cab_e.nao_:.Jb~ieq~R.er. diretamente a noticia -cri me --2.~ indiretamente (Oltraves daiJolicia) e investi~a.constan­tes. Para isso, podeni dispor e dirigir a atividade da Policia Judiciaria

-(dependencia funcional) ou praticar por si mesmo os atos que julgue necessit"rios para formar sua convic~ao e decidir entre formular a acusac;:ao ou solicitar 0 arquivamento (visto como nao-processo em sentido lato).

Em regra (e assim e aconselhavel que seja), 0 MP dependera de auto­rizac;:ao judicial para realizar determinad<ls_rnedidas llmitativas de direitos fundamentais, como as'medidas cautelares,.buscas domiciliares;interven­~6es telefonicas etc. Cabera ao juiz da instru<;ilo (que nao se corifunde com a anterior figura 00 juiz instrutor) decidir sobre essas medidas. Esse juiz atua como umverdadeiro orgao suprapartes, pois nao investiga, senao que intervem quando solicitado como um controlador da legalidade (e nao da conveniencia) dos atos de 'investiga~ao levados a cabo pelo promotor. A essa figura denominamos de juiz garante da investiga~ao preliminar ou juiz de garantias.

Analisemos, nit continua~ao, os principais argumentos favoraveis e tambem contrarios ao modelo de promotor investigador.

A) ARGUMENTOS FAvoRAvEIS AO SISTEMA.DE PROMOTOR INVESTIGADOR

A investiga~ao preliminar realizada pelo Ministerio Publico surge como uma resposta as diversas criticas que estavam e estao sendo feitas ao modelo de juiz instrutor e que foram anteriormente expostas. Por isso, podemos afirmar que das criticas anteriormente citadas sao extraidos os principais argumentos favoraveis a que 0 Ministerio Publico seja 0 dire tor da instru<;60 preliminar. Partindo dessa constatac;:ao, a figura do promotor investigador surge, para·seus defensores, como uma salva~ao ante a crise e a supera~ao do modelo de juiz instrutor.

o primeiro argumento favoravel seria a imparcialidade do Ministerio Publico.

A atua~ao do promotor, como parte formal e ao mesmo tempo impar· cial, encontra seu fundamento teorico na distin~ao entre parcialidade e partialidade, de modo que - em teoria - 0 promotor pode serconcebido como partial e, ao mesmo tempo, imparcial. 0 importante nesse terreno

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Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

e que a causa de sua atua~ao seja 0 desejo de atuar com justic;:a, segun. do os criterios legais. Na esfera subjetiva, devera esquecer-se de sua per­sonalidade para atuar no processo penal com exatidao e a real inten~ao de proceder justa e legal mente.

Para compreender os fundamentos teoricos da imparcialidade do MP, e necessario recorrer as lic;:6es de W. Goldschmidt32 no seu trabalho sobre o binomio partialidade e imparcialidade. Como explica 0 autor, 0 princi­pio de imparcialidade denota uma rela~ao entre 0 motivo de sua atua~ao e 0 desejo de dizer a verdade, de atuar com exatidao e resolver confor­me a justi~a e os criterios de legalidade. Nao importaria, por outro lado, se na esfera objetiva a atua~ao e ou nao justa e legal. Basta que 0 ato ins· pire 0 desejo de atuar conforme a norma e a justic;:a. Assim, a imparciali­dade consiste em colocar entre parenteses todas as considera~6es subje­tivas do agente. A imparcialidade e, na esfera emocional, 0 que a objeti­vidade e na orbita intelectual.

Tambem e possivel distinguir imparcialidade e justi<;a. A primeira enfoca a motivac;:ao, a segunda 0 conteudo dos atos; a primeira e negati­va e afasta as influencias subjetivas, a segunda e positiva e atribui algo a cada um, por respeito a sua particular personalidade.

Na sintese de Guarnieri,33 0 MP constitui uma figura que, se bem tem o corpo de parte, oferece a alma dejuiz_

Na defesa desse sistema, pode-se argumentar tambem que a investi­ga~ao preliminar e uma atividade preparatoria e que deve servir somente para a formac;:ao da opinio delicti por parte do titular da a~ao penal publi­ca, isto e, 0 Ministerio Publico. Cumpre ao promotor, e a ninguem mais, decidir se deve ou nao prop~r a ac;:ao penal e em que termos. Por isso, a instruc;:ao preliminar deve ser uma atividade administrativa ... e nao judi­cial - dirigida por e para 0 promotor.

o valor probatorio da instruc;:ao preliminar fica melhor definido -como meros atos de investigac;:ao - sem valor outro que 0 de.·justificar 0

processo ou 0 nao-processo, ademais de servir de base para· .. solicitar (ao juiz) eventuais medidas cautelares e outras que impliquem a'restric;:ao de direitos fundamentais.

Desde 0 ponto de vista da economia processual, e 0 melhor siste­ma, pois nao implica na reiterac;:ao de atos judiciais na medida em que

32 nLa Imparclalldad como Principia Bas/co del Proceso", in Revlsta de Derecho Procesal, nQ 2, 1950, pp. 184-209.

33 Las Partes en el Proceso Penal, p. 43.

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os atos praticados pelo promotor sao administrativos e de limitado valor probatorio. Como aponta Gomez Colomer,J4 a investiga~aopreli­minar a cargo do MP implica uma notavel acelera~ao -do processo penal, ademais de que centra 0 autentico valor da- prova na fase pro-

- cessual, deixando que os atos de investiga~ao realizados pelo promo­tor sirvam exc\usivamente para fundamentar 0 exercicio da acusa~ao ou 0 pedido de arquivamento. -

Na maior parte dos sistemas modernos, 0 promotor e 0 titular da a~ao penal publica; 0 acusador oficia!. Essa realidade faz com que seja incon-

. gruente que urn juiz instrua para. que 0 promotor acuse. Se 0 que se pre­ten de e verificar se existem indicios suficientes para acusar, tal tarefa deve estar a cargo do titular da acusa~ao publica e de ninguem mais. Nao so e uma contradi~ao, senao ilogico, que 0 promotor·esteja limitado pela atividade do juiz (ou da polieia como ocorre no inquerito policial) na busca dos elementos que devem servir para formar a sua convic~ao, e nao a con­vic~ao do juiz instrutor ou do policial. Em definitivo, e urn paradoxo que o juiz instrua (ou a polieia) para 0 promotor acusar.

Manter 0 juiz alheio 11 investiga~ao preliminar (invocando·o so mente quando necessario para autorizar determinadas medidas restritivas), for· ·talece sua imparcialidade e aproxima a fase_pre·processual da estrutura dialetica do processo.

Como apontam os exemplos do direito estrangeiro (Alemanha, Italia e Portugal) que explicaremos adiante, esta melhor estruturada a instru~ao preliminar com 0 promotor dirigindo a investiga~ao, reservando a ativida­de do juiz para os atos autenticamente jUrisdicionais, como a produ~ao antecipada de provas, buscas domiciliares, prisoes cautelares, interven­~oes corporais etc. e tam bern para atuar na fase intermediaria (juizo de pre-admissao da acusa~ao). Tudo isso contribuinl para que 0 juiz possa desempenhar seu autentico papel de garante e nao de investigador (labor totalmente alheio it suafun~ao).

Concluindo, podemos resumir os argumentos favoraveis ao sistema de promotor investigador:

a) E uma alternativa 11 crise do superado modelo de juiz instrutor. b) Essa investiga~ao preliminar do acusador e uma imposi~ao do siste­

ma acusatorio, pois man tern 0 juiz longe da investiga~ao e garante a sua

34 "La Instruccl6n del Proceso Penal por el MinisterlD Fiscal: Aspectos Estructurales a /a Luz del Derecho CompararJo", in La Reforma de fa Justfcia Penal - Estudlos en homenaje al Prof. Klaus TIedmann, p. 467.

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Sistemas de Investiga~o Preliminar no Processo Penal

imparcialidade35 (ao juiz cabe julgar e nao investigar). Com isso, cumpre­se com os postulados garantistas do nu/lum iudicium sine accusatione e ne procedat iudex ex officio_ Em ultima analise, 0 sistema fortalece a figura do juiz, cuja atividade na instru~ao preliminar fica reservada a ju{gar (decidindo sobre as medidas restritivas e a admissao da propria acusa~ao).

c) A propria natureza da instru~aopreliminar, como atividade prepa­rata ria do exercicio da a~ao penal, deve necessaria mente estar a cargo do titular da a~ao penaL Por -isso, deve ser uma atividade administrativa diri­gida por e para 0 Ministerio Publico, sendo ilogico que 0 juiz(ou a polieia em descompasso cpm <i MP) investigue para 0 promotor acusar. Em sinte­se, melhor acusa quem por si mesmo investiga e melhor investiga quern vai, em juizo, acusar.

d) A imparcialidade do MP leva it cren~a de que a investiga~ao busca­ra aclarar 0 fato a partir de criterios de justi~a, de modo que 0 promotor agira para esclarecer a noticia-crime, resolvendo justa e legal mente se deve acusar ou nao_ Inclusive, devera diligenciar para obter tam bern even­_tuais elementos de descargo, que favore~am a defesa. 36

e) Tende a ser, verdadeiramente, uma cogni~ao sumaria,. Com iSso, tambem se evita que os atos de investiga~ao sejam considerados como atos de prova e, por conseqU€mcia, valorados na senten~a.

f) Maior celeridade e economia processual. g) A impossibilidade de que 0 MP adote medidas restritivas de direi­

tos fundamentais distribui melhor 0 poder (antes concentrado nas maos do juiz instrutor) e permite criar a figura do juiz de garontias, como instan­cia judicial de controle da legalidade dos atos de investiga~ao.

B) INCONVENtENTES DO SISTEMA DE PROMOTOR INVESTIGADOR

Apesat der",presentar urn avan~o em rela~ao ao sistema de instru­~ao judicial e apresentar muitas vantagens sobre a investiga~ao policial (como 0 inquerito policial), a investiga~ao preliminar a cargo do Ministerio Publico tam bern possui inconvenientes. E importante analisa-

35 Por suposto, esse juiz ~ instrw;ao (e nao.d..!: instru~ao) nao sera a mesmo que julgara a causa. Como multo, ademais de decidlr sabre essas medidas restritivas, presidlra a fase intermedia­ria, decidindo se recebe ou nao a acusa~ao.

36 Apesar da duvidosa efici3cla, algumas legislac;oes impoem ao promotor Investigador um dever legal de apurar tambem os elementos que favorec;am a defesa. Nesse sentido destacamos 0 art. 358 do. CPP Italiano e 0 § 160.2 da StPO alema. .

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los, nao so para mostrar 0 outro lade da moeda, mas principalmente para buscar solu~6es.

No aspecto historico, 0 modelo esta associado ao utilitarismo judi­cial, ao combate da criminalidade a qualquer custo, a uma epoca em que o Estado pretendia justificar os fins com 0 uso abusivo dos meios. 37

Como destaca a doutrina.alema,38 a reforma processuallevada a cabo na Alemanha, em 1974, foi produto da pressa do legislador em combater a qualquer custo 0 terrorismo do grupo Baader-Meinhof. 39 0 que importa­va era dar armas para a acusa~ao, aumentando a eficircia da instru~ao em respeito ao fim punitivo pretendido, ainda que com claros prejuizos para o sujeito passivo. Uma vez mais, a falacia da defesa do Estado de Direito foi utilizada como justificativa para 0 arbitrio.

No mesmo sentido, a supervaloriza~ao do Ministerio Publico na Italia tem uma justifica~ao histarica calcada no combate do crime a qualquer custo, ainda que para isso se cometam algumas injusti~as. A Italia do pas­guerra estava completamente assolada pela corrup~ao dos orgaos publi­cos, a mafia e 0 crime organizado. A reforma realizada em 1988 preten­dia, de uma vez por todas, mudar esse panorama a qualquer custo.

E os frutos nao tardaram. Ja em 1992, quando 0 promotor Antonio eli Pietro come~a a investigar um "caso de menor importancia", culmina por colocar de manifesto um escandalo de corrup~ao politica sem preceden­tes (tangentopolis)_ A partir de entao, a operazione mani pulite- inicial­mente levada a cabo por sete promotores de MiUio e posteriormente por uma ampla equipe - processa, em menos de um ano, seis ministros, mais de uma centena de parlamentares e os dirigentes das mais importantes empresas da Italia. Em 1997, esse numero e elevado a cinco mil pessoas, os interrogatorios passam de vinte mil e as cartas rogatorias a outros pai-

37 Como explica FERRAJOLI (ab. cit., p. 830), na jurisdic;ao 0 fim nunca justifica as meias, dado que as meias, Isto e, as regras e as farmas, sao garantlas de verdade e liberdade e, como tais, tern Inclusive mais valor para as momentos dificeis que para as Meels; em cambio, a tim nao e ja 0 exito a toda custa sabre a inimigo, senaa a verdade processual. 0 argumento da defesa do Estado Democratico e, eVidentemente, nada mals que urn lugar ret6rico, ademais de con­traditorio, tendo em conta que a democracia e a Estado de Direlto se defendem precisamente com 0 respelto as suas regras,

39 Como aponta GOMEZ COLOMER, "La Instruccion del Proceso ... ", ob, cit., nota ao pe da pagina 469. 39 A RAF (sigla da banda terrorista) surgiu do grupo formado por Andreas Baader e Ulrike Meinhof

(mortos em 1977 e 1976,. respectivamente), cuja, primeira atividade terrorista ocorreu em 1968, em Frankfurt. OS,anos mats vlolentos foram na decada de 70, quando foram assasslnadas mais de 50 pesseas, entre politicOs e empresarios. A ultima vitlma da banda foi Detlev Rohwedder, chefe do programa de privatizac;oes da antiga Alemanha Oriental, em 1991. Segundo noticiou a impren­sa, em maio de 1998 a banda terrerista comunlca ofic1almente sua dissoluc;ao, ainda que a polfcia ja a conslderasse como nao atuante ha anos. Os membros, em sua grande maieria, estavam pre-50S ou feram conslderados arrependidos e indultados depols de abandonar a luta annada.

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Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

ses superam as quinhentas. 40 Sao numeros elevados e preocupantes, nao so pelo nivel de criminalida:de que representam, mas principal mente por­que por detras deles esta uma elevada cifra da injusti~a (pessoas inocen­tes injustamente submetidas ao processo). 0 que parece ser a supremacia da lei reflete na realidade 0 imperio do Ministerio Publico. As cifras indi­cam nao so uma suposta eficacia da persegui~ao, mas tambem reais e ele-' vadas cifras dos casos de abuso de autoridade, persegui~ao politica, des­necessaria estigmatiza~ao e to do tipo de prepotencia_

Em suma, exemplos historicos apontam que 0 modele deve ser apli­cado com cautelas, para evitar os abusos e as persegui~6es desenfreadas, tipicos retrocessos a um Estado de Policia_

Outro gravissimo inconveniente e a constru~ao da institui~ao como parte imparcial. Se, no plano teorico-doutrinal, a li~ao de Werner Gold­schmidt (anteriormente exposta) e irrefutavel, na pratica ela esbarra num problema insuperavel: a fragilidade do homem que e chamado a desem­penhar tal fun~ao.

Neste sentido, para combater a constru~ao de Werner, recorremos a li~ao de seu pai - James Goldschmidt41 - que foi categorico ao afirmar que esta exigencia de imparcialidade, dirigida a uma parte acusadora, cai no mesmo erro psicologico que desacreditou 0 processo inquisitivo_ E este erro e 0 de acreditar que uma mesma pessoa possa desempenhar tarefas tao antagonicas como acusar e defender.

A pergunta que surge-~em res posta e: no que difere a promotor do juiz inquisidor? Que outros mecanismos subjetivos de prote~ao poderia ter o promotor para ser ao mesmo tempo parte acusadora imparcial?

o critico mais incansavel da artificial constru~ao juridica da impar­cialidade do Ministerio pUblico no processo penal foi, sem duvida, Carnelutti. 42 Em diversos trabalhos, 0 jurista italiano colocou em relevo a fmp05sibi/idade da quadratura do drculo: nao e como reduzir um drculo a uma quadrado construir uma parte imparcial? Chegava inclusive a afir­mar que nao se pode ocultar que'se aquele (MP) exercita verdadeiramen­te a fun~ao de acusador, querer fazer dele um orgao imparcial nao repre­sentaria no pcocesso mais que uma inutil e ate molesta dup/icidade.

411 Dados proporcionados por DiAZ HERRERA, Jose e DuRAN, Isabel, na obra EI Secuestro de la Justicia; Cuando el Poder se enfrenta a los Tribuna/es, especiaJmen~e 0 Capitulo IX.

41 Problemas luridicos y Politicos del Proceso Penal, p. 29. 42 Especialmente nos trabalhes: "Poner en su puesto al Min/sterio Publico", in Cuestiones sobre el

Proceso Penal, pp. 214 e seguintes (tambem publicado na Rlvlsta di Diritto Processuale, vol. VIII, parte I, 1953, pp. 18 e segu[ntes) e na obra Lecciones sabre ef Proceso Penal, vol. II, pp. 99 e seguintes.

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Se 0 Ministerio Publico foi uma parte fabricada, que nasceu para ser o contraditor natural do imputado e com isso atender aos requisitos do sis­tema acusatorio, e ilogica sua constru~ao a partir da imparcialidade_ A verdade brota para 0 juiz do confronto entre as partes, do contraste de argumentos e de interesses_ Por isso, a imparcialidade do MP nao so e infundada com tambem e molesta_ Quanto maior e a parcialidade das par­tes, mais garantida esta a imparcialidade do juiz, de modo que a: preten­dida imparcialidade do MP vern de encontro a.necessidade natural<de sua eXistencia. Em outras palavras, 0 processo penale 0 juiz necessitam que a parte seja parte, e imprescindivel sua parcialidade. .

Tambem a imparcialidade objetiva43 - nos sistemas em que 0 MP per­tence ao Poder Executivo - fica comprometida, principalmente em paises como Espanha, em que, ademais de pertencer ao Poder Executivo, 0 MP nao e independente e acaba por ser urn instrumento a servi~o dos mandos e desmandos..do Governo.

Sao criticas que induzem a reflexao e a constata~ao de que se no plano do dever ser 0 promotor poderia ser uma parte imparcial, no plano do ser isso e impossivel. Como ser humano, e facilmente suscetivel de sofrer a paixao pelo poder, pela investiga~ao e, principalmente, pela posi­~ao acusadora no processo penal. A argumenta~ao teorica nao e suficien­te para explicar esse fenomeno, porque a alma do ser humane e fragil, muito mais fragil que supoe a constru~ao tecnica artificial.

A pratica demonstra que 0 promotor nao e mais que urn orgao acusa­dor, e como tal, uma parte parcial que nao ve mais l1ue uma dire~ao. Por' sua propria indole, esta inclinado a acumular exclusivamente provas con­trarias ao imputado.44 Nao contribui em nada a constru~ao de uma parte polivalente no processo penal, pois sob 0 manto protetor da imparcialida­de 0 que se faz e atribuir a cada dia mais poderes para- urna das partes (MP), ao mesmo tempo em que se da maior credibilidade a sua atua~ao.

Com isso, a desequilibrio e patente e cai por terra qualquer preten­sao de transformar 0 processo numa luta franca entre duas partes iguais, com igualdade de armas. Chega-se ao extremo de possibilitar que 0 MP realize atividades totalmente alheias a sua fun~ao, em nome de uma su-

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SANCHIS CRESPO (EI Mlnisterio Fiscal y SU Actuaci6n en el Proceso Penal Abreviado, pp. 32 e seguintes) c1assiflca a Imparcialldade do MP em dais pianos: a) Objetivo: radlca no fata de nao existir urn Interesse corporatlvo, como membm de urn g-rupo au carpa. b) Subjetivo: refere­se ao desinteresse estritamente pessoal, a pessoa do promotor como indlvlduo. GUARNIERI, Jose. Las Partes en el ProcesD Penal, p. 320.

Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

posta atua~ao em beneficio do acusado.45 Neste sentido, Guarnieri46 expli­ca que a doutrina alema chega a distinguir entre defesa "formal" - reali­zada pelo defensor - e defesa "substancial", que estaria confiada ao juiz e ao promotor. Nas palavras do autor, 47 se quer salvar ao Ministerio Publico, deve despojar-se-lo de todas as Iun~oes que como 6rgi'io da jus­ti~a comparte agora com a juiz, considerando-lhe somente como a que realmente e: uma parte, tao s6 uma parte.

Por fim, chamamos a aten~ao dos defensores da imparcialidade do MP para que, uma vez assumida a investiga~ao preliminar pelo parquet, deve­

. rao realizar uma profunda reflexao sobre 0 surgimento de uma nova figu­ra juridica: promotor prevenido.

Pela logica, se 0 juiz instrutor e considerado como prevenido, e como tal comprometida esta sua imparcialidade e par isso nao atua no processo penal, 0 mesmo sucedera com 0 promotor (que mecanismos de prote~ao ele podera possuir que 0 diferencie do juiz?). Sem duvida que, para os defensores da imparcialidade do MP, a figurado promotor investigador leva - obrigatoriamente - a conclusao de que esta mesma pessoa que investigou nao poden} acusar no processo, pois sua imparcialidade esta comprometida por toda uma serie de atos e prejulgamentos que realizou no curso da investiga~ao preliminar. Das duas uma: ou se repensa aimpar­cialidadedo MP; ou se proibe que 0 mesmo agente investigue e acuse, por­que isso e absolutamente incompativel com a defendida imparcialidade sobre a qual esta atualmente estruturada a participa~ao processual do parquet. Em sintese, urn promotor investiga e outro acusa.48

Em definitivo, 0 Ministerio Publico devera atuar no processo como uma parte oficial, pautada nos criterios de justi<;:a e estritamente limita­do pela legalidade. Pedir a condena~ao quando existirem provas para isso ou solicitar a absolvi~ao ante a duvida insuperavel nao faz do MP urn orgao imparcial, senao urn acusador oficial que pauta sua conduta na estrita legalidade. Imparcialidade e atributo do juiz e nao das partes.

45 Neste sentido, nao e raro encontrar artigos como 0 781 da LECrim espanhoia, que atribui aa promotor poden~s e atividades como 0 respeito as garantias proces5uais do imputado, prote­<;50 dos direitos da vitlma, impulsar e simplificar a tramitac;ao do procedimento sem violar 0 dire ito de defesa etc. Ou seja, toda urna serie de poderes que ademais de contradit6rios em 5i mesmos, nao Ihe correspond em. 0 maior absurdo fica par conta do poder de simplificar 0 pro­cedimento, algo que nao incumbe nem aa juiz e muito menas ao promotor, senao ao iegisia­dar.

46 Las Partes en el Proceso ~naJ, -po 28S· (nota ao pe de pagina). 47 GUARNIERI, Jose. Las Partes en el PrQceso Pena', p. 115 (nota ao pe de pa.gina). 48 Contudo nao e esse 0 entendimento do STJ, conforme expliclta a Sumula nll. 234: A participa~

C;aa de membra do Mlnlsterio Publico na lase investlgat6ria criminal nao acarreta 0 seu Impe~ dimento ou suspeit;ao para a olereclmento da denuncla.

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Aury Lopes Jr.

A titulo de ilustra<;:ao, destacamos uma parte do voto do Min, Carlos Velloso (relator) no RE nQ 215.301'-CE. 0 julgamento tinha como ponto nevralgico a possibilidade ou nao do Ministerio Publico decretar a quebra do sigilo bancario sem previa autoriza<;:ao judicial e um dos fundamentos utili· zados pelo Ministro para negar esse poder ao'MP foi exatamente a falta de obriga<;:ao de ser imparcial. Como explica 0 Ministro (0 sublinhado e nosso):

"No voto que proferi na Peti<;:ao 577-DF, caso Magri, dissertei a respeito do .tema (RTJ 148/366), asseverando que 0 direito ao sigilo bancario nao e, na verdade, um direito absoluto - nao ha, alias, direitos absolutos - devendo ceder, e certo, diante do inte­resse publico, diante do interesse·SQGjal, diante do interesse da justi<;:a, conforme, esclare<;:a·se; tem decidido 0 Supremo Tribunal Federal. Todavia, deixei expresso no voto que proferi no MS 21.729·DF, por se tratar de um direito que tem status constitucio· nal, a quebra nao pode ser feita por quem nao tem 0 dever de imparcialidade. Somente a autoridade judiciaria, Que tem Q dever de ser imparcial, por isso mesmo procedera com cautela, com pruden cia e com modera<;:ao, e que, provocada pelo Ministerio Publico, podera autorizar a quebra do sigilo. Q Ministerio Publico, llQ[ mais importantes Que sejam as ~ fun~6es, na~ tem i! obri· gacao de ser imparcial. Sendo parte - advogado da sociedade _ a imparcialidade49 the e inerente. Entao, como poderia a parte, que tem interesse na a<;ao, efetivar, ele proprio, a quebra de um direito inerente a privacidade, que e garantido pela Constitui<;:ao? Lembro·me de que, no antigo Tribunal Federal de Recursos, um dos seus mais eminentes membros costumava afirmar que "0 erro do juiz 0 tribunal pode corrigir, mas quem corrigira 0 erro do Ministerio Publico?" Ha orgaos e orgaos do Ministerio publico, que agem individualmente, alguns, ate, comprometidos com 0 poder politico. 0 que na~ poderia ocorrer, indago, com 0 direito de mui­tos, por esses Brasis, se 0 direito das pessoas ao sigilo bancario pudesse ser quebrada sem maior cautela, sem a interferencia da autoridade judiciaria, por representantes do Ministerio Publico, que agem individualmente, fora do devido processo legal e que nao tem os seus atos controlados mediante recursos?"

49 A transcric;ao e literal, mas aqui parece existir urn erro de escrita, pois como esta a Frase fica sem sentido. 0 correta - segundo a contexto - deveria ser: Sendo parte - advogado da sociedade - a parcialidMe Ihe e inerente.

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Sistemas de Investiga,ao Preliminar no Processo Penal

Por tudo isso, para os criticos desse sistema, a imparcialidade como argumento para 0 MP assumir a investiga<;ao na~ e valido e pede ser perfei· tamente repelido. Como parte acusadora, nao pode assumir a investiga<;:ao preliminar, sob pena de transform,\-la numa atividade puramente voltada para a acusa<;ao, com gravissimos inconvenientes para 0 sujeito passivo.

Por derradeiro, 0 modele causa serios prejuizos para a defesa e gera a desigualdade das partes no "futuro" processo.

Atribuir ao MP a dire<;:ao, da investiga<;:ao preliminar significa dizer que a,fase pre-processual nao servira para preparar 0 processo, informando a acusa<;:ao, a defesa e tambem ao juiz, senao que sera uma via de mao unica: serve somente para a acusa<;:ao. A defesa devera diligenciar por si mesma, buscando e recolhendo elementos para convencer ao juiz da improcedencia da acusa<;:ao. Se no plano teorico isso seria concebivel, no pratico e absolutamente impossivel, ainda mais se levarmos em conside­ra<;:ao que no Brasil a maioria absoluta dos imputados e pobre, sem condi­<;:6es de contratar os servi<;os de um advogado e muito menos uma equipe capaz de diligenciar de forma independente.

Isso acentua a desiguaidade50 dos sujeitos do procedimento prelimi­nar, das partes no processo e tambem dos proprios cidadaos frente a lei, pois os que tiverem meios economicos poderao contra tar advogados e investigadores privados para realizar uma autentica instru<;ao preliminar. Os demais, que representam a imensa maioria, estarao fad ados a sofrer as injusti<;as do processo sem poder oferecer resistencia.

I': uma ilusao acreditar que a inquisi~iio do acusador possa tambem se preocupar com a defesa. Como explica Guarnieri,51 0 promotorse sente int:linado a realizar as provas de cargo, olvidando·se das de descargo; bus­card fazer servir 0 material adquirido para 0 triunfo do tese acusat6ria que brilha no sua consci<~ncia como uma estrela polar orientadora de atos

_ e inspiradora de conjeturas e dedUl;oes. Esse desequilibrio gera um gravissimo 'cerceamento de defesa, pois

impossibilita qualquer especie de resistencia efetiva a acusa<;:ao, princi' pal mente na fase intermediaria (juizo de pre·admissibilidade da acusa­<;:ao). Tambem acabaria gerando um tumulto processual, pois 0 acusado,

, impossibilitado de proQilzir a prova antes do processo, teria que realizar toda sua atividade no curso do processo. Uma das fun<;6es da investiga<;ao preliminar e a de filtrar a prova, permitindo que no processo as partes so solicitem aquelas provas com que ja tiveram contato e, como tal, sabem

50 No mesmo sentido, MONTERO AROCA, Principios del ProcesD Penal, pp. 64 e seguintes. 51 Las Partes en el Proceso penal, p. 355.

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da sua utilidade. Como conseqUencia, ao nao haver esse contato previo e a elimina~ao das provas inuteis, estender-se-ia a instru~ao processual, pois adefesa teriaque solicitar tudo ao juiz no processo.

Uma forma de amenizar esse grave inconveniente e estabelecer 0

dever legal do Ministerio Publico de tam bern atuar para a aporta~ao de elementos que favore~am a defesa, como existe na Italia (art. 358 do CPPi) e na Alemanha (§ 160 da StPO). Mais do que isso, e importanteque o procedit1)ento seja contraditorio, permitindo que a defesa solicite dili­gencias aotitular da investiga~ao preliminar (MP) e, caso sejam denega­das, recorreHlo juiz de garantias. Claro, mesmo assim ainda se podera argumentar - com absoluta procedencia - que esse dever legal apenas acentuara 0 distanciamento entre a teoria e a realidade.

Por fim, cumpre destacar, 0 fato de atribuir a investiga~ao preliminar ao MP nao significa que ela sera efetivamente realizada pelo parquet. A policia, como orgao auxiliar e subordinado ao MP, possui na pratica urn papel muito importante, a ponto de ser ela quem efetivamente realiza a instru~ao preliminar.

Segundo Armenta Deu, R,foi constatado em urn estudo realizado pelo Instituto Max·Plank, no ana de 1978, que nos paises que ja adotam a inves· tiga~ao a cargo do promotor, como, por exemplo,·Alemanha, na grande maioria dos casos, a instru~ao preliminar era realizada pela policia e 0

promotor so tomava conhecimento do realizado depois da conclusao das investiga~6es policiais. 0 promotor investiga muito pouco pessoalmente e, na pratica, nao pode modificar substancialmente 0 resultado da atua~ao policial, pois esta ja chega concluida - carater inibitorio. Segundo a auto­ra, e uma pratica habitual que a investiga~ao recaia, quase que exclusiva­mente, na policia, limitando-se o·promotor a uma mera revisao formal posterior. Os reproches a tal pratica sao muitos, pOis deixar a investiga~ao preliminar nas maos da policia e urn grave retrocesso.

Concluindo, argumenta-se que a instru~ao preliminar a cargo do MP significa a ado~ao de urn modelo destinado exclusivamente a recolher indicios favoraveis para a acusa~ao. Ademais de minimalista, 0 modelo acaba com qualquer esperan~a de estabelecer uma igualdade de armas no processo penal, pois vulnera a igualdade dos sujeitos e dos ddadaos.

Para finalizar, cumpre pontualizar as principais criticas ao modelo de investiga~ao preliminar a cargo do Ministerio Publico (promotor investigador) :

52 Criminalidad de Bagatefa y Principia de Oportunidad: Alemania y Espaiia, p. 174 (nota ao pe de pagina).

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Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

a) Historicamente, 0 modelo esta relacionado ao utilitarismo judicial e as reformas que, em momentos de crise, buscavam 0 combate do crime a qualquer custo .

. b) Levada ao extremo, a transferencia de poderes faz com que 0 juiz instrutor deixe de ser 0 tem/vel, e passa a se-lo 0 promotor, gerando a nao menos criticavel inquisi~ao do proprio acusador. S3

c) 0 argumento da imparcialidade do Mp e uma fragil constru~ao tecni­ca facilmente criticavel, pois e contrario a logica pretender a imparcialida­de de uma parte. Ademais, e absolutamente inconciliavel que uma mesma pessoa investigue e acuse e ainda seja defendida sua imparcialidade.

d) Somente urn Ministerio Publico institucionalmente calcado na inde­pendencia em rela~ao ao Poder Executivo e sem que exista hierarquia fun­cional interna, pode ser 0 titular da investiga~ao preliminar, sob pen a de contaminar politicamente 0 processo penal com os mandos e desmandos do governo. E isso nos leva a urn questionamento: se para atribuir a ins­tru~ao preliminar ao MP e necessario dota-lo das garantias de urn autenti­co juiz, por que nao encarregar logo urn juiz instrutor?

e) N'a pratica, 0 promotor atua de forma parcial e nao ve mais que uma dire~ao. Ao transformar a investiga~ao preliminar numa via de mao unica, esta-se acentuando a desigualdade das futuras partes com graves prejuizos para 0 sujeito passivo. E converte-la em uma simples e unilate­ral prepara~ao da acusa~ao, uma atividade minimalista e reprovavel, com inequivocos prejuizos para a defesa. .

f) Por fim, 0 fato de atribuir normativamente a investiga~ao prelimi­nar ao MP nao significa que ela sera efetivamente levada a cabo pelo par­quet (eterna luta entre normatividade eefetividade) e 0 sistema podera se transformar de fato na ainda pior investiga~ao policial.

Por sua importancia, remetemos 0 leitor ao ponto intitulado "A Busca do Sistema Ideal", onde ponderamos as vantagens e os inconvenientes a luz da nossa realidade. '

53 Como destaca ARAGONESES ALONSO, Pedro, instituc/ones de Derecho Procesaf penal, pp. 225 e seguintes.

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Capitulo IV Objeto e Grau de Cogni~ao na Investiga~ao Preliminar

I. OBJETO DA INVESTIGAC;:il.O PRELIMINAR

o objeto da investigac;:ao preliminar e a materia sobre a qual recai 0

complexo de elementos que a integram.' Ao contrario do que sucede no processo penal, na instruc;:ao preliminar nao existe uma pretensao, mas 0

exercicio de uma potestas estatal. E uma manifestac;:ao do poder de per­seguir aquelas condutas que atacam ou exp6em a risco os bens jUridica­mente tutelados.

A investigac;:ao preliminar serve - essencialmente - para averiguar e comprovar os fatos constantes na notitia criminis, isto e, a autoria e a materialidade. Neste sentido, a poder do Estado de averiguar as condutas que revistam a aparencia de delito e uma atividade que prepara a exerci­cia da pretensao acusat6ria2 que sera posteriormente exercida no proces­so penal.

Par isso, pod em as afirmar que 0 objeto da investigac;:ao preliminar eo fato constante na notitia criminis, isto e, a fumus commissi delicti que da origem it investigac;:ao e sabre 0 qual recai a totalidade dos atos desenvolvidos nessa fase.

Seguindo 0 conceito de abjeto de GUASP ("La Pretension Procesa/", in Estudios Juridicos, p. SQ3), devidamente ajustado as pecullaridades da investigat;ao preliminar.

2 Seguimos a constru<;ao dogmatica do objeto do processo penal de J. GOLDSCHMIDT, para quem o verdadeiro objeto do proces.so penai e a pretensao acusatoria. Como explica 0 autar (Problemas ... pp. 23 e seguintes) 0 direito de punir do Estado nasce com a pratica de urn fato considerado como delita, mas como se trata de urn direito de coal;ao indireta~'sua efetiva aplJ­cal;ao depende da existencia de um processo penal que ao final imponha uma- pena. Concoml­tantemente, tambem nasce com 0 delito 0 direito subjetivo de acusal;ao, que consiste na facul­dade de colocar em marcha 0 processo penal contra alguem, junto ao titular do poder jurisdi­cional, visando a efetiva imposil;ao de uma pe~~_~ntenl;a que condena 0 reu reconhece 0 direlto de acusal;ao (da parte) e torna efetivo 0 direlto de punir (do Estado) que nasceu com 0 delito. A pena e uma retribuit;ao juridica ao autor do delito,'configurando um ato de soberania do Estado como forma de real;ao que busca restabelecer a paz social. A principal,discordancia em relal;ao a teoria tradiclonal de Binding e que Goldschmidt entende que 0 direito de "penar" coincid~ com 0 poder judicial de condenar 0 cUJpiwel e executar a pena, pols 0 Estado, como titular do direito de punlr, reallza seu direlto nao como parte, mas como juiz (ob. cit., p. 25). Assim, a objeto do processo penal nao e uma pretensao punitiva, mas sim acusatorla. Sabre a estrutura da pretensaa, veja-se 0 excepcional trabalho de GUASP, anteriormente referido.

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Definido a objeto da investiga~ao preliminar - fato aparentemente delitivo -, cum pre agora delirWtar a quanto de conhecimento (cognitio) do fato e necessario para que a fase pre-processual cumpra com sua fun~ao.

II. A SUMARIEDADE DA COGNI<;AO NA INVESTIGA<;AO PRELIMINAR

Em direito processual existem diferentes nlveis ou graus de cogni~ao, segundo se busque um juizo de possibilidade, de probabilidade ou de cer­teza. Come~aremos pelo fim.

Para chegar ao juizo -de certeza, e necessario conhecer toda a mate· ria, isto e, a atividade cognitiva plena do julgador devera recair sobre 0

objeto, a ponto de conduir pelo predomlnio absoluto dos fatos que sus· tentam a hip6tese. 0 juizo de certeza somente pode ser alcan~ado atra· Yes de uma instru~ao plena (ou plenaria), que esgote a atividade probat6· ria, proporcionando urn conhecimento total da materia. No processo penal, 0 juizo de certeza e imprescindivel para sustentar uma condena· ~ao. E a chamada tutela de seguranc;a, em que, para condenar, nao pode existir duvida.

Desde logo pode·se constatar que a investiga~ao preliminar nao esta destinada a formar um juizo de certeza, pois para isso esta a processo penal e a instruc;ao definitiva. Como procedimento previo e de carater preparatorio, ela esta dirigida apenas a justificar 0 processo (preparando o exerdcio da pretensao acusat6ria) ou a nao-processo (pela via do arqui­vamento).

Descartado a grau maximo de cognic;ao (certeza), cumpre definir se a investigac;ao preliminar deve proporcionar elementos para formar urn juizo'de possibilidade ou ela deve ir mais longe, permitindo a afirmac;ao de probabilidade. .

Como explica Carnelutti,3 existe possibilidade em lugar de probabi­lidade quando as razees favoraveis ou contrarias II hipotese sao equivalen­tes. 0 juizo de possibilidade prescinde da afirmac;ao de urn predominio das razees positivas sobre as razees negativas ou vice-versa.

Logo, para a abertura do inquerito policial (ou qualquer outro instru­mento de investigac;ao preliminar), seria suficiente urn juizo de possibili­dade, posto que no curso da investigac;ao iraQ sendo aportados outros ele­mentos que permitam urn maior grau de convencimento.

3 Lecciones sabre el Proceso penal, vol. II, pp. 181-182,

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

Inobstante, para a admissao de uma a~ao penal ou aplica~ao de uma medida cautelar pessoal, e necessario mais do que isso, deve existir urn juizo de probabilidade, um predominio das razoes positivas. Se a possi­bilidade basta para a imputac;ao, nao pode bastar para a acusac;ao, pois 0

peso do processo agrava-se notavelmente sabre as costas do imputado. A probabilidade significa 0 predominio das razees positivas que afirmam

a existencia do delito e sua autoria. Logo, a investigac;ao preliminar deve permitir afirmar a probabilidade da exisMncia de todos os requisitos positi­vos e a (provdvel) inexistencia de todos os requisitos negativos do delito.

Tal lic;ao se aplica inteiramente ao momenta em que 0 juiz decide sabre a recebimento au nao da denunciaou queixa, na medida em que todas as decis6es tern a dever constitucional de motivac;ao. Interpretando as palavras de Carnelutti, requisitos positivos do delito significa prova de que a conduta eprovavelmente tipica, ilicita g culpavel. Alem disso, nao podem coexistir, tambem em grau de probabilidade, ~uisitos negati­vas do delito, au seja, nao podem ser provaveis as causas de exdusao da ilicitude (legitima defesa, estado de necessidade ... ) au de exclusao da cUl­pabilidade (inexigibilidade de conduta diversa, erro de proibic;ao etc.), pais a grau igual entre as requisitos positivos e negativos nos leva de volta II mera possibilidade (que, voltamos a frisar, basta para iniciar a inquerito policial, mas nao para justificar a abertura do processopenal).

Se a investigac;ao preliminar esta destinada a fornecer elementos que permitam justificar a exercicio da a~ao penal (au a arquivamento), e se para admitir a ac;ao penal e necessaria que ela demonstre a probabilida­de do fato e da autoria, outra nao pode ser a condusao: a investigac;ao preliminar estci destinada a formar um juizo de probabilidade.

Destarte, a investiga~ao preliminar esta destinada a conhecer a fato em grau suficiente para afirmar a sua existencia e autoria, isto e, probabi­lidade da materialidade e da autoria. Se nao atingir esse nivel - ficando na mera possibilidade - justificara a pedido de arquivamento (nao-proces­so) e, como conseqUencia, nao devera ser exercida a ac;ao penal. Se exer­cida, nao devera ser admitida. Tambem nao devera conhecer profunda­mente da materia, pais a cognic;ao plena, destinada ao juiw de certeza, esta reservada II fase processual e II correspondente instruc;ao definitiva.

Tambem e importante desmascarar 0 fragil argumento de que no momenta da admissao da den uncia exista uma presun~ao de in dubio pro societate. Nao so nao existe no plano normativo tal previsao, como, se existisse, seria inconstitucional, pois, ao afirmar que na duvida deve-se proceder contra uma pessoa, estaria sendo anulada a protec;ao constitu­cional da presunc;ao de inocencia, antes mesmo de iniciar 0 processo,

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Definido que a investigac;ao preliminar esta destinada a formar um juizo de probabilidade, nos centraremos na cognic;ao sumaria.

Asummaria cognitio significa uma limitac;ao da atividade instrutoria. E uma verificac;ao limitada au superficial (fndagine limitata au superficia­lej,4 pais a que se pretende e alcanc;ar um juizo de probabflfdade, reser, vando a certeza para a fase pracessual. Esse tipo de limitac;ao esta geral­mente relacionado com a existencia de um posterior procedimento plena­rio, no qual as limitac;6es anteriores serao remediadas.

A investigac;ao preliminar inicia a partir da mera possibilidade - grau mais baixo de verassimilitude - e vai progressivamente evoluindo ate chegar a pro­babilidade, au, ao contralio, mantem-se como esta au reglide, situac;ao em que a procedimento devera ser arquivado. Em qualquer situac;ao (inclusive quando recebida a ac;ao penal), esse juizo sera sempre provisional, pais pode ser alte­rado no curso do processo, com conhecimento total da materia na instruc;ao definitiva (processual e plenalia). Inclusive, pode-se afirmar que a procedimen­to preliminar aspira chegar a certeza, pais, como aponta Calamandrei,5 e dun­que un prowedimento prowfsorio che aspira a diventar definitivo.

A investigac;ao preliminar existe para ser sumaria, atendendo a sua natureza instrumental, a servic;o do processo e nao um fim em si mesma. Deve estar limitada ao imprescindivel, ja que se quer reservar para a fase processual a conhecimento de dados complementarios, assim como a veri­ficac;ao exaustiva do anteriormente apurado, proporcionandoao julgador o convencimento da exatidao e certeza dos mesmos. 6

Aexistencia de 'uma posterior cognic;ao plena no processo permite que a fase pre-processual seja limitada e superficial, destinada a compro­var a verossimilitude da noticia-crime, para afirmar a existencia ou inexis­tencia do fumus commissi delicti necessario para justificar a acusaC;ao.

A instruc;ao preliminar nao deve ser normativamente uma cogniC;ao plena, profunda e cQmpleta sobre a existencia do delito, pais esse-eo objetivo da fase processual e da instruC;ao definitiva. Uma fase pre-pro-' cessual plenaria nao representa mais do que uma molesta duplicidade ou, ainda pi or, desvirtua completamente a fase processual, transformando-se na alma do processo;"

Uma das maiores·criticas que se faz ao modelo brasileiro de instruc;ao preliminar - inquerito policial - e a repetic;ao na produc;ao da prova. 0 inquerito policial e normativamente sumario, inclusive com limitac;ao

CALAMANDREI, Piero. Intrgduzlone allo Studio Sistematico de; provvedimenti Cautelarl, p. 13. Idem.

6 Cf. ARAGONESES ALONSO, Pedro. [nstituciones de Derecho Procesal Penal, p. 223.

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Sistemas de Investiga9io Preliminar no Pro~esso Penal

quantitativa au temporal., mas 0 que sucede na pratica e que ele se trans­forma em plenario. A conversao - de normativamente sumario em efe­tivamente plenario - e uma gravissima degenerac;:ao. Apolicia tarda demasiado em investigar, investiga mal e par atuar mal acaba par alongar excessivamente a investigac;:ao. 0 resultado final e um inquerito inchado, com atos que somente deveriam ser produzidos em juizo e que por isso . desborda os limites que a justificam.· .

Par falta de criterios - basicamente porque nao atua em sintonia com a titular da ac;:ao penal - em geral a policia investiga em excesso e pro­duz urn prova de rna qualidade. 0 ideal esta no outra extremo:restringir­se ao imprescindivel, mas investigar com criterio, de modo a aportar atos de convencimento em grau suficiente. para justificar a denuncia.

o grande erro esta na falta de contra Ie da investigac;ao policial par parte do Ministerio Publico - destinatario final do inquerito e titular da ac;:ao penal -, que deveria ser 0 responsavel em definir 0 que e a quanto a ser investigado, pois, como titular da ac;:ao penal, sabera definir que nivel de cogniC;ao deve existir naquele caso especifico. Atingido urn grau de convencimento tal que 0 promotor possa oferecer a denuncia com sufi­cientes elementos - probabilidade do fumus commissi delicti -, ele deve­ra determinar a conclusao do inquerito e oferecer a den uncia.

Desta forma, em juizo, sera produzida toda a prava necessaria para chegar a certeza, pois a fase processual sim e que deve ser plenaria. Obviamente, alguns atos serao aparentemente repetidos, mas nao se trata de uma repetic;ao em sentido juridico, senao uma verdadeira produC;iio, pois a unica prova valida para a sentenc;a e a produzida em juizo, com todas as garantias. Logo, 56 existe repetic;iio se a mesma prova for produ· zida duas vezes ao longo do processo. Esse sentimento de duplicidade de atos cai par terra se a inquerito for verdadeiramente sumario, pais a prova aparentemente repetida sera minima e justificada pelas garantias ineren' tes ao processo penal.

Concluindo, e inadmissivel que a investigac;ao preliminar seja au con­verta-se em plenaria, nao 56 porque atrasa todo a processo, mas tambem porque tende a converter as meros atos de investigac;:ao - praticados mui­tas vezes em segredo e.:Sem qualquer contradit6rio - em atos de prova, transformando a fase processual num mero tramite para valorar e senten· ciar. Em definitivo, a sistema plenario degenera a processo e a sua estru· tura dialetica, pois fulmina a igualdade de oportunidades e 0 contradit6-rio. Tambem causa a insatisfaC;ao geral pela sensac;ao de repetic;iio de atos, quando na verdade nunca deveriam ter sido produzidos na investiga­c;ao preliminar, mas sim reservados para a processo.

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No processo penal, a sumariedade pode ser aplicada a investiga~ao preliminar por meio de uma limita~ao qualitativa ou quantitativa, ou ainda combinar as duas restri~aes, originando urn sistema misto.

A) SUMARIEDADE QUALITATIVA

A sumariedade qualitativa limita a materia sobre a qual ira recair a investiga~ao e 0 grau de convic~ao que deve proporcionar a investiga~ao

. preliminar. Sempre que se fala em cogni~ao sumaria, deve·se ter em conta que existem Tlknicas'de Sumarizaqiia7para explicar a redu~ao do campo de cogni~ao judicial. Adaptando essa tecnica ao pracesso penal, pode·se afirmar que existem dais pIanos da cogni~ao: urn horizontal e outro vertical.

No plano horizontal esta 0 campo probatorio, isto e, as dados acer­ca da situa~ao fatica desc::rita na natitia criminis e sabre 0 qual ira recair a atividade de averigua~ao e comprovaqao. A antitese sera a certeza fati· ca (verdade absoluta do fato).

No plano vertical esta 0 direito, isto e, os elementos juridicos refe­rentes a existencia do crime visto a partir do seu conceito formal (fato tipico, ilicito e culpavel). A antitese sera a certeza sobre todos os elemen· tos·que integram 0 conceito analitico de crime.

A sumariedade implica na proibiqao de que 0 orgao encarregado da inve>tigaqao preliminar (juiz instrutor, promotor investigador au policia) analise a fundo a l11ateria, au seja, a fato constante na noticiacrime, de modo que nao podera comprovar de forma plena todos as elementos necessarios para emitir urn jUizo de certeza. Como nao se busca a certe­za, mas a mera probabilidade, a grau de profundidadecom que se inves­tiga, au a quanta a ser esc\arecido, 'e menor.

A cognitio esta Iimitada no plano horizontal pela impossibilidade de que seja comprovada com plenitude a existencia do fato e a sua autoria. o orgao encarregado da instru~ao preliminar nao podera buscar a prova plena do fato delitivo, pois esta limitado a comprovar a verossimilhanqa, a probabilidade do tumus cammissi delicti.

1 Sabre 0 tema, ainda que no processo civil, mas perfeitamente aplicavel ao processo penal, vide: BAPTISTA DA SILVA, Ovidio A. Curso de Processo Civil, Vol. I, p. 108; CHIOVENDA, Gulseppe. Instftuj~ijes de Direito Processuaf Civil, vol I, p. 237; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcantl. ComentarJos ao Codigo de Processo Civil de 1939, VOl. VIII, p. 183; e RANGEL DINA­MARCO, Candido. A Instrumenta/fdade do Processo, nota de rodape n.ll 7 da p. 372.

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Sistemas de Investigat;ao Preliminar no Processo Penal

Tambem esta limitado no plano vertical, pois 0 titular da investiga­qao preliminar devera contentar·se com urn juizo superficial acerca da tipicidade, da ilicitude e da culpabilidade do fato do autor. A fase pre· pro· cessual esta destiriada apenas a formar urn juizo de probabilidade, para justificar a processo ou 0 nao-processo. A certeza esta reservada para a senten~a, calcada na prova produzida em juizo.

A sumariedade qualitativa e atualmente utilizada nos sistemas pro­cessuais modern os para limitar a nivel de cogniqao do objeto da instruqao preliminar.

Na Italia, a instruqao preliminar esta limitada pelo art. 326 do CPPi as investigaqaes e averiguaqaes necessdrias para a exercicio da aqao penal. Na Alemanha, a § 160 da StPO preve que a Ministerio Publico deve­ra averiguar as circunstancias do fata punivel que constam na noticia­crime, tanto dos elementos de inculpaqao como tam bern dos de exculpa­qao, com a tim de tamar a dedsiia sabre se deve serexerdda a aqiio penal publica. Em Portugal, 0 art. 262 do CPPp preve que 0 Ministerio Publico devera realizar 0 inquerito, definido como a conjunto de diligencias des­tinadas a investigar a existencia do crime, determinar seus autores, suas responsabilidades e descobrir e recolher as pravas destinadas a dedsaa sabre a acusaqiia.

Na Espanha, a LO 5/95 - Lei do Juri Popular - define que a instru· qao preliminar deve ser sumaria, pois, segundo a legislador, e inegavel que uma excessiva tendencia a investigaqaes gerais, inacabaveis no tempo, contribui para 0 fracasso do processamento ante 0 juri. Par isso, 0 art. 27 da referida Lei limita as diligencias de investigaqao as que a juiz (instru· tor) considere impresdndiveis para deddir sabre a procedenda da aber­tura do pracessa e que niio passam ser praticadas diretamente na audien· da preliminar (fase intermediaria, composta de uma audiencia destinada a receber au nao a acusa,ao).

Concluindo, verifica·se claramente que 0 espirito camum dos sistemas juridicos atuais e Iimitar a investiga~ao preliminar a atividade minima de comprova~ao e averigua~ao do fato e da autoria, para justificar 0 proces­so (exercicio da a~ao penal) au 0 nao-processo (arquivamento). 0 juizo de pre-admissibilidade da acusaqao e provisional e esta baseado na proba­bilidade de que exista 0 tumus commissi delicti afirmado pela acusaqao.

B) SUMARIEDADE QUANTITATIVA - LlMITA<;:Ao TEMPORAL

Tambem e possivel que a sistema juridico adote um'criterio temporal para limitar a duraqao da investigaqao preliminar. Nesse caso, nao se trata

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de sumariedade em sentido puramente processual, senao mais bem de ceieridade, pois a limita,ao da atividade cognitiva deriva de uma restri­,ao temporal e nao da tecnica de sumariza,ao horizontal ou vertical ante-riormente explicada. , ,

Para evitar que as investiga,6es acerca do fato e de sua autoria sejam inacabaveis no tempo, 0 legislador podera limitar temporal mente a instru­,ao preliminar, for,ando com isso uma maior celeridade por parte do orgao instrutor, que se vera compelido a proporcionar mais rapidamente os subsidios minimos para que a acusa,ao ou 0 arquivamento possam ser fundamentados com uma razoavel motiva,ao.

A limita,ao temporal devera considerar, como criterios objetivos, a gravidade do delito e 0 fato de estar 0 sujeito passiv~ submetido a uma prisao cautelar ou nao. Como regra geral, os delitos mais graves (segun­do a pen a em abstrato) exigem uma maior quantidade e qualidade dos atos de investiga,ao, pois envolvem a realiza,ao de pericias e outros meios que demandam tempo. Tambem nao podera ser desconsiderada a existencia de alguma medida cautelar pessoal, pois, como medidas excep­cionais e provisorias, elas exigem que mais rapidamente seja concretada a situa,ao do sujeito passivo.

Como criterio subjetivo, pois submetido a juizo do orgao encarrega- , do, 0 tempo disponivel para a investiga,ao preliminar podera variar seguw do a complexidade do fato. Em geral, a complexidade do fato e conside­rada como uma justifica,ao para a prorroga,ao, mas nada impede que seja prevista pela norma - desde 0 inicio - como motivo para a dila,ao.

Sem duvida - isoladamente - 0 fator tempo na~ e a melhor forma de reduzir 0 campo de atua,ao da investiga,ao, simplesmente porque nao impede que 0 orgao instrutor centre-se em um unico aspecto e, diante do implemento do tempo estipulado, tenha que encerrar 0 procedimento. 0 resultado final sera im~erfeito e minimalista, porque de nada serve che­gar it certeza de um determinado ponto e desconhecer totalmente a todos os demais, imprescindi~eis para 0 exercicio e a admissao da a,ao penal.

Frente a esse problema, surge 0 sistema misto, que pretende conci­liar as limita,6es quantitativas e qualitativas, limitando concomitante­mente a materia e 0 tempo da instru,ao preliminar.

C) SISTEMA MISTO

o chamado sistema misto limita 0 objeto da investiga,ao preliminar em dois aspectos: nivel da cognitio (sumariedade) e tempo de dura,ao da

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Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

atividade. E a consagra,ao dos dois metodos anteriormente analisados e que acaba por revelar-se 0 mais eficaz.

A sumariedade hOrizontal e vertical da instru,ao preliminar -' exigin­do que a investiga,ao seja superficial, destinada a comprovar a verossimi­lhan,a, a probabilidade da noticia-crime, sem chegar ao fundo da questao (certeza) - resuita perfeita no plano teorico. Sem embargo, 0 problema nao esta na nbrma, mas na sua aplica,ao pratica. Uma vez mais, existe um grave dist'anciamento entre normat;'vidade e efetividade, e, por culpa do titular da instru,ao preliminar, 0 que teoricamente e concebido como sumario acaba por converter-se - na pratica - em plenario.

Frente a essa triste realidade, a limita,ao temporal surge como urn instrumento necessario para efetivar a sumariedade. Na pn\tica, a suma­riedade resulta da imposi,ao de celeridade no procedimento. Por isso, na atualidade, 0 sistema misto e 0 mais recomendado e adotado, como forma de garantir que a investiga,ao preliminar sumaria nao acabe por converter-se em plenaria, com inegavel prejuizo para a administra,ao de justi,a.

Adotando 0 sistema misto, 0 direito brasileiro limita 0 inquerito poli­cial tanto qualitativamente como tambem quantitativamente. Como regra geral, 0 inquerito policial deve serconcluido no prazo de 10 dias - indi­ciado preso - ou 30 dias no caso de nao existir prisao cautelar (art. 10 do CPP). 0 prazo de 10 dias sera computado a partir do momenta do ingres­so em prisao. Nos processos de competencia da Justi,a, Federal, preve 0

art. 66 da Lei n2 5.010/66 que 0 prazo de conclusao do IP, quando 0 sujei­to passivo estiver em prisao cautelar, sera de 15 dias - prorrogaveis por mais 15. Nesse caso, a policia devera apresentar 0 preso ao juiz e a deci­sao judicial devera ser fundamentada, levando-se em consideriwao a gra­vidade da medida adotada. Sera mantido 0 limite de 30 dias quando 0

sujeito passivo estiver em liberdade. Voltaremos ao tema quando tratar­mos especificamente do inquerito policial e de outros sistemas juridicos concretos.

Tambem adotam 0 sistema misto, entre outros paises, Espanha, Italia e Portugal. Como regra geral (e passivel de prorroga,ao), podera durar no maximo:

a) um mes na Espanha (art. 324 da LECrim); b) seis meses na Italia (art. 405.2 do CPPi) e ate um ana nos delitos

de criminalitd mafiosa; c) seis ou oito meses (conforme exista ou nao uma prisao cautelar)

em Portugal (art. 276 do CPPp). Esses prazos possuem duas varia-

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E importante, ainda, que a sistema consagre uma puni~ao processual paraassegurar a eficacia dessas limita~6es>Se, apesar da sumariedade e da limita~ao temporal, a investiga~ao estende-se, e imprescindivel um instrumento de puni~ao que reforce a imperatividade da norma. Exemplos tipicos dessa degenera~ao nos oferecem alguns inqueritos policiais, que, apesar de conceit.ualmentesumarios e legalmente limitados no tempo, tardam varios meses (alguns ate anos) para serem concluidos. a resultado dessas investiga~6es interminaveis e um calhama~o de papel que nao serve para quase nada, pois, pelo transcurso do tempo, ou ja se operou a prescri~ao pela pen a em abstrato, ou ira dar-se pela pena em concreto, au ainda, 0 que e pi or, ja transcorreu talito' tempo que se tornou inviavel produzir a prova em juizo.

Nesse ponto, 0 processo penal italiano nos oferece um notavel exem­plo, ao estipular, no art. 407.3-<10 CPPi, a pena de inutilizzabilitil. Se 0

MP nao exercitar a a~ao penal ou solicitar 0 arquivamento no prazo esta­belecido pela lei (ou prorrogado pelo juiz), os atos de investiga~ao prati­cados na indagine preliminare depois de expirado 0 prazo nao poderao ser utilizados noprocesso penal. E a que se denomina de pena de inutilizza­bilita, em clara alusao II ineficacia juridica (inutilidade) desses atos. Adotado esse sistema, partir do momento em que os atos sao considera­dos inuteis, nao exi~te justa causa para manter em "aberto" a instru~ao preliminar e ela deve ser encerrada.

Concluindo, constata-se que a melhor formula esta em limitar a investiga~ao preliminar nos dais pianos: qualitativamente, devera ser sumaria, limitada II atividade minima de comprova.;:ao e averigua.;:ao dos fatos e da autoria, para com isso justificar a processo ou 0 nao-processo; quantitativamente - aspecto temporal -, a investiga.;:ao preliminar deve­ra estar normativamente limitada, atendendo as especiais caracteristicas do sistema juridico de cada pais. Tambem e aconselhavel estipular uma puni.;:ao processual, como a ineficacia dos atos praticados apos 0 termino do prazo fixado.

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Capitulo V Os Atos da Investiga<.;ao Preliminar

L FORMA DOS ATOS DA INVESTIGA<;:AO PRELIMINAR

A) INVESTIGA<;:AO PRELIMINAR OBRIGAT6RIA, FACULTATIVA E SISTEMA MISTO

Partindo dos tres fundamentos que justificam a existencia da instru­.;:ao preliminar - busca do fato oculto, salvaguarda da sociedade e evitar acusa.;:6es infundadas -, cum pre verificar se a fase pre-processual e obri­gatoria au facultativa.

Em alguns sistemas, a legislador opta pela obrigatoriedade da instru­.;:ao preliminar, determinando que nao podera ser exercida a a.;:ao penal sem previa investiga.;:ao e, com isso, condiciona a abertura do processo penal. A obrigatoriedade e uma regra nos sistemas plenarios, mas tambem pode ser adotada na instru.;:ao sumaria.

Neste sentido, a direito espanhol consagra a obrigatoriedade do sumario - instru.;:ao preliminar para delitos graves, art. 300 da LECrim -e 0 Tribunal Constituciona[1 tem adotado uma acertada postura garantista ao afirmar em diversas oportunidades que:

a) Com a tim de evitar acusa~iles de surpresa, que impossibilitam a par­ticipa.;:ao do sujeito passiv~ na fase pre-processual, ninguem pode ser acusado sem haver sido, com anterioridade, dec/arado imputado (similar ao indiciado).

b) Ninguem pod era ser acusado sem haver sido ouvido previamente na fase pre-processual.

c) Nao se deve submeter a imputado ao regime de declara.;:ao teste­munhal, isto e, desde a primeiro comparecimento na investiga.;:ao prelimi­nar, devera ser devidamente inform ado de que a faz na condi.;:ao de sujei­to passivo e nao de testemunha au informante. De qualquer forma, a imputa.;:ao formal e a sua devida comunica.;:a.o nao deverao tardar mais que 0 estritamente necessaria (havendo suspeita razoavel, devera ser-lhe comunicado, para que compare.;:a e exer.;:a seu direito de defesa).

Com isso, a direito espanhol ve na instru.;:ao preliminar obrigatoria (delitos graves) um importante instrumento para evitar acusa<;:6es infun­dadas, garantindo a previa oitiva do sujeito passivo para que ofere.;:a sua

STC 152/93; 135/89; 186/90; 128193 e 129/93.

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o can iter facultativo pressup6e urn modelo sumario e parte da cons­tatac;:ao de que e passive I que a notitia criminis esteja suficientemente instruida para demonstrar a probabilidade do {umus commissi delicti, ofe­recendo razoaveis elementos que justifiquem a acusac;:ao. Dessa forma, a acusador podera exercer a ac;:ao penal sem previa instruc;:ao preliminar. Isso s6i ocorrer nos delitos de menor potencial lesivo e complexidade pro­bat6ria, que permitem a imediata acusac;:ao. A maior -parte das legislac;:6es modern as permite as juizos diretos, sem previa investigac;:ao, au simples­mente faculta ao Ministerio Publico a decisao sabre a existencia au nao de suficientes elementos para a formac;:ao da opinio delicti e a corresponden­te exerdcio da ac;:ao penal.

Exemplo claro desse sistema facultativo e a nosso inquerito policial, pais, a tear dos arts. 39, § 50, e 40 do CPP, aMP pode dispensar a IP se com 11 representac;:ao forem fornecidos suficientes elementos de convic­c;:ao. Par analogia, tam bern se aplica Ii noticia-crime nao qualificada. Inclusive, na Lei nO 9.099/95, a legislador brasileiro substituiuo inquerito policial pelo mero term a circunstanciado.

Sem embargo, nos sistemas que optam pelo carater facultativo, na pratica, a investigac;:ao preliminar nos delitos graves acaba par converter­se em uma regra geral, porque a processo penal sem a instruc;:ao prelimi­nar e urn processo irracional, uma figura incancebivel segundo a razao e as postulados da instr:umentalidade garantista.

Nos delitos grave~, em geral, a fato oculto e mais complexo, exigindo a previa intervenc;:ao da autoridade estatal para apurac;:ao da auto ria e da materialidade, atraves do procedimento pre~t6rio formal. Desde a ponto de vista da futura acusac;:ao e tambem da defesa, a investigac;:ao pre­liminar e urn instrumento fundamental para evita a risco de uma acusac;:ao infundada e urn processo desnecessario. A estigmatizac;:ao social termina par condenar a sujeito passivo somente pelo fato de haver sido acusado formalmente (queixa au den uncia no sistema brasileiro), de modo que a func;:ao de filtro que desempenha a investigac;:ao preliminar-adquire ainda maior importancia nos delitos graves.

Os chamados juizos diretos somente devem ter aplicac;:aonos delitos de menor gravidade e nos sistemas processuais que consagrem uma fase intermediaria contradit6ria, isto e, um juizo contracjit6rio de pre-admissi­bilidade da acusac;:aa (alga similar ao que existena Lei nO 9.099/95).

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Sistemas de Investiga,ao Preliminar no Processo Penal "

Par isso, a sistema misto e, a nosso entender, a mais adequado. Em linhas gerais, surge da conjugac;:ao do obrigatorio com ci facultativo, de modo que a investigac;:ao preliminar sera obrigat6ria .. para as delitos graves e facultativa para as de menor gravidade e complexidade. E a adotado, v. g., pelo direito espanhol, que determina a obrigatoriedade do sumario para as delitos graves (delitos cuja pen a supera 9 anos), e a dispensabili­dade das di/igencias previas (chamado procedimento abreviado) para a processamento dos delitos cuja pena nao excede a 9 anos.

o inquerito policial e facultativo, como referimos anteriormente, nao fazendo a legislador brasileiro distinc;:ao entre crimes graves au nao, de modo que nada impede uma denuncia direta par qualquer especie de delito.

B) FORMA ORAL E ESCRITA DA INVESTIGA~AO PRELIMINAR

Com relac;:ao Ii forma dos atos praticados na investigac;:ao preliminar, pode-se dassificar segundo sejam produzidos oralmente au par escrito. Como criteria que parte do ponto de vista do meio fisico da declarac;:ao, a oralidade e a escritura (au escrita) estao presentes de forma simultanea nos processos modernos, de modo que a classificac;:ao deve ser estabelecida segundo 0 predominio de uma au de outra. Inclusive a forma considerada ideal - oral - nao pede prescindir daquele importante meio de documen­tac;:ao que e a esc rita. 2

A oralidade e a escrita mantem uma intima relac;:ao com as formas de publicidadelsegredo e tambem com as de imedia~iiol mediQl;iio, ja que, como explica Aragoneses Alonso, 3 a pub/icidade exige a ora/idade pela considera~iio elementar de que a grande publico niio pode ver todas as mani{esta~6es processuais escritas.

Entende-se par oralidade do procedimento, segundo J. Goldschmidt,4

a principio de que a resolu~iio judicial pode basear-se somente no mate­rial processual pro{erido oralmente. On de vige a oralidade, a principia audiatur et altera pars - cuja observancia e a miriimo para a configura­c;:ao acusatoria do processo - conduz ao principia do contraditorio, isto e, a audiencia de alegac;:5es mutuas das partes em forma de um "juizo oral".

CARNELUTTI, Francesco. Lecc/ones sabre e/ Proceso Penal, vol. III, pp. 107~108. Proceso y Derecho Procesal, p. 192. Problemas Jurid/cos y PolitiCOS del Proceso Penal, pp. 84 e seguintes. Tambem na obra Derecho Procesal Civil, pp. 86 e seguintes.

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o principia de lmedia~ao esta vinculado ao da oralidade e dirige especialmente a recep~ao da prova. Significa que 6 juiz deve atentar a estes dais postulados: 5

a) utiliza~ao imediata dos meios probat6rios (principia de imedia~ao em sentido subjetivo au formal);

b) que se deve utilizar as meios de prova imediatos (principia de ime­dia~ao em sentido objetivo au material).

o primeiro determina ao juiz como utilizar as meios probatorios e refere-se a rela,ao do juiz com os meios de prova; no segundo, determi­na ao juiz que meios probat6rios pode utilizar e refere-se a rela,ao dos meios de prova com a questao a provar. 6

A oralidade distingue-se da imedia~ao porque a primeira e uma forma do entendimento e a imedia,ao e uma escola da percep,ao.7 Par isso, e verdade que as efeitos dos dais principios coincidem, enquanto a forma oral das alega~6es das partes e das manifesta~6es de pensamento, que se encontram como meios de prova, sobretudo das declara~6es testemu~ nhais, representa ao mesmo tempo a mais imediato grau da sua percep­~ao. Mas pode-se obedecer ao principia da oralidade sem observar a da imedia~ao. Assim, par exemplo, sucede nas pravas produzidas par carta precatoria, em que se" satisfaz a oralidade mas nao aimedia~ao. Para J. Goldschmidt,8 "quando a ato e praticado observando a oralidade, mas infringindo a imediatividade, nao e mais que uma "oralidade aparente".

A dificuldade de reter a falado na memoria conduz, ademais, ao prin­cipia de concentra~ao au unidade de ato, que requer condensar a proces­so em uma au varias sess6es consecutivas. Quando forem varias as sess6es, a principia da oralidade so se mantera se existir identidade fisica do juiz durante todas as sess6es do processo, porque, em outro caso, a atuado ante a primeiro juiz somente chegaria ao conhecimento do segundo atra­yes da escrita.

A oralidade leva junto a imedia~ao, que, par sua vez, implica na con­centra~ao e tambem na vincula~ao do juiz que recebe a prova. Com isso se estabelece a identidade fisica do juiz, pais aquele que "ouven - colhe - a prova, manteve um cantata direto (imediato) e, par isso, ele estara em melhores condi~6es de julgar.

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GOLDSCHMIDT, James. Derecho Procesal Civil, p. 87. Idem. GOLDSCHMIDT, James. Problemas )uridlcos y Politicos del ProcesD Penal, pp. 88 e seguintes. Idem.

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Sistemas de Investiga<;ao Preliminar no Processo Penal

A forma verdadeiramente oral 56 pode ser obtida quando no mesmo ato se colhe a prova e se profere a senten~a. 0 juiz decisor deve tamar cantata direto e oral com a prava. Ao decidir, nao deve levar em conside­rac,:ao as declara~6es escritas. Ademais, a resolu~ao devera ser no mesmo ato e tambem de forma oral. Essa e a verdadeira oralidade_

A antitese da oralidade esta representada pela escrita, que, como explica Beling,9 nao significa que nele nao se realize trafico oral algum, senao que se levanta ata do falado e Esses documentos formam, com outras instancias escritas, a base da resolu~ao judicial (juizo de pre­admissibilidade da acusa~ao), pais quod non est in actis non est in mundo. No momenta da produ~ao, toda a prova realiza-se oralmente.O encarre­gada da instru~ao interroga as testemunhas e a sujeito passivo, tudo oral­mente, e estas declara~6es tomam forma material na escrita. Em sintese, a material e colhido de forma oral, e reduzido a esc rita e, com base neste ultimo, uma autoridade,distinta da que conduziu a coleta, valora e deci­de. A nota determinante esta no fato de que a decisao e tomada com base nos escritos, pais a decisor nao presenciou a produ~ao oral.

o inconveniente da forma escrita, como destaca Beling, e que a 6rgao que tem de decidir se en contra 56 com letras mortas e incolores, perden­do-se 0 frescor da impressao, posta que so a oralidade, aliada a imedia­c,:ao, proporciona a cantata direto. A escrita dificulta a publicidade (ainda que nao implique necessariamente em segredo), econtraria a imedia~ao, nao vincula a juiz que colheu a prova, de modo que outro poden\ decidir com base na prova reproduzida par escrito.

_." Essa breve analise de conceitos serve para demonstrar a rela~ao logi­ca entre as varios principios, de modo que a melhor solu~ao esta em encontrar a harmonia do sistema. Partindo da forma oral, pode-se cons­truir um sistema que consagre a publicidade, a imedia~ao, a concentra~ao dos atos e a identidade fisica do juiz. Ao contrario, a forma escrita impe­de a publici dade plena, a imedia~ao, a concentra~ao dos atos e a identi­dade fisica do juiz.

Na investiga~ao prellminar, 0 que se alcan~a nao e uma senten~a, mas sim uma decisao interlocut6ria que resolve sobre a pre-admissibilidade da acusa~ao, isto e, sobre a processo ou a nao-processo. Essa afirma~ao parte -tambem - da premissa de que os atos da investiga~ao preliminar tem valor limitado, sem que possam ser" valorados na senten~a. Assim enos atuais modelos de instruc,:ao sumaria "e assim deve ser.

9 Derecho procesa/,PenaJ, pp. 141~142.

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Por isso, a imedia~ao e a identidade fisica estao intimamente relacio­nadas com a titularidade da fase pre-processual e a estrutura da fase intermediaria, que e 0 elo de liga~ao entre a instru~ao preliminar e 0 pro­cesso, 0 momenta em que se realiza urn julzo de pre-admissibilidade da acusa~ao.10 Assim:

a) No sistema de ir1Vestiga~ao preliminar judicial, e posslvel um maior -grado de oralidade, imedia~ao e identidade fisica - ainda, quelimitada a publicidade - quando 0 mesmo juiz investiga e decide se admite ou nao a acusa~ao.

b) Na investiga~ao preliminar a cargo do Ministerio Publico ou da Polieia, quem decide sobre a abertura do processo e 0 juiz, que muito pouco ou nada participa da fase pre-processual. A regra e que este juiz que decide sobre a pre-admissibilidade da acusa~ao fa~a-o baseando-se na prova escrita, pois nao presenciou a produ~ao. logo, nao ha oralidade nem imedia~ao. Favorece 0 segredo e nao se fala em identidade f1sica do juiz. '

c) Excepcionalmente, em sistemas como 0 ingles, existe um alto grau de oralidade, publicidade, imedia~ao e concentra~ao dos atos, pois na fase intermediaria comparecem 0 titular da instru~ao preliminar (polieia ou, nos delitos graves, 0 Director of Public Prosecution) e 0 sujeito passi­vo, para a realiza~ao de uma audiencia em que se produzira a prova sobre a qual 0 juiz (Magistrates' Court/ Police Court) decidira se ad mite ou nao

,·a acusa~ao. Caso admit9, devera remeter ao tribunal competente para julgar. Nos delitos de men or gravidade (misdemeanours) podera haver um jUlgamento sumario por parte desse mesmo orgao, sem enviar a um tribu­nal superior. 0 ponto a destacar e que tudo se realiza no mesmo ate -audiencia -, de forma totalmente concentrada e oraL

Como se pode q:mcluir, os modelos de investiga~ao preliminar a cargo do MP ou da polieia tendem a exigir um alto grau de escritura, ausencia de concentra~ao e imedia~ao.

C) A PUBLICIDADE NA INVESTlGA~AO PRELIMINAR

A publici dade de uma audiencia significa sua acessibilidade para todos. 11 A publicidade do procedimento chegou a ser uma peti~ao politi­ca, como chegaram a ser 0 processo acusatorio, 0 tribunal do juri popular e a oralidade. Pediu-se que a administra~ao de justi~a fosse colocada sob

10 Sempre conslderando qL!e 0 juiz jnstrutor nao atuara na fase processual. Essa e a regra nos sistemas europeus, mas ainda podemos encontrar na America do Sui a flgura do jUiz instrutor que tambem julga, como e adotado, par exemplo, no Urugual.

11 GOLDSCHMIDT, James. Problemas Jurfdlcos y ~o/itlcos del Proceso Penal, pp. 95 e seguintes.

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Sistemas de Investiga9io Preliminar no Processo Penal

o controle da publicidade, pois se considerava a pub/icidade como a garantia de urn juizo justa.

o delito encontra-se no seio da sociedade, perturba a paz e a condi­~ao da vida social e, por isso, desperta 0 interesse e a cLJriosidade do publico. Como explica Carnelutti,12 a participa~ao do povo inteiro no juizo, julgando, e um referencial historico absolutamente incompativel ' com a realidade moderna, de ,modo que 0 juiz representa a todos. Sem embargo, 0 interesse permanece e por isso a participa~ao social mudou: 0

povo niio julga, mas assiste ao juizo. Na atualidade, a publicidade das atua~6es judiciais adquiriu carater

constitucional. No Brasil, a regra geral e a publici dade plena dos atos pro­cessuais, art. 5Q, lX, da Constitui~ao,sendo possivel a limita~ao, median­te determina~ao judicial (de oficio ou a requerimento), quando a pUblici­dade da audiencia ou ate processual puderresultar esdindalo, inconve­niente grave ou perigo de perturba~ao da ordem (art. 792, § 1Q

, do CPP). Entendemos que se a publici dade dos atos pode ser limitada pelo CPP,

em nome do utilitarismo judiCial, com muito mais razao e permitido limi­tar a publici dade em nome do garantismo, para, nos termos do art. 5Q

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X, da CB, preservar 0 direito a intimidade, a vida privada, a honra e a ima­gem do sujeito passivo.

No que se refere a forma dos atos da investiga~ao preliminar, um dos problemas mais graves envolve 0 conflito entre a publici dade e 0 segredo das atua~6es. 0 tema esta intimamente relacionado com 0 contraditorio e a interven~ao da defesa ness a fase, pois um sistema que opte pelo segredo interno estara neganoo 0 acesso do sujeito passivo, e, por conse­guinte, 0 contraditorio e a defesa. Obedecendo a melhores criterios de metodo, preferimos analisar agora somente 0 problema da forma dos atos e, na continua~ao, junto com 0 estudo do sujeito passivo, verificar 0 con­,traditorio e a interven~ao da defesa.

A publicidade processual, seja dos atos processuais (em se,ntido estri­to) ou dos atos dainvestiga~ao preliminar, pode ser classificada em par­cial ou plena. A primeira significa que a acessibilidade e concedida so,para as partes (sujeitos na investiga~ao preliminar), logo, limitada aos demais. E considerada plena quando os atos sao acessiveis tambem as demais pes­soas que nao participam como partes ou sujeitos processuais. Por suposto, a publi~~e plena engloba a parcial, pois e inconcebivel que os atos seJam 'publicos para os demais e secretos para os sujeitos processuais.

12 "La Public/dad en el Proceso Penal", in Cuestiones sabre e/ Proceso Penal, p. 121.

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Tambem poderiamos classificar a divulga~ao ou nao dos atos proces­suais a partir do segredo. Desde outro ponto de Vista, poderiamos consi. derar a partir da diVisao de segredo interno ou externo, pois a publicida. de parcial significa ausencia de segredo interno e a existencia do segredo externo; e a publici dade plena, por. sua',vez, representa a ausencia de segredo externo (e tambem, por .'iUposto, a ausencia de segredo interno).

Por isso, optamos por analisar otema desde 0 ponto de vista do segredo, vista como a antitese da publicidade.

D) 0 SEGREDO DOS ATOS DAINVESTIGAc;AO PRELIMINAR

Os atos de investiga~ao, levados a cabo na investiga~ao preliminar, podem. ser secretos, tanto do ponto de Vista interne como externo. A ausencia de previsao legal expressa dessas modalidades de segredo signi­fica que 0 sistema optou pela publici dade plena, de modo que os atos de investiga~ao sejam acessiveis para qualquer pessoa. Na atualidade, a regra geral - inclusive com canlter constitucional em muitos paises - eo. livre acesso a todos os atos processuais e tambem da fase pre-processual, de modo que se estabelece uma presun~ao de publicidade que s6 e que­brada por expressa norma legal.

o alcance ou limite da. publicidade vem dado pela existencia do segredo, que, seguindo a Leone,13 pod era ser externo ou interno, confor­me exista a proibi~ao de difundir publica mente alguns determinados atos ou a sua totalidade, ou, por outro lado, a proibi~ao se dirige a algum ou alguns dos sujeitos processuais, impedindo-os de ter conhecimento de todos oualguns dos atos da investiga~ao preliminar.

a) 0 segredo externo

o segredo externo ou para os estranhos, como denomina Velez Mariconde,'4 significa que os atos desenvolvidos na investiga~ao prelimi­nar somente estarao acessiveis para os sujeitos processuais (e por supos­to seus advogados). Com isso, limita a difusao por qualquer meio da ativi­dade realizada, impedindo que a coletividade - considerada como qual­quer pessoa distinta dos sujeitos - tenha acesso ao conhecimento do material recolhido na investiga~ao preliminar. A antitese esta na publici­dade externa ou geral, que vem referida a terceiros, em ultima analise, a

13 Tratado de Derecho Procesal Penal, vol. II, p. 94. 14 Derecho Procesal Penal, vol. II, pp. 393 e seguintes.

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Sistemas de Investiga~ao Preijminar no Processo Penal

sociedade em geral, e supoe que qualquer sUjeito alheio a investiga~ao preliminar, possa conhecer as atua~oes realizadas. 15

Cumpre destacar, seguindo a Manzini,'6 que 0 segredo refere-se 005

atos instrutorios (e do polfciajudicidria), mio 00 delito em sf mesmo, cuja perpetrQl;iio no maioria dos casos vem a ser publicamente conhecida pela natureza mesma das coisas e a conseqUencia das atuais relaqaes sociais.

Assim, a esfera de prote~ao alcam;ada pelo segredo engloba os atos levados a cabo na instru~ao preliminar, como os de investiga~ao e compro­va~ao dos fatos, e tambem as conclusoes a que, com base nestes elemen­tos, chega 0 orgao do poder publico encarregado da atividade investigato­ria. Nao serve para limitar a divulga~ao do fato delitivo pelos meios de comunica~ao. 0 fato epubli.q>. Secretas sao as atua~oes do orgao ins­trutor linvestigador (policia, juiz instrutor ou promotor investigador).

a') Justifir:aqiio do segredo externo: utilitarismo judicial e garantismo

Para justificar a existencia do segredo externo, analisaremos dois aspectos: utilitarismo judicial e garantismo. 17

No plano do utilitarismo judicial, a divulga~ao dos atos praticados na investiga<;ao preliminar poderia prejudicar a investiga~ao do fato oculto e

. facilitar 0 desaparecimento ou tergiversaqiio das provas, inclusive por uma obra ilieita que escape 00 controle judicial's e com isso beneficiar a impunidade do autor do delito. Em outras palavras, desde a perspectiva de maxima eficacia da atua~ao estatal na repressao dos delitos, 0 segre­do externo (e 0 impedimento da publicidade plena) serviria para garantir a utilidade da persecu~ao. 0 interesse asseguradoaqui e de natureza esta' tal-repressora e a ampla divulga~ao colocaria em perigo 0 exito dos pri­meiros passos que se realizam no busca do verdade.19

Ademais, a imparcialidade e a tranqliilidade do orgao encarregado da investigaqao preliminar (policial, judicial ou a cargo do MP) estara mais garantida pela ausencia da pressao publica e dos meios de difusao de massa.

15 MORAL GARCIA, Antonio e SANTOS VUANDE, Jesus Maria. Publicidad y Secreta en eJ Proceso Penal, p. 4.

16 Tratado de Derecho Procesal Penal, vol. IV, p. 185. 17 Ao contrarlo de VELEZ MARICONDE (ob. cit., p. 392), que considera as aspectos dogmatico e

utilitario, entendemos melhor classificar segundo 0 segredo esteja justificado pela preservac;ao da utifldade da persecutio criminis para 0 Estado (utllitarismo judicial), au sirva para garantir a intimidade e a honra do sujeito passivo (aspecto garantista).

18 VELEZ MARICONDE, Alfredo. Derecho Procesal Penal, vol. I, p. 394 . 19 Idem, p. 393.

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No plano garantista, a publicidade abusiva dos atos da investiga~ao preliminar e, desde 0 ponto de vista do sujeito passiv~, 0 mais grave pre­juizo que pode sofrer um inocente (e assim se,presume a todos, ate a sen­ten~a definitiva), pois coloca-o prematuramente no banco dos acusados. Essa situa~ao leva a que, principalmente nos delitos graves, a imprensa induza a opiniao publica a condenar sem previo juizo. Uma eventual absol­vic;:ao posterior - ao cabo de alguns anos - nao tem 0 poder de "restabe­lecer" na sociedade uma situa~ao que jamais poderia ter sido abandon a­da: a de inocente.

Como definiu Gomez de Liano,20 a imprensa e prodiga em criar uma cultura da suspeita e os juizos de papel sao capazes de produzir maiores prejuizos que 0 proprio processo judicial. E muito mais facil formular uma acusa~ao que destrui-la, da mesma forma que e mais simples abrir uma [erida que [echo-la, sem pontos nem cicatrizes.

A titulo de ilUstrac;:ao, encontramos no direito espanhol uma fundada preocupa~ao com 0 direito do sujeito passivo de ser "respeitado", e que se manifesta em algumas situa~6es concretas, mais criticas. Neste sentido, determina 0 art. 520 da LECrim que a detenc;:ao e a busca e apreensao domi­ciliar deverao ser praticadas da forma que menos prejudique 0 detido, sua intimidade, reputa~ao e patrimonio. Segue 0 art. 552, advertindo da neces­sidade de que a busca domiciliar seja cercada de todo genero de preocupa­c;:ao para nao comprometer sfja reputac;:ao, respeitando seus segredos se nao interessarem a insiruc;:ao. Ambos dispositivoS21 pretendem evitar todo gene­ra de publicidade em atos concretos da instruc;:ao preliminar e obrigam nao so a manter uma atitude passiva - de nao pravocar a publiddade - e tam­pouco resignar'se se chega a ser beligerante, adotando as cautelas precisas para evitar a publictdade que afetaria a reputa~ao do imputado.

No Brasil, como apontamos antes, a publici dade dos atos da investi· ga~ao preliminar (e tambem os .processuais) podera ser limitada pelo juiz em nome da prote~ao da intimidade, da vida privada, da honra e da ima­gem do sujeito passivo, direitos esses assegurados no art. 5Q , X, da Constitui~ao,

Nao ha duvidas,de que 0 segredo externo proporciona uma melhor prote~ao da intimidade, vida privada, honra e imagem do sujeito passivo. o ponto nevralgico esta nao apenas ern'reconhecer a garantia, mas em ins­trumentalizar e tomar e[etiva a prote~ao constitucional da intimidade. Principalmente quando compete ao Estado 0 dever de prote~ao e, ao

20 Pasos Perd/dos - Confesiones en came viva, p. 221. 21 Cf. MORAL GARCIA e SANTOS VIJANDE. ab, cit., p. 55.

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mesmo tempo, com a investigac;:ao preliminar, 0 mesmo Estado despoja 0

sujeito passiv~ da protec;:ao. Tendo em vista que ao final a investigac;:ao preliminar podera nao dar lugar a um processo penal, ou que 0 processo penal podeni finalizar com uma absolvic;:ao, configura uma injusta omissao do dever de protec;:ao estatal permitir a estigmatizac;:ao social - antes mesmo do processo - por meio da publicidade abusiva e sensacionalista de fatos "supostamente" cometidos,

Partindo desse raciocinio, convem recordar as palavras de Guasp,22 de que e urna exigencia derivada do direito natural que impede 0 Estado desentender-se do problema de se existem ou nao no con junto de suas ati­vidades, algumas dirigidas fundamentalmente II realiza~ao do valor justi­c;:a. Existe urn autentico direito subjetivo para os suditos do Estado de que o Poder Publico se organize de modo a que os imperativos de justic;:a fiquem, pelo menos em certa medida, satisfeitos, sem que 0 Estado possa omitir-se de combater as medidas que, no conjunto de suas atividades, nao respondam as minimas exigencias de justic;:a.

No campo da investigac;:ao preliminar, 0 segredo exterior surge como a forma de instrumentalizar e dar efetividade ao direito fundamental II intimidade, II vida privada, IIhonra e II imagem, de modo que 0 Estado nao pode deixar de com bater a estigmatizac;:ao social, que gera este co~unto de atividades de investigac;:ao. , Em definitiv~, nao ha que negar que a publici dade realmente preju­dicial nao e a imediata, mas sim a mediata, pois a natural limitac;:ao do local em que sao realizadas as audiencias (momento maximo de pUblicida­de) ou as tomadas de depoimento na policia so permitem que algumas poucas pessoas assistam ao ato. 0 grande prejuizo vem da publici dade mediata, levada a cabo pelos meios de comunkac;:ao de massa, como 0

radio, a televisao e a imprensa escrita, que informam a milhOes de pes­soas de todo 0 ocorrido, muitas vezes deturpando a verdade em nome do sensacionalismo.

'Como disse Carnelutti,23 a cronica judicial interpoe entre 0 processo e 0 publico 0 dia[ragma do cronista, uma pessoa que ademais de desco'

, nhecer a tecnica do processo, oculta outros interesses detras da simples atividade de informar. Tambem, como qualquer homem, 0 crani~a tem suas paixoes, opinioes, simpatias e antipatias. Nao e necessario mais que olhar algumas capas de jornal para constatar que as cronic as, quase sem-

22 "Admlninstraci6n de Justicla y Derechos de la Personalidad", in Estudios Juridicos, pp. 173 e seguintes.

2) "La Public/dad del Proceso Pena", in Cuestiones sabre eI Praceso Penal, pp. 123 e seguintes.

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pre apresentadas com adjetivos i,mpressionantes, implicam (na grande ' maio ria dos casos) urn juizo acerca da responsabilidade do imputado.

A informac;:ao e uma mercadoria e como tal deve ser vendida ao maior numero de interessados e tam bern desinteressados, utilizando·se para isso todos os instrumentos de marketing sensaciona/ista (inclusive alterar a verdade) necessarios para estimular e despertar 0 interesse. A manipula- _ c;:ao da informac;:ao atende na 'atualidade nao s6 a interesses economicos, senao tambem a interesses politicos, cujos prejuizos para a investigac;:ao, o processo e a administrac;:ao de justic;:a, como urn todo, sao patentes.

Tambem os agentes do Poder Publico possuem uma grande parcela'de responsabilidade ,peJa publici dade abusiva e sensacionalista, Nao sao pou­cos os juizes, promotores e policiais que, estimulados pela vaidade, fazem clamorosas e ao mesmo tempo precipitadas declarac;:6es em publico e aos meios de comunicac;:ao, fomentando a estigmatizac;:ao do sujeito passivo e prejudicando seriamente a administrac;:ao e 0 funcionamento da justic;:a. Inclusive, 0 gravame e maior conforme 0 status e a credibilidade dessas pessoas e a func;:ao que desempenham. Ademais de reprimir e punir tais desvios de conduta, seria interessante que 0 Poder Judiciario colocasse em marcha "Servic;:os de Informac;:ao", para canalizar e racionalizar a informa­.;ao concedida. Como explicam Moral Garcia e Santos Vijande,24 na Ale­manha existe a figura do "magistrado potta-voz", que, com exclusividade, proporciona as informac;:6es pertinentes, atendendo-se aos fins da investi­gac;:ao e respeitando a intimidade do sujeito passivo.

o problema esta centrado no conflito entre 0 "direito" de informar (e ser informadol eo direito a intimidade, avidaprivaqa, a honra e a ima­gem das pessoas. Utilizamos "direito" (subjetivo) entre aspas exatamente porque nao somos de todo partidarios da efetiva existencia de urn direito de tal natureza. Entendemos que essa liberdade de informar nao pode ser confundida com urn suposto "direito" que assistiria ao cidadao e ao jorna­lista de realizar juizos paralelos, sobre temas alheios aos seus interesses (ilegitimidade e ausencia de interesse juridico) e que estao em fase de investigac;:ao ou sub judice. Sobre 0 tema, sao concludentes as palavras de Carnelutti:2S Un derecho del ciudadano de meter personalmente 10 nariz en coda uno de los procesos, 0 ser informodo cfel desarroUo de el, 0 monifestor su opinion acerco de el, no existe.

Por isso, neste conflito, e patente 0 predominio do direito fundamen­tal a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. A pro-

24 Publicidad y Secreto en el Proceso Penal, p. 114 (rodape). 25 "La Publicidad de! Proceso Penal", in Cuestlones sabre el Proceso Penal, p. 129.

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tec;:ao existe para toda e qualquer pessoa, esteja ela sendo investigada, processada ou tenha sido condenada por sentenc;:a transitada em julgado.

E sempre salutar recordar que 0 processo penal nao e uma via de mao unica, pois ao final a duyida pode ser restabelecida ou nao ser derrubada, e a absolvi<;ao sera urn imperativo. Por isso, na fase pre-processual, a publicidade extern a deve ser restringida para proteger a intimidade e a imagem do acusado, ate porque ao lado desse direito fundamental esta outro, de grande importancia: a presun<;ao de inocencia.

Por fim, corroborando as' palavras sempre brilhantes de Carnelutti:26

el imputado, precisamente porque en todo caso, sea culpable 0 inocente, se encuentra en una posiCion dificil y dolorosa, deberia ree/amar, como todos los desgraciados, el silencio y el respetb de los hombres de bien. Pero se puede y se debe ir mas lejos: de respeto y de silencio es digno, no solo el imputado, sino tambien el condenado. La que Sf! puede y se debe hacer con el culpable, es costigarlo, pero no insultarlo ni despreciarlo.

b') Argumentas contrarios ao segredo externo

Em contra, pode-se argumentar que a ausencia da publicidade popu­lar, como denomina Beling,27 origina a impressao de que existe algo na investiga<;ao preliminar que necessita ser ocultado. Como aponta 0 autor, a publicidade purifica a atmosfera de suspeitas,2B mais ou menos justificadas, e a justi<;a e melhor, tendo que demonstrar ao povo sua rigorosa legalidade.

A ausencia de publicidade tambem seria contra ria ao argumento pedagogico da atividade judicial, pois constitui a justi<;a publica urn ele­mento para a educac;:ao do povo e contribui para a fun<;ao de preven<;ao geral da pena, que, uma vez aplicada ao caso concreto, atua como urn estimulo negativo para a pratica de outros delitos, ante a certeza da per­secu<;ao estatal.

Por parte dos veiculos de informa<;ao, argumenta-se que violaria a liber­dade de expressao e os direitos de informar e ser informado, de modo que limitar a publicidade dos atos as partes (ou sujeitos da fase pre-processual) iria de encontro ao direito do pavo de participar da administra<;ao de justi­c;:a e da liberdade de imprensa. Ademais, a publicidade poderia contribuir para aclarar 0 fato e estimular os cidadaas a auxiliarem os 6rgaos publicos .

26 "La Pub/lcidad del Proceso Pena/", /n Cuestiones sobre el Proceso Penal, p. 126. 21 A expressao e 0 que segue, Derecho ProcesaJ Penal, pp. 148-149. -. 28 Cumpre recordar que, independen"temente da titularidade, a investlgac;ao preHminar esta sub­

metida ao controle do advogado do sujeito passlvo, do promotor e do juiz (ou tribunal).

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b) 0 segredo interne

o segredo interne se con creta na proibi,ao para alguns sujeitos pro­cessuais de tomarem conhecimento de determinados atos da investiga,ao preliminar. Por suposto, existe uma incompatibilidade logica entre 0

segredo interne e a publicidade extern a (ausencia de segredo externol, de modo que oprimeiro pressup6e a impossibilidade do segundo. Em outras palavras, 0 segredo interne pressup6e tambem 0 externo.

Tambem devemos partir da premissa de que 0 segredo interne nao alcan,a aos orgaos do Estado, de modo que jamais a investiga,ao prelimi­nar podera ser secreta para 0 juiz oll promotor, independente de quem seja 0 titular. Logo, 0 segredo interno atinge fundamentalmente 0 sujeito passivo. Tambem podera alcan,ar os acusadores particulares, naqueles sis­temas que, como 0 espanhol, permitem a interven,ao ativa da vitima ou de qualquer outrll pessoa (a,ao popular) ainda antes de iniciado 0 proces­so (algo similar ao nosso assistente da acusa,ao, mas atuando ao lade da policia na fase pre-processual).

Convem distinguir 0 segredo interne em total ou parcial. Sera total quando proiba 0 acesso nao s6 do sujeito processual, mas tambem do seu advogado (defensor ou representante legal do acusador privadol, e parcial quando impede 0 acesso do primeiro (imputado ou vitimal, mas nao do segundo (advogado). 0 segredo interne total impede que tanto 0 sujeito como tambem seu j:lrocurador legal tenham contato e tomein conhecimen­to dos atos da invE;Stiga,ao preliminar e do material recolhido pelo instru, tor.

Por outro lado, 0 segredo interno parciallimita 0 acesso ou a presen­,a do sujeito processual no local em que se esta realizando 0 ato, mas per­mite a presen,a do advogado.

o segredo interne pode limitar-se a determinados aspectos ou atos da investiga,ao, como, por exemplo, pode proibir a presen,a do sujeito pas­sivo elou do defensor na tomada de declara,6es de uma testemunha ou restringir 0 conhecimento do conteudo ou da realiza,ao de uma prova pericial. Inclusive existem certas atividades de investiga,ao que exigem 0

segredo para garantir sua eficacia. Exemplo claro e a interven,ao nas comunica,6es telefonicas, pois seu exito depende exatamente do desco­nhecimento de sua existencia. Cabera a cada sistema processual estabe-• lecer formas de impugna,ao posterior.

o segredo interne implica na priva,ao de algum dos sUjeitos, que nao podera intervir nas diligencias que se pratiquem e tampouco sera comuni­cado da realiza,ao daqueles atas protegidos pelo segredo.

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a') Justificac;tio do segreda interne: utilitarismo judicial

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A investiga,ao preliminar totalmente secreta tem um fundamento basico: a maior eficacia da investiga,ao e repressao dos delitos. Argu­menta-se que a atua,ao da policia, do juiz instrutor ou do promotor inves­tigador, sem a presen,a ou interven,ao do sujeito passiv~, esta justificada pela imparcialidade e legalidade (no caso da policia) que norteiam suas atua,6es. Cre-se que a integridade, sensatez e a responsabilidade dos 6rgaos do Estado colocarao de relevo a verdade dos fatos e darao solidos fundamentos para a atua,ao da j usti,a. 29 A base da argumenta,ao esta na atua,ao oficial imj:larcial e voltada exclusivamente para encontrar a verda­de. A ausencia de interesse em buscar culpados ou simular inocentes justi­fica a inercia do sujeito passivo, que so deve esperar surgir a verdade.

A interven,ao do sujeito passiv~ na investiga,ao preliminar podera dar lugar a que a defesa tenha tempo de construir uma tese aparentemen­te veridic a e enganosa, ademais de corromper ou impedir a investiga,ao.

Tambem argumenta-se que 0 segredo e uma forma de campensar a dianteira ou vantagem que - presumidamente - 0 autor do delito possa ter tomado, de forma que 0 segredo interno serve para equilibrar as far­c;aslO entre 0 Estado e 0 delinqUente.

Na opiniao de Manzini, l1 0 segredo interno esta racionalmente justi­ficadissima pela necessidade de indagar sem subministrar ao imputado notkias que possam oferecer-lhe um meio de desviar as averigua,6es, de procurar provas falsas, de preparar defesas artificiosas, de prevenir de qualquer forma a atua,ao do juiz etc. Mais radical ainda e 0 argumento de Moral Garcia e Santos Vijande,lZ que chegam ao extremo de considerar 0

segredo interno como uma "garantia institucional". Apontamque 0 segre­do e um coadjuvante da segura repressao do delito e constitui uma garan­tia institucional do direito fundamental a seguran,a e, correlativamente, do direito a liberdade.

Extremismos a parte, vejamos a seguir os graves inconvenientes que encerra 0 segredo' interno.

Sem embargo, desde logo destacamos que no inquerita policial 0

segredo interno nao podera ser total, pois ao defensor esta assegurado 0

29 VELEZ MARICONDE, Derecho Procesal Penal, vol. I, p. 395. 30 Como argumentou ALONSO MARTINEZ na Exposh;ao de MotivQS da lei espanhola. 31 Tratado de Oerecho Procesal Penal, vol. IV, p. 185. 32 Publicidad y Secreta en el Proceso Penal, p. 73.

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direito de examinar em qualquer delegacia de policia, inclusive sem pro­cura~ao, as autos da prisao em flagrante e do inquerito, acabados au em tramite, ainda que conclusos, podendo tirar copias e fazer apontamentos. Desta forma, a art. 20 do CPP deve ser lido com a ressalva dos poderes assegurados ao advogado, a tear do art. 70, .XIV, da Lei nO 8.906/94. Voltaremos ao tema ao tratar especificamente do inquerito policial nos modelos concretos de investiga~ao preliminar .

b') inconvenientes do segredo interne no plano garantista

o segredo interno remonta ao sistema inquisitiv~ e configura urn grave mecanismo de desigualdade entre os sujeitos na investiga~ao preliminar, especialmente entre 0 Ministerio Publico e 0 sujeito passivo. A desigualda­de estendenl seus efeitos, contaminando tam bern a fase processual.

Como dissemos anteriormente, argumenta-se que 0 segredo interno serve como instrumento para que 0 Estado possa "compensar a vantagem" que supostamente possa ter 0 autor do delito. Constitui, a nosso en tender, urn grave equivoco colocar em urn mesmo plano situa~6es tao diversas como as que possam dar Lugar os delitos dolosos quando comparados .aos culposos. 0 mesmo ocorre ao pretender. equiparar os delitos praticados com. premedita~ao ou por delinqGentes profissionais, que fazem do delito seu meio de vida, com aqueles cometidos por urn individuo que, por infe­liz eventualidade, viu-se envolvido na pratica de urn delito. Da mesma forma, nao se pode colocar em urn mesmo plano delitos graves com outros de menor lesividade, ou delitos quealcancem uma coletividade de forma indeterminada, ou um amplo grupo de pessoas, com aqueles delitos que alcan~am bens exclusivamente privados. Sao situa~6es absolutamente dis­tintas e que nao podem ser igualmente objeto de uma medida tao grave como 0 segredo interno.

No que se refere ao segredo interno e total- alcan~ando tambem 0

defensor - e impossivel deixar de tra~ar urn paralelo com 0 medo da atua­~ao do advogado defensor. Nao se teme 0 que 0 sujeito passivo possa p~r si so fazer, senao 0 que seu defensor the possa aconselhar. E a desconfian­~a no defensor urn grave elemento que acentua notoriamente a desigual­dade eritre as partes. A ausencia do contraditorio e a existencia do segre­do sao excessivamente onerosas para 0 imputado. A confissao obtida sem a previa entrevista e a presen~a do defensor no ato, ainda que nao confi­gure uma prova absoluta, pode impedir ou obstaculizar seriamente 0 tra­balho da defesa tecnica.

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A justifica~ao utilitilria - utilitarismo judicial - do segredo interne tern, em sintese, duas bases: a maior efetividade da investiga~ao prelimi­nar (desde 0 ponto de vista do Estado-Repressor) e assegurar a imparcia­lidade 1 objetividade do orgao investigador. Qualquer dos dois argumentos pode ser refutado.

E urn erro imaginar que a maior efetividade da instru~ao preliminar vira da nao-interven~ao do sujeito passiv~, pois, se 0 que se busca e a ver­dade, nao ha duvidas de que ela brota do contraditorio. Como aponta Velez Mariconde,33 0 segredo interno qla instru~ao preliminar complica e prolonga a investiga~ao e 0 debate, muitas vezes inutilmente. A ausencia de interven~ao da defesa torna impossivel 0 controle das discuss6es e pos­sibil ita os erros de interpreta~ao ou omissoes, que a presen~a do defen­sor haveria evitado. Frente a incerteza que emerge da ignorancia do orgao encarregado da investiga~ao, muitas provas sao produzidas inutilmente, quando poderiam ter sido evitadas ao se conhecer determinadas testemu­nhas ou outros elementos de que disp6e a defesa. 0 segredo interno e sempre perigoso e, por seu carater unilateral, cria um campo fertil para fazer brotar a incerteza e a injusti~a.

Tampouco e necessario justificar a afirma~ao de que 0 segredo inter­no, ao nao atingir 0 orgao acusador (MP), configura uma importante que­bra da igualdade processual e, como tal, deve ser recha~ado. A argumen­ta~ao que sustenta a situa~ao de desigualdade e clamvantagem para 0 MP se am para na natureza institucional da parte imparcial (que, como vimos anteriormente, e uma fragil constrUl;:ao).

A verdade e que se as partes tern necessidade do juiz, ele tern neces­sidade das partes, dai que, como poe de relevo Carnelutti,34 a rela~ao entre juiz e partes, da mesma forma que entre direito e processo, e cir­cular. As partes nao so suportam a processo, senao que tam bern obram no processo, nao sao julgadas senao que ajudam a julgar. Tal realidade e per­feitamente adaptilvel a investiga~ao preliminar, pais, qualquer que seja 0

6rgao encarregado da atividade (juiz instrutor, promotor investigador au policia), a que se busca e a verdade e a verdade s6 pode brotar do con­tradit6rio, jamais da sua antitese, a segredo interno.

E incontroverso que, como regra geral, s6 as diretamente interessa­dos sao as melhor inform ados sabre a realidade dos fatos, que servem de

33 Derecho procesal Pena/I vol. I, p. 401. 34 Derecho Procesal Civil y Penal, p. 63.

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fundamento da investiga,ao, estando em disposi,ao de prestar sua mais valiosa ajuda it comprova,ao da' "pequena historia". Por isso, deve·se conceder·lhes nao so a faculdade, mas tambem 0 direito de colaborar para tal fim.

Mesmo no sistema de investiga,ao prel iminar a cargo do juiz instrutor ou do MP, a suposta imparcialidade nao diminui a gravidade e tampouco justifica 0 segredo interno. A imparcialidade do juiz esta garantida pela sua posi,ao suprapartes, 0 que, na investiga,ao preliminar, e questionavel. Prova da fragilidade da imparcialidade do instrutor e a realidade normati· va de que 0 juiz que instrui nao julga. Mais duvidosa ainda e a imparciali· dade da parte acusadora, 0 MP, como ja referimos anteriormente. Como disse Carrara, 35 0 conceito filos6fico de que urna 56 inteligencla e capaz de dirigir 0 processo no sentido da acusa,ao e da defesa, e um mito, uma ilu· sao. A imparcialidade do instrutor, seja juiz ou promotor, e uma ilusao, algo que se apresenta como imaginavel, mas inviavel na realidade, e tampouco serve como argumento paliativo da gravidade do segredo interno.

No que se refere it investiga,ao preliminar policial - como 0 nosso inquerito -, muito mais grave po de ser 0 segredo interno, pois tal orgao nem mesmo em teo ria pode ser considerado imparcial. 0 baixo grau cui· tural da policia, a fragilidade a press5es extern as, a corrup,ao e a depen· den cia do Governo fazem com que tal orgao seja 0 que exige ainda maior controle e fiscaliza,ao, E tais atividades - controle e fiscaliza,ao - so podem ser obtidas por meio da publicidade interna. A atividade policial deve estar sob controle nao so do promotor e do juiz (que na pratica nao o exercem), mas principalmente do defensor, inclusive porque obviamen· te se algum direito ou interesse vai ser atacado nao sera 0 do Estado - de perseguir e punir .- mas sim 0 do imputado, de defender·se dos excessos da atividade policial, da injusta persegui,ao e para assegurar a sua intimi· dade e honra.

COAcluindo, a investiga,ao preliminar e um instrumento a servi,o do processo penal e, tome tal, nao pode afastar·se - como apontamos ante· riarmente - do fundamento da eXistencia do processo penal: a instrumen­talidade garantista. 0 alegado utilitarismo judicial nao esta de acordo com a razao de existir do processo penal e a investiga,ao preliminar nao pode ser concebida de forma separada e contraria aos fins de prote,ao do processo. Como instrumento, esta a servi,o do instrumento maior.

3S Apud VELEZ MARICONDE. Ob. cit., p. 397.

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Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

c) Criterio Misto

No plano teorico,36 propugna·se com muita razao por um criterio misto, em que, quando necessaria, sejam secretas (pianos externo e inter' no) as primeiras atua,5es nos delitas graves, de modo que a regra geral seja a publicidade e, a exce,ao, 0 segredo.

E: uma forma de encontrar um ponto intermediario. Principalmente nos delitos graves,e inegavel que pod em surgir situa,5es em que 0 segre·

, do internoe imprescindivel no inicio das investiga,5es, quando 0 Estado possui poucos elementos e informac;:5es e qualquer obstaculo pode com· prometer total mente a investiga,ao preliminar.

Cumpre destacar que, mesmo no sistema misto, uma vezdecretado 0

segredo interno, este deve ser revogado com suficiente antecedencia ao encerramento da investiga,ao preliminar, para permitir ao imputado uma defesa mais efetiva e inclusive demonstrar - no momenta do recebimen­to da acusa,ao - a ausencia do fum us commissi delicti. Por fim, remete­mos 0 leitor ao proximo capitulo,quando trataremos da publicida· de/segredo it luz da realidade brasileira.

II. A EFICAclA PROBATORIA DOS ATOS DA INVESTIGAC;Ao PRELIMINAR

A) DISTIN~Ao ENTRE ATOS DE PROVA EATOS DE INVESTlGAC;AoIfNSTRUC;AO PRELIMINAR

Os atos de comprova,ao e averigua,ao do fato e da autaria, conside­rados genericamente como atos de investiga,ao ou de instru,ao prelimi' nar, podem ser valorados de distintas formas pelo sistema juridico. 0 cri­terio para a ciassifica,ao tem por base a senten,a, au seja, se esses atos podem ser valorados e servir de base para a senten,a ou nao.

No primeiro caso, os atos praticados na investiga,ao preliminar tem plena eficacia probatoria na fase processual, podendo servir de fundamen· to para a sentenc;:a. No segundo, os atos praticados na instruc;:ao prelimi· nar esgotam sua eficdcia probat6ria com a admissao da acusac;:ao, isto e, servem para justificar medidas cautela res e outras restri,6es adotadas no curso da fase pre·processual e para justificar 0 processo ou 0 nao-proces­so. Nao podem ser valorados na senten,a. Como se ve, a eficacia proba' toria mantem uma intima rela,ao com 0 objeto e 0 nivel de cogni,ao, de modo que, na instru,ao plenaria, a senten,a toma por base as elementos

36 Tambem ARAGONESES ALONSO, Instituciones de Derecho Procesal Penal, p. 224.

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obtidos na lase pre-processual (pois a lase processual e urn mem contro­le formal). Por outro lado, na instru~ao preliminar sumaria, a valora~ao esgota-se coma admissao da acusa~ao.

Como explica Ortels Ramos,37 uma mesma fonte e meio pode gerar atos com naturezas juridicas distintas eino que se relere it valora~ao juri­dica, podem ser divididos em dois grupos: atos de prova e atos de inves-tiga~ao (ou instru~ao preliminar). . .

Sobre os atos de prova, podemos afirmar que: a) estao dirigidos a convencer 0 juiz da verdade de uma afirma~ao; b) estao a servi~o do processo e integram 0 processopenal; c) dirigem-se a formar urn juizo de certeza - tutela de seguran~a; d)servem it senten~a; . e) exigem estrita observancia da publicidade, contradi~ao e'imedia~ao; f) sao praticados ante 0 juiz que julgara 0 processo.

Substancialmente distintos, os atos de investiga~ao (instru~ao preli­minar):

a) nao se referem a uma afirma~ao, mas a uma hipotese; b) estao a servi~o da instru~ao preliminar, isto e, da fase pre-proces­

sual e para 0 cumprimento de seus objetivos; c) servem para formar, urn juizo de probabilidade e nao de certeza; d) nao exigem estrita observancia da publicidade, contradi~ao e ime­

dia,ao, pois pod em ser restringidas; e) servem para a forma,ao da opinio delicti do acusador; f) nao estao destinados a senten~a, mas a demonstrar a probabilida­

de do fum us commissi delicti para justificar 0 processo (recebi­mento da a~ao penal) ou 0 nao-processo (arquivamento);

g) tam bern servem de fundamento para decis6es interlocutorias de imputa~ao (indiciamento) e ado~ao de medidas cautelares pes­soais, reais ou outras restri~6es de carater provisional;

h) podem ser praticados pelo Ministerio Publico ou pela Policia Judiciaria.

Por meio dessa distin~ao e possivel fundamentar o. porque do limita­do valor probatorio dos atos praticados na instru~ao preliminar, ficando

37 Na obra coletiva Derecho lurisdiccionaf - Proceso Penal, vo\. Ill, pp, 151 e seguintes. Tambem no artigo "Eficacia probatoria del acto de investigacfon sumarial. Estudio de /05 articulos 730 y 714 de fa LECrim", in Revista de Derecho Procesaf Iberoamericana, ana 1982, nll.~ 2-3, pp. 365 a 427.

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Sistemas de Investiga9io Preliminar no Processo Penal

clara a inadmissibilidade de que a atividade realizada na investiga~ao pre­liminar possa substituir a instru~ao definitiva (processual). A unica verda­de admissivel e a processua/, produzida no amago da estrutura dialetica do processo penal e com plena observancia das garantias de contradi~ao e defesa. Em outras palavras, os elementos recolhidos na fase pre-proces­sual sao considerados como meros atos de investiga,t'io e, como tal, des­tinados a ter uma efici!cia restrita as decis6es interlocutorias que se pro­duzem no curso da instru~ao prelirninar e na fase intermediaria.

Como explica Carnelutti,38 a eficacia das provas produzidas no curso da investiga~ao devem limitar-se aos fins da investiga~ao; tais provas podem servir somente para a decisao do MP sobre 0 ponto de se deve ou nao pedir a autoriza~ao do juiz para castigar; nao, em dimbio, para a decisao do juiz de se a autoriza,ao deve dar-se aU nao, mas os elementos de convic~ao do juiz nao podem ser proporcionados senao pelo que ocor­reu ante ele, ou seja, pelo que ele viu ou ouviu.

No plano das garantias processuais, as constitui~6es modernas asse­guram que a senten~a condenatoria so pode ter por fundamento a prova validamente praticada no curso da fase processual, com plena observan­cia da publici dade, oralidade, imedia~ao, contraditorio e ampla defesa. 1550 exclui a possibilidade de que os atos de investiga~ao, cuja estrutura nao garante esses direitos, sejam considerados como meios de ,prova, logo, suscetiveis de valora~ao no momenta da senten,a .

Na Constitui~ao do Brasil, os incisos LIII, LlV, LVe LVI do art. 50 e 0

inciso IX do art. 93 sao disposi,6es que consagram as garantias aplicaveis ao processo penal.

Tambem cumpre destacar que 0 Brasil esta vinculado a Conven~ao Americana sobre Direitos Humanos, cujo art. 8-U enumera uma serie de garantias judiciais, entre elas a publicidade, 0 contraditorio e 0 direito de defesa, que devem ser observadas no processo penal. Nos paises euro­peus, ademais da legisla~ao interna, os arts. 14.1 e .14.3 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Politicos e os arts. 6.1 e 6.3.d) do Conve­nio Europeu de Direitos Humanos tambem consagram garantias judiciais da mesma natureza e com carater vinculante no plano interno.

A limita<;ao da eficilcia dos atos de investiga~ao esta justificada pela forma mediante a qual sao praticados, pois a maior parte dos sistemas processuais mantem na investiga~ao preliminar os rasgos do sistema inqui­sitivo, representados pelo segredo, a forma escrita e a ausencia ou exces­siva limita~ao do contraditorio. Ademais, nos modelos de instru~ao preli-

38 Oerecho Procesaf Civil y penal, p. 340.

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minar policial ou a cargo do MP, e absolutamente inconcebivel que os atos praticados par uma autoridade administrativa, sem a interven~ao do orgao jurisdicional, tenham valor probata rio na senten~a. Nao so nao foram pra­tic ados ante 0 juiz, senao que simbolizam a inquisi~ao do acusador, pois o contradit6rio e meramente aparente e'muitas vezes absolutamente ine-' xistente. Da mesma forma, a igualdade sequer e um ideal pretendido,

, muito pelo contrario, de todas as formas se busca acentuar a vantagem do acusador pUblico.

Nao e necessario maior esfor~o para concluir que a investiga~ao preli­minar, independente do orgao que a dirige - mas especialmente quando a cargo da policia ou do MP -, carece das garantias minimas para que seus atos sirvam mais aLem do juizo provisional e de verossimilitude necessario para adotar medidas cautelares e decidir sobre a abertura ou nao do processo penal. Por isso, como tambem expressa Vegas Torres,39 a condusao e uma so: as diligencias levadas a cabo na instru~ao preliminar nao podem semr como fonte de convencimento do orgao jurisdicional no momento da senten~a.

Com isso, podemos afirmar que os atos da investiga~ao preliminar tem uma fun~ao endoprocedimental,4° no sentido de que sua eficacia probatoria e limitada, interna a fase. Servem para fundamentar as deci­sees interlocutorias tom ad as no curso da investiga~iio, formalizar a impu­ta~iio, amparar um eventual pedido de ado~ao de medidas cautelares ou outras medidas restritivas e para fundamentar a probabilidade do fumus commissi delicti que justificara 0 processo ou 0 nao-processo,

Elogiavel, sem duvida, '1rlecnica adotada pelo sistema italiano, de eliminar dos autos que formarao 0 processo penal todas as pe~as da investiga~ao prelfminar (indagine preliminare), com exce~ao do corpo de deli to e das antecipadas, produzidas no respectivo incidente proba­t6rio. Como explicam Dalia e Ferraioli,41 um dos motivos da clara distin· ~ao entre 0 procedimento per Ie indagini preliminari e 0 processo e exa­tamente evitar a contamina~ao do juiz pelos elementos obtidos na fase pre-processual.

Na nova lei do Tribunal do Juri, 0 legislador espanhol de 1995 justifi­ca, na Exposi~iio de Motivos, a necessidade da exclusao fisica das pe~as

3~ Presuncion de Inocer1cia y Prueba en el Proceso Penal, p. 116. 40 Seguimos DRAGONE, na obra coletiva Manua/e Pratico del Nuovo Processo P~nalef p. 475, com

a distinl;.3o de que 0 autor utiJiza a express.3o endoprocessuale. Preferirnos endoprocedimental por ser rnais apropriada a natureza juridica da fase pre-processual.

41 Manuale di Diritto Processuafe Penalef pp. 568 e seguintes. Tarnbem sobre a elimina~ao de pe~as, vide PELLEGRINI GRINOVER, "Influencia do Codigo-Modelo de Processo Penal para Ibero-America na legisla!;ao latino-americana. Convergencias e disson(lncias com os sistemas italianos e brasiJeiro'!, in 0 Processo em Evolu~ao, p. 227.

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Sistemas de Investiga~iio Preliminar no Processo Penal

do sumario (instru~ao preliminar) dos autos do processo, evitando com isso as indesejaveis confusoes de fontes cognoscitivas atendivl?is, contri­buindo assim a orientar sobre 0 alcance e a finalidade da pratica proba­,toria realizada no debate (ante os jurados).

o objetivo e a absoluta originalitci do processo penal, de modo que nao se atribui a fase pre-processual 0 poder de aquisi~ao da prova. Somente deve recolher elementos uteis a determina~ao do fato e da autoria, em grau de probabilidade, para justificar a a~ao penal. A efetiva coleta da prova esta reservada para a fase processual - giu­dice del dibattimento - cercada de todas as garantias inerentes ao exercicio da jurisdi~ao. A originalidade e alcan~ada, principalmente, porque se impede que todos os atos da investiga~ao preliminar sejam transmitidos ao processo - exclusao de pe~as - de modo que os ele­mentos de convencimento sao obtidos da prova produzida em juizo. Assim, evita-se a contamina~ao e garante-se que a valora~ao probato­ria recaira somente sobre aqueles atos praticados na fase processual e com todas as garantias.

Em sintese, a regra geral e que os atos da investiga~ao preliminar sejam, como tais, considerados meros atos de investiga~ao, com uma limi· tada eficacia probatoria, pois a produ~ao da prova deve estar reservada para a fase processual. E a fun~ao endoprocedimental dos atos da instru· ,ao, no sentido de que'sua eficacia e interna a fase, para fundamentar as decisees interlocutorias tomadas no curso da investiga<;ao. Para evitar a contamina<;ao, 0 ideal e adotar 0 sistema de elimina~ao do processo dos atos de investiga~ao, excetuando-se as provas tecnicas irrepetiveis e a produzida no respectiv~ incidente probat6rio.

Excepcionalmente, tendo em vista a urgencia ou 0 risco de pereci-, mento de uma prova importante, 0 procedimento a ser adotado para juris­dicionalizar os atos de investiga~ao, outorgando-lhes com isso 0 status de ato de prova, eo incidente de produ~ao antecipada de provas, que, por sua importancia, sera analisado na continua~ao.

B) A PRODU(:AO ANTECIPADA DE PROVAS

Limitada a eficacia dos atos praticados na investiga~ao preliminar, e possivel que essa atividade seja impossivel de ser repetida (ou produzida) em juizo. Frente ao risco de perecimento e 0 grave prejuizo que significa a perda irreparavel de algum dos elementos recolhidos na investiga~ao preliminar, 0 processo penal instrumentaliza uma forma de col her anteci­padamente a prova, atraves de um incidente: produ~ao antecipada de

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prova. Significa que aquele elemento que normalmente seria prodtrz:ido como mero ato de investiga~ao e posteriormente repetido em juizo para ter valor de prova poden~ ser realizado uma so vez, na fase pre-proces­"sual, e com tais requisitos formais que lQe permitam ter 0 status de ate de prova, e dizer, valoravel na senten~a; ainda que nao colhido na fase processual.

Antes de entrar no tema, destacamos que, conforme a titularidade da investiga~ao preliminar, duas situa~6es podem ocorrer:

, a) Quando a investiga~ao preliminar esta a cargo dojuiz instrutor, ele colhera a prava no incidente de produ~ao antecipada. Separadas as fun­~6es de instruir e julgar, a coleta antecipada sup6e uma importantissima quebra do principio de imedia~ao; pois o'argao julgador devera contentar­se com a mera reprodu~ao esc rita de algo que nao teve oportunidade de presenciar. Por outro lado, e absolutamente inadmissivel que 0 julgador atue na fase pre-processual, pois para isso ha 0 instrutor. Ademais, e patente a que bra da sua imparcialidade pelo contato previo e significaria

. um retrocesso ao tempo em que 0 mesmo juiz investigava e sentenciava, um sistema totalmente repugnado na atualidade.

b) Se a investiga~ao estiver a cargo do MP ou da policia, quem deve­ra presidir a produ~ao antecipada? 0 juiz de garantias, que nao deve ser o mesmo que atua na fase processual, para evitar a quebra da imparciali­dade e a contamina~ao que 0 torna prevenido (considerando a preven~ao como causa de exclusao da competemcia).

A nosso juizo, acima de tudo, deve-se preservar a pureza do orgao julgador, ainda que para isso tenha-se que sacrificar a imedia~ao. Logo, no sistema judicial, devera presidir 0 incidente 0 juiz instrutor e, nos demais sistemas (policial e a cargo do MP), 0 juiz de garantias. Neste ponto, faze­mos um breve parenteses, para destacar 0 grave problema que represen­ta, no direito brasileiro, 0 fato de ser 0 julgador 0 mesmo juiz que atua como garante no inquerito policial, como conseqliencia de ser a preven­~ao um criterio definidor da competencia e nao uma causa de exclusao, como defendemos, sob inspira~ao das reiteradas decis6es do Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

Assim, no confronto entre imedia~ao e garantia da imparcialidade, optamos por sacrificar a imedia~ao, nao so porque 0 prejuizo e menor, como tambem porque existe forma de ameniza-lo.

Por isso, 0 inci.dente de produ~ao antecipada da prova somente pode ser admitido em casos extremos, em que se demonstra a fundada proba­bilidade de ser inviavel a posterior repeti~ao na fase processual da prava.

124

Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

Ademais, para justifica-la, deve estar demonstrada a relevancia da prova para a decisao da causa. Em sintese, sao requisitos basicos:

a) relevancia e imprescindibilidade do seu conteudo para a senten~a; b) impossibilidade de sua repetic;:ao na fase processual, amparado por

indicios razoaveis do provavel perecimento da prova.

Presentes tais requisitos, 0 incidente deve ser praticado com a mais estrita observancia do contraditorio e direito de defesa. Logo, a prova antecipada deve ser produzida:42

a) em audiencia publica, salvo 0 segredo justificado pelo contrale ordinario da publicidade dos atos processuais;

b) 0 ate sera presidido por um orgao jurisdicional (nos sistemas poli­cial e a cargo do MP, presidira 0 juiz garante);

c) na presenc;:a dos sujeitos (futuras partes) e seus respectivos defen­sores;

d) sujeitando-se ao disposto para a produ~ao da prova em juizo, ou seja, com os mesmos requisitos formais que deveria obedecer 0 ato se realizado na fase pracessual;

e) deve permitir 0 mesmo grau de intervenc;:ao a que teria direito 0

·sujeito passiv~ se praticada no processo.

Dessa forma, desde 0 ponto de vista do sujeito passiv~, esta garanti­do 0 contraditario e 0 direito de defesa, de modo que a pratica antecipa­da da prova nao sup6e, em principio, nenhum prejuizo. Esses requisitos devem ser cumpridos para toda e qualquer modalidade de prova produzi­da antecipadamente.

No caso da prava testemunhal, em que a falta de contato direto e mais relevante, e importante que ela seja fielmente reproduzida, utilizan­do-se para isso os melhores meios disponiveis, especialmente a filmagem e a grava~ao. Diante da impossibilidade de repetir, a reprodu~ijo deve ser a melhor possivel.

Concluindo, a produ~ao antecipada da prova deve ser considerada uma medida excepcional, justificada por sua relevfmcia e impossibilidade de repeti~ao em juizo. Sua eficacia estara condicionada aos requisitos minimos de jurisdicionalidade, contraditorio, possibilidade de defesa e fiel reproducao na fase processual.

42 Em alguns pontos nos baseamos em VEGAS TORRES, Presuncion de lnocencia Y Prueba en eJ Proce50 Penal, pp. 96 e seguintes.

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Capitulo VI Investiga~ao Preliminar no Processo Penal Brasileiro:

o Inquerito Policial

Inicialmente, destacamos a importancia das definir;6es tearicas ante­riormente expostas, as quais desde logo remetemos. Da mesma forma, ra­tificamos todas as criticas anteriormente expressadas, quando apontamos as desvantagens do sistema de investigar;ao preliminar policial.

Ao iniciar 0 estudo do inquerito policial, e importante destacar que estamos analisando um instrumento em crise, que exige uma leitura criti­ca e sem duvida garantista. Isto porque 0 inquerito tem uma inspirar;ao autoritdria,l e fruto do regime autoritario e excepcional de 1937 e, como se isso nao fosse suficiente, foi influenciado pelo fascista "Cadi go de Rocco". Felizmente, 0 mom en to politico atual e muito diverso, mas 0

cadi go segue igual. E imprescindivel uma leitura critica do CPP, para que ele seja adequado a Constituir;ao e nao 0 contrario. 0 sujeito passiv~ nao deve mais ser considerado um mero objeto da investigar;ao, pois, em um Estado de Direito como 0 nosso, existe toda uma serie de garantias e prin­cipios de valorizar;ao do individuo que exigem uma leitura constitucional do CPP, no sentido de adapta-lo a realidade.

Assim, buscaremos analisar 0 inquerito policial desde uma postura critica e garantista, pois, a nos so juizo, nao existe outra forma de abor­dar 0 tema que nao seja no sentido de estender garantias e restringir 0

abuso e 0 autoritarismo. Tambem remetemos 0 leit~r ao Capitulo intitulado "A Busca do

Sistema 'Ideal''', pois sera um importante complemento critico ao estudo do inquerito policial.

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I. TERMINOLOGIA, DEFINI<;:AO LEGAL E NATUREZA JURiDICA l'

o CPP de 1941 denomina a investigar;ao preliminar de inquerito poli- l,' cial em clara alusao ao argao encarregado da atividade, 0 inquerito poli-cial e realizado pel a policia judiciaria, que sera exercida pelas autorida-, des policiais no territorio de suas respectivas circunscrir;6es e tera por fim c_; a apurar;ao das infrar;oes penais e da sua autoria (art. 4"). '.J

TOVO, Paulo Claudio. "Democratizat;ao do Inquerito Policial", in Estudos de Direlto Processual Penal, vol. II, pp. 201 e seguintes.

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Merece destaque 0 substantivo feminine utilizado pelo art. 4"- para designar a atividade que sera levada a c,!bo: apura~do. 0 substantivo deri­va do verba apurar, que, no seu sentido etimologico, deriva de puro e sig­. nifica purificar, aperfei~oar, conhecer o·certo. . Nao existe urn dispositivo que, de forma clara e satisfatoria, defina 0

inquerito policial, pelo que devemos recorrer a uma leitura, pelo menos, dos arts. 4"- e ()Q do (PP.

Na tarefa de apurar as circunstancias do fato delitivo e da autoria, determina 0 art. (,l! que a polieia judiciaria devera:

. 1. Dirigir-se ao local, providenciando para que nao se alterem 0 esta­do e conserva~ao das coisas, ate a chegada dos peritos criminais.

Nao por acaso esse e 0 primeiro inciso, pois na pratica esta deve ser a primeira providencia a ser tomada pela polieia: dirigir·se ao local e isola-lo. Isto porque 0 local do crime sera uma das principais fontes de informa~ao para reconstruir a pequena historia do delito e deste ate depende, em grande parte, 0 exito da investiga~ao. Como explica Espinola Filho,2 dai, a conveniencia de.transportar-se a propria autoridade dirigen­te do inquerito, ou auxiliares por ela designados, ao local da ocorrencia que lhe au lhes praporcianard urn contato vivo com a ainda palpitante verdade de urn {ato anormal, quente na sua proje~do, atraves dos obje­tos e das pessoas.

Para efeito de exame da local do delito, a autoridade policial provi­denciara imediatamente que nao se altere 0 estado das coisas ate a che­gada dos peritos (oficiais ou nomeados para 0 ato), que poderao instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos (art. 164), registrando ainda, no laudo, as altera~6es do estado das coisas e a co nseqii en cia dessas altera~6es na dinamica dos fatos.

2. Apreender os objetos que tiverem rela~ao com 0 fato, apos libera­dos pelos peritos criminais.

Entre os efeitos juridicos do inquerito policial esta. 0 de gerar uma sujei~ao de pessoas e coisas. A apreensao dos instrumentos utilizados para cometer 0 delito, bern como dos demais objetos relacionados direta ou indiretamente com os motivos, meios ou resultados da conduta delituosa,

C6d/go de Processo Penal Brasileiro Anotado, vol. I, p. 280.

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Sistemas de Investiga9io Preliminar no Processo Penal

e imprescindivel para 0 esclarecimento do fato. Da sua importancia pro­batoria decorre ainda a obrigatoriedade de que esses objetos acompa­nhem os autos do inquerito (art_ 11)_ Tambem e importante que se fixe, com exatidao, 0 Lugar onde foram achados, com as circunstancias em que se verificou 0 encontro. 3 Para apreender, deve-se proceder a buscas e, dependendo da situa~ao, sera necessario que a autoridade policial solici- : te a correspondente autoriza~ao judicial, nos termos dos arts. 240 e seguintes do CPP clc art. 52, XI, da CB.

3. Colher todas as provas que servirem para 0 esclarecimento do fato e suas circunstancias .

Decorrencia logica da natureza da atividade de investiga~ao, que busca esclarecer 0 fato e sua autoria. Se 0 inciso anterior esta voltado aos objetos e instrumentos, 0 presente refere-se aos demais meios de infor­ma~ao, como, por exemplo, a declara~ao de testemunhas presenciais. E de destacar-se, atendendo ao carater sumario do inquerito policial, que a polieia nao deve perder tempo com testemunhas meramente abonatorias ou que nao ten ham real mente presenciado 0 fato e que por isso limitem­se a transmitir 0 que lhes foi contado .

4. Ouvir 0 of en dido.

Quando possivel, a oitiva da vitima do delito e uma importante fonte de informa~ao para 0 esclarecimento do fato e da autoria, devendo 0 ate ser realizado nos termosdo art. 201.

5. Ouvir 0 indiciado, com observancia, no que for aplicavel, do dis­posto no Capitulo III do Titulo VII, deste Livro, devendo 0 respecti­vo termo ser assinado por 2 (duas) testemunhas que the tenham ouvido a leitura.

Existe uma controversia em tome da natureza juridica deste ato. Para Cirillo de Vargas,4 nao existe interrogatorio no inquerito, pois 0 inter­rogatorio e urn ate privativo do juiz. Logo, seria uma mera oitiva do sus­peito, sem nenhum valor probatorio e sem poder de coer~ao. Por outro lado, a criticavel reda~ao do dispositiv~, que fala em ouvir ao mesmo

ESPINOLA FILHO, Eduardo. Cod/go de Processo Penal Brasileiro Anotada, vol. I, p. 281. Processo Penal e Dire/los Fundamentals, p. lIS.

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tempo em que remete para as arts. 185 e seguintes, que disciplina a inter­rogatorio judicial, suscita duvidas e serve de fundamento para que algu­ma doutrina fale em interrogat6rio po/icia/.

Independente do nome que se de ao ate (interrogatorio policial,' declara~6es policiais etc.), a que e inafastavel e que ao sujeito passivo devem ser garantidos as direitos de saber em que qualidade presta as declara~6es, 5 de estar acompanhado de advogado e que, se quiser, pode­ra reservar-se 0 direito de so declarar em juizo, sem qualquer prejuizo. 0 art. 5Q

, LV, da CB e inteiramente aplicavel ao IP. 0 direito de silencio, ade­mais de estar contido na ampla defesa (autodefesa negativa), encontra abrigo no art. 52, LXIII, da CB, que, ao tutelar a estado mais grave (preso), obviamente abrange e e aplicavel ao sujeito passivo em liberdade.

o dispositivo exige ainda que a ato seja praticado com observancia das disposi~6es legais que disciplinam a interrogatorio judicial e que a termo seja firmado par duas testemunhas de /eitura. Essas testemunhas nao necessitam presenciar a ato em si mesmo, de modo que nao sao fontes dig­nas para saber se a ato foi realizado com as devidas garantias e respeito ao imputado au nao. E importante levar isso em considera~ao naqueles inter­rogatorios que se produzem sem a presen~a de defensor (e sao muitos as casos). Simples mente testemunham que ouviram a leitura, na presen~a do sujeito passivo, do termo do interrogatorio. Tampouco sao raros os casas em que as assinaturas sao colhidas posteriormente, depessoas que nao presenciaram a leitura, au mesmo que pertencem aos quadnils da policia. As agress6es a forma e as garantias do sujeito passivo ainda hoje aconte­cem porque existe 0 cliscutivel e perigoso entendimento de que "eventuais irregularidades" do inquerito nao alcan~am 0' processo. 0 problema esta em que, na senten~a, esse ato irregular influi no convencimento do juiz, ate porque integra as autos do processo e pode ser "cotejado" com a prova judicialmente colhida, em claro prejuizo para a acusado.

Mais grave ainda e a situa~ao do preso tempor<lrio, que fica it disposi­~ao da policia por um longo periodo, em que a cansa~o, a medo, a desani­mo levam a uma situa~ao de absoluta hipossuficiencia. Inegavelmente, a confissao obtida em uma situa~ao como essa exige um minima de sensibi­lidade e bam senso do juiz, que deve valorar este ato com suma cautela. Inclusive, entendemos que um juiz consciente deveria considerar tal can-

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E censuravel a praxis policlal de tamar declaral;oes sem informar 5e a pessoa que as presta 0 faz como informante/testemunha au como suspelto, subtraindo-Ihe ainda a direito de sllencio e demais garantias do sujeito passivo. E uma patente violac;ao do contraditorio (direito a ser infarmada) e do direito de defesa. Ambos estao previstos no art. SII, LV, e se apllcam ao inque­rito policial.

Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo P,enal

fissao como juridicamente imprestavel, pois e patente a vicio de vontade. 6

Ademais, a interrogatorio policial esta dentro do que anteriormente defi­nimos como meros atos de investigQ(;do, sem valor probatorio no processo. De qualquer forma, para evitar repeti~6es, remetemos a ultima parte da obra, quando tratamos do Direito de Defesa na Investigat;ao Pre/iminar.

Outro aspeCto criticavel e utilizar a termo indiciada quando ainda nao se produziu a indiciamento. Isto e decorrencia, em realidade, da grave lacuna legislativa sabre a figura do indiciamento, gerando a mais absoluto confusionismo sabre a momenta em que se produz e que efeitos juridicos gera (direitos e cargas). Este problema sera objeto de estudo no ponto intitulado "Situa~ao Juridica do Sujeito Passivo", ao qual remete­mas a leitor.

6. Proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acarea~6es.

Para proceder ao reconhecimento de pessoas e coisas, devera a auto­ridade policial orientar-se pelo disposto nos arts. 226 e seguintes. Nao apenas a suspeito pode ser objeto de reconhecimento, mas tambem todas as pessoas envolvidas ativa au passivamente no fato, inclusive testemu­nhas. Da mesma forma, sao passiveis de reconhecimento todos as objetos que interessarem a investiga~ao do delito.

Apesar de ser um importante elemento de convic~ao, a costumeira falta de observancia dos requisitos legais por parte da policia, faz com que - a nosso juizo - a ato deva ser vista com reservas. Ademais, quan­do repetido em juizo, e cometida uma grave falha: descumprimento do disposto no art. 226, II. Das duas uma, au as juizes nao colocam a reu ao lado de outras pessoas que com ele tiverem qualquer semelhan~a; ou convidam pessoas diversas daquelas que participaram do reconhecimen­to policial. Em ambos as casas, a reconhecimento e induzido. No primei­ro, porque a reu e a unico presente; no segundo, porque ele e a unico visto pela vitima tanto na policia como em juizo.

Sem alongar a exposi~ao, poderiamos citar outros inumeros exemplos praticos de reconhecimentos sem valor, posto que induzidos consciente au inconscientemente pel a autoridade (uso de algemas, tratamento diferen-

Com muita razao, CIRILLO DE VARGAS (ab. cit",p, 267) critica a prisao temporaria e afirma: Na pratica, durante dez dias, 0 juiz esta permitindo que um suspeitD fique sujeito a toda sorte de maus-tratos. Maus-tratos, sim, porque se nao houvesse para a Po!fcia a necessidade de/es, par que requerer a prisao? PresQ, par ordem judicial, 0 cidadao estci sujeito a sup/idos que nao deixam vestfglos, sendo de valia nenhuma 0 exame medico para constatar viofenclas.

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ciado etc.). 0 perigo do reconhecimento tambem mereceu a aten~ao de Carnelutti/ que apontou para 0 problema da "sugestao" gerada pela situa~ao de prisao do acusado. Se a pessoa ou coisa a reconhecer esta atualmente em poder do juiz ou da policia, nao sera naturalmente aque· la que the interessa. Como poderia ocorrer que aquele homem estivesse no carcere se nao fosseele quem cometeu 0 delito? Esses sao questiona· mentos que 0 chamado a reconhecer se faz.

Por tais inconvenientes, explica Cortes Dominguez8 que 0 direito espanhol admite 0 reconhecimento (reconocimiento en rueda) apenas na . fase pre·processual, pais, por seu proprio carater, e uma prova inidonea e atipica para ser praticada em juizo. Por isso deve ser colhida no inciden· te de produ~ao antecipada de provas. Ademais, como advertiu 0 Tribunal Constitucional (STC de 16/1/1992), a pessoa que realizou 0 reconhecimen· to deve comparecer ao processo (como testemunha ou vitima) para que 0

acusado possa interrogiHa, garantindo·se assim 0 direito de perquirir quem declarou ou produziu prova contra ele (art. 6.3.d do Convenio Europeu de Direitos Humanos).

, Ainda mais censuravel e 0 reconhecimento por fotos, pois, como bem aponta Espinola Filho,9 existe ... a possibilidade de erros tanto mais fre· qiientes quanta as truques fotogrdficos operam prodigios de fantasia. Demais, principalmente qui:mdo se trata do reconhecimento de pessoas, e preciso atender Q grande influl!ncia que representa, para 0 reconheci· mento, observar as manifestOl;i5es de vida, andar, gesto, fala, mudan~as de expressiio. Isso tudo sem mencionar a maior carga de sugestividade desse tipo de reconhecimento. Inobstante, e um meio de prova valido, cuja valora~ao depend era das circunstancias do caso concreto e das pecu· liaridades do contexto probatorio.

A acarea~ao, instituto completamente diverse dos anteriores, esta dis· ciplinada nos arts. 229 e seguintes do CPP. Para Leone,'o a acarea~ao consis· te no contradit6rio instituido entre pessoos jd examinadas (testemunhas) ou interrogadas (imputados). 0 nosso CPP permite a acarea~ao entre acusados; acusados e testemunhas; acusados ou testemunhas e a pessoa of end ida; entre as viti mas, ou ainda, entre as testemunhas. A finalidade basica do ate e explicar os pontos em desarmonia, por termo it divergencia.

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7 Lecclones sabre el Proceso Penali Vol. IV, p. 35. 8 Na obra coletlva Der.@cho Procesal Penal, p. 419.

Cod/go de Processo Penal Brasllelro Anotado,-vol. Ill, p. 143. 10 Tratado de Derecho Procesal Penal, vol. II, pp. 248~249. 11 ESpiNOLA FlLHO, Eduardo: C6digo de Processo Penal Brasileiro Anotada, vol. III, p. 147.

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Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

Por fim, destacamos que a nosso juizo 0 sujeito passiv~ nao pode ser compelido a participar do reconhecimento ou acarea~ao, eis que the assis· te 0 direito de silencio e de nao fazer prova contra si mesmo (nemo tene· tur se detegere). Sobre 0 tema, remetemos 0 leitor para 0 ultimo capitu· 10 da presente obra, onde analisamos com mais profundidade 0 direito de silencio.

7. Determinar, se for caso, 'que se proceda a exame de corpo de deli· to e 'a quaisquer outras pericias. '

o exame de corpo 'de delito pode ser realizado tanto na Vitima como tambem no autor do delito, conforme 0 caso e assegurando·se ao ultimo o direito de nao se submeter a tal exame como uma manifesta~ao do direi· to de autodefesa negativo.

o ponto nevralgico da questao esta nas conseqUencias juridicas da recusa em submeter·se a uma interven~ao corporal, que sera tratado na ultima parte da qbra (autodefesa negativa).

8. Ordenar a identifica~ao do indiciado pelo processo datiloscopico, se possivel, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes.

A identifica~ao datiloscopica somente esta justificada quando 0

sujeito passivo nao estiver civilmente identificado (carteira de identida· de, carteira profissional, passaporte, etc.), con forme determina 0 art. 52, LVIII, da CB.

Destarte, a Sumula 568 do STF teve seu objeto esvaziado, somen· te estando justificada a identifica~ao criminal quando existir fundada duvida sobre a autenticidade do documento apresentado. Nao havendo duvida fundada, a identifica~ao datiloscopica constitui um constrangi· mento ilegal.

9. Averiguar a vida pregressa do indiciado, sob 0 ponto de vista indio vidual, familiar e social, sua condi~ao economica, sua atitude e estado de animo antes e depois do crime e durante ele, e quais· quer outros elementos que contribuirem para a aprecia~ao do seu temperamento e carater.

Os elementos aqui colhidos servirao tanto para a investiga~ao como tambem para a dosimetria da pena, servindo de subsidio ao juiz na apli· ca~ao do art. 59 do CPo Se em teoria a investiga~ao da vida pregressa e

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uma atividade coiTlplexa e importante, na pn\tica ela foi substituida por um formulario padrao, que pouco ou nada aporta de utH.

Para melhor instruir a investiga~ao, a autoridade policial podera ainda recorrer a reprodu~ao simulada dos fatos, nos term os do art. 72 • A tambem chamada reconstituit;iio do crime e uma valiosa contribui~ao para esclarecer 0 fato e tanto pode ser realizada na fase pre-processual como tambem em juizo, neste ultimo caso, sob a presidencia do juiz. Mas a reconstitui~ao possui dois limites normativos:

• nao contrariar a moralidade ou a ordem publica; • respeitar 0 direito de defesa do sujeito passivo.

o primeiro limite vem dado pelo proprio art. 72 , que recorre a formu· las juridicas abertas, como "moralidade" ou ainda a mais indeterminada de "ordem publica". Sobre eles ja se escreveu 0 suficiente. Apenas gosta· riamos de destacar um aspecto pouco valorado pela doutrina. Quando 0

CPP estabelece 0 limite da moralidade, devemos considerar nao so a moral publica, mas tambem a inviolabilidade da honra e a imagem das pessoas, um direito fundamental previsto no art. 5', X, da Constitui~ao, que tam· bem assiste ao sujeito passivo. Desta forma, entendemos que 0 conceito de moralidade deve ser considerado a partir de um duplo aspecto: publi· ca e privada (sujeito passiv~), cabendo ao sujeito passiv~ impugnar1Z a decisao da autorid9de policial que determine a realiza~ao de uma recons· titui~ao que of end a a sua propria moralidade.

o segundo limite esta na propria Constitui~ao, art. 5Q, LV, e na CADH, que assegura, no seu art. S.2.g, 0 direito de noo ser obrigado a depor con­tra si mesmo, nem a declarar-se culpado. 0 direito de defesa do sujeito passiv~ sera objeto de estudo espedfico a seu tempo, mas desde logo cum pre destacar que 0 referido dispositivo constitucional e 0 do pacto internacional sao inteiramente aplicaveis a fase pre-processual, ainda que alguns insistam no·ran~oso discurso de "fase inquisitiva". Nao e a Consti­tui~ao que tem deser adaptada ao CPP, senao todo 0 contrario, a legisla, , ~ao ordinaria e que deve adequar-se a nova Carta Magna e tambem a Conven~ao Americana sobre Direitos Humanos.

12 Como instrumentos !;Ie impugna<;ao, consideramos tanto a possibilidade de utilizar 0 habeas corpus (pela coar;ao em sua Uberdade de locomor;ao e/ou ilegalldade, 5e a medlda atentar con~ tra a inviolabilidade da honra e imagem do sujeito passiv~) como tambem do Mandado de Seguranr;a, tendo em vista que 58 dirige contra ata da autoridade palidal que viola a honra e imagem ou mesma 0 dlreito de defesa (autodefesa negativa). 0 primeira esta muito difundldo, mas, no curso do IP, somas favoravels a uma atuat;ao processual com malar criterlo, pois em multos das casas em que se utiliza a habeas corpUSI na verdade 0 instrumenta adequada e 0 Mandado de Seguran9l.

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

o direito de defesa pode ser classificado a partir do sujeito (defesa tecnica e autodefesa) ou dos atos (positivos ou negativos). No caso, enten­demos que 0 sujeito passiv~ pode utHizar a reconstru~ao como um instru­mento para demonstrar sua tese defensiva, mas tambem pode exercer 0

direito de autodefesa negativa, negando-se a contribuir e a praticar qual­quer ate da reconstitui~ao. 0 direito de defesa abrange nao s6 a possibi­lidade de resistir a pretensao estatal, aduzindo os argumentos que justifi­cam a conduta, mas tambem a faculdade de nao produzir provas contra si mesmo ou que possam contribuir ao exito da pretensao acusatoria. Assim, assiste ao sUjeito passiv~ 0 direito de calar no interrogat6rio e se negar a colaborar em atos como a reprodu~ao simulada do delito. Voltaremos ao tema ao, 'tratar do "Conteudo da Interven~ao do Sujeito Passivo na Investiga~ao Preliminar""

Com essa serie de atos, pod era a polkia judiciaria averiguar 0 fato e a grau de participa~ao do sujeito passiv~, proporcionand()~lementos necessarios para queo Ministerio Publico ofere~a a a~ao penal ou solicite o arquivamento. Ademais, conforme a necessidade, pod era a polkia soli­citar ao juiz a ado~ao de medidas restritivas de direitos fundamentais, como as cautelares pessoais ou reais, a busca e apreensao domiciliar, escutas telefonicas etc.

Em suma, 0 inquerito policial tem como finalidade 0 fomecimento de elementos pora decidir entre 0 processo ou 0 nao-processo, ossim como servir de fundamento para as medidas endoprocedimentais que se fa,am necessarias no seu curs~.

Nao restaduvida que a natureza juridica do inquerito'policial vem determinada pelo sujeito e a natureza dos atos realizados, de modo que deve ser considerado como um procedimento administrativo pre-pro­cessual.

A atividade carece do mando de uma autoridade com potestade juris­dicional e por isso nao pode ser considerada como atividade judicial e tampouco processual, ate porque nao possuia estrutura dialetica do pro­cesso. Como explica Manzini,13 so pode haver uma rela~ao de indole admi­nistrativa entre a policia, que e urn orgao administrativo ao igual que 0 MP (quando vinculado ao Poder Executivo), e aquele sobre quem recaia a sus­peita de haver cometidoum delito.

13 Tratado de Derecho Procesal Pena/I vol. I, p. 120.

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II. ORGAO ENCARREGADO

Como determina 0 art. 42 do CPP e 0 proprio nome indica, 0 inqueri­to e realizado pela policia judicii~ria. Essa foi, desafortunadamente, a op~ao mantida pelo legislador de 1941, justificada na Exposi~ao de Motivos como 0 modele mais adequado a realidade social e juridica daque­Ie momento. Sua manuten~ao era, segundo 0 pensamento da epoca, necessaria; 'ltendendo as gran des dimens6es territoriais e as dificuldades de transporte. Foi recha~ado 0 sistema de instru~ao preliminar judicial, ante a impossibilidade de qye 0 juiz instrutor pudesse atuar de forma rapi­da nos mais remotos povoados, a gran des distancias dos centros urbanos, e que as vezes exigiam varios dias de viagem.

Mas 0 inquerito nao e necessariamente policial. Neste sentido disp6e o paragrafo unico do art. 42, determinando que a competencia da policia nao exclui a de outras autoridades administrativas que tenham competen­cia legal para investigar. Desta forma e possivel-'tlue outra autoridade administrativa - v. g., nas sindicancias e processos administrativos contra funcionarios publicos - realizem a averigua~ao dos fatos e, com base nes­tes dados, seja oferecida a denuncia pelo Ministerio Publico. Da mesma forma, um delito praticado par um militar sera objeto de um inqUl?rito polidal militar, e, ao final, concluindo a autoridade militar que 0 fato 'nao e crime militar mas sim comum, ou ainda que foram praticadoscrimes militares e comuns,14 devera remeter os autos do IPM ao Ministerio Publico, que pod era diretamente oferecer a denuncia.

Tambem pode a investiga~ao ser realizada por membros do Poder Legislativo, nas chamadas Comissoes Parlamentares de Inquerito. Segundo 0

art. 58, § 42, da CB, as CPI's tem poderes de investiga~ao e sao criadas pela Camara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamen­te, mediante requerimento de um ter~o de seus membros, para a apura~ao de fato determinado e por prazo certo, sendo que suas conclusOes, quando afir­marem a existencia de um delito, serao remetidas ao Ministerio Publico para que promova - diretamente se entender viavel - a respectiva a~ao penal.

Nao obstante, nosso estudo esta limitado ao inquerito policial, reali­zado pela policia judiciaria, e nele nos centraremos.

Trata-se de um modelo de investiga~ao preliminar policial, no plano da normatividade e da efetividade, de modo que a policia judiciaria leva a cabo 0 inquerito policial com autonomia e controle. Contudo, depende

14 Neste casc, cumpre recordar que crime milltar e comum nao se rnisturam, sendo. cada urn jul­gada na sua respectiva jurlsdh;ao, conforme determlna 0 art. 79, I, do CPP ..

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Sistemas de Investiga!;lio Preliminar no Processo Penal

da interven~ao judicial para a ado~ao de medidas restritivas de 9ireitos fundamentais.

Que a policia judiciaria eo orgao encarregado do inquerito, nao resta duvida. Os problemas que se apresentam atualmente sao: Essa titularida­de e exclusiva? Pode 0 Ministerio Publico investigar e instruir 0 seu proprio procedimento administrativo pre-processual? Existe controle externo da atividade policial pelo MP?

III. 0 MINISTERIO PUBLICO E 0 INQUERITO POLICIAL

Para analisar 0 tema e contestar essas perguntas, devemos iniciar por tres constata~6es basicas:

Primeira: 0 modelo atual e&ta em crise e nao cum pre satisfatoria­mente com sua fun~ao. Desagrada a defesa, por seu marcado carater inquisitiv~ e a prepotencia policial; aos juizes, porque 0 material prapor­cion ado e imprestavel (tanto sob 0 ponto de vista de valor probat6rio como tambem de fonte de informa~iio); e, por fim, tambem desagrada ao destinatario final - Ministerio Publico -, pois a demora, as deficiencias e o descompasso, entre 0 que realiza a policia e 0 que necessita 0 promo­tor, acabam per'prejudicar seriamente a atividade acusat6rta. Ademais, e ilogico que a policia investigue sem estar em sincronia com quem vai acu­sar. E inegavel que melhor acusa quem par si mesma investiga (au coman­da a investiga~ao), da mesma forma que melhor e conduzida a investiga­~ao por quem vai acusar.

Segunda: 0 paragrafo unico do art. 42 do CPP disp6e que a compe­ten cia da policia judicii~ria para apurar infra~6es penais nao exclui a de outras autoridades administrativas, a quem par lei seja cometida a mesma fun~iio.

Terceira: A Cim'stitui~ao de 1988 outorgou diversos poderes ao Ministerio Publico, entre eles a titularidade exclusiva da a~ao penal publi­ca (art. 129T I); 0 poder de expedir notifica~6es nos procedimentos admi­nistrativos de sua competencia, requisitando informa~6es e documentos para instrui-los (art. 129, VI); exercer 0 centrale externo da atividade policial (art. 129, VII) e tambem 0 de requerer diligencias investigat6rias e a instaura~ao do inquerito policial (art. 129, VIII). Como normas cample­mentares, as Leis nO 75/93 e nO 8.625/93 disp6em de toda uma serie de poderes que assistem ao MP na sua atua~ao processual e pre-processual. Por fim, a Constitui~iio estipula que os membras Ministerio Publico pos­suem as mesmas garantias que os juizes.

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Partindo desses tres pontos, desde logo respondemos ao question a­menta anterior da seguinte forma: a Ministerio Publico niio so estcllegal­mente autorizado a acompanhar ativamente a atividade policial no curso do inquerito, como tamMm a investigar e a realizar sua propria investi­ga~ao preliminar, vista como um procedimento administrativo pre-proces­sual. Infelizmente, par falta de uma norma que satisfatoriamente defina a chamado contrale externo da atividade policial ~ subordina~ao au dependencia fundonal da policia em rela~ao ao MP - nao podemos afir­mar que a Ministerio Publico pode assumir a mando do inquerito policial, mas sim participar ativarilente, requerendo diligencias e acompanhando a atividade policial. Sem embargo, nao esta a MP condenado a ser urn mero acompanhante au espectador, pais a lei the faculta a poder de instaurar e conduzir seu proprio pracedimento investigatorio. Vejamos agora a porque desse entendimento.

A) CONTROLE EXTER~O DA ATIVIDADE POLICIAL

, E a ponto mais problematico da rela~ao promotor/policia, agravado pela realidade de que, em muitos casas, a policia judiciaria e a Ministerio Publico atuam em completo descompasso, sem a menor harmonia e inte­gra~ao, com clara prejuizo da eficacia da persecu~ao criminal.

A Constitui~ao de 1988, estabeleceu, no art. 129, VlI, que a Ministerio Publico devera exercer 0 contrale extern a da atividade policial, na forma da lei complementar. 0 primeira passo para definir a dependencia funcio­nal estava dado, agora faltavadefinir em que term as se daria a controle. Neste contexto, e promulgada a Lei Complementar n2 75/93, que disci­plina a atividade do Ministerio Publico da Uniao. Nela encontramos, ini­cialmente, a art. 32, com a seguinte reda~ao:

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Art. 32 0 Ministerio Publico da Uniiio exercerd a controle externo da atividade policial tendo em vista:

a) 0 respeito aos fundamentos do Estado Democrcltico de Direito, aos .objetivos fundamentais da Republico Federativa do Brasil, aos principios informadores das rela~oes intemaeionais, bem como aos direitos assegurados na Constitui~iio Federal e na lei;

b) a preserva~ao da ordem publica, da incolumidade das pes-soas e do pat(imonio publico;

c) a preven~iio e a corre~iio de ilegalidade ou de abuso de poder; d) a indisponibilidade da persecu~iio penal; e) a competencia dos orgiios incumbidos da seguran~a publica.

Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

Mais adiante, a Capitulo 1I1 vern sugestivamente intitulado de Do Controle Externo da Atividade Policial. 0 referido capitulo possui apenas dois artigos, com a seguinte reda~ao:

Art. 92 0 Ministerio Publico da Uniiio exercerd a controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais, podendo:

I - ter livre ingresso em estabelecimentos polkiais ou pri­sionais;

/I - 'ter' acesso a quaisquer documentos relativos Ii ativida­de-fim policial;

11/ - representar Ii autoridade competente pela ado~iio de providencia para sanar a omissiio indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder;

IV - requisitar Ii autoridade competente a instaura~iio de inquerito policial sobre a omissiio au fato ilieito ocorrido no exercicio da atividade polieial;

V - promover a~iio penal por abuso de poder.

Art. 10. A prisiio de qualquer pessoa, por parte de autorida­de federal ou do Distrito Federal e Territorios, deveriI ser comu­nkada imediatamente ao Ministerio Publico competente, com indica~ao do lugar onde se encontra a preso e copia dos docu­mentos comprabatorios da legalidade da prisiio.

A isso se resume a legisla~ao sabre a contrale externo da atividade policial. Nao resta duvida que a disciplina foi bastante timida; minimalis­ta ate. Limitou-se 0 legisladora definir, nos arts. 3Q, 9Q e 10, meras meca­nismos de controle da legalidade da atividade policial e nao da atividade em si mesma. 0 mais importante - a cham ada dependemcia funcional -nao foi regulada e a Ministerio Publico c0l1tinua sem poder, efetivamente, controlar a atividade policial no curso do inquerito policial.

No art. 32, basicamente interessa ao tema a disposto nas alineas c e d, que tratam respectivamente do controle da legalidade e da indisponibilida­de da persecu~ao. A alinea e do mesmo art. 3Q afirma que a MP exercera a controle externo da atividade policial tendo em vista a competencia dos orgiios incumbidos da seguran~a publica. Refere-se aqui a competencia (atribui~6es) da Policia Federal, prevista no art, 144, § 12, da Constitui~ao.

o art. 92, nos seus diversos incisos, nada mais faz do que dispor acer­ca do acesso a estabelecimentos e documentos, possibilidade de que a

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A Lei Complementar nO 75 e, neste aspecto, mais progressista que a Lei nQ 8.625/93, que na~ fez nenhuma referencia ao tema, limitando-se, no seu art. 80, a estender aos Ministerios Publicos estaduais todas as nor­mas elencadas na Lei Organica do MP da UnUio.

Contudo, continua faltando um dispositivo que diga de forma clara que 0 Ministerio Publico exercera 0 controle externo da atividade poli­cial, dando instru~6es gerais e especificas para a melhor condu~60 do inquerito policial, as quais estarao vinculados os agentes da polieia judi­ciaria.

Atraves das primeiras - instru~6es gerais -, 0 Ministerio Publico definiria as grandes linhas da investiga~ao preliminar, de forma generica e abstrata, conforme os criterios de politica-,;riminal tra~ados pel a institui­~ao. Um dos maiores problemas que enfrenta 0 MP para acompanhar 0 IP e a· falta de informa~ao, mais especificamente, 0 fato de nao canalizar a noticia-crime. Atraves das instru~6es gerais, 0 MP poderia, por exemplo, determinar que todos os Boletins de Ocorrencia relacionados com deter­minados tipos de deli to - trMico de entorpecentes, crime organizado, homicidios etc. - fossem imediatamente enviados a promotoria corres­pondente, para que definisse a linha de investiga~ao ou simplesmente tivesse ab initio plena ciencia da investiga~ao.

No segundo caso, 0 Ministerio Publico reservar-se-ia 0 poder de inter­vir diretamente em um caso concreto, isto e, dandq instru~iies especifi­cas sobre como devera ser realizado 0 inquerito policial naquele caso, atendendo a suas especiais circunstancias.

Esse e 0 sistema que consideramos mais proximo ao ideal e que e per­feitamente aplicavel na nossa atual realidade. Ninguem quer transformar o gabinete do promotor em delegacia de polieia, na~ e isso. 0 que se pre­tende e que 0 MP possa exercer um certo controle, uma fiscaliza~ao e ate a dire~ao da investiga~ao quando 0 caso. exigir. So com a possibilidade de dar instru~6es gerais vinculantes a atividade policial, muito dos problemas ja estariam resolvidos. 5em embargo, ainda perdura a lacuna e 0 contro­Ie externo da atividade policial continua sem estar devidamente regula­mentado_

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Sistemas de Investlga~ao Prellminar no Processo Penal

A polieia judiciaria somente se justifica como orgao auxiliar, destina­do a apoiar aqueles que representam 0 Estado na administra~ao da justi­~a. Como tal, deve ser dependente, no plano funcional, dos juizes e pro­motores, que nao so requisitam sua interven~ao, mas que tambem dirigem sua atividade de polieia judiciaria. Nao existem motivos racionais para defender uma completa independencia da polieia no desempenho de ati-' vidades de carater judicial, pois 0 fundamento da sua existencia esta exa­tamente em atuar conforme e segundo a necessidade dos 6rgaos que administram a justi~a.

Concluindo, entendemQs que a legisla~ao existente sobre 0 chamado controle externo da atividade policial e insatisfatoria e minimalista, limi­tando-se a definir meros instrumentos de controle da.legalidade. Perma­nece a lacuna e nao se pode afirmar que; com a atual legjsla~ao, 0 MP possa assumir 0 controle do inquerito policial. .

B) A PARTICIPA~AO E/OU CONDU~AO DA INVESTIGA~AO PELO MINISTERIO PUBLICO

Na Constitui~ao brasileira, 0 Titulo IV - "Da Organiza~ao dos Pode­res" - disciplina a organiza~ao dos Poderes Legislativo, Executivo e, Judiciario, e; no Capitulo IV, denominado "Das fun~6es Essenciais a Justi~a", fixa as fun~6es do Ministerio Publico, da' Advocacia-Geral da Uniao, da Advocacia e da Defensoria Publica. Regula 0 art. 127 da CB que o MP e institui~60 permanente, essencial a fun~60 jurisdicional do Estado, incumbindo~lhe a defesa da ordem juridica, do regime democr6-tieo e dos interesses sociais e individuais indisponiveis. Determina ainda que sao principios institucionais do MP a unidade, a indivisibilidade e a independencia funcional, outorgando a seus membros as mesmas garan~ tias da Magistratura, isto e, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibili­dade de vencimentos.

A posi~ao do MP na organiza~ao do Estado e um tema extremamente controvertido, pois, na estrutura do texto constitucional, na~ esta inte­grado ao Poder Executivo e tampoucCl ao;iuc!iciario. 5em embargo, ao pri­meiro poder, une-lhe 0 vinculo de ser 0 Procurador Geral escolhido na lista triplice pelo Governador do respectivo estado membro; e ao segundo, 0

fato de ser 0 MP uma institui~ao essencial a administra~ao da justi~a. 5em entrar na discussao, interessa-nos a realidade inafastavelde que e uma institui~ao essencial a justi~a, com plena liberdade funcional e indepen­dencia. Em suma, esta dotado de garantias dignas de uma magistratura_ Ademais, deve atuar no processo (sentido amplo) com objetividade e estrito cumprimento da legalidade.

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a) Acompanhamento/participa~ao no inquerito policial

o Ministerio Publico podera participar do inquerito policial conduzido pela policia judiciaria como um assistente contingente, acompanhandoa atividade. Ademais, podera requerer a instaura~ao, acompanhar e requi­sitar diligencias no cUrso de um inquerito policial.

Neste caso, atua junto corn a policia judiciaria, acompanhando'a. Seria imprescindivel, desde um ponto de vista logico e juridico, que a poli­cia judiciaria estivesse funcionalmente subordinada ao MP. Sem embargo, o chamado controle externo da atividade policial ainda na~ foi devida­mente regulado a ponto de podermos afirmar que 0 MP preside 0 inqueri­to policial.

Logo, 0 promotor podera requerer a instaura~ao do IP (arts. 129, VIII, da CB c/c arts. 26, IV, da Lei nQ 8.625.193 e 7Q, II, da Lei Complementar nQ

. 75/93) acompanhando a atividade policial e requisitando diligencias que devem ser praticadas - art. 13, II, do CPP c/c art. 72, II, da Lei n2 75/93 c/c art. 26, IV, da Lei nQ 8.625/93 - salvo quando existir uma causa justi­ficada e fundamentada para nao atender a requisi~ao.

No ambito do Cpp, preve 0 art. 13, II, que a policia judiciaria devera realizar as diligencias requisitadas pelo Ministerio Publico no cUrso do inquerito policial. Estas diligencias inclusive poderao ser requisitadas dire­tamente 11 autoridade policial (art. 47). No mesmo sentido, as Leis n2 75/93 e nO 8.625793 possuem diversos dispositivos que outorgam poderes ao MP de requisitar diligencias investigat6rias, acompanhar a atividade policial e apresentar provas para serem juntadas ao inquerito.

Em definitiv~, nao pairam duvidas de que 0 Ministerio Publico pode­ra requisitar a instaura~ao do inquerito e/ou acompanhar a sua realiza~ao. Mas sua presen~a e secundaria, acessoria e contingente, pois a orgao encarregado de dirigir 0 inquerito policial e a policia judiciaria.

b) A investiga~ao conduzida pelo Ministerio Publico

E uma situa~aQ completamente distinta da anterior, pois neste caso a Ministerio Publico deixa de ser um mero assistente para assumir a titula· ridade da investiga~ao.

Analisando as diversos incisos do art. 129 da CB, em conjunto com as Leis n2 75/93 e n2 8.625/93, especialmente 0 disposto nos arts. 7Q e 8Q da primeira e 26 da segunda, constata-se que no plano teorico esta perfeita­mente prevista a atividade de investiga~ao do promotor na fase pre-pro­cessual. Nao dis pas a Constitui~ao que a policia judiciaria tenha compe-

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Sistemas de Investiga,ao Preliminar no Processo Penal

ten cia exclusiva para investigar, pais a art. 144, §§ 12, I, e 42, simplesmen­te preveem que a Policia Federat·e a Civil deverao exercer as fun~6es de policia judiciaria, apurando as infra~6es penais. Nao existe exclusividade desta tarefa, inclusive porque quando pretendeu estabelecer a exclusivi­dade de competencia, 0 legislador a fez de forma expressa e inequivoca. 15 . Tampouco a. natureza da atividade au dos orgaos em discussao permite ou exige umainterpreta~ao restritiva, ao contrario, trata-se de buscar a melhor forma de administrar justi~a.

Neste sentido ja se maniiestou a STF:16 Ao cuidar das [unr;oes de poli­cia judiciciria e investigar;oes criminais atribuidas as Policias eMs, 0 texto constitucional do parcigra[o 42 do art. 144 nao utiliza 0 termo exclusivi­dade.

No plano ordinario, corrobora nosso entendimento a art. 42, paragra· fo unico, do CPP, ao estabelecer que a competencia para apurar as iRfra­~6es penais e a sua autoria nao excluira a competencia de outras autori­dades administrativas (como a MP) a quem par lei (no caso Constitucional e Organica) seja atribuida a mesma fun~ao.

Resulta 6bvio que se a legislador atribui ao MP a titularidade da a~ao penal publica - atividade fim - devera conceder-lhe tambem os meios necessarios para alcan~ar de forma mais efetiva este fim,,~.QW1!l investiga~ao preliminar, como atividade instrumental e de ineio, devera estar sob seu mando.

Salvo alguma doutrina ou senten~a isolada,17 predomina 0 entendi· . mento de que a inquerito policial e uma pe~a informativa, destinada a ser­vir para a forma~ao da opinio delicti do MP. 0 IP serve ao titular da a~ao penal, de forma que, se ele ja possuir suficiente informa~ao para acusar, podera faze·lo sem necessidade de previa investiga~ao preliminar. Inclusive, a CPP expressamente afirma a dispensabilidade do inquerito se

15 Entre outros, veja-se, por exemplo, os arts. 22, 49 e S1 da Constituic;ao. 16 ADIN.1517·DF, Relator Ministro Mauricio Correa, Informativo STF,71. 17 MAURICIO JOSE NARDIN, no trabalho intitulado "Investigac;ao Criminal Presidida por Promotor

de Justic;a", publicado no Jus Navigandi (www.jus.com.br). comenta a decisao de um juiz de Goias, incrivelmente confirmada pelo Tribunal de Justic;a, que, Jrente a uma denuncia ampara~ da por pec;as de convicc;ao produzidas pelo promotor, decidiu nao recebe·la. Ato continuo, enviou todo 0 material para a autoridade policial instaurar 0 Inquerito pollcial. Na equivocada interpretac;ao do juiz, 0 promotor nao poderia oferecer a denuncia sem previa realizac;ao do inquerito, 0 que signiflca outorgar a fase pre·processual urn carater obrigatOrlo que eia nao tern. Entre outras multas declsoes que afirmam 0 carater facultativo do {P, 0 autor cita urn ac6r· dao do STJ (publicado no DJU em 20/9/1993 e 8/6/1992) que sintetiza 0 melhor entendimen· to: Como procedimento meramente Informatlvo, 0 Inquerito pollelal pode ser dlspensado pelo titular da a~ao penal, quando disponha de elementos suficientes para ofereeer a denuncia.

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com a representac;:ao forem oferecidos elementos que habilitem 0 MP a promover a ac;:ao penaL Por analogia, perfeitamente aplicavel ao caso, pode-se afirmar que se a notitia-criminis (qualificada ou nao) vier sufi­cientemente instruida, tambem podenl ser dispensado 0 inquerito.

Nao so a inquerito policial e dispensavel, senao que tam bern e dis­pensavel a atuac;:ao policial, ou, em outras palavras, 0 MP pode prescindir da propria policia judiciaria. 0 art. 1i9, III, da CB trata do inquerito civil como atividade preparatoria da ac;ao civil publica, logo, quando no inciso VI 0 legislador afirma 0 poder do MP de instruir os procedimentos adminis­trativos de sua competi!mcia, esta claramente referindo-se a outros proce­dimentos. Aqui esta a outorga constitucional para que 0 MP realize a ins­truc;:ao preliminar, considerada como um procedimento administrativo pre­processual, preparatorio ao exercicio da ac;ao penaL Neste senti do, com­plementam a norma constitucional as Leis nO 75/93 e nO 8.625/93, que autorizam a instaurac;:ao de procedimentos administrativos com carater investigatorio.

Como poderes investigatorios, destacamos 0 contido nos arts. 70 e 82 da Lei Complementar n2 75/93 e no art. 26 da Lei n2 8.625/93, que permitem ao MP instaurar procedimentos admihistrativos de natureza investigatoria e no seu curso notificar testemunhas e requisitar sua con­duc;ao cdercitiva; requisitar informac;6es, exames, pericias e documen­tos de autoridades da Administrac;ao Publica direta ou indireta; requisi­tar informa,6es e documentos a entidades privadas; requisitar 0 auxilio de forc;:a policial etc., enfim, toda uma gama de poderes tipicamente investigatorfos.

Ilustr2tiva e a ementa do Tribunal Regional Federal da 4" Regiao: 18

HABEAS CORPUS . . DENUNCIA OFERECIDA COM BASE EM INVES­T/GA(AO PROCEDIDA PELO MINISTERIO PUBLICO. LlBERAC;AO IRREGULAR DE MERCADORIAS DESCAMINHADAS.

I. 0 Inquerito Policial e, em regra, atribuiqao da autorida­de polleial.

• /1. 0 "Parquet" pode investigar fatos, poder que se inclui no mais amplo de fiscalizar a correta execuqao da lei...

IV. Tal poder do orgao ministerial mais avulta, quando os envolvidos na infraqao penal sao autoridades policiais submeti­das ao contrale externo do Ministerio Publico.

18 He nil. 97.04.267S0-9-PR, Relator Juiz Fabio Blttencourt da Rosa, 26/6/1997.

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Sistemas de Investiga~o preliminar no Processo Penal

No mesmo sentido, assim decidiu 0 Superior Tribunal de Justic;:a: 19

ATOS INVESTIGATORIOS REALIZADOS DIRETAMENTE PELO MINISTERIO PUBLICO. VALIDADE RECONHECIDA.

I. Sao vdlidos os atos investigatorios realizados pelo Minis­terio Publico, que pode requisitar in!ormaq6es e documentos para instruir seus procedimentos administrativos, visando ao oferecimento de den uncia.

/I. Ordem que se denega.

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Destarte, entendemos 0 Ministerio Publico ademais de participar no inquerito policial - como explicamos no ponto anterior - podera ser pro­tagonista,20 instaurando e instruindo seu proprio procedimento adminis­trativo pre-processuaL

Entendemos que 0 MP po de instaurar e realizar uma verdadeira investigac;ao preliminar, destinada a investigar 0 fato delituoso (nature­za publica), com 0 fim de preparar 0 exercicio da ac;ao penaL Aqui se ma­terializa a Figura do promotor investigador.

o fundamento juridico desse procedimento vern dado pelos arts. 129, VI, c/c art. 26, I, da Lei n2 8.625/93 c/c art. 72 , I, da Lei Complementar nO 75/93. Entre os diversos poderes conferidos pelas Leis nO 75/93 e nO 8.625/93, des­tacamos que podera 0 MP instaurar a investigac;ao preliminar (diligencias investigatorias); expedir notifica~6es para colher depoimentos ou esclareci­mentos (inclusive requisitando auxilio policial); requisitar informac;6es, exa­mes periciais e docul)lentos de autoridades federais, estaduais e municipais; requisitar informa~6es e documentos a entidades privadas etc.

Com relac;ao II forma· que deve assumir esse procedimento adminis­trativo investigatorio, tendo em vista a sua similitude com 0 inquerito policial, entendemos perfeitamente aplicaveis os dispositivos do CPP.

19 He n.Q 7445/RJ, SiI. Turma, Relator Min. G"llson Dlpp, julgado no dla 1/12/1998, DJU 1/2/1099 . 20 Citamos 0 segulnte entendimento, contrario ao nasso, destacando que 0 tema nao e pacifico e que

tampouco 0 STF tern uma posh;ao clara sabre a possibilidade au impossibilidade do MP conduzir uma Investigac;ao:--CONSTITUCIONAL. PROCE55UAL PENAL. MINISTERIO PUBUCO: ATRIBUI­r;OES. INQUERITO. REQUISlt;;AO DE lNVESTlGAc;OES. CRIME DE DESOBEDIENCIA. CF. ART. 129, VIII; ART. 144, §§ ltl. e 4fl. I. Inocorrencia de ofensa ao art. 129, VIII, CF, no fato de a autorida­de a~ministrativa deixar de atender requisiqao pe membra do Min/sterio Publico no sentido da rea­liza¢o de Investigar;oes tendentes J apurar;ao de infrar;oes pena/5, mesmo porque nao cabe ao membra do Mlnisterio Publico rea/izar, diretamente, tais investlga~aes, mas requislta-Ias a auton'­dade po/ieia', competente para tal (eF, art. 144, §§ 12 e 4JJ.). Ademais, a hipotese envolvia fatos que estavam sendo Investlgados em Instancla superior. II. RE nao conhecido. (RECR-205473/Al, ReI. MIn. Carlos Ve1loso. publica!;iio DJ 19/3/1999. Julgamento 15/12/1998 - 2.l1i.mna)

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Destarte, devera ser sumario, limitado no tempo e no grau de cogni~ao (fumus commissi delicti). Com rela~ao ao aspecto temporal, como regra geral, entendemos que 0 prazo para investigar e oferecer a denuncia sera continuo, assim:

a) Estando 0 sujeito passiv~ solto, (j promotor tera 0 prazo de 45 dias, contados da instaura~ao formal da investiga~ao preliminar, para oferecer a denuncia ou 0 arquivamento. Esse prazo vem dado pela soma dos 30 dias previstos no art. ,10 para a realiza~ao do inquerito policial + 15 dias que 0

art. 46 preve para 0 oferecimento da denuncia. ' b) Em caso de prisao, 0 prazo para investigar e oferecer a den uncia

sera de apenas 15 dias (10 dias do art. 10 + 5 do art. 46), contados a par­tir do efetivo ingresso em prisao.

No que se refere a forma, como no inquerito, sera urn procedimen­to escrito, secreto sob 0 aspecto externo e com valor probatorio limi­tado - endoprocedimental. E importante destacar que os atos praticados no procedimento administrativo a cargo do MP devem obedecer estrita­mente ao mandamento constitucional do art. 52, LV, assegurando-se ao sujeito passiv~ a assistencia de defensor, acesso aos autos e a possibilida­de de pedir diligencias. Qualquer ate que implique a restri~ao de direitos e a liberdade individual, tais como medidas cautelares, busca e apreen­sao, quebra de sigilo bancario, intercepta~ao telef6nica etc., dependera de ordem judicialfundamentada, cabendo ao promotor solicita-la ao juiz competente para con~ecer da a~ao penal.

Neste sentido, 0 STF ja se manifestou, afirmando que 0 Ministerio Publico nao tem legitimidade para, sem interferencia do Poder Judiciario, determinar a qyebra do sigilo bancario. Com esse entendimento, a Segunda Turma manteve acordao do TRF da 5' Regiiio que deferira ordem de habeas corpus em favor de gerente de institui~ao financeira privada que se negara a atender pedido da Procuradoria da Republica acerca de movimenta~6es bancarias de determinados clientes. Afastou-se a alega~ao do recurso extraordinario interposto pelo Ministerio Publico Federal no sentido de que a solicita~ao de informa~6es de carater sigiloso estaria incluida nas fun~6es institucionais do Ministerio Publico previstas no inci­so VIII do art. 129. Assim ficou a ementa do RE 215.301-CE, Rel. Min. Carlos Velloso, 13/4/1999:

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PENAL.PROCESSO PENAL. SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. REQUISI<;iie DO MINISTERIO PUBLICO. SIGILO BANCARIO. INSTI­Tuu;iio PRJVADA. CRIME DE DESOBEDIENCIA. INOCORRENCIA. Por constituir limita~iio 00 direito a intimidade, consagrado no

Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

Constitui~iio, a norma que autoriza 0 Ministerio Publico a requisitar in{orma~ijes hd que ser interpretada restritivamen­teo - A institui~iio privada somente estard obrigada a {ornecer in{orma~6es sigi/osas quando solicitada atraves do Judicidrio, que tem poderes para determinar a quebra, do sigi/o. -Inocorrencia de crime de desobediencia, pelo que {alta justa causa para a instaura~iio de a~iio penal. ORDEM CONCEDIDA. A<;iio PENAL TRANCADA.

Contudo, na decisao acima, destacamos que concord amos com a impossibilidade do MP decretar a quebra do sigilo bancario, mas isso nao significa. que 0 parquet nao possa investigar. Em outras palavras, sustentamos que 0 promotor pode instaurar um procedimento adminis­trativo pre-processual com a finalidade de investigar a existencia e a ~utoria do delito, mas respeitando a necessidade de previa autoriza~ao judicial para aqueles atos que impliquem a restri~ao de direitos funda­mentais.

Em definitivo, a investiga~ao preliminar realizada pelo Ministerio Publico seguira, em linhas gerais, a normativa existente para 0 inquerito policial, no que the for aplicavel. Afinal, ambos sao procedimentos admi­nistrativos pre-processuais, que se destinam a formar a opiniao do Ministerio Publico e justificar 0 oferecimento da denuncia ou 0 pedido de arquivamento.

Por suposto que 0 ideal seria'o promotor investigar atraves do instru­mento "inquerito", aproveitando sua estrutura e regime juridico, mas nao como mere "assistente", senao como autoridade encarregada. Isto nao e possivel, tendo em vista a inexist€mcia de um claro regime de subordina­~ao funcional da policia. Por outro lado, como vimos, a legisla~ao consti­tucional e ordinaria outorga toda uma serie de poderes ao Ministerio Publico que nos levam a afirmar que 0 sistema per mite a figura do promo­tor investigador. A falta de um regime juridico que defina alguns aspectos de tempo e forma dos atos nao e empecilho para que 0 promotor instau­re e realize a investiga~ao, pois sao perfeitamente aplicaveis por analogi a os dispositivos do CPP que disciplinam 0 inquerito policial.

Talvez 0 maior problema de ordem pratica seja 0 fato de que 0 MP nao canaliza a noticia-crime e tampouco possui instrumento para deter­minar que a policia judiciaria remeta-lhe aqueles boletins de ocorrencia relacionados com determinados delitos de maior transcendencia e com­plexidade. Tal situa~ao seria perfeitamente possivel atraves das instru~6es gerais que mencionamos anteriormente, mas para isso seria necessario um

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efetivo controle externo da atividade policial. Contudo, principalmente nos delitos graves e de maior repercussao social e/ou economica, esta-se criando 0 hflbito de dirigir-se diretamente ao Ministerio Publico, pela con­comitancia de dois fatores: maior abertura e credibilidade do MP e menor confian~a da popula~ao na policia judidaria. Com isso, 0 promotor acaba sendo 0 destinatario da noticia-crime nos delitos que realmente exigem 0

seu acompanhamento estrito'e nao estaobrigado a requisitar a instaura­~ao do.inquerito pois, como vimos, possuipoderes para instruir seu pro. prio procedimento administrativo. 0 MP pode prescindir do inquerito poli­cial e, ao mesmo tempo, requisitar 0 auxilio policial quando julgar neces­sario para a pratica de algum ate de investiga~ao (art. 82 , IX, da Lei Complementar n2 75/93).

Tudo isto e claro, sem esquecer que 0 Ministerio Publico pode pres­cindir da investiga~ao, atuando sempre e quando possua suficientes ele­mentos para justificar 0 processo ou 0 nao-processo.

Em sintese, 0 que pretendemos deixar claro e que nao so 0 MP pode participar ativamente no inquerito policial como tambem, de oficio, instaurar e conduzir sua propria investiga~ao preliminar -procedimento administrativo pre-processual - destinado a formar sua opinio delicti. Para isso, praticarapor si mesmo 'os atos, requisitando o auxilio policial quando necessitee postulando junto ao juiz a neces­saria autoriza~ao jud1cial para aqueles atos de investiga~ao que assim o exijam.

t inegavel que melhor acusa quem por si mesmo investiga (ou coman­da a investiga~ao), da mesma forma que melhor e conduzida a investiga­~ao por quem vai acusar.

c) A situa~ao do sujeito passiv~ no procedimento investigatorio do Ministerio Publico' e os riscos da denuncia direta

Apesar de estar permitido, 0 procedimento administrativo pre-pro­cessual a cargo do MP nao esta devidamente regulado. Como dissemos anteriormente, e possivel,or analogi a utilizar a estr,ra legal do IP, mas

liM 22# dJ5! did iii:pgii g es do procedlmen­to policial. Entre elas, uma das mais graves e a incerteza que paira sobre o momenta em que efetivamente 0 sujeito passiv~ assume a posi~ao de imputado e quais as cargas e direitos que Ihe assistem.

Os atos praticados no procedimento administrativo a cargo do MP devem obedecer estritamente ao mandamento constitucional do art. 52, LV, assegurando-se ao sujeito passiv~ a assistencia de defensor, acesso

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar M Processo Penal

aos autos e a possibilidade de pedir diligencias. Ate porque, no minimo, devem ser observadas as mesmas garantias existentes no inquerito poli­cial, que, como explicaremos adiante, esta submetido ao disposto no art. 52, LV, da CB. Corrobora esse entendimento 0 disposto no art. 12 , XIV e XV, da Lei n2 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), que assegura 0 direito do advogado de examinar, em qualquer reparti~ao policial ou dos orgaos dos Poderes Judiciario e Legislativo, ou da Administra~ao Publica em geral, os autos do inqueriio oude processosZ1 findos ou em andamento.

Isto significa que 0 MP devera permitir 0 acesso do advogado aos autos do procedimento (administrativo) de natureza investigatoria e, em qualquer caso, 0 segredo interne deveracessaf antes da conclusao da' investiga~ao, para permitir que 0 sujeito passiv~ solicite diligencias e aporte elementos de convic~ao favoraveis a tese defensiva.

o acesso aos autos, quando negado pelo MP, pod era ser postulado. junto ao tribunal competente, atraves do Mandado de Seguran~a.

Desta forma, em linhas gerais, entendemos que 0 MP devera ouvir 0

suspeito, comunicando-lhe a sua situa~ao e garantindo-lhe 0 direito de silencio e de assistencia de advogado. Nada de ouvir como testemunha Oll

informante quando ja existem indicios suficientes da autoria; denegar 0

direito de sileneio; exigir que preste compromisso; impedir a presen~a e previa entrevista com 0 defensor; negar 0 'acesso aos autos ou a faculda­de de pedir diligencia. Do Ministerio Publico, como orgao imparcial e defensor da legalidade, devemos exigir com muito mais rigor um trata­mento respeitoso do sujeito passiv~ e a plena observancia das garantias previstas na Constitui~ao e na CADH.

Outro grave problema do sistema brasileiro e a coexistencia da pos­sibilidade de denuncia direta com a ausencia de urna fase interrnedia­ria contraditoria.

Como vimos, 0 inquerito policial nao e obrigatorio e 0 MP podera ofe­recer a den uncia direta quando, junto com a noticia-crime ou representa­~ao, vierem "suficientes" elementos de convic~ao. Por outro lado, 0 siste­ma brasileiro - excetuando-se 0 rito previsto na Lei n2 9.099/95 e nos arts. 513 e seguintes - nao contempla uma audiencia contraditoria no momen­to do recebifnento da acusa~ao (cham ada de fase intermediaria, pois serve de elo de liga~ao entre a fase pre-processual com a processual). '

21 A lei fala em "processos judiclals ou administrativos de qualquer natureza", 0 que par suposto abrange processos e procedlmentos admlnlstrativos de car;~ter investlgat6rio (como as sindlcancias e a Investlgal;ao reallzadas pelo MP). E patente que a lei busca uma aplical;ao ampla_e, ao referir-se ao processo admlnlstratlvo, obviamente esta abrangendo 0 procedimen­to investigatorio que _.Ihe da origem.

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Conjugando·se esses dois fatores, concluimos pela possibilidade legal da acusai;ao de surpresa, do processo penal iniciado totalmente inaudita et altere pars e de que uma pessoa pode ser submetida ao processo penal sem ter side previamente ouvida.A surpresa limita a defesa, gera 0 dese· quilibrio entre as partes e pode prestar'se a fins espurios, contribuindo para que 0 processo penal seja utilizado como instrumento de pressao e constrangimento. Ademais, os riscos de prosperar uma acusa~ao infunda­da sao elevados. 0 processo penal possui um altissimo custo para 0 sujei­to passiv~ e nao podemos aceitar que nas~a totalmente de surpresa e sem a previa oitiva da outra parte.

Na Lei nO 9.099/95 tambem nao .ha uma fase pre-processual (somen­te um termo circunstanciado), mas, em compensa~ao, existe uma audien­cia preliminar contraditoria, 0 delito imputado e de menor potenciallesi­vo e complexidade e existem instrumentos de consenso. Logo, 0 problema nao esta apenas na possibilidade da denuncia direta, mas sim na conjuga­~ao deste podercom a ausencia de uma audiencia contraditoria e previa ao recebimento cia acusa~ao. Sem duvida, uma lacuna grave e que mere­ce a aten~ao do legislador brasileiro.

IV. A POSI<;AO DO JUIZ FRENTE AO INQUERITO POLICIAL

A) 0 JLIIZ COMO GARANTE E NAO COMO INVESTIGADOR

A efetividade da prote~ao esta em grande parte pendente da ativida· de jurisdicional, principal responsavel por dar ou negar a tutela dos direi­tos fundamentais. Como consequencia, 0 fundamento da legitimidade da jurisdic;:ao e da independencia do Poder Judiciario esta no reconhecimen­to da sua fun~a@ de garantidor dos direitos fundamentais inseridos ou resultantes da Constitui~ao. Nesse contexto, a fun~ao do juiz e atuar como garantidor22 dos direitos do acusado no processo penal.

o juiz passa 11 assumir uma relevante fun~ao de garantidor, que nao pode ficar inerte ante viola~6es ou amea~as de lesao aos direitos funda­mentais constitucionalmente consagrados, como no superado modelo posi­tivista. 0 juiz assume uma nova posi~ao no Estado Democratico de Direito e a legitimidade de sua atua~ao nao e politica, mas constitucional, con­substanciada na fun~ao de prote~ao dos direitos fundamentais de todos e de cad a um, ainda que para isso tenha que adotar uma posi~ao contraria

22 Utilizamos indistlntamente as expressoes "juiz garante" e "julz de garantlas".

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Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

a opiniao da maioria.23 Deve tutelar 0 individuo e reparar as injustic;:as cometidas e absolver quando nao existirem provas plenas e legais (aten­dendo ao principio da verdade formal).

Esta e a posi~ao que 0 j uiz deve adotar quando chamado a atuar no inquerito policial: como garante dos direitos fundamentais do sujeito pas­sivo. Para evitar repetic;:6es, remetemos 0 leitor ao inicio do trabalho, ' quando definimos a instrumentalidade garentista Gamo fundamentoda existencia do processo penal.

A atua~ao do juiz na fase pre-processual (seja ela inquerito policial, investiga~ao pelo MP etc.) ee deve ser muito Iimitada. 0 perfil ideal do juiz nao e como investigador ou instrutor, mas como controlador da legali­dade e garantidor do respeito aos direitos fundamentais do sujeito passivo. Neste sentido, ademais de ser uma exigencia do garantismo, e tambem a posic;:ao mais adequada aos principios que orientam 0 sistema acusatorio e a propria estrutura dialetica do processo penal.

Tradicionalmente, no processo penal brasileiro, 0 juiz mantem-se afastado da investiga~ao preliminar - como autentico garantidor -, limi­tando-se a exercer 0 controle formal da prisao em flagrante e a autorizar aquelas medidas restritivas de direitos (cautela res, busca e apreensao, interven~6es telef6nicas etc.). 0 alheamento e uma importante garantia' de imparcialidade e deriva mais do plano da efetividade que do normati­va, pais, apesar de existirem alguns dispositivos que permitam a atua~ao de oficio, felizmente os juizes condicionam sua atua~ao a previa invoca­~ao do MP, da propria policia ou do sujeito passivo.

o juiz nao orienta a investiga~ao policial e tampouco presencia seus atos, mantendo uma postura total mente suprapartes e alheiaa atividade policial. No sistema brasileiro, 0 juiz nao investiga nada, nao existe a figu­ra do juiz instrutor e por isso mesmo nao existe a distin~ao entre instru­tor e julgador.

No Tribunal do Juri, ou ainda nos processos em que a prerrogativa de fun~ao do acusado desloca a competencia para os Tribunais de Apela~ao, nao existe instru~a024 preliminar judicial. Isto porque a fase pre-proces­sual e inteiramente realizada sob a forma de inquerito policial, sendo a policia judiciaria 0 orgao encarregado da investiga~ao, Somente com 0 exercicio da a~ao penal e 0 inkio da fase processual, da-se a necessaria interven~ao judicial. Mas frise'se, ja estamos na fase processual.

2) SILVA FRANCO, Alberto. "0 Juiz e 0 Modelo Garantista", in Doutrina do Instituto Brasileiro de Ciencias Criminais, disponive\ no site do Instituto (www.ibccrlm:com.br) em marc;o de 1998.

24 Nao confundir instruc;ao prelimjnar (fase pre-processua\) com instrw;ao definitiva .Q!l processual

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E importante destacar que a instru~ao do Relator e uma atividade da fase processual - instru~ao definitiva _ e sempre sera posterior it condu­sao do inquerito (esse sim, uma instru.;ao preliminar) e ao oferecimento da a~ao penal. Da mesma forma, 0 juiz singular nos processos de compe­tencia do Juri preside uma instru~ao definitiva (pracessual). Nao existe nenhum caso de instru~ao preliminar judicial e tampouco 0 nosso sistema consagra a figura do juiz instrutor. Fazemos essa advertencia porque uma leitura apressada de alguns dispositivos legais (v.g., art. 2" da Lei n" 8.038/90, onde se Ie ... sera 0 juiz do instrw;ao ... , deveria estar ' ... sera 0

juiz do instru~ao definitiva ou processual .... ) pode induzir ao erro de ima­ginar que nos processos de competencia do Tribunal do Juri ou originaria dos Tribunais existiria uma instru~ao preliminar judicial.

Destarte, juiz assume na fase pre-processual um papel de garante. Os mecanismos de impugna~ao dos atos policiais ou do promotor toma­dos no curso da irivestiga~ao preliminar - principalmente 0 habeas cor­pus e 0 mandado de seguran~a - colocam 0 juiz na posi~ao de instan­cia de controle judicial, a quem cabera a decisao sobre aquelas medi­das que limitem ou coloquem em risco os direitos fundamentais do sujeito passivo.

Por ultimo, a interven~ao do argao jurisdicional of! ,contingente e excepcional. lsto porque 0 inquerito policial pode iniciar, desenvolver-se e ser concluido sem a interven~ao do juiz. Ele nao e um sujeito necessa­rio na fase pre-processual e sera chamado quando a excepcionalidade do ate exigir a autoriza~ao ou controle jurisdicional.

Sem embargo, existem quatro aspectos que julgamos problematicos e que serao analisados a continua~ao. Sao eles:

• 0 problema da preyen~ao como criterio definidor da competencia; • a tendencia de algumas leis atuais em colocar 0 juiz na posi~ao de

investigador; • a ausencia de uma fase intermediaria e os perigos que en cerra uma

denuncia irnediata, sem previa investiga~ao e oitiva do sujeito pas­siva;

• 0 recebimento da acusa~ao sem a devida fundamenta~ao.

B) CRiTICAS A PREVEN~AO COMO CRITERIO DEFINIDOR DA COMPETENCIA

Como vimos, cabe ao juiz 'criminal decidir sobre aqueles incidentes do inquerito pOlicial que necessitam previa autoriza~ao judicial ou ainda como argao de contrale da legalidade destes atos. Quando dois ou mais juizes forem igualmente competentes em razao da materia, pessoa e

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

, lugar, utilizaremos a preven~ao como criterio definidor. A teor do art. 83, sera competente 0 juiz prevenido, entendido como aquele que tiver ante­cedi do aos outros na pratica de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denuncia ou queixa.

Explica Espinola Filho:zS a preven~ao se veri fica pela antecedencia do conhecimento 'do caso'por um dos juizes competentes; para isso, nao se faz mister seja, perante 0 juiz, oferecida a queixa ou a denuncia; basta que, relativamente it infra~ao, ou a uma das infra~6es,- quando seja caso de conexao ou continencia, haja 0 juiz praticado qualquer ate de proces­so ou medida a ele'relativa. Destarte, as buscas e apreensoes, a decreta­~ao da prisao preventiva, a homologa~ao da pnsao em flagrante e as medi­das assecuratarias que tornam preventa a competencia. Desta forma, 0

juiz que eventualmente foi chamado a atuar como garante no inquerito policial, praferindo uma decisao interlocutaria, sera 0 prevento e cabera a ele receber a a~ao penal e presidir 0 processo.

Como argumento favoravel ao criterio da preven~ao como causa defi­nidora da competencia, aduz-se que melhor julga aquele juiz que ja teve um contato previo com a causa, que ja conhece a situa~ao e os atos pra­ticados, que dispos com antecipa~ao.

Mas a preven~ao possui diversos inconvenientes, que nos levam a questionar sua ado~ao e a sugerir que este criterio seja repensado.

A nosso juizo, deveria seruma causa de exclusao, pois determinar que 0 mesmo juiz que homologou uma prisao em flagrante ou decretou a prisao temporaria ou preventiva no curso do inquerito seja 0 que ira rece­ber e julgar a causa, nao e 0 melhor criterio. A preven~ao pode fulminar a principal garantia das partes no processo penal: 0 direito-a um juiz imparcial.

Como apontamos anteriormente, a imparcialidade do orgao jurisdicio­nal e um "principio supremo do processo"26 e, como tal, imprescindivel para 0 seu normal desenvolvimento e obten~ao do reparto judicial justo. Sobre a base da imparcialidade esta estruturado 0 processo como tipo heteronomo de reparto e, nas esclarecedoras palavras de Carnelutti,27 el juicio es un mecanismo delicado como un aparata de relojeria: basta cam, biar 10 posicion de una ruedecilla para que el mecanisma resulte desequi­librada e camprometido.

25 Codlgo de Processo Penal Bras/leiro Anotado, vol. II, p. 210. 26 A expressao e de ARAGONESES ALONSO, na obra Proceso y Derecho Procesal, p. 127. 21 Derecho Procesal Civil y Penal, p. 342.

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A impartia/idade fortalece a imparcia/idade, pois 0 nao ser parte contribui definitivamente para atuar com isen~ao de animo. Nesse senti· do, a estrutura triangular do processo judicial consagra um sistema de separa~ao do juiz em rela~ao as partes ativa e passiva, man tendo uma separa~ao organica entre ele e os orgaos privados ou publicos de acusa~ao ou defesa. Com isso, 0 juiz esta suprapartes, como um terceiro completa­mente alheio ao interesse discutido. Em sentido contrario, quando chama­do a realizar autenticos atos de parte ou ainda a decidir previamente, coloca-se em risco a garantia de imparcialidade.

Em excelente monografia sobre 0 tema, Oliva Santos28 destaca que a preven~ao (como causa de exclusao) deriva mais da natureza dasdecis6es que 0 juiz adota (como nas medidas cautelares) do que propriamente dos atos de reunir material ou estar em contato com as Fontes de prova. Na sintese do autor, 0 juiz que nao conhece a investiga~ao determinara siste­maticamente 0 que 0 promotor propuser ou examinani os autos para deci­dir segundo seu proprio criterio. Neste ultimo caso, se converteria em juiz prevenido, inapto para 0 processo e a senten~a. No primeiro caso, nao e necessario dizer que 0 rep roche e patente.

No mesmo sentido, decidiu. diversas vezes 0 Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), especial mente nos casos Piersack, de 1/10/1982, e de Cubber, de 26/10/1984. Para 0 TEDH, a atua~ao do juiz instrutor no tribunal sentenciador sup6e uma viola~ao do direito do juiz imparcial con' sagrado no art. 6.1 do Convenio para a Prote~ao dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, de 1950. Segundo 0 TEDH, a contamina~ao resultante da parcialidade pode Se/" fruto da falta de imparcialidade sub-

"jetiva ou objetiva. Desde 0 caso Piersack, de 1982, entende-se que a subjetiva alude a convic~ao pessoal do juiz concreto, que conhece de um determinado assunto e, deste modo, a sua falta de prejulgamentos. A objetiva diz respeito a se tal juiz encontra-se em uma situa~ao dotada de garantias bast antes para dissipar qualquer duvida razoavel acerca de sua parcialidade. Em ambos casos, a parcialidade cria a desconfian~a e a incerteza na comunidade e nas suas institui~6es. Nao basta estar subjeti­vamente protegido, e importante que se encontre em uma situa~ao juri­dica objetivamente imparcial.

A nosso ver, no processo penal brasileiro, 0 juiz prevenido, ainda que nao atue como um instrutor, inegavelmente tem comprometida sua impar­cialidade objetiva, entendida como aquela que deriva ndo do rela,do do juiz com as partes, mas sim de sua rela,do com 0 objeto do processo.

28 Jueces Imparciafes ... , ab. cit., pp. 81 e seguintes.

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Sistemas de Investiga,ao Preliminar no Processo Penal

Principalmente se levarmos em considera~ao que a preven~ao vem dada por um pre-julgamento que se realiza no curso da investiga~ao preliminar (como na ado~ao de medidas cautela res , busca e apreensao, autoriza~ao para interven~ao telefonica etc.).

Sao esses processos psicologicos interiores que levam a um pre-juizo sobre condutas e pessoas. 0 problema e definir se 0 juiz chamado a atuar no inquerito polieial tem condi~iies de proceder ao que se chama de uma ideia sobre a pequeno historia do processo, sem intensidade suficiente para condieionar, ainda que inconscientemente - e ainda que seja certei­ramente - a posi~ao de neutralidade interior que se exige para que come­ce e atue no processo.

Como aponta Oliva Santos,29 essas ideias pre-concebidas ate podem ser corretas - fruto de uma especial perspicacia e melhores qualidades intelectuais - mas inclusive nesse caso nao seria conveniente iniciar 0

processo penal com tal comprometimento subjetivo. Em sintese, partindo das decis6es do Tribunal Europeu de Direitos

Humanos, a maior parte dos paises europeus passou a considerar a preven­~ao como geradora de uma presun~ao absoluta de parcialidade. Isto e, 0

juiz prevenido ou prevento tem sua imparcialidade comprometida e nao pode participar do julgamento.

Indo ainda mais longe, 0 TEDH no caso "Castillo-Algar contra Espana" (STEDH de 28/10/1998), declarou vulnerado 0 direito a um juiz imparcial no fato de dois magistrados, que haviam formado parte de uma Sala que denegou um recurso interposto na fase pre-processual, tambem haverem participado do julgamento. Esses dois magistrados nao atuaram como juizes de instru~ao, mas apenas participaram do julgamento de um recur­so interposto contra uma decisao interlocutoria tomada no curso da ins­tru,ao preliminar pelo juiz instrutor. Isso bastou para que 0 TEDH enten­desse comprometida a imparcialidade desses dois juizes. E uma decisao recente, de enorme alcance e que certamente ocasionara importantes cam bios legislativos nos sistemas juridicos europeus.

Concluindo, entendemos que a preven,ao e sinonimo de pre-julga­mento, de comprometimento, de tal forma que gera uma fundada duvida sobre a imparcialidade praticar atos tipicamente investigatorios, ou mais bem proprios de um instrutor, Entre outras atividades ex officio, citamos a possibilidade de decretar a seqUestro de bens imoveis (art. 127), a busca e apreensao (art. 242) e a prisao preventiva (art. 311). Mas sao poucos os casas e mais bem refletem uma possibilidade legal do juiz sanar uma defi-

29 Jueces imparciales, ab. cit., pp. 30, 44 e seguintes.

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ciente atua~ao da policia para melhor instruir 0 feito. Inobstante, sem duvida que 0 controle sobre a deficiente atividade da policia cabe ao MP e nao ao juiz.

Infelizmente, com 0 passar dos anos, em vez de caminhar no sen­tido correto e mais logico, a legisla<;ao brasileira andou sofrendo algu­mas perigosas recaidas. Quando todos esperavam uma maior aproxima­<;ao do sistema acusatorio e uma atividade,mais intensa do MP na fase pre-processual, sucede todo 0 contnirio. Surgem leis como as que agorairemos analisar, que atribuem ao juiz atos tipicamente investiga­torios, policialescos ate,que claramente deveriam estara cargo da policia e do Ministerio Publico, e que por isso estao mals bern de, acor­do com 0 superado modelo de juiz instrutor do que com 0 esperado promotor investigador.

A situa<;ao e ainda mais grave quando verificamos que, na sistemati­ca brasileira, a preven<;ao e uma causa de defini<;ao da competencia e nao excluidora. 0 problema e concreto e diz respeito a primeira das garantias processuais: 0 direito a urn juiz imparcial. Se confrontarmos a posi<;ao do juiz nas Leis nO> 7.716/89, 9.034/95 e 9.296/96 com a figura do juiz ins­trutor, encontraremos similitudes tais que permitem afirmar que a sua imparcialidade esta comprometida. Senao vejamos:

Lei n2 7.716/89: 0 art. 20", § 32, permite que 0 juiz determine, ouvi­do 0 MP ou a pedido deste, ainda antes do inquerito policial, 0 recolhi­mento ou busca e apreensao de exemplares ou a cessa<;ao das transmis­saes radiofonicas ou televisivas. A critica vem dada pela possibilidade do juiz determinar de oficio a pratica de atos inerentes a atividade de inves­tiga<;ao, nao so pre-julgando, como se contaminando pela atua<;ao de ofi­cio, em autentica labor investlgat6ria.

Lei nO 9.034/95: ainda mais grave que 0 exemplo anterior, 0 art: 3° da Lei nO 9.034 determina que a diligencia de acesso a dados, documen­tos-e informa<;aes fiscais, bancarias, financeiras e eleitorais sera realiza­da pessoalmente pelo juiz, que fara lavrar auto circunstanciado da dili­gencia, relatando as informa<;aes colhidas oralmente e anexando copias autenticas dos documentos que-tiverem relevancia probatoria (tambem pessoalmente, art., 30, § 22). Ainda que a norma, em teoria, pretenda asse­gurar 0 sigilo de tais informa<;aes, nao cabe ao juiz praticar a diligencia, senao autorizar mediante solicita<;ao do Ministerio Publico e determinar 0

sigilo interno do ate e das informa<;aes obtidas. Dessa forma, sim, atuara como juiz e garantidor; do contrario, e uma perigosa aproxima<;ao a figu­ra do juiz instrutor, com a gravissima circunstancia de que a preven<;ao derivada da sua atividade investigadora nao sera uma causa de exclusao

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da Gompetencia (como deve ser no sistema de instru<;ao judicial), mas sim um criterio de determina<;ao. 0 resultado final'e 0 julgamento por um juiz parcial, que investigou e esta contaminado pela atividade desenvolvida e os pre-julganientos que realizou. No mesmo sentido, Magalhaes Gomes Filh0 30 aponta para a inadmissibilidade da "esdruxula figura do juiz inqui­sidor" em urn sistema ,acusatorio como pretende ser 0 nosso, realizando diligencias para a colheita de provas pessoalmente e sem a presen<;a das partes. Conclui afirmando a flagrante inconstitucionalidade do art. 32 di:!

, Lei nO 9,034195, que atribui essa fun~iio 00 magistrado, prescrevendo ainda que a resultado das diligiincias sera mantido em segredo, embora possa servir para a forma~iio do convencimento.

Lei n2 9.296/96: determina 0 art. 32 da referida lei que a intercep­ta<;ao das comunica<;6es telefonicas pod era ser determinada pelo juiz, de oficio ou a requerimento. Uma vez mais 0 problema se repete e 0 juiz deixa de ser a orgao suprapartes para ser investigador. 0 juiz deve man­ter-se alheio a este tipo de conduta, atuando quando solicitado. A neces­sidade de invoca<;ao - inercia jurisdicional - e a maior garantia da impar­cialidade, ademais fundamental para alcan<;ar-se 0 ideal do sistema acu­satorio e uma estrutura dialetica.

Entre os principais pilares do sistema acusatorio esta exatamente a clara distin<;ao entre as atividades de acusar 'e julgar. Partindo de uma visao garantista, e inegavel que a investiga<;ao e a pratica de atos como os acima citados configura, lato sensu, uma forma de acusa<;ao, pois representam pre-julgamentos de carater imputativo. Como vimos ante­riormente - ao tratar do sistema acusatorio -, ademais desta distin<;ao, e fundam'ental que 0 juiz mantenha-se como urn terceiro imparcial, alheio a labor de investiga<;ao e passiv~ no que se refere a coleta da prova, tanto de imputa<;ao como de descargo.

Como explica ,J. Goldschmidt,31 no modelo acusatorio 0 juiz limita-se a decidir, deixando a interposi<;ao de solicita<;6es e 0 recolhimento do material aqueles que perseguem interesses opostos, isto e, as partes. 0 procedimento penal se converte deste modo em um litigio e 0 exame do processado nao tern outro significado que o'de outorgar audiencia. Parte do enfoque de que a melhor forma de averiguar a verdade e realizar-se a justi<;a e deixar a invoca<;ao jurisdicional e a coleta do material probato­rio aqueles que perseguem interesses opostos e sustem opiniOes divergen-

10 Dlreito a Prova no Processo penal, pp; ?5 e segulntes, nota de rodape n.lli 39 e 46. 11 Problemas Juridlcos y Polfticos del Proceso Penal, pp. 69 e segulntes.

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tes. Deve·se descarregar 0 juiz de atividades inerentes as partes, para assegurar sua imparcialidade. Com isso, tam bern se manifesta respeito pela integridade do processado como cidadao.

A estrutura do processo penal como urn processo de partes e a base do sistema acusatorio, bern como umimperativo do moderno processo penal frente a atual estrutura social e politica do Estado. Assegura a imparcialidade e a tranqUilidade psicologica do juiz que ira sentenciar, garantindo 0 trato digno e respeitoso com 0 acusado, que deixa de ser urn mero objeto para'assumir sua posi<;ao de autentica parte passiva do pro­cesso penal. Tambem conduz a uma maior tranqUilidade social, pois evita eventuais abuses da prepotencia estatal que pod em manifestar-se na figu­ra do juiz "apaixonado" pelo resultado de sua labor investigadora e que, ao sentenciar, olvida-se dos principios basicos de justi<;a, pois tratou 0 sus­peito como condenado desde 0 inkio da investiga<;ao.

Por tudo isso, entendemos que os dispositivos citados representam urn retrocesso e vao de encontro ao sistema acusatorio e aos postulados do garantismo penal. Ademais, quando 0 juiz pratica Esses atos, esta rea­lizando pre-julgamentos de tal gravidade que, sem duvida, sua imparcia­lidade objetiva esta comprometida. E urn juiz parcial e como tal nao pode ser 0 mesmo que julgue a causa.

C) A AUSENCIA DE UMA FASE INTERMEDIARIA E as PERIGOS DA DENONCIA DIRETA

Outro dos graves problemas que possui 0 nosso processo penal - e insistimos nisso - e a ausencia de uma autentica fase intermediaria, que sirva de elo de liga<;ao entre as fases pre-processual e processual, atuan­do como urn juizo contraditorio de pn~-admissibilidade da acusa<;ao. Em outras palavras, falta uma audiencia contraditoria no momento do recebi­mento da denuncia que permita a defesa resistir ao exercicio da preten­sao acusatoria.

Algo similar ao que postulamos existe, timidamente, nos arts. 513 e seguintes do CPP, no procedimento especial para julgamento dos crimes de responsabilidade dos funcionarios publicos. Mas, ademais de restrito a unico procedimento, 0 modelo tambem nao e eficaz. Mais proxima esta a audiencia preliminar, mas limitada ao ambito de atua<;ao dos Juizados Especiais Criminais.

o perfodo intermediario caracteriza-se por ser uma audiencia con­traditoria, ante um juiz, que em alguns sistemas sera 0 mesmo que pre­sidira 0 processo, ao passo que em outros e um juiz distinto (as vezeso proprio instrutor). Nesta audiencia, formulara 0 Ministerio Publico ou 0

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Sistemas de Inyestiga~iio Preliminar no Processo Penal

particular (delitos privados) a respectiva acusa<;ao, que sera contradi­tada peladefesa. Ambas partes poderao inclusive aportar provas e ouvir testemunhas (numero reduzido), sem esquecer que se trata de uma cog­ni<;ao sumaria, restrita a verificar a probabilidade do fumus commissi delicti. Apos, cabera ao juiz realizar urn juizo de pre-admissibilidade da acusa<;ao, recebendo-a.ou determinando 0 arquivgmento. Predorninaa oralidade e a concentra<;ao dos atos, de modo que nao ha qualquer pre­juizo para a celeridade.

A situa<;ao e ainda mais grave e preocupante quando nos depara­mos com a possibilidade da denCmcia direta, sem previo inquerito, pois 0 sistema brasileiro considera a fase pre-processual como faculta­tiva. Como explicamos anteriormente, 0 problema nao est a no poder do MP em si mesmo, mas sim no fato de coexistir esse poder com a falta de uma fase intermediaria, que permita a defesa antes da admis­sao da denuncia.

A surpresa do processo imediato limita a defesa, gera 0 desequi­librio entre as partes e pode prestar-se a fins espurios, em que 0 pro­cesso penal e utilizado como instrumento de pressao e constrangi­mento. Ademais, os riscos de prosperar uma acusa<;ao infundada sao elevados. 0 processo penal possui um altissimo custo para 0 sujeito passiv~ e nao podemos aceitar que prospere de uma acusa<;ao inaudi­to et altera pars.

Em suma, ainda que intoleravel, 0 nosso sistema permite que alguem seja formalmente acusado e submetido ao processo penal sem ser previa­mente ouvido. Com isso, transfere-se a resp.onsabilidade para 0 juiz, que devera ser muito cauteloso ao decidir - fundamentadamente - sobre a admissao ou rejei<;ao de uma denuncia, que nao tenha por base um pro­cedimento previo, no qual tenha sido ouvido 0 sujeito passiv~ ,(:om as devi­das garantias.

D) 0 RECEBIMENTO DA ACUSA~AO SEM A DEVIDA FUNDAMENTA~AO,

o dever de motivar a decisao que recebe32 a acusa<;ao e outro aspec­to fundamental. Provavelmente, a ausencia da fase intermediaria tenha contribuido a que os jufzes e as partes deem pouca importancia a esse

32 Nos timitamos a decisao que recebe a denuncla ou quelxa porque e a era que afeta mais dire· tamente a falta de fundamentac;ao. Por ser excepcional, a rejeiC;ao e 0 nao·receblmento sao sempre motivados. Ademais, sao dedsoes que admitem recurso, ao contriirio da que recebe a acusac;ao, que e irrecorrivef (mas admite habeas corpus),

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momenta processual, os primeiros aceitando as denuncias e queixas com despachos formularios e sem a menor fundamenta~ao, e os segundos, ja cOnfOrrTlados com essa pratica e sem instrumentos processuais adequados, acabam tolerando e pactuando com a ilegalidade.

o dever de fundamentar as decisees judiciais e um dos pilares do pro­cesso penal garantista e esta consagrado expressamente no art. 93 , IX, da Constitui~ao, segundo 0 qual todos os julgamentos dos 6rgaos do Poder Judiciario serao publicos e fundamentadas todas as decis6es, sob pena de nulidade. E a motiva~ao que permitira avaliar se a racionalidade da deci­sao predominou sobre 0 poder.

o processo penal desenvolve-se dentro de um sistema escalonado, que leya a uma progressiva ou regressiva concre~ao dos elementos objeti­vos e subjetivos que sustentam a investiga~ao, mas nao e de sentido uni­co - progressiv~ - senao que tambem pode ser um juizo regressivo de cuI­pabilidade. Isto significa que 0 momenta de receber a acusa~ao e lima importante possibilidade do sujeito passiv~ reverter a marcha, demons­trando que nao existem indicios suficientes para justificar a situa~ao mais grave que supee a processo.

o recebimento da acusa~ao significa um grande passo no sentido da dimimji~ao do status libertatis do sujeito passivo e para isso devem exis­tir suficientes elementos e a devida fundamenta~ao judicial que permita o controle da racionalidade. 0 juizo de pre-admissibilidade da acusa~ao -assim chamado em contraste com a juizo definitiv~ de admissibilidade que sera realizado na senten~a - e a momenta em que a juiz deve decidir sabre a aberturaou nao do processo, considerando ainda que a processo penal e uma pena em si mesmo, que possui um elevado custo para a sujei­to passivo e que gera uma grave estigmatiza~ao social e juridica do sujei­to passivo. Tudo isso exige uma grande dose de responsabilidade do 6rgao jurisdicional, que somente e controlavel pela motiva~ao.

Outro aspecto importante e que nao existe fundamento juridico para a chamado in dubio pro societate e a unica presun~ao admitida no proces­so penal e a de inod~ncia. Nesta mesma linha de raciocinio, devemos des­tacar que a afirma~ao sobre a qual deve recair a decisao e aquela que vem feita na denuncia, apontando a autoria e a materialidade de um fato apa­rente mente delituoso. Logo, incumbe ao MP 0 onus total e intransferivel de demonstrar a provavel existencia do fum us commissi delicti afirmado. No mesmo sentido, Guarnieri33 afirma categoricamente que incumbe a 10

33 Las partes en e/ Proceso Penal, p. 305.

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

acusacion 10 prueba positiva, no solo de los hechos que constituyan el delito, sino tamb;en de la inexistencia de los que Ie excluyan.

A investiga~ao preliminar - inquerito policial - esta destinada a conhecer a fato em grau suficiente, para afirmar a sua existencia e auto­ria, isto e, probabilidade da materialidade e da autoria. Se nao atingir esse nivel - ficando na mera possibilidade - justificara 0 pedido de arqui­vamento (nao-processo) e como conseqUencia, nao devera ser exercida a a~ao penal. Se exercida, nao devera ser admitida. Tambem nao devera' conhecer profundamente da materia, pais a cogni~ao plena, destinada ao juizo de certeza, esta reservada it fase processual.

Par fim, destacamos que 0 mesmo raciocinio deve ser aplicado as deci­sees que determinam a ado~ao de uma medida cautelar (prisao preventiva, temporaria etc.) e que nao possuam 0 suficiente suporte de racionalidade, isto e, que nao venham devidamente fundamentadas (plano fatico e juridico). Como exemplo de falta de fundamenta~ao ha os despachos formularios de "Homologo a flagrante eis que formalmente perfeito. Mantenho a prisao para a manuten~ao da ordem publica" (au para assegurar a aplica~ao da lei penal etc.). Neste caso, a falta de motiva~ao fatica e juridica e tao grave quenao se pode falar em "deficiencia", mas sim em "inexistencia", pais sequer ingressa no mundo juridico (ausencia de suporte fatico/juridico suficiente).

Concluindo, e necessaria que a denuncia au queixa venha acompa­nhada de um minima de provas, mas suficientes para demonstrar a proba­bilidade do fumus commissi delicti e capazes'ae justificar 0 elevado custo que representa 0 processo penal. 0 6rgao jurisdicional devera - par expressa disposi~ao constitucional - valorar esses elementos e fundamen­tar a sua decisao, permitindo 0 controle da racionalidade do ato. Do con­trario, sera 0 habeas corpus 0 remedio legal adequado para fazer cessar a coa~ao que representa 0 processo, par possuir um defeito de origem e ser manifestamente infundado;

, V. OBJETO E SUA L1MITAC;:AO

Como vimos anteriormente, 0 objeto da investigac;:ao preliminar e a fato constante na notitia criminis, isto e, a fum us commissi delicti que da origem it investiga~ao e sabre a qual recai a totalidade dos atos desenvol­vidos nessa fase. Toda a investiga~ao esta centrad a em esclarecer, em grau de verossimilitude, a fato e a autoria, sendo que esta ultima (autoria) e um elemento subjetivo acidental da noticia-crime. Nao e necessario que seja previamente atribuida a urna pessoa determinada. A atividade de

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Destarte, a objeto do inquerito policial sen\. a fato (au fatos) constan­te na noticia-crime au que resultar do conhecimento adquirido atraves da' investiga~ao de oficio da policia. No que'se refere ao quanta de conheci­mento (cognitio) do toto devera ser alcan~ado no inquerito, 0 modelo bra­sileiro adota a chamado sistema misto, estando limitado qualitativamen'­te e tam bern no tempo de dura~ao.

A) liMITA~AO QUALITATIVA

o inquerito policial serve - essencialmente - para averiguar e com­provar as fatos constantes na notitia criminis. Neste sentido, a poder do Estado de averiguar as condutas que revistam a aparencia de delito Ii uma atividade que prepara 0 exercicfo da pretensi'io acusat6ria que sera pos­teriormente exercida no processo penal.

t importante recordar que, para a instaura~ao do inquerito poli­cial, basta a mera possibilidade de que exista urn fato punivel. A pro­pria autoria nao necessita ser conhecida no inicio da investiga~ao. Sem embargo, para 0 exercicio da a~ao penal e a sua admissibilidade deve existir urn maior grau de conhecimento: exige-se a probabilfdade de que 0 acusado seja autor (co-autor ou participe) de urn fato aparente­mente punivel.

Logo, 0 inquerito polieial nasce da mera possibilidade, mas almeja a probabilidade.

Para atingir esse objetivo, 0 IP tern seu campo ,de cogni~ao limitado. No plano horizontal, esta limitado a demonstrar a probabilidade da exis­tencia do fato aparentemente punivel e a auto ria, co-autoria ou participa­~ao do sujeito passiv~. Esta restri~ao recai sobre 0 campo probatorio, isto e, os dados acerca da situa~ao fatica descrita na notitia criminis. 0 que se busca e averiguar e comprovar 0 fato em grau de probabilidade. A antite­se sera a certeza fatica, a verdade absoluta do fato, que deve ser reserva­da para a cogni~ao JJlenaria da fase processual e valorada na senten~a.

No plano vertical esta 0 direito, isto e, os elementos juridicos refe­rentes it existencia do crime vistos a partir do seu conceito formal (fato tipieo, ilicito e cUlpavel). 0 IP deve demonstrar a tipicidade, ailicitude e a culpabilidade aparente, tambem em grau de probabilidade. A antitese sera a certeza sobre todos esses elementos e esta reservada para a fase processual.

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Sistemas de Investiga~iio Preliminar no Processo Penal

o inquerito policial nao e obrigatorio e podera ser dispensado sem­pre que a noticia-crime dirigida ao MP disponha de suficientes elemen­tos para a imediata propositura da a~ao penal. Da mesma forma, se com a representa~ao (art. 39, § SQ, do CPP) forem aportados dados suficien­tes para acusar, 0 MP devera prop~r a denuncia no prazo de 15 dias. Isso porque 0 IP esta destinado apenas a formar a convic~aodo MP, que podera acusar desde que disponha de suficientes elementos para demonstrar a probabilidade do delito e da autoria. 0 problema, de ordem pratica, esta na efetividade da sumariedade, que e sistematica­mente negada pel a policia, que investiga ate que ela entenda provado o fato, quando na verdade a convic~ao deve partir do titular da a~ao penal. Ademais, 0 fato nao deve.,star "provado", senao demonstrado em grau de probabilidade. '

Uma das maiores criticas que se faz ao IP e a repeti~ao na produ~ao da prova. 0 inquerito policial e normativamente sumario, inclusive com limita~ao quantitativa ou temporal, mas 0 que sucede na pratica e que ele se transform a de fato em plenario. Esta conversao - de normativamente sumario em etetivamente plenario - e uma gravissima degenera~ao. A policia demora excessivamente em investigar, investiga mal e, por atuar mal, acaba por alongar excessivamente a investiga~ao. 0 resultado final e urn inquerito inchado, com atos que somente deveriam ser produzidos em juizo, e que por isso desborda os limites que 0 justificam,

Parte da culpa vern dada pela rna valoraqao dos atos realizados, pois se' real mente fossem considerados meros atas de investigaqi'io, nao have­ria justificativa em estender uma atividade que esgota sua eficacia no ofe­recimento da aqao penal. 0 problema nasce no momenta em que 0 inque­rito acompanha e integra os autos do processo e passa a ser valorado na sentenqa, ainda que sob a formula de "cotejado com a prova judicial" . Este equivocado entendimento do valor probatorio dos atos do inquerito e mais uma causa justificadora da dilaqao da investigaqao.

Em sum a, a cogni~ao deve ser limitada. Atingido urn grau de con­vencimento tal que 0 promotor possa oferecer a denuncia com suficien­tes elementos - probabilidade do fum us commissi delicti - ele devera determinar a conclusao do inquerito e exercer a aqao penal. Ou entao, nao se chega ao grau de probabilidade exigido para a admissao da acu­saqao e a unica alternativa e 0 pedido de arquivamento. A necessaria sumariedade e mais urn argumento que justifica 0 controle externo da atividade policial e a presidencia da investiga~ao por parte do Ministerio Publico.

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B) L1MITA~AO TEMPORAL

l'Iormativamente, 0 IP e celere, tendo em vista a limita~ao temporal que the e imposta pela lei. Adotando 0 sistema misto, 0 direito brasileiro limita 0 inquerito pOlicial tanto qualitativamente como tambem quantita­tivamente.

E importante clestacar que nao assiste a policia judiciaria 0 poder de. esgotar os prazos previstos para a conclusao do IP, principal mente exis-

, tindo uma prisao cautelar. 0 inquerito devera ser concluido com a maior brevidade possivel e, em todo caso, dentro do prazo·legal. Ademais, con­forme determina 0 art. 7.5 doPacto de Sao Jose da Costa Rica - CADH, toda pessoa tem direito a liberdade '" e a ser julgada dentro de um prazo razodvel ou a ser posto em liberdade, sem prejuizo de que prossi­ga 0 processo.

Como regra geral, 0 inquerito policial deve ser concluido no prazo de 10 dias - indiciado preso - ou 30 dias no caso de nao existir prisao cau­telar (art. 10 do CPP). Esse prazo de 10 dias sera computado a partir do momenta do ingresso em prisao, pois 0 que se pretende limitar e que a prisao se prolongue alem dos 10 dias.

Quando 0 sujeito passivo estiver em liberdade, atendendo a comple­xidade do caso (dificil elucida~ao), 0 prazo de 30 dias podera ser prorro­gada a criterio do juiz competente para 0 processo (art. 10, § 30, do CPP), desde que existam motivos razoaveis para isso. 0 que nao se pode admi­tir, como destaca Espinola Filho,34 e que a dilata~ao fique ao arbitrio ou criterio da autoridade policial.

A lei e clara e exige a concorrencia de dois fatores: fato de dificil elu­cidac;ao + indiciado solto. Por consegUinte, a complexidade do fato nao justifica a prorroga~ao do IP quando 0 indiciado estiver preso.

Nos processos de competencia da Justi~a Federal, preve 0 art. 66 da Lei nO 5.010/66 que 0 prazo deconclusao do IP quando 0 sujeito passiv~ estiver em prisao sera de 15 dias - prorrogaveis par mais 15. Nesse caso, a policia devera apresentar 0 preso ao juiz e a decisao judicial devera ser fundamen­tada, levando-se em considera~ao a gravidade da medida adotada. Mantem­se 0 limite de 30 dias quando 0 sujeito passivo estiver em liberdade.

Nos delitos de trafico de entorpecentes, a Lei nO 6.368176 determina que a dura~ao do IP sera, em caso de prisao, 5 dias (art. 21) ou de 10 dias

34 C6digo de Processo Penal Brasilelro AnotadoJ vol. I, p. 297.

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Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

na situa~ao prevista no art. 35, paragrafo unico. Estando 0 sUjeito passiv~ em liberdade, 0 prazo para conclusao do IP sera de 30 dias (art. 21, § 10).

A problematica Lei nO 8.072/90: ela preve, no seu art. 22, § 32, que a prisao temporaria tera 0 prazo de 30 dias, prorrogavel por igual periodo em caso de extrema e comprovada necessidade. Nada disp6e sobre 0

prazo de dura~ao doinquerito policial. Por isso, devemds analisar 0 tema a partir do fundamento da existencia da prisao temporaria, pois ela serve pa:ra "possibilitar". as investiga~6es do inquerito policial. Tem um claro carater instrumental em rela~ao ao IP, nao podendo subsistir uma prisao desta natureza apes 0 oferecimento da denuncia. Por isso, sua dura~ao e curta, 5 dias prorrogavel por igual periodo em caso de extrema e com pro­vada necessidade.

Conjugando esses elementos, identifica-se mais uma grave medida criada pela hedionda nO Lei 8.072: um inquerito policial, com indiciado preso, cuja dura~ao pode ser de 30 dias ou mais. Ainda que a lei preveja a possibilidade de prorroga~ao por igual periodo, entendemos que na pra­tica ela jamais deveria ocorrer. 0 prazo inicial ja e excessivamente longo, muito alem do necessario para que a policia realize as diligencias impres­cindiveis que exijam a prisao do imputado. E inegavel que, ocorrendo uma excepcionalissima situa~ao de "extrema e comprovada necessidade", 0 MP (ou a policia) devera solicitar uma prisao preventiva, cabendo ao juiz decidir de forma fundamentada.

Caso decida pela prisao, imediatamente 0 preso deve ser trasladado da respectiva delegacia para 0 estabelecimento prisional adequado, nao ficando mais a disposi~ao da policia e das suas praticas investigaterias. Tambem e prudencial que 0 MP solicite ao juiz fixar um prazo exiguo para a conclusao do IP ou mesmo a sua imediata conclusao e remessa.

Neste sentido, 0 art. 52 da CADH proibe 0 trato cruel, desumano ou degradante que pode representar medida desta natureza, ademais de assegurar 0 direito de toda pessoa a ser julgada dentro de um prazo razoa­vel ou a ser posta em liberdade (art. 7.5).

Para concluir, destacamos que tambem neste tema 0 problema entre normatividade e efetividade e patente. A regra geral e 6 descumprimento sistematico dos prazos. Na pratica, estando 0 sujeito passiv~ em liberdade, os prazos para a conclusao IP nao sao obedecidos e nao raras vezes chegam ao MP ja prescritos pela pen a in abstrato. Antes do advento da Lei n2 9.099/95, a situa~ao era ainda mais grave, pois a grande maioria dos deli­tos leves, especialmente os culposos de transito, prescreviam antes do ofe­recimento da denuncia. Existindo uma prisao cautelar, no dia subseqUente ao termino do prazo para a conclusao do IP, essa prisao passa a ser ilegal.

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o habeas corpus pode restituir a liberdade, mas nao impiie a conclusao do IP. Tampouco a concessao da liberdade sera uma tarefa facil, pois em mui· tos Tribunais predomina a entendimento de que 0 excesso de prazo da pri­sao deve computar·se de forma global e nao isolada (fase a fase).

VI. ANALISE DOS ATOS DO INQUERITO POLICIAL

A) ATOS DE INICJA(;:AO

o inquerito policial tem sua origem na notitia criminis ou mesmo na atividade de oficio dos orgaos encarregados da seguran~a publica. Formalmente, a IP inicia com um ate administrativo do delegado de poli­cia, que determina a sua instaura~ao atraves de uma portaria. Sem embargo, a relevancia esta 'no ate que da causa it portaria, que, em ulti· ma analise, carece de importancia juridica. Par isso, dispiie 0 art. 5Q do CPP que 0 IP sera iniciado:

a) De ofieio pela propria autoridade policial

A propria autoridade policial, em cuja jurisdi~ao territorial ocorreu 0

delito que the compete averiguar em razao da materia, tem 0 deverde agir de ofieio, instaurando 0 inquerito policial. E uma verdadeira inquisi­ti ex officio. A chamada cogni~ao direta pode surgir, como aponta Aragoneses Alonso;35

• par informa~ao reservada; • em virtu de da situa~ao de flagrancia; • par meio da voz publica; • atraves da notoriedade do fato.

Na realidade, excetuando·se a flagrante, sao raros os casas de self-star­ter da polieia, que em geral so atua mediante invoca~ao. Como explicam Figueiredo Dias e Costa Andrade,36 a Estado, seja par meio da polieia, do Ministerio Publico au dos orgaos jurisdicionais (juiz de instru~ao), nao atua em regra pelo sistema de self-starter, mas sim atraves deuma rea~ao a uma notitia criminis. Para ilustrar essa realidade, segundo dados fornecidos pelos autores, nos Estados Unidos e Alemanha, calcula·se que a inicio das investi­ga~6es depende, em cerca de 85% a 95%, da iniciativa dos particulares.

3S lnstituciones de Derecho Procesal Penal, p. 230. 36 Crlminologia, p. 133.

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Sistemas de Investiga~o Prelimina, no Processo Penal <;~i~~

b) Requisi~ao do Ministerio Publico (ou orgao jurisdicional)

Quando chega ao conhecimento de algum destes orgaos a pratica de um deli to de a~ao penal publica ou se depreende dos autos de um proces· so em andamento a existi1mcia de indicios da pratica de, uma infra~ao penal de natureza publica, a autoridade devera diligenciarpara sua apu-' ra~ao. Decorre do dever dos orgaos publicos de contribuir para a persegui· ~ao de delitos dessa natureza.

Em sendo a possuidor da informa~ao um orgao jurisdicional, devera enviar as autos au papeis diretamente ao Mjnisterio Publico (art. 40) para que decida se exerce imediatamente a a~ao penal, requisita a instaura~ao do IP ou mesmo solicita 0 arquivamento (art. 28). A Constitui~ao, ao esta­belecer a titularidade exclusiva da a~ao penal publica, esvaziou em parte o conteudo do artigo em tela. Nao cabe 'ao juiz iniciar a processo ou mesmo a inquerito (ainda que atraves da requisi~ao), nao so porque a a~ao penal publica e de titularidade exclusiva do MP, mas tambem porque e um imperativo do sistema acusatorio.

Inclusive, quando a representa~ao' e feita ao juiz - art. 39, § ~ -,

entendemos que ele nao devera remeter it autoridade policial, mas sim ao MP. Nao so porque e a titular da a~ao penal, mas porque a proprio § 5Q do art. 39 permite que 0 MP dispense a IP quando a representa~ao viersuficien' temente instruida e quem deve decidir sobre isso e 0 promotor e nao a juiz.

Em definitivo, nao cabe ao juiz requisitar a instaura~ao do IP, em nenhum caso. Mesmo quando 0 delito for, aparentemente, de a~ao penal privada ou condicionada, devera 0 juiz remeter ao MP, para que este soli· cite 0 arquivamento ou providencie a representa~ao necessaria para 0

exercicio da a~ao penal. Se for 0 proprio MP quem tome conhecimento da existencia do deli­

to, devera exercer a a~ao penal no prazo legal, requisitar a instaura~ao do IP ou solicitar 0 arquivamento. Quem deve decidir sobre a necessidade de diligencias (e quais) e a titular da a~ao penal, que paden) considerar· se suficientemente instrufdo para a imediato oferecimento da denuncia. Tudo isso sem esquecer que a proprio MP podera instaurar urn procedimen· to administrativo pre'processual destinado a aclarar as pontos que julgue necessarios, prescindindo da atua~ao policial.

Em sentido estrito, a requisi~ao e uma modalidade de notfcia·crime qualificada, tendo em vista a especial condi~ao do sujeito ativo e a impe­ratividade, pais da notieia de um acontecimento com possivel relevitncia juridico-penal e determina a sua apura~ao.

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Como aponta Espinola Filho,37 ainda muito antes da Constitui~ao falar em controle externo da atividade policial, e de toda evidencia que, rece­bendo requisi~ao dos argaos da Justi~a, para abertura de um inquerito, a autoridade polidal cumpre dar-Ihe imediata satisfa~ao, sem se justificar qualquer dilvida, pois a po/icia nao cabe discutir determina,iies judiciarias.

Por fim, os requisitos previstos no art. 52, II, § 12, nao se aplicam a requisi~ao, mas somente ao requerimento do of en dido. Sem embargo, por imposi~ao logica, a requisi~ao devera descrever 0 fato aparentemente delituoso a ser investigado, cabendo ao' promotor indicar aqueles elemen­tos que ja possui e que possam facilitar 0 trabalho policial. Nada obsta a que 0 MP reserve-se 0 poder de nao informar aquilo que julgar desneces­salio ou mesmo que nao deva ser informado a policia para nao prejudicar o exito da investiga~ao (principalmente quando 0 segredo for imprescindi­vel e existir a possibilidade de publici dade abusiva por parte da policia ou que, pela natureza do fato, a reserva de informa~ao esteja justificada).

c) Requelimento do of en dido (delitos de a~ao penal publica incondicionada)

E uma noticia-crime qualificada, pois exige uma especial condi~ao do sujeito (ser 0 of en dido), que, ademais de comunicar a ocorrencia de urn fato aparentemente punivel, requer que a autoridade policial diligencie no sentido de apura-lo.

No sistema adotado.pelo CPI', nos delitos de a~ao penal publica, a fllse pre-processual esta nas maos da policia e a a~ao penal com 0

Ministerio Publico. Sem embargo, cabe a vitima atuar em caso de inercia dos orgaos oficiais, da seguinte forma:

• requerendo a abertura do IP se a autoridade policial nao 0 instau­rar de ofieio ou mediante a comunica~ao de qualquer pessoa;

• exercer a a~ao penal privada subsidiaria da publica em caso de iner­cia do Ministerio Publico (art. 52, LlX, da CB c/c art. 29 do CPP).

Ao lade desses mecanismos de impulso em caso de inercia, a vitima podera acompanhar a atividade dos orgaos publicos da seguinte forma:

37 C6digo de Processo Penal Brasileiro Anotado; vol. I, p. 277.

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Sistel)1as de Investiga9io Preliminar no Processo Penal

• solicitando diligencias no curso do inquerito (art. 14), que poderao ser realizadas ou nao a juizo da autolidade policial,38 bem como facilitan­do dados, documentos e objetos que possam contlibuir para 0 exito da investiga~ao;

• no processo, habilitando-se como assistente da acusa~ao e desta forma propondo meios de prova, requerendo perguntas as testemunhas, aditando 0 libelo e os articulados, participando do debate oral e arrazoan­do os recursos interpostos pelo MP ou por ele proprio, nos termos dos arts. 268 e seguintes do CPP.

o art. 52, II, § 12, enumera determinados requisitos que contera -sempre que possivel - 0 requerimento. 0 primeiro e de ordem logica, pois necessariamente deve descrever um fato, ainda que nao 0 fa~a "com todas as circunstancias", ate porque um dos fundamentos da exis­tencia do inquerito policial, como instru~ao preliminar, e apurar as cir­cunstancias do fato.

A letra b refere-se a indica~ao da autoria, cabendo ao of en dido faci­litar a policia os dados que possua e fundamentar sua suspeita. Mas tam­pouco e imprescindivel, pois outra das fun~6es do IP e exatamente a sua determina~ao.

A nomea~ao das testemunhas corn dados que permitam identificii-las, sendo desnecessario indicar a profissao. 0 que pretende a lei e que 0 of en­dido indique dados quer permitam a autoridade identificar e contatar as testemunhas. Tampouco podera ser indefelido 0 requelimento por falta de indica~ao de testemunhas. Em sintese, 0 que deve ficar claro e que se trata de um delito de a~ao penal publica e que a policia tern a obliga~ao de apurar, seja atraves do conhecimento de oficio, atraves de notieia­crime realizada pela vitima ou por qualquer pessoa.

Para atender aos requisitos legais, 0 requelimento devera ser feito por escrito e firmado pela vitima ou seu representante legal, ate porque a falsa comunica~ao ou imputa~ao contida no requelimento podera confi-gurar 0 delito do art. 340 ou do art. 339 do CP. .

Nao existe urn prazo fixado em lei, mas devera ser feita antes da prescri~ao pela pena abstratamente cominada.

38 Em caso de indeferimento, podera 0 of en dido relterar 0 pedido junto ao MP. Se 0 promotor con­cordar com os motlvos alegados, ira requisitar a autorldade pollcial, que necessaria mente deve­ra cumprlr com 0 requerido, pais nao existe poder dlscrlcional do delegado ante urn requerl­menta do MP.

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Preve 0 § 2Q do art. 52 que do despacho que indeferir 0 requerimen· to de abertura do inquerito policial cabera "recurso" para 0 chefe de polio cia. E, um recurso inominado, de carater administrativo e de pouca ou nenhuma eficacia. Vislumbramos outras duas alternativas:

• impetrar um Mandado de Seguran~a contra 0 ate do delegado; • levar ilO conhecimento do Ministerio Publico, oferecendo·lhe todos

os dados disponiveis, nos termos do art. 27. Especialmente na segunda op~ao, qui~a a melhor, se 0 MP insistir no

sentido do arquivamento das pe~as de informa~ao, nada mais podera ser feito. Poden\ sim repetir 0 pedido de abertura se surgirem novos elemen­tos que possam justificar uma mudan~a de opiniao.

d) Comunica~ao oral ou escrita de delito de a~ao penal publica

E a tipica noticia-crime, em que qualquer pessoa, sem um interesse juridico especifico, comunica a autoridade policial a ocorrencia de um fato aparentemente punivel. Inclusive a vitima poden\ fazer essa noticia­crime simples, quando comunica 0 fato sem formalizar um requerimento. o IP so mente poden\ formalmente ser instaurado se for um delito de a~ao penal publica ea autoridade policial verificar a procedencia das informa­~6es.Caso a comunica~ao tenha como objeto um deli to de a~ao penal pri-

, vada, nao tera eficacia juridica para dar origem ao inquerito policial, pois exige 0 art. 5Q

, § 52, que a vitima (ou quem tenha qualidade para repre­senta-la) apresente um requerimento,

No Brasil, a regra geral e a noticia-crime facultativa, pois aos cida­daos assiste uma faculdade e nao uma obriga~ao de denunciarem a pnlti­ca de um delito que tenham presenciado ou que sabem ter ocorrido. Em sentido oposto esta a noticia-crime obrigatoria,39 que no nosso sistema e uma exce~ao.

Como exemplos de noticia-crime obrigatoria, citamos 0 art. 66 da Lei n2 3.688/41, segundo 0 qual constitui a contraven~ao de omissao de comu­nicoC;ao de crime a ato de deixar de comunicar a autoridade competente

39 Em alguns paises, a regra geral e a noticia-crime obrigatoria, numa tentativa de alcan~ar 0 total enforcement atraves da obriga<;ao legal de todas os individuos noticiarem os Fatos delituosos que tenham presenciado au que ten ham conhecimento por outras Fontes de cogni<;ao .. Na Espanha, onde vigora 0 sistema de noticia-crlme obrigatoria, preve 0 art. 259 da lECrim que a pessoa que presenciar a prtWca de quafquer delfto publico esta obrigada a leva-fo imediata­mente ao conhecimento do Juiz de Instrur;ao, do MP ou da policla, no lugar mais proximo ao que se encontre, sob pena de incidir no delito prevlsto nO art. 450 do CPo Estao exduidos desta obriga<;ao os incapazes, conjuge do delinqGente, ascendentes, descendentes etc., previstos nos arts. 260 e 261 da lECrlm.

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Sistemas de Investiga!7io Preliminar no Processo Penal

crime de a~ao penal publica incondicionada de que teve conheCimento no exercicio de fun~ao publica. 0 inciso " do referido dispositivo preve a puni~ao de quem teve conhecimento, no exercicio da medicina ou de outra profissa,o sanitaria, de um crime de a~ao penal publica incondicio­nada e cuja comunica~ao nao exponha 0 cliente a procedimento penal.

Logo, a regra e que qualquer pessoa pode (faculdade e nao um dever) comunicar a ocorrencia de urn delito de a~~o penal publica, cabendo a policia verificar a procedencia da delotio criminis e instaurar 0 inquerito policial, que, uma vez iniciado, nao podera ser arquivado (salvo quando assim 0 requerer 0 MP ao juiz competente).

Ainda que nao possua forma ou qualquer requisito - salvo 0 de ser um delito de a~ao penal publica -, e importante documentar essa comu­nica~ao, reduzir a termo quando feita oralmente ou anexar ao inquerito 0

documento escrito que a materializou. Na policia, essa noticia-crime sim­ples assume a forma de Boletim ou Termo de Ocorrencia. Ademais de con­signar 0 fato e as suas circunstarcias, e importante, conforme 0 caso, questionar sobre os motivos quelevaram a realizar a noticia-crime, pois podem interessar a investiga~ao, principalmente quando motivada por vingan~a ou uma forma dissimulada de pressionar ou constranger.

A comunica~ao de um delito em que caiba a~ao penal publica tam­bem podera ser realizada diretamente ao MinisterioPllblico, a teor do art. 27, cabendo aopromotor decidir entre:

• oferecer a denuncia com base nos dados fornecidos; • em se tratando de um delito de a<;ao penal publica condicionada,

pod era oportunizar'° a vitima para que - querendo - a ofere~a, se nao for ela mesma quem noticia o'fato;

• instaurar um procedimento administrativo pre-processual de carater investigatorio, com 0 tim de apurar 0 fato e a autoria noticiada;

• requisitar a instaura~ao do inquerito policial; • solicitar 0 arquivamento.

Se a noticia do delito tiver como destinatario 0 orgao jurisdicional, devera este remete-la imediatamente ao MP, pois como vimos, nao cabe ao juiz requisitar a abertura do IP.

40 A representa<;ao e um ato juridico regfdo por criterlos de oportunldade e convenj(mcla de quem tem fegitlmidade e capacidade para realiza-Io. 0 MP podera - sem qualquer tlpo de pressao -dar oportunldade para que 0 of en didO, querendo, represente. Jamais podera exiglr. E pruden­te que comunique a sltua<;ao de pendemcia em que se encontra 0 proce:sso e 0 prazo legal dis­pon(vel para - querendo - representar.

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Quando falsa, a comunica~ao possui releviincia juridico·penal. Destarte, podera adequar-se it conduta descrita no art. 340 do CP aquele que der causa it instaura~ao do inquerito policial por meio de uma falsa comunica~ao de crime ou contraven~ao. Exige 0 tipo penal que 0 agente atue dolosamente, com plena conscientia da falsidade que comete.

Quando, ademais de comunicar a existencia de um delito, imputa·o a uma pessoa determinada, a delito sera a de denuncia~ao caluniosa (art. 339 do CP), exigindo a tipo penal a presen~a do dolo, pais deve imputar a conduta a uma pessoa determinada e que sabe ser inocente.

e) Representa~ao do of en dido nos delitos de a~ao penal publica condicionada

Quando se tratar de um delito de a~ao penal publica condicionada, a tear do art. 50, § 42, sequer poderia ser iniciado 0 IP sem a representa~ao da vitima.

A representa~ao, considerada como uma condi~ao de procedibilidade pela maior parte da doutrina, e na verdade uma noticia-crime qualifica­da. Isto porque exige uma especial qualidade do sujeito que a realiza. Ademais, ao mesmo tempo em que da noticia de ter sido of end ida par um delito, demonstra a inten~ao de que a Estado inicie a persegui~ao.

Vejamos agora a representa~ao numa analise sistematica:

Sujeito: a vitima au seu representante legal (conjuge, ascendente, descendente ou irmao). A representa~ao podera ser prestada atraves de procuradar com poderes especiais. Se 0 of end ida for maior de 18 anos e men or de 21, a representa~ao podenl. ser oferecida tanto par ele como por seu representante legal. Sem entrar na infindavel discussao sabre 0 alcan· ce da Sumula 594 do STF, destacamos apenas que, a nosso juizo, 0 prazo para a vitima que tem menos de 18 anos so devera ser computado a par·

. tir da data de seu 182 aniversario. Objeto: 0 objeto da representa~ao e 0 fato noticiado e a respectiva

autoriza~ao para que 0 Estado proceda contra 0 suposto autor. Nao e necessaria que a representa~ao venha instruida com prova plena da auto· ria e da materialidade, mas sim que sejam apresentadas informa~6es sufi­cientes para convencer que ha um crime a apurar. A propria indica~ao do autor nao e imprescindivel, pois uma das finalidades do IP e descobri-lo. Sem embargo, devera conter todas as informa~6es que possam servir para que a autoridade policial esclare~a 0 ocorrido.

Atos: a representa~ao esta sujeita a requisitos de ordem formal e devera serfeita obedecendo ao:

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

a') Lugar: podera ser oferecida ao juiz, ao orgao do MP ou it autoridade policial; No primeiro caso, 0 juiz devera encaminhar dire­tamente ao MP, que devera decidir entre denunciar, pediro arquiva· mento, investigar por si mesmo ou requisitar a instaura~ao do IP. Entendemos que 0 art. 39, § 42, do CPP nao se coaduna com os pode­res conferidos pela Constitui~ao de 1988, que outorga ao MP a titula-' ridade exclusiva da a~ao penal publica, ademais de poderes investi­gatorios e de controle externo da atividade policial, como apontamos anteriormente. Quando oferecida a representa~ao diretamente it policia, devera esta apurar a infra~ao penal apontada atraves do IP.

b') Tempo: 0 prazo para representar e decadencial de 6 meses, contados a partir da data em que 0 of en dido vier a saber quem e 0

autor do delito (art. 38). Por ser um prazo decadencial,nao pode ser interrompido ou suspenso. Realizada no prazolegal, sera irrelevante que a denuncia seja oferecida apos os 6 meses, pois 0 prazo decaden­cial esta atrelado exclusivamente II representa~ao e, uma vez reali­zada esta, nao se fala mais em decadencia. A representa~ao podera ser oferecida a qualquer dia e hora, junto it autoridade policial, e, . nos dias e horas uteis, ao juiz ou promotor.

c') Forma: a representa~ao e facu/tativa, cabendo ao of en dido valorar a oportunidade e a conveniencia da persecu~aopenal, pod en· do inclusive preferir a impunidade do agressor II difama,ao e hurYl'ilha­.~ao gerada pela publici dade do fato no curso do processo. Nao podera haver qualquer forma de pressao ou coa~ao para que a vitima repre­sente, pois deve ser um ate de livre manifesta~ao de vontade. 0 vicio de consentimento anula a representa~ao e leva it ilegitimidade ativa (falta a condi~ao legitimadora exigida pela lei) do MP para promover a a~ao penal. Podera ser prestada ora/mente ou por escrito. No primei' ro caso, sera reduzida a termo pela autoridade; no segundo, podera ser manuscrita ou datilografada, mas devera ter a firma reconhecida por autenticidade. Quando nao cumprir esse requisito legal, a autoridade que a recebeu devera intimar a vitima para que compare~a, querendo, a fim de representar oralmente (reduzindo-se a escrito). Outra solu­~ao, tendo em vista a tendencia em flexibilizar os requisitos formais da representa~ao, e solicitar a ratifica~ao no momenta em que a vitima for ouvida - desde que 0 fa~a antes de oferecida a denuncia.

A jurisprudencia amenizou muito a rigidez do disp.ositivo e atualmen­te entende·se que a mera noticia·crime ja e suficiente para implementar-

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se 0 requisito legal. Prevalece a doutrina da instrumentalidade das for­mas, com uma flexibiliza,ao dos requisitos formais. 41

Inclusive, como veremos no acordao a seguir, a propria legitimidade necessaria para a pratica do ato pode ser ampliada conforme as especiais circunstancias do fato. Assim decidiu a Segunda Turma do STF:42

PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA OS COSTUMES. ESTUPRO. MENOR ABANOONAOA. REPRESENTAC;J.O. COO. PENAL, ART. 225, § 12, I, § 22. I - A fina/idadE' da rE'prE'sE'ntac;iio,nas cri­mes cantra as Costumes, niio e acautelar os intE'resses do reu, mas os da of end ida e de sua familia, que podem preferir 0 siliindo ao estrepitus judicii. /I -Para que 0 Ministerio Publica se tome parte legitima para intentar a ac;iio penal, e sufidente que se manifeste pessoa de qualquer forma responsavel pelo menor, ainda que 0

menar niio resida em sua companhia. /11- No caso, a menar, menar abandanada, mantida em carcere privado, conseguiu se camunicar com uma senhora vizinha, em cuja residiincia pediu socarro e que fez a representaC;iio. Regular a representac;iio, que niia exige far­malidades maiores. Na hipotese, ademais, por se tratar de.menor abandonada, a miserabilidade Ii presumida. IV - H. C. indeferido.

Como muito bem aponta 0 acordao, a representa<;:ao - nao s6 nos delitos contra os costumes - existe para acautelar os interesses do ofen­dido e nao e uma formalidade de caniter garantista para 0 acusado. E uma das poucas garantias que possui a vitima no processo penal, pois, confor­me seus criterios de conveniencia e oportunidade, pode impedir que a persegui<;:ao estatal agrave ainda mais a sua situa<;:ao.

Por se tratar de um delito de natureza publica, ainda que a a<;:ao penalseja condicionada, havendo qualquer forma de concordancia do

41 Contudo, merece especial atent;ao 0 disposto no an:. 569 do CPP, pois a possibilidade de supri~ mento das omlss6es da denuncia, queixa ou representac;ao deve ser interpretada de forma res­tritiva. Neste sentido, explica TOURINHO FIlHO (Comentarios, vol. II, p. 253) que: As omis­soes a que se refere 0 texto sao apenas pequenos erros materiais, . como dia, local e hora do fato, correr;ao do nome ou qualificaf:ao do reu, da vitima, valor da res nas crimes contra a patri­mania. Quando a omissao se referir a outras condutas delituosas, 0 instrumento legal para emendar a inicial e 0 aditamento. Tratando-se de ac;ao penal privada, 0 suprimento da omissao da queixa podera ser feito a todo tempo. Quando a omissao referir-se a descrit;ao do fato deli­tivo au irregularidades no instrumento pracuratorio, devera ser san ada antes de esgotado 0 prazo decadencial.

4Z No HC-71378-MG, Relator Minlstro Marco Aurelio, ReI. p/ Acordao Mlnistro Carlos Velloso. Julgado no dla 2/8/1994, publicado no DJ de 20/4/1995.

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

of en dido, deve prevalecer 0 interesse publico de perseguir e punir. Oeste modo, e possivel afirmar que a manifesta<;:ao de vontade do of en dido deve ser interpretada de forma ampla quando 0 objetivo for autorizar a perse­gui<;.ao, e de forma estrita quando dirigidaa impedi-la.

Para 0 exercicio do direito de representa<;:ao basta a manifesta<;:ao de vontade do of en dido em querer ver apurado 0 fato apontado como deli­tuoso. Como decidiu 0 Tribunal de Al<;ada de Sao Paulo,43 niio se deve che­gar ao ponto da exigiinda de uma representac;iio com formalismo que a . propria legisla~ao persecutoria penal nao exige. Sabidamente, a Lei processual nao estabelece formula espedfica para a representaC;iio, basta que ela contenha a manifestac;iio de vontade do of end ida em querer ver apurado a fato apontado como delituoso, podendo ser escrita ou oral.

Ainda, no que se refere ao aspecto formal, 0 ST J44 firmou entendi­mento que, no crime de lesao corporal culposa, atingido pela vigencia da Lei nO 9.099/95, a representa<;:ao, como condi<;:ao de procedibilidade, prescinde de rigor formal. Dessa forma, 0 boletim de ocorrencia, lavrado por delegado de policia, supre a exigencia do art. 88 da citada lei, demonstrando a inten<;:ao da vitima de responsabilizar 0 autor do deli to (precedentes citados: RHC 7.706-SP; noSTF, HC 73.226-7. HC 7.771-SP, ReI. Min. Gilson Dipp, julgado em 3/1211998).

Havendo concurso de agentes, basta 0 envolvimento no fato noticia­do. Neste sentido decidiu 0 STF:45

REPRESENTAC;J.O - AC;J.O PENAL PUBLICA CONOICIONAOA -BAUZA SUBJETIVA. A interpreta~lio sistematica dos artigos 39 do Codigo de Processo Penal e 225 do Codigo Penal e conducente a concluir-se pela possibi/idade de a denuncia alcan~ar pessoa niio mencionada na representaC;iio. IndispensQvel e, tiio-somente, que esteja envolvida no mesmo fato motivador da inidativa do of en dido ou de quem 0 represente.

Por fim, se existe uma flexibiliza<;:ao da forma, 0 mesmo nao ocor­re com 0 prazo para 0 oferecimento da representa<;:ao, que e decaden­cial de 6 meses e nao sera suspenso ou interrompido pela abertura do inquerito.

43 RSE 1.110.957/9, Santos, lSi!. Camara, ReI. Juiz Fernando MataJlo, julgado no dia 25/2/1999. 44 Notlciado no Informatlvo do STJ, nQ 2, dezembro/1998. 45 HC n.ll. 77.356-RJ, ReI. Min. Marco Aurelio. Noticiado no Informativo 120 e ~2S-.

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f) Requerimento do of en dido nos delitos de a~ao penal privada

Nos delitos de a~ao penal privada, a titular da pretensao acusatoria nao e 0 MP, mas sim 0 particular, estando 0 jus ut procedatur nas maos do of en dido. Alguma doutrina, partindo da premissa equivocada de que 0

objeto do processo penal e a "direito de punir", fala em "substitui~ao" processual, considerando que na a~ao penal privada 0 of en dido exerce em nome proprio um direito alheio.

Partlndo da constru~ao dogmatica do objeto de J. Goldschmidt, entendemos que nos delitos de a~ao penal privada 0 particular e titular de uma PJetensao acusatoria e exerce 0 seu direito de a~ao, sem que exista delega~ao de poder ou substitui~ao processual. Em outras palavras, atua um direito proprio (0 de acusar) da mesma forma que 0 faz 0 Ministerio Publico nos delitos de a~ao penal publica.46

Apesar de titular da pretensao acusatoria, a of en dido nao pode pra­ticar atividades investigatorias de carater policial, nao so por limita~oes de ordem pessoal e material, senao porque 0 Estado avocou esse tipo de atua~ao, substituindo e impedindo a atividade de parte. Este impedimen­ta nao constitui um empecilho insuperavel, tendo em vista a propria natu­reza do delito e suas circunstancias, pois, em muitos casos, sem necessi­tar da interven~ao estatal, 0 of en dido tem condi~oes de produzir a prova necessaria para fundamentar a probabilidade do fumus commissi delicti e com isso dar inicio ao processo penal. Iniciado 0 processo, dispora do poder coercitivQ da autoridade jurisdicional para produzir a prova teste­munha, documental au tecnica que necessite para fundar a sua pretensao acusatoria.

Mas existem casos em que a of en dido nao possui a minima de prova necessario para justificar a exercicio da a~ao penal. Nestas situa~oes, a norma permite-lhe recorrer a estrutura estatal investigatoria, atraves do requerimento de abertura do inquerito policial.

o requerimento pode ser classificado como uma noticia-crime quali­ficada pelo especial interesse juridico que possui.o of en dido e pelo claro carater postulatorio.

Niio existe uma forma rigid a, mas devera ser escrito, dirigido a auto­ridade policial competente (razao da materia e lugar) e fi'rmado pelo pro­prio of en dido, seu representante legal (arts. 31 e 33) au por procurador com poderes especiais.

46 Sabre 0 tema, veja~se a excepcional obra do mestre GOLDSCHMIDT, Problemas Juridicos y Politicos del Proceso Penal.

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

Como determina o,art. 5', § 12 , a requerimento devera canter: a) a narra~ao do fato; com todas 'as circunstancias; b) a individualiza~ao do indiciado au seus sinais caracteristicos e as

razoes de convic~ao ou de presun~ao de ser ele a autor da infra­~ao, ou as motivos de impossibilidade de a fazer;

c) a nomea~ao das testemunhas, com indica~ao de sua profissao e resid€mcia. '

o primeiro requisito e de ordem logica, pais necessariamente deve descrever um fato, ainda que nao 0 fa~a "com todas as circunstancias ", ate porque se 0 of end ida dispusesse de tal informa~ao nao necessitaria do IP. Sem embargo sim deve informar tudo aquilo que conhe~a e que possa facilitar 0 trabalho da autoridade policial. Tambem e importante que 0

fato seja suficientemente descrito, permitindo que a autoridade polieial comprove que se trata realmente de um delito de a~ao penal privada, por­que podera ser, na verdade, um delito de a~ao penal publica. Neste caso, a requerimento sera recebido como noticia-crime e dara origem ao IP. Caso 0 delito exija a representa~ao do of end ida, este requisito ja estara cumprido pelo requerimento apresentado.

A letra b refere-se a indica~ao da autoria, cabendo ao of en dido facilitar a policia as dados que pOssua e fundamentar sua suspeita. Em geral, a delito submetido ao regime da a~ao penal privada, por atacar um bem personalissi­mo, permite a individualiza~ao do autor. A nosso ver e um erro falar em "indi­ciado" quando sequer foi instaurado 0 IP e ouvido 0 sujeito passivo. Melhor seria utilizar a expressao "suspeito" ou "suposto autor".47 Normativamente, e possivel que 0 requerimento omita - por desconhecimento - a indica~ao de um suposto autor do delito, cabendo a policia diligenciar no sentido de identifica-lo. No plano da efetividade, existe uma resistencia por parte da policia em realizar 0 IP para apurar este tipo de infra~ao, tendo em'vista a 'pouca gravidade e 0 bem juridico lesado. Par isso, sem a indica~ao de um sus­peito, dificilmente 0 requerimento prosperara como desejado.

Por fim, devera - sempre que possivel - nomear as testemunhas de que se pretenda a oitiva, com dados que permitam identifica-las, sen do desnecessario indicar a profissao.

47 0 dlreito espanhol utiliza a expressao presunto autor no sentldo de autar que se presume au supoe. Apos a farmalizac;ao da acusac;aa - sentido amplo - passara a ser "lmputadon, mas para Isso devem concorrer alguns pressupostos prllvios. No caso do inquerito polidal, existe a mais completa lncerteza sabre 0 momento exato em que alguem passa a ser considerado como indiciado. 0 problema sera tratado no Capitulo Intitulado "Situac;oes do Sujeito Passiv~ na Investigac;ao Preliminarn, ao qual remetemos 0 leltor.

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Se indeferido' pela autoridade policial, aplica-se 0 § 2Q do art. 5Q, cabendo "recurso" para 0 chefe de policia. E urn recurso ifiominado, de car;\ter administrativo e de pouca ou nenhuma eficacia.

Nao existe urn prazo definido para formular 0 requerimento, mas sim para 0 exerdcio da a~ao penal. Tendo sempre presente que 0 prazo para o ajuizamento da queixa e decadencial de 6 meses e como tal nao e inter­rompido ou suspenso pela instaura~ao do inqiJerito, sen do ci requerimen­to indeferido, devera 0 ofendido analisar se 0 melhor cami~ho nao e acu­dir diretamente ao Mandado de Seguran~a, ate porque nao necessita esgo-

, tar a via administrativa para utilizar 0 writ. Caso 0 problema seja a dila~ao da investiga~ao policial, 0 ofendido

devera estar atento para evitar a decadencia, inclusive ajuizando a quei­xa antes da conclusao do IP, juntando os elementos"(lue disp6em e postu­lando a posterior juntada da pe~a policial.

B) ATOS DE DESENVOLVIMENTO E DE CONCLUSAO DO JNQUERITO POLICIAL

Com base na noticia-crime, a policia judiciaria instaura 0 inquerito policial, isto e, 0 procedimento admihistrativo pre-processual. Para reali­zar 0 JP, praticara a polkia judiciaria uma serie de atos - art. 69- e seguin: tes do CPP - que de forma concatenada pretendem proporcionar elemen­tos de convie<;:ao para a forma~ao da opinio delicti do acusador.

o procedimento finalizar;\por meio de urn relat6rio (art. 10, §§ 12 e 2Q ),

atraves do qual 0 delegado de policia fara uma exposi~ao - impessoal - do que foi investigado, remetendo-o ao foro para ser distribuido. Acompanharao a JP os instrumentos utilizados para cometer 0 delito e todos os demais obje­tos que possam servir para a instru~ao definitiva (processual) e a jUlgamen­to. Tendo h'avido preven~ao, sera encaminhado para ao juiz correspondente. Recebido 0 JP pelo juiz, dara este vista ao MP. Uma vez mais, a tear do art. 129, J, da CB, 0 melhor seria que 0 inquerito Fosse distribuido diretamente ao Ministerio Publico.

Recebendo 0 JP, 0 promotor ,poden!: oferecer a denuncia; pedir 0

arquivamento; solicitar diligencias au realizar diligencias. Estando 0 JP suficientemente instruido, a promotor pod era com base

nele oferecer a denuncia no prazo legal (art. 46). No relatorio, nao e necessario que a autoridade policial tipifique 0 delito apontado, mas, se a fizer, essa classifica~ao legal nao vincula a promotor. Nem mesmo as conclus6es da autoridade policial vinculam a promotor, que pod era denun­ciar au pedir 0 arquivamento ainda que em sentido completamente con­trario ao que aponta a delegado.

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Uma vez iniciado formalmente 0 IP, a tear do art.17 do CPP, nao pode­n\ a autoridade policial arquiva-lo, pois nao possui competencia para isso. o arquiva,mento somente sera decretado por decisao do juiz a pedido do MP. Nao concordando com 0 pedido de arquivamento, cabera ao juiz apli­car 0 art. 28,48 enviando os autos ao Procurador Geral.

A decisao que decreta 0 arquiva:mento do IP nao transita 'em julgado. Neste sentido, a Sumula 524 do STF aC,ertadamente afirma que: Arquivado o inqUf?rito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justi,a, ndo pode a a,do penal ser iniciada sem novas provas. Destarte, a autoridade policial pode seguir investigando, a fim de obter novos ele­mentos de convic~ao capazes de justificar 0 exercicio da a~ao penal (art. 18). Mas nada impede que a MP solicite novamente 0 arquivamento.

o art. 16 do CPP disp6e que 0 Ministerio Publico ndo podera reque­rer a devolu,do do inquerito b autoridade policial, sendo para novas dili­gencias, imprescindiveis ao oferecimento da denuncia. Uma leitura cons­titucional do dispositivo processualleva-nos inegavelmente a conclusao de que, a teor dos diversos incisos do art. 129 da CB, em conjunto com as Leis nQ 75/93 e no 8.625/93, especial mente 0 disposto nos arts. 70 e 80 da pri­meira e 26 da segunda, 0 MP podera requisitar diretamente da autorida­de policial a pratica de novos atos de investiga~ao ou praticar ele mesmo os ato,s que julgue necessarios. Nao cabe ao juiz decidir sabre a "impres­cindibilidade" das diligencias e tampouco a sua pertinencia. Nem mesmo justifica-se a sua interven~ao neste momento, tendo em vista que 0 MP, ademais de titular da a~ao penal, podera determinar a instaura~ao do IP - 0 todo -, a pratica de diligencias ou mesmo prescindir do inquerito e instruir seu proprio procedimento.

Por fim, podera a MP optar por realizar ele mesmo aquelas diligen­cias que julgue imprescindiveis, pois, se possui poderes para instruir todo o procedimento pre-processual, com mais razao para praticar determina­das diligencias destinadas a complementar alP.

Nos delitos de a~ao penal privada, em que foi requerido e instaura­do 0 I P, uma vez concluido, as autos do inquerito serao remetidos para a juizo competente, ficando a disposi~ao do of end ida au mesmo entregues

46 A tear do que dissemos anteriormente ~obre as poderes do MP na fase pre-processuaJ, a mode-10 acusat6rio e 0 papel garantista do juiz no processo penal, seria aconselhavel urn cambia legislativo, pois a sistematica do art. 28 esta ultrapassada. Nao cabe ao juiz esse tipo de ativi­dade, quase recursal, como a prevista pela art, 28. 0 Ideal serla instituir uma fase intermedia­ria, com uma estrutura diah~tica, onde as posslveis interessados (sujeito passiv~ do IP e viti­rna) se rnanifestassem sabre 0 pedldo de arquivamento e dispusessem de uma via recursal adequada para impugnar a decisao oriunda desse pedldo.

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mediante traslado. Poden~ a MP solicitar vista do ·IP para avaliar se nao existe algum delito de a~ao penal publica e, se for a caso, oferecer a denuncia com base nesses elementos au solicitar novas diligencias, desde que destinadas a apurar urn delito de a~ao penal publica.

Ainda que a IP tenha sido instaurado, a of end ida nao esta obrigado a exercer a a~ao penal. Inclusive, urn dos motivos que pode te·lo levado a requerer a instaura~ao do procedimento policial pode ter sido exatamen­te a duvida (v.g., sabre a autoria), que, uma vez nao dirimida, impediria a exercicio da queixa. Nab e necessaria que a of end ida solicite a arquiva­mento, bastando deixar fluir a prazo decadencial. Sem embargo, tendo em vista a situa~ao de pendencia que cria e a stato di prolungata ansia que gera no sujeitD passivo (imputado), entendemos que a of en dido deve­ra, desde logo, oferecer a renuncia expressa.

E importante que 0 of en dido pelo delito e que tenha requerido a ins­taura~ao do IP seja diligente e nao utilize 0 inquerito como forma de coa- . ~ao ou para constranger 0 suposto agressor. Por isso, uma vez concluido 0

inquerito (desde que aponte a materialidade e a autoria), 0 of en dido devera exercer a queixa au desde logo renunciar expressamente ao exer­cicio da a~ao penal. Nao cabera a ele utilizar a tempo como urn instru­menta para causar a intranqliilidade do sujeito passivo da investiga~ao. Nao se pode permitir que 0 of en dido par urn delito de minima importan· cia abuse do seu direito de a~ao, para punir ao largo de 6 meses 6 supos· to autor. E inegavel que a IPgera, no minimo, uma intranqliilidade real e inequivoca para 0 sujeito passivo, que pode ser inclusive mais grave que a pen a eventualmente aplicavel ao caso. Em suma, nao pode 0 of en dido avocar-se um poder punitivo que nao the compete.

Por tudo isso, entendemos que, uma vez requerido a inquerito, apu­rados suficientemente 0 fato e a' autoria e nao exercida e tampouco renunciada a a~ao penal privada, caberia em tese uma a~ao de indeniza­~ao contra aquele que abusou do seu direito.

C) ESTRUTURA DOS ATOS DO INQUERITO POLICIAL

A estrutura do inquerito policial, no que se refere ao lugar, tempo e forma dos atos de investiga~ao e a seguinte:

a) Lugar

As normas processuais penais brasileiras sao inteiramente aplicaveis a todo a territorio nacional, conforme determina a art. 12 e ressalvados as

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Sistemas de Investiga,ao Preliminar no Processo Penal

casas previstos nos incisos do referido dispositivo. Especificamente no caso do inquerito policial, art. 42 do (PP, as ativ1dades da policia judicia­ria serao exercidas no territorio de suas respectivas circunscri~6es.

No inquerito pol1cial, a criterio para definir a competencia(atribui~ao policial) faz·se em razao da materia au pelo criteria territorial. Em razao da materia, deve-se considerar que a polieia judiciaria e exercida pela policia federal e pela polieia.civil, conforme a situa~ao que se apresente.

Pode-se afirmar que a policia federal incumbe, nos termos do art. 144, §- 10, da (B (competencia em razao da materia):

a) Apurar as infra~6es penais contra a ordem politica e social au em detrimento de bens, servi~os e interesses da Uniao au de suas enti­dades autarquicas e empresas publicas, assim como outras infra­~6es cuja pnitica tenha repercussao interestadual au internacional e exija repressao uniforme.

b) Prevenir e reprimir a tritfico ilicito de entorpecentes e drogas afins, a contrabando e a descaminho.

c) Exercer as fun~6es de policia maritima, aerea e de fronteiras. d) Exercer, com exclusividade, as fun~6es de policia judiciaria da Uniao.

Ademais, partindo do carater instrument<.itili<f;;irivestiga~ao prelimi­nar, podemos afirmar que, no que se refere a inateria;"o criteria adotado para definir a autoridade policial competente para investigar devera ser 0

mesmo que utilizaremos para definir a juiz competente para processar. Se . a inquerito policial e um instrumento preparatorio e a servi~o do proces­so, a logico e que se oriente pelos criterios de competencia processual. Par isso, se desde logo podemos identificar que se trata de urn crime de competencia da Justica Federal (art. 109 da (B), ~ deve investigar e it polieia federal.

A policia civil dos Estados atua comcarater residual, isto e, a ela incumbe a apura~ao das infra~6es penais que nao sejam de competencia da polieia federal e que nao sejam consideradas crimes militares (situa­~ao em que a inquerito policial militar sera conduzido pel a respectiva autoridade militar). Por exclusao, as polieias civis dos Estados correspon­de a apura~ao de todos as demais delitos.

Fora desses casas (Justi~a Federal e Militar), sera a polieia civil a encarregada de apurar a infra~ao penal. Dentro da polieia civil, ainda sera possivel encontrar setores especializados (roubos e furtos, homicidios, taxicos, crime organizado etc.), a quem, conforme as diretrizes internas, caben~ a apura~ao daquela especie de delito.

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A regra geral e que 0 inquerito seja realizado pela autoridade policial com competemcia em razao da materia e do lugar. Definida a competencia: em razao da materia, cabe agora estabelecer a competencia territorial.

o tema nao apresenta maior complexidade porque a competencia em razao dolugar e relativa e, nesta materia, eventuais irregularidades do IP nao contaminam 0 processo. Os atos sao praticados nas dependencias polio ciais, mas, alendendo as peculiaridades da instru~ao preliminar, muitos sao praticados no local do delito, na residencia do suspeito e em outros lugares que possam oferecer elementos que permitam esclarecer 0 fato. Por fim, nas comarcas em que houver mais de uma circunscri~ao policial, a autori· dade que preside 0 inquerito podera ordenar diligencias em circunscri,ao de outra, independentemente de precatarias ou requisi,6es (art. 22 do CPP).

b) Tempo

o fator tempo pode ser concebido em dois aspectos: • a habilidade do tempo (dias habeis para realizar os atos); e • a dura,ao do ato ou da fase procedimental.

Pela natureza dos atos praticados na investiga,ao preliminar e a necessidade de que sejam realizados no preciso momento em que se con· sidere necessario, conduz a eximir legalmente do requisito de realizar·se em dia e horas habeis.49 Neste senti do, 0 sistema brasileiro nao preve limi· ta,ao de hora ou dia para a pratica dos atos, ate porque os principais atos de investiga,ao sao realizados logo apos 0 descobrimento do delito (seja sabado, domingo, feriado, noite, madrugada etc.). Inobstante, 'de forma subsidiaria e na medida do possivel, deve ser seguido 0 criterio definido nos arts. 172 e seguintes do CPC, para que os atos sejam realizados em dias uteis (nao sao os domingos e os feriados declarados por lei, art. 175 do CPC), das 6h as 20h.

o fator tempo tambem esta relacionado com a dura,ao do inquerito e os instrumentos de limita,ao da cogni,ao. Preferimos analisar a durac;:ao do IP como instrumento de limita,ao da cogni~ao, junto com 0 objeto, ponto anteriormente exposto e ao qual remetemos 0 leitor.

Ademais, existem normas que disciplinam 0 tempo de determinados atos que integram 0 If>, como aqueles que limitam direitos fundamentais. Neste sentido, v. g., a busca domiciliar (art. 5Q, XI, da CBl, sem 0 consen· timento do morador, pode ser realizada durante 0 dia ou a noite, em caso

._49 ORTELLS RAMOS, Manuel. Derecho ]urisdiccional, III, p. 122.

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de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro. Fora desses casos, somente podera ser realizada durante 0 dia' e por determina~ao judicial (a noite nem com ordem judicial). Outro exemplo vem dado pela prisao em flagrante, que pode ser realizada a qualquer hora, mas tem sua durac;:ao limitada no tempo (24 horas).

c) Forma

o IP e facultativo para 0 MP, pois pode prescindirso dele, mas e obri· gatorio para a polieia judiciaria, que, ante uma infrac;:ao ou notieia·crime por delito de a~ao penal publica, esta obrigada a investigar e nao pod era arquivar 0 IP Uma vez instaurado.

Vige a forma escrita, e, nos termos do art. 90, todos os atos do IP devem ser reduzidos a escrito e documentados, pois tanto 0 MP como 0

juiz que recebe a acusa,ao tem Um contato indireto com 0 material reco· lhido na investi!l,£.,ao. A falta de imedia,ao sacrifica a oralidade .

o inquerito e secreta no plano externa e assim disp6e a art. 20 do CPP, devendo a polieia judiciaria assegurar 0 sigilo necessaria para escla· recer 0 fato. No plano interno, pode ser determinado 0 segredo interne parcial, impedindo que 0 sujeito passiv~ presencie determinados atos.

Sem embargo, 0 segredo interno nao alcan~a 0 defensor, isto e, 0

segredo interno pode ser parcial, mas nao total. Neste sentido, 0 art. 7Q,

XIV, da Lei nO 8.906/94 - Estatuto da Advocacia - assegura que 0 defen· sor pod era examinar em qualquer distrito policial, inclusive sem procura· ~ao, os autos da prisao em flagrante e do inquerito, acabado ou em tra· mite, ainda que conclusos a autoridade policial, podendo tirar capias' e tomar apontamentos.

o segredo externo e igualmente 0 interno parcial nao tem sua dura· ~ao e Ii mites estabelecidos na norma, dependendo da discricionariedade policial, 0 que, sem duvida, merece censura.

Por fim, destacamos que, a nosso juizo, 0 art. 21 do CPP esta revogado pelo art. 137, § 32 , IV, da CB, posto que, se esta vedada a incomunicabilida· de em uma situa~ao de excepcionalidade, com muito mais razao esta proibi· da a incomunicabilidade em uma situa,ao de normalidade constitucional.

so Neste sentido, entre outras, citamos a seguinte declsao do STF, noticlada no Informatlvo n.Q 111: EMENTA: Habeas corpus. A inexistencia de inquerito pOlicial nao impede a den uncia, se a Promotoria dfspoe de elementos suficientes para a formalizac;ao da demanda penal. Existencia, no caso, de indfcios suficientes para afastar a alegac;iw de (alta de justa causa para a denun­cia. Habeas corpus indeferido. He 70.991·5, Rei. Min. Moreira Alves.

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VII. VALOR PROBAT6RI0 DOS ATOS DO INQUERITO POLICIAL

A valorac;:ao probatoria dos atos praticados e elementos recolhidos no curso do inquerito policial e extremamente problematica. Por isso, antes de entrar no tema, analisaremos a doutrina que defende que "os atos do IP valem ate prova em contrario", recordaremos a fundamental distinc;:ao entre atos de prova e atos de investigac;ao e concluiremos com uma expo­sic;:ao sobre 0 valor que entendemos devani merecer os atos do IP.

A) A EQUIVOCADA PRESUN<;:AO DE VERACIDADE

Alguma doutrina aponta que·os atas do inqwirito policial valem ate prova em contrdrio, estabelecendo uma presunc;ao de veracidade nao prevista em lei. 0 art.12 do CPP estabelece que 0 IP acompanhar;1 a denuncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra. Qual 0 fun­damento de tal disposic;ao? Nao e atribuir valor probatorio aos atos do IP, todo 0 contrario. Por servir de base para a aC;ao penal, ele devera acom­panha-la para permitir 0 juizo de pre-admissibilidade da acusaC;ao. Nada mais do que isso. Servira para que 0 juiz decida pelo processo ou nao-pro­cesso, pois na fase processual sera formada a prova sobre a qual sera pro-ferida a sentenc;a. '.

Consideravel doutrina e jurisprudencia acabaram por criar, a nosso juizo equivocadamente, uma falsa presunC;ao: a de que os atos de investi­gaC;ao valem ate prova em contrario. ..

Esta presunc;ao de veracidade gera efeitos contrarios 11 propria natu­reza e razao de existir do IP, fulminando seu carater instrumentale suma-· rio: Tambem leva a que sejam admitidos no processo atos praticados em urn procedimento de natureza administrativa, secreto, nao contraditorio e sem exercicio de defesa. Na pratica, essa presuri~ao ·de veracidade difi­cilmente pode ser derrubada e parece haver sido criada em outro mundo, muito distinto da nossa realidade, em que as denuncias, coac;ao, tortura, maus· tratos, enfim, toda especie de prepotencia policial sao constante· mente noticiados. Se alguma presunc;ao deve ser estabelecida, e exata­mente no senti do oposto.

Inclusive, entendemos que qualquer juiz com urn mlnimo de bom senso desconsideraria totalmente a confissao realizada na policia, principalmente quando 0 sujeito passivo estava submetido ao regime de prisao cautelar. A coac;ao e patente e inegavel, autorizando inclusive a presumir-se.

Em suma, essa presunc;ao de veracidade - destacamos - nao tern amparo legal e possivelmente sua origem deriva de urn vicio historico.

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Sistemas d~ lnvestiga~ao Preliminar no Processo Penal

Antes da promulgac;:ao do atual CPP, alguns codigos estaduais - como 0

da Capital Federal, segundo aponta Espinola Fllh051 - previam que 0 inque­rito policial acompanharia a denuncia ou queixa, incorporando-se ao proces­so e· "merecendo valor ate prova em contr;lrio". Provavelmente esta aqui 0 vicio de origem dessa ranc;osa doutrina ejurisprudencia que seguiu afirman- . do esse valor aos atos do IP, quando 0 CPP nao mais 0 contemplava.

Claro esta, que se 0 legislador de 1941 quisesse conferir .aos atos do IP esse valor probatorio, teriafeito de formaexpressa, a exemplo da legis­lac;:ao anterior.

B) VERDADE FORMAL OU SUBSTANCIAL E A INSTRUMENTALIDADE GARANTISTA

Cumpre frisar que 0 moderno processo penal esta orientado pela ins­trumentalidade garantista. Esse aspecto real~a a importancia da adoc;ao do principio da v~dade formal e nao da verdade substancial, pois a ver­dade substancial, como explica Ferrajoli,52 ao ser perseguida fora das regras e controles e, sobretudo, de uma exata predeterminac;ao empirica das hipoteses de indagac;ao, degenera 0 juizo de valor, amplamente arbi­trario de fato, assim como 0 cognoscitivismo etico sobre 0 qual se emba­sa 0 substancialismo penal, e resulta inevitavelmente solidario com uma concepc;ao autoritaria e irracionalista do processo penal.

Em sentido oposto~ a verdade perseguida pelo modelo formalista como fundamento de uma condenaC;ao e, por sua vez, uma verdade fQrnial ou pro­cessual e so pode ser alcanc;ada mediante 0 respeito· das regras precisas e relativas aos fatos e circunstancias considerados como penalmente relevan­tes. Como explica Ferrajoli,53 a verdade processual nao pretende ser a verda­de. Nao e obtida mediante indagac;6es inquisitivas alheias ao objeto proces­sual, mas sim condicionada em si mesma pelo respeito aos procedimentos e garantias da defesa.Averdade formal· e mais controlada quanta ao metodo de aquisic;ao e mais reduzida quanta ao conteudo informativo que qualquer hipotetica verdade substancial. Esta limitaC;ao se manifesta em 4 sentidos:

• a tese acusatoria deve estar formulada segundo e conforme a norma; • a acusaC;ao deve estar corroborada pel a prova col hid a atraves de

tecnicas normativamente preestabelecidas; . • deve ser sempre uma verdade passivel de prova e oposic;:ao;

51 Codigo de Proce_sso Penal Brasife/ro Anotado, vol. I, p. 256. S2 FERRAJOLl, Luigi. Derecho y Razon, pp. 44 e seguintes. 53 FERRAJOLI, Luigi. Db. cit., pp. 44 e segulntes.

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a duvida, falta de acusa~ao ou de provas ritual mente formadas imp6em a prevalencia da presun~ao de inocencia e atribui~ao de falsidade formal ou processual as hipoteses acusatorias,

o valor do formalismo esta em presidir'normativamente a indaga~ao judicial, protegendo a liberdade dos individuos contra a introdu~ao de verdades substancialmente arbitrarias ou incontrolaveis, como as obtidas no inquerito policial.

o valor probatorio dos atos produzidos no processo esta justificado ,pelo rigor formal que oscaracteriza, uma exigencia de marcado carater garantista, 0 inqo~rito, como procedimento a cargo da policia e sem natu­reza processual, possui urn alto grau de liberdade da forma e por isso 0

valor probatorio deve ser limitadissimo, A conclusao logica e que, quanta maior e a liberdade da forma, menor e a garontia do sujeito passivo e menor deve ser a valor probatorio de tal ato,

Outro aspecto que refor~a nosso entendimento e a natureza instrumental da investiga~ao preliminar, Serve ela para - provisionalmente - reconstruir 0

fato e individualizar a conduta dos possiveis autores, permitindo assim 0 exer­cicio e a admissao da a~ao penaL No plano probatorio, 0 valor exaure-se com a admissao da den uncia, Servira sim para indicar os elementos que permitam produzir a prova em juizo, isto e, para a articula~ao dos meios de prova, Uma testemunha ouvida no inquerito eque aportou informa~6es uteis sera articulada ' como'meio de prova e, com a oitiva em juizo, produz uma prova, Em efeito, 0

inquerito filtra e aporta as Fontes de informa,ao Uteis, Sua importancia esta em dizer quem deve ser ouvido e nao 0 que foi declarado, A declara,ao valida e a que se produz em juizo e nao a contida no inquerito,

Em sintese, 0 CPP nao atribui nenhuma presun,ao de veracidade aos atos do JP, Todo 0 contrario, atendendo a sua natureza juridica e estl1Jtu­ra, esses atos praticados e os elementos obtidos na fase pre-processual devem acompanhar a a,ao penal apenas para justificar 0 recebimento ou nao da acusa,ao, E patente a fun,ao endoprocedimental' dos atos de investiga,ao, Na senten,a, so podem ser valorados os atos praticados no curso do processo penal, com plena observancia de todas as garantias.

C) DISTIN~iia ENTRE Mas DE PROVA E ATOS DE JNVESTIGA~iio

Como explica Ortels Ramos,'· uma mesma Fonte e meio pode gerar atos com naturezas juridicas distintas e, no que se refere a valora~ao

54 Na obra coJetlva Derecho Jurisdlcciona/ - Proceso Penal, vol. III, pp. 151 e seguintes. Tambem no artigo "Eficacia probatoria del acto de investigacion sumarial, Estudio de los articufos 730 y 714 de fa LECrim", in ReviSta de Oerecho Procesaf Iberoamericana, ano 1982, ~ 2~3, pp. 365 a 427.

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-' Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

juridica, podem ser divididos em dois grupos: atQs de prova e atos de investiga~ao.

Sobre os atos de prova, podemos afirmar que: a) estao dirigidos a convencer 0 juiz da verdade de uma afirma~ao; b) estao a servi,o do processo e integram 0 processo penal; c) dirigem-se a formar urn juizQ de certeza - tutela de seguran,a; d) servem a senten~a; , e) exigem estrita observancia da publicidade, contradi~ao e imedia~ao; f) sao praticados ante 0 juiz que julgara 0 processo,

Substancialmente distintQs, os atos de investiga~ao (instru,ao preli­minar):

a) nao se referem a uma afirma,ao, mas a uma hipotese; b) estao a servi~o da investiga~ao preliminar, isto e, da fase pre-pro­

cessual e para 0 cumprimento de seus objetivos; c) servem para formar urn juizo de probabilidade e nao de certeza; d) nao exigem estrita observancia da publici dade, contradi,ao e ime­

dia~ao, pois pod em ser restringidas; e) servem para a forma,ao da opinio delicti do acusador; f) nao estao destinados a senten,a, mas a demonstrar a probabilida­

de do fumus commissi delicti para justificar 0 processo (recebi­mento da a,ao penal) ou 0 nao-processo (arquivamento);

g) tambem servem de fundamento para decis6es interlocut6rias de imputa,ao (indiciamento) e ado,ao de medidas cautelares pes­soais, reais ou outras restri~6es de carater provisional;

h) podem ser praticados pelo Ministerio Publico ou pela Policia Ju­diciaria.

Partindo desta distin,ao, conclui-se facilmente que 0 JP somente gera atos de investiga,ao e, como tais, de limitado valor probatorio. Seria urn contra-senso outorgar maior valor a uma atividade realizada por urn orgao administrativo, muitas vezes sem nenhum contraditorio ou possibilidade de defesa e ainda sob 0 manto do segredo.

D) 0 VALOR PROBATORIO DO JNQUERITO POLICIAL

Como regra geral, pode-se afirmar que 0 valor dos elementos coligi­dos no curso do inquerito policial somente servem para fundamentar medidas de natureza endoprocedimental (cautelares etc.) e, no momento da admissao da acusa~ao, para justificar 0 processo ou 0 nao-processo (arquivamento).

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Tambem se imp6e esta conelusao se considerarmos que e inviilVel pretender transferir para 0 inquerito policial a estrutura dialetica do pro­cesso e suas garantias plenas, da mesma forma que nao se pode tolerar uma condena~ao baseada em urn procedimento sem as minimas garantias. Como equacionar 0 problema? Valorando adequadamente os atos do inque­rito policial e, nas situa~6es excepcionais, em que a repeti~ao em juizo seja impossivel, transferindo-se a estrutura dialetica do processo a fase pre-processual atraves do incidente de produ~ao antecipada de provas.

Seguindo os fundamentos anteriormente expostos, os elementos for­necidos pelo inquerito policial tern 0 valor de meros utes de investfga~iio, nao servindo para justificar urn juizo condenatorio.

Sem embargo, devemos destacar que, apesar de "informativo", os atos do inquerito servem de base para restringir a liberdade pessoal (atraves das pris6es cautelares) e a disponibilidade de bens (medidas cautelares reais, como 0 arresto, seqliestro etc.). Ora, se com base nos elementos do inquerito a juiz pode decidir sabre a liberdade e a disponi­bilidade de bens de uma pessoa, fica patente sua importancia! Ademais, par utilitarismo judicial e ate mesmo contamina~ao inconsciente do julga­dar, as atos do inquerito pod em adquirir uma transcendencia valorativa incompativel com sua natureza. Outra situa~ao importante e a urgencia e a impossibilidade de repeti~ao de urn ate que, em regra, e repetivel, v.. g., uma prova testemunhal.

Vejamos agora os problemas que pod em suscitar estas questoes.

a) Valor das provas repetiveis: meros atos de investiga~ao

o inquerito policial somente pode gerar 0 que anteriormente elassi­ficamos como atos de investiga~iio e esta limita~ao de eficacia esta justi­ficada pela forma mediante a qual sao praticados, em uma estrutura tipi­camente inquisitiva, representada pelo segredo, a forma esc rita e a ausencia ou excessiva limita~ao do contraditorio. Oestarte, par nao obser­var as incisos LIII, LlV, LV e LVI do art. 52 e a inciso IX do art. 93 da nossa Constitui,ao, bern como 0 art. 8Q da CAOH, a inquerito policial jamais pod era gerar elementos de convk,a.o valoraveis na senten,a para justifi-car uma eondena,ao. .

Ademais, e absolutamente inconcebivel que os atos praticados por uma autoridade administrativa, sem a interven,ao do orgao jurisdkional, tenham valor probat6rio na senten,a. Nao s6 nao foram praticados ante 0

juiz, senao que simbolizam a inquisi,ao do acusador, pais 0 contradit6rio e meramente aparente e muitas vezes absolutamente inexistente. Oa mesma

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forma, a igualdade sequer e um ideal pretendido, muito pelo contrario, de todas as formas se busca acentuar a ·vantagem do acusador publico.

Nao e necessario maior esfon;:o para coneluir que 0 IP carece das garantias minimas para que seus atos sirvam mais clem do juizo provisio­nal e de verossimilitude necessario para adotar medidas cautelares e deci­dir sobre a abertura ou nao do processo penal. Como explica Tovo,55 as provas repetiveis ou renovciveis, enquanto inquisitoriais, tern valor mera­mente informativo - os chamados utes de investiga~iio ~, nao podendo servir de base ou sequer apoiar subsidiariamente 0 veredicto condenat6-rio, mas nada impede que sirvam de alicerce ao veredicto absolut6rio.

As provas renovaveis, como a testemunhal, acarea,6es, reconheci­mentos etc. devem, para ingressarem no mundo dos elementos valoraveis na senten,a, n·ecessariamente ser produzidas na fase processual, na pre­sen~ado juiz, da defesa e da acusa,ao, com plena observancia dos crite­rios de forma que regem a produ,ao da prova no processo penal.

Eventualmente, poder-se-ia argumentar que deveriam os atos de investiga,ao servir para a senten,a, podendo, assim, justificar uma con­dena~ao, sob pena de esterilizar a ordenamento processual penal e sub­ministrar, na pratica, uma patente impunidade, ignorando as direitos da sociedade. 56 Essa nao e a nossa opiniao, mas nem par isso podemos deixar de enfrentar a critica. E uma discussao que se situa no conflito entre a estrita observilncia das garontias constitucionais e a etieacia da repressilo Q criminalidade. Ou ainda, em outros termos, se a sacrificio dos meios jus­tificaria as fins. A resposta vem dada par Ferrajoli,57 de que, na jurisdi­~iio, a tim nunea Justitiea os meios, dado que os meios, isto e, as regros e as tormas, siio as garontias da verdade e da liberdade, e como tais, tem . valor para os momentos diticeis, mais que para as fdceis; em cilmblo. a tim nilo e jd a exito a todo custo sobre 0 inimigo, senilo a verdade pro­cessual, obtida s6 por seu meio e pre-julgada par seu abandono.

Todos as elementos de convic,aoproduzidosl obtidos no inquerito policial e que se pretenda valorar na senten,a, devem ser, necessariamen­te, repetidos na fase processual. Para aqueles que par sua natureza sejam irrepetiveis au que a tempo possa tornar imprestaveis, existe a produ~ilo antecipada de provas.

55 "Democratizal;ao do inquerito policial", in Estudos de Direito Processual Penal, vol. 11, pp. 201 e seguintes.

S6 LADRON DE GUEVARA, Juan Burgos. EI Valor Probatorio de las Diligencias Sumariales en eJ Proceso Penal Espano/, p. 196.

57 Derecho y Razon, p. 830.

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Com essas duas possibilidades - repeti,ao e produ,ao antecipada da prova - 0 argumento da impunidade fica esvaziado, meramente retorico. Por rep'eti,ao entendemos a nova realiza,ao ou declara,ao de algo que ja se disse ou se fez. A repeti,ao exige que a pessoa que originariamente pra· tiCDU 0 ate volte a realiza·lo da mesma forma. No sentido processual, somente pode ser admitida a repeti,ao - v. g. - de uma prova testemu· nhal quando a testemunha volte a declarar sobre 0 mesmo fato, isto e, deve estar presente 0 trinomio mesmo pessoo, sobre 0 mesmo objeto e praticondo 0 mesmo oto em sentido fisico.

Nao configura repeti,ao a mera leitura do testemunho anteriormen­te realizado, seja pelo juiz ou pel as partes. Isto e reprodu,ao e nao repe­ti,ao. A (mica forma habil de ser valorada pela senten,a e a que permita o acesso do juiz e das partes, mediante urn contato direto, com a pessoa e 0 conteudo de suas declara,oes. Logo, somente por meio da repeti,ao podem ser observados os principios constitucionais referentes ao tema. Isto significa, em ultima analise, chamar novamente a mesma pessoa, para que pratique 0 mesmo ato, sobre 0, mesmo tema e ante 0 orgao jurisdicio, nal e as partes processuais.

A unica reprodu,ao processualmente valida e aquela que deriva de uma produ,ao antecipada de provas, ou seja, quando na fase processual e lido ou reproduzido em video ou aparelho de audio 0 depoimento presta­do na fase pre-processua!. Isto porque a produ,ao antecipada esta justifi­cada pelos indicios de provdvel perecimento e cercada de todas as garan­tias de jurisdicionalidade, imedia,ao, contraditorio e defesa,

Tampouco pode ser considerada repeti,ao a ratifica,ao do depoimen­to anteriormente prestado. A testemunha nao so deve comparecer senao que deve declarar de forma efetiva sobre 0 fato, permitindo a plena cog­nitio do juiz e das partes, ademais de permitir identificar eventuais con­tradi,oes entre as versoes anterior e atua!. A oralidade garante a imedia­,ao e Humina 0 julgador, que, com 0 contato direto, dispoe de todo um campo de rea,oes fisicas imprescindiveis para 0 ate de valorar e julgar. 0 ato de confirmar 0 anteriormente dito, sem efetivamente declarar, impe' de alcan,ar os fins inerentes ao ato. A ratifica,ao ou retifica,ao deve ser aferida ao final, apos a declara,ao integral, pelo confronto com a ante­rior. 0 simples fato de dizer "ratifico 0 anteriormente alegado" e, em sin­tese, urn nada juridico.

Com isso, podemos afirmar que 0 inquerito policial somente gera otos de investigo,ao, com uma fun,ao endoprocedimental, no sentido de que sua eficacia probatoria e limitada, interna a fase. Servem para fundamen­tar as decisoes interlocutorias tomadas no seu curso (como fundamentar 0

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

pedido de prisao temporaria ou preventiva) e para fundamentar a proba· bilidade do fumus commissi delicti que justificara 0 processo ou 0 nao' processo.

b) Provas nao-repetiveis: necessidade do incidente de produ,ao antecipada de provas

As provas nao-repetiveis ou nao-renovdveis sao aquelas que, por sua propria natureza, tern que Ser realizadas ,no momenta do seu descobri­mento, sob pena de perecimento ou impossibHidade de posterior analise. Na grande maioria dos casos, trata-sede provas tecnicas que devem ser praticadas no curso do inquerito policial e cuja realiza,ao nao pode seT deixada para urn momento ulterior, ja na fase processua!.

Pela impossibilidade de repeti,ao em iguais condi,oes, tais provas deveriam ser colhidos pelo menos sob 0 egide do omplo defesa (Isto e, na presen,a fiscolizonte qa defesa tecnico) posto que sao provas definitivas e, via de regra, incriminatorias (exemplos: exome de corpo de deli to, apreensao de substuncia toxica em poder do autor do fatop8 Neste sen­tido, e importante permitir a manifesta,ao da defesa, para postula,ao de outras provas; solicitar determinado tipo de anillise ou de meios;, bern como formular quesitos aos peritos, cuja resposta seja pertinente para 0

esclarecimento do fato ou da autoria. o incidente de produ,ao antecipada da prova e uma forma de juris­

dicionalizar a atividade probatoria no curso do inquerito, at raves da pra· tica do ato, ante uma autoridade jurisdicional e com plena observancia do contraditorio e do direito de defesa. A publici dade ou ausencia de segre­do externo poderia ser limitada atendendo as especiais caracteristicas do ato, tendo em vista 0 mom en to em que se realiza e 0 interesse em evitar prejuizos para a investiga,ao e a prematura estigmatiza,ao social do sujeito passivo.

Em regra, a prova testemunhal (bern como acarea,oes e reconheci­mentos) pode ser repetida em juizo e, na pratica, e em torno deste tipo de prova que gira a instru,ao definitiva, Excepcionalmente, frente ao risco de perecimento e 0 grave prejuizo que significa a perda irreparavel

SB TOVO, Paulo Claudio. "Democratizat;ao do Inquerito Policial", in Estudos de Dire/to Processua/ Penal, vol. II, pp. 201 e seguintes. 0 autor tambem aponta para as provas prontas, como aque­las que estao acabadas mesmo antes da lnstaurat;ao de qualquer persecut;ao penal, de modo que nao hi! como exigir - quanta a sua format;ao - a observancia do contraditorio e da defe­

sa tecnica.

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de algum dos elementos recolhidos no inquerito policial, 0 processo penal instrumentaliza uma forma de colher antecipadamente esta prova, atra. YeS de um incidente: produ~ao antecipada de prova. Significa que aquele elemento que normalmente seria produzido como mero ate de investiga­~aa e posteriormente repetido em juizo para ter valor de prova podera ser realizado um'a so vez, na fase pre-processual, e com tais requisitos formais queJhe permitam ter 0 status de ata de prova, e dizer, valoravel na sen­ten~a ainda que nao colhido na fase processual.

No CPP, a incidente de produ~ao antecipada de provas esta parca­mente disciplinado no art. 225 e necessita urgentemente ser revisado. Poderiamos recorrer ao instituto da justifica~ao, do processo civil (arts. 846 a 851 do CPC), mas isso representaria uma perigosa analogia, sem atender as categorias j uridicas proprias do processo penal.

o incidente de produ~ao antecipada da prova somente po de ser admitido em casas extremos, em que se demonstra a fundada probabili­dade de que sera inviavel a posterior repeti~ao na fase processual da prova. Ademais, para justifica-lo, deve estar demonstrada a relevancia da prova para a decisao da causa. Em sintese, sao requisitos basicos:

a) relevancia e imprescindibilidade do seu conteudo para a senten~a; b) impossibilidade de sua repeti~ao na fase processual, am parada par

indicios razoaveis do provavel perecimento daprova. Presentes os requisitos, a incidente deve ser praticado com a mais

est rita observancia do contraditorio e direito de defesa, logo:s9 a) em audiencia publica, salvo a segredo justificado pelo controle

ordinaria da publicidade dos atos processuais; b) a ato sera presidido par um orgao jurisdicional; c) n,a presen~a dos sujeitos (futuras partes) e seus respectivos defensores; d) 'sujeitando-se ao disposto para a produ~ao da prova em juizo, au

sej a, com os mesmos requisitos formais que deveria obedecer a ato se realizado na fase processual;

e) deve permitir 0 mesmo grau de interven~ao a que teria direito 0

sujeito passivo se praticada no processo.

Destarte, desde a ponto de vista do sujeito passiv~; esta garantido 0

contraditorio e direito de defesa, de modo que a pratica antecipada da prova nao sup6e, em principio, nenhum prejuizo.

59 Em alguns pontos nos baseamos em Vegas Torres, Presuncion de Inocencia y Prueba en el Proceso Penal, pp. 96 e segulntes.

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

No caso da prova testemunhal, e importante que ela seja tielmente reproduzida, utilizando-se para isso as melhores meios disponiveis, espe­cialmente a filmagem e a grava~ao. Diante da impossibilidade de repetir, a reproduc;ao deve ser a melhor possivel.

Concluindo, a produ~ao antecipada da prova deve ser considerada uma medida excepcional, justificada par sua relevancia e impossibilidade de repeti~ao em juizo. A nosso juizo, a unica, forma de valorar na senten~ ~a candenatoria um ato do inquerito desta natureza, sem que tenha sido repetido em juizo, e atraves da produ~ao antecipada, que opera c'omo um instrumento para jurisdicionalizar g conceder-lheQ status de ate de prova. Resumindo, a produ~ao antecipada de provas tem sua eficacia con­dicionada aos requisitos minimos de jurisdicionalidade, contradit6rio, possibilidade de defesa e fiel reprodu~ao na fase processual.

c) Contamina~ao consciente ou inconsciente do julgador e a necessidade da exclusao fisica das pe~as do inquerito policial '

Mesmo que se diga que os atos do inquerito nao podem ser objeto de valorac;ao para justificar uma condenac;ao, existe um grave perigo de con­taminac;ao (consciente ou inconsciente) do julgador, que deriva do fato do IP acompanhar a acusac;ao eintegrar os autos do processo.

Nao menos grave esta a versao dissimu(ada, que and a muito em yoga, de "condenar com base na prova judicial cotejada com a do inquerito". Na verdade, essa formula juridica deve ser lida da seguinte forma: nao existe prova no processo para sustentar a condenaC;ao, de modo que YOU socorrer-me do que esta no inquerito. 1550 e violar a garantia da verdade processual.

Tampouco e dificil encontrar decisoes baseadas, pasmem, na contis­sao pOlicial cotejada com uma parca prova judicial. Como aponta Magalhaes Gomes Filho,60 nem sempre a repulsa a confissao obtida in tor­mentis e incisiva, como deveria ser. "Mesmo admitindo que e essa a siste­matica coativa dos inquisidores policiais,61 a jurisprudencia tende a acei-

60 Direito a Prova no Processo Penal, pp. 115 e seguintes. 61 Cita 0 autor uma express\va ementa de acordao do Tribunal de Ah;ada Criminal de Sao Paulo

na Ap. 35.377, ReI. Carlos Ortiz: Niio se discute que a confissao extrajudicial possa alicert;ar a condenar;ao do confitente, desde que harmonica com os demais elementos de conv/o;ao car­reados para os autos. Mas, se essa confissao permanecer iso/ada, sem razo;3vel subsfdio pro­batorio, temerario seria nefa assentar decreto condenatOrio, de vez que nao se desconhece a sistematica coativa dos inquisidores policiais, com algumas excec;oes aftamente honrosas, v. RT 436:382-3, 1972 .

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tar a prova, se confirmada por outros elementos, especialmente a apreen­sao da res furtiva; em certos casos, chegou-se mesmo a assentar que eventuais maus-tratos impostos ao reu nao infirmam 0 valor proban­te da confissao que as demais elementas de convic~iio demons tram ter side veraz" _ 62 Em suma, ja se chegou ao absurdo de aceitar a confissao policial obtida sob tortura como prova valida para candenar cotejando com os demais elementos.

Claro esta que so a prova judicial e valida, pois 0 que se pretende nao e a verdade material - obtida a qualquer custo -, mas sim a formalmen­te valida, produzida no curso do processo penal_ au ha prova suficiente no processo para condenar eo veredicto deve ser esse, ou permanece a duvi­da, e a absolvi<;:ao e 0 unico caminho. Recordemos que a duvida, falta de acusa<;:ao ou de provas ritualmente formadas impoem a prevalencia da presun<;:ao de inocencia e atribui<;:ao de falsidade formal ou processual as hipoteses acusatorias.

Ainda mais grave e a situa<;:ao que se produz diariamente no Tribunal do Juri, em que os jurados julgam por livre convencimento, com base em qualquer elemento conti do nos autos do processo (incluindo-se nele 0

inquerito), sem distinguir entre ate de investiga<;:ao e ate de prova. A situa<;:ao e ainda mais preocupante se considerarmos que na grande maio­ria dos jUlgamentos n110 e produzida nenhuma prova em plen<lrio,63 mas apenas e ,realizada a mera leitura de pe<;:as.

Com isso, verifica-se que na pratica 0 inquerito policial pode ter rele­vancia no convencimento dos juizes e dos jurados. Pellegrini Grinover 64 aponta duas razoes para esse fen6meno:

em primeiro lugar, porque quem realiza 0 juizo de pre-admissibilida­de da acusa<;:ao e 0 mesmo juiz que proferira a senten<;:a no proces­so (exceto no caso do Juri);

em segundo lugar, porque os autos do inquerito sao anexados ao pro­cesso e assim acabam influenciando direta ou indiretamente no convencimento do j uiz.

62 0 destaque e nosso. 0 trecho em negrito, citado por Magalhaes Gomes Alho, foi extraido de um acordao do Tribunal de Alc;ada Criminal de Sao Paulo, Ap, Crim, 44.124, j. 18/3/1965, rei. Azevedo Franceschini, Julgados do Tribunal de AI~ada de Sao Paulo, 1:3, 1967,

63 Exce«;ao feita ao interrogatorio do acusado, que decorre de uma imposi~ao legal. Mas tampou­co 0 interrogatorio deve ser considerado urn puro ato de prova, senao ffiais bern de defesa e de prova, com claro predominjo do primeiro carater.

64 "Influencia do Codigo-Modelo de Processo Penal para Ibero-America na LegJsla930 Latino­Americana. Convergencias e Dissonancias com os Sistemas Italiano e BrasileJro", in 0 Processo em Evolu~ao, p. 239. -

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a primeiro problema esta intimamente relacionado com a auseocia de Uma verdadeira fase intermediaria e ja foi objeto de critica anterior­mente. Sem duvida e imprescindivel instaurar uma fase intermediilria con­traditoria, presidida par urn juiz distinto daquele que ira sentenciar. Este juiz poderia ser aquele que denominamos .de juiz garante do investiga,ao preliminar, ou seja, aquele que atua na instru<;:ao preliminar para autori­zar ou denegar a pratica das medidas que limitem direitos fundamentais. Sempre recordando que 0 juiz garante ou de garantias nao atua no proces­so, preservando assim a imparcialidade do julgador.

a segundo problema apontado leva-nos a defender como unica solu­<;:ao uma reforma urgente, que determine a exclusao fisica do inquerito policial dos autos do processo, evitando 0 que 0 legislador espanhol de 1995 definiu como indesejaveis confusoes de fontes cognoscitivas atendi­veis, contribuindo assim a orieTllar sabre 0 alcance e a finalidadeda pra­tiea probatoria realizada no. debate (ante os jurados).

E uma tecnica que tambemutiliza 0 sistema italiano, eliminando dos· autos que formarao 0 processo penal todas as pe<;:as da investiga<;:ao pre· liminar (indagine preliminare), com exce<;:ao do corpo de delito e das antecipadas, produzidas no respectivo incidente probatorio. Como expli­cam Dalia e Ferraioli,65 urn dos motivos da clara distin<;:ao entre 0 proce­dimento per Ie indagini preliminari e 0 processo eexatamente evitar a contaminac;:ao do juiz pelos elementos obtidos na fase pre·processual.

a objetivo e a absoluta originalita do processo penal, de modo que na fase pre-proces,ual nao e atribuido 0 poder de aquisi<;:ao da prova. Ela somente deve recolher elementos uteis a determinac;:ao do fato e da autoria, em grau de probabilidade, para justificar a a<;:ao penal. A efe­tiva coleta da prova esta reservada para a fase processual - giudice del dibattimento - cercada de todas as garantias inerentes ao exercicio da jurisdi<;:ao. A originalidade e alcan<;:ada, principalmente, porque se impede que todos os atos da investiga<;:ao preliminar sejam transmitidos ao processo - exclusao de pe<;:as -, de modo que os elementos de con­vencimento sao obtidos da prova produzida em juizo. Com isso, evita­se a contamina<;:ao e garante-se que a valorac;:ao probatoria recaira exclusivamente sobre aqueles atos praticados na fase processual e com todas as garantias.

65 Manuale dl Diritto Processuale Penale, pp. 568 e segufntes. Tambem sobre a ellmJnac;ao de pe«;as, vide PELLEGRINI GRINOVER, "Influenda do Codigo-Modelo ... D , ob. cit" p. 227.

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Somenteatraves da exclusao do inquerito dos autos do processo e que se evitara a condena~ao baseada em meros atos de investiga~ao, ao mesmo . tempo em que se ·,'efetivara sua fun~ao endoprocedimental. Enquanto isso nao ocorrer, entendemos que os elementos oferecidos pelo IP - it exce~ao das provas tecnicas e das produzidas atraves do incidente de produ~ao antecipada (ante 0 juiz) - nao devem ser valorados na sen­ten~a e tampouco servir de base para uma condena~ao, ainda que sob 0

manto falacioso do "cotejando com a prova judicial" .. Sempre cabe recordar as palavras de Ferrajoli,66 de que a unica prova

valida para uma condena~ao e a prueba empirica llevada por una acusa­cion ante un juez imparcial, en un proceso publico y contradictorio con la defensa y mediante procedimientos legalmente preestablecidos ..

Em sintese, a regra geral e que os atos da investiga~ao preliminar sejam, como tais, considerados meros atos de investiga~ao, com uma limi­tada eficdcia probat6ria, pois a produyao da prova deve estar reservada para a fase processual. E a funs;ao endoprocedimental dos atos do inque­rito, no sentido de que sua eficaCia e interna a fase, para fundamentar as decisoes interlocutorias tomadas no seu curso .. Para evitar a contamina­yao, 0 ideal e adotar 0 sistema de elimina~ao doprocesso dos atos de investiga~ao, excetuando-se as provas tecnicas e as irrepetiveis, produzi­das no respectivo incidente probatorio ..

E) 0 PROBLEMA DAS NULIDADES COMETIDAS NO INQUERITO POLICIAL

Existe uma grave contradiyao na valorayao da relayao inquerito/ pro­cesso .. Quando se quer justificar 0 valor probatorlo das diligencias poli­ciais, argumenta-se que, a teor do art. 12 do CPp, 0 IP acompanha a denuncia ou queixa e com isso passa a formar parte do processo e dos ele­mentos sobre os quais 0 juiz pode formar seu convencimento. Poroutro lado, quando existem nulidades do Ip, alega-se que elas sao irrelevantes, pOis "0 inquerito nao e parte constitutiva do processo"Y

A primeira questao que surge e: 0 inquerito e parte do processo? o problema aqui esta, uma vez mais, num duplo aspecto: • 0 erro de manter 0 inquerito policial dentro do processo, por nao

se ado tar 0 criterio de exclusao; • e 0 de valorar os atos de investigayao como atos de prova ..

66 Derecho y Raz6ni pp. 103, 104 e 106. 67 EspiNOLA FILHO. C6digo de Processo Penal Brasf/eiro Anotado, vol. I, p. 260.

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Dentro deste panorama, que e a nossa realidade, se os juizes enten­dem que as peyas do IP podem ser valoradas na senten~a (ainda que sob a formula de "cotejada com a prova judieiatizada"j, estao com iSso, logi­camente, reconhecendo que 0 IP e parte integrante do processo .. Logo, se integra 0 processo, e para todos os efeitos, inclusive para contaminar as provas processuais que de alguma forma derivem ou tenham por base os . elementos do inquerito. .

o que nao pode existir e dOis pesos e duas medidas, comoquerem alguns, afirmando que as irregularidades formais do IP sao irrelevantes, pois nao alcanyam 0 processo, e, por outro lado, defendendo que as diligencias polieiais podem ser valoradas ma sentens:a, pOis os atos do IP integram 0 pro­'cesso e existe uma "presun~ao de veracidade"68 das diligencias poticiais.

A unica forma de convalidar uma nutidade do inquerito e repetindo 0

ato no processo, caso contrario, nao so aquela diligencia e nula como tam­bem contaminara a senten~a que valorar esse ato. de investiga~ao nulo ..

E mais, se 0 juiz realmente fizer um exame da denuncia e do inque­rito, visto como suporte probatorio minimo da a~ao penal, e verifiear que foram praticadas diligencias sem observar as garantias devidas, devera manifestar-se decretando a nulidade da atuas:ao e determinando a sua exclusao dos autos. Ato continuo, devera ainda verificar se aquele ato nao contarriinou outros, pois, nesse caso, tambem deverao ser retirados dos autos. Somente apos isso e que podera decidir se recebe ou nao a as:ao penal. Em se tratando .de nulidade relativa, nao declaravel de ofieio, cabera it defesa alegar no primeiro momenta em que se manifeste no pro­cesso - em regra na defesa previa .

Recebeni a denuncia se, mesmo com a exclusao da diligencia nula, ainda restarem elementos validos e nao contaminados que permitam con­cluir que existe, em grau de probabilidade, 0 fumus commissi delicti. 69

68 E, destacamos, nao exlste tal presun<;ao de veracldade e tampouco tern suporte legal. Vide 0

que dissemos sabre 0 valor probatorio dos atos do inquerito pollcial. 69 Assim ja decidiu 0 STF no RHC-74807/MT, ReI. Min. Mauricio Correa, publicado no OJ do dia

20/6/1997, p. 28.507, Julgamento 22/4/1997. 2a Turma. EMENTA: Recurso de Habeas Corpus . Crimes Societarios. Sonegac;ao Fiscal. Prova If{cita: Vfolac;ao de Sigilo Bancario. Coexlstencia de Prova Licfta e AutOnoma. lnepcia da Denuncla: Ausencfa de Caracterlzac;ao. 1.-A prova IlicitiJr caracterfzada pe/a violar;ao de 51gilo bancan'o sem autorizaC;50 Judicial, mlo sendo a dnlea men­cionada na dentine/a, nao compromete a val/dade das demais prova~ que, por ela naD canta­minadas e de/as nao decorrentes, integram 0 conjunto probatorio. 2. Culdando·se de dJIIgen· cia acerca de emissao de "notas (rias", nao se pode vedar a Receita Federal a exercicio da fis­cal/zac;ao atraves do exame dos IIvros contabeis e fisca/s da empresa que as emitlu, cabendo ao juiz natural do processo formar a sua convicC;ao sobre se a hlp6tese comporta ou nao con­luio entre os tltulares das empresas contratante e contratada, em detrlmento do era rio. 3. Hao

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Caso contra rio (ausencia de suporte probat6rio valida, seja pela falta de outros elementos haja vista a exclusao au pela contamina~ao dos demais), devera rejeitar a den uncia au queixa com base no art. 43, III (falta de justa causa). E um onus do acusador demonstrar validamente a probabilidade de que aquela pessoa tenha cometido a delito que se lhe imp uta (e dizer, prova da provavel eXistencia de um fato tipico, ilicito e culpavel).

o que nao pode ocorrer, sob nenhum argumento, e a conivencia do . juiz com uma nulidade absoluta contida no inquerito, sabre qual ele deve­ra se manifestar de oficio, como sao - v. g. - todas aquelas que violem as direitos constitucionalmente assegurados ao sujeito passivo (entre eles, a contradit6rio e a am pia defesa, art. 52, LV, da CB). .

Ademais, com aponta Siqueira de Lima/o ainda que na fase de perse­cutio criminis, "as autoridadesenvolvidas no apuratorio devem primar pelo est rita cumprimento da legalidade dos atos praticados, vez que a Lei Maior, no seu art. 52, LVI, proibe no processo as provas obtidas par meios ilicitos", de onde "pode concluir-se que as afirma~6es feitas alhures, de que a inquerito policial sendo mera pe<;a informativa nao atinge a a<;ao penal com seus vicios, nao encontram respaldo na ordem juridica".

Em definitivo, acolhendo-se a doutrina da contamina<;ao dos frutos da arvore envenenada - fruits of the poisonous tree -, necessariamente teremos de reconhecer que as provas ilicitas (inclusive par deriva<;ao) devem ser consideradas nulas independentemente do momenta em que foram produzidas,71

Como muito bem destacou a Min. Celso de Mello, no julgamento do HC n2 73.271-SP (publicado no DJ de 4/10/1996, p. 37.100), ... a unilate­ra/idade das investiga~oes preparatorias da a~ao pellal naa autariza a Polleia Judieiaria a desrespeitar as garantias juridicas que assistem ao indiciado, que nao mais pode ser considerado mero objeto de investiga­~oes. 0 indiciado e sujeito de direitos e dispoe de garantias legais e cons­titucionais, cuja inobservancia, pelos agentes do Estado, clem de even­tualmente induzir-ll:Jes a respansabilidade penal por abuso de poder, pode

estando a denuncia respa/dada exclusivamente em provas obtidas por meios ilicitos, que devem ser desentranhadas dos autos, nao ha porque declarar-se a sua imapcia porquanto remanesce prova Jicita e autonoma, nao contaminada pe/o vieio de incons­titucionalidade. Votac;ao un ani me. Resultado: Improvido. (Destacamos)

70 SIQUEIRA DE LIMA, Arnaldo. "Vicios do Inquerito Maculam a Ac;ao Penal", In Boletlm do IBCCrim, nO. 82, setembro de 1999, p. 10.

n No mesmo sentido conclul SIQUEIRA DE LIMA, ob. cit.

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal ~~;t~~

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gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investiga,iio policial. (destacamos)

Neste senti do, vejamos alguns exemplos, entre muitos outros que podem surgir no caso concreto: .

a) pericia nula par incompetencia da autoridade policial; b) a realiza~ao do interrogatorio policial de menor sem a presen<;a do .

curador; c) a realiza<;ao do interrogatorio policial sem a presen<;a de defensor; d) nao assegurar a plenitude da defesa pessoal (autodefesa); e) prova obtida atraves da intercepta<;ao das comunica<;oes telefoni­

cas, quebra do sigilo bancario etc. sem a devida observancia das normas atinentes a materia.

No primeiro caso, a pericia realizada par peritos nomeados por uma autoridade policial absolutamente incompetente (ratio materiae) sera nula, pois a poder que se outorga aos peritos para realizar 0 exame pro­vem de uma autoridade que nao as possuia. Necessariamente, 0 juiz deve­rit repetir a pericia e excluir dos autos a anterior, realizada na fase pre­processual. Se impossivel a repeti<;ao, igualmente a pericia devera ser extraida, pais a unica forma de convalida<;ao e pela repeti~ao. 0 prejuizo nesse caso para 0 processo e patente e refor<;a a importancia de observar na fase preliminar os criterios de competencia em razao da materia.

o interrogatorio policial de um menor realizado sem a presen<;:a de curador e um ato nulo e so podera ser sanado quando repetido em juizo com as devidas garantias. Inclusive, entendemos que, pela nulidade, a declara<;ao obtida pela policia devera ser retirada dos autos, evitando que a juiz valore comparativamente as duas (policial nula e jUdicial valida) no momenta da senten<;a paraapontar contradi~6es ou elementos prejudi­ciais ao reu (como a confissao policial).

Tambem configura uma nulidade absoluta, par viola<;ao de uma garantia constitucional, a realiza~ao do interrogatorio policial sem a pre­sen<;a do defensor - garantia da defesa tecnica - ou sem que a autorida­de policial assegure ao imputado 0 direito de silencio (autodefesa negati­va). Neste sentido, destacamos a seguinte decisao do STF:72

72 He nO. 7a.70B-SP, Rei. Min. Sepulveda Pertence. pubJicado no Informativo do STF nil. 14l. Destacamos que 0 tema nao e pacifieo e que existem outras declsoes do STF em sentido con­trihio, afirmando simplesmente que par se tratar de pe9a meramente informatiVa da denunda ou da queixa, eventuallrregularidade no inquerito polle/al nao eontamina 0 proeesso nem ense­}a a sua anula9aO (He n!l 77.357-PA, Rei. Min. Carlos Velloso, pubJlcado no Boletim do STF nil. 134). Ou alnda, em outra decisao: Esta Corte, de ha mUito, ja firmou jurisprudeneia no sent/­do de que eventuais vicios no inqu(!!i-ito pol/elal nao anulam a aqao penal, uma vez que e/e e

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Intorma~aa da direito ao silencio (Const., art. 52, LXIII): releviincia, momento de exigibilidade, conseqiiencias da omis· sao: elisao, no caso, pelo comportamento processual do acusado.

I. 6 direlto a intorma~ao da taculdade de manter-se silente ganhou dignidade constituclonal, porque instrumento insubsti­tuivel da eficacia real da vetusta garantia contra a auto-incri­mina~ao que a persistencia planetaria dos abusos policials niio deixQ perder atualidade.

If. Em principio, ao inves· de constituir desprezivel irre­gularidade, a omissiio do dever de intormac;iio ao pres~ dos seus direitos, no momento adequado, gera etetivamente a ' nulidade e impoe a desconsiderac;iio de todas as informac;oes incriminatorias dele anteriormente obtidas, assim como das provas delas derivadas.

III. Mas, em materia de direito ao silencio e ci informa~iio aportuna dele, a apura~da do gravame hcl de fazer-sea partir do comportamento da n!u e da orienta~ao de sua defesa na proces­so: 0 direito a informQ~ao oportuna da faculdade de permanecer colado visa a assegurar ao acusado a livre op~ao entre 0 silencio -,que faz recair sobre a acusa~ao todo 0 onus da prova do crime e de sua responsabilidade - e a interven~ao ativa, quando ote­rece versao dos fatos e se propoe a prova-Ia: a op~ao pela inter­ven~ao ativa implico' abdico~iio do direito a manter-s"; colado e das conseqiiencias da talta de informa~ao oportuna a respeito. (grifamos)

o ultimo exemplo refere-se a prova ilicitamente obtida. Esta prova, por haver side obtida com viola~ao do domicilio (art. 5", XI, da CB); das comuni­ca~6es telefonicas (art. 52, XII, da CB, regulamentado pela Lei nO 9.296/96); mediante tortura ou maus tratos (art. 5", III, da CB); atraves da viola~ao da intimidade (art. 5", X, da CB etc.) necessariamente deve ser excluida do pro­cesso, assim como as que por deriva~ao estiverem contaminadas.

Em todos os casos, 0 a~l:l}:jevera ser repetido em juizo (quando possi­vel) e determinada a exclusai:flfisica das respectivas pe~as nulas e deriva­das. Tampouco entendemos que a irrepetibilidade da prova nula seja um

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pet;a de mera informat;ao, tendo, inClusive, carater Inquisitivo, razao por que nao se apllca a ele 0 princfplo do contradiMrio (He nil 76.06S-RJ, Rei. Min. MOreira Alves. publlcado no Boletlm do STF n'" 134).

Sistemas de lnvestiga~ao Preliminar no Processo Penal "~" argumento valido para mante-la nos autos. Se a prova e irrepetivel, com mais razao devem ser observados todos os requisitos formais que a lei exige para a sua produ~ao. E mais do que isso, deveria ter sido praticada atraves do incidente de produc;iio antecipada de provas, ante 0 juiz e com todas as garantias para a defesa.

Destarte, 0 ran~oso discurso de que as irregularidades do inquerito' nao contuminam 0 pi-ocesso nao e uma verdade absoluta e tampouco deve ser considerada uma regra geral. Todo 0 contrario, exige-se do juiz uma diligencia tal na condu~ao do processo que 0 leye a verificar se, no curso do IP, nao foi cometid<i alguma nulidade absoluta ou relativa (quando ale­gada). Verificada, 0 ate devera ser repetido e excluida a respectiva pe~a que 0 materializa, sob pena de contamina~ao dos atos que dele derivem. Caso 0 ato nao seja repetido, ainda que por impossibilidade, sua valora­~ao na senten~a ensejani a nulidade do processo.

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Capitulo VII Investiga~ao/lnstru~ao Preliminar em

Outros Ordenamentos Juridicos

Apes analisar a sistema brasileiro, abordaremos as modelos adotados par outro~ ordenamentos juridicos e que de alguma forma possam aportar fundamentos para a estudo do inquerito. 0 estudo do direito estrangeiro e sempre altamente perigoso. Conscientes do perigo que encerrava, preferi­mas uma abordagem sumaria, que possibilitasse uma visao geral, panora­mica. Selecionamos a modelo espanhol e frances par serem sistemas judi­ciais par excelencia; as de Ititlia, Alemanha e Portugal, par serem os mais atuais e encarregarem a 'investiga~ao preliminar ao Ministerio Publico.

I. ESPANHA

Na Espanha, a processo penal tambem esta dividido em duas grandes fases, claramente definidas e ligadas par um periodo intermedio. Sao elas:

a) instru~ao preliminar au fase pre-processual; b) juicio oral au fase processual.

Entre essas duas fases, e possivel apontar a existencia de um elo de liga~ao,um periodo denominado de fase intermedia, destin ado a decidir sobre a conclusao da instru~ao preliminar e a abertura do processo ou a seu arquivamento, conforme a caso, Em um macro-analise, predomina 0

sistema acusaterio, com tra~os inquisitivos na fase pre-processual e fran­camente acusat6rio na fase processual.

A fase pre-processual e essencialmente dominada pel a figura do juiz de instru~ao, caracterizando 0 que anteriormente definimos como "inves­tiga~ao preliminar judicial".

Cumpre destacar a preocupa~ao com a imparcialidade do juiz, mate­rializada na vasta doutrina e jurisprudencia (principalmente a STC 145/88, que levou a um profundo cambio legislativo que culminou com LO 7/88) sobre a figura do juiz mio prevenido. A preven~ao no direito espanhol e uma causa de exclusao da competencia, pois juiz prevenido e juiz parcial, Existe uma presun~ao iure et iure de comprometimento do juiz instrutor, de mooo que ele esta absolutamente impedido de atuar na fase proces­sual. Neste sentido, tambem e vasta a jurisprudencia do TEDH.

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o Ministerio Fiscal (MP) e 0 titular da a~ao penal acusat6ria nos deli­tos perseguiveis de oficio (ou publicos) e, 0 particular of en dido, daqueles crimes somente perseguiveis a instancia de parte (semi-publicos ou priva­dos). Nos delitos perseguiveis de oficio, a a~ao penal e publica, mas nao 56 no sentido de que 0 titular e 0 MP, mas tambem porque qualquer pes­soa podera exerce-la. Adota Espanha 0 sistema de Q(;ao popular, de modo que nos delitos perseguiveis de oficio, ao lado doacusador oficial (MP), podera estar qualquer pessoa, independente de que tenha sido vitima ou nao. Inclusive e possivel que no p6lo ativo estejam 0 promotor, 0 acusa­dor popular (qualquer pessoa) e 0 particular (viti ina habilitada no proces­so). A a~ao popular esta reconhecida nos arts. 125 da CE e 101 da lECrim.

A instru~ao preliminar esta estruturada em urn complexo sistema, pois coexistem na atualidade tres formas distintas: 0 sumario, as diligen­cias previas e a instruccion complementaria.

o sumario foi concebido em 1882 e constitui a fase pre-processual dos processes que seguem 0 procedimento ordinario. Esta estruturado de forma clara, bem definida, e, considerando a sua pureza; podemos afir­mar que eo modele de instru~ao judicial por excelencia.

Mais de cem anos depois - mantendo 0 sumario -, a lECrim (codigo processual penal espanhol) fOi objeto de uma reforma pontual, atraves da lO 7/88, que institui 0 procedimento abreviado e as diligencias previas como sistema de instru~ao preliminar. 0 pr6cedimento abreviado e fruto de uma legisla~ao feita "as pressas" para adequar-se-['STC 145/88 e com isso marcar 0 retorno do principio do juiz nao prevenido.Ademais de sepa­rar as fun<;6es de instruir e julgar, alO 7/88 pretendeu incrementar as atribui~6es do MP na instrUl;ao preliminar e implantar um rito mais cele­reo 0 que pretendia ser um procedimento especial, na realidade, consti­tui um procedimento semelhante ao "ordinario", tendo em Vista, princi­palmente, a ampla gama de delitos submetidos a ele: crimes cuja pena nao exceda a 9 anos, reservada a competencia do Juri.

Os objetivos em parte foram alcan~ados. Ademais da clara separa­~ao das fun~6es de instruir e julgar, foi estabelecido um rito acelerado, em que predomina a oralidade e a concentra~ao de atos, que estabele­ce uma certa liberdade (limitada) para as partes alcafl~arem 0 consen­so. Tambem aumentou, qui<;a exageradamente, a participa<;ao do fiscal (MP) na instru~ao preliminar. A ideia inicial do legislador foi a de romper de vez com 0 sistema de instru<;ao preliminar judicial, substituindo-o pela instru~ao a cargo do MP. Sem embargo, por diversos motivos e inu­meras resistencias (inclusive do proprio MP), 0 resultado final foi um sis­tema hibrido, criticavel sob 0 ponto de vista teorico e tambem pratico.

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Muerza Esparza' definiu como un quiero y no quiero. Pqra Oliva Santos • .2

a l07/88 nao se atreveu a substituir 0 sistema do juiz instrutor pelo de promotor investigador, 0 que levou a um complicado veri cueto de preyer que el fiscal actue como un juez instructor paralelo.·

A atual estrutura do Ministerio Fiscal espanhol nao admite de forma satisfatoria a figura do promotor investigador, ou, como eles denominam, . instfuccion fiscal, ate porque sequer a institui~ao goza de independencia funcional. Todo 0 contrario, 0 Fiscal General del Estado nao 56 e indicado pelo Governo, como atua como urna longa manus do, Executivo, levando para 0 processo penal uma perigosa cohtamina~ao politica. Acrescente-se a isso 0 fato de existir hierarquia interna e um sistema de instru~6es vin­culantes - circulares ,de la fiscalia] - para que 0 panorama final fosse pouco propicio para implantaruma instru~ao preliminar a cargo do MP.

Seguindo a mesma tendencia de outorgar a instru~ao preliminar ao MP, mas tambem sem instituir um modelo puro, a lO 5/95 introduziu as diligencias complementarias, destinadas a preparar a fase processual nos processos de competencia do Tribunal do Juri Uurado popular).4

A),O SUMARIO DO PROCEDIMENTO ORDINARIO

Com a introdu~ao do procedimento abreviado e as diligencias pre­vias, a sumario ficou reservado para os delitos real mente graves, cuja, pena seja superior a 9 anos. 0 art. 299 emprega 0 termo sumario para definir as atua~6es encaminhadas a preparar a fase processual e pratica­das para averiguar e fazer cons tar a ocorrencia de delitos com todas as circunstdncias que possam influir na sua qualifica~iio e na culpabilidade dos delinqUentes, assegurando sua presen~a e as responsabi/idades pecu­niarias do deUto.

Nos delitos perseguiveis de oficio, a notitia criminis e obrigatoria. o sumario tera inicio com a denuncia ou com a querella, que sao rnoda­

lidades de noticia-crime (ou a~ao penal introdutoria5). 0 processo penal em sentido estrito - fase processual - inician! com a peti~ao de abertura do

Na obra coletiva Derecho Procesal Penal, p. 616. 2 )ueces Imparciales ... , ab. cit., p.-112.

Ademais dessas normatlvas internas, 0 Fiscal General del Estado dara quantas ordens e instru­~6es que estlme canvenlente para dirigir a atual,;ao do promotor (art. 781). Tambem contribui para uma postura servil dos pramatores as diversos lnstrumentos de "mandan prevlstos na LOMF - Lei Organlca do Ministerlo Publico. Sobre.c tema, remetemas 0 leitor para a obra de LORCA NAVARRETE, EI Jurado Espanol - La Nueva Ley del Jurado, Madrid: DykinsQn, 1996.

5 E a acci6n penal IntroductJva expllcada par ARAGONESES ALONSO, Inst/tuclones de Oerecho Procesal Penal, p. 232.

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juizo oral e a conseqUente qualifica~ao juridica do fato. Esta peti~ao de ,aqertura do. processo e a.verdadeira a~ao penal acusatoria, que articula a respectiva pretensao acusatoria e marca a inicio da fase processual.

Destarte, 0 sumaria teni. inicio: a) De oflcio:6 e a cognition direta, que podera surgir por informa~ao

reservada; em virtude de uma deten~ao em flagrante; atraves da voz publica au da notoriedade do fato.

b) Denuncia publica (J2lllig ill oficial Quando feitapelo MP ou parti­cular): e a ate mediante 0' qual se levaao conhecimento do juiz instrutor, MP au policia, a noticia da ocorrencia de urn delito. E urn mero cumpri· menta do dever legal de comunicar ,a pni.tica de urn delito de natureza publica, pais, nestes casas, a notitia criminis e obrigatoria. Existe urn dever legal de denunciar. E uma simples e informal exposi~ao dos fatos, oral au escrita. Inclusive pode ser generica, sem dirigir·se contra uma pes· soa determinada, poi's uma das fun~6es da instru~ao preliminar e determi· nar a autoria, Como consequencia, serao realizadas as primeiras diligen­cias, salvo se vier suficientemente instruida, e apos decidira a juiz de ins­tru~ao pela sua admissao au arquivamento. Admitida, inicia·se a instru~ao preliminar. 0 denunciante nao e considerado sujeito do procedimento e sua participa~ao esgota com a denuncia.

c)Ouerelta publica (noticia-crime qualificada au adjo penal intradu· torja):e mais que a mera cumprimento do dever legal de noticiar a deli· to, E 0 ato mediante a qual se leva ao conhecimento do orgao jurisdicio· nal (juiz instrutor) a pratica de urn fato com aparencia de delito, perse­guivel de ofido, manifestando 0 querelante a sua vontade de habilitar·se (atuando como sujeito) na instru~ao preliminar e parte no posterior pro­cesso. Ele nao so comunka a fato, mas habilita·se para participar do pro· cedi mento, E atraves da querella que sera exercida a a~ao popular (art. 270), a acusa~ao particular (of end ida acusando ao lado do MP nos delitos publicos) e a propria acusa~ao publica a cargo do Ministerio Fiscal (a denuncia do direito brasileiro e ~imilar a querella publica no direito espa· nhol). Par isso, esta submetida a requisitos formais (art. 277 da LECrim), deve ser par escrito, par meio de procurador7 e assinada par advogado. Necessariamente, deve dirigir·se contra uma pessoa ,determinada. Caso

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Segufndo a ARAGQNESES ALONSO, Instituciones de Derecho Procesal Penal, p. 230. No processo espanhol, a represental;ao da parte em juizo e feita pelo procurador, que e um agente distinto do advogado. Tambem ao procurador Incumbe a tarefa de receber as comunl­cal;oes processuais. A at;ao (penal ou civil), os recursos, petll;oes etc. sao propostas peto pro­curador, em represental;ao a parte.

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

isso nab seja possivel, 0 caminho sera fazer uma denuncia e posteriormen' te habilitar-se no procedimento. Com a querella, pode-se, desde logo, pedir diligencias e apontar uma tipifica~ao provisoria. 0 destinatario e a juiz de instru~ao, salvo em caso de urgencia, em que pode ser dirigida II policia (art. 273). Admitida, inicia-se a instru~ao preliminar. 0 particular que ofereceu a querelta participara ao lado do MP, tanto na fase pre·pro· cessual como tambem na processual, com urn grau de autonomia e pode­res maior do que a assistente da acusac;iio do direito brasileiro.

Nos delitos somente perseguiveis a instancia de parte (privados ou semi-public os), a investiga~ao preliminar inicia·se atraves de:

a) Denuncia privada: e similar a representa~ao do direito brasileiro, uma condi~ao de pracedibilidade ou noticia-crime qualificada, para as delitos semi-publicos. A atua~ao do Estado esta condicionada ao seu exer­cicio. Nao e uma simples declarac;ao de conhecimento de urn delito, mas tambem uma manifesta~ao de vontade do of end ida, no sentido de que se persiga a delito. Nao e urn dever, mas urn direito, submetido aos criterios de oportunidade e conveniencia. 0 destinatario e 0 juiz, mas a Tribunal Supremo ja admitiu seu exercicio na policia. Depois de realizada, e irre­tratavel. Aberta a instru~ao preliminar, a juiz instruini. e impulsara a pro· cedi menta ate concluHo. Posteriormente, assume a MP para exercer a a~ao penal au solicitar a arquivamento. 0 of end ida podera participar como acusador particular

b) Ouerella privada: para as delitos somente perseguiveis a instancia de parte, au seja, privados, como a calunia, injurias, maus tratos etc. Leva ao conhecimento do juiz instrutor a ocorrencia de urn fato aparente· mente punivel, cuja persecu~ao esta condicionada a querella e manifesta a sua inten~ao de habilitar·se como sUjeito do procedimento e parte no posterior processo. 0 particular of end ida e a dominus litis, e, de forma similar ao que ocorre na nossa a~ao penal privada, disp6e da inicia~ao, desenvolvimento e termina~ao do procedimento.

Desta forma, a denuncia e a querella sao noticias·crime au a~6es introdutivas que buscam iniciar a instruc;ao preliminar. Realizada a instru­~ao preliminar - sempre a cargo do juiz instrutor - ao final sera conclui· da e com ela inicia-se a periodo intermediario.

o 6rgao encarregado de presidir a fase pre-processual e a juiz instru­tor, pois, can forme determina a art. 303 da LECrim, a forma~ao do suma· rio correspondera aos juizes de instru~ao do lugar do delito. 0 juiz instru· tor e a principal protagonista nesse modelo de instru~ao preliminar e

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detem todos os poderes necessarios para levar a cabo toda a investiga~ao_ que buscara aportar os elementos necessarios para 0 processo ou 0 nao· processo. Os elementos de convic~ao nao apenas sao produzidos na pre· sen~a do juiz instrutor, . senao que sao colhidos e produzidos por ele mesmo. 0 juiz de instru~ao obra como urn verdadeiro investigador, atuan· . do de oficio e sem estar submetido ouvinculado a peti~6es do Ministerio Publico ou da defesa, que sao meros,colaborudores. Cabera a ele decidir sobre a utili dade das diligencias solicitadas para os fins da investiga~ao, denegando as que a seu juizo forem desnecessarias.

o juiz instrutor podera proceder ao interrogatario do sujeito passivo, utilizar medidas cautelares pessoais ou reais, conceder a liberdade provi· soria, nomear defensor para 0 sujeito passiv~ que nao 0 tenha, realizar inspe~6es judiciais, reconhecimentos, acarea~6es, ouvir a vitima e teste· munhas, ordenar a realiza~ao de perieias etc. Em suma, praticar de ofieio ou mediante invoca~ao todos os atos necessarios, para averiguar a mate­rialidade e a autoria do delito.

Para levar a cabo essa atividade de investiga~ao, disp6e da Polieia Judiciaria, totalmente subordinada no plano funcional. A polieia esta yin· culada aos Tribunais e julgados de instru~ao e tam bern ao Ministerio Fiscal (MP), como preve expressamente 0 art. 126 da CEo

Cum pre destacarque, nos. delitos publicos, 0 juiz de instru~ao pode­ra atuar de oficio - inclusive para ado tar medidas cautela res pessoais ou reais - ainda que contra a vontade do Ministerio Publico. Dessa forma, 0

instrutor podera investigar mesmo que 0 titular da futura a~ao penal entenda que nao existam motivos razoaveis para isso.

Ao Ministerio Publico e atribuida uma fun~ao inspetora,8 pois disp6e o art. 306, I, que os juizes de instru~ao formarao os sumarios sob inspe­~ao direta do promotor do tribunal competente para julgar a causa. Essa inspe~ao/fiscaliza~ao poderi~ ser exercida pessoalmente ou por meio dos auxiliar~ do MP, ou bern por meio das informa~6es que 0 instrutor lhe envie. Tambem podera solicitar diligencias (art. 311), nao estando 0 jut>' instrutor vinculado a essas peti~6es ou a quaisquer outras, seja do MP ou dos demais acusadores. Cabera ao instrutor decidir"salilre a admissao ou nao dos pedidos, conforme a utili dade e a pertinencia que ele repute pos· suir. Em sintese, 0 promotor fiscaliza a distancia os atos de instru~ao leva­dos a cabo pelo juiz instrutor e nao passa de urn mero colaborador9 do

a ARMENTA DEU, Teresa. Crimlnalldad de Bagate/a y Principia de Oportunidad: Alemania y Espana, p. 59. PRIETO-CASTRO, leonardo et alii. Derecho Procesaf Penal, pp. 110 e seguintes.

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Sistemas de lnvestiga~ao Preliminar no Processo Penal

argao jurisdicional, posto que este ultimo pode atuar de ofieio, impulsar a instru~ao e praticar todos os atos que julgue necessarios, ainda que exis­ta oposi~ao do MP. Desta forma, a lnstru~ao preliminar pode iniciar, desen­volver-se e coneluir ainda que se oponha 0 MP ao seu inieio,desenvolvi­mento ou conelusao.

Em sintese, 0 juiz de instru~ao e 0 titular da instru~ao preliminar e cabe a ele receber direta ou indiretamente a noticia-crime, buscar as fon­tes de informa~ao e investigar os fatos apontados.

Com rela~ao a forma, 0 sumario e obrigatario ~ art. 300 da LECrim, e cada delito sera objeto de investiga~ao_ A obrigatoriedade- de que exis­ta uma instru~ao preliminar previa ao processo penal esta perfeitamente justificada pelo fato estarem submetidas ao sumario aquelas infra~6es graves, cuja pena seja superior a 9 anos. Urn processo penal por delito grave, sem previa investiga~ao,·e algo inadmissivel segundo a razao,

Predomina a escrltura e a documenta~ao dos atos produzidos oral­mente (arts. 321 da LECrim e 281 da LOPJ). 0 segredo externo vigora sem exce~6es e se estende ate a abertura do juizo oral, inicio da fase processual, sendo publico a partir de entao. 0 segredo interno do sumo rio somente pode ser determinado por expressa deelara~ao judi­cial (art. 302.2 da LECrim) e tern sua dura~ao limitada a 30 dias. Em todo caso, deve cessar ate 10 dias antes da conelusao da instru~ao pre­liminar; desta forma, 0 procedimento pre-processual nao pode coneluir em segredo. Este segredo interno nao alcan~a 0 promotor, mas apenas os sujeitos passiv~s e eventuais acusadores (privado, particular ou popular). 0 Tribunal Constitucional ja admitiu a prorroga~ao deste prazo, sempre que justificada e amparada por exigencias da investiga­~ao (STC 176/88).

Por fim, cabera ao juiz decidir quando ja existem indicios suficientes e deste modo encerrar a instru~ao preliminar, mediante uma decisao interlocutaria denominada de auto de conclusion delsumario. Ditada esta resolw;:ao de conelusao, 0 juiz remeterao sumario para 0 Tribunal compe­tente para processar e julgar, comunicando ao Ministerio 'Publico, demais acusadores (se houver) e ao sujeito passivo. Com a conclusao do sumario, inicia-se a fase intermediaria, que podera levar ao processo (abertura do

. juicio oral) ou ao nao-processo (sobreseimiento). o periodo intermediario inicia-se com a conclusao do sumario e 0

recebimento por parte do Tribunal competente para 0 julgamento. Por isso, este periodo desenvolve-se junto ao orgao encarregado do processo e nao junto ao juiz instrutor. As partes manifestarao sua conformidade ou inconformidade com a conclusao do sumario, podendo inclusive pedir

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novas diligencias: 0 MP e/ou os acusadores (particulares, privados ou populares), quando concordarem com a resolu,ao do juiz instrutor, exer. ' cerao a a,ao penal atraves do pedido de apertura del juicio oral, isto e, ' solicitando a abertura do processo, formulando a acusa,ao, tipificando a'1 conduta e solicitando uma determinada pena. A qualifica,ao do fato e pro. ' visional, pois poden~ ser alterada depois da produ,ao da prova, nurn momenta similar as "alega,6esfinais" do art. 500 do cpp: brasileiro.

Tanto a defesa como a acusa,ao poderao pedir novas'diligencias ou, desde logo, 0 arquivamento da causa,(sobreseimiento). 0 contraditorio na fase intermediaria nao esta previsto em lei, mas decorre da STC 66/89, por meio da qual 0 Tribunal Constitucional entendeu ser necessaria a par. ticipa,ao do imputado nesta fase. 10

E importante destacar que, sem a peti,ao de abertura do juizo oral por parte do MP ou de qualquer dos acusadores, nao podera ser iniciado 0

processo. Isto porque a peti,ao de apertura del juicio oral e 0 exercicio da pretensao acusatoria, ou seja, a acusa,ao formalizada na a,ao penal, e sem ela nao poden'! 0 Tribunal proceder de ofieio, sob pena de termos um processo sem acusa,ao e um retorno ao sistema inquisitivo.

A finalidade da fase intermediaria no direito espanhol, como explica Tome Garcia"11 e permitirque 0 Tribunal examine:

a) se 0 sumario esta bem concluido ou nao, isto e, se e necessario ou nao praticar novas diligencias 'para a sua correta conclusao;

b) no caso de estimar correta a conclusao do sumario, decidir se con. correm os pressupostos necessarios para decretar a abertura do processo ou, em caso contrario, arquivar a causa. '

Concluido 0 sumario, superado 0 periodo intermediario e exercida a a,ao penal, sera decretada a abertura do juizo oral, momento em que come,a 0 processo penal em sentido estrito, ou seja, a fase processual. A a,ao penal acusatoria (exercicio da pretensaoacusatoria) e exercida apes ter sido concluida a instru,ao preliminar e materializa·se atraves da peti. ,ao de abertura do juizo oral (processo em sentido estrito) e apresenta,ao

10 Ja em 1935, J. GOLDSCHMIDT, em um cicio de Palestras proferidas em Madri (reproduzidas na sua excepcional obra Problemas Juridicos y Politicos del Proceso Penal, p. 87), chamava a aten­~ao sabre 0 carater inquisitivo da fase intermediaria, ao nao possibllitar a interven~ao da defe­sa. Segun~o_o autar, es una infraccion injustificable del principia acusatorio me parece la exclu­sion de la audfencfiJ del pracesado en las actuaciones en que se basa el auto do Tribunal man­dando abrir el juicio oral 0 sobreseyendo. Os tribunais espanhois tardaram 54 anos em reco­nhecer esse grave"problema no procedimenta ordinario, para permitlr a participa~ao do sujei­to pass/yo na fase Intermediaria. Contudo, Inexpllcavelmente, mantiveram 0 problema no pro­cedimento abrevlado. E uma situa~ao que sem duvida tambem atinge 0 direito braslleiro, que sequer consagra uma autentka fase intermediarla contraditorla.

11 Na obra coletiva Derecho Procesa/ Penal, p. 425.

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Sistemas de Investlga,ao Preliminar no Processo Penal

da calificaci6n provisional (art. 650, e uma tipifica,ao com caniter provi· sorio, pois pode ser alterada apes a instru,ao processual). Na fase proces· sual, os principios informadores do sistema acusat6rio dominam amplamen· te, como 0 contraditorio pleno, direito de defesa, publicidade etc.

B) AS DILIGENCIAS PREVIAS DO PROCEDIMENTO ASREVIADO

Conforme determina 0 art. 779 da LECrim, 0 procedimento abreviado sera adotado para os delitas cuja pen a privativa de liberdade nao seja superior a 9 anos, salvo quando estiver estabelecido um rito especial (Juri).

A fase pre·processual e denominada de diligencias previas e esta a cargo do juiz instrutor, mas com uma participa,ao mais ativa do MP que no sumario (rito ordinario). Sao aquelas diligenciasque tem por objeto a com, prova,ao do delito e a averigua,ao e identifica,ao dos possiveis culpados. Ademais, limita 0 art. 789.3 que s6 no caso de que as diligi'mcias pratica­das no atestado (termo circunstanciado policial) nao sejam suficientes para formular a acusa,ao, 0 juiz ordenara a polieia judicia ria, ou praticara ele mesmo, as diligencias essenciais encaminhadas a determinar a natureza e circunstancias do fato e as pessoas quenele tenha participado.

Produzido um fato aparentemente punivel, 0 particular podera apre· sentar a noticia·crime (denuncia)12 ante a polieia, a qual ira instruir 0 ates­tado (especie de termo circunstanciado ou de ocorrencia) que sera envia· do ao juiz de instru,ao e mediante cepia ao promotor. Se a den uncia for apresentada diretamente ao promotor, ele investigara por si mesmo ou ordenara que a policia pratique as diligencias necessarias (art, 785bis 1). No caso de que 0 destinatario seja diretamente 0 juiz instrutor, este prati· cara ou ordenara a polieia que pratique as diligencias necessarias. Quando a notieia·crime for realizada por querella, sera apresentada diretamente ao juiz instrutor, con forme as regras gerais anteriormente explicadas.

Com isso, trata·se de acentuar a celeridade, de modo que se 0 juiz reputar suficientemente instruida a notieia·crime, podera imediatamente dar vista ao MP para que este solicite a abertura do juizo oral - exercicio da a,ao penal acusatoria. Concorrendo circunstancias urgentes (flagrante

12 Em linhas geraiS, as formas de inidar a Jnstru~ao preliminar (denuncla e queref/a) e 0 proces­so (peticion de apertlJl'a del julcio oral) respondem aos conceitos anterlormente definidos no procedimento ordinaria. A unica inova~ao digna de destaque e a maior valor que 0 atestado pOlicial (especie de termo circunstanciado au de ocorrencia) adquire no procedimento abrevia~ do, pois, se ele estiver 5uflcientemente instrufdo (quem decide e 0 juiz instrutor), 0 MP pode· ra imediatamente pedlr a abertura do processo, exercendo a at;ao penal. Com IS50, a instru~ao preliminar e facultativa e nao obrigatoria como no rita ordinario.

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delito, evidencia dos fatos, alarma social, deten~ao do imputado etc.)," podera 0 promotor apresentar de imediato 0 seu escrito de acusa~ao e solicitar a abertura da fase processual e a cita9io do imputado.

Em que pese 0 fortalecimento do promotor na investiga~ao prelimi- .. nar, a LO 7/88 nao rompeu de vez com a tradi/;:ao do juiz lnstrutor e inclusive previu 0 legislador que 0 procedimento judicial a cargo do juiz devera prevalecer sobre aquele realizado pelo promotor,evitando com isso a existencia de investiga~6es paralelas (art. 785 bis.3 da LECrim). Pode existir uma instrucci6n fiscal, que" todavia devera cessar tao logo

" tenha 0 promotor conhecimento da existencia de um procedimento judi­cial, ou seja, a partir do momenta em que 0 juiz instrutor assume 0 mando da instru~ao, obrigatoriamente 0 promotor cessa sua investiga~ao e reme­te imediatamente todas as pe~as de informa~ao para 0 juiz. De uma posi­~ao contingente13 no procedimento sumario (rito ordinario), 0 promotor pode passar a ser 0 protagonista das diligencias previas.

o que desde logo deve ficar claro e que a regra geral e a instru~ao a cargo do juiz instrutor. Excepcionalmente, 0 promotor podera ser 0

encarregado da fase pre-processual, mas a qualquer momenta 0 juiz ins­. trutor pode intervir e automaticamente, por for~a de lei, assumir 0 mando

total da instr(j~ao preliminar. Por isso, ex vi legis, 0 juiz instrutor predo­"mina sobre 0 promotor investigador.

A atua~ao do promotor (como a do juiz instrutor) esta disciplinada pelos principios de legalidade, obrigatoriedade e indisponibilidade, alem da controvertida imparcialidade. Tao logo chegue ao seu conhecimento a pratica de um fato aparentemente punivel e perseguivel de oficio (publi­co), devera iniciar a instru~ao preliminar e a conseqliente investiga~ao do fato e da autoria. 0 promotor podenl conhecer diretamente do fato ou atraves de capia da denuncia ou atestado que a autoridade policial deve­ra encaminhar-lhe (art. 789). Desta forma, a instru~ao preliminar fiscal podera iniciar de ofieio ou mediante 0 recebimento de uma das modalida­des de noticia-crime anterior~nte apontadas (denuncia ou quereUa) ou ainda atraves do expediente policial - atestada.

Uma das inova~6es do procedimento abreviado e que 0 promotor podera ele mesmo praticar as diligencias que estime pertinentes, inclusi­ve citando e intimando pessoas, ou ainda determinar que as pratique a policia judiciaria. Cabe recordar que a policia judiciaria esta subordinada

13 Nos casas em que a instruc;ao prelimlnar inlcia e se desenvolve par auto-impulso do jU12 ins-:­trutor, 0 promotor e urn sujeita contingente, pols pode fazer-se presente e Intervir ou nao, ficando inerte ante a atividade do julz instrutor. .

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Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

no plano funcional aos juizes e membros do Ministerio Publico. 0 promo­tor podera dar instru~6es - gerais ou particulares - it policia, intervir nas atua~6es policiais, aportar elementos de prova etc., ademais de solicitar ao juiz instrutor a pratica ou autoriza~ao para praticar aqueles atos que impliquem a restri~ao de direitos fundamentais e que por isso"necessitam uma ordem judicial.

o promotor nao pode adotar medidas" cautelares, pois para isso depende de uma autoriza~aodo juiz instrutor. Sem embargo, pode utili­zar a dta~iio cautelar,14 prevista nos arts. 785.2 c/c 487 da LECrim e no art. 50, II, do Estatuto Organica del Ministerio Fiscal. A cita~ao cautelar ou tambem chamada "orden de comparecencia" tem por objetivo ouvir 0

acusado, sem que, em um primeiro momento, exista constri~ao de sua liberdade. Logo," seu aspecto principal e 0 de atb de comunica~ao, mas com a ressalva de que, estando presentes os requisitos da medida caute­lar, poderil converter-se em ordem de deten~ao, conforme estipula 0

art. 487 da LECrim,15 desde que seja necessario. Como se ve, a LO 7/88 criou uma instru~ao preliminar hibrida, pois 0

promotor e um investigador paralelo que nao tem poderes para "decretar a prisao cautelar ou a liberdade provisaria, mas pode citar suspeitos e teste­munhas e inclusive deter 0 imputado que nao atenda a citac;iio cautelar; tem amplos poderes" para investigar, mas a investiga~ao do juiz instrutor e prioritaria e preferente. A depend en cia ou acessoriedade da investiga~ao a cargo do MP manifesta-se da seguinte forma: a partir do momento em que o juiz inicia ou intervem no procedimento, 0 promotor suspende sua atua­~ao de forma imediata, remetendo todo 0 material ao juiz instrutor.

Ao final, 0 MP podera arquivar as atua~6es em caso de atipicidade da conduta, comunicando a sua decisao a vitima ou prejudicados para que possam reiterar a noticia-crime ante 0 juiz de instru~ao.'6 Enten­dendo de outro modo, poden\. solicitar do juiz instrutor alguma diligencia imprescindivel e que necessite autoriza~ao judicial ou pedir ao juiz qUe

14 Sabre 0 tema, veja-se n05595 trabalhos "Medidas Cautela res no ProceSSQ Penal Espanho'" e "Fundamento, Requisites e Principios Gerais das pris6es Cautelares", ambos publicados na Revista AlURIS, respectivamente n!lS; 67 e 72. Tambem na Revista de Processo, o!l 89 e na

Revista dos Tribunals, nit 748. 15 Art. 487. Si el citado, can arreglo ala prevenido en el articulo anterior, no compareciere ni jus­

tificare causa legftima que se 10 impfda, la orden de comparecencia podra convertlrse en orden de detencion.

16 E urn procedlmento multo peculiar. Nao se trata de um recurso para 0 julz. senao oferecer a notlda-crime para que 0 julz instrutor analise e investlgue ou reitere 0 arquivamento. Podem su·rgir problemas se 0 houver dlvergencia entre 0 julz e 0 promotor, pois 0 primeiro investiga­ra e 0 segundo ao final pOdera nao acusar, reltera-ndo sua posh;ao Inlcial.

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declare a conclusao das investigas:ees e posteriormente solicitar a aber­tura do juizo oral.

Devemos destacar que os atos realizados pelo promotor sao considera­dos como meros atos de investiga~ao e nao como atos de prova, 0 que signi­fica que nao poderao ser valorados na sentens:a, conforme explicamos ante­riormente, ao fazer a distins:ao entre atos de investigas:ao e atos de prova.

A fase intermediaria e chamada de preparacion del juicia oral e, segundo 0 art.' 790, 0 juiz decidira quando 0 procedimento estiver sufi­cientemente instruido e dara vista ao MP e acusadores habilitados para que, no prazo de 5 diasi formulem 0 escrito de acusas:ao (e com isso pedin­do a abertura do juizo oral) ou 0 pedido de arquivamento.

o Tribunal Constitucional entendeu que esta fase nao1? necessita a presens:a e a participas:ao do imputado, em clara vi6las:ao ao contradito­rio e ao direito de defesa.

o escrito de acusac;:ao compreendera a solicitas:ao de abertura do juizo oral, a identificac;:ao do imputado e os demais requisitos do art. 650, assim como a indicac;:ao das provas que pretende aportar. A competencia para decidir se procede ou nao a acusas:ao e do juiz instrutor, que, por meio de uma decisao interlocutoria fundamentada (auto), podera rejeitar a acusac;:ao e decretar 0 arquivamento ou acordar a abertura do processo, remetendo os autos para 0 tribunal competente para processual e julgar. Aqui inicia a fase processual.

Recebidos os autos, 0 juez de 10 penal ou a Audiencia Provincial, con­forme 0 caso, examinara as provas propostas, admitindo as pertinentes e rechac;:ando as demais. Determinara a dia em que devam iniciar as sessees do juizo oral (audii'mcias), com a conseqiiente instrus:ao processual e a posterior sentens:a. Na fase processual, sao observados os principios de publicidade, oralidade, contraditorio, ampla defesa, em sintese, 0 siste­ma adotado e predominantemente acusatorio.

C) A POLiCIA JUDICIARIA COMO ORGAO AUXILIAR E A DEPENDENCIA FUNCIONAL

Nos preocupamos em trazer a colac;:ao, ainda que de forma sumaria, algumas notas sabre a papel da Policia Judicial no sistema espanhol, que pod em contribuir para uma melhor definis:ao da policia como orgao auxi­liar do titular da instruc;:ao preliminar (juiz ou promotor).

17 Como apontamos anterJonnente, a paradoxa esta em que 0 mesmo tribunal entendeu que no rito ordinaria -deve-se permitir a atuat;ao da defesa na fase intermedlaria, mas no abreviado nao serra necessario.

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Sistemas de Investiga~ao Prenminar no Processo Penal ~~~:~~

Como explica Banacloche Palao,lS ao longo da historia, a sociedade foi encomendando a seus governantes a protec;:ao e a defesa de suas pes­soas e bens, tanto frente aos inimigos exteriores, como tambem frente aos possiveis agressores internos. Ao exercito incumbe a funs:ao de protes:ao contra os ataques que provenham do exterior, e, a policia, a defesa da ordem e da legalidade no seio da propria comunidade. Esta dualidade de protes:ao remonta as origens dassociedades civilizadas.

o art. 104 da Constituis:ao espanhola preve que as Forc;:as e Corpos de Segurans:a atuarao baixo a dependencia' do Governo, com a missao de proteger a livre exercicio dos direitos e liberdades e garantir a seguran­s:a dos cidadaos. Com isto, estao constitucionalizados as fins que devem desempenhar as orgaos de segurans:a publica. No dispositivo constitucio­nal, matizamos a missao de proteger el libre ejercicio de los derechos y libertades de las personas, numa nitida perspectiva garantista19 - prote­ger e assegurar aeficacia dos direitos e liberdades fundamentais previs­tos na CEo

A policia espanhola esta dividida em dais ramos, similar ao adotado no Brasil, segundo suas fun,<;e.es: Policia de Segurans:a e Policia Judiciaria

Sem entrar nos pormenores da instituis:ao, interessa-nos basicamen­te a Policia Judiciaria, que no Brasil,esta a cargo da Policia Civil e Federal.

Na Espanha, a Policia Judicial constitui um ramo da funs:ao judicial do Estado, servin do para a administrac;:ao do direito e, mais especifica­mente, para preparar a atuac;:ao do direito. Serve para construir a peque­na historia do delito .e por isso, obra sabre um fato pass ado, ja ocorrido. o fato presente e futuro interessa a Policia de Segurans:a, na sua func;:ao de prevenir atuas:6es ilicitas.

Trata-se de uma policia tecnica, que tem como funs:ao a averiguas:ao dos delitos e que por isso depende par completo dos juizes e fiscais (pro­motores), tanto no plano logico, pais sua atuac;:ao tem como destinatario o juiz instrutor ou a promotor (na func;:ao de investigas:ao e no exercicio da as:ao penal), como tambem no normativo - art. 126 da CE e 443 da LOPJ. Corresponde a policia judiciaria, art. 445 da LOPJ:

• averiguas:ao dos responsaveis, das circunstancias dos fatos delitivos e a detens:ao dos primeiros, dando imediata noticia a'autoridade judiciaria ou fiscal (MP), conforme 0 disposto nas leis;

• auxilio a autoridade judicial e fiscal em quantas atuac;:ees deva rea­lizar fora da sua sede e requisite a presens:a policial;

18 La libertad personal y sus limitaciones, pp. 176 e seguintes. 19 Tambem BANAClOCHE PALAD. Db. cit., p. 189.

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• realiza~ao material das atua~6es que exijam 0 exerdcio da coer~ao .'.' . e ordene a autoridade judicial ou fiscal; .

• garantia do cumprimento das ordens e resolu~6es da autoridade judicial ou fiscal;

• quaisquer outras da mesma natureza, em que seja necessaria a sua coopera~ao ou auxilio e assim ordene a autoridade judicial ou fiscal.

A dependencia da policia judiciaria deve ser analisada em um duplo aspecto: funcional e organica.

Com rela~ao a primeira (dependencia funcional), a policia encontra­se vinculada aos Tribunais e julzes de instru~ao (poder Judiciario) e tam· bem ao Ministerio Publico (chamado de Ministerio Fiscal e adstrito ao Poder Executivo). Neste sentido, expressamente, preve 0 art. 126 da Constitui~ao que a Policia Judiciaria depende dos julzes, .Tribunais e do Ministerio Publico no desempenho das fun~6es de averigua~ao do delito, descoberta e deten~ao do delinqUente.

Interessante e 0 conteudo da Instrucci6n normativa 2/1988, que trata da rela~ao entre 0 MP e a Policia Judiciilria. Disp6e que os fiscais jefes (Procuradores do MP) devem despachar - pelo menos - semanalmente, com os Chefes da policia, sobre os assuntos que interessem ao Ministerio Publico, demonstrando com isso a importante coopera~ao e rela~ao que deve existir entre os dois 6rgaos.

No plano da dependencia organica, a policia esta vinculada ao Ministerio do Interior, atuando baixo dependencia do Governo na prote­~ao do livre exercicio dos direitos e liberdades e garantindo a seguran­~a publica.

Destarte, evitam·se eventuais conflitos. Esta claramente estabeleci­do que no exercicio das fun~6es de investiga~ao, a policia depende das instru~6es dos julzes e promotores (dependencia funcional). No que se refere as fun~6es de preven~ao de delitos e manuten~ao da ordem e segu· ran~a do Estado, a policia atua segundo as diretrizes de politica criminal tra~adas pelo Poder Executivo, constitucionalmente responsavel pela poli-tica geral do Estado (art. 97 CE). .

Para garantir a realiza~ao da investiga~ao preliminar, estabelece 0

art. 446 da LOPJ que os membros da Policia Judicial gozam de inamovibi­lidade enquanto atuam em uma investiga~ao concreta - dentro de suas atribui~6es -, de modo que nao poderao ser removidos ou afastados enquanto nao finalizem a mesma, salvo por decisao ou com autoriza~ao do juiz ou promotor que esteja ao mando. Desta forma, evita-Se'a molesta contamina~ao politica na atividade judiciaL Por fim, quando existirem

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Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

ordens conflitantes, emanadas de um juiz e de um promotor, prevalecera a ordem do juiz, atendendo-se ao fato de que na Espanha ainda cabe ao juiz instrutor a palavra final.

II. FRAN<;:A

No Code de Procedure Penale de 1958, a instru~ao preliminar propria­mentedita- instruction preparatoire - e realizada pelo juiz .instrutor, a quem corresponde a tarefa de averiguar e comprovar 0 fato e a participa­~ao do sujeito passivo. Inobstante, 0 CPPf de 1958 introduziu uma nova modalidade de i'nstru~ao preliminar, para os delitos de menorgravidade e . .

complexidade, a cargo do Ministerio Publico, denominada de l'enquete preliminaire. Na decada de 90, especialmente no ano de 1993, 0 proces­so penal frances seguiu essa linha evolutiva no sentido de dar maiorpro­tagonismo aoMinisterio Publico na fase pre-processual. Contudo, a figura do juiz de instru~ao ainda e bastante forte e tem resistido as constantes tentativas de diminuir-lhe 0 poder de instruir. Ultimamente,20 tem-se dis­cutido possibilidade de retirar do juiz instrutor 0 poder de utilizar a pri­sao preventiva de oficio, atribuindo a outro 6rgao esta decisao, uma espe­cie de juiz garante ou de garontias (diverso do instrutor).

Por isso, na atualidade, estao previstos no CPPf dois tipos de instru· ~ao preliminar:

• Enquete preliminaire: sao as averigua~6es que podem ser realiza­das pela policia judiciaria, orientada pelo Ministerio Publico, nos delitos de menor gravida de. .

• Instruction pniparatoire: uma autentica instru~ao preliminar judi· cial, a cargo de um juiz instrutor.

Assim, 0 sistema frances mantem, em lin has gerais, dOis sistemas de instru~ao preliminar, de forma similar ao anterior italiano. A enquete pre­liminaire e similar a "instru~ao sumaria" e a instruction preparatoire assemelha-se a "instru~ao formal", ambas contempladas na Italia ate a reforma de 1988, quando a duplicidade deu origem a um sistema unico a cargo do MP, a indagine preliminare.

20 Como expllca CRENIER (Sistemas de Proceso Penal en Europa, p. 169), 0 informe da Comissao de Justi~a Penal e Direitos do Homem, presidida par Mlreille Delmas Marty, foi 0 responsavel pelas alterac;oes Introduzidas par uma lei de 4 de janeiro de 1993 e continua sendo objeto de debate no sentido de criar mecanismos de protec;ao contra os excessivos poderes do juiz lns~ trutor na Frant;a.

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Segundo disp6em as arts. 75 e seguintes do CPPf, a policia judiciaria procedera a enquete preliminaire seguin do as instru~6es e sob a controle do Ministerio Publico (procureur de la Republique). E a regra para as deli· tos de menor gravidade, em que a averigua~ao do fato e da autoria e atri­buida ao MP (auxiliado pela policia judiciaria).

A instruction preparatoire, arts. 79 e seguintes do CPPf, e obrigatoria para as delitos mais graves (crime) e e facultativa para os delitos de menor gravidade (delit). Esta a cargo do juiz de instru~ao Uuge d'instruction) e 0

Ministerio Publico podera solicitar a abertura atraves da requisitoire intra­ductif.

Ao lado desses dois sistemas de instru~ao preliminar, existem outros derivados, atendendo as especiais caracteristicas de determinados deli­tos. Existem regras especificas para a investiga~ao dos delitos de terroris­mo (arts. 706.16 e seguintes); trafico de entorpecentes (arts. 706.26 e seguintes); proxenetismo (arts. 706.34 e seguintes); delitos cometidos por pessoas juridicas (arts. 706.41 e seguintes); delito em flagrante (l'enquete de flagrance) e tambem para as contraven~6es de competencia do tribu­nal de police.

Com rela~ao ao orgao,a instru~ao preliminar esta a cargo do Juiz de Instru~ao ou do Ministerio Publico, segundo 0 caso. Devemos destacar que ambos pertencem ao Poder Judiciario e sao considerados magistrados, conforme estabelece 0 art. 65 da Constitui~ao francesa. Existem as magis­trats du parquet e os magistrats du siege, segundo perten,am a carreira judicial au do MP.

Como orgao auxiliar, disp6em as arts. 12 e seguintes do CPPf que a policia judiciaria esta sob dire,ao do Ministerio Publico, mais especifica­mente do procureur de la Repub/ique (art. 39). Por sua vez, as promoto­res recebem ordens escritas do Ministro da Justi,a, pois vige 0 sistema de hierarquia interna do parquet (art. 36).

o juiz instrutor preside a instruction preparatoire e, segundo preve a art. 50, deve ser eleito entre as juizes do tribunal julgador, nomeado pre­viamente por indica,ao dos magistrados. Tendo em vista a longa dura,ao dessa fun,ao (inicialmente par tres anos e posteriormente prorrogaveis par tempo indeterminado), sao considerados como magistrados de uma "cate­goria especial"." No exercicio de suas atribui,oes, poderao requerer dire­tamente a for,a publica (art. 51) e atuarao mediante a invoca~ao do MP nos termos dos arts. 79 e seguintes. Sao competentes para instruir toda a

21 CONTE, Philippe e DU CHAM BON, Patrick Maistre. Procedure Penale, p. 52.

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.Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

materia (art. 79) e, como regra geral, contra qualquer pessoa (excetuan-, do-se as delitos de competencia de uma jurisdi,ao de exce~ao)_

Como explicam Conte e Chambon,zz vige, como regra geral,o princi­pia da separa~aoentre a autoridade que investiga, instrui e julga. E uma importante garantia para a liberdade individual, pois estabelece um equi-, librio entre as autoridades do Estado e permite um controle mutuo, ade­mais de garantir 11 independencia e a imparcialidade.

Tendo em vista que os daiS 6rgaos pertencem ao Poder Judiciario, a natureza juridica dos dois sistemas de instru,ao preliminar sera a mesmo: procedimento judicial pre-processual. '

, Situa,ao distinta ocorre nas chamadas enquetes de police (arts. 12 e 13 do CPPf) au d' enquete de flagrance, que possuem a natureza de pro­cedi menta administrativo pre-processual, atendendo-se ao fato de que sao realizadas pela policia judici;~ria. Cumpre destacar que 0 procedimen­to par contraven,oes tramita junto ao tribunal de police e que, em geral, a Ministerio Publico e representado pelo commissaire de police e nao par um promotor de carreira (art. 45).

No que se refere ao objeto, enquete e instruction sao sum arias, limi­tadas a averiguar a existencia do fato narrado na noticia-crime e definir seus autores. Par sua propria natureza, a enqu€te e mais celere, inclusive porque esta destinada a averiguar os delitos de menor importanciae, em geral, menor complexidade,

Na instruction, destinada aos delitos mais graves, a juiz devera pro­ceder conforme determina a lei, recolhendo todo material de informac;:ao que seja util para a manifestac;:ao da verdade(art. 81), inclusive as neces­sarios para informar sabre a personalidade do sujeito pass iva e aqueles elementos que possam servir para a defesa. Investiga sabre os'fatos mate­riais e tambem sabre a personalidade do ou dos autores. Tambem devera decidir a apropriado para conservar aquelas provas que possam perecer. 0 Ministerio Publico, par meio do procureur de la Republique, podera soli­citar aquelas diligencias que julgar necessarias para melhor ex",rcer a a,ao penal (n?quisitoire suppletif).'"

o juiz (au a promotor conforme a caso) podera exercer"ele mesmo seus poderes de investiga,ao au determinar que a policia judicia ria reali­ze a diligencia. Na maioria dos cas os, segundo (renier, as juizes utilizam as comissoes rogatorias, que permitem aos membros da policia judiciaria proceder em seu nome.

22 Procedure Penale, pp. 42 e seguintes.

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Explicam Conte e Chambon23 que na' instruction a juiz deve investi­gar a fato constante da requisic;ao do Ministerio Publico, dependendo, para investigar urn fato novo, de uma n!quisitoire supptetif. No mesmo sentido, Crenier24 afirma que 0 juiz esta submetido in rem, isto e, somen· te pode proceder em relac;ao aos fatos c'onstantes na requisic;ao do MP. Se surgirem novos fatos no transcurso da instruc;ao preliminar, deve ser cornu· nicado 0 MP para que solicite a investigac;ao supletiva.

A instruc;ao preliminar na Franc;a,romo adverte Crenier,25 caracteri­za-se por ser secreta (regra gera.l para a enquete e instruction, prevista no art. 11 do CPPf), e a violac;ao deste segredo par uma das pessoas que participa no processo (juiz, promotor, advogado etc.) e urn delito. Tambem domina a forma escrita (arts. 106 e 121), reservando-se a orali­dade para os debates da fase processual, e as atas redatadas nao tern, salvo casos particulares, mais valor que 0 de mera informac;ao (atos de investigac;ao). Sem embargo, como destaca a autora,26 na pratica adqui­rem certa forc;a probatoria com a .condic;ao de que sejam respeitadas determinadas formalidades.

No que se refere a participac;ao do sujeito passivo, devemos distin­guir entre enquete e instruction. Na primeira, a participac;ao do imputa­do e limitadissima27 e estaria justificada pela natureza dos delitos (menor importancia) e a celeridade (teorica) com que se realiza. Por isso, pode ser considerada como na~ contraditoria. 2B Ja na instruction, a cargo do juiz instrutor, 0 sujeito passivo tern direito a assistencia de advogado desde a sua imputac;ao e du'tante toda a fase pre-processual. Explica Crenier29 que 0 defensor tern amplo direito de consulta aos autos e deve ser-lhe comunicada previamente qualquer decisao que tenha influencia sobre a liberdade de seu diente (v. g. pris6es cautelares) e a sua presen­c;a e obrigatoria nas audiencias, interrogatorios, acareac;6es etc.

Por fim, a ac;ao penal esta orientadapelos principios de oportunida­de e oficialidade, estando 0 MP a cargo da ac;ao penal publica.

23 Procedure Pimafe, pp, 42 e seguintes, 24 Ao c:omentar 0 direito frances, in Sistemas de Proceso Penal en Europa, p. 156. 2S Idem, p. 154. 26 Idem, p. 155. 21 CRENIER, Anne. "Francia", In Sistemas de Proceso Penal en Europa, p. 158. 28 Neste sentido, CONTE e DU CHAMBON. Db. cit. p. 183. 29 Ao comentar 0 dlreito frances, na obra Sistemas de ProceSQ Penal en Europa, p. 158.

220

Sistemas de Investiga~iio Preliminar no Processo Penal

III. IrAuA

A) DEFINI~Ao E NATUREZA JURfDICA

o atual C6dice de Procedura Penal foi elaboradoem 1987/1988 e efe­tivamente entrou em vigor no dia 24 de outubro de 1989, substituindo o. cha­'mado Codigo de Rocco, de 1930. No que se refere Ii instruc;ao preliminar, as modificac;6es foram substanciais e fortemente influenciadas pelo modelo adotado pela Alemanha em 1974. Suprimiu-se a sistema deinstruc;ao judi­cial e a distinc;ao entre a instruc;ao formal e 'a sumoria, passando agora a investigac;ao preliminar a ser uma atividade a cargo do Ministerio Publico.

o CPPi pretendeu extinguir os rasgos inquisitivo$ da fase preliminar, abandonando a figura do juiz de instruc;ao para substitui-la por'uma inves­tigac;ao preliminar a cargo do Ministerio Publico, cham ada de indogini pre­liminari. A definic;ao legal vern dada pelo art. 326 do CPPi, como sendo as investigo~oes e .overiguo~iies necessarias para a exercicio da a~ao penal, desenvolvidas pelo Ministerio Publico e a Policia Judicial, no ambito de suas respectivas atribui~oes. E importante destacar 0 conteudo do art. 358, determinado que 0 Ministerio Publico efetue investigac;6es sobre os fatos ecircunstancias que tambem possal\l.~f~v.eis Ii pessoa subme­tida a indagine preliminare.·':'3'!!!\!J ?n:1

Como explicam Ferraioli e Dalia,30 0 Ministerio Publico na Italia esta integrado ao Poder Judiciario, com as mesmas garantias da magistratura, mas carece de poder jurisdicional. A atividade realizada na indagine pre­liminare nao e propria da jurisdic;ao, ao contrario, consiste em determi­nar como introduzHa, mediante 0 exerdcio' da ac;ao penaL Por isso, entendemos que a instruc;ao preliminaritaliana tern natureza procedimen­tal (procedimento per Ie indagini preliminari), de carater instrumenta.l e preparatorio com relac;ao ao processo penal. Frente ao status do Ministerio Publico italiano, como orgao do Poder Judiciario e com a garan­tia da independencia, chegamos Ii condusao que a natureza juridica da indagine preliminare corresponde ao que definimos anteriormente como procedimento judicial31 pre-processual.

31) Corso dl Diritto Processua/e Penale, p. 29. 31 Contrario ao nossa entendimento, TAORMINA (Dlritto Processuale penafe, vol. I, pp. 40 e seguin­

tes) argumenta que 0 MP persegue 0 interesse publico - como as demais orgaos da adminis­tra~ao - e que tern as mesrnas garantias da rnagistratura, mas com urn regime diferente. A nor­mativa constitucional esta aberta a configura~ao do MP como 6rgao administrativo, em harmo­nia com a fun~ao atribuida, de "orgao parte", para a tutela do interesse punitivo.do Estado, atra­ves do exercicio da aC;ao penal. Seria urn orga.o com atribul~6es administrativa.s mas~per-

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Page 123: Aury lopes jr   sistemas de investigacao preliminar no processo penal

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Por fim, 0 CPPi faz a distin~ao entre imputato (art. 60) e persona sot­toposta aile indagini preliminari. Uma vez que se produziu a imputa~ao por parte do promotor, solicitando 0 reenvio a juizo ou outra peti~ao da mesma natureza, conforme determina 0 procedimento adotado, 0 sujeito passiv~ passa a ser considerado imputato. Ate este momento, emeramen­te uma pessoa submetida a averigua~iies. Nos dois casos, 0 direito de defesa tecnica esta a·ssegurado e com carater obrigat6rio - irrenunciavel. Dada a importancia do tema, trataremos em um ponto especifico, 1ntitu. lade SituQ(;oes do SUjeito Passivo da InstrUl;iio Preliminar, ao qual reme­temos 0 leitor.

B) ORGAO ENCARREGADO E A FIGURA DO JU/Z GARANT£

a) 0 promotor investigador

As indagini preliminari (investiga~iies preliminares) estao encomenda­das ao Ministerio Publico - sistema de promotor investigador - que tem a sua disposi,ao direta a policia judiciaria. 0 MP Italiano tem uma fisionomia particular, pois, desde um ponto de vista estrutural, a magistratura esta unificada e os magistrados distinguem-se entre si pela diversidade de fun­~6es: julgadoras ou postulat6rias (investigat6rias). Neste sentido, dispiieo art. 107 da Constitui,ao Italiana (CI) que os magistrados distinguem-se entre si unicamente por essa diversidade de fun,6es, atribuindo ao MP 0

gozo de todas as garantias organicas estabelecidas para a judicatura. o sistema fortalece 0 MP em todos os senti dos, inclusive com rela~ao

a a~ao penal, ainda que em certos delitos, exija a previa autoriza­~ao/atua~ao do of en dido. Destarte, sao condi~iies de procedibilidade: a querela, a instanza e a richiesta.

Resumidamente, nos delitos privados, a querela (art. 336) consiste numa declara~aode vontade da vitima ou representante legal (no sentido de que deseja que se proceda para a apura~ao do delito) necessaria para que 0 fiscal possa atuar. Pode ser oral e feita junto ao MP ou a polieia judi. ciaria. A instanza (art. 341) e semelhante a querela, com a distin~ao de

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tencente ao Poder Judiciario, conjugando a func;ao adrninistrativa com as particularidades do interesse punitivo. Por fim, afirrna 0 autor (p. 46) que 0 MP e urn argao titular-de uma func;ao adrninistrativa e organizado coerenternente com tal classiflcac;ao e que pertence ao Poder Judiciario, atendendo ao especifico interesse punitiv~, somente persegufvel atraves da jurisdl­c;ao, e pertencente nao tanto ao Estado-administrac;ao, quanto a coletividade ou ~o Estado em sua unidade, Por esses motivos, a atividade do Ministerio Publico teria a natureza administra­tlva, ainda que com os matizes apontados.

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Sistemas de Investigat;ao Preliminar no Processo Penal

que e necessaria para os delitos que nao podem ser perseguidos de ofieio e foram praticados no exterior. A richiesta (art. 343) constitui uma peti­~ao de instaura~ao do procedimento penal, por parte de uma determina­da autoridade publica e opera no ambito de certos delitos, que, por seu carater especial, exigem 0 requerimento previo da autoridade afetada32

(arts. 7-11, 127-129, 313 do C6digo Penal italiano). Por fim, a autorizza' zione a procedere do art. 343 diferencia-se da richiesta porque configura uma autoriza~ao previa que 0 MP deve obter para poder atuar contra determinadas pessoas, que, pelo cargo que ocupam, nao podem ser sub­

-metidas a indagine preliminare sem previa autoriza~ao de uma determi-nada autoridade. E 0 que ocorre quando 0 suspeito e membro do Parlamento ou da Corte Constitucional.

o Ministerio Publico assumiu quase que totalmente a fase pre-proces­sual, podendo, no curso das indagini, interrogar 0 sujeito passiv~ (art. 375); receber declara~6es de testemunhas; determinar a realiza~ao de pericias tecnicas (art. 359); efetuar diligencias de identifica,ao de pes­soas; ordenar a<;area~iies, buscas pessoais e inclusive obter informa~6es e dados bancarios - quebra de sigilo - nos termos do art. 255 do CPPi cl c art. 12.6 da Lei 19/1990, mediante previa autoriza~ao do Procuratore de ~aRepublica ou do juiz competente. Como destaca Villagomez,33 indusi­

. ve outorga-se ao MP a faculdade de adotar medidasque ilfetem direitos fundamentais, em caso de urgencia, estabelecendo-se, nao obstante, um sistema de contrale direto por parte do juiz da instru,ao preliminar.

b) 0 juiz garante

Apesar de estar encomendada ao MP, a indagine preliminare e reali­zada baixo 0 controle garantista do giudice per Ie indagini preliminari (juiz das investiga~6es preliminares). Esse juiz da instru~ao e nao de ins­tru~ao nao realiza tarefas investigat6rias ou instrutoras, senao de garan­tia, como um verdadeiro garante, atuando no controle da ado,ao e reali­za~ao das medidas restritivas de direitos fundamentais do sujeito passivo.

Explica Chiavario34 que, com a reforma, surge uma nova articula~ao da presen~a jurisdicional, um novo ofieio para adaptar 0 juiz a distinta fun,ao e estrutura da investiga,ao preliminar. A9 juiz incumbe, basica­mente, a condu~ao do incidente probat6rio e da audiencia preliminar,

32 VILLAGOMEZ, Marco. "Estudio Preliminar", in Ef Nuevo Proceso Penal Italiano, p. 26. 33 "Estudio Prelimlnar", in EI Nuevo Proceso Penal Italiano, p. 27. 34 La Riforma del Processo Penale, p, 65.

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como as cautelares, interven~ees telefonicas etc. . Com a aboli<;ao do sistema deinstru<;ao formal e da figura do juiz ins­

trutor, com a conseqiiente atribui<;ao ao Ministerio Publico, Fortuna35 ' aponta para 0 surgimento da necessidade de estabelecer um instrumento . decontrole da adequa<;ao da indagine, do fundamento da prova para ., abertura doprocesso e da liberdade pessoal do sujeito passiv~. 0 giudice .. per Ie indagini preliminari nasce desta necessidade e vem desempenhar a fun<;ao de controle da legalidade dos atos praticados pelo MP e assegura,r o respeito aos direitos e garantias fundamentais do sujeito passivo. Excepcionalmente, 0 juiz atua com maior intensidade na audienciapreli­minar e no incidente probatario (produ<;ao antecipada de provas).

Em sintese, seguindo a Dragone,36 as fun<;ees do juiz na indagine sao: a) fun~ao de garantia da liberdade pessoal e da liberdade das comu­

nica~ees dosujeito passivo; b) fun~ao de controle -cia dura~ao da investiga<;ao preliminar e da

modalidade de a<;ao penal que devera exercer 0 Ministerio Publico; c) fun~ao de garantia da forma~ao antecipada da prova no incidente

probatario; d)fun~ao de decisao e controle do resultado da investiga<;ao prelimi­

nar na audiencia preliminar.

E importante destacar .a preocupa<;ao com a imparcialidade deste juiz. Seguindo a normativa europeia ditada pelo lEDH, 0 art. 34 do CPPi preve, entre outros casos, a incompatibilidade do juiz que ditou a resolu­<;ao de conclusao da audiencia preliminar para atuar no processo e senten­ciar. Posteriormente, a Corte Constituzionale, atraves de diversas deci­sees,37 declarou a inconstitucionalidade por omissao deste dispositivo legal, por nao haver previsto outros casos de incompatibilidade com rela­<;ao it anterior atua<;ao do juiz na indagine preliminare. Em sintese, con­sagrou 0 principio anteriormente explicado, de que 0 juiz que atua na investiga<;ao preliminar esta prevento e nao pode presidir 0 processo, ainda que somente tenha decretado uma prisao cautelar (Senten<;a da Corte Canstituzionale nO 432, de 15 de setembro de 1995). Por ser preven­to, sua imparcialidade esta comprometida e por isso nao pode julgar.

3S Na obra coletiva Manuale Pratico del Nuovo Processo Penale, p,'9S. 36 Idem, pp. 481 e seguintes. 37 Decls6es nllS 496/1990, 401/1991, 502/1991, 12411992, 186/1992, 399/1992, 439/1993,

432/1995, entre outras.

224

Sistemas de Investiga~ila Preliminar no Processo Penal

C) OBJETO E SUA L1MIlA~AO

No que se refere ao objeto, a investiga<;ao preliminar italiana e suma­ria, seguindo 0 criterio misto. Esta limitada qualitativamente pelo art. 326, que estipula que a indagine esta.limitada aos elementos necessarias para 0 exercicio da a<;ao penal.

No aspecto temporal, esta limitada pelo art. 405.2 do CPPi, segundo o qual 0 MP deyera requerer a abertura do processo no prazo de 6 meses, con tad os a partir da data em que existe a atribui~ao do ato a uma pessoa determinada (0 que tambem abriga a que se inscreva a noticia-crime no respectivo registro). 0 prazo sera de urn 1 anose 0 delito for considerado grave, como os di criminalita ma/iosa, terrorismo, taxicas etc. 0 juiz, mediante solicita<;ao fundamentada do Ministerio Publico, podera prorro­gar esse praza. Por fim, preve 0 art. 407 que ainvestiga<;ao preliminar naa podera superar os 18 meses (salvo nocaso previsto no art. 393.4) au as 2 anos, nos casas previstos no art. 407.2 do CPPi.

Destacamos, ainda, a san<;ao contida no art. 407.3 do CPPi, estabele­cendo que, se a MP nao exercitar a a<;ao penal au solicitar oarquivamen­to no prazolegal au prorrogado pelo juiz, os atos de. investiga<;ao pratica­dos depois de vencido a praza nao poderao ser utilizadas no processo . penal. E a chamada pena de inutilizzabilita. Cbntudo, esta permitido ao MP que, depois da audiencia preliminar, desenvolva investiga<;ees, que sao ~onsideradas por Dragone3B como attivita integrativa di indagine.

Ademais, contribui definitivamente para a sumariedade 0 fato de que os atos praticados na investiga<;ao preliminar tem uma fun<;ao endoproces­suaie,39 pois sua eficacia esta limitadaao plano interno da fase pre-pro­cessual, nao servindo de prova no processo, pois nem sequer integram os autos do processo. E 0 sistema ideal, em que os atos da indagine sao excluidos e assim considerados como meros atas de inyestiga~iio.

D) AlOS

A notitia criminis e canalizada atraves do Ministerio Publico, que decidira que atos praticara ou determinara que os realize a policia judi­ciaria, segundo suas instruc;:6es. A fase pre-processual e facultativa, cabendo ao MP, ao receber a noticia-crime, decidir se instaura a indagine, solicita 0 arquivamento, pede a abertura da audiencia preliminar ou ofe-

JB Na 'obra coletiva Manuale Prat;ico del Nuovo Processo Penale, p. 573. 39 A expressao e de DRAGONE, in Manuale di Diritto Processuafe Penale, p. 475.

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Page 125: Aury lopes jr   sistemas de investigacao preliminar no processo penal

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rece diretamente a a~ao penal, adotando um dos diversos ritos que a lei oferece conforme 0 delito e suas circunstancias.

o segredo das investiga~6es realizadas pelo MP e/ou a policia judi· ciaria e a regra geral, conforme disp6e 0 art. 329 do CPPi. Com rela~ao ao sujeito passiv~, 0 segredo podeni durar ate que exista uma imputa~ao for· mal, e, em todo caso, nao devera durar alem do momenta em que se con­clua a investiga~ao preliminar. E importante destacar 0 conteudo do art. 369 do CPPi, que obriga 0 MP a informar Ii pessoa submetida Ii indagine da existencia de uma investiga~ao em curso, com a tipifica~ao da conduta supostamente praticada, a indica~ao do lugar e a data em que teria sido praticada. E 0 que se define como uma obriga~ao di invio dell'informa· zione di garanzia - informa~ao de garantia - e contem a indica~aode que o sujeito passiv~ podera nomear defensor para que assista ao ato cuja lei lhe faculta a presen~a (existe uma serie de atos e diligencias em que a lei permite a assistencia do defensor).

Disp6e 0 art. 114 que esta proibida a publica~ao, ainda que parcial ou resumida, das atuac;6es policiais ou do Ministerio Publico eo conteudo ' das mesmas. Esta proibi~ao de publica~ao na imprensa dos atos da inda­gine preliminare existe ainda que nao tenha sido decretada secreta, con­forme determina 0 art. 114.2 do CPPi.

Terminadas as investiga~6es (art. 405), 0 Ministerio Publico podera, em sin'tese: solicitar 0 arquivamento (arts. 408, 411 e 415), a abertura da audWncia preliminar ou adotar outro dos procedimentos contemplados na lei em que nao e necessaria a previa audiencia preliminar para iniciar-se o processo penal.

A audiencia preliminar - udienzo preliminore, art. 416 - constitui um importante fittro, uma fase intermediaria, previa a abertura do pro­cesso penal. Sua func;ao e possibilitar 0 debate contraditerio antes do recebimento da a~ao penal, para evitar a surpresa e as acusac;6es infun­dadas. Permite, inclusive, uma sumaria produc;ao de prova. Finalmente, 0

juiz podera receber a acusa~ao e enviar 0 processo para 0 tribunal com­petente ou decidir, desde logo, pela rejei~ao da acusac;ao - non luogo 0

procedere - que sera recorrivel. '

E) VALOR PROBAT6RIO

A atividade do Ministerio Publico na fase pre-processual somente gera otos de investigo~iio e nao de provo, de modo que seu valor probaterio esta limitado a justificar as medidas adotadas no curs~ da indogine. Na

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

audiencia preliminar, 0 material probaterio serve para fundamentar 0

exercicio e 0 recebimento da acusa~ao. Como explicam Dalia e Ferraioli,40 toda a atividade desenvolvida na

investiga~ao preliminar forma 0 fascicolo delle indogini, iniciado com a noticia-crime, e que acompanhara a a~ao penal ou 0 pedido de arquiva­mento. Sera elemento de valora~ao para a decisao sobre 0 acolhimento ou rejei~ao da a~ao penal. Ficara depositada no carterio, it disposi~ao do sujeito passiv~ e do seu defensor, para que apresentem uma satisfateria defesa na sucessiva fase intermediaria - 'udienza preliminore. E, tambem, uma preciosa fonte de informa~ao para orientar a defesa na escolha do procedimento, seja 0 ordinario ou outro alternativo, como 0 procedimen­to abreviadoou a imediata aplica~ao da pena.

Por ser urn procedimento pre-processual, a indogine preliminore esta caracterizada por urn alto grau de "liberdade de forma" e, por isso, e ini­donee para proporcionar resultado probatorio.

Urn dos motivos da clara distin~ao entre 0 procedimento per Ie indo­gini preliminori e 0 processo e exatamente evitar a contamina~ao do juiz pelos elementos obtidos na fase pre-processual. 0 objetivo e a absoluta originolitil do processo penal, de modo que na fase pre-processual naoe atribuido 0 poder de aquisi~ao da prova. Somente deve recolher elemen­tos uteis Ii determina~ao do fato e da autoria; em grilU de probabilidade, para justificar a-ac;ao penal. A efetiva coleta da prova esta reservada para a fase processual - giudice del dibottimento - cercada de todas as garan­tias inerentes ao exercicio da jurisdiC;ao.41

A originalidade e alcanc;ada, principalmente, porque se impede que todos os atos da investiga~ao preliminar sejam transmitidos ao processo -exclusao de pec;as - de modo que os elementos de convencimento sao obtidos da prova produzida em juizo. Com isso, evita-se a contamina~ao e garante-se que a valora~ao probatoria recaira somente sobre aqueles atos praticados na fase processual e com todas as garantias. Na pratjca, como explica Spataro,42 a pec;a que vai para a fase processual e, normalmente, extremamente reduzido, ja que contem somente 0 relativos Ii condic;ao de procedibilidade (quando necessario) e aquelas atas de atos irrepetiveis (praticados no respectiv~ incidente de produ~ao antecipada).

. Este e urn principio geral. Excepcionalmente, pela especial natureza do ate ou 0 risco de perecimento, determinado ate da investigaC;ao pass a

40 Manuale di Diritto Processuale Pena/e, p. 519. 4l DALIA, Andrea e FERRAIOLI, Marzla. Manuale dl Diritto Processuale Penale, pp. 568 e segulntes_ 42 Ao comentar 0 sistema italiano na obra Sistemas de Proceso Penal en Europa, p. 235.

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AUry Lopes Jr.

a integrar 0 processo e pode ser valorado na sentenc;a, mas para issoe necessario que tenha sido prod!Jzido como incidente probat6rio - produ­c;ao antecipada - com os requisitos inerentes a essa atividade.

Em suma, 0 sistema italiano atribui aos atos ·da indagine urn valor endoprocedimental e, para evitar a coritaminac;ao do processo, determina a sua exelusao fisica. Para aquelas provas relevantes e urgentes, utiliza-se . o incidente de produc;ao antecipada, presidido pelo juiz da investigac;ao preliminar e com plenas garantias de contradic;ao e defesa.

IV_ ALEMANHA

A) DEFINI~AO LEGAL E NATUREZA JURiDICA

Como explica Gomez Colomer:3 a reforma realizada em 1974 deter­minou que o Ministerio Publico deveria assumir a investigac;ao preliminar. A lei apenas legalizou a pratica, pois, ainda queexistisse 0 juiz instrutor, na realidade essa figura carecia de importancia, porque efetivamente as fun­c;6es investigat6rias ja eram realizadas pelo MP e pela policia judiciil.ria.

A investigac;ao . preliminar - ermittlungsverfahren e vorverfahren -esta definida no § 160 da StPO, 44 e consiste na atividade a cargo do pro­motor, de averiguac;ao· das circunstancias de fato contidas na noticia­crime,com 0 fim de tomar uma decisao sobre exercer ou nao a ac;ao penal publica. Nessa atividade, 0 promotor devera verificar nao s6 as circunstan­das que sirvain para demonstrar a responsabilidade penal, mas tambem aquelas que exculpem ao sujeito passivo. Ademais, devera preocupar-se em recolher e documentar - atraves do respectivo incidente de produc;ao . antecipada - aquelas provas sobre as quais exista risco de perda ou impos­sibilidade de posterior produc;ao em juizo.

A investigac;ao preliminar devera limitar-se as circunstancias objetivas e subjetivas que sejam importantes para a determinaC;ao das conseqUen­cias juridicas do fato. Na sua atividade, 0 promotor podera obrigar a com­parecer os suspeitos/imputados e tambem testemunhas; examinar docu­mentos; exigir a sua presenc;a para a realizac;ao da autopsia; seqUestrar bens; praticar as diligencias necessarias para recolher elementos de con­vicc;ao etc. Algumas medidas podem exigir a previa alitorizac;ao judicial,

43 "La Instruccidn del Proceso Penal por el Ministerlo Fiscal: Aspectos Estructurales a la luz del Derecho Comparado", in La Reforma de la Justicia Penal - Estudlos en homenaje al Prof. Klaus Tiedemann, p. 468.

44 Em tudo que se refere ao texto processual penal alemao, utillzamos a contido na obra de GOMEZ COLOMER, EI Proceso Penal Aleman - Introduccion y Normas Basicas.

228

Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

ainda que se permita, em caso de urgencia, que 0 promotor pratique 0 ato,­condicionando sua eficacia probat6ria a posterior ratificac;ao judicial.

A posiC;ao juridica do Ministerio Publico na estruturapolitlca do Estado e urn tema complexo. Para Gomez Colomer,45 0 MP esta situado como uma autoridade d.a administrac;ao da justic;a, mas autonomo dentro. da mesma. Nao e autoridade jurisdicio·nal porque nao exercita uma func;ao desta natureza. Mas tampouco e uma autoridade puramente administrati­va, pois nao parte das exigencias da administrac;ao, senao que esta orien­tado pela verdade e a justic;a. E 0 guia da investigat;ao preliminar, diretor e senhor da mesma_

Analisando as diversas· posic;6es da doutrina alema, Armenta Deu4•

explica que 0 Ministerio Publico alemao esta hierarquicamente organiza­do (§§ 141 a 152 da Lei de Organizac;ao dos Tribunais), atuando sob a representac;ao do primeiro promotor, que pddera avocar para si 0 conhe­cimento da causa ou designar a outro promotor para que presida a inyes­tigac;ao/acusac;ao. 0 Promotor Geral Federal e nomeado pelo Presidente da Federac;ao, a proposta do Ministro da Justic;a, e 0 mesmo sucede na esfera dos respectivos Estados federados. Cumpre destacar, ademais da dependencia hierarquica, que os promotores nao gozam de uma importan­tissima garantia: a inamovibilidade. Por tudo isso, Armenta Deu conelui

. que 0 MP esta numa posic;ao iritermediaria, entre 0 Poder Executivo e 0

Judiciaria. A nosso juizo, seguindo afundamenta:c;ao da autora e trac;ando urn

paralelo com 0 MP brasileiro, muito similar, mas dotado de inamovibilida­de e independencia interna, vemos que, no Brasil, existem garantias ins­titucionais superiores as existentes na Alemanha. Sem embargo, ao nao estar incorporado ao Poder Judiciario e ser b Procurador Geral indicado pelo Poder Executivo, nao podemos afirmar que pertenc;a ao primeiro, ainCia que desenvolva uma particular atividade de cooperac;ao com a admi­nistrac;ao da justic;a. Destarte, se para definira natureza juridica da inves­tigaC;ao preliminar no Brasil tivemos que recorrer II elassificac;ao de ate administrativo, distinto nao poderia ser no caso da Alemanha. .

Por tudo isso, entendemos que a natureza juridica deste sistema de investigac;ao preliminar corresponde ao que anteriormente denominamos de procedimento administrativo pre-processual, atendendo a natureza dos atos praticados e ao 6rgao que os realiza.

45 £1 Proceso Penal Aleman, p. 70. 46 Crlminalidad de b9gatela y principIa de oportunfdad: Alemania y Espana, pp. 76 e seguintes.

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Aury Lo.pes Jr.

B) ORGAo ENCARREGADO

Com rela~aa aa 6rgaa encarregada, a sistema alemao atribui aa Ministerio Publica a titularidade da a~aa penal - dominus litis - e tambem da investiga~ao preliminar, cabendo-lheainda dirigir e cantrolar a ativida­de da policia judiciaria .. Explica Gamez Colamer"7 que a Ministeria Publica e a 6rgaa instrutar das causas penais, cabenda ainterven~aa judicial naquelas resalu~oes que impliquem restri~oes de direitas fundamentais do sujeita passiva, principalmente as que afetem a liberdade (§§ 65, 114, 1Z6.a, 161.a etc.). 0 MP tem a manapolio da a~aa penal(§ 243, ap.3 da StPO), dispando de fac{jldades discricianarias em virtude da ada~ao do principio de apartunidade, senda, par issa, a autaridade suprema da acusa­~aa e tambem dainvestiga~aa preliminar.

Em suma, e um tipica model a de promotor investigador. Contuda, destacamas que na pratica existe uma tendencia de transfarmar essa ins­tru~aa a cargo do MP em uma investiga~aa"meramente palicial, pais, em ultima analise, e a palicia quem realiza em grande parte a investiga~aa preliminar. Neste sentida, remetemas a leitar as criticas anteriarmente feitas sabre essa grave degenera~aa.

Alem do promotor e da palicia, tambem atua na fase pre-pracessual a juiz" da instru~aa preliminar, com um marcada carater de juiz garante e naa de juiz instrutor. Alem de realizar a juiza de pre-admissibilidade da acusa~aa - na fase intermediaria -, cumpre aa juiz analisar a legalidade da medida adatada pela fiscal, sempre recardando. que e adatada a prin­cipia "da apartunidade, de mada que naa the assiste a pader de verificar a canveniencia da pasi~ao. adatada pela pramator. Pademas resumir a atua­~aa do juiz garante em tres pantas:

a) Excepcianalmente, a juiz pade praticar atas de investiga~aa que ten ham carater urgente. Passada a urgencia, a Ministeria Publico assume a investiga~aa (§ 165 da StPO).

b) Assegurar os meias de prova (§§ 251 e 254 da StPO) atraves do inci­dente de pradu~aa antecipada e previa peti~aa do MP.

c) Decidir - mediante salicita~aa do MP - sabre as medidas cautela­res pessaais e reais e as demais medidas restritivas de direitas fun­damentais (busca e apreensaa domiciliar, interven~6es carparais como exames de sangue, ADN etc.). Cumpre destacar que a prama-

47 EJ Proceso penal-Aleman, p. 73. Tambem no trabalha "La Instrucci6n del Proceso Penal par et Min/sterio Fiscal: Aspectos Estructura/es a fa Iuz del Derecho Comparado", in La Reforma de fa Just/cia Penal - Est~dlos en- homenaje aJ Prof. Klaus Tiedemann, p.46B.

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no. Processo. Penal

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tar somentepade decretar a deten~aa, pais a prisao preventiva exige a autariza~aa do orgaa jurisdicianal.

Como resume Bass,48 naa existe um juiz instrutar e tada a investiga­~aa esta nas maas do MP, que e a dono" e senhar da instru~aa preliminar. o juiz samente atuara quando 0 promotor queira levar a cabo atasque so passam ser autarizadas pela orgaa jurisdicional, como a prisao preventi­va, buscas damiciliares, interven~oes corparais etc.

C) UMITA(:Ao DO OBJETD E ATOS

o objeta da investiga~ao preliminar alema esta qualitativamente limitada (§160 da StPO):

• pela seu proprio fim, a decidir sabre a exercicio da a,ao penal; • pela qualidade das atas: somente aqueles que revistam importi'in­

cia para determinar as conseqiiencias juridicas do fato.

Apesar de nao term as conhecimento de nenhuma limita~aa temporal, a nivel de cogni~aa do abjeta esta suficientemente limitada aa fumus commissi delicti necessaria apenas para decidir sabre a pracessa ou a naa­processa. Par issa, e uma investiga~ao sumaria. Tambem devemas desta­car que expressamente a legisla~aa pracessual penal alemaa impoe aa MP a dever de recalher as pravas de descarga, indicadas peta sUjeita passiva, des de que sejam relevantes para determinar as conseqiienciasjuridicas do fato.

Os atas seguem a regra geral de lugar e tempo, ista e, padem ser pra­ticadas atendendo it necessidade e a natureza at 0, que inclusive pade pas­suir sua propria limita~aa de tempo (v. g., dura~aa da deten~aa etc.). E um sistema de instru~aa preliminar facultativa, pais 0 MP dispoe de um ampla pader discricianal para decidir sabre a necessidade au naa e inclu­sive sabre a canveniencia de exercer au naa a a~aa penal.

Os atas praticadas pelo promotor seraa reduzidas a escrita - ata escrita - canfarme determina a § 168.b da StPO.

Predamina 0 segredo exterior ate a fase pracessual. 49 Como explica Bass,50 a investiga~aa preliminar e basicamente secreta e mesma a impu­tada e seu defensor nao tem direita de assistir as diligencias realizadas

48 Ao expllcar 0 sistema alemao, na obra Sistemas de Proceso Penal en Europa, p .. -26. 49 Mesma no processo estao prolbidas as gravac;oes sonoras e as frlrnagens. so Ao explicar 0 sistema alemao, na obra Sistemas de Proceso Penal en Europa, p. 23.

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pelo MP.· Mas existem excec;6es, previstas na lei, que permitem ao sujeito passivo e/ou seu defensor presenciar determinadas diligencias, examinar algumas atas sabre determinadas atuac;6es do MP, assim como as objetos de provas que estiverem sob cust6dia oficial (§ 147 da S,PO).

No que se refere ao valor probat6rio, entendemos51 que as atos pra· ticados pelo MP (au a policia judiciaria a seu mando) nesta fase devem ser considerados como atos de investigac;60 e nao como atos de prova.

Na Alemanha, segue·se a sistema acusat6rio fo.rmal, conforme determi· nam as §§ 151 e 152 da StPO, que condicionam a abertura da fase processual ao exercicio da pretensao acusat6ria. E adotado a principia da oficialidade, tom a monop6lio da investigac;ao preliminar e da ac;ao penal par parte do Ministerio Publico. (:omo explica Armenta Deu,52 a sistema de monopalio da ac;ao penal se compadece, em maior au menor medida, com aquela func;ao garantista da persecuc;ao penal, articulada atraves da oficialidade, em quan· to permite um controle direto sabre a efetivo cumprimento da norma penal. Por tal motivo, a Alemanha rechac;ou a sistema de ac;ao popular, fundamen· talmente pela considerac;ao publica do Direito Penal e a constituic;ao do pro· motor, como sujeito representativo dos interesses publicoS.53

Vige na sua plenitude a principia de oficialidade. Semembargo, a principia da obrigatoriedade resulta mitigado pela adtic;ao do principia de oportunidade com relac;aoa pequena au mediana criminalidade. E importante ressaltar a adoc;ao do principia de oportunidade, consagrado no § 153 da StPO, no qual a Ministerio Publico, ante um delito de bagate· la - bagatellsache -, pod era decidir pela nao·persecuc;ao.

Seguindo a Tiedemann, 54 podemos resumir afirmando que a principia de oportunidade fal a persecuc;ao penal depender das considerac;6es de conveniencia, especialmente de tipo politico e economico. Nos demais casos, vige a obrigatoriedade da ac;ao penal, devendo a juiz verificar se um eventual arquivamento das investigac;6es esta legal mente amparado pelos casas em que se permite a aplicac;ao do principia de oportunidade.

51 Sabre 0 tema, cumpre destacar a explicat;ao de GOMEZ COLOMER (EI Proceso Penal Aleman, p. 150) de que a doutrina alema nao propoe esse problema, pois as atos do promotor sao, ao mesmo tempo, de investlgac;ao e de prova. A determina<,;ao exata dependera do momento em que fol reallzado 0 ato. Se na instrw;ao prelimlnar, sera urn mero 'ato de InvestigaC;ao. Se em juizo, sera urn ato de prova. Segundo 0 autor, a lei e a doutrlna nao fazem uma distlm;ao abso~ luta. Partindo dista, conslderarnos que as atos pratlcados peto promotor na fase pre-proeessual e que nao revistam a forma de prodw;ao antecipada de prov.as eorrespondem ao que anterior­mente definimos como atos de investiga~o.

52 "Principia Aeusatorlo: Realidad y Uti/lzae/on", In RDP, n!l. 2, 1996, p. 268. 53 ARMENTA OEU, Teresa. Crfminafidad de Bagatela y PrinCipia de oportunidad: Afemania e

Espana, pp. 74 e seguintes. 54 Na bbra eoletlva Intraduccl6n al Derecho Penal y al Derecho Penal Procesal, p. 172.

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

o principia da obrigatoriedade vige na Alemanha como elemento basico do seu ordenamento.55 0 promotor esta obrigado a investigar todo a fato com suficiente aparencia delitiva e,se de dita investigac;ao des· prendem·se motivos suficientes, exercitar a ac;ao penal. Ao lado do mono­polio da ac;ao penal tambem esta a deverde perseguir e acusar (quando existam elementos suficientes). Inobstante, dentro da chamada pequena e media criminalidade, as excec;6es ao principia da obrigatoriedade sao tantos que e inegavel a plena vigencia da oportunidade, cuja vigencia esta limitada a estes delitos de pequena e media criminalidade.

Tal medida, de carater processual, e reflexo de uma desenvolvida politica crimin'll e integra outras, existentes no Direito Penal alemao, como a teoria social da a,60. 56 Segundo Wessels, S7 so interessa ao Direito Penal aquelas condutas que tenham uma "relevancia social", istoe, que afetem a relac;ao do individuo respeito a seu meio e que, par isso, signi· ficam um fator'sensivel da realidadesocial. Par meio de medidas como essa, a que se busca e garantir que efetivamente a intervenc;ao sera mini· ma e que somente serao perseguidas e punidas aquelas condutas juridi· camente relevantes. No sistema em tela, e facilmenteperceptivel a preocupac;ao par uma salida politica criminal para a tratamento dos deli· tos de bagatela, nao s6 no campo do direito material, mas tambem no processo, com a estabelecimento de uma verdadeira tutela diferenciada, que busca oferecer um tratamento especifico e adequado a pequena e media criminalidade.

Para que iniciea investigac;ao preliminar, a § 152.2 da StPO exige "meros indkios faticos", mas, para a exercicio da ac;ao penal, e necessa·

. rio mais do que isso, exigindo as §§ 170 e 203 que exista uma "suspeita suficiente". Em linhas gerais, esses conceitos identificam·se com a que anteriormente definimos como possibi/idade e probabi/fdode.

o encerramento do procedimento pre·processual pode produzir·se de duas formas:

• arquivamento: com base na aplicac;ao dos criterios de oportunida· de au porque a fato e atipico au par nao existir a fumus commissi delicti no grau exigido para a exerckioda ac;ao penal;

• exercicio da ac;ao penal.

55 ARMENTA DEU, Teresa. Crlminalidad de bagatela y principia de apartunldad: Alemania e Espana, p. 43.

56 Aqui a voeabulo a~ao e empregado no sentldo material e nao processual, como conduta huma­na voluntaria que Integra 0 tlpo penal.

57 Direito Penal - Parte Geral, p. 20.

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Existe a possibilidade, em caso de arquivamento, do of en dido solici­tar a urn tribunal que examine se 0 MP agiu conforme a legalidade (§§ 172 a 177 da StPO). Inclusive nos delitos privados, 0 titular da a~ao penal e 0

MP, mas, neste caso, e permitido ao of en dido acusar junto com 0 promo­tor. Nos delitos publicos, permite a lei a figura do assistente ou interven· ~iio adesiva do particular interessado no processo, mas como uma figura acessoria e secundaria,58 com atividade processuallimitada e disciplinada na StPO.

A fase intermedh'lria serve de controle, analisando se existe uma sus· peita suficiente para imputar a uma pessoa e iniciar 0 processo. Para isso, celebra·se uma audiencia em que 0 acusado pode aportar provas e decla· rar, resistindo a pretensao acusatoria e com isso evitando 0 processo (§§

201 e 202). A resolu~ao e tom ada por um tribunal, que admitira a a~ao penal quando considere que .0 imputado e suficientemente suspeito de haver praticado um fato com aparencia de delito, dando inicio a fase pro· cessual. Em caso contrario, determinara 0 arquivamento. 0 mesmo orgao que preside a fase intermediaria sera 0 que julgan3 e ao final sentenciani

Alem deste procedimento, que se poderia chamar de "ordinario", existem outros especiais, com suas particularidades. Eo que ocorre, v. g. com 0 "procedimento acelerado" (§§ 212.a e 212.b da StPO), limitado para os delitos leves cuja pena nao excede 1 ana, em que se permite ao Tribunal examin"ar a solicita~ao do promotor e, se a considerar adequada ao procedimento, inicia·o. 0 pedido e oral, nao e necessaria acusa,ao escrita e 0 prazo para a cita,ao e de no maximo vinte e quatro horas.59

o chamado "processo por ordem penal" (§ 407 da StPO) e 0 processo' penal monitorio, que consiste em que, se nao existe oposi~ao do sujeito passiv~, dita-se uma ordem judicial imediatamente executavel. E um pro­cedimento limitado aos delitoscuja pena seja inferior a 1 ano e somente poderao ser impostas penas de carater pecuniario e acessorias (proibi,ao de conduzir etc.). 0 juiz, frente ao pedido de uma pen a concreta por parte do promotor, decidira. Se esta de acordo com a peti~ao, sem neces· sidade de auto de abertura e vista principal (fase processual), dita a ordem penal, notificando 0 sujeito passivo. Se 0 juiz nao concord a com a peti~ao do MP, dara inkio ao processo (tendo em vista que houve 0 exer·

58 GOMEZ ORBANEJA (Comentarias a fa LECrim, vol. I, p. 220) explica que a func;ao do particular nos processos cujo delito e pubJJco, e de coadjuvante, de um terceiro interveniente. Sequer pode ser considerado como parte.

59 ARMENTA DEU, .Teresa. Criminalidad de Bagatela y Principia de Opartunidad: Alemania e Espana, p. 28, nota de rodape nQ 15.

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Sistemas de Inves~ga,ao Preliminar no Processo Penal

cicio da a~ao penal), com a conseqUente discussao das teses juridicas e com a presen~a do acusado. No caso do juiz concordar com a peti~ao de penadireta que faz 0 MP e ditar a ordem penal, cabera ao sujeito passi­VO recorrer e ten tar levar it fase processual.

Por fim, a situa~ao do sujeito passiv060 na fase pre-processual (cargas e direitos) sera analisada mais adiante, mas desde logo destacamos que nao existe, na Alemanha, 0 principio de defesa tecnica necessaria para todos os juizos penais. Desta forma, tanto na fase pre-processual como na processual propriamente dita (em primeira instancia e pen a maxima ate 4 anos), nao existe a garantia da obrigatoriedade de defensor e 0 sujeito passivo sem meios economicos podera ter que se defender sem a assisten· cia de advogado, pois nao lhe sera designado. Como explica Boss,61 a defe­sa tecnica so mente sera necessaria se a vista oral tern lugar ante um Tribunal de Justi~a ou se e imputado um delito grave ou encontra-se 0 sujeito passivo cautelarmente preso ha mais de tres meses. Nestes casos, se 0 imputado nao indicar um defensor, ser·lhe-a designado um de ofkio.

Y. PORTUGAL

A) DEFINI~AO LEGAL E NATUREZA JURIDICA

o atual Codigo de Processo Penal portugues entrou em vigor em 11 de janeiro de 1988, revogando 0 anterior, de 1929. Posteriormente foi obje­to de nova reforma .em 1995, para adequar-se ao novo Codigo Penal. 0 CPPp seguiu 0 modelo alemao e tambem foi influenciado pelo projeto e as discuss6es em torno ao CPP italiano (que entrou em vigor em 1988) e, dessa forma, introduziu profundas modifica,6es na instru,ao preliminar e representou uma evolu~ao em dire,ao a implanta~ao de urn modele fran­camente acusatorio e no processo penal de partes.

Para designar a investiga,ao preliminar, 0 legislador portugues utili­zou 0 termo inquerito, definido no art. 262 do CPPp como 0 conjunto de

60 Apesar de apresentar inumeros aspectos positivos, como todo e qualquer sistema juridico, 0

alemao tambem apresenta outros negativos. A nosso julzo, ponderando as pros e as contras, entendenios que 0 processo penal alema~ nao pode ser considerado como urn exemplo de sis~ tema garantista. Todo 0 contrario, e patente 0 predominio do interesse publico sabre as garan~ tias indiViduais. Basta recordar que esta na Alemanha a origem da prisao preventiva para "garantia da ordem publican, um conceito juridico indeterminado e exempJo de insegur~nC;a juri~ dica. Ademais, citamos ainda 0 "processo por ordem penaln; a possibilidade de revisao pro sacietat da senteOC';a penal absoluroria; forte Jimitac;ao dos direitos do imputado na fase pre­processual; a defesa tecnica nao e obrigatoria; a lnterrogatorio judicial ocorre antes da leitura da acusaC;ao; possibilidade de prisao perpetua etc.

61 Ao expllcar 0 sistema alemao, na obra Sistemas de Proceso Penal en Europa, pp. 30 e seguintes.

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diligencias que visam investigar a eXistencia de um crime, determinar as seus ogentes e a respansabi/idade deles e descobrir e recolher as pravas, em ordem cl decisiio sobre a acusa~iia. Atem de averiguar 0 fato e seus autores, a investiga~ao preliminar portuguesa tern 0 fim - especifkamen- -te previsto - de possibilitara decisao acerca da abertura ou nao do pro­cesso penal.

Como veremos, a inquerito esta encomendado ao-Ministerio Publico, oqlao pertencente ao Poder Judiciario e cujos membros, como na Italia, sao considerados magistrados por-expressa disposi<;ao legal (art. 221.3 da­Constitui,ao de Portugal). Destarte, a investiga~ao preliminar portuguesa deve ser concebida como urn procedimento judicial pre-processual, pais levada a cabo pelos magistrados do MP,- que nao possuem poder jurisdicio­-nal, mas sem duvida desenvolvem uma atividade judicial, dirigida a possi­bilitar 0 exercicio da jurisdi~ao.

Como explica Gomes Canotillo,62 originariamente concebido como orgao de enlace entre 0 Poder Judiciario e 0 Executivo, a MP portugues esta atualmente previsto na Constitui~ao - art. 221 - como urn orgao do Poder Judiciario e, como tal, disp6e a Constitui~ao que as promotores sao magistrados. Ainda que hierarquicamente subordinados (plano disciplina­rio), as fiscais sao magistrados comas garantias de autonomia, indepen­dencia e inamovibilidade .. Isso coloca seus membros em urna posi~ao de -sujei<;ao a lei equipan&vel ados juizes.

Par fim, acrescenta a autor que ja nao tern a MP portugues urna natu­reza adrninistrativa, pois esta iritegrado ao Poder Judiciario. Par outro lado, tern atribui<;6es distintas da jurisdictio - atribuida aos juizes -'­posto que estes aplicam a direito objetivo ao caso concreto, ao passo que aqueles colaboram no exerdcio do poder jurisdicional atraves do exerd- _ cia da a~ao penal e a iniciativa da defesa da legalidade democratica.

B) ORGAO ENCARREGADO

o Ministerio Publico esta encarregado de levar a cabo a fase pre-pro- _ cessual, segundo estabelece a art. 263 do CPPp, e para isso conta com a assistencia da polieia judiciaria, que atua sob seu mando direto e depen· dencia funcional (art. 56 do CPPp).

Encaixa-se, assim, _no que consideramos como um sistema de investi· ga<;ao preliminar a cargo do Ministerio Publico, em que a promotor inves­tigador e a protagonista do inquerito.

62 Dire/to Constitudonal; pp. 767 e seguintes.

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Sistemasde Investiga~o Preliminar no Processo Penal

Junto ao MP, intervem urn juiz da instru<;ao, com a necessaria posi<;iio de garante, mas que tambem e chamado a praticar alguns atos espedfi­cos, que, por sua importancia, entendeu a legislador portugues ser neces­saria a sua presen~a mais ativa. Par isso, classificamos a atua~ao do juiz em dais grupos - investiga<;ao e garantia ~ mas destacamos que, apesar da aparente atividade instrutoria do juiz, na verdade a protagonisrno e do -promotor e que nao existe a figura do juiz instrutor. Prevalece, clararnen­-te, a postura garantista. Assim:

1" tnvestigador: sao as atos praticados peto juiz da instru,ao, art. 268 do CPPp:

a) proceder ao primeiro interrogat6rio judicial do detido; b) proceder cl aplica~iio de uma medida de coa~iio (cautelar pessoal)

ou de garantia patrimonial (cautelar real), cl exce~iio da prevista no art. 196, a qual pode ser aplicada pelo MP (informar e manter residencia, niio mudar ou sair da cidade por mais de5 dias sem comunicar e comparecer quando notificado pela autoridade);

c) proceder a buscas e apr.eensoes em escrit6rios deadvogado, con­sultorio medico ou estabelecimento bancdrio, nos termos dos arts. 177.3, 180.1 e 181;

d) tomar conhecimento, em primeiro lugar, do conteudo da corres­pondencia apreendida, nos termos do art. 179.3;

e) praticar quaisquer outros atos que a lei expressamente reservar ao juiz de instru~iio.

2" Garante: atos que devem ser ordenados au autorizados peto juiz da instru<;:ao, mas realizados peto Ministerio Publico, art. 269 do CPPp:

a) buscas domicilidrias, nos termos enos limitesdo art. _177; b) apreensoes de correspondencia, nos termos e com os limites do

art. 179; c) intercepta~6es ou grava~6es de conversa~oes ou comunica~oes

telef6nicas, nos termos do art. 187; d) a prdtica de quaisquer outros atos que a lei expressamente fizer

depender de ordem ou autoriza~iio do juiz de instru~iio.

o primeiro conjunto de atos, praticados pessoalmente pelo juiz da instru~ao, esta condicionado a previa peti<;ao do Ministerio Publico, da potieia, do sujeito passivo au do assistente da acusa<;ao. Neste caso, a juiz intervem pessoatrnente, como investigador, mas deve-se destacar que nao age de oficio.

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No segundo grupo, a figura do juiz assume uma conota~ao nao mais como investigador, senao como garante, verificando a legali,b de e determinando 95 limites da restri~ao dos direitos fundamentais sujeito passivo. Sua atividade estacondicionada a previa invoca~ao alguma das pessoas anteriormente referidas e nao as pratica pessoalmen'-': te, senao que autoriza a sua pratica. "

De qualquer modo, 0 processo penal portugues acaba par estabelecer , urn sistema misto, em que na instru~ao preliminar - apesar de estar atri-' buida ao MP - atua 0 juiz como garante e tambem como investigador, pra- , ticando pessoalmente atos tipicamente investigatorios. E uma particulari­dade que a distingue dos demais sistemas puros. Contudo, ainda que 0

legislador portugues tenha atribuido ao juiz alguns atos que mais bern deveriam estar a cargo do MP, 0 que vislumbramos e que 0 juiz iliLinstru- ' ~ao preliminar assume uma postura predominante garantista e excepcio-" nalmente investigadora.

Em definitivo, os atos de investiga~ao que podem perturbar direitos fundamentais estao judicializados e a nivel de interven~ao do juiz da ins­tru~ao depende da natureza do ate a ser realizado. Destarte, existem atos em que a lei exige a interven~ao do proprio juiz e ha outros em que a lei se contenta com a sua previa autoriza~ao. Como sintetiza Leones Dantas,63 o juiz da instru~ao e alheio a defini~ao dos objetivos do inquerito e a dire­~ao funcional deste.

Por fim, destacamos que esse juiz nao podera atuar na fase proces­sual, e, seguindo a doutrina do TEDH, par haver praticado atos au decidi­do sabre questiies incidentais do inquerito, esta prevento e tern a sua imparcialidade comprometida. Esta impedido de julgar, conforme deter­mina a art. 40 do CPPp. Somente intervem no inquerito e na fase interme­diaria, momento em que se decic:le sabre a prontmcia, isto e, a processo ou 0 nao-processo. A competencia para 0 julgamento sera de outro orgao: a ','tribunal singular", tribunal do juri ou outro tribunal cuja competencia venha atribuida pel a lei.

C) LlMITA~Ao DO OBJETO E ATOS

Com rela~ao ao objeto, 0 inquerito e sumario, adotando 0 sistema misto. No plano qualitativo, a cogni~ao esta limitada it minima atividade probataria destin ada a justificar a exercicio da a~ao penal au a arquiva­menta. Conforme dispiie 0 art. 262 do CPPp, 0 inquerito deve:

63 Ao comentar 0 sistema portugues, In Sistemas de Proceso Penal en Europa, p. 319.

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

Investigar se 0 fato narrado na notitia criminis existe ou nao e se reveste uma aparencia de delito.

Determinar seus agentes e a sua responsabilidade penal. Por deter-' minar devemos en tender a atividade destinada a identificar e indi­vidualizar os agentes, concretando a autoria. Tambem deve rela­cionar esses agentes ao fato delitivo, para demonstrar a verossimi­litude de responsabilidade penal.

Descobrir e recolher elementos de convic~ao, dirigidos ao juizo de pre-admissibllidade da acusa~ao. Com isso, esta estabelecido 0

carater endoprocedimentat do material recolhido, cuja eficacia esta limitada it decisao interlocutaria de admissao da a~ao penal ou 0 arquivamento' das atua~iies.

o inquerito tam bern esta limitado no plano temporal, determinando o art. 276 que 0 MP devera concluir a investiga~ao preliminar no prazo maximo de seis meses, no caso de 'que 0 sujeito passiVo estar preso ou com a obriga~ao de permanencia domiciliar. Estando em liberdade, 0

prazo para a conclusao do inquerito podera estender-se ate oito meses. Nos delitos graves, previstos nos arts. 209 e 215.3 do CPPp, 0 prazo para a conclusao passara respectivamente para oito e doze meses.

Destacando a relativa flexibilidade de lugar e tempo dos atos, aten­den do a peculiaridade da atividade desenvolvida, cabe destacar que, como regra geral, as atos do inquerito devem ser realizados em dias uteis e no horario estabelecido para os servi~os da justi~a, excetuando-se (art. 103,2):

• os relativos a presos/ detidos ou indispensaveis para a garantia da liberdade das pessoas;

• aqueles que devam come~ar, prosseguir ou concluir fora dos Ii mites estabelecidos, assim consideraabs pela autoridade que os preside.

Tambem determina 0 art. 103.3 que 0 interrogatorio do sujeito pas­sivo nao podera, sob pen a de nulidade, ser efetuado entre as 24h e as 6h, 'salvo em caso de deten~ao,

Com rela~ao a forma, a inquerito e facultativo. Assim entendemos ser a melhor interpreta~ao do art. 262.2 do CPPp, ao dis par que, salvo nos casos de a~ao penal privada ou publica condicionada, a noticia-crime dara sempre lugar a instaura~ao do inquerito. A obrigatoriedade deve ser vista como condicionante da atua~ao policial, mas nao para 0 promotor, que, como titular da investiga~ao preliminar e daa~ao penal publica, tern 0 poder de decidir se, com base na noticia-crime, oferece de forma

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direta a a~ao penal ou determina a instaura~ao do inquerito. m~lUSlVe preve 0 CPPp um rito sumario que se aplica aos delitos corTi pena de sao ate 3 anos, em que tenha existido uma prisao em flagrante. caso, nao existe fase pre-processuale passa-se diretamente da ,detencao' a fase processual.

Predomina a forma escrita dos atos, devendo as diligencias ser redu- , zidas a termo, salvo as desnecessarias, assim'decidido pelo MP.

o inquerito e s!"creto no plano externo e vincula a todos os sujeitos :' do procedimento e funciom\rios que tenham acesso ao seu conteudo (art." 86). No plano interno, tambem vige 0 segredo, ate a conclusao da inves- ,'" tiga~ao preliminar. Inobstante, 0 juiz podera autorizar 0 conhecimento por parte do sujeito passiv~ do conteado de ato au documento submetido ao segredo e, em todo caso, nao pede 0 imputado revela-lo a outras pessoas. No mesmo senti do, disp6e 0 art. 89 que, antes de ser proposta a acusa­~ao, 0 sujeito passivo somente podera ter acesso as declara~6es que tenha prestado, aos documentos por ele apresentados e as diligencias de prova que pudesse assistir ou a quest6es incidentais que devesse intervir. Em sin­tese, ate a conclusao da investiga~ao preliminar 0 procedirnento e secre­to; depois, sob pen a denulidade, e publico (art. 86).

o inquerito nao pode ser considerado plenamente contraditorio, mas esta assegurada if presen~a de defensor no ato do interrogatorio. Tambem lhe assiste a direito a entrevistar-se reservadamente com 0 sujeito passi­YO, salvo no caso de terrorismo ou "criminalidade violenta" ou organiza­da, situa~6es em que so podera faze-lo depois do primeiro interrogatorio realizado pelo juiz da instru~ao.

A titularidade da a~ao penal e do MP, art. 53, salvo nos delitos de a~ao penal privada, em que a acusa~ao sera apresentada pelo acusador particular, nos termos dos arts. 49 e 50. Nao existe a figura da a~ao popu­lar, mas permite-se que nos delitos de a~ao penal publica 0 of en dido atue como um assistente do acusa~ao. Excepcionalmente, nos delitos de cor­rup~ao e peculato, 0 legislador permite que qualquer pessoa habilite-se como assistente da acusa~ao oficial (art. 68, e). De qualquer forma, a assistente e um mero colaborador do promotor e sua atuac;:ao e limitada e subordinada it oficial.

D) FASE INTERMEDIARIA

Uma peculiaridade do sistema portugues e que a fase intermediaria nao e obrigatoria, como em muitos sistemas europeus. 0 inquerito e a investlgac;:ao preliminar par excelencia e esta a cargo do MP. Depois de sua

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Sistemas de Investigac;ao Preliminar no ProcesSQ Penal

realiza<;ao - mas antes do inicio da fase processual - pode existir uma fase intermediaria que 0 CPPp chama de instru~ao. Como explica Leones

" Dantas,64 a decisao de finalizar a inquerito au as suas conclus6es pode ser '. objeto de impugna~ao nesta instru~ao, a cargo de um juiz que revisa e

estabelece um controle judicial da decisao final adotada pelo MP no inquerito. ,

A instru~ao referida pelo autor e a que nos demais sistemas denomi­na-se fase intermediaria ~ nao tem a natureza de fase de investiga~ao propriamente dita, mas sim de garantia. Tem natureza subsidiaria, pois somente se realiza quando e requerida pelo acusado au pelo assistente da acusa~ao, que, inconformados com a decisao do MP, postulam a controle jurisdicional. Ao contrario do inquerito, a fase intermediaria (instru~ao) comporta, antes da sua conclusao, um debate contraditorio sabre as pro­vas recolhidas, e, apos esse debate, decidira 0 juiz.

Essa fase intermediaria e levada a cabo na presen~a do juiz da instru­~ao preliminar, com a tinalidade de comprovar a viabilidade da acusa~ao au 0 arquivamento do inquerito (art. 286). Nao e obrigatoria e somente existira quando 0 imputado pretender impugnar a decisao do MP de acusar, ou ainda quando a MP pedir 0 arquivamento e 0 assistente da acusa~ao nao se conformar. Apos uma celere e sumariai~s~:q§M:~,debate, proferira 0

juiz uma decisao, que recebera a nome de)(pf,gfujD.~ja" ou "nao pronun­cia". No primeiro caso, aceita-se a acusaC;ao e a acusado e submetido ao processo penal. No segundo, a acusac;ao e rejeitada.

Quando 0 MP conclui a inquerito e acusa, nao haven do impugnac;:ao do sujeito passivo, a fase preliminar sera um mero juizo de pre-admissibili­dade da acusa~ao, sem audiencia contraditoria. Da mesma forma quando deCide pelo arquivamento e nao existe recurso do assistente.

Par tim, nos delitos de menor gravidade, a MP podera, ainda que pre­sente a fumus commissi delicti, deixar de acusar e solicitar a suspensao condicional do processo, incumbindo a controle da legalidade do ate ao juiz da instru~ao.

64 Ao comentar 0 sistema portugues, in Sistemas de Proceso Penal en Europa, p. 317.

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Page 133: Aury lopes jr   sistemas de investigacao preliminar no processo penal

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Capitulo VIII A Busca do Sistema "Ideal"

Apes analisarmos os sistemas de investiga~ao preliminar no plano abstra­to e tambem verificar alguns modelos concretos, entre os quais induimos 0

inquerito policial, chega 0 momento de definir 0 que consideramos um esb6-. ~o de "modelo ideal". Acima de tudo, ele representa nbssa condusao apes observar 0 campo tecrico e pratico no qual se opera a fase pre-processual.

I. A CRISE DO INQUERITO POLICIAL

A insatisfa~ao com 0 inquerito policial nao e nova. Como da noticia Espinola Filho,l ja em 19240 presidente da Comissao redatora do antepro­jeto que se converteu no Cedi go de Processo Penal para 0 Distrito Federal, Candido Mendes, informava da preocupa~ao com a fase preliminar e a necessidade de restringir as funt;5es da policio aos seus verdadeiros fins: a vigi/ancia, a prevem;ao, a manutent;ao da ordem e auxilio a justit;a. Este auxilio, porem, deve comet;ar pelo aviso imediato as autoridadesjudicia­rias sempre que houver noticia dealguma infrat;ao penal. ...

Inclusive, ja naquela epoca, preponderava a opiniaofavoravel a redu­zir ao minimo a atuat;iio da polleia, acentuando-se bern expressamente a intent;ao de estimular 0 Ministerio Publico a intervir, desde os primeiros momentos, na marcha das pesquisas policiais, atendendo-se a que devem os atos da polleia, sem efeito judiciario, servir apenas para 0 esclareci­mento do representante da justit;a pUblica.

Dizia Candido Mendes que a solu~ao ao final adotada, que nem sequer aceitou a orienta~ao do projeto da Comissao, procurou Urn meio termo que, sem resolver de todo 0 problema, diminuisse os deleterios inqueritos poli­ciais tardos e inadequados, como 0 seu misto de atos definitivos e transi­torios, alguns com efeitos judiciarios absolutos, como os autos de prisao em flagrante e de exame de corpo de delito e prestat;iio de fiant;a, entre outros como as declarat;iies de informantes, sem nenhum efeito probatorio judicia­rio, mas influindo na convict;ao de juizes e tribuna is. Frise-se que, passados mais de 70 anos, essa critica e perfeitamente aplicavel ao sistema atual.

Cooigo de Processo Penal Brasi/eiro Anotador vol. I, pp. 244 e seguintes.

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Aury Lopes Jr.

Em 1936,2 0 anteprojeto organizado pela comIssao composta Bento Faria, Plinio Casado e Gama Cerqueira suprimia 0 inquerito policial' e instituia 0 sistema de instru~ao preliminar judicial (juiz instrutor). No"" relat6rio apresentado, Bulh6es Pedreira afirmava que 0 juizado de instru­qao niio e uma id.?ja nova entre nos. Representa, ao inves, antiga aspira­qiio de quantos, sem opinices preconcebidas, testemunham a completa"\ {alencia do sistema atual, que, na duplicidade da {ormQ/;iio da prova,! investe a polleia, como 0 inquerito, do {unqiio apuradora da verdade. que desserve a economia processual, enfraquece Qa<;iio repressiva e niio obedece a nenhum criterio politico - nem individual nem social: perde a! defesa coletiva e nao lucram as garantias individuais.

Mas essas criticas nao foram ouvidas e, em 1941, 0 Min. Fernando Campos, recha~ando 0 modelo defendido pelos opositores do inquerito (instru~ao preliminar judicial, a cargo de um juiz instrutor), apresentou 0

novo C6digo, afirmando que foi mantido 0 inquerito policial como proces­so preliminar ou preparatorio da aqao penal, guardadas as suas caraete- ','I rlsticas atuais.

Segundo 0 Ministro, 0 preconizado Juizo de instruqao, que importatia limitar a funqiio da autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas, s6 e praticavel sob a condiqiio de que as distancias dentro do seu territorio de jurisdiqiio sejam [deil e rapidamente superaveis. Para atuar proficuamente em comarcas extensas, l' posto que deva ser exc/uida a hipotese de criaqiio de juizados de instruqiio em coda sede do distrito, serio preciso que 0 juiz instrutor possufsse 0 dom da ubiqUidade.

Atualmente, ponderando as vantagens e os inconvenientes dos dois sistemas (judicial e policial), como fizemos anteriormente, entendemos que - naquele momento hist6rico - a decisao foi acertada. Nao ha duvi· da de que 0 Brasil nao comportaria um sistema de instru~ao judicial e, a longo prazo, os problemas gerados pela figura do juiz instrutor seriam -provavelmente - muito mais graves que os atualmente imputados ao inquerito policial.

Ademais, tendo em vista a tradi~ao brasileira de considerar 0 juiz prevenido como 0 mais indicado para julgar - quando deveria ser todo 0

contra rio - dificilmente seguiriamos uma caracteristica basica do sistema acusatorio: a radical separa~ao das fun~6es de instruir e julgar. Com isso, correriamos 0 risco de ter hoje um sistema francamente inquisitivo, como

2 Seguindo a ESpiNOLA FILHO, Cod/go de Processo Penal Brasileiro Anotado, vol, I, pp. 242 e segulntes.

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal -~,.

foi 0 espanhol entre 1967 e 1988,ou e , atualmente, 0 modelo uruguaio, em que 0 me'smo juiz instruiu, acusa3 e julga, quase que exclusivamente com base na prova colhida na fase preliminar. Tudo isso com uma limita­da interven~ao do sujeito passiv~.

Corrobora nosso entendimento _0 f1!to de que paises com longa tradi· ~ao na ado<;:ao do sistema de instru~ao preliminar judicial - como Fran~a ou Espanha - estao hoje em amplo debate e caminham no sentido de pro­fundas reformas,pois um pensamento e unanime: 0 modele de juiz instru­tor estil em crise. No mesmci sentido, paises como Alemanha (1974), Italia (1988) e Portugal (1987 e 1995) romperam definitivamente com 0 sistema de juiz instrutor, por absoluta insatisfa~ao.

Em definitiv~, 0 sistema de investiga~ao preliminar judicial encerra graves problemas (como apontamos anteriormente) e estil tao superado quanta 0 inquerito policial. Por isso, 0 modelo de juiz instrutor nao era (em 1941) e continua nao sendo uma boa op~ao para 0 Brasil.

A figura do juiz de instru~ao e historica e vem sendo paulatinamente substituida por estar completamente superada. Na sintese de Macia Gomez,4 la figura c/asica y napoleonico del Juez de Instruccion, como duefio y sefior de la investigacion y de las medidas cautelares, estel en franca decadencia, y yo se ha abcmdonado en la mayorla de lossistemas penales, ella es fruto directo del rechazo 01 sistema inquisitivo ..... '

Afastado os sistemas policial e jUdicial, parece-nos que a melhor alternativa vern dada pela investiga~ao preliminar a cargo do Ministerio

, Publico. Mas, como veremos, nao basta afirmar que 0 MP deve assumir a fase pre-processual. 0 problema e mais grave.

A evolu~ao das ideias liberais vai diminuindo os poderes do temivel juiz inquisidor ate privar-lhe de todo poder de iniciativa (nemo iudex sine actore). 0 problema come~a quando esses poderes sao retirados do juiz e outorgados ao promotor, deixando 0 juiz instrutor de ser 0 temivel, ao mesmo tempo em que 0 passa a ser 0 promotor. Ao final, sucede que 0 pro­motoracaba convertendo-se em juiz de instru~ao. Explica Aragoneses Alons05 que el sistema de instrucci6n por el fiscal, que parece mas orto­doxo con el acusatorio, oculta, en definitiva, si se refuerzan sus poderes,

Pais 0 "auto de procesamiento" que profere 0 ju;z instrutor nesses dois modelos, e uma impu­tac;ao formal com base nas Investlgac;i5es que esse mesmo juiz levou a cabo. O· posterior pedi­do de "apertura del juicio oral y las calificaciones provisionales" que realiza 0 MP, e urn mero formalisrno despido de reaUdade concreta, pols a verdadeira acusaC;ao esta materlalizada no anterior "auto de procesarniento~. Na "Introduc;ao" da obra Sistemas de Proceso Penal en Europa, p. 15. Instituciones de Derecho Procesal penal, pp. 225 e seguintes.

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un sistema inquisitorial. Si, por el contrario, no se Ie conceden faculta­des al fiscal, la instrucd6n puede ser ineficaz. A soluc;:ao esta, uma vez mais, em ehcontrar urn equilibrio. na distribuic;:ao de poderes.

Em definitiv~, nao se resolve 0 problema somente substituindo 0 juiz instrutor (ou a polida) pelo promotor investigador, pois em ultima anali· se isso preservaria as deficiencias da investigQl;ao preliminar (valorac;:ao probatoria, contraditorio e defesa mitigados, segredo interno, ausEmcia de efetiva sumariedade etc.). Ademais, e fundamental alcanc;:ar 0 equilibrio de poderes atraves de uma clara definic;:ao da Figura do juiz garante da . investigat;iio preliminar. Destarte, na continuac;:ao, desenharemos uma sugestao de modelo ideal a partir dos tn?s elementos basicos: sujeito, objeto e atos. .

II) A INVESTIGA<;:AO PRELIMINAR A CARGO DO MINISTERIO PUBLICO E A FIGURA DO . JUiZ GARANTE

Apesar das criticas que gera a investigac;:ao a cargo do MP, entende­mos que e 0 sistema que menDS defeitos apresenta, ou ao menos, cujos defeitos sao mais facilmente resolvidos ou tolerados.

A investigac;:ao preliminar esta - basicamente - dirigida a decidir sobre 0 processo ou 0 nao-processo. Por isso, deve ser uma atividade adrriinistrativa a cargo do titular da a<;ao penal. Ninguem melhor do que 0

promotor para preparar 0 exercicio da futura acusa<;ao. E uma incongruen· cia logica que 0 juiz investigue para 0 promotor acusar.

Se 0 MP e 0 titular constitucional da a<;ao penal publica - atividade fim -, obviamente deve ter ao seu alcance os meios necessarios para lograr com mais efetividade esse tim, de modo que a investigac;:ao preli· minar, como atividade instrumental e de meio, devera estar ao seu mando.

Como vimos anteriormente, 0 MP no Brasil e independente, gozando das mesmas garantias da Magistratura. Possui poderes tanto no plano cons· titucional (art. 129 da CB), como tambem organico (especial mente nos arts. 72 e 8" da Lei n" 75/93 e art. 26 da Lei n2 8.625/93), para participar da investiga<;ao ou realizar seu proprio procedimento administrativo pre· processual.

Sem embargo, e imprescindivel que a polieia judiciaria esteja a ser· vi<;o do MP, com clara subordinac;:ao funcional (ainda que nao organica). 0 controle externo da iltividade policial esta timidamente disciplinado pela Lei Complementar n2 75/93 e nao corresponde ao esperado e muito menos ao necessario. Continua faltando um dispositiv~ que diga de forma

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Sistemas de Investiga,ao Preliminar no Processo Penal

clara que 0 Ministerio Publico exercera 0 controle externo da atiVidade policial, dando instru<;aes gerais e especi/icas para a melhor condUC;tio do . inqu<§rito policial, as quais estarao vinculados os agentes da polieia judi. ciaria. As instruc;:1ies gerais correspondem as grandes linhas da investiga· c;:ao preliminar, de forma generica e abstrata, con forme os criterios de politica criminal trac;:ados pela instituic;:ao. Urn dos maiores problemas que

. enfrenta 0 MP para acompanhar 0 IP e a falta de informac;:ao, mais espe­cificamente, 0 fato de nao canalizar a notieia-crime. Atraves ·das instru·. c;:6es geraiS, 0 MP poderia, por exemplo, determinar que todos os "Boletins de Ocorrencia" relacionados com determinados tipos de delito - crime organizado, homicidio etc. - fossem imediatamente enviados 11 promoto­ria correspondente, para que definisse a linha de investigac;:ao. ou simples­mente tivesse ab initio plena ciencia da investiga<;ao. No·segundo caso, 0

Ministerio Publico reservar·se-ia 0 poder de intervir diretamente em um caso concreto, isto e, dando instruc;:1ies especificas sobre como devera ser realizado 0 inquerito policial naquele caso, atendendo a suas especiais cir­cunstancias.

Isso nao significa que todos os fatos devam ser - obrigatoriamen· te - noticiados diretamente ao MP e tampouco que .0 promotor deva ficar 24h por dia na delegacia. Nada disso. Cabera ao MP definir instru­mentes para um controle periodico de tudo que chegar aoconhecimen· toda policia, estabelecendo delitos - por sua gravidade ou complexi­dade - que devam ser imediatamente levados ao seu conhecimento, para que ab initio controle toda a investigac;:ao. Nesses delitos graves, a presenc;:a do promotor sera imprescindivel e se fara notar pela sua constante intervenc;:ao e estrito contrale da atividade policial. Nos demais casos, 0 promotor podera definir uma especie de procedimen· to padrao, estabelecendo que investigac;:6es devem ser realizadas e de que forma, assim como que diligencias nao poderao ser realizadas sem a sua presenc;:a. Em linhas gerais, assim atua 0 promotor nos sistemas em que a investigac;:ao preliminar esta a cargo do MP.

Mas entao esta resolvido 0 problema, basta 0 Mp6 assumir 0 mando da investigac;:ao? A resposta e nao.

Nos paises eUropeus, esta consagrada a doutr/na e a jurisprudencia (jnterna e externa atraves das decisoes do Tribunal Europeu de Direitos Humanos) de que a preven~ao e causa de exclu­sao da competemcia, paiS 0 juiz prevenido tern sua impardalidade comprometlda. Com 0 Ministerio Publico assumindo a investiga~ao, 0 problema tambem afetara ao promotor, pois como conciliar a prevenc;ao com a Imparcialidade do MP? Das duas uma, au se repensa a -estru­tura do Ministerio Publico e finalmente se reconhece 0 paradoxo da imparcialidade de uma parte acusadora (que sim deve atuar com objetividade e conforme a legalidade) ou se estipula que o promotor investigador tam bern esta prevenldo e por 1550 nao podera ser 0 rnesmo que atue

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Com igual importancia que atribuir (ou meramente reconhecer) .' titularidade do MP, esta em definir os contornos da figura do jufz garante: da investigac;do preliminar ou como preferem os italianos: giudice per indagini preliminari.

Na Europa, onde a maioria dos paises ja abandonou 0 sistema de instrutor ou esta em franca decadencia, a figura do juiz de garan (garante) adquire cada vez mais fon;a, comofigura indispensavel da instru'" c;ao preliminar. Como afirma Macia Gomez/ no direito europeu, a existen-' cia de urn juiz de garantias, encarregado da prudente administrac;do das' medidas cautelares e do controle da ativfdade do promotor ou da polieia, progressa na mesma medida em que decresce a figura da instrutor.

o juiz garante ou de garantias nao investiga e tampouco julga no pro­cesso, ate porque a prevenc;ao deve excluir a competencia por clarissimo . comprometimento da imparcialidade.8 Ao livrar-se da func;ao de investigar' (alheia a sua natureza), 0 juiz garante da instruc;do concreta sua superio-' ridade como orgao suprapartes, fortalecendo no plano funcional e institu­cional a propria figura de julgador.

Esse juiz da instruc;ao (e nao de instruc;ao) sera quem, mediahte pre­via invocac;ao do MP, decidira sobre todas as medidas e atos que impliquem a restric;ao dos direitos fundamentais do sujeito passivo, isto e, decidira sobre as medidas cautelares de natureza pessoal ou real, presidira a cole­ta da prova no incidente de produc;ao antecipada, autorizara a busca e apreensiio, a intervenc;ao telef6nica etc. Tambem, mediante invoca¢o da defesa, decidin\ sobre a legalidade dos atos de investigac;ao levados a cabo pelo MP. E urn verdadeiro controlador da legalidade dos atos prati­cados pelo promotor na investigar;do preliminar.

o promotor investiga por si mesmo ou atraves da polkia, ouvindo tes­temunhas (e ate mesmo interrogando ao sujeito passiv~, desde que obser­vadas as garantias da defesa tecnica e pessoal), determinando a realiza­c;ao de perkias etc., mas nao pode determinar, por exemplo, uma prisao preventiva. Esse tipo de restric;ao de direitos fundamentais so mente pode partir de urn orgao jurisdicional que decidin\ mediante previa invocac;ao.

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no processo. 0 que e incanciliavel e sustentar a imp;;lrdalldade de uma parte que ademais de acusar, tambem investiga. Sem embargo, nao e essa a opiniao da jurisprudencia brasileira, con­forme aponta a Sumula nO 234 do STJ: "A partlcipal;ao de membra do Mlnisterio Publico na fase investigatorla criminal nao acarreta 0 seu impedimenta au suspeic;ao para 0 oferecimento da denuncia". . Na "Introduc;ao" da obra Sistemas de Proceso Penal en Europa, p. 15. De forma diferente esta estruturado 0 processo penal brasileiro, em que a prevenr;ao e um cri~ tt!!rio definidor da competencia e nao uma causa de exclusao, como ocorre no dlreito europeu.

Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

Tambem sera esse juiz garante de garantias quem, na fase interme­diaria e necessariamente contraditoria, fara 0 juizo de pre-admissibilida­de da acusac;ao. Uma vez admitida, dara inicio ao processo penal. Nesse caso, apos ser recebida, a acusac;ao sera distribuida ao juiz criminal com­petente p'ara presidir 0 processo e ao final julgar. Destacamos que a atual posic;ao do juiz frente ao inquerito policial e similar ao modele garantista aqui propugnado (pois nao atua de oficia, nao investiga nem dirige a inves­tigac;ao e basicamente esta para decidir sobre as medidas restritivas de direitos fundamentais), mas com uma fundamental distinc;ab: 0 juiz que de qualquer modo intervem na irwestigac;ao preliminar nao podera atuar (instruir e julgar) na fase processual, ao contrario do modelo em vigor.

Para nao deixar duvidas: 0 juiz da instruc;ao (garante) nao pode atuar no processo penal, porque nesse caso sua imparcialidade estaria com pro­metida. Basta recordar que no sistema de juiz instrutor 0 que instrui nao julga, nao tanto porque instruiu, mas porque decidiu sobre os incidentes da instruC;ao preliminar_

Emsintese e seguindo a Dragone,9 ao juiz garante da investisar;do preliminar incumbe:

a) func;ao de garantia da liberdade pessoal e da liberdade das comu­nicac;6es;

b) controle da durac;ao da investigac;ao preliminar e dos requisitos formais da a~ao penal exercida pelo MP;

c) garantia da formaC;ao antecipada da prova no respectivo incidente probatorio;

d) func;ao de decisao e contrale do resultado da investigac;ao prelimi­nar na audiencia contraditaria que forma a fase intermediaria.

Somente com a repartic;ao de poderes e 0 estabelecimento de um sis­tema de controle recipraco, impedir-se-a a temivel figura do promotor­inquisidor, tao reprovavel como a seu tempo foi a do juiz-inquisidor, A quase totalidade das criticas ao sistema de promotor investigador cai por terra com essa divisao racional de poderes. Este sistema e 0 que mais se aproxima a urn grau razoavel 'O de transferencia da estrutura dialetica da fase processual para a investigac;ao preliminar_

Naa e uma cltar;iio literal, senao que nos baseamos em alguns pontos. Manuale Pratico del Nuovo Proc€SSO pena/e, pp. 481 e seguintes.

10 Tampouco seria ra:zoilVel querer transferir para a investigar;ao a totalidade da estrutura dialeti­ca do processo, nao so porque e contnkio ao fundamento da eXlstencia da fase pre~processual como levaria a uma irracional duplicidade. 0 ideal esta no equilibria.

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Concluindo, a nosso juizo, 0 MP pode e deve assumir 0 mando da fase 0

pre-processual. Mas, para isso, e imprescindivel definir a subordina~ao funcional da policia, que nao pode mais continuar atuando sem sincronis­mo com 0 MP e, 0 que e pi~r, quanda e como bem en tender. Igualmente 0

importante e a defini~ao de quem vai controlar supra partes essa ativida­de, isto e, qual sera a fun~ao do juiz garante e como devera atuar. 0 que nao se pode conceber, sob nenhum argumento, e que 0 MP, ademais de investigar, tambem possa decidir, porque the dar 0 poder de adotar medi­das cautelares pesso'lis e outras que impliquem a restri~ao de direitos e 0

garantias fundamentais e dar-lhe 0 poder de julgar. 1550 seria 0 mais com­pleto retrocesso it inquisi~ao. Por isso, e fundamental a figura do juiz garante. Nao e demais recordarque sua eXistencia esta calcada no fato de que ele (juiz) nao investiga e que tampouco podera atuar na fase proces­sual (esta prevenido e como tal nao pode julgar)_

C) DETERMINAR A SITUAC;AO JURiDICA DO SUJEITO PASSIVO E A GARANTIA DE UM CONTRADITORIO MiNIMO

Outro gravfssimo problema do inquerito policial e 0 mais completo confusionismo acerca da situa~ao jurfdica do sujeito passivo. Sobre a figu­ra do indiciamento pairam inumeras duvidas, principal mente quando nao existe uma prisao cautelar. Em nenhum momenta 0 CPP define claramen­te a situa~ao do sujeito passivo nao submetido a uma prisao cautelar. Entre as inumeras incertezas, questionamos:

a) A partir de que momenta alguem deve ser considerado como sujei­to passiv~?

b) Que circunstancias devem concorrer para que se produza a situa-~ao de imputado?

c) De que forma se deve formalizar essa situa~ao? d) Que conseqUencias endoprocedimentais produz 0 indiciamento? e) Que cargas assume 0 sujeito passiv~? f) Que direitos the corresponde?

Entim, reina a mais absoluta incerteza,11 em inequfvoco detrimento da sua situa~ao juridica, do seu status libertatis e da sua propria dignida­de pessoal. Sao graves os prejufzos para a defesa, tanto pessoal como tee­nica. 1550 tudo sem falar na aberra~ao juridica de alguem ser acusado sem

11 Para recordar, estamos fazendo afusao aos casas de sujeito pas~tto em IJberdade, pois·exlstjn~ • do uma prisao cauteJar 0 tema esta satisfatoriamente dlsciplinadO pela Constjtui~ao e 0 cPP.

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Sistemas de Investigac;ao Prellminar no Processo Penal

antes haver sido formalmente imputado. Ou ainda, 0 que e pi~r, 0 sUjeito passiv~ comparece ante a autoridade policial na situa~ao de testemunha, quando deveria faze-lo na condi~ao de imputado, com todas garantias ine­rentes a essa figura_ 1550 e uma repugnante praxis policial, que, aliada it lacuna legal, deve ser abolida.

Em linhas gerais, devemos caminhar para uma maior eficacia do con­tradit6rio e do direito de defesa previstos no art_ 52, LV, da Constitui~ao_ Tal dispositivo, no que se refere a sua aplica~ao no inqueritopolicial, tem sido objeto de interpreta~6es absurdamente restritivas. Esse e um ponto basico a ser revisto. E incrivel a resistencia no ambito policial em respei­tar os direitos constitucionalmente assegurados, negando que 0 CPP deva adequar-se II Constitui~ao e nao ao contra rio_

Ainda que nao seja razm\vel exigir um contraditorio pleno na investi­ga~ao preliminar (seja inquerito ou outra modalidade), ate porque seria contrario ao proprio fim investigat6rio, comprometendo 0 esclarecimento do fato oculto. 0 que sim e perfeitamente exigivel, e a existenci,f de um contradit6rio minimo, que de forma concreta garantisse a c'omunica~ao e a participa~ao do sujeito ativo em determinados atos. Esse minimo nao afastaria uma participa~ao mais efetiva do sujeito passivo quando, confor­me Q caso, 0 segredo interne nao se justificasse. Destarte, defendemos como garantias minimas - alem das ja consagradas na Constitui<;:ao - 0

seguinte:

a) Comunica~ao imediata da existencia de uma imputa~ao: tao logo exista uma imputa~ao contra uma pessoa determinada ou elemen­tos suticientes que permitam identiticar 0 possivel autor do del ito, este deve ser chamado a comparecer perante a autoridade encarregada da investiga~ao preliminar. Na comunica~ao devera constar uma sintese da imputa~ao e esclarecer em que qualidade comparece para declarar. Devera ser-Ihe comunicado do direito de comparecer acompanhado de advogado ou solicitar a nomea~ao caso nao tenha condi~6es economicas para constituir.

b) Direito de silencio e de solicitar diligencias: no momenta do interrogatorio, devera ser-Ihe comunicado 0 direito que Ihe assiste a nao declarar, sem que 0 exercfcio do direito de silencio acarrete qualquer con­seqUencia juridica_ Tambem devera a autoridade advertir do direito que assiste ao imputado de indicar provas e solicitar diligencias.

c) Dura~ao do segredo interne: 0 segredo interne devera durar um tempo prudencial, necessario para a pratica de determinado(s) ato(s) cujo conhecimento previo por parte do sujeito passiv~ comprometeria a efid-

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cia da investiga~ao (v. g., interven~6es telefonicas, busca domiciliar etc. j. De qualquer modo, devera ser extinto, dando lugar a publicidade interna, com suficiente antela~ao ao encerramento da investiga~ao preliminar, para permitir ao sujeito passivo solicitar diligencias e aportar elementos de cohvic,ao em seu beneficia.

dj Produ~ao antecipada de provas e provas tecnlcas irrepetiveis: deveraser·lhe permitido participar ativamente da produ~ao antecipada de provas e, no caso das provas tecnicas irrepetiveis, oferecer quesitos e conhecer as resultados.

e) Fase intermediari.a contraditoria:e a corolario basico do contra. ditorio previa ao processo. E imprescindivel que exista urn juizo de pre­admissibilidade da acusa~ao, presidido pelo juiz garante e que esse ato seja contraditorio. Nao e necessaria mais que uma audiencia, com suma­ria produ,ao de provas (se necessaria) e debates orais.

f) Valor probatorio limitado dos atos de investiga~ao e exclusao de pe~as: com isso se asseguraque aquelas diligencias produzidas sem as devi­das garantias somente terao urn valor endoprocedimental e que, de qual­quer modo, nao integrarao as autos do processo. Com isso, evita-se a con­tamina,ao do processo e a indesejavel confusao de fontes cognoscitivas. Nao se dara, entretanto, a exclusao da prova produzida no respectivo inci­dente de produ,ao antecipada e das provas tecnicas irrepetiveis, que, como vimos antes, par esse motivo deverao respeitar certos limites garantistas.

Neste sentido, citamos como exemplo 0 art. 118 da LECrim espanhola:12

Toda pessoa a quem se impute 13 um ata punivel podera exercitar a direito de de[esa, atuando no procedimento, qual­quer que seja este, desde que se the comunique sua existencia, tenha side objeta de deten~ao ou de qualquer autro medida cau­telar. A admissao de uma noticia-crime au qualquer atua~ao poli­cial

14 au do Ministerio Publico, da qual resulte a imputa~iio de

um delito contra uma pessoa ou pessoas determinadas, sera

12 0 que segue nao e uma tradu!;ao literal, ate porque seria ihviavel ante a existencia de alguns instrumentos nao contemplados no nossa sistema ou com sentido completamente diverso (como a auto de procesamiento, a quere/fa, denuncia, prDcurador y letrado etc.).

13 0 termo imputar deve ser interpretado de forma ampla e, por isso mesmo, abrange teda e qualquer forma de natieia-crime ou acusac;ao formal.

14 0 original fala em processual porque assim sao considerados por parte da doutrina as atos leva­dos a cabo pelo jUiz de instrul;ao. Adaptando-se a nossa.realidade, 0 melhor e utiHzar 0 tenno policial.

252

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Sistemas de Investiga<;ao Preliminar no Processo Penal

levada imediatamente 00 seu conhecimento. Para exercitar a direito de de[esa,15 a pessoa illteressada devera designar um defensor e, nao a [azendo, devera ser-lhe nomeado um, que a assistira em todos 05 atos da instru~ao preliminar.

Par fim, tambem disciplinando a situa~ao do sujeito passivo, a ante- . projeto do CPP preve uma nova reda~ao para a art. 72, que, apesar de representar urn avan~o em· rela~ao ao sistema atual, principalmente ao disciplinar a momento do nascimento da situa~ao de indiciado, entende­mas que a § 22 merece maior aten~ao par parte do legislador. Como apon­tam as anteriormente, seria aconselhavel, tendo em vista a larga tradi~ao de desrespeito aos direitos do indiGiado pela policia judiciaria, que cons­tasse de forma express a a direito a defesa tecnica e a autodefesa negati­va (silencio). Ademais, e importante permitir a acesso previa do advoga­do aos autos do inquerito e tambem pos5ibilitar que a sujeito passivo indi-que provas e solicite diligencias. .

D) A NECESSIDADE DE UMA INVESTIGA<;:AO EFETIVAMENTE SUMARIA E A PENA DE INUTILIZZABILITA

No que se refere ao objeto, a investiga~ao preliminar deve ser sum a­ria. A restri~ao dil cogni~ao deve ser qualitativa e tambem se operar no aspecto temporal. Par isso, a primeira limita~ao deve estar incluida na propria defini~ao legal do instituto, visto como a atividade minima de comprova~iio e averigua~iio dos fatos e da autoria. Como isso, esta limi­tad a a proporcionar 0 [umus commissi delicti necessaria para formar a opinio delicti do MP (acusar, solicitar 0 arquivamento au ainda fundamen­tar a pedido de medidas restritivas) e tambem para justificar a processo au a nao-processo (fornecendo elementos para a fase intermediaria).

A investiga~ao preliminar, ali ada a fase intermediaria contraditoria, funciona como urn verdadeiro filtro processual, somente permitindo 0

ingresso no mundo juridico-processual daquelas condutas que revistam uma aparencia de deli to que justifique a custo do processo.

E sabido que a efetividade deriva da normatividade, ainda que <> inverso nem sempre se produza.Por isso, entendemos que ao se atribuir a investiga~ao ao promotor podemos exigir-lhe que tam bern realize investi­ga~iies sobre as elementos de descargo, isto e, a favor e no sentido de comprovar a veracidadeda tese defensiva. Par isso, e aconselhavel incluir

15 0 direito de sllendo esta assegurado no art. 2.4.2 da Constituh;ao da Espanha.

253

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Aury Lopes Jr.

esse dever, nos mesmos moldes do existente no art. 358 do CPP italiano e no § 160 da StPO alema.

A limitac;:ao temporal, par si mesma, e insatisfatoria, mas, ali ada a " qualitativa, leva-nos a um sistema misto mUito eficaz. Par isso, a investi-i gac;:ao preliminar tambem deve ter uma durac;:ao maxima limitada em lei. Se realmente quer-se um instrumento serio, esse prazo nao pode ser exces­sivamente exiguo (como no inquerito) porque isso leva a dais problemas:

, a) a mero descumprimento, como soi ocorrer, gerando a mais comple· to descredito da norma;

.,b) au, a que e pior, leva a conclusoes equivocadas e processos imatu­ros e infundados, simplesmente par utilitarisma judicial (e policial) au ' para dar uma satisfac;:ao II imprensa e a opiniao publica.

Par isso, e principalmente porque a prazo nao precisa ser esgotado, entendemos que a regra geral deve ser tres meses. A investigac;:ao deve estar concluida tao logo existam elementos que justifiquem a processo ou o nao-processo e, em qualquer caso, no prazo maximo de tres meses. 0 Ministerio Publico podera solieitar a prorrogac;:ao, par igual prazo e de forma fundamentada, ao juiz garante, que decidira em audiencia com a presenc;:a e participac;:ao da defesa. .

Em caso de indiciado preso, a prazo deve ser mais exiguo, mas sem exageros. Nossa ex peri en cia com a prazo de dez dias do art. 10 do CPP mostra que:

a) au inquerito e concluido as pressas - pela exigliidade do prazo -para evitar a soltura;

b) au inquerito segue e a sujeito passivo obtem a liberdade pela via do habeas corpus;

c) ou, 0 que e pior, 0 inquerito supera 0 limite (10 dias) e mesmo assim a prisao e mantida. 16

Por isso, sugerimos um prazo de trinta dias como regra geral para a conclusao do inquerito polieial em caso de indieiado preso. Ademais, e imprescindivel que as medidas cautelares pessoais estejam submetidas a um controle judicial peri6dico. 17 Dessa forma, estipula·se uma obrigac;:ao para 0 juiz de revisar periodicamente e de ofieio, se persistem as motivos

16 Esse problema surge na divergenda entre a forma de contagem 0 prazo de 81 dias fixado para o encerramento d9 processo de rito ordinaria (contagem englobada au por fases) e, tambem, a conivencia - cada vez maior - dos tribuna is, com 0 excesso de prazo gerado pela "acumu-10 de selVic;:o".

1] Em observancia ?10 principia da provisionaJidade, existe em alguns paises europeus urn dever de revisar a medida adotada apos determinado lapso de tempo. Na Italia, art. 294.3 do codice de Procedura Penale, 0 juiz devera revisar a decisao que determinou a prisao em no maximo 5 di~s desde que se inidou seu cumprimento. Ademais dessa, entendemos que devem existir

254

Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Pracesso Penal

que justificaram a prisao cautelar, fundamentando a necessidade de sua manuten~ao. 0 objetivo e evitar que a detido' seja simplesmente "esque­cido" na prisao e esse mecanismo de controle tera grande utilidade no transcurso do processo penal (tendo em vista que sua durac;:ao e maior).

Par fim, para assegurar a efieacia da limita~ao temporal, parece·nos satisfat6ria a san~ao contida no art. 407.3 do CPP italiano. Sea MP nao exercitar a a~ao penal, ousolicitar a arquivamento no prazo 'estabelecido pel a lei (au prorrogado pelo juiz), as atos de investiga~ao praticados na indagine preUminare, depois de expirado a prazo, nao poderao ser utili· zados no processo penal. E a que'se denomina de pena de inutilizzabili­to, em clara alusao Ii ineficaci1fjuridiea (inutilidade) desses atos. Adotado esse sistema, a partir do momenta em que as atos sao considerad05 inu­teis, nao existe justa causa para manter em "aberto" a investigac;:ao pre­

, liminar e ela deve ser trancada atraves do habeas corpus au ainda par sim­ples petic;:ao ao juiz garante.

Basta de inqueritos interminaveis e "inchados". A critica de que todo a material deve ser "repetido" em juizo cai par terra se a inquerito for efetivamente sumario. Ademais, nao existe repetic;:ao, mas sim prodUl;do, porque prova valarrivel na senten~a s6 existe quando praticada em juizo, au par meio do respectivo procedimento judicial de produ~ao antecipada. Tambem cabe recordar que e absolutamente inadmissivel que as atos de investigac;:ao, praticados na fasepre-processual e sem as devidas garan­tias, bastem por si mesmos. Seria um retrocesso ao sistema plenario, em que a fase processual se limitava a ser um mero tramite de controle for­mal e previo a sentenc;:a. Muitos dos que sao contra a mal chamada "repe­ti~ao em juizo" esquecem disso.

Em definitivo, a investigac;:ao preliminar deve ser sumaria, adotando­se a sistema misto com sanc;:ao. Qualitativamente, deve estar limitada aquela atividade minima, necessaria para justificar a processo au a nao­processo. Em qualquer caso, a proporcionar a fumus commissi delicti em grau de probabilidade. No aspecto temporal, devemos limitar a durac;:ao da investigac;:ao preliminar, distinguindo entre as situac;:oes de imputado preso au salta. Par ultimo, para assegurar a eficacia das restric;:oes, a sis­tema deve consagrar uma sanc;:ao de carater processual para a incumpri­menta do prazo maximo de durac;:ao, de forma similar Ii pen a de inutiliz· zabilitb do processo penal italiano.

outras revisoes perlodicas. Nesse sentido, na AJemanha (StPO § 122),0 exame sobre a neces­sJdade da manuten~ao da prisao devera ser reallzado no maximo a cada tres meses. Em portugal, art. 213,1 do CPP, tambem a cada tres meses, no maximo, devera 0 julz revisar a medida e decidir sobre a necessidade de sua manutent:;ao.

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II) A FORMA DOS ATOS

Oprimeiro problema esta em definir seu carater obrigatorio ou facul­tativo_ Segundo a razao, ninguem pode aceitar um processo penal sem uma previa atividade investigadora, ainda que minima_ Na sintese de FairenGuillen,'8 seria 0 mesmo que um processo sem pensar, irracional. A investiga~ao e uma garanl:ia para todos e, principalrilente, para a sujei­to passivo, eVitando as nefastos e irresponsaveis processos infundados e a acusa~ao de surpresa_

Mais ainda, e absolutamente inconcebivel um processo sem previa investiga.;:ao nos sistemas que - como a brasileiro - nao contemplam uma autentica fase intermediaria,'9 destinada a realizar um juizo contradito­rio de pre-admissibilidade da acusa~ao_ Por isso, opinamos pela ado~ao de um sistema misto: a investiga~ao preliminar deve ser obrigatoria20 para os delitos graves e facultativa para os de meno(potencial lesivo (como ja estana Lei nO 9_099)_

A situa~ao e ainda mais grave e preocupante quando nos deparamos com a possibilidade da denuncia imediata, sem previo inquerito_ Enten­demos que a problema nao esta no poder do MP em si mesmo, mas na falta de uma fase intermediaria que permita a defesa antes da admissao da

. denuncia. A surpresa do processo imediato limita a defesa, gera a dese­quilibrio entre as partes e pode prestar-se a fins espurios, em que a pro­cesso penal e utilizado como instrumento de pressao e constrangimento. Ademais, as riscos de prosperar uma acusa~ao infundada sao elevados. 0 processo penal possui um altissimo custo para a sujeito passivo e nao podemos aceitar que nas~a de uma acusa~ao inaudita et altera pars.

Em suma, ainda que intoleravel, a nosso sistema permite que alguem seja formalmente acusado e submetido ao proi:esso penal sem ser previa­mente ouvido. Com isso, transfere-se a responsabilidade para 0 juiz, que devera ser muito cauteloso ao decidir sobre a admis5ii.o ou rejei~ao de uma denuncia, que nao tenha par base um procedimento previa, no qual tenha sido ouvido a sujeito passiv~ com as devidas garantias. Destarte,

18 "La Reforma Procesai Penal 1988-1992", In Estudios de Derecho ProcesaJ Civil, Penal y Constituclonal, p. 78 - nota de rodape WI 110.

L9 Excetuando-se 0 procedimento especial dos delitos de responsabilidade dos funcionarios publi­cos e na Lei ng, 9.099/95. Sem embargo, a lacuna e grave n05 demais casas.

20 Poder-se-ia argumentar que, se a MP jil disp6e de elementos 5ufidentes para acusar, seria uma· perda de tempo a investiga!;ao. Pois bern, nesse casa, que fa~a valer 0 cariher sumario da invest;gal;ao, oportunizando ao 5ujeito passivo conhecer e refutar a imputal;ao. A perda de tempo sera minima e justificada pe\a seguranc;a que oferece. 1550 e observar as principlos cons· titucionais e processuals mais elementares de urn sistema evoluido.

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Sistemas de lnvestiga~iio Preliminar no Processo Penal

entendemos que a investiga~ao preliminar deve ser obrigat6ria nos delitos graves e facultativa nos demais casas. . . '

A forma escrita acabara predominando, mas a ideal e que a fase lntermediaria seja composta de uma audiencia em que a MP e a sujeito passiv~ possam produzir alga de prova testemunhal e, com isso, permitir ao juiz um cantata direto com a prova. Ainda que com reduzido numero de testemurihas, para evitar dila~6es, pais nao se pode olvidar que se trata de um juizo de probabilidade (fum us commissi delicti) e nao de cer-teza. .

o segredo externo deve ser uma regra, pois, ao mesmo tempo que garante a eficacia da investiga~ao, tambem respeita a intimidade e a ima­gem d&.imputado, impedindo a prematura estigmatiza~ao social. Par outro lado, a segredo interne deve ser evitado au limitado no tempo e so para determinados atos. Nao ha duvida de que viola as mais elementares dita­mes da instrumentalidade garantista (e par isso resulta contrario ao pro­prio fundamento da existencia do processo penal). Em qualquer caso, somente deve ser decretado pelo juiz e mediante previa solicita~ao do MP.

Por fim, a eficacia probatoria dos atos da investiga~ao preliminar deve ser endoprocedimental, servindo apenas para justificar a processo au a nao-processo e como fundamento das decis6es interlocutorias que a juiz garante tenha de tamar no curso da investiga~ao preliminar. Ademais de reconhecer a diferen~a entre atos de prova e atos de investiga~ao (limi­tando a eficacia dos u\timos), tambem e fundamental que as pe~as que comp6em a instru~ao preliminar nao integrem os autos do processo, salvo as produzidas so.b a forma e com as garantias da produ~ao antecipada da prova. 21 Com esse sistema de exclusao22 garante-se que a prova sera efe­tivamente produzida em juizo, acabando com a famigerada praxis de rele­gar a pnlcesso a um papel de mero ratificador dos atos do inquerito (ou, a que e pior, valorando as elementos do inquerito na senten~a). As pe~as desentranhadas; no entanto, ficarn Ii disposi~ao das partes23 no cartorio, para que possam consultar e buscar ali elementos que auxiliem a postula-

21 Dutro instrumento importantissimo e que no processo penal brasileiro tem 9tdo relegado a um segundo plano, para nao dizer esquecirnento. Remeternos 0 leitor ao que dissemos anterior­mente ao analisar a produl;ao antecipada da prova.

22 Como explica PELLEGRINI GRINOVER, "Influencia do C6digo-Modelo de Processo Penal para Ibero-America na legislac;ao latino-americana. Convergenclas e Dissonancias com os Sistemas Italiano e Brasileiro", in D Processo em Evolur;ao, p. 227.

23 Neste sentido dlspoem, acertadamente, 0 anteprojeto publlcado no DDU de 16/3/1994, p. 3.705: Dutra importante inovar;ao, que se inspirou no vigente COdigo de Processo Penal Italiano (art. 431), e a conslstente no desentranhamento, ap6s 0 recebimento de denuneia ou queixa, das per;as constantes da investfgar;ao .... tomou-se entretanto, a cautela de deixar tais elementos lnformati­vos em eartorio, a dlsposir;iio das partes, para melhor condur;ao da aeusar;ao e da defesa.

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c;:ao de provas em juizo (v. g., para fornecer 0 nome e enderec;:o de teste .. rnunhas, auxiliar na formulac;:ao de perguntas etc.).

Neste senti do, Dalia e Ferraioli24 sublinham a importancia da origina. " lito do processo penal, de modo que nao se atribui 11 fase pre.processual . o poder de aquisic;:ao da prova, somente deve recolher elementos uteis 11 determinac;:ao do fato e da autoria, em grau de probabilidade, para justi. ficar a ac;:ao penal. A efetiva coleta da prova esta reservada para a fase processual - giudice del dibattimento - cercada de todas as garantias inerentes ao exerciciodil jurisdic;:ao. A originaUdade e alcanc;:ada, princi; palmente, porque se impede que todos oS atos da investigac;:ao preliminar' sejam transmitidos ao processo - exclusao de pec;:as -, de modo que os elementos de convencimento sao obtidos da prova produzida em juizo. Desta forma, evita·se a contaminac;:ao e garante·se que a valorac;:ao pro' bateria recaira somente sobre aqueles atos praticados na fase processual e com todas as garantias. Tambem a produc;:ao antecipada de provas e uma ilustre desconhecida para 0 nosso processo penal e isso deve mudar.

(oncluindo, a forma dos atos e talvez 0 aspecto que encerra maiores problemas e minucias. Nessa breve analise, pretendemos chamar a aten. c;:ao para 0 problema do valor probaterio e a necessidade de limitar a efi. Ciicia dos atos de investiga~ao e de excluf·los dos autos do processo. t importante acentuar a func;:ao endoprocedimental do inquerito, para evi. tar -inclusive - que se admita a sua valorac;:ao pelo "cotejo" com a prova judiCial, que nada mais e do que uma maquiagem para condenar com base em meros atos de investigac;:ao. 0 inquerito, por serum procedimento pre. processual administrativo, esta caracterizado por um alto grau de "liber. dade de forma" e, por isso, e inidoneo para proporcionar resultado proba. terio, ate porque ele representa 0 predominio do poder e da forc;:a sobre a razao, algo absolutamente inadmissivel em um Estado de Direito que aspira um moderno processo penal.

24 Manua/e dl Diritto Processua/e Pena/e, pp. 568 e seguintes.

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Capitulo IX Situa~ao Juridica do Sujeito Passiv~

na Investiga~o Preliminar

I. PARTES OU SUJEITOS NA INVESTIGA~AO PRELIMINAR

Apesar do uso indiscriminado dos vocabulos parte e sujeito por algu· ma doutrina, entendemos que e necessario fazer uma distinc;:ao. Alguns preferem utilizar sempre sujeitos como uma maneira de nao tomar parti· do na problematica ace rca da existencia de partes formais no processo penal. Nao e 0 nosso caso, pois somos defensores de um processo penal de partes, conforme ja expressamos. Outros, utilizam sUjeitos como uma designac;:ao generica, sem compromisso com a tecnica processual. Assim que, por uma questao rigor cientifico, devemos definir se na instruc;:ao preliminar existem partes ou mais bem sujeitos, em que pese a complexi· dade tee rica do tema.

Entendemos que parte em sentido formal e aquela pessoa que no processo ,formula contra outra uma pretensao acusateria - resistida ou nao - segundo as formas previstas na norma processual penal e sob a dire· c;:ao do ergao jurisdicional competente.

Por outro lado, segundo Leone,' sujeitos sao as pessoas entre as quais constitui·se a relac;:ao processual. Sao sujeitos da relac;:ao processual 0

Ministerio Publico, 0 acusado e 0 juiz. t evidente que 0 juiz se destaca dos demais porque esta em um plano superior, distinto,pois, enquanto os outros sujeitos comparecem ante ele solicitando a atuac;:aoda lei ou com um pedido de abertura do procedimento penal, 0 juiz esta chamado a dirimir tais postu· lac;:6es. t uma distinc;:ao fundamental, que 0 coloca como tim ergao supra· ordenado aos demais e em posic;:ao superior, para que possa decidir sobre a pretensao formulada. A heterocomposic;:ao exige esse afastamento, para lograr a imprescindivel imparcialidade do juiz e consagrar 0 sistema acusat6· rio. Destarte, 0 juiz e sujeito, mas nao e parte. Por fim, sem algum dos tres sujeitos que formam a relac;:ao juridico'processual, nao existe processo.

No mesmo sentido, explica Guasp2 que existem no processo dois tipos de pessoas: aquelas que devem emitir a decisao e aquelas que soli·

TraUato di Diritto Processua/e Pena/e, vol. It p. 247. "Administrac/on de Just/cia y Derechos de fa Personalidad", in Estudios Juridicos, pp. 173 e segulntes.

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citam ou frente a quem se solicita tal decisao. A rela~ao juridico-proces-' sual esta farmada por estes sujeitos: acusador, acusado e juiz. Entre eles, o acusador ocupa a posi~ao ativa e 0 acusado a passiva. ° juiz e,sta acima i dos demais e nao e parte_ Na rela~ao processual existem tres sujeitos e ' duas partes.

Inobstante, nao ocorre 0 mesmo na investigac;:ao preliminar, que, como fase pre-processual, de carater preparatorio, pode nascer, desenvol­ver-se e inclusive ser concluida sem que exista urn sUjeito passivo. Uma das principais fun~6es da instru~ao preliminar e a de descobrir quem e 0

autor do delito, que passara a ser parte passiva'no processo, de modo que nao e imprescindivel para a existencia da fase pre-processual.

A doutrina alema, seguindo a·terminologia da StPO,3 utiliza partici­pantes e sujeitos. Como explica Gomez Colomer, por participante proces­sual entende-se todD aquele que toma parte no processo, como 0 juiz; 0

promotor e 0 "ajudante" do MP; 0 acusado e 0 advogado defensor; as tes­temunhas e peritos; 0 autor privado, acessorio e civil; a autoridade admi­nistrativa, os auxiliares dos tribunais etc. Isto e, todos aqueles que de uma forma ou outra, bern por ser orgao estatal da administra~ao da justi~a, bern por serem pessoas particulares afetadas pelo fato puniv,el, cumprem urn papel no desenvolvimento de urn processo em concreto. Ja 0 conceito de sujeito e mais estrito, restringindo-se aquelas pessoas cuja presenc;:a e imprescindivel e sem,as quais nao e possivellevar a cabo 0 processa, Estas pessoassao 0 acusador, 0 acusado e 0 juiz. A exce~ao it regra fica por conta da instruc;:ao preliminar - ermitt{ungsverfahren - que pode perfei­tamente existir e realizar-se sem a existencia do sujeito passiv~.

Com isso, pode-se afirmar que,em definitivo, participante e uma denomina~ao generica e que se refere a qualquer pessoa que contribua para 0 desenvolvimento do processo penal. Mais restrito, sujeitos sao aquelas pessoas essenciais para a sobrevivencia do processo penal e sem as quais nao existiria 0 processo, logo, refere-se aos sujeitos ativo e pas­sivo e ao juiz. Todavia, mais restrito e 0 conceito de partes, pOis esta reservado a quem, no grocesso, .formula ante outro uma pretensao acusa­t6ria (parte ativa) e contra quem e formulada essa pretensao (parte pas­siva). Logo, so podemos falar em partes na fase processual.

Tambem a ideia de parte esta relacionada a urn determinado status juridico, que somente se atribui a determinadas pessoas que intervem no processo, reconhecendo-se-lhes cargas e direitos de natureza processual.

efr. GOMEZ COlOMER. E/ Proceso Penal Aleman, pp. 68 e seguintes.

260

Sistemas de lnvestiga~ao Prelim;nar no Processo Penal

Concluindo"na investiga~ao preliminar nao existel)1 partes, mas sim meros sujeitos, pois:

a) nao se trata de urn processo penal em sentido estrito (ainda que a sistema seja de juiz instrutor);

b) nao existe,oexercicio de uma pretensao e tampouco a correlativa resistencia, mas sim uma atividade que pre para 0 exercicio de uma pretensao acusatoria;

c) nao e exercida jurisdi~ao em sentido estrito e, mesmo no sistema de juiz instrutor, as atividades desenvolvidas por ele nao sao pro­priamente jurisdicianais, senao judiciais e muitas vezes meramen­te administrativas;

d) a atuac;:ao do juiz no sistema de instru~ao preliminar judicial e basicamente investigat6ria e nao decis6ria; nos demais modelos (a cargo da policia ou do promotor), a posic;:ao do juiz e a de urn orgao destinado a assegurar a observancia de determinadas garantias e sua interven~ao e contingente;

e) nao existe sentenc;:a, mas meras decis6es interlocutorias; f) vige urn sistema com fortes rasgos inquisitivos, com contradit6rio e

direito de defesa inexistente ou excessivamente limitado; ao con­trario do processo, a instru~ao preliminar nao e publica e predomi­na a forma escrita;

g) 0 valor probatoria dos atos e limitadci (meros atos de investigac;:ao).

n. TERMINOLOGIA UTILIZADA PARA DESIGNAR 0 SUJEITO PASSIVO

E importante analisar as diferentes designa~6es que sao atribuidas ao sujeito passiv~ no curso da instru~ao preliminar e tambem do processo penal, porque a denomina~ao utilizada deve ser adequada ao momenta

, processual a que se refere. Com isso, deve refletir a situazione giuridica subjettiva ou 0 proprio status juridico-processual do sujeito passiv~ e, como conseqUencia, 0 grau de diminuic;:ao do status libertatis.

Desde logo, merece destaque a falta de rigor cientifico do CPP ao tra­tar do tema. As graves deficiencias legislativas do C6digo, no que se refe­re it termino.logia utilizada, fazem com que encontremos 0 usa indiscrimi­nado e muitas vezes erroneo dos vocabulos indiciado, acusado e niu. Entre os erros mais comuns esta 0 de empregar 0 termo acusado ou reu antes mesmo do recebimento da denuncia ou queixa, isto e, designar como parte passiva do processo penal quando sequer foi iniciada a fase proces­sual. Tambem a expressao indiciado e constantemente mal utilizada, ' refletindo nao s6 a falta de tecnica legislativa como tambem, e 0 que e

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mais grave, 0 mais absoluto confusionismo que existe em torno da figura do indiciamento. Feita esta ressalva, tentaremos sistematizar a confusa reda~ao do CPP.

Tendo em vista que a investiga~ao preliminar nao pode ser conside­rada como processo penal em sentido estrito, senao uma fase previa e pre· paratcria, a de~omina~ao utilizada neste .momento deve ser distinta daquela utilizada na fase processual. E: importante recordarqueo proces­so penal obedece a um sistema escalonado e, atraves da terminologia uti­lizada, devemos expressar este escalonamento.

Em linhas gerais, consideramos que sao tresos principais momentos no processo penal que atribuem ao sujeito passiv~ distintascargas e direi· tos, devendo ser reconhecido que, em cada um destes momentos, 0 sujei· to passiv~ possui um status juridico distinto. Destarte, as tres fases (ins· tru~ao preliminar, fase processual e execu~ao da senten<;a) correspondem tres denomina~6es distintas (imputado ou indiciado; acusado, process ado ou reu; condenado ou apenado).

Empregamos desde 0 inicio 0 termo "sujeito passivo" por ser ele generico e servir para designar, - em qualquer sistema juridico - aquela pessoa que em maior ou menor grau encontra·se submetida a um procedi· mento pre-processual. Era importante empregar um vocabulo com tal alcance, tendo em vista que 0 presente trabalho 'esta desenvolvido sobre sistemas juridicos de diferentes paises. Destarte, se na Espanha ~tiliza-se termos como imputado, incuipado, denunciado, querellado, presunto reo, procesado etc. tudo isso na fase pre-processual, em outros paises e empregado um unico nome juridico (v. g. persona sottoposta aile indagi­ni prelimirlOrina Italia, ou argUido em Portugal).

No processo penal brasileiro pode-se distinguir com clareza tres si­tua~6es, correspondentes as fases do processo e tambem refletindo um status juridico distinto:

Indiciado: e a pessoa formalmente submetida ao inquerito policial. Acusado ou reu: e a parte passiva do processo penal. Somente se

pode falar em acusado ou reu a partir da admissao da a~ao penal (publi­ca ou privada}.4

Con dena do: apes a senten~a penal condenat6ria transitada em jul­gado.

262

Mais espedficas, as deslgnac;oes deounciado e querelado referem-se, respectlvamente, a parte passiva de uma ac;aci penal publica au privada.

Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

Interessa-nos, pOis, a figura do indiciado, que sera utilizada ao longo de todo'inquerito policial, a partir do momento em que alguem esta for­malmente submetido ir1nvestiga~ao preliminar policial. Com a admissao da den uncia ou queixa, surgira uma nova situa~ao juridica: a de acusaclo. o arquivamento restitui, in totum, 0 estado de inocencia, ao menos juri­dicamente, pois a estigmatiza~ao social gerada pelo indiciamento nem sempre e remediada. A forma, 0 momento e as conseqUencias da situa~ao juridica de indiciado serao analisados posteriormente .. '

Em outros sistemas juridicos, encontramos uma designa~ao muito adequada para 0 sujeito passivo: imputado: A imputa~ao, como explica CarneliJtti,5 indica um verdadeiro status da pessoa, que resulta da dimi­nui~ao do que Jellinekdenomina statuslibertatis, e, por isso, a pessoa em situa~ao de suspeita por haver praticado um fato punivel esta desde logo submetida a medidas cautelares reais, pessoais, diligencia& policiais ou judiciais etc. que podem ser adotadas na investiga~ao preliminar.

A imputa~ao e um degrau mais do escoda no caminho do processo. E uma situa~ao mais grave e crescente quando com parada a de mero suspei­to. Por isso, e uma situazione giuridica subjettiva do sujeito passiv~, que tem como causa a atribui~ao da pratica de um fato aparentemente punivel.

No direito brasileiro, nao e usual a expressao imputado, pois preferiu o legislador 0 termo indiciado_ Distinta, ainda, e a situa~ao de suspeito. Utilizamos 0 termo suspeito para designar a situa~ao juridica daquela pes­soa sobre a qual recai uma imputa~ao extrajudicial e que nao foi ainda formal mente indiciada.

Como explica Moraes Pitombo, 6 0 suspeito sobre 0 qual se reuniu provo do autorio do infra~ao, tern que ser indiciodo. Jo aquele que con­tra si possui frogeis indicios, ou outro meio de provo esgor~odo, nao pode ser indiciado. Mantem-se eie como Ii: suspeito.

A suspeita e um grau inferior de convencimento, que antecede ao indiciamento e esta baseada em um juizo de possibilidade e nao de pro­babilidade. Inclusive e possivel tra~ar um paralelo:

• Juizo de possibilidade da autoria - mero suspeito; • Juizo de probabilidade da autoria - deve-se indiciar.

Neste senti do, entendemo~>oque deve ser considerado suspeito 0

sujeito passivo de uma noticia-crime; aquela pessoa que esta sendo per­seguida (v. g., art. 290); quem esta em situa~ao de flagrancia, mas ainda

"La Imputaclon Pena!', fn Cuestiones sabre eJ Proceso Penal, p. 136. "0 Indiclamento como Ato de Policia Judicia ria", in Revista dos Tribunals, nil 577, pp. 313-316.

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nao existe a lavratura do auto, e todas as demais situa~6es previas ao indio ciamento formal que resultem da atribui~ao da pnitica de urn fato aparen. temente punivel.

uni exemplo claro de imprecisao legislativa - entre muitos outros do CPP - vern dado pelo art. 5Q

, § 1Q , b, quando exige que 0 requerimento que da origem ao inquerito contenha " ... a individualiza~ao do indiciado ... ". Na . realidade, nao existe urn indiciado a ser individualizado, mas sim urn sus. peito, pois assim deve ser considerado 0 sujeito passivo deste ato.

A situa~ao de suspeito sup6e a atribui~ao de uma (aparente) respon, sabilidade penal, ainda que informal e realizada por urn particular. Exem­plo claro vern dado pela noticia-crime que descreve urn fato e aponta urn ou mais supostos auto res, individualizando-os; ou ainda, na requisi~ao ou requerimento que da origem ao inquerito policial. Em ambos casos, exis­te a atribui~ao de urn fato aparentemente punivel a uma pessoa certa e determinada. Sera considerado suspeito porque ainda nao foi objeto de indiciarnento formal pela autoridade policial.

E importante destacar que 0 estado de suspeito antecede ao indicia­mento e por esse e substituido. Com 0 ato formal do indiciamento, 0 sus­peito passa a ser considerado como indiciado, urn grau mais elevado de submissao ao procedimento persecutorio estatal.

Em sintese, 0 processopenal brasileiro contempla claramente a ter- . minologia indiciado (fase pre-processual), acusadol reu (fase processual) e condenado (apos a senten~a penal condenatoria com transito em julgado). Deve ser empregado ainda 0 termo suspeito, para referir-se aquela pessoa contra a qual e atribuida a pratica de urn fato aparentemente delituoso e que ainda nao foi formalmente indiciada. A importancia do emprego cor­reto da terminologia juridica reside no fato de que 0 nomen juris reflete o escalonamento do processo penal e 0 estado juridico daquela pessoa naquele momento, e, com isso, urn maior ou menor grau de submissao a persecu~ao estatal.

Ill. CAPACIDADE E LEGITIMIDADE PASSIVA

A) CAPACIDADE DO SUJEITO PASSIVO

o sujeito passiv~ e, na defini~ao de Chiavario,7 it pili naturale prota­gonista del processo stesso, e cioe della persona che ha diritto al proces­so, ou seja, 0 mais natural protagonista do processo penal, a pessoa que

La Riforma del Processo Pena/e, p. 97.

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Sistemas de Investigat;ao Preliminar no Processo Penal

efetivamente tern direito ao processo. Para que umapessoa possa assumir a posi<;ao passiva.na rela~ao juridico-processual, e com isso estarsubme­tida ao regime do processo penal, e imprescindivel que ela seja juridica­mente capaz. 0 conceito juridico de capacidade esta· relacionado com a aptidao mental que 0 direito considera necessaria para que uma pessoa possa ser sujeito ou parte no procedimento penal. Desde logo, como des­taca Gomez Orbaneja,8 0 moderno processo penal considera que somente pode ser inculpado uma pessoa fisico, urn individuo humana atualmente vivo, de modo que os processos e condena~6es contra animais e defuntos fazem parte da historia do direito;

Entendendo a pen a como castigo,Carnelutti9 explica que nao basta para esses fins a existencia fisica do "julgando" se nao esta acompanhada da existencia espiritual: a condena<;ao pode ser pronunciada inclusive sem a presen<;a fisica do imputado, mas a expia<;ao, precisamente porque opera atraves do corpo, sobre 0 espirito do condenado, exige nao so que ele esteja presente, senao que sejacapaz de usufruir da pena e tambem do sofrimento, para redimir-se ao recuperar aquele tanto de ser que demonstrou nao ter ao cometer 0 delito.

Por tudo isso, 0 tema da capacidade esta intimamente relacionado com a lmputabilidade penal, isto e, com os limites definidos pelo Direito Penal para que uma pessoa possa ser considerada penalmente imputilVel. o processo e urn instrumento necessario para a aplica<;ao da pena, de modo que e logico que aquele a quem se vai impor uma pena deve ter capacidade para atuar no processo (e em sentido inverso tambem). No Direito Penal, a pen a e urn juizo de desvalor da conduta do autor do deli­to e, como tal, esta tratada no ambito da culpabilidade, considerada como a censurabilidade do forma<;iio e do manifesta<;iio do vontade1O •

Destarte, seu fundamento esta na capacidade do homem de decidir livre­mente entre 0 justo e 0 injusto, certo e_ 0 errado.

Na atualidade, 0 moderno Direito Penal considera 0 poder-atuar-de­outro-modo como a base da culpabilidade. Somente pode sofrer a pen a -como consequencia do delito e do processo - aquele homem que, poden­do livremente decidir entre atuar conforme 0 direito, opta pelo delito,· assumindo 0 risco de sofrer 0 juizo de desvalor de sua conduta. Por isso, Jescheckl1 assinala que 0 principio de culpabilidad tiene como presupues-

8 Comenl;arios a fa Ley de EnJulcfamfento Crimfnal, tomo II, p. 273, 9 Derecho Procesal Civil y Penal, p. 351. 10 WESSELS, Johannes. Direito Penal, p. 83. 11 Tratado de Derecho Penal, p. 367.

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to logico 10 libertad de decision del hombre. Para definir esta liberdade de decisao do homem, 0 Direito Penal faz Ulna constru~ao teorica em torno da culpabilidade, estabelecendo uma serie de requisitos para que uma pessoa possa ser considerada penalmente culpavel. Seguindo Welzel'2 e a teoria finalista da a~ao, a culpabilidade esta estruturada sobre tres elementos:

• imputabilidade, • possibilidade de compreensao do injusto e • inexigibilidade de uma conduta conforme 0 direito.

Sem entrar ainda maisno direito material, inclusive porque excede­ria os limites do presente trabalho, queremos destacar que para a capaci­dade processual interessa apenas a imputabilidade, de modo que somen­te podem ser parte·passiva no processo penal os imputaveis, considerados como (requisitos cumulativos e nao alternativos):

a) as pessoas vivas; b) as pessoas fisicas, porque vige, a principio,13 a regra societas

delinquere non potest; c) os maiores de 18 anos, considerados no momento da a~ao ou omis­

sao delitiva; d) ser, no momento da a~ao ou omissao, inteiramente capaz de

entender 0 carater ilicito do fato ou de determinar-se de accrdo com esse entendimento.

Assim, capacidade processual exige sujeito passiv~ vivo, maior de 18 anos e perfeita saude mental, que nao 0 impe~a de compreender 0 cara­ter ilicito de sua conduta. 0 maior de 18 an os e men or de 21 nao possui capacidade plena para atuar no procedimento ou no processo, exigindo 0

art. 15 do CPP que a autoridade policial designe um curador ao indiciado. No caso de doen~a mental, 0 incidente de insanidade mental do acusado (ou indiciado) pode ser realizado no curso do inquerito policial ou do pro­cesso, nos termos dos arts. 149 e seguintes. Constatada a enfermidade, devera sernomeado ·curador ao sujeito passivo para que acompanhe todos os atos do inquerito e posteriormente do processo, onde, ao final, uma vez constatadas a autoria e a materialidade do delito, podera ser submetido a uma medida de seguran~a.

12 Oerecho Penal Afemfmr pp. 166 e seguintes. 13 0 tema da responsabilidade penal das pessoas juridicas esta sendo muito discutido na atuali­

dade, existlndo respeitaveis opinioes a favor da imputabilldade das pessoas morais. Sem embargo, 0 problema nao interessa diretamente ao processo penal e tampouco constitui obje­to do presente trabalho, de modo que nos limitaremos a regra geraL

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Sistemas de Investiga~i'io Preliminar no Processo Penal

Por fim, e importante destacar queainimputabilidade do sujeito passivo (menoridade ou enfermidade mental) nao impede 0 nascimento e a realiza~ao do inquerito policial. Especificamente no caso da menorida­de, ela afeta de forma direta a propria competencia, de modo que, uma vez comprovada, deve 0 processo ou procedimento ser enviado para a Justi~a da Intancia e da Juventude, nos termos dos arts. 145 e seguintes da Lei n" 8_069/90. Em se tratando de inimputabilidade p~r doen~a mental, a situa~ao e distinta, pois existe uma presun~ao relativa de capacidade, que, somente sera atingida com a comprova~ao da enfermidade mental atraves do proc<~dimento correspondente. A inimputabilidade por doen~a mental nao e causa de exclusao do processo, mas de isen~ao de pena, de modo que, antes de analisar a culpabilidade, devemos demonstrar a tipicidade e a ilicitude da conduta. Sendo assim, a inimputabilidade p~r doen~a mental nao impede 0 nascimento e 0 desenvolvimento da investiga~ao preliminar e do processo, ate porque deve ser comprovada no curso deste.

B) lEGITIMIDADE PASSIVA

A legitimidade exige uma incursao na rela~ao juridica de direito material que originou 0 processo. Por isso, sera considerado sujeito ou parte passiva legitima a pessoa que' no delito ocupou a posi~ao ativa,' isto e, 0 responsavel pela conduta tipica.

Para Moreno Catena,'4 a legitimidade do sujeito passiv~ nao e um tema problematico, pOis ccnsidera que toda pessoa encontra-se passiva­mente legitimada no processo pelo simples fato de restar imputada no procedimento penal.

Limitando a afirma~ao a um momento espedficc - imputa~ao - tem razao 0 autor, pois, para a imputa~ao, assim como para 0 indiciamento, e suficiente um minimo de fumus commissi delicti. Inobstante, a medida em que ° processo se desenvolve, havera uma gradual concre,ao do sujeito passiv~, de modo que 0 tema da legitimidade ira adquirindo uma impor­tan cia cada vez maior, ate chegar a ser considerada como 0 ponto nevral­gico da senten~a (ao lado da materialidade do delito). Caso nao seja com­provada de forma plena a autoria ou a participa~ao no delito, 0 agente devera ser absolvido, pois, em ultima analise, e parte pass iva ilegitima.

Concluindo, demonstrar a legitimidade (autoria do delito) e uma das principais fun~6es do inquerito policial, que podera ser iniciado com um

14 Derecho Procesa/ Penal, p. 183.

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minimo de fumus commissi delicti, mas devera atcan~ar um grau de proba· bilidade para que a a~ao penal seja admitida. Em suma, a legitimidade pas· siva no processo penal esta vinculada a existencia de provas que demons· trem que aquela pessoa e efetivamente 0 autor ou participe do delito, isto e, que ocupou a posi~ao ativa na rela~ao juridica substantiva (delito) para poder ocupar a posi~ao passiva na rela~ao juridico·processual.

IV. 0 SISTEMA ESCALONADO E A GRADUAL CONCRE<;AO DO SUJEITO PASSIVO

A busca do fato oculto atua nos primeiros degraus da escada que com· poem 0 processo penal, que se desenvolve de forma escalonada. Nas pala· vras de Gomez Orbaneja,'5 pode-se afirmar que a diferen~a do processo civil, que se constitui de uma vez e definitivamente, com uns limites obje­tivos e subjetivos inalteraveis, mediante a apresenta~ao da demanda, 0

processo penal desenvolve-se escalonadamente. 0 fundamento da perse­cu~ao ou, inversamente, da sua exclusao, pode depender tanto de razoes substantivas como processuais.

o sistema escalonado leva a uma progressiva ou regress iva conere­~ao dos elementos objetivos ou subjetivos que sustentam a investiga~ao. Deve-se destacar que 0 processo penal nao e de sentido unico, progressi-

. vo, senao que tambem pode ser urn juizo regressivo de culpabilidade. No· processo civil, a inicio e 0 desenvolvimento do processo atendem exclusi­vamente a criterios formais, de natureza processual. 0 processo civil desenvolve-se por meio das decisoes interlocut6rias, de contelido pura' mente formal, sem entrar na quesUio de fundo, que deve ficar reservada para a senten~a. Par isso, em geral, ate a senten~a, a juiz s6 aplicou noi: mas process.\lais. '6

Situa~ao muito diversa ocorre no processo penal, em que as condi­~oes de punibilidade podem confundir-se com as pressupostos processuais e, para que 0 processo possa iniciar:se e seguir adiante, nao e suficiente que estejam presentes umas condi~oes puramente formais. E imprescindi­vel que can carra a fum us commissi delicti, a provave\ existencia de um fato punivel ou, em outras palavras, que estejam presentes um minima de elementos de direito material. No processo penal, ab initio 0 juiz esta obrigado a realizar juizos provisionais sobre a questao de fundo, sem que possa, como no processo civil, deixar 0 direito material para a senten~a.

15 Comentarios a fa Ley de Enjuiclamiento Criminal, tomo I, p. 37. 16 PASTOR LOPEZ, Miguel. Ef Proceso de Persecucion, p. 149.

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Sistemas de Investiga<;ao Preliminar no Processo Penal

Se no processo civil a mais infundada das demandas pode dar Lugar a urn processo, que seguira ate 0 final, sempre que se cumpram os requisi­tos formais, no processo penal nao, pois todo 0 sistema esta estruturado no juizo de pre-admissibilidade da acusa~ao, que encerra nao 56 um juizo formal, mas tambem um juizo provisional sobre 0 merito, sabre os pressu­postos materiais do delito.

Uma vez mais colocamos em evidencia a importancia da decisao que recebe ou rejeita a ao;:ao penal, que necessariamente exige muita serie­dade e fundamenta~ao por parte dos juizes, e nao como ocorre a diario, com despachos formularios e sem a menor motiva~ao.

o processo penal exige uma escala de sucessivas juizos, que consti­tuem uma caracteristica propria, inerente ao elevado custo que supoem para 0 sujeito passivo. Ate chegar 11 senten~a final, passa-se por uma serie de juizos provisionais que na verdade representam "pre-juizos", legitimos e necessarios para a processo penal. Esses juizos a priori.representam car­gas distintas e proporcionais ao custo especifico da medida adotada. 0 grau de fumus commissi delicti necessario para iniciar a investiga~ao pre­liminar e distinto daquele que deve estar presente no momenta da admis­sao da acusa~ao ou da ado~ao de uma medida cautelar pessoal. E todos eles sao distintos do juizo contido na senten~a, que, para ser condenato­ria, nao.pode contentar-se com probabi/idades, mas apenas com a certe­za juridica da culpabilidade do sujeito passivo.

Em suma, a processo penal e um sistema escalonado e, como tal, para cada degrau e necessario um juizo de valor. Esta escada e triangular, pais pode ser progressiva como tambem regressiva. A situa~ao do sujeito passi­va passa de uma situa~ao mais ou menos difusa, ate chegar a definitiva com a senten~a condenatoria ou pode voltar a ser difusa e dar origem a uma absolvi~ao. Inclusive e possivel chegar-se a um juizo definitivo de carater negativo, em que se reconhece como certa a nao-participa~ao do agente no delito. Por tudo isso, define Pastor Lopez17 que a situa~ao juridica do sujei­to passivo e contingente, provisional e de progressiva (ou regressiva) deter­mina~c"io. Com a senten~a penal condenatoria, inicia-se uma nova etapa, a execu~ao da pena. A absolvi~ao nao cria uma situa~ao nova, senao que res­tabelece com plenitude a estado de inocente. 0 sujeito passiv~ nao perde o status de inocente no curso do processo, mas sem duvida que ele vai-se debilitando. Se com a condena~ao definitiva 0 estado de inocencia acaba, com a absolvi~ao e restabelecido com sua maxima plenitude.

17 Ef Proceso de Persecuci6n, p. 90.

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. Neste cemlrio, a investiga~ao preliminar formalmente iniciada, no. momenta em que passa a ter um sujeito passiv~ determinado (imputado ou formalmente indiciado), esta pessoa pass a a submeter·se a uma serie de pre·julzos,. representados pelo proprio indiciamento, a ado~ao de uma prisao cautelar ou medida cautelar real etc. Exemplo claro do caniter regressivo que pode assumir 0 escalonamento vem dado, entre outros, pelos casos em que existe uma prisao cautelar e posteriormente 0 inque. rito e arquivado ou simplesmente nao e manti do 0 indicia men to em rela. ~ao aquela pessoa.

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Capitulo X . 0 Indiciado no Sistema Brasileiro

I. INDICIAMENTO

Entre os maiores problemas do inquerito policial esta a falta de um indicia men to formal,1 com momento e forma estabelecidos em lei.

Explica Moraes Pitombo,2 que 0 indiciamento deve resultar do encon· tro de um "feixe de indicios convergentes" que apontam para uma certa pessoa, ou determinadas pessoas, supostamente autora(as) da infra~ao penal. Declara uma auto ria provavel. Canuto Mendes de Almeida3 aponta que 0 corpo de delito evidencia a existencia do crime e os indicios apon· tam 0 delinqUente.

o indiciamento pressupoe um grau mais elevado de certeza da auto· ria que a situa~ao de suspeit04• Neste sentido, record amos as palavras de Moraes Pitombo, de que 0 suspeito sobre 0 qual se reuniu prova da auto­ria da infra,ao, tern que ser indiciado. Jd aquele que contra si possui frd­geis indicios, ou outro meio de prova esgan;ado, nao pode ser indiciado. Mantem-se ele como e: suspeito. 0 indiciamento e assim um ate posterior ao estado de suspeito e esta baseado em um juizo de probabilidade e nao de mera possibilidade.

o indiciamento deve resultar do instante mesmo em que, no inqueri­to policial instaurado, verificou·se a probabilidade de ser 0 agente 0 autor da infra~ao penal, e, como instituto juridico, "devera emergir configura­do em ato formal de policia judiciaria". 5

Do flagrante delito emerge a relativa certeza visual ou presumida da autoria. Por isso, 0 flagrante valido impoe 0 indiciamento. Da mesma forma a prisao preventiva, pois exige "indicios suficientes da autoria", e a temporaria (" ... fundadas razoes ... de autoria").

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E importante frisar que 0 indiciamento s6 pode produzir-se quando'. existirem indicios razmiveis de probabilidade da autoria, e nao como um;, ato automatico e irresponsavel da autoridade policial. Neste sentido (RHC :. nO 1368-SP, Rel. Min. Francisco de Assis Toledo. Julg. em 18/9/1991):

INQUERITO POLICIAL. Despacho genfirico de indiciamento referente a diretor de

entidade, por fato que teria ocorrido durante gestOes anteriores. Indiciamento precipitado, nao justificado, que constitui evi­

dente cdnstrangimento ilegal. Recurso de habeas corpus a que se da provimento para defe­

rir a ordem e cassar 0 despacho de indiciamento. '

Outra decisao, no mesmo sentido, foi proferida no HC n" 8.466-PR, da lavra do Min. Felix Fischer, julg. em 20/4/1999:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FALSUM. INDIc/AMEN­TO PRECIPITADO. INQUERITO.

I - Se hd indicios da pratica de crimes, incabivel 0 tranca­mento do inquerito.

11 - Todavia, 0 indiciamento s6 pode ser realizado se hd, para tanto, fundada e objetiva suspeita da participa~ao au auto­ria nos eventuais delltos.

III - Habeas Corpus parcialmente concedido.

Em ambos os casos, nao existiu 0 trancamento do inquerito policiaL mas sim a cassa~ao do ate formal do indiciamento, sem prejuizo do pros­seguimento da investiga~ao. E muito comum a confusao entre trancar 0

inquerito e cassar 0 despacho que determinou 0 indiciameTlto. Sao situa­~6es diferentes e nada impede que a dedsao limite-se, como nos casos citados, a cassa~ao por falta de justa causa para 0 indiciamento. 0 inque­rito justificava-se, mas nao 0 indiciamento. Inclusive, surgindo novos ele­mentos de convic~ao, 0 paciente pode ser novamente indiciado.

Com isso, p6em-se em evidencia 0 ato formal do indiciamento e a necessidade de que emane de um despacho serio e fundamentado da auto­ridade policial.

Destaca Lauria Tucci6 que indiciamento e qualifica~ao direta ou indi­reta sao institutos distintos e inconfundiveis. 0 indiciamento e a indica~ao

"Indidamento e Quallfical;ao Indlreta~, in Revista dos Tribunais, nO. 571, pp. 291-294.

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Sistemas de Investiga.;ao Preliminar no Processo Penal

do autor da infra~ao. A qualifica~ao diz respeito a individua~ao de pessoa - indiciado au outrem - mencionada, de qualquer maneira, no desenro­lar da investiga~ao criminal. AquaHfica~ao direta au indireta e conseqUen-, cia do indiciamento, uma forma estabelecida pelo legislador de estabele­cer 'a identidade do indiciado. Mas nao e a indiciamento em si mesmo.

o momenta e a forma do indiciamento deveriam estar disciplinados ' claramente no CPP, exigindo um ato formal da autoridade policial e a ime­diata oitiva do sujeito passivo que, na qualidade de indiciado, esta sujei­to a cargas, mas tambem the assistem direitos. Entre eles, 0 prinCipal e saber em que qualidade declara, evitando-se assim a grave inconveniente de comparecer como "testemunha" quando na verdade deveria faze-Io na qualidade de suspeito que esta na iminencia de ser indiciado.

Atitulo de ilustra~ao, trazemos a cola~ao 0 art. 118 da LECrim espa­nhola, cuja reda~ao e elogiavel:7

Toda pessoa a quem se imputeS urn ate punivel podera exer­citar 0 direito de defesa, atuando no procedimento, qualquer que seja este, desde que se the comunique sua eXistencia, tenha sido objeto de deten~ao ou de qualquer outra medida cautelar. A admissao de uma noticia-crime ou qualquer atua~ao policial9

ou do Ministerio Publico, da qual resulte a imputa~tio de urn de lito contra uma pessoa ou pessoas determinadas, sera levada imediatamente ao seu conhecimento. Para exercitar 0 direito de defesa,'o a pessoa interessada devera designar um defensor e, ntio 0 fazendo, Devera ser-lhe nomeado um, que 0 assistira em todos os atos da instru~tio preliminar.

Tambem disciplinando a situa~ao do sujeito passivo, merece ser transcrita parte do art. 7' do anteprojeto de reforma do nosso CPP:

Art. 7' Logo que reuna as elementos suficientes, a autorida­de policial, fundamrmtando devidamente, procedera ao indicia­mento.

o que segue nao e uma traduc;ao literal, ate porque seria Inviavel ante a existencia de alguns instrumentos nao contemplados no nossa sistema au com sentido completamente diverso (como a auto de procesamiento" a querella, denuncia, pracuradar y Jetrada etc.). o termo Imputar deve ser Interpretado de forma ampla e, par isso mesmo, abrange toda e qualquer forma de notfda-crime ou acusa<;ao formal. o Original fala em processua\ porque assim sao considerados par parte da doutrina os atos levados a cabo pelo jUiz de instruc;ao. Adaptando-se a nossa realidade, 0 melhar e utilizar 0 terma pollcial.

LO 0 direito de silencia esta assegurado no art. 2.4.2. da Constitui<;ao da Espanha.

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§ 12 a. indiciada serei interrogado com observiincia das garantias constitucionais.

Apesar de representar um avan<;oem rela<;ao ao sistema atual, prin' cipalmente ao disciplinar 0 momenta do nascimento da situa<;ao de indio ciado, entendemos que 0 § l' merece maior aten<;ao. Seria aconselhilVel, tendo em vista a larga tradi<;ao de desrespeito aos direitos' do indiciado pela policia judiciaria, que constasse de forma expressa 0 direito it" defe· sa tecnica e it autodefesa negativa (silencio). Ademais, e importante per· mitir 0 acesso previo do advogado aos autos do inquerito e tambem possi· bilitar que 0 sujeito passivo indique provas e solicite diligencias.

Por tim, sempre destacando a falta de uma regulamenta<;ao legislati· va adequada, entendemos que 0 indiciamento deve ser considerado uma carga para 0 sUjelto passiv~, mas tambem marca 0 nascimento de direi· tos, entre eles 0 de defesa. Logo, e tambem uma garantia. Evita·se uma acusa<;ao de surpresa ou, 0 que e igualmente grave, comparecer perante a autoridade policial como "testemunha", quando na realidade e 0 princi' pal suspeito. Na pratica, infelizmente, 0 indiciamento como ato em si mesmo nao existe. Foi substituido pelo interrogat6rio e um formulario destinado a qualificar 0 sujeito. Uma lamentavel degenera<;ao.

II. ClRCUNSTANCIAS PARA QUE SE PRODUZA A SITUAt;:AO DE INDICIADO

o CPP utiliza 0 termo indiciado para designar a pessoa formalmente submetida ao inquerito policial e que ainda nao foi objeto de denuncia ou queixa. Logo, e uma terminologia tipica da fase pre·processual. Na siste· matica do CPP, a condi<;ao de "indiciado" cessa com 0 arquivamento soli· citado pelo MP e determinado pelo juiz (art. 28) ou com a admissao da a<;ao penal (quando passara a ser reu ou acusado).

"0 gra"nde problema esta na mais absoluta imprecisao em torno ao nascimento da situa<;ao de indiciado, principalmente quando nao existe.." uma prisao cautelar. Em outras palavras, 0 CPP nao define de forma clara" quando uma pessoa passa a ser considerada como indiciada e tampouco define claramente que conseqUencias endoprocedimentais produz 0 indi ciamento. Estas serao algumas das questoes que passaremos a tratar.

Para definir 0 momenta a partir do qual uma pessoa passa a ser con· siderada como indiciada e, principalmente, como e quando deve ter cien· cia do indiciamento, devemos distinguir duas situa<;oes distintas: quando existe uma prisao cautelar e quando esta nao se produz no curso do inque· rito policial.

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Sistemas de Investigac;ilo Preliminar no Processo Penal

A) QUANDO EXISTE UMA PRiSM CAUTELAR

No sistema brasileiro, podem produzir·se no curso do inquerito polio cial uma prisao pre-cautelar" (deten<;ao em flagrante delito, arts. 301 e seguintes) e duas modalidades de prisao cautelar (prisao preventiva, arts. 311 e seguintes, e prisao temporaria, Lei n' 7.960/89).

Como apontamos anteriormente, do flagrante delito emerge a relativa certeza visual ou presumida da autoria. Por iSso, 0 flagrante valido impoe 0

indiciamento. Da mesma forma a prisao preventiva; pois exige "indicios suficientes da autoria", e a temporaria (" ... fundadas razoes ... de autoria").

No primeiro caso - prisao em flagrante - interessa·nos a nota de culpa, que, segundo 0 art. 306 do CPP, devera ser entregue ao detido no prazo maximo de 24h", com os motivosda prisao, 0 nome do condutor e os

11 Apesar de ser considerada peJa totalidade da doutrina brasileira como uma medida cautelar, entendemos que, a rigor, a prisao em flagrante nao e uma medida propriamente cautelar, mas sim pre-cautelar. Isto porque destina-se a preparar, instrumentalizar uma futura medida caute­tar. Par issol e a unica forma de deten~ao que a Constituir;ao permite seja realizada par urn par­ticular ou peJa autoridade palicial .sem. ordem judicial. E porque e feita essa permlssao? Exatamente porque existe a visibflidade do delito, 0 {umu5 commi5s1 delicti e patente e inequi~ voco e, principalmente, porque essa detenc)io devera ser submetrda ao crivo judicial no prazo maximo de 24h. Precisamente porque 0 flagrante e urna medida precaria, que nao estci diriglda a garantir 0 resultado final do processo, e que pode ser praticado por urn particular ou pela auto­ridade policial. Como explica BANACLQCHE PALAO (La Libertad Personal y Sus Limitaciones, p. 292), 0 flagrante - au la detencion imputativa - nao e uma medida cautetar pessoat, mas sim pre~cautetar, no sentido de que nao se dirige a garantir 0 resultado final do processo, mas ape­nas destina a coJocar 0 detldo a disposir;ao do juiz para que adote au naO uma verdadeira medi­da cautefar. Par Isso, 0 autor afirma que e uma medida Independente, frisando a carater instru­mental e ao mesmo tempo autonomo do flagrante. A instrumentalidade manlfesta-se no fato do flagrante ser urn strumenti dello strumento (a prisao preventiva), ao passo que a autonomia explica as sltuar;oes em que 0 flagrante nao gera a prisao preventiva, ou arnda, as demais casos, em que a prisao preventiva existe sem prevlo flagrante. Destaca a autor que a prlsao em fla­grante en ningun caso se dirige a asegurfJr ni la eventual ejecucion de la penal nl tampoco la presencia del imputado en la rase decisoria del proceso. Nao e diversa a flt;ao da moderna dau· trina italiana. Como apontam FERRAIOLI e DALIA (Manua/e dlDiritto Processuale Pena/e, pp. 228 e seguintes), i'arresto in flagranza e uma Misure Pre-Cautelari Persana/i. A prisao em flagrante esta justificada nas casas excepcionais, de necessidade e urgemcia, Indicados-taxativamente no art. 302 do CPP e constitul uma forma de medida pre-cautelar pessoal que se distlngue da ver­dadeira medida cautelar pefa sua ~ precariedade. Neste mesmo sentido, FERRAIOLI e DALIA afirmam que as medidas pre-cautelares sao excepcionais, de assoluta;precarieta, che Ie cannata come Iniziative di brevissima durata. Tratanda especiflcarnente da prisao em flagrante a cargo da policia judiciaria, apantam que essa extensao do poder de inlciativa pre-cautelar sig­nificou a aceitac;:ao do risco de prlvac;:ao, temporaria, da liberdade pessoal do cidadao por r!3z,§o de ordem politico. 0 Instituto do {erma di polizia marcou um pesado deseqOilibrio na relar;ao autoridade-liberdade e por Isso deve ser anallsado com sumo cuidado em um Estado Democratlco de Dlreito, como 0 nosso. Em suma, a prisao em flagrante e uma rnedida pre-cau­telar, de natureza pessoal, cuja precariedade vem marcada pela posslbilidade de ser adotada par partlculares ou autorldade pollclal, e que somente esta justificada pela brevidade de sua dura­r;ao eo imperioso dever de analise judicial em ate 24h. Frente a uma prisao em flagrante, cabe ao juiz homologar ou relaxar - conforme a legalidade - e ainda, necessariamente, adotar a prf­sao preventiva ou conceder a liberdade provisorla, sempre motivando sua dedsao.

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das testemunhas. E ela 0 instrumento atraves do qual sera dado formal­mente 0 conhecimento dos motivos e identificados os responsaveis pela prisao, constituindo uma imputa~ao formal que a nosso juizo corresponde ao que 0 legislador brasileiro define como indieiamento. Explica Espinola Filho12 que 0 efeito da nota de culpa e concretar 0 motivo da prisao, comunicando ao detido a causa determinante de tal medida, com a indi­ca~ao dos elementos que 5ustentam a imputa~ao, 0 nome dos responsa­veis pela prisao e das testemunhas, cujas declara~oes serviram para justi· fica-lao Torna definitivo 0 motivo da prisao e e um importante instrumen­to informador para a defesa.

A expressao - nota de culpa - tem sua origem na divisao entre ins· tru~ao criminal definitiva e preliminar. Como explica Canuto Mendes,13 a essa divisao correspond em as expressoes forma~lio de culpa definitiva e forma~lio de culpa preliminar. Por isso, a nota de culpa e 0 primeiro degrau que marca 0 initio da forma~ao da culpa preliminar que tem lugar na instru~ao preliminar (inquerito).

Nos demais casos - prisao preventiva e temporaria - a prisao depen­de de ordem esc rita e fundamentada do juiz (mandado de prisao), de modo que uma copia da ordem judicial deve ser entregue ao sujeito pas· sivo (art. 286). Com a entrega da copia do mandado de prisao, 0 sujeito passivotem pleno conhecimento da imputa~ao e dos motivos que justifi· Cam a medida.

E possivel que a prisao preventiva ou a temporaria seja adotada no curso do inquerito mas depois do indiciamento. Neste caso, a copia do mandado de prisao nao constitui 0 indiciamento, mas sim uma mera comu· nica~ao dos motivos da prisao (para possibilitar 0 direito de defesa 14). Nao gera 0 indiciamento porqueeste ja existia.

Destarte, e inegavel que a nota de culpa e 0 mandado de prisao (salvo quando ja existe 0 indiciamento) sao os instrumentos que formalmente originam e passam a constituir 0 indiciamento, marcando 0 naseimento do direito de defesa, atraves da comunica~ao da prisao e dos motivos que a justificam. Em ultima analise, tendo em vista a falta de uma clara disci· plina legal, a formaliza~ao da prisao em flagrante passa a representar 0

proprio indiciamento.

12 C6digo de Processo Penal Brasifeiro Anotado, vol. 3, p. 359. 13 A Contrariedade na Instrut;ao Crimina', p. 48. 14 Uma serle de direitos nascem com a prisao, entre eles, destacamos os previstos no art. 511, LXI,

LXII, LXIII, LXIV, LXV, LXVI e LXVIII da Constituic;ao.

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Sistemas de lnvestigac;ao Preliminar no Processo Penal

B) INDICIAMENTO SEM PREVIA PRISAO CAUTELAR

Nos casos em que 0 sujeito passiv~ permanece em liberdade, 0 CPP nao dispoe claramente· sobre 0 indiciamento como ato em si. Tampouco a doutrina brasileira deu 0 merecido 'destaque ao tema, possivelmente cega pelo mofado e superado entendimento de qu.a£iurante 0 inqu.!rito 0 indio . ciado nlio passa de simples objeto de investiga~lid.'5 Sao limites doutrinais como este, estabelecidos na epoca do verba autoritario, que freiam 0 pro­prio desenvolvimento e evolu~ao do processo penal.

Antes de entrar no tema, merece ser destacada aseguinte decisao do STF (HC nQ 73.271·SP, Rel. Min. Celso Mello), principalmente no que se refere ao status do indiciado, como verdadeiro sujeito e nao mero objeto da investiga~ao:

INQUERITO POt/CiAL - UNILATERAL/DADE - A SITUA!;AO JURfDICA DO INDICIADO.O inquer;to polieial, que constitui ins­trumento de investiga~lio penal, qualifica-se como procedimen­to administrativo destinado a subsidiar a atua~lioperseeut6ria do Ministerio Publico, que e - enquanto dominus litis - 0 verda­deiro destinatario das diligencias executadas pela policia Judieiaria. A unilateralidade das investiga~oes preparatorias da a~lio penal nlio autorizo a Policia Judiciaria a desrespeitar as garantias juridicas-que assistem ao indicia do, Que nlio rna is pode ser consjderado mero objeto de inyestiga<;oes. Q indieiado g sujeito ~ direitos e dispoe de garantias legais e constitucionais, cuja inobservilneia, pelos agentes do Estado, clem de eventual­mente induzir·lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investiga~iio policial. (grifamos)

15 A afirmac;ao e de TOURlNHO AlHO (Processo Penal, vol. I, p. 185) e vern sendo repetida ha rnuitas anos par diversos outros autores. E Importante destacar.que 0 termo "objeto" e empre· gada nao no sentida de meio de prova, mas sim no sentldo de ser despldo de qualquer dlreito. Ern outras palavras, e rnera colsa e nao sujeito do procedimento. Essa conclusao emana da lei· tura de outras afirma~oes, como a de que nao teria sentido admitir-se 0 contradit6rio na primei· ra fase da persecutio criminis em que 0 cidadao-Indiciado e apenas objeto de investigaf;ao e nao urn sujeito de direito ... (ab. cit., p. 183). 0 argumento de que se trata de urn procedimento "inquisitiv~" e fragil, lnicialmente porque a sistema inquisitiva puro e um modelo historica, ine­xistente na atualldade. Haje em dia, todos os modelas saa mistos, com predominlo da nota inquisitiva au acusatoria, pais um sistema puro e impossivel de ser apllcado. Ademais, e urn argumento que invoca urna constrUl;ao tecnica artificial, que necessariamente deve ser definida e justificada. Em um Estado Democratlco de Direito como a nosso e no atual estagio de respei­to ao individuo que -fellzmente alcant;amos, e um verdadelro disparate fazer tal afirmat;ao e~ querer justificar a arb{trio com 0 simples argumento de que e "urn procedimenta inquisitivo'~ E precise definir 0 "quanta" de inquisitivo pode ser atualmente tolerado e nisto reside 0 problema.

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Seguin do essa linha de tratamento e partidarios que somos de uma interpreta~ao ampla e garantista do art. 52, LV, da Constitui~ao, estabele· cendo-se assim urn minimo de contraditorio e defesa no inquerito policial, entendemos que 0 indiciamento merece uma nova disciplina legal ou, ao men os, uma releitura mais acorde com a nova Constitui~ao.

Recordamos que, enquanto nao existir formalmente 0 indiciamento, aquela pessoa que se the imputa ou existe a possibilidade de que tenha praticado urn delito e considerado como mero suspeita.

Assim sendo, a partir do momenta em que se identifica 0 suposto autar do deli to, seja porque consta na noticia-crime ou florque resulta da investiga~ao, devera a autoridade policial proceder ao interrogatoria. E imprescindivel que 0 suspeito seja informado - antes da realiza~ao do interrogatorio - de que 0 faz na condi~ao de suspeito e nao como mera testemunha ou informante, bern como deve ser realizado na presen~a do seu defensor. No caso do defensor dativ~, e ilJJprescindivel que se the per­mita conversar reservadamente <:om 0 suspeito, pois somente assim esta­ra sendo cumprido 0 dever constitucional e observada a garantia prevista no art. 8.2.c da CADH.16 De nada serve urn advogado na situa~ao de "con­vidado de pedra". Ademais, a forma do interrogatorio policialdevera ser a mesma previ~t.a para 0 interrogatorio judicial, pois assim determina 0

art.~ 62, V, ao remeter para os arts. 185 e seguintes. Racionalmente, primeiro 0 suspeito deve ser interrogado, para poste­

riormente decidir a autoridade policial entre indiciar ou nao. Por esse motivo, falamos anteriormente em "suspeito". Sem embargo, na pratica, muitos sao os casos em que 0 sujeito passiv~ ja comparece na situa~ao de indiciado.,Neste caso, com mais razao devem ser observadas as garantias constitucionais da defesa (tecnica e autodefesa, incluindo 0 direito de silencio), bem como a advertencia previa ao ato, de que esta sendo inter­rogado como indiciado e nao prestando informa~oes (como testemunha).

Merece destaque 0 art. 186 do CPP, que devera ser interpretado junto com 0 art. 52, LXIII, da CB. Ao ser consagrado pela Constitui~ao 0 direito de silencio, deve entender-se revogada a parte final do dispositivo ( ... seu silencio pod era ser interpretado em prejuizo da propria defesa). 0 direi­to de silencio17 tam bern esta assegurado no art. 8.2.g da CADH. Ademais,

16 Determina 0 artlgo cit ado que const'ltui uma garantia judicial a concessao ao acusado do tempo e dos meios adequados para a prepara~ao de sua defesa. Encaixa-se nesta garantla 0 direito a uma entrevista previa e reservada com 0 defensor antes do interrogatorJo, como forma de pre­parar a defesa pessoal.

17 Dada a importancla do tema, analisaremos 0 direito de silencio na continuac;ao, no ponto inti­tulado "autadefesa negativa".

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Sistemas de Investiga!,;ao Preliminar no Processo Penal

se a Constitui~ao protege 0 preso (situa~ao mais grave), assegurando-lhe o direito de calar, com mais razao, tal direito deve ser concedido ao impu­tado que esta em liberdade.

Destarte, existindo uma imputa~ao, devera a policia notificar 0 sujei­to passiv~ para que compare~a e preste declara~oes, querendo, pois deve ser respeitado 0 direito de, silencio e de nao produzir prova contra si mesmo. Tambem devera ser providenciado 0 acompanhamento do ate por defensor (constituido ou nomeado). Neste ato, devera ser-lheinformado do teor da imputa~ao e tam bern de que sera interrogado como suspeito ou indiciado, e nao como mere informante.

Em definitivo, na falta de urn ato formal e particular de indiciamen­to, entendemos que a situa~ao de indiciado concreta-se (ou ao menos deveria) com 0 interrogatorio policial.

Ate<l advento da Carta de 1988, a doutrina em geral vinculava 0 indi­ciamento a dois atos: interrogatorio e identifica~ao criminal. A identifica­~ao criminal consistia em tamar os dados e as impressoes digitais do sujei­to passivo. A situa~ao mudou com 0 art. 52, LVIII, da CB, determinando que a cMlmente identificada niio sera submetido a identifica~iio criminal, salvo nas hipoteses previstas em lei. Na falta de previsao legal, entende­mos que 0 civilmente identificado nao pode ser submetido a idehtifica~ao criminal, exceto se houver fundadas duvidas sobre a veracidadedo docu­mento apresentado ou outros indicios razoaveis sobre a identifica~ao do sujeito passivD. . E importante destacar que 0 indiciamento nao se confunde com a iden-

tifica~ao e 0 que esta vedado pela Constitui~ao e apenas a identifica~ao cri­minal do civil mente identificado, 0 indiciamento assim e ato distinto.

Outro problema e se 0 indiciamento, como ate em si mesmo, pode gerar urn constrangimento ilegal. Neste sentido, entendemos que· sim, pois, conforme a situa~ao concreta, se na~ existirem elementos suficien­te~ para justifica-lo, bern como uma decisao motivada, 0 indiciamento pode ser considerado um constrangimento ilegal r\!,~l pel a via do habeas corpus. Sobre 0 tema nos reportamos aci anteriormenteexplicado.

Especificamente no que se refere a distin~ao, e ilustrativa a ementa (RHC 5.093/SP. ReI. Min. Cid Flaquer Scartezzini. Julg. 25/2/1997):

RHC - Determina~iio de Indiciamento dos Acusados Identidade Civil - Ausencia de Constrangimento /legal.

o indiciamento em inquerito policial e medida legal de ordem processual penal, para que se colham informa~6es sabre a vida pregressa dos denunciados.

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o que a CF (art. SO, LVIII) diz e que 0 civilmente identifica­do nao sera submetida a identifica~t'io criminal, jamais que nt'io sera indiciado.

Ordem de indiciamento que nt'io se constitui em constrangi­mento i/ega/.

Recurso a que se nega pravimento.

Inicialmente", destacamos que neste caso concreto 0 indiciamento nao constitui um constrangimento "ilegal,. eis que presentes os requisitos para sua produ~ao. No que se refere Ii distin~ao, como explica 0 relator, a Constitui~ao ; . . somente determinou a desnecessidade de identificQ(;t'io dati/oscopica criminal quando a agente ja passui identifica~t'io civil, nao extinguindo a indiciamento.· Vedada esta Ii identifica~ao pelo processo datiloscopico daquele que possui documento de identidade civil valida, emitido pela Secretaria de Seguran~a Publica, carteiras profissionais assim reconhecidas (OAB etc.) ou passaporte.

Entendemos que tambem esta vedada a identifica~ao fotogrMica, pois abrangida pel a prote~ao constitucional. Assim manifestou-se 0 ST J (RE n218.994-0/DF. ReI. Min.Cid Flaquer Scartezzini. Julg. 13/5/1992) ao confirmar uma ordem "de habeas carpus que determinou a desentranha­menta dos autos, das fotos e dos negativos relativos Ii identifica~ao crimi-nal do indiciado: 18 "

PROCESSUAL PENAL - IDENTIF/CAC;Ao FOTOGRAFICA. A Cons­tituit;t'io de 1988, na seu art. 5Q

, inciso LVIII, veda a identifica~t'io criminal do clvilmente identificado, salvo nas hipoteses previstas em lei, assim entendida, tambem, a fotografica, a ausencia de comando legal que a autorize. Recurso improvido.

Afastada a identifica~ao datiloscopica, a interrogatorio policial pas­sou a ser 0 ponto chave para a nascimento da situa<;ao de indiciado. Daf a importancia de que seja realizado dentro de certos parametros formais­garantistas.

18 Em sentido contrario, atendendo a gravidade de urn caso concreto, a mesmo Tribunal conside­rau legal a identlficat;ao fotogratica em outro julgamento (RHC 479B-SP. ReI. Min. Anselmo Santiago. Julg. em 17/9/1996): PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. Fotografias. Fo/:ografias de {rente e de perfil, tiradas para instruir inquerito pOlicial nao incldem no inciso LVIII, do art. Sit, da CFIBB, pais nao se destinam a prontuf1(io, mas a instru~ao do caderno informativo. 0 fato pode resuftar do exercicio do poder de polfcfa, para evitar a con~ sumar;ao de amear;a pe/o paciente, homem temiblfissimo, com 5 (cinco) hbmicidios. Essa e a nota mais caracterfstica do poder de po/fcia, a prevenr;ao. Recurso improvido.

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Sistemas de Investlga~o Preliminar no Processo Penal

De qualquer forma, a tema mi.o esta devidamente regulamentado e existe uma nuvem de incertezas sabre a indiciamento, gerando inseguran­~a e permitindo abusos e injusti<;as. Faz falta um dispositivo que clara­mente disponha sabre a nascimento e forma do indiciamento, especial­mente no quese refere Ii sua comunica~ao ao sujeito passivo e direitos que dele emergem.

III. CONSEQUENCIAS DO INDICIAMENTO

Alguma doutrina brasileira - com a qual nao estamosde acordo­afirma que a indiciamento nao produz nenhuma conseqUencia, pais a indi­ciado de hoje, nt'io e, necessariamente, 0 reu de amanht'i. 19 Obviamente, nao podemos concordar com tal assertiva, pelo simples fato de que con­cebemos a processo penal como um sistema escalonado, conforme expli­camas anteriormente, de modo que esse escalonamento nao e de trajeto­ria fixa, mas sim progressivo au regressivo de culpabilidade. A situa~ao de indiciado sup6e urn maior grau de sujei~ao a investiga~ao preliminar e aos atos que comp6em a inquerito policial. Tambem representa uma concre­<;ao da autoria, que sera de grande importanci,<LP<lra a exercicio da a~ao penal. Logo, e inegavel que a indiciame(\tp;;<R~Q§~'relevantes conseqUen-

t '~>-;'*'-, ,,:-" ... cias jundicas'i';l~~~~{'i:: " " "

As medidas cautelares nao podem ser'COIls1aeradas efeito do indicia­mento, senao geradoras da situa~ao de indiciado. Quando sao adotadas, depois do indiciamento, terao como requisito a fumus cammissi delicti e como fundamento 0 periculum libertatis. Destarte, a fato de ser indicia­do nao gera a prisao cautelar, mas pode contribuir para isso, pais a pro­prio indiciamento sup6e urn fumus commissi delicti minimo, derivado da imputa~ao. Nao existe uma prisao cautelar automatica, com fundamento exclusivo no indiciamento.

Em definitivo, e claro que a status de indiciado gera um maior grau de sujei~ao Ii investiga~ao preliminar e, com isso, nasce para a sujeito passivo uma serie de direitos e tambem de cargas de carater jurfdico-processual.

A} CARGASQUE ASSUME 0 INDICIADO

Com a inquerito policial, a sujeito passivo esta submetido a tad a uma serie de atos e degradation cerimonies que integram e sao inerentes Ii

19 A afirmat;:ao e de FAUZI HASSAN CHQUKE (Garantias Constitucionais na Investigar;ao Criminal, p. 143), apos afirmar que 0 indidamento nao traz qualquer conseqGenda endoprocessual.

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propria investiga~ao preliminar. Farmalizado a indiciamenta, estara 0

sujeito passivo sUbmetido au com maiores possibilidades de ver-se compe­lido a comparecer sempre que chamado; medidas cautelares (prisao tem­pararia ou preventiva) e liberdade condicional; medidas assecuratorias de bens, como 0 seqliestro (art. 125); interrogatorios; acarea~6es; reconhe­cimentos; atos de averigua~ao de sua identidade e capacidade etc.

Em suma, a principal carga que assume 0 indiciadoe a de encontrar­se em uma situa~ao juridica de maior submissaa aos atos de investiga~ao que integram 0 inquerito policial. .

B) DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS DO iNDICIADO

a) Direitas do indiciada preso

o primeiro e mais importante direito que assiste aa preso e, a nosso juiza, aquele previsto no art. 52, III, qual seja, 0 direito a naa ser sub­metida a tratamento desumano ou degradante. Na mesma linha, desta­camos ainda 0 direito a que seja respeitada a sua integridade fisica e moral (art. 5Q

, XLlX)_ Cansiderando que a prisao e, em si mesma, uma cerimonia degradante, entendemos que 0 dispasitivo constitucional eXige que esse ato seja realizado da forma menos degrodante e prejudi­cial passive/. Neste senti do, determina a primeira parte do art. 520 da LECrim espanhala - sem duvida um exemplo a ser seguido - que a detem;ao e a prisao provisoria deverao ser proticadas da/orma que menos prejudique a pessoa do detido au preso, sua reputa~ao e patri­mania. Parece-nos que a inten~ao do legislador constituinte fOi exata­mente essa, a de evitar que a ja vialento ate da prisao seja transforma­do num grotesco e deprimente espetacula.

No casa de prisao em flagrante, determina a.art. 5Q, LXII, da CB que a prisao de qualquer pessoa e 0 local onde se encantra serao comunicados imediatamente aa juiz campetente e a familia do preso ou a pessoa par ele indicada. No mesma sentido, disp6e a art. 52, LXIII, que a preso sera informado de seus direitos, entre as quais 0 de permanecer em silencio, sendo-Ihe assegurada a assistencia da familia e de advogado. Adema.is, tem 0 preso a direito a ser informado da identidade dos responsaveis pela prisao e do interrogatorio palicial (art. 5Q, LXIV, da CB). Alem disso, e sem­pre importante recardar que 0 civilmente identificado naa podera ser objeto de identifica~ao criminal, isto e, nao the serao tomadas impress6es digitais e demais atos tipicos da identificac;:ao criminal.

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. Sistemas de Investigac;lio Preliminar no Processo Penal

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Na legisla~ao ordinaria, determina 0 CPI', art. 306, que sera dado ao ( preso uma nota de culpa, no prazo de 24h. Nela constara 0 motivo da pri- ( sao, 0 nome do condutor e das testemunhas. Cumpre, com isso, pontuali- ( zar as principais direitos do sujeito passiv~ que colocam de relevo 0 alcan- (' ce do contraditoria20 nesta fase: .

• comunicac;:ao imediata it familia ou pessoa indicada; ( • direito a assistencia de advogado; (' • direito de silencio; . • direita a conhecer os fatos que motivaram a prisao e a autoridade C

que a realizou.

Com isso, no plano normativo, 0 sujeito passivo detido tem importan­tes direitos que garantem um grau minimo de contraditorio e direito de defesa.

b) Direitos do indiciado. em liberdade

Preve 0 art. 14 do CPP que 0 indiciado (solto ou preso) pod era requerer diligencias a autoridade policial, que poderao ser realizadas ou nao, segun­do considere pertinente a policia. Por suposto que tal direito de participar na investigac;:ao e muito limitado e; na pratica, possui pouquissima eficacia.

Por isso, no que se refere aas direitas que gera a situac;:aa de indicia­do, destaca-se a cantraversia ace rca da existencia do contraditoria g direito de defesa no cursa do inquerita palicial.

Entendemos que 0 ponto nevralgico da questaa esta na definic;:aa do alcance do art. 52, LV, da CB, que disp6e expressamente que 005 litigantes, em processa judicial ou administrativa, e 005 acusados em geral sao asseguradds a contraditorio e ampla de/esa, com as meios e recursos a ela inerentes.

A postura do legisladar fai claramente garantista e a canfusaa termi­nalogica (falar em processa administrativa quando deveria ser pracedimen­to) naa po de servir de obstacula para sua aplicac;:ao no in que rita poliei,,!. Tampouco pode ser alegado que a fata de mencionar acusados e nao indi­ciados e um impedimenta para sua aplicac;:aa na investigac;:aa preliminar. Sucede que a expressao empregada nao fai s6 acusados, mas sim acusados em geral, devenda nela ser campreendida tambem a indiciamenta, pais naa deixa de ser uma imputac;:iio em sentido amplo. Em autras palavras, e inegavel que a indicia menta representa uma acusa~aa em sentido ampla,

20 Vista em seu primeiro momento, coma 0 direito a informac;ao.

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pois decorre de uma imputa<;ao determinada. Por isso 0 legislador empre­gou acusados em geral, para abranger urn leque de situa<;oes, com urn sen­tido muito mais amplo que a mera acusa<;ao formal (vinculada ao exercicio da a<;ao penal) e com urn claro intuito de .proteger tambem ao indiciado.

No mesmo sentido, Lauria e Tucci e Cruz e Tucci21 afirmam que per­cebe-se, desde logo, sem minima esforqo de raciocinio, que 0 nosso legis­lador constituinte pontuou, no primeiro dos incisos transcritos, a real diferenqa entre 0 conteudo do processo civil, cujaja verificada finalida­de e a compositiva delitigios, e 0 do processo penal, em que pessoa fisi- . ca, integrante da comunidade, e indieiada, acusada e, ate, condenada pela pratica de infraqao penal. Mais adiante, ainda referindo-se a prote­<;ao constitucional, apontam que" ... de modo tambem induvidoso, reafir­mou os regramentos do contraditario e da ampla defesa, com todos os. meios e recursos a ela inerentes, estendendo sua incid€mcia, expressa­mente, aos procedimentos administrativos ..... ora, assim sendo, se 0 pr6-prio legislador nacional entende ser possivel a utiliza<;ao do vocabulo pro­cesso para designar procedimento, nele se encarta, a evidencia, a no<;ao de qualquer procedimento administrativo e, conseqlientemente, a de pro­cedimento administrativo-persecut6rio de instru<;ao provis6ria, destinado a preparar a a<;ao penal, que e 0 inquerito policial".

Tambem pode surgir 0 grave inconveniente do sujeito passiv~ em liberdade que nunca foi' comunicado da existencia da investiga<;ao. Em alguns casos, 0 sujeito passiv~ s6 toma conhecimento da imputa<;iio ap6s o recebimento da den uncia, quando e citado para 0 interrogaterio judi­cial.Esta situa<;ao de absoluta indefesa pode surgir, basieamente:

• do carater facultativo do inquerito, permitindo-se a acusa<;ao for­mal direta;

• quando 0 sujeito passiv~ presta declara<;6es junto a polkia judiciaria sem' ser informado de que 0 faz na condi<;ao de suspeito ou mesmo de indiciado.

A situa<;ao e ainda mais grave quando se constata que 0 sistema bra­sileiro nao possui uma fase intermediaria contraditeria, que poderia ame­nizar os rigores da investiga<;ao preliminar inquisitiva. Para amenizar esse grave inconveniente, seria interessante que 0 novo CPP estabelecesse, alem da fase intermediaria contraditeria, 0 dever de comunicar imediata­mente a existencia de uma imputa<;ao, bern como 0 de alertar em que qualidade sao-prestadas as declara<;oes.

21 Devido Processo Legal e Tutela Jurisdicionaf, pp. 25 e seguintes.

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

Outro problema esta no segredo das investiga~oes, previsto no art. 20 do CPP. Segundo 0 dispositivo em tela, a autoridade assegurara no inque­rito 0 sigilo necessario a elucida<;ao do fato ou exigido pelo interesse da sociedade. 0 artigo utiliza expressoes de carater indeterminado e subje­tivo, permitindo que a autoridade policial utilize 0 sigilo com excessiva discricionariedade. Quase sempre, 0 segredo e utilizado como forma de limitar a interven<;ao do sujeito passivo e quase nunca para limitar a publi­cidade abusiva e prejudicial dos meios de comunica<;ao, sempre dispostos a montar um bizarro espetaculo com a plena conivencia dos polieiais.

Inobstante, 0 sigilo do art. 20 do CPP na~ se apliea ao defensor, pois o art. 62, XIV, da Lei n2 8.906/94 - Estatuto do Advogado ~ permite que o defensor possa examinar em qualquer delegacia polieial, ainda que sem procura<;ao, todas as pe<;as do flagrante e do inquerito polieial, podendo copiar e tomar notas.

Neste sentido e esclarecedora a decisao do Tribunal de Al<;ada Criminal de Sao Paulo: 22

ESTATUTO DA OAB (ART. 7°, XIV) ASSEGURA A EXTRAC;.li.O DE COPIAS REPROGRAFICAS DE INQUERITO POL/c/AL. Liqiiido e certo o direito do i1T1petrante a extraqao de capias reprograficas de inquerito policial queapura crime de estelionato. Correta a decisao que concedeu a seguranqa impetrada por advogado que pleiteava a extraqao de copias reprograticas de inquerito poli­cial. Direito assegurado no...art. 7°, XlV, do Lei nO 8.906/94.

Em suma, entendemos que 0 art. 52, LV, da Constitui<;ao nao pode ser objeto de uma leitura restritiva, senao que 0 CPP deve adaptar-sea nova ordem constitucional, admitindo-se a existencia de contradit6rio e defesa no inquerito policial, ainda que com urn alcance mais limitado que aque­Ie reconhecido na fase processual, atendendo as especiais partieularida­des da investiga<;iio preliminar. Trata-se de uma amplia<;iio positiva do manto protetor dos direitos e garantias fundamentais, que, em ultima analise, como bern definiu Ferrajoli, 23 es la ley del mas debi/.

No planodos Tratados Internacionais, destacamos que, por meio do Decreto n2 678/92, 0 Brasil aderiu a Conven<;ao Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose de Costa Rica, de 21/11/1969), de modo que suas disposi<;oes passaram a integrar 0 ordenamento juridico interno nos termos do art. 52, § 22, da Constitui<;ao.

22 Recurso de Qficla nO. 1140427/9, Baruerl, 11i!. Cam., reI. luiz Wilson Barreira, julg. 19/4/1999. 23 Derechos y Garantias - fa ley del mas debll.

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Aury lopes Jr.

Determina 0 art. 7.4 da CADH que toda pessoa detida tern 0 direito a _" ser informada sobre as razoes dll deten~ao, da" acusa~ao ou acusa~oes que ' exi'stam contra ela. No art. 8.2 da CADH estao enumeradas asgarantias judiciais do individuo. Entre elas, interessam ao inquerito policial:

• presun~ao de inocencia; • ser ouvido com as devidas garantias, em urn prazo razoavel, por urn

juiz ou tribunal competel1te, independente e imparcial; • ser assistido por tradutor ou interprete, se nao compreende 0 idio·

rna; • ser comunicado, de forma previa e pormenorizada, dos fatos que

lhe sao imputados; • defender·se pessoalmente ou eleger urn defensor para assisti-lo; • entrevistar·se livrement"€ e de forma reservada com 0 seu defensor; • ser defendido por urn advogado do Estad.o (dativo) quando nao

tenha condi~oes de constituir, ou ainda, caso nao indique, devera ser-lhe nomeado urn defensor dativ~; ,

• perguntar as testemunhas e tam bern solicitar a declara~aci de outras testemunhas ou peritos que possam auxiliar na i:omprova~ao do fato;

• nao declarar contra si mesmo nem se declarar culpado.

Por fim, destacamos uma vez mais que, para a efetividade real des· ses direitos, sao imprescindivliis dois cambias fundamentais na estrutura do atual sistema brasileiro:

12 Que seja intraduzida uma dispasi~ao legal que obrigue/garanta , que toda e' qualquer noticia·crime da qual resulte uma irnputa,ao funda·

da e contra pessoa determinada, seja. imediatamente comunicada ao imputado, para que possa exercer seu direito de defesa atuando no pro­cedimento (inclusive atraves do interrogatorio policial devidamente assis· tido por defensor). t imprescindivel que no inquerito pOlicial seja consa­grado normativamente 0 momento em que deve entender-se produzida a imputa~ao, 0 dever de comunica~ao da sua existencia e conteudo, para se assegurar urn minimo de contraditorio e direito de defesa. Ainda, 0 indio cia men to deve ser disciplinado, como ate em si mesmo, de modo a se defi· nir 0 momenta e-a forma de sua produ~ao.

22 Que seja introduzida uma fase intermediaria contraditoria, para que exista urn juizo efetivo de pre-admissibilidade da acusa~ao, evitando processos infundados e permitindo urn contraditorio real e efetivo, bern como uma maior eficacia da defesa.

2B6

Capitulo XI Breves Considera<;oes sobre a Situa<;ao Jurfdica 'Hr.-i~ii(~

Passiv~ em outros ,,4

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Na continua~ao, faremos uma breve analise da situa~ao do sUjeito passivo em outros sistemas de instru~ao preliminar, especificamente da Espanha, Italia, Alemanha e Portugal, limitando a exposi,ao basicamente as circunstancias necessarias para que se produza a imputa~ao e os prin­cipais direitos que nascem com ela. Interessa-nos, principalmente, definir o momenta a partir do qual uma pessoa passa a ser considerada como sujeito passiv~ da instru~ao preliminar, pois as cargas e os direitos, em geral, sao similares aqueles previstos no modelo brasileiro.

I. Espanha

o processo penal espanhol e extremamente complexo, pois a uma multiplicidade de procedimentos correspondem diferentes model os de instru~ao preliminar. Ademais, 0 modelo espanhol utiliza urn sem fim de expressoes para se referir ao sujeito passiv~, que podem causar serios pro­blemas ao leitor desavisado, pois chega inclusive a preyer uma figura muito emblematica - a de procesado - pois assim e tratado quem sequer foi submetido ao processo penal em sentido estrito. Em outras palavras, fala em processado antes mesmo que exista processo.

Feita essa ressalva, vejamos as duas situa~6es que pod em existir na fase pre'processual: imputado e processado.

A) IMPUTADO

A instru~ao preliminar pode ser iniciada in incertam personam, ate porque sua fun~ao e, entre outras, aclarar 0 fato oculto e identificar 0

suposto autor da infra,ao penal. Imputa~ao so vai existir quando houver 0

que Leone' define como to atribuci6n a una persona de un hecho deter­minado que constituye deli to. E a qualidade de imputado deriva, basica· mente, da circunstancia de que sedesigne ou indique uma pessoa como possivel responsavel de uma infra~ao penal.

Tratado de Derecho Procesaf Penal, tomo II, p. 256.

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Aury Lopes Jr.

Nao so a pessoa deve ser determinada, tambem 0 fato, para pro- _ .. , porcionar um juizo de verossimilitude acerca dos elementos que com­poem 0 suposto delito (fum us commissi delicti)_ E importante destacar que qualquer modifica~ao da imputa~ao devera ser levada ao conheci­mento do imputado, permitindo 0 exerdcio do direito de defesa, tanto pessoal (novo interrogatorio) como tambem tecnicb. Destarte, existe uma vincula~ao objetiva (fato) e tambem subjetiva (pessoa) entre a imputa~ao e a futura acusa~ao formal.

o ponto nevnllgico do tema esta no art .. 118 da LECrim e seu similar para 0 procedimento abreviado (art. 788.1), que determina 0 nascimento do direito de defesa e a possibilidade de atuar no procedimento. A reda­~ao e a seguinte: 2

Art. 118. Toda pessoa a quem se impute) um ato punivel poderd exercitar 0 direitb de defesa, aWando no procedimento, qualquer que seja este, desde que se lhe comunique sua existen­cia, tenha sido objeto de deten~iio au de qualquer outra medida cautelar. A admissiio de uma noticia-crime au qualquer atuaqiio policial4 au do Ministerio Publico, da qual resulte a imputa~iio de um delito contra uma pessoa ou pessoas determinadas, sera levada imediatamente ao seu conhecimento. Para exercitar 0

direito de defesa,5 a pessoa interessada deverd designar um defensor e, niio a !azendo, deverd ser-lhe nomeado um, que a assistird em todos as atos da instruqiio preliminar.

o sistema espanhol, ao contrario do brasileiro, dis poe de forma clara sobre 0 momenta em que alguem e considerado imputado e 0 dever de cornunicar-lhe da imputa~ao, marcando assim 0 nascimento da situa~ao de ' sujeito passiv~ e tambem do direito de defesa.

Entre as garantias do imputado, destacamos uma importante decisao do Tribunal Constitucional6 - com carater vinculante - que aponta para uma triplice exigencia: 7

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o que segue nao e uma tradU(;ao literal. o termo imputar deve ser interpretado de forma ampla e, par isso mesmo, abrange toda e qualquer forma de noticia-crime au acusa~ao forma\. o original fala em processual porque assim sao considerados par parte da doutrina as atas leva­dos a cabo pelo juiz de lnstruc;ao. Adaptando-se a nossa realldade, 0 melhor e utilizar 0 termo pollcial. o direito de silencio esta assegurado no art. 24.2 da Constituic;ao da Espanha. E posic;ao consolidada, conforme aponta a STC 152/93, que cita outros precedentes. A traduc;ao e livre e a grifa e nossa.

Sistemas de Investlgac;ao Preliminar no Processo Penal

a) Em primeiro lugar, e a fim de evitar acusa~oes de surpresa a ci­dadaos na fase processual sem que se lhes tenha sido possibilitada qual­quer participa~ao na fase instrutora, ninguem pode ser acusado sem haver sido, com anterioridade, dedarado judicialmente imputado, de tal sorte que a instru~ao judicial deve seguir assumindo a classica fun~ao de determinar a legitimidade passiva no processo penal (art. 299 LECrim), de modo que tambem deve viger neste processo ordinario uma correla~ao exclusivamente subjetiva entre a imputa~ao judicial e 0 ate de acusa~ao. .

b) Em segundo, como conseqiiencia do anterior, ninguem pode ser acusado sem haver sido ouvido pelo juiz de instrUl;:ao antes da conclu­sao das diligencias previas, garantia que se deve reclamar neste proces­so penal como conseqiiencia da supressao do auto de processamento e que se plasma na necessidade de que nao possa ser concluida a instru~ao (salvo, e claro, que 0 juiz decida pelo arquivamento) sem que ao menos 0

juiz leve ao conhecimento do imputado 0 fato punivel objeto das diligen­cias previas, ilustrando-o de seus direitos, de modo especial da designa­~ao de um defensor e, frente a imputa~ao contra ele existente, permitir­lhe exculpar-se no primeiro comparecimento, contemplado no art. 789.4 da LECrim.

c) Nao se deve submeter 0 imputado ao regime das declara~oes testemunhais quando, das diligencias praticadas, possa-se facilmente concluir que contra ele, existe a suspeita de haver participado na pnltica de um fato punivel, bem por assim figurar em qualquer instrumento de ini­cio do processo penal, por deduzir-se do estado das atua~oes ou por haver sido submetido a qualquer tipo de medida cautelar ou ate de impugna~ao formal (art. 118,1 e 2 LECrim), ja que a imputa~ao nao deve ser adiada mais alem do estritamente necessario, pois, estando ligado 0 nascimen­to do direito de defesa a existencia da imputa~ao (art. 118), frustra-se aquele direito fundamental se 0 juiz de instru~ao demora arbitraria­mente em dar conhecimento da imputa~ao, razao pela qual dita atua~ao processual deveria ser considerada contraria ao art. 24 da CE e, por con­segUinte, sancionada com a nulidade processual.

Existe 0 direito do individuo de assumir a posi~ao de imputado e, como tal, tomar ciencia da imputa~ao e ser ouvido, bem como exercer seu direito constitucional de defesa. Nao pode existir uma acusa~ao sem pre­via imputa~ao e interrogatorio, bem como ninguem pode prestar declara­~oes como testemunha quando jil existe uma imputa~ao contra ele. No caso dasformas de noticia-crime (denuncia e querella), a imputa~ao exis-

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Aury Lopes Jr.

te a partir do momenta em que for admitida a tramite pelo juiz de ~ao. Inclusive, seguin do a Aragoneses Alonso,8 ·no caso da cita~ao caute· . lar, 9 em que uma pessoa e citada para ser ouvida, ja deve considerar·se como imputada para 0 fim de ter as garantias legais.

Em suma, adquire·se a qualidade de imputado com: a) ado~ijo de qualquer medida cautelar; b) a comunica~ao da eXistencia de urn procedimento no qual se lhe

imputa urn deli to; c) quando, atraves de qualquer atua~ao do juiz instrutor, chega·se a

uma suspeita razoilVel contra pessoa(s) determinada(s).10

Em definitiv~, a categoria juridica de imputado e estendida para pro. teger 0 individuo nos primeiros degrau><la escada que representa 0 esca' lonamento do processo penal. Com isso, a imputa~ao estabelece urn Yin· culo de sujei,ao do individuo ao processo penal emarca, ao mesmo tempo, 0 nascimento da sua posi~ao de sujeito na rela~ao juridica e, como tal, sujeito de direitos (previstos na LECrim e na Constitui~ao, especial­mente nos arts. 17 e 24) e submetido a cargas processuais (obriga~ao de comparecer, submeter·se a interrogatorios, acarea,6es etc.).

B) PROCESSADO

Desde logo, e importante destacar que consideramos a instru,ao preli· minar espanhola como urn procedimento judicial pre·processual e nao como processo penal em sentido estrit(h..j)estarte, a primeira critica que deve ser feita e em rela,ao a empregar·se 0 termo "processado" quando ainda nao existe urn processo penal, mas apenas urn mero procedimimto investigatorio.

Na sua origem, como explica Ruiz Gutierrez,11 0 prbcessamento (pro­cesamiento) tinha a fun,ao de assinalar 0 momento a partir do qual uma pessoa deveria ser considerada como submetida ao processo e, como tal, . submetida a direitos e cargas processuais. 0 principal efeito do processa· mento era outorgar ao sujeito passiv~ urn novo status juridico, que impli·

Instituciones de Derecho Procesal Penal, pp. 148 e seguintes. Sabre a cita~ao cautelar:, veja-se nossa artigo "Medjdas Cautelares no Djreito Processual Penal EspanhoJ", In Revista AJURIS, r1l 69, pp. 158 e segulntes. Tambem na Revista de PROCESSO, nil 89, pp. 169 e seguintes.

10 E necessaria a que FOSCHINI (L'Imputato, p. 5) denomlna de indlvlduazione posit/va ou meSrnO

imputatl alternativamente indicati. 0 que nao e passlvel e exlstir uma jmputa~ao negativa, con­tra uma pessoa ignorada, nao descoberta - imputato ignoto.

11 "E/ procesamlento", in Aetas del I Congreso Naeional de Dereeho Proeesaf, pp. 338 e segufntes.

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Sistemas de Investiga,ao Preliminar no Processo Penal

cava urn maior grau de sujei~ao aos atos do sumario (instru~ao preliminar) e tam bern a possibilidade de defender-se.

Aragoneses Martinez12 destaca que 0 processamento sup6e, na sua essencia, urn cambio na situa~ao do sujeito passiv~, que deixa de ser pos· sivel responsavel da infra~ao penal para converter·se em provave( respon­savel, tendo em conta que 0 processamento exige uma decisao interlocu­toria fundamentada em indicios racionales de criminalidad.

Em linhas gerais, 0 processamento e uma decisao que 0 juiz instrutor profere, no curso da instru~ao preliminar - logo, antes da abertura do processo - contra 0 imputado, afirmando existirem indicios de provilvel autoria e materialidade. E urn degrau posterior ao indiciamento e anterior a acusa,ao formal (a cargo do MP, acusador privado, particular ou popu· lar, que se concreta com a peti~ao de abertura do jUlzo oral e consequen· te qualifica~ao dos fatos).

o processamento gera uma maior sujei~ao do sujeito passiv~ a instru­~ao preliminar e representa uma clara degradation ceremony, pois, entre outras cargas, 0 art. 384bis da LECrim preve que nos casos de delitos cometidos por pessoas integradas ou relacionadas a bandas armadas au individuos terroristas ou rebeldes, seo processado estiver ostentando fun· sao ou cargo publico, sera automaticamente suspenso do mesmo, enquan­to dure a situa~ao de prisao. Tambem sera privadotemporariamente da carteira de habilita,ao (art. 529bis da LECrim) e privado do direito de sufragio passiv~ (arts. 6 e 137 da LO 5/85). Outro exemplo desse resqui· cio autoritarista vern dado pete art. 333, que fala em presunto autor del hecho punible, isto e, disp6e sobre uma presun,ao de autoria, em clara viola,ao a unica presun~ao admitida no processo penal: a de inocencia.

o processamento e urn instituto severamente criticado pela doutrina espanhola, pois estabelece uma verdadeira presun~ao de culpabilidade, completamente contraria aos postulados garantistas do moderno processo penal e da atual Constitui~ao espanhola. Representa urn etiquetamento prematuro do sujeito passiv~, pois e tratado como autor presumido ainda antes de haver terminado a instru~ao preliminar.

o unico argumento que 0 justificava, desde urn ponto de vista garan· tista, era 0 fato de que ele.marcava 0 nascimento da situa,ao juridica de sujeito passiv~ e tam bern do direito de defesa.

Sem embargo, com a importante reforma de 4 de dezembro de 1978, foi dada uma nova e progressista reda~ao ao art. 118 da LECrim, que sim­plesmente esvaziou 0 conteudo do processamento, pois, agora, 0 imputado

12 Na obra eoletiva Dereeho Proeesal Penal, pp. 418 e segufntes.

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adquire, desde os primeiros momentos, a status de sujeito no procedimen' \ to e, como tal, titular de direitos (como contraditario e defesa). Nao preci,

. sa mais esperar ate 0 processamento para ver,se protegido. Tanto e verda,.', . de que a LO 7/88, ao introduZir 0 procedimento abreviado (e as diligencias" previas como fase pre'processual), reproduziu a ideia do art. 118 no art, 788.1 g nao contemplou 0 processamento. Destacamos que, no procedimen, ,0

to abreviado, a imputa~ao judicial13 deve coincidir com 0 primeiro compa, recimento dosujeito passiv~, previsto no art. 789.4 da LECrim.

Em definitivo, 0 procesamiento perdeu completamente 0 sentido com a nova reda~ao do art. 118 da LECrim, que protege 0 sujeito passiv~ logo nos primeiros passos da instru~ao preliminar. 0 que restou da sua eficacia foi a parte estigmatizante e contraria II presun~ao de inocencia, prescin' divel para 0 processo penal de um Estado de Democraticcr de Direito.

II. ITALIA

o CPPi utiliza 0 termo imputato para designar a pessoa submetida ao processo penal, ou seja, apas a decisao de reenvio a juizo, de juizo imedia, to, de decreto penal de condena~ao, juizo diretissimo ou da cita~ao. Confor' me determina 0 art. 60, a qualidade de imputato e conservada em todo esta, do e grau do processo penal, ate 0 transito em julgado da senten~a absoluta, ria ou condenataria. Em definitiv~, imputado e a pessoa contra quem e exer, cida formalmente a a~ao penal, e a parte passiva do processo penal.

Como isso, 0 sujeito passiv~ da investiga~ao preliminar nao recebe a etiqueta de imputato, mas outra menos degradante: persona sottoposta aile tndagini preliminari. Manterao status de pessoa submetida a investi' ga~ao preliminar ate a abertura do processo penal, quando entao passara a ser considerado imputato.

Existe uma evidente inten~ao em retardar a atribui~ao da categoria de imputado, evitando 0 estigma da figura, sem que exista, como contra' partida, uma diminui~ao das garantias do sujeito passivo. E importante destacar 0 conteudo do art. 61 do CPPi, que disp6e expressamente sobre a extensao dos direitos do imputado a pessoa submetida as investiga~6es policiais e/ou do Ministerio Publico. Neste sentido, determina 0 dispositi, vo que i diritti e Ie garanzie dell'imputato si estendono alia persana sot' toposta aile indagini preliminari. Tambem devemos assinalar que 0 legis, lador Italiano abandonou a expressao indiziato, substituindo,a pela ante, riormente referida (persona sottoposta aile indagini preliminari). Tal

13 Conforme dis poe a ST~ 186/90, de 15 de novembro.

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

mudan~a reflete uma tentativa de evitar a atribui~ao do que Chiavario 14 classifica de "estado de significado objetivamente negativo", como 0 de indiciado (indiziato) .

Para alguem ser considerado submetido a indagine preliminare e necessaria uma noticia'crime (notizia di reato), que podera ser:

a) aquela recebida pelo Ministeno Publico ou pela policia judiciaria; b) a investiga~ao de oficio por parte do MP ou da policia judiciaria; c) a partir da querela, istanza 0 richiesta, que sao condi~6es de pro'

cedibilidade nos delitos que exijam a invoca~aQ da parte of end ida; d) a partir da ado~ao de uma medida cautelar pessoal, como a deten,

~ao ou a prisao para identifica~ao (art. 349.4).

Para ser considerado pessoa submetida a investiga~ilo preliminar, como explica Fortuna, 1S nao e necessario um ato formal, mas uma situa, ~ao objetiva de que a investiga~ao dirige,se contra uma pessoa determi, nada.l,!mpouco e necessario que conste no registro da noticia do faw (art. 335). Mas nao basta um suspeito de tipo indeterminado, ou que pro­venha de pura conjetura ou hipatese de trabalho dos argaos de investiga­~ao: e necessario um ato especifico de investiga~ao contra uma pessoa determinada. Com essas atua~6es dirigidas contra uma determinada pes­soa, surge a situa~ao juridica de persona sottoposta aile indagini prelimi­nari e, como conseqUencia, nascem direitos e cargas processuais.

Com rela~ao aos direitos, sublinhamos que 0 sujeito passivo da inves­tiga~ao tem os mesmos direitos do acusado no processo penal, pela exten· sione dei diritti e delle garanzie prevista no art. 61 do CPPi.

Aprincipal garantia, segundo Fortuna,16 e que as declara~oes·do impu­tado e da pessoa submetida a investiga~ao preliminar devem ser recebidas e valoradas com base em um ato oficial, e nao a partir de fonte diversa, que pode nao haver respeitado as devidas garantias "(como pode ocorrer nas declara~6es prestadas na qualidade de informante ou testemunha). Essas declara~6es obtidas sem as garantias legais nao podem ser utilizadas (art. 191 do CPPi). No mesmo sentido, disp6e 0 art. 62 que as declara~6es do sujeito passiv~ no curso da investiga~ao preliminar, que nao tenham sido objeto de documenta~ao oficial, nao poderao considerar-se como prova testemunhal. Essa proibi~ao reflete uma clara preocupa~ao em evitar-se ouvir e tratar 0 sujeito passiv~ como testemunha ou informante, nao lhe alertando dos seus direitos e de que esta declarando contra si mesmo.

14 La Riforma del Processo -Penale, p. 100. 15 Na obra coletiva Manuale Pratico del Nuovo Processo Penale, p. 205. 16 Idem, p. 206.

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Se uma pessoa nao submetida 11 investiga~ao preliminar realiza ra~iies ante a autoridade judicial ou policial, das quais podem surgir i cios de sua culpabilidade no fato, determina 0 art. 63 que a autorid.n. devera suspender 0 ato, advertindo 0 declaninte de que poderao ser ciadas investiga~oes contra si. Ainda assim, devera aconselhar que indiqUE um defensor. As anteriores declara~oes nao poderao ser utilizadas a pessoa que as realizou.

Entre as garantias do sujeito passiv~ na investiga,ao preliminar, vistas no Codice di Procedura Pena/e, destacamos:

a) Nao poderao ser utilizadas, ainda que com 0 consentimento da soa interrogada, metodos ou tecnicas idoneas a influir na liberda, de de autodetermina~ao ou que alterem a capacidade de ou valorar osfatos (art. 64.2).

b) Antes de iniciar 0 interrogatorio, a pessoa deve ser advertida seu direito a nao declarar (art. 64.3).

c) 0 interrogatorio sobre 0 merito causae sera de forma clara e __ informando·se 0 sujeito passivo dos elementos de prova que exist~ni:' contra ele, e, se disto nao derivar nenhum prejuizo para 0 exito investiga~iies, se the informara sobre as fontes de prova (art. 65.1_

d) Sera dada oportunidade para que ele exponha tudo que consideni' -util para sua defesa (art. 65.2).

e) 0 sujeito passiv~ tem 0 direito de nomear um maximo de defensores de confian,a (art. 96) e, caso nao tenha designadq defensor ou ele nao esteja presente, sera assistido por um sor dativo (art. 97.1).

f) 0 sujeito passivo em situa,ao de prisao cautelar tera 0 direito entrevistar·se com seu defensor, a -partir do momenta mesmo que foi iniciada a execu,ao da medida. Havendo prisao em flag ran>: te, tera direito a falar reservadamente com seu defensor,17 imediaS, tamente depois da prisao (art. 104).

g) A policia judiciaria podera praticar investiga,oes sumarias, buscan· do informa,iies junto a pessoa do suspeito- (que nao esta Antes de iniciar a tom ada de declara,iies, convidara a pessoa se investiga para que indique um defensor de confian,a para ____ _ panha-la. Deve-se destacar as di~posi,oes con tid as no art. 350.3-e 6 do CPPi, no sentido de que essa diligencia deve ser praticada a assistencia obrigatoria do defensor, a quem devera ser dado d

17 Este direito podera ser suspenso pelo juiz quando cancorram especificas e excepcionais razoe.!; de urgencia. Em qualquer- caso, a suspensao nao poder.3 exceder a 7 dias' (art. 104.3).

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Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

oportuno aviso. Os resultados obtidos sem a presen,a do defensor (no lugar ou imedia,oes em que se produziu 0 fato) nao poderao ser documentados nem utilizados no processo.

h) 0 defensor tem a faculdade de assistir, sem direito- a ser previa­mente avisado, as atua,iies de busca e apreensao sobre lugares, coisas ou pessoas, assim com comparecer no momento da abertu­ra de correspondencia fechada, encontrada junto com 0 suspeito ou no local on de se realizou a busca. Cumpre destacar, a teor do_ art. 353, _que a abertura de cartas e autorizada pelo Ministerio Publico e nao pelo juiz.

i) Nas atua,6es do Ministerio Publico, 0 sujeito passiv~ podera nom-ear defensor para assisti-lo no interrogatorio, inspe,oes corpo­rais ou acarea,oes (art. 364).

j) As atas nas quais constem as atua,iies do MP e da policia serao depositadas na secretaria (cartorio) do Ministerio Publico e ficarao 11 disposi,ao do defensor (que sera comunicado) nos cinco dias sucessivos, para que as examine e obtenha copia (art. 366).

\) No curso das investiga,oes do promotor, os defensores terao a faculdade de apresentar solicita,oes escritas ao Ministerio Publico (art. 367).

Como destaca Fortuna,'8 no atual sistema processual, 0 interrogato' rio da pessoa submetida 11 investiga,ao preliminar nao e um ate impres' cindivel para passar 11 fase processual (salvo quando 0 MP solicita 0 juizo imediato). 0 Ministerio Publico, como encarregado da investiga,ao preli­minar, pode realizar 0 interrogatorio. Nao existe obrigatoriedade do inter­rogatorio ser realizado pelo juiz, exceto nos casos de prisao cautelar."

Finalmente, destacamos a obriga,ao di invio de/('informazione di garanzia, prevista no art. 369, segundo a qual, antes de que_ se realize a primeira atua,ao a qual deva'O assistir 0 defensor, 0 MP enviara 11 pessoa subrnetida 11 investiga,ao, por correia certificado, com aviso de recebi­mento, a infonma,ao de_ garantia de seus direitos, com indica,ao das nor­mas violadas, a data e 0 lugar em que se produziu 0 fato, bem como a res­salva de que, querendo, indique um defensor de confian,a.

18 Na obra coietiva Manuale Pratico del Nuovo Processo Pena/e, p. 208. 19 Para a autor citadol isso acentua a funt;ao defensiva do interrogatorio, delxando uma maior

Ilberdade ao interessado de submeter-se ou sollcitar (0 art. 64 fala em comparecer livremente ao interrogatorio), segundo seu criteria de conveniencia.

20 Os atos em que a interven<;ao do defensor e impresclndivet sao: a} as investlgar;oes de carater tec­nico nao reproduziveis (arts. 359 e 360); b) Interrogat6riOs, inspe;oes ou acarear;oes (art. 364); c) quando 0 MP deva proceder a realizac;ao de atuac;oes de inspe;ao ou sequestro (ait. 365).

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Aury Lopes Jr.

III. ALEMANHA

A partir do conheCimento da pratica de uma infrac;:ao penal, atraves de notitia criminis ou de oficio, 0 Ministerio Publico levara a cabo a inves­tigac;:ao preliminar.

Segundo determina 0 §136 da StPO, no primeiro interrogatorio ante a autoridade policiat, 0 sujeito passiv~ sera comunicado dos fatos·que se lhe imputa e as disposic;:oes penais aplicaveis. Sera garantido 0 direito de calar ease entrevistar previamente coin 0 defensor. Tambem devera ser adver­tido de que pode solicitar a produc;:ao de provas exculpat6rias_ Mas este interrogat6rio policial podera nao ser realiiado, ficando 0 sujeito passivo sem tomar conhecimento do procedimento ate que seja interrogado pelo Ministerio Publico, ao final da investigac;:ao. Caso encontre-se detido, sera conduzido ante 0 juiz do Amtsgericht em cuja jurisdic;:ao houver-se produ­zido a prisao, de imediato ou mais tarde, no dia seguinte ao da prisao (StPO i128), momenta em que sera interrogado.

o interrogat6rio do sujeito passivo por parte do Ministerio Publico (§163.a do StPO) devera ser realizado impreterivelmente ate a encerra­menta das investigac;:oes, salvo quando for determinado 0 arquivamento. Nas causas de menor grilVidade, bastara com que se the de oportunidade de declarar par escrito. No momenta do interrogatorio, pod era solicitar ao promotor que pratique determinados atos de prova para sua exculpac;:ao, que serao praticados quando considerados importantes. " "

No que se refere a defesa; deve-se analisar 0 §137, que garante a assistencia de defensor" em cada fase do processo. A assistencia de um defensor e um direito do sujeito passivo, sem embargo, em alguns atos, "sua participac;:ao sera necessaria. Como aponta Gomez Colomer,22 existem casas de "defesa voluntaria" e outros de "defesa necessaria" e a StPO pre· cisa, no § 140, em que casas a sujeito passivo tem que servir'se da ajuda de um defensor, isto e, quando a defesa e necessaria, inclusive nomean­do-se defensor se todavia nao tiver. Em outros momenta procedimentais, de defesa tecnica facultativa, nao havera nomeac;:ao de defensor dativo ao imputado sem condic;:oes de constituir um advogado.

21 Na Alemanha, 0 numero de defensores par Imputado esta limitado a tres e, na Italia, a dais (art. 96.1). No Brasil e na Espanha nao existe nenhurna Iimita~ao. a fundamento da limita~ao e a ceferidade processual, pois, para as defensores da limitac;ao, 0 numero excessivo de defen· sores pode causar diversos transtornos para 0 desenvolv.imento do processo, como a dificulda­de de comunicac;ao dos atos, transferencia de audiencias par aU5encia de defensor etc.

22 Ef Proceso Penal Aleman, pp. 80 e segultes.

296

Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

Dispoe o.§ 147 .que a defensor estara autorizado a examinar os autos, assim como as objetos de prova que estiverem custodiados oficialmente. No apartado (2), esta previsto que podera ser negada essa possibilidade quando ainda nao constar nos autos 0 encerramento das investigac;:5es, ou seja, a vista da defesa pod era ser retardada ate a encerramento da inves­tigac;:ao preliminar, com evidente prejuizo para a sujeito passivo. Tambem podera ser denegado 0 acesso aos objetos apreendidos, quando este ato puder colocar em perigo afinalidade da investigac;:ao.

Yigora 0 segredo interno. Como excec;:ao, em nenhuma fase podera ser denegado a direito a examinar as atas do interrogatorio do sujeito pas­siva e as atos judiciais de investigac;:ao em que foi permitida a presenc;:a ou que deveria haver-se permitido a assistencia 'do defensor, bem como dos informes periciais.

Areforma23 de 1964 e, posteriormente, a de 1975, amenizaram as exces­sivos rigores do sistema alemao, principal mente ao permitir a assistencia de defensor na investigac;:ao preliminar (yorverfahren). Destacamos na StPO:24

a) 0 dever das autoridades public as de instruir a sujeito' passivo, em seu primeiro interrogatorio, do direito de sHencio e 0 de solicitar determinadas provas de descargo (§ 163.a.4).

b) Deve·se oferecer ao sujeito passiv~ a oportunidade de desfazer as suspeitas que contra ele existem, assim como ale gar os fatos e as circunstancias que the sejam favoraveis (§ 136, II).

c) Direito a ser assistido" pelo defensor no interrogatorio (§ 136, I). Caso nao tenha sido indicado, pod era a Ministerio Publico nomear·lhe um.

d) 0 defensor devera ser imediatamente informado do desapareci­menta das" causas que tenham motivado a segredo dos autos (§147.6). Corn isso, pretende-se evitar que exista acusac;:ao sem 0

previa conhecimento do defensor do conteudo das investigac;:5es. e) Nos casos de concurso de pessoas, a § 146 da StPO impede que um

mesmo advogado possa defender a mais de um sujeito passivo. Com isso, evita-se a colidencia de teses defensiyas.

Apesar destes direitos, no atual estagio de evoluc;:ao democratica e de respeito aos direitos individuais e se compararmos com outros paises euro­peus, devemos afirmar que os direitos do sujeito passiv~ no modelo ale­mao estao fortemente restringidos.

n PEDRAZ PENALVA, Ernesto. I'La Reforma Procesai Penal de fa R.F, Alemania de 1975", in RDPI, 1976, nil 2/3, pp. 691 e seguites.

24 Em alguns pontos nos baseamos em PEDRAZ PENALVA, ab. cit., pp. 692 e seguintes.

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Neste sentido, aponta 80SS25 que nao existe nenhuma norma pela qual se obrigue a comunicar aoimputado que foi iniciado contra ele um procedimento investigatorio. Mais grave ainda, aponta a autor, e a reali-' za~ao do interrogatorio somente ao final da investiga~ao preliminar. Neste momenta, sera comunicado do delito que the e imputado, do direito de silencio e de que pode consultar um advogado antes do interrogatorio. Caso nao tenha condi~oes de constitufr um defensor, nao the sera nomea­do um de oficio, salvo exce~oes; pais neste momenta nao vigora a princi­pia de defesa obrigatoria ou necessaria. Nem a sujeito passiv~ nem seu defensor poderao examinar os autos da pe~a investigatoria antes de encerrada a investiga~ao preliminar, excetuando-se determinadas atua­~oes, conforme apontamos anteriormente. Com isso, a regra e 0 segredo interno e, a exce~ao, 0 acesso aos autos.

IV. PORTUGAL

Na investiga~ao preliminar portuguesa, a cargo do Ministerio Publico, o sujeito passivo recebe 0 nome de argiJido e esse tratamento sera man­tido ate a senten~a_ Isto porque a sistema portugues nao adota - no que se refere it denomina~ao do sujeito passiv~ - um tratamento distinto para cada fase. Como determina a art. 57, uma pessoa assume' a qualidade de argiJido: quando contra ela for interposta uma a~ao penal acusatoria au requerida a investiga~ao preliminar, mantendo essa qualidade no curso do processo penal.

o status de argliido e produzido na investiga~ao preliminar, obrigato­riamente, quando (arts. 58 e 59):

a) Correndo inquerito contra pessoa determinada, esta prestar decla­rac;oes perante qualquer autoridade juc!iciaria au orgao de policia criminal.

b) Tenha de ser aplicada a qualquer pessoa uma medida de coac;ao (cautelar pessoal) ou de garantia patrimonial (cautelar real).

c) Detido em flagrante delito_ d) Com a comunica~ao da existencia de uma notkia-crime escrita que

lhe impute a autoria de urn delito_ e) Declara~oes de uma pessoa surjam fundadas suspeitas de que ela

cometeu um delito, a autoridade que realiza 0 ato devera imedia­tamente suspender tal ate e comunicar que a partir daquele mo­mento aquela pessoa e considerada como arguido (art. 59)_ Devera

25 Ao explicar 0 sistema alemao na obra "Sistemas de Proceso Penal _en Europa", pp. 28 e seguintes.

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Sistemas de Investiga,iio Preliminar no Processo Penal

a autoridade indicar oS direitos e cargas processuais previstos no art. 61 do CPPp.

f) A pessoa sobre a qual recaia suspeita de haver cometido um deli­to tem o.direito de assumir a posic;ao de arguido, inclusive a seu pedido, sempre que forem praticadas diligencias destinadas a comprovar a imputa~ao; A vantagem de assumir 0 status de sujeito passivo e a de gerar uma necessidade de observancia, por parte' dos orgaos do Estado, de uma serie de direitos que lhe assistem.

Se por um lade a sistema portllgues e garantista, ao definir 'claramen­te 0 momenta em que alguem passa a ser considerado sujeito passivo do procedimento investigatorio, sem retardar a possibilidade de participar do inquerito, par outro, devemos reprovar a manutenc;ao da mesma termino­logia para ambas as fases (pre-processual e processual). Utilizar a mesma designa~ao para as dois momentos esta em desacordo com uma caracte­ristica basica do processo penal: 0 de ser um sistema escalonado e de gra­dual concre~ao do sujeito passivo. E aconselhavel que a sistema utilize distintas denominac;oes para refletir as distintas fases e graus de submis­sao do sujeito passivo no processo penal.

A constitui~ao do "estado de arguido" produz-se atraves da comuni­ca~ao oral au escrita, realizada pela autoridade judicial, do MP ou poli­cial, de que a partir daquele momenta a pessoa e considerada como sujei­to passiv~ do processo penal. No mesmo ato, ser-lhe-ao indicados as direi­tos e as cargas que assume (art. 58.2). Destacamos que a omissao ou a incumprimento destas formalidades gera a inutilidade das declarac;6es prestadas pelo individuo, de modo que nao poderao se"r utilizadas como prova incriminatoria.

No que se refere aos direitos e cargas processuais do arguido, dis poe de forma muito clara a CPPp. Sao direitos, art. 61:

a) Estar presente aos atos processuais que diretamente the digam res­peito.

b) Ser ouvido pelo tribunal au pelo juiz da instru~ao sempre que eles devam tamar qualquer decisao que pessoalmente a afete.

c) Nao responder a perguntas feitas, par qualquer entidade, sabre as fatos que the forem imputados e sabre a conteudo das declara~oes que acerca deles prestar.

d) Escolher defensor au solicitar ao tribunal que the nomeie um.

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e) Ser assistido por defensor em todos os atos processuais26 em que par· ticipar e, quando detido,comunicar'se, mesmo em privado, com ele.

f) Intervir no inquerito e na instru~ao, oferecendo provas e requeren­do diligencias que se the afigurarem necessarias.

g) Ser informado, pela autoridade judiciaria ou pelo orgao de polkia criminal perante os quaisseja obrigado a comparecer, dos direitos que the assistem.

h) Recorrer, nos termos da lei, das decis6es que the forem desfavoraveis.

Sao cargas processLiais, art. 61.3: a) .(omparecer perante 0 juiz, 0 Ministerio Publico ou os orgaos de

policia criminal sempre que a lei 0 exigir e para tal tiver sido devi­damente convocado.

b) Responder com verdade as perguntas feitas por entidade compe· tente sobre a sua identidade e, quando a lei 0 impuser, sobre os seus antecedentes criminaisY

c) Sujeitar·se a diligencias de provas e a medidas de coa~ao e garan­tia patrimonial especificadas na lei e orden ad as e efetuadas por entidade competente.

No que diz respeito as cargas processuais, conforme explicamos ante­riormente ao tratar do indiciamento no direito brasileiro, juntamente com o nascimento da situa~ao de sujeito passivo da investiga<;ao prel1minar surge uma serie de direitos e tambem de cargas de carater juridico-pro­cessual que refletem, em ultima analise, uma maior submissao a ativida~ de persecutoria estatal. .

Seguindo uma sistematica similar a da StPO, 0 art. 64 do CPPp preve expressamente os casos em que a assistencia do defensor e obrigatoria. Sao eles:

a) No primeiro interrogatorio judicial de argliido detido. b) No debate instrutorio e na audiencia, salvo tratando-se de proces­

so que nao possa dar lugar a aplica~ao de pena de prisao ou de medida de seguran~a de internamento.

26 Em sentldos ample, vlstos como atas do procedimento pre-proces5ual au processual em senti­do estrito.

27 0 dever de dizer a verdade, quando Impasto ao sujeito passiv~ do processo penal, e sempre reprovilvei, ate porque incompativel com 0 principia do nemo tenetur detegere propriam turpl­tudin. Sem embargo, devemos chamar a aten~o que no dlreito portugues este dever - ainda que reprovilvel - esta IImitado a "identidade" e em alguns casas aDs "antecedentes", nunca ao merlto da questao (autoria e materialldade). .

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Sistemas de Investiga,ao Preliminar no Processo Penal

c) Em qualquer ate processual, sempre que 0 argUido for surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da lingua portuguesa, menor de 21 anos, ou se suscitar a questao da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuida.

.d) Nos recursos ordinarios ou extraordinarios. . e) Nos casos a que se referem os artigos 271 e 294 (produ~ao anteci- .

pad a de prova testemunhal). f) Nos demais casos que a lei determinar.

Quando 0 argliido estiver detido e nao seja possivel 0 imediato inter­rogatorio pelo juiz, pod era 0 Ministerio Publico interroga-lo, com a assis­tencia de defensor (quando solicitado pelo detido).

Por fim, destacamos que a principal garantia 0 argUido encontra na. fase intermediaria (chamada de instru~ao), na qual pode impugnar a con­dusao do inquerito e solicitar a pratica daquelas diligencias que eventual­mente tenham sido denegadas no inquerito pelo Ministerio Publico.

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Capitulo XII Conteudo da Intervenc;ao do SUjeito Passivo

na Investigac;ao Preliminar

Partimos da premissa de que 0 conteudo da interven~ao do sujeito passiv~ na instru~ao preliminar esta refletido, essencialmente, no exerci­cio do direito de defesa: Destarte, nos centramos no exercicio da defesa tecnica e da autodefesa, sendo esta ultima estudada ainda sob as modali­dades positiva e negativa (nemo tenetur se detegere) ,

I. (j DIREITO DE DEFESA NA INVESTIGA<;:AO PRELIMINAR

Com a imputa~ao e, principalmente, com 0 contradit6rio1 que surge da comunica~ao2 da existencia e do conteudo da imputa~ao, nasce para 0

sujeito passiv~ a possibilidade de resistira pretensao investigat6ria e coercitiva estatal, atuando no pro cedi men to na busca de provas de des­cargo ou, ao menos, que possam atenuar a pena que eventualmente venha a ser imposta ao final do processo.

o direito de defesa nao e um direito aut6nomo, mas sim um, derecho­replica' que naSce da agressao que representa para 0 sujeito passiv~ a imputa~ao.

Como destacil'Gttarnierj,4 0 sujeito passiv~ e 0 protagonista de (a jus­ticia penal, el eje en tomo a( cual gira e( proceso e, na investiga~ao pre-

E importante destacar que, quando falamos em "contraditorio" na fase pre-processual, estamos fazendc alusao aD seu primeiro momento, da informa~ao. Isto parque, em sentido estrito, nao pode existir contradltorio no inquerito porque; nao existe uma rela~ao juridico-processual, nao esta presente a estrutura dialtHica que caracteriza otprocesso. Nae havendo 0 exercicio de uma pretensao acusatoria, nao pode existir a resistencia, Sem embargo, esse direito a-infor­mat;ao - importante faceta do contrad!torio - adquire relevanda na medida em que sera atra­ves dele que sera exerdda a defesa. Esc1arecedoras sao as paJavras de PELLEGRINI GRINOVER et all (As Nulidades no Processo Penal, p. 63), no sentido de que defesa e contraditorio estao Indissoluvelmente ligados, porquanto e do contrad/torio (visto em seu primeiro momento, da informar;ao) que brata 0 exercfcio da defesa; mas e esta - como poder correlato ao de ar;ao - que garante 0 contraditorio. A defesa, assim, garante 0 contraditOrio, mas tambem por este se manifesta e e garantida. Eis a rntima relar;ao e interar;ao da defesa e do contraditorio.

2 Esse binomio imputar;ao formal (indiciarnento) e comunicar;ao e fundamental para garantir urn min'lmo de contradit6rio na lnvestiga«;ao prelimlnar. Ern outras paJavras, e urn dlreito basico em qualquer sistema mlnimamente garantlsta e democratico, que a existencia e 0 conteudo de uma imputa«;aa (oriunda de uma noticia-crime au da propria investiga~ao palidal) sejam imedlatamen­te cornunicados ao imputadojsuspeita, para que ele possa exercer a autodefesa no interrogat6rio e a defesa tecnica atraves do acompanhamento e 50Jicita~ao de diligencias exculpatorias. MORENO CATENA, Victor. La Defensa en el Proceso Penal. p. 105.

4 Las Partes en el Proceso Penal, pp. 272 e seguintes.

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l1minar, sua posi~ao depende do conceito que 0 Estado aceite sobre o~ , direitos do hom em e do cidadao. Por isso, diz-se que 0 Codigo Penal e 0

codigo dos delinqiientes, ao passo que' 0 Codigode Processo Penal e tam­bem para os homens honrados, pois se 0 primeiro pressupoe, para sua apli­ca~ao, uma senten~a definitiva que considere 0 sujeito culpiiVel do delito, o segundo nao, pois a norma processual tem regras e san~oes que podem ser aplicadas a qualquer pessoa, inclusive ao inocente, bastando para isso que tanha side objeto de uma acusa~ao ou imputa~ao infundada.

Tem razao Carnelutti5 ao dizer que ao Direito Processual Penal e nao ao Direito Penal corresponde, em primeiro lugar, quanto a pena, pOis la pena si risolve nel giudizlo e il giudizio nella pena.

Gomez de la Serna6 assinala que ningun derecho es mas natura/, nin­guno es mas sagrado que el de la defensa. Como tipieo direito natural, 0

direito de defesa foi absorVido pelas modernas constitui~oes democraticas e pelos principais tratados internacionais.

No Brasil, a ampla defesa esta consagrada no art. 5Q , LV da Constitui~ao, no art. 8.2 da CADH e tambem no CPp, que dedica 0 Capitulo III do Titulo VIII do Livro I, ademais de diversos dispositivos ao longo de todo 0 codigo. E interessante destacar que a Constitui~ao utiliza 0 adjeti-

- vo-ampladefesa,-enfatizando.o_alcance_da prote~ao,d.e_Jl1QcloqlJe.<:lev.e._ ~, ser exercida com todos os meios e recursos a ela inerentes'.

o direito de defesa e um direito-n!plica, que nasce com a agressao que representa para 0 sujeito passivo a eXistencia de uma imputa~ao ou ser objeto de diligenCi<\S e vigilfmcia policial. Nesta valora~ao reside um dos maiores erros de alguma doutrina brasileira que advoga pela inaplica­bilidade do art. 5Q

, LV, da CB ao inquerito policial, argumentando, simplo­riamente, que nao existem "acusados"nessa fase, eis que nao foi ofere~ cida denuncia ou queixa. Ja tratamos do tema anteriormente, mas apenas gostariamos de destacar - novamente - que qualquer noticia-crime que, impute urn fato aparentemente delitivo a uma pessoa determinada cons­titui uma imputa~ao, no sentido juridico de agressao, capaz de gerar no plano processual uma resistencia. Da mesma forma, quando da investiga­~ao ex officio realizada pela policia surgem sufieientes indicios contra uma pessoa, a tal ponto de tornar-se 0 alvo principal da investiga~ao _ imputado de fato - deve ser feita a comunica~ao e 0 chamamento para ser interrogado pela autoridade polieial. Em ambos casos, inegavelmente,

5 Lezionl suI ProcessD Penale, vol. I, pp. 34 e segulntes. 6 Apu,d MORENO CATENA. Ob. cit., p. 23.

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Sistemas de lnvestiga~ao Preliminar no Processo Penal

existe uma atua~ao de carater coercitivo contra uma pessoa determinada, configurando uma "agressao" ao seu estado de inocencia e cje liberdade, capaz de autorizar uma resistencia em sentido juridico-processual.

Nunca e demais recordar que 0 texto constitucional e extremamente abrangente, protegendo os litigantes tanto em processO judicial como em procedimento adm,inistrativo. Nao satisfeito, 0 legislador constituinte ainda induiu, para evitar duvidas, a expressao " ... e aos acusados em geral. .. ", assegurando-lhes 0 contradit6rio e a ampla defesa, com os meios e recursos a' ela inerentes. Nao ha como afastar 0 sujeito passlvo da investiga~ao preliminar da abrangencia da prote~ao, pois e inegavel que ele encaixa na situa~ao de "acusados em geral", pois a imputa~ao e 0 indi­ciamento sao formas de acusa~ao em sentido amplo.

o direito de defesa e urn direito natural, imprescindivel para a admi­nistra~ao da justi~a. Inobstante, exige especial aten~ao 0 grave dilema que pode gerar 0 direito de detesa sem qualquer limite, pois poderia criar um serio risco para a propria finalidade da investiga~ao preliminar e tambem para 0 combate eficaz da criminalidade. Por outro lado, a absoluta inexis· tencia de defesa viola os mais elementares postulados do moderno proces­so penal. E urn dilema serio e uma 'vez 'mais devemos encontrar urn meio termo, pOis, como aponta Guarnieri,' la defensa en el periodo instructorio

- f!sindudable-que presenta-defectos,-pera susventajaUQnJlllJ,:ho mayores y no sirven para obscurecerlas las objeciones de sus enemigos. - --.---

Para sistematizar a analise, consideraremos 0 direito de defesa a par· tir de dois aspectos: direito de defesa publica, tecnica ou formal, e 0

direito de defesa privado, autodefesa ou defesa propria.

II. DEFESA TECNICA

A defesa tecnica supoe a assistencia de uma pessoa com conhecimen­tos8 te6ricos do direito, urn profissional, que sera tratadocomo advogado de defesa, defensor ou simplesmente advogado. Explica Fenech" que a defesa teenica e levada a cabo por pessoas peritas em direito, que tem como profissao 0 exerdcio desta fun~ao tecnico-juridica de defe5a das partes que atuam no processo penal, para por de relevo seus direitos.

Las Partes en e/ Proceso Penal, p. 361. Na Espanha, utlHza-se a expressao "Ietrado" em clara referenda ao presumido conhecido que ° advogado deve ter, nao 56 tecnico-juridico, mas tambem de outras areas, especial mente das \etras. Derecho Procesaf Penaf~ Vol. I, p. 458.

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A justificac;:ao da defesa tecnica esta na presun~ao de hipossuficien: cia do sujeito passiv~, de que ele nao tern conhecimentos necessarios e suficientes para resistir if pretensao estatal, em igualdade de condic;:6es tecnicas com 0 acusador. Essa hipossuficiencia leva 0 imputado auma situac;:ao de inferioridade ante 0 poder da autoridadeestatal encarnada' pelo promotor, policial ou mesmo juiz (nos sistemas de instruc;:ao prelimi­nar judicial). Pode existir uma dificuldade de compreender 0 resultado da atividade desenvolvida na investigac;:ao preliminar, gerando uma absoluta intranqliilidade e descontrole. Ademais, havendo uma prisao cautelar, existira uma impossibilidade fisica de atuar de forma efetiva.

Para Foschini,10 a defesa tecnica e uma exigencia da sociedade, por­que 0 imputado pode, ao seu criterio, defender-se pciuco ou mesmo nao defender-se, mas isso nao exclui 0 interesse da coletividade de uma veri­ficac;:ao negativa no caso do delito nao constituir uma fonte de responsa­bilidade penal. A estrutura dualistica do processo expressa-se tanto na esfera individual como na social. Por isso, 0 direito dedefesa esta estru­turado no binomio:

• defesa privada ou autodefesa; • defesa publica ou tecnica, exercida pelo defensor.

Por esses motivos, a defesa tecnica e considerada indisponivel, pois, mais que uma garantia do sujeito passiv~, e condic;:ao de paridade de armas, imprescindivel para a concreta atuac;:ao do contradit6rio. Inclusive, fortalece a propria imparcialidade do juiz, tanto nos sistemas de instru­c;:ao preliminar judicial como nos demais, na medida em que cabe ao juiz decidir sabre as medidas que limitem direitos fundamentais. Como expli­ca Moreno Catena,ll a defesa tecnica atua tambem como um mecanisme de autoprotec;:ao do sistema processual penal, estabelecido para que sejam cumpridas as regras do jogo da dialetica processual e da igualdade das partes. E, na realidade, uma satisfac;:ao alheia a vontade do sujeito passiv~, pois resulta de um imperativo de ordem publica, contido no prin­cipio do due process of law.

o Estado deve organizar-se de modo a instituir um sistema de "Servic;:o Publico de Defesa", tao bem estruturado como 0 Ministerio Publico, com a func;:ao de promover a defesa de pessoas pobres e sem con­dic;:6es de constituir um defensor. Assim como 0 Estado organiza um servi­c;:o de acusac;:ao, tem esse dever de criar um servic;:o publico de defesa,

10 L 7mputato, pp. 27 -e seguintes. 11 La Oefensa en el Proceso Penal, p. 112.

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Sistemas de Investigal;ao Preliminar no Processo Penal

porque a tutela da inocencia do imputado nao e s6 um interesse indi­vidual, mas social .. 12 Neste senti do, a Constituic;:ao garante, no art. 52, LXXIV, que 0 Estado pres tara assistencia juridica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiencio de recursos. Para efetivar tal garantia, 0

sistema brasileiro possui uma elogiavel instituic;:ao: a Defensoria Publica, prevista no art. 134 da CB, como instituic;:ao essencial a func;:ao jurisdicio­nal do Estado, incumbindo-lhe a orientac;:ao juridica e a defesa, em todos OS graus, dos necessitados.

A necessidade da defesa tecnica esta expressamente consagrada no art. 261 do CPP, ondese pode ler que nenhum ocusado, .ainda que ausen~ te ou foragido, sera processado ou julgado sem defensor.

No ambito internacional, 0 art. 8.2 da Convenc;:ao Americana de Direitos Humanos preve 0 direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido par um defensor de sua escolha e de comunicar-se livremente e em particular com seu defensor. Tambem garante 0 direito irrenunciavel de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou nao, segundo a legisla~ao interna, se 0 acusado nao se defender eli? propria nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei.

No inquerito policial, a defesa tecnica est a limitada, pois limitada esta a defesa como um todo. Ainda que 0 direito de defesa tenha expres­sa previsao constitucional, como explicamos anteriormente, na pratica, a forma como e conduzido 0 inquerito policial quase nao deixa espac;:o para a defesa tecnica atuar no seu interior. Por isso, diz-se que a defesa tec­nica na fase Pre-processual tem uma atuac;:ao essencialmente ex6gena, atraves do exercicio do habeas corpus e do mandado de seguranc;:a, que, em ultima analise, corporificam 0 exercicio do direito de defesa fora do lnquerito policial. Dentro do inquerito basicamente s6 existe a possibilida­de de solicitar diligencias, nos estreitos limites do art. 14 do CPP.

E imprescindivel que seja nomeado um defensor - quando nao cons· tituido - permitindo-lhe, em caso de prisao, que converse previa e reser­vadamente com 0 sujeito passiv~, antes de ser ouvido. Ademais, 0 defen­sor podera solicitar diligencias a autoridade policial (art. 14) que poderao ser realizadas ou nao. Tendo em vista que 0 art. SO, XXXV, da CB preve que a lei nao pode excluir da apreciac;:ao do Poder Judiciario uma lesao ou ameac;:a a um direito, a injusta negativa par parte da autoridade policial devera ser objeto de impugnac;:ao pela via do habeas corpus ou do manda­do de seguran~a, conforme 0 caso.

12 GUARNIERI. ab, cit., p. 116.

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Outra importante garantia, que deve ser observada ja na investiga, ~a6 preliminar, e evitar a colidencia de teses defensivas. A impossibilida de de que um mesmo defensor possa defender a dois ou mais imnllt"rlnc',

pode set classificada em: Impossibilidade absoluta: eo sistema previsto na StPO, que impprl;;

a figura do defensor comum, sem levar em considera~ao se existe ou um conflito de interesses ou de teses defensivas (colidencia).

Impossibilidade relativa: neste sentido, disp5e,0 art. 106 do CPP liano que a defesa de varios imputados pode ser assLimida por um defim­,sor comum, sempre que as diversas posi~5es da defesa nao sejam incom, pativeis entre si. Tambem e a posi~ao do CPP portugues, art. 65, que sibilita a defesa de varios argliidos por um unico advogado, sempre nao contrarie a fun~ao da defesa.

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No Brasil nao existe previsao legal e a jurisprudencia foi encarregada ' , de consolidar uma "impossibilidade relativa" de que um mesmo advogado atue na defesa de dois ou mais acusados. Para tanto, firmou entendimen­to de que e inviavel quando existir colidencia de teses defensivas capaz ' de gerar uma deficiencia do direito de defesa. Neste sentido:13

HABEAS CORPUS. COL/DENCIA DE DEFESA. DEFENSOR UNICO DE CO-REUS. NUL/DADE. Havendo a co-re, no inquerito palicial, afirmado a participa~ao do paciente no evento criminoso e nega­do a sua, 0 interesse dos dOis passou a ser conflitante. Assim, nao poderia a defesa de ambos ter ficado a cargo do mesmo defensor publico, 'sob pena de colidencia. Habeas corpus deferi­do. Extensao da ordem d co-re.

Em qualquer caso, segue-se 0 principio do prejuizo, previsto na Sumu­la 523 do STF. Assim ja decidiu 0 ST J: 14

CRIMINAL. COLJDENCIA DE DEFESAS. INOCORRENCIA. Exciui­se a tese de colidencia, quando da atua~ao do defensor unico nao resta demonstrado prejulzo para 0 acusado e nem a sua defesa apresenta como fragilizada. RHC improvido.

13 HC-75.873-MG, Rei. Min. I1mar Galvao. Julgamento 26/5{1998, Primeira Turma. Publica«;ao no DJ em 7/8/1998.

14 RHC 8.096, Rei. Min. Fernando Gon.;alves. Julg. em -2/3/1999.

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Em suma, a, defesa tecnica e essencial para garantir 0 contradit6rio e a pr6pria igualdade oe armas. Comoaponta Scarance Fernandes,'s a defe­sa tecnica, para ser ampla como exige 0 texto constitucional, apresenta­se no processo como dfiffisa nficfissaria, indeclinavfil, plfina e efetiva. Por outro lado, alem dfi Sfir garantia, a defesa tecnica e tambem dirfiito e" assim, pode 0 reu escolher defensor de sua confian~a.

A) 0 DEFENSOR

o trabalho do defensor ao lade do imputado e fundamental para a obten~ao de uma senten~a justa e, como explica Carnelutti,'6 0 nome "advogado" soa como um grito de ajuda: Advocatus, vocatus ad, aquele que e chamado a socorrer. a advogado e aquele ao qual e pedida a forma mais essencial de ajuda, a amizade. E aquele a quem 0 irilputado acude para solicitar companhia (cum pane, para dividir 0 paolo Eo companheiro que se coloca no mesmo plano, que se senta ao seu lado, no ultimo degrau da escada.

A figura do advogado defensor nao foi sempre bem concebida pela sociedade ou mesmo pelo processo. Como esclarece Heinz Goessel,17 no seculo XVIII, na Prussia, foi elaborado 0 Decreto de "Gaba" (1713), atra­yeS do qual impunha-se aos advogados a obriga~ao de utilizar, inclusive na sua vida privada, um capote preto, para que pudessem ser reconhecidos de longe, para livrar-se deles. Essa situa<;ao durou de 1713 ate 1780, quan­do por decreto real os advogados foram suprimidos. A ideia generalizada de que "vai contra a natureza das coisas" que as partes nao sejam direta­mente escutadas pelo juiz nos seus pleitos, contribuiu para 0 pensamento de que a presen<;a do advogado era molesta e tinha como fim prolongar os pleitos, para assim obter maio res vantagens financeiras. 1550 era reflexo do pessimo processo penal da epoca, que colocava de manifesto uma misenlvel advocacia e onascimento dos "porta-de-cadeia", cujo unico interesse era obter elevados ganhos.

15 SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo Penal Constitucionaf, p. 252. Destacamos que 0 autor, na p. 255 da obra, ao analisar especificamente a defesa na fase policial, aponta que a participac;ao da defesa no inquerito e ponto incontroverso. Contudo, acertadamente, afirma que a dificuldade esta em delimitar o.ambito dessa participa~ao, nao nos parecendo que se trata de participaqao em contraditoriof mas a que proporciona 0 advogado 0 direito a ampla ciencia das atividades de investiga~aof podendo efetuar requerimentos e usar de todos oS mecanismos que o sistema Ihe outorgue em favor do investigado: pedido de refaxamento de prlsao em flagran­te, pedido de fiberdade provisoriaf impetraqao de habeas corpus.

16 As Miserias do Processo penal, pp. 26-27. 11 EI Defensor en el Proceso Penal, pp. 3 e seguintes.

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Surgiu, na continua~ao, tam bern na Prussia, urn sucessor do advoga·:) do, na pessoa dos chamados "assessores assistentes" que nao loor~r~rn ganhar a confian~a das pessoas, de modo que, ja'em 1793, foram dos. Sem embargo, destaca Heinz GOssel, '8 a corrente que originou assessores nao logrou ser apagada e a presen~a do advogado voltou a concebida, mas agora em outro extrema: seguin do a interpreta~ao nacio"" nal-socialista do direito, 0 processo nao se dirige a prote~ao do individuo mas da cornunidade inteira, eo defensor deve estar a servi~o da adminis,'.) tra~ao da justi~a, subordinada ao partido, adequando-seas finalidades'c, deste, da classe trabalhadora e do governo.

Esta situa~ao exp6em os dois extremos da figura do defensor: de lado, visto com urn sujeito sem escrupulos, q~e busca primordialmf>nt':' qualquer vantagem para seu cliente e financeira para si mesmo; e, outro, 0 administrador unilateralmente comprometido com as finalidades politicas e estatais_. '.

Neste contexto, prop6e Heinz Goesse[19 tra~ar a imagem do defensor' ideal a partir da estrutura do processo penal em uma determinada epoca. No processo penal inquisitiv~, 0 defensor era visto como dispensavel ou in­clusive como obstl!culo indesejavel para a obten~ao da confissao. Predominava a ideia de que 0 defensor era dispensavel, pois com a verda­de sera posto de manifesto a ·inocencia. Ademais, a confissao foi mal entendida como urn resultado objetivamente verdadeiro, que tinha que ser obtida, inclusive atraves da tortura.

Na inquisi~ao, 0 Directorium Inquisitorum20 considerava totalment", inutil a defesa, pois 0 deli to de heresia estava no cerebro, escondido alma, de modo que nada tinha maior valor probatorio que a confissao. o acusado confessa, nao e necessario advogado para defende-lo, pois a fun~ao do advogado e fazer 0 n?u confessar logo e se arrepender, all?m de pedir a pena para a crime cometido.

o antigo processo inquisitiv~ deve ser visto como uma expressao logi-. ca da teo ria do Estado de sua epoca,2' como manifesta~ao do absolutismo que concentrava a potestade estatal de maneira indivisivel nas maos do soberano, quem legibus absalutus nao estava submetido a restri~6es

legais. Para este sistema, os cidadaos ficam reduzidos a mero objeto do

10 £1 Defensor en .e1-·Proceso Penal, p. 4. 19 Idem, p. 7.

20 EYMERICH, Nicolau. Manual dos Inqu;sidoresr pp . .138 e seguintes. 21 £1 Defensor en el Proceso Penal, pp. 15 e seguintes.

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Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

poder soberano. Nao resta duvida de que a ideia do Estado de Direito influi de formaimediata e direta no processo penal, e pode-se afirmar que el principia del Estado de Derecho como principia de argonizacion del pra-cedimiento penol. n .

Na atualidade, a presen~a do defensor deve ser concebida como urn instrumento de controle da atua~ao do Estado e de seus orgaos no proces- . so penal, garantindo 0 respeito a lei e a justi~a. Se 0 processo penal deve ser urn instrumento de prote~ao dos direitos fundamentais do sujeito pas­'sivo, 0 defensor deve adequar-se a esse fim, atuando para sua melhor con­secu~ao. Estl! intimamente vinculado ao direito fundamental da salvaguar­da da dignidade humana, obrigando 0 defensor a uma atividade unilate­ral, somente a favor daquele por ele defendido. 0 defensor unicamente tern que vigiar 0 processo penal para evitar infra~6es da lei ou injusti~as contra seu cliente, chegando Heinz Goessel23 a afirmar que evitar urn pro­cesso ilegal ou injusto a favor do imputado par parte do poder sanciona­dor nao constitui uma tarefa do defensor.

[nobstante, isso nao significa que 0 defensor devera atuar fora da legalidade nem tampouco obstaculizar a indaga~ao da verdade conforme a lei. Nao tern, pode-se argumentar, 0 dever de contribuir para a obten­~ao da verdade, quando seja prejudicial para 0 acusado, mas tampouco pode impedir a atividade jurisdicional de acordo com a norma.

o defensor no processo penal e 0 correlativo do acusador, na dialeti­ca processual dos contrarios, a momento da antitese24 e, como tal, indis­pensavel para a administra~ao da justi~a, como muito bern sou be desta­car 0 art. 133 da Constitui~ao Federal. A fun~ao do advogado e do debate­mesmo e criar a duvida, porque 0 fundamental e que 0 juiz duvide. Na celebre expressao de Carnelutti: Ah do juiz que naa duvide!

Se no processo civil a defesa pode ser considerada como uma cargo processual da parte, 0 mesmo nao ocorre no processo penal, onde a defe­sa tecnica assume 0 carater de obrigo~ao de carater publico, urn autenti­co direito fundamental do individuo contra a Estado. Nao existe a possibi­lidade de levar adiante urn processo criminal sem a presen~a de urn defen­sor tecnico e a inercia do sujeito passivo em indica'lo obriga a juiz a nomear urn defensor dativo.

22 HEINZ GOSSEL, Karl. EI Defensor en el Proceso Penal, p. 17. 2J EI Defensor en el Proceso Penal, p. 28. 24 GUARNI€RI. ab. dt.! p. 328.

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B) GARANTIAS DO DEFENSOR

Para exercer sua atividade com plena eficacia, 0 defensor deve rodeado de uma serie de garantias que the permitam uma completa pendencia e autonomia em rela~ao ao juiz, promotor e a autoridade cial. Neste sentido, a Constitui~ao brasileira disp6e, no art. 1 advogado e indispensavel a administra~ao da justi~a, sendo invioldvel seusatos e manitesta~6es no exercicio da protissao, nos limites da

A regulamenta~ao do dispositivo constitucional encontramos na Lei <

8.960{94, que disciplina a atividade profissional do advogado. ' -outras importantes garantias, destacamos algumas contidas no art. 72:

, • comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, sem procura~ao, quando estes se acharem presos, detidos ou lhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que conside'," rados incomunicaveis; -

• ingressar livremente nas salas e dependencias de audiencias, secrec' tarias, cartorios, oficios de justi~a, servi~os notariais e de registr6:;'; e, no caso de delegacias e prisoes, mesmo fora da hora de expe:, diente e independente da presen~a de seus titulares; ,

• examinar, em qualquer orgao dos Poderes Judiciarios e Legislativo, ou da Administra~ao Publica em geral, autos de processos findos ou ' em andamento, mesmo sem procura~ao, quando nao estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenc;ao de capias, podendo tomar apontamentos;

• examinar em qualquer repartic;ao policial, mesmo sem procurac;ao, autos de flagrante e de inquerito, findos ou em andamento, ainda que" conclusos a autoridade, podendo copiar pec;as e tomar apontamentos:'

Destacamos que nao existe sigilo para ci advogado no inquerito poli­cial e nao the pode ser negado 0 acesso as suas pec;as nem ser negado 0

direito a extrac;ao de capias ou fazer apontamentos. Neste senti do, deci­diu muito bem 0 Tribunal de Alc;ada de Sao Paulo:25

Estatuto do OAB (art. 79 , XIV) Assegura a Extra~ao de Copias reprograticas de Inqw!rito Policial. UqUida e certo a direito do impetrante a extrac;ao de copias reprograticas de inqw!rito poli­cial que apura crime de estelionato. Correta a decisao que con­cedeu a seguranc;a impetrada par advogado que pleiteava a

2S TACrimjSP, Recurso de Qfjdo ntt 1140427/9, Barueri, llil Camara, ReI. ]uiz Wilson Barreira, j. 19/4/1999.

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Siste(l1as de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

extrac;ao de copias reprogrdticas de inquerito policial. Direito assegurado no art. 7", XlV, da Lei n2 8.,906/94.

Para finalizar, (j desrespeito as prerrogativas profissionais do advoga· do pode ser remediado atraves de Mandado de Seguran~a e constitui, em ultima arialise, uma afronta a propria Ccinstitui~ao, que considera sua ati· vidade indispensavel a administrac;ao'dajusti~a. Ainda que prolatada con· tra ato de uma Comissao Parlamentar de Inquerito, entendemos que a decisao db STF a seguir transcrita e perfeitamente aplicavel ao inquerito

, policial, senao vejamos: 26

COMISSAO PARLAMENTAR DE INQUERITO. ADVOGADO. DIREITO DE VER RESPEITADAS AS PRERROGATIVAS DE ORDEM PROFISSIONAL

INSTITUiDAS PELA LEI N2 8.906/94. MEDIDA LlMINAR CONCEDIDA. A Comissao Parlamentar de Inquerito, como qualquer outro 6rgao do Estado, nao pode, sob pena de grave transgressiio a Constituic;iio e as leis da Republica, impedir, dificultar ou frustrar 0 exercicio, pelo Advogado, das prerrogativas de ordem profissional que lhe

toram outorgadas pela Lei n2 8.906/94.0 desrespeito as prerroga· tivas - que asseguram, 00 Advogado, 0 exercicio livre e indepen· dente de sua atividade protissional -constitui inaceitavel of ens a 00 estatuto juridico do Advocacia, pais representa, na perspecti­va de nosso sIstema normativo, um ato de inadmissivel afronta ao pr6prio texto constitucional e 00 regime das liberdades publicas nele consagrado. Medida liminar deferida.

III. AUTODEFESA POSITIVA E 0 INTERROGATOR10 POliCIAL

Junto a defesa tecnica, existem tambem atua~oes do sujeito passivo no sentido de resistir pessoalmente a pretensao estatal. Atraves destas atua­c;6es, 0 sujeito atua pessoalmente, defendendo·se a si mesmo como indivi· duo singular, fazendo valer seu criterio individual e seu interesse privado,27

A chamada defesa pessoal ou autodefesa manifesta-se de varias for­mas, mas encontra no interrogatorio policial e judicial seu momenta de maior relevancia.

26 MS nO. 23.576-DF, ReI. Min. Celso de Mello, publlcada no DJU de 7/12/1999 e no Informativo do STF nO. 174

27 FOSCHINI, Gaeta~o. L'Imputato, pp. 27 e seguintes.

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~ Classificamos a autodefesa, a partir de seu carater exterior, como atividade positiva ou negativa. 0 interrogatorio eo momento em que 0

to passivo tem a oportunidade de atuar de forma efetiva - comissao expressando os motivos e as justificativas ou negativas de autoria ou materialidade do fato que se the imputa. Ao lado deste atuar que supoe intelTogatorio, tambem e passivel urna completa omissao, um atuar YO, atraves do qual 0 imputado nega-se a declarar. Nao so pode negar-se declarar, como tambem pode negar-se a dar a mais minima contribui~ao a atividade probatoria realizada pelos ergaos estatais de investiga~ao, ocorre nas interven~6es corporais, reconstitui~ao do fato, fornecer materiel escrito para a realizac;ao do exame grafotecnico etc. Empregamos 0

amissaa para designar a conduta diversa da esperada ou solicitada, como explica 0 direito penal, no mundo fisico nao existem omiss6es, mas atuar diverse do exigi do.

Tambem a autodefesa negativa reflete a disponibilidade do proDrio conteudo da defesa pessoal, na medida em que 0 sujeito passiv~ pode plesmente negar-se a declarar. 5e a defesa tecnica deve ser indisponivel; a autodefesa e renunciavel. A autodefesa pode ser renunciada pelo topassivo, mas e indispensavel para 0 juiz, de modo que 0 orgao jurisdi- ' cional sempre deve conceder a oportunidade para que aquela seja exerci-: da, cabendo ao imputado decidir se aproveita a oportunidade para seu direito de forma ativa ou omissiva.

A autodefesa positiva deve ser compreendida como 0 direito disponi vel do sujeito passiv~ de praticar atos, declarar, constituir defensor, meter-se a interven~6es corpora is; ~ participar de acareac;6es, reconhecF'; mentos etc. Em suma, praticar atos dirigidos a resistir ao poder de invps/i tigar do Estado, fazendo valer seu direito de liberdade.

Indepen'dente do nome que se de ao ate (interrogatorio policial;i'; declarac;6es policiais etc.), 0 que e inafastavel e que ao sujeito passiv'o devem ser garantidos os direitos de saber em que qualidade presta declarac;oes,28 de estar acompanhado de advogado e, ainda, de reserva se 0 direito de so declarar em juizo, sem qualquer prejuizo. 0 art. 5", LV;', da CB e inteiramente aplicilvel ao IP. 0 direito de sHencio, ademais ", estar conti do na ampla defesa (autodefesa negativa), encontra abrigo art. 5", LXIII, d~ CB, que ao tutelar 0 est ado mais grave (preso) obviamenii te abrange e e aplicavel ao sujeito passivo em liberdade.

28 E censuravel a praxis palicial de tamar declara<;6es sem infonnar se a pessoa que as presta 0 como informantejtesternunha au como suspelto, 5ubtraindo~lhe ainda 0 direito de silencio eden garantias do sujeito passlvo, E uma patente viola~ao do contradit6rio (direito a ser inFormado) do direito de defesa. Ambos estao previstos no alt. SII, l", e se aplicam aD inquerito pollcia].

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Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

A presenc;a do defensor no momenta das declara~6es do suspeito frente it autoridade policial e imprescindivel. 0 art. sQ, LXIII, da Cons­titui~ao assegura a assistencia de defensor no interrogatorio do preso e entendemos que esse inciso, combinado com 0 LV, permite afirmar que essa garantia deve ser estendida a toda pessoa submetida ao interrogate­rio, independente deestar preso ou em liberdade. Tendo em vista a res­tric;ao imposta pelo art. 187 do CPP, 0 defensor nao pode formular pergun­tas ou influir nas respostas do interrogando, 0 que acaba transformando­oem um'''convidado de pedra". Para amenizar esse grave inconveniente, e fundamental que se the assegure 0 direito de manter uma entrevista previa e reservada com 0 sujeito passiv~, para somente aposa orienta~ao do defensor ser procedida a tom ada de declarac;oes.

o dispositivo exige, ainda, que 0 ato seja praticado com observancia das disposi~6es legais que disciplinam 0 interrogatorio judicial e que 0

termo seja firmado por duas testemunhas de leitura. Essas testemunhas nao necessitam presenciar 0 ate em si mesmo, de modo que nao sao fon­tes dignas para saber se 0 ato foi realizado com as devidas garantias e respeito ao imputado ou nao. E importante levar isso ~ em consideraC;ao naqueles interrogatorios que se produzem sem a presenp de defensor (e sao muitos os casos). Essas pessoas simplesmente testemunham que ouvi­ram a leitura, na presen~a do sujeito passivo, do termo do interrogato­rio. Tampouco sao raros os casos em que as assinaturas sao colhidas pos­teriormente, de pessoas que nao presenciaram a leitura, ou mesmo que pertencem aos quadros da policia. Essas agressoes it forma e as garantias do sujeito passiv~, ainda hoje acontecem porque existe 0 perigoso enten­dimento de que "eventuais irregularidades" do lnquerito nao alcan~am 0

processo. 0 problema esta em que, na sentenc;a, esse ate irregular influi no convencimento do juiz, ate porque integra os autos do processo e pode ser "cotejado" com a prova judicialmente colhida, em claro prejui­zo para 0 acusado.

Mais grave ainda e a situa~ao do preso temporario, que fica a dis­posi<;ao da polieia por um longo periodo, em que 0 cansa,o, 0 medo, 0

desfmimo levam a uma situa<;ao de absoluta, hipossuficiencia. Inegavelmente, a confissao obtida em uma situa<;ao como essa exige um minimo de sensibilidade e bom senso do juiz, que deve valorar tal ate com s,uma cautela. Inclusive, entendemos que um juiz consciente deve­ria considerar essa confissao como juridicamente imprestavel, pois e patente 0 vieio de vontade. Ademais, 0 interrogatorio policial est a den­tro do que anteriormente definimos como meras atas de investiga~aa, sem valor probatorio no processo.

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Outro aspecto criticavel e utilizar a termo indiciado quando nao se produziu 0 indiciamento. Isto e decorrencia, em realidade, grave lacuna legislativa sobre a figura do indiciamento, gerando 0 absoluto confusionismo sobre 0 momenta em que se produz e que juridicos gera (direitos e cargas).

Com rela~ao ao valor probatorio do interrogatorio, propugnamos um modelo garantista, em que 0 interrogatorio e orientado pela de inocencia, visto assim como 0 principal meio de exercieio da sa e que tem, por isso, a fun~ao de dar materialmente vida ao contraditnc, rio, permitindo ao sujeito passiv~ refutar a imputa~ao au aduzir tos para justificar sua conduta. 29 Especificamente na investiga~ao prelim;' nar, 0 interrogatorio deve estar dirigido a verificar se existem ou nao vos suficientes para a abertura do processo criminal. Dentro da logica orienta a fase pre'processual, a eventual confissao obtida neste moment, tem um valor endoprocedimental, como tipico ate de investiga~ao e ate de prova, servin do apenas para justificar as medidas adotadas neste., momenta e justificar a processo ou 0 nao·processo.

Pellegrini GrinoverJO explica que atraves do interrogatorio a juiz (e a' polieia) pode tomar conhecimento de elementos uteis para a descoberta ' da verdade, mas nao e para esta finalidade que 0 interrogatorio orienta do. Pode constituir fonte de prova, mas nao meio de prova. outras palavras, 0 interrogatorio nao serve para provar a ver~ade, ',,"'C',,, para fornecer outros elementos de prova que possam conduzir a verdade "". ,I., juridicamente valida e perseguida no processo penal.

A propria Exposir;ao de Motivos do CPP, ao falar sobre as provas, UOL,.,

categoricamente que a propria contissao do acusado nao constitui, tatal-, mente, prova plena de sua culpabilidade. Todas as provas SaO reIativas; nenhuma delas tera, ex vi legis, valor decisivo, au necessariamente maior ',: prestigio que outra. Em suma, a confissao nao e mais, felizmente, a rai­nha das provas, como no processo inquisitivo medieval. Nao deve mais ser buscada a todo custo, pois seu valor e relativo e nao goza de rTlaior pres' tigio que as demais provas.

o interrogatorio deve ser um ate espontaneo, livre de press6es au torturas (fisicas ou mentais). E necessario estabelecer um limite maximo para a busca da verdade e para isso estao os direitos fundamentais. Por isso, hoje em dia, 0 dogma da verdade material cedeu espa~o para a ver­dade juridicamente valida, obtida com pleno respeito aos direitos e ga-

29 FERRAJOLI, Luigi. Oerecho y Raz6n, p. 608. )0 "Pareceres - ProcessQ Penal'.', in a ProcessQ em Evolu~ao, pp. 343 e seguintes.

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SIStemas de Investiga,ao Preliminar no Processo Penal

rantias fundamentais do sujeito passiv~ e conforme os requisitos estabe­lecidos na legisla<;:ao. Como conseqiienda, as metodos "tocados por um certo charlatanisrno", como classifica· Guarnieri, 31 devem ser rejeitados no processo penal. Assim, nao deve ser aceito a interrogatOrio mediante hipnose, pais, e um metoda tecnicamente inadequado e inclusive perigo­so, pois, estando a hipnotizado disposto a aceitar qualquer .sugestao, dire­ta ou indireta do hipnotizador, nao podeser considerado digno de fe, inclusive porque podeser conduzido para qualquer sentido.

Tambem devem se( recha<;:ados, por insuficientes e indignos de con­fian<;:a, os metodos quimicos ou fisicos. No primeiro grupo encontram-se as cham ados "soros da verdade", que, como explica Guarnieri, sao barbitu­ricos injetados intravenosamente juntamente com outros estupefacientes, anestesicos ou hipnoticos, que provocam um estado de inibi<;:ao no sujei­to, permitindo que 0 experto - mediante a narcoanalise - conhe~a 0 que nele existe de reprimido ou 0cWto.

Como metodo fiSico, os detetores de mentira sao aparelhos mecanicos que marcam a tra<;:ado do batimento cardiaco e, da respira<;:ao, e, confor­me 0 tempo de rea<;:ao as perguntas dirigidas ao interrogando, permitiriam assinalar as falsidades em que incorreu. Conforme 0 intervalo das rea<;:6es, o experto poderia definir, em linhas gerais, um padrao de comportamento para as afirma<;:6es "verdadeiras" e outro para as supostas "mentiras"'.

Ambos os metodos nao sao dignos de confian~a e de credibilidade, de modo que nao pod em ser aceitos como meios de prova juridicamente vali­dos. Ademais, sao atividades que violam a garantia de que ninguem sera submetido atortura nem a tratamento desumano ou degradante, previs­ta no art. sq, II, da CB.

Concluindo e sempre buscando um modele ideal melhor que a atual, entendemos que 0 interrogatorio deve ser encaminhado a permitir a defeo­sa do sujeito passiv~ e, par isso, submetido a toda uma serie de regras de lealdade processual,J2 que podem ser aSsim resumidas:

a) deve ser realizado de forma imediata, ou, ao menos, num prazo razoavel apos a prisao;

b) presen~a de defensor, sendo-lhe permitido entrevistar-se previa e reservadamente com 0 sujeito passivo;

,c) comunica<;:ao verbal nao so das imputa<;:6es, mas tambem dos argu­mentos e resultados da investiga<;:ao e que se oponham aos argu­mentos defensivos;

31 Las Partes en el Proceso Penal, p. 299. 32 Em alguns pontos nos baseamos em FERRAJOLl, Derecho y Raz6n, p. 60B.

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d) proibi~ao de qualquer promessa au pressao direta au indireta a imputado para induzi-lo ao arrependiment9 au a colaborar investiga~ao;

e) respeito ao direito de silencio, livre de press6es ou coa~6es; f) tolerancia com as interrup~6es que a sujeito passivo solicite ' ___ ....

no curso do interrogatorio, especialmente para instruir·se com -­. defensor; g) permitir·lhe que indique elementos de prova que comprovem

versao e diligenciar para sua apura~ao; h) nega~ao de valor decisivo a confissao.

IV. AUTODEFESA NEGATIVA

A) DIREITO DE SllENCIO

o interrogatorio deve ser tratado como um verdadeiro ato de defesa, em que se da oportunidade ao imputado para que exer,a sua defesa pes'::.;' soal. Para isso, deve ser considerado como um direito e nao como dever ;.~;: assegurando·se a direito de silencio e de nao fazer provacontra si mesmo sem que dessa inercia resulte para 0 sujeito passivo qualquer prejuizo:),; juridico. Alem disso, en'tendemos que deve ser visto como um ate livre qualquer pressao ou amea,a.

Quando 0 imputado submete-se a algum ate destinado a constit uma prova de cargo, colaborando com a acusa,ao, essa atividade deve ser considerada como autodefesa positiva, mas sim como renuncia'" a autodefesa negativa, pois neste caso 0 imputado deixa de exercer seu',!' direito de nao colaborar com a atividade investigatoria estatal (e a pro­pria acusa,ao em ultima analise).

o direito de silencio esta expressamente previsto no art. 5Q, LXIII, da -" CB (0 preso sera informado de seus direitos, entre os quais 0 de perma,

,necercalado ... ). Parece-nos inequivoco que 0 direito de silencio aplica-se tanto ao sujeito passivo preso como tambem ao que esta em liberdade. Contribui para isso a art. 8.2, g, da CADH, onde se pode ler que toda pes­soa (logo, presa ou em liberdade) tem 0 direito de nao ser obrigado a depor contro si mesma nem a declarar-se culpada.

Ao estar assegurado 0 direito de silencio sem qualquer reserva na Constitui,ao e na Conven,ao Americana de Direitos Humanos, par logica juddica, 0 sistema interne nao pode atribuir ao seu exercicio qualquer prejuizo. Seria uma flagrante ilegalidade. Por isso, esta revogada a ultima parte do art. 186 e tambem do art. 198 do CPP.

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Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

o direito de calar tambem estipula um novo dever para a autoridade policial ou judicial que realiza 0 interrogatorio: 0 de advertir 0 sujeito pas­sivo de que nao esta obrigado a responder as perguntas que lhe forem ,fei­tas. Se calar constitui um direito do imputado e ele tem de .ser informado do alcance de suas garantias, passa a existir a correspondente dever do orgao estatal a que assim a informe, sob pena de nulidade do ato por viola­,ao de uma garantia constitucional. Nesta mesma linha decidiu 0 STF:33 .

INFORMA(AO DO DIREITO AD SILENCIO (CONST., ART. 52, LXI/I): RELEVANClA, MOMENTO D~ EXIGIBILIDADE, CONSEQDEN­ClAS DA OMISSAO: ELiSAO, NO CASO, PEW COMPORTAMENTO PROCESSUAL DO ACUSADO.

I. 0 direito a informOl;ao da faculdade de manter-se silente ganhou dignidade constitucional, porque instrumento insubsti­tuivel da eficacia real davetusta garontia contra a auto-incrimi­no,lio que a persist{mcia planetaria dos abusos policiais nlio deixa perder atualidade.

II. Em principio,ao inves de constituir desprezivel irregulari­dade, a omisslio do deverde informa,lio ao preso dos seus direitos, no momento adequado, gera efetivamente a nulidade e impoe a desconsidero,lio de todas as informa,oes incriminatorias dele 'anteriormente obtidas, assim como das provas delas derivadas •.

III. Mas, em materia de direito ao sili!ncio e Q informa,lio oportuna dele, a apura,Qo do grovame M de fazer-se a partir do comportamento do reu e da orienta,lio de sua defesa no proces­so: 0 direito Q informa,lio oportuna da faculdade de permanecer calado visa a asseguror ao acusado a livre op,lio entre 0 sili!ncio _ que faz recair sobre a acusa,lio todo 0 onus da prova do crime e de sua responsabilidade - e a interven,lio ativa, quando ofe­Tece verslio dos fatos e se propoe a prova-Ia: a op,lio pela inter­ven,lio ativa implica abdica,lio do direito a manter-se calado e das conseqiii!ncias da falta de informa,lio oportuna a respeito.

0' direito de silencio e apenas uma manifesta<;ao de uma garantia muito maior, insculpida no principio nemo tenetur se detegere, segundo.Q qual 0 sujeito passiv~ nao pode sofrer nenhum prejuizo juridico por omi­tir-se de colaborar em uma atividade probatoria da acusa<;ao.

33 He n2 78.708-SP, Ret Min. Sepulveda Pertence, publicado no Informativo do STF, nil. 141.

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Com explica Ferrajoli,34 0 principio nemo tenetur se detegere e a pri- _ meira maxima do garantismo processual acusat6rio, enunciada por Hobbes e recepcionada, a partir do seculo XVII, no direito ingles. Dele seguem-se, comocorolarios, na li~ao de Ferrajoli:

a) a proibi~ao da tortura espiritual,' como a obriga~ao de dizer a ver­dade;

b) 0 direito de silencio, assim como a faculdade do imputado de fal­tar com a verdade nas. suas respostas;

c) a proibi~ao, pelo respeito devido a pessoa do imputado e pela inviolabilidade da.sua consciencia, nao s6 de arrancar a confissao com violencia, senao tambem de obte-la mediante manipula~6es psiquicas, com drogas ou praticas hipnoticas;

d) a conseqiientenega~ao de papel decisivo das confissoes; e) 0 direito do imputado de ser assistido por defensor no interrogatorio,

para impedir abusos ou quaisquer viola~6es das garantias processuais.

Destarte, atraves do principio do nemo tenetur se detegere, 0 sujei­to passiv~ nao pode ser compelido a declarar ou mesmo participar de qual­quer atividade que possa incrimimi-lo ou prejudicar sua defesa. Nao pode ser compelido a participar de acarea~oes, reconstitui~6es, fornecer mate­rial para realiza~ao de exames periciais(exame de sangue, DNA, escrita etc.) etc. Sendo a recusa um direito, obviamente nao pode ao mesmo tempo ser considerado delito, comomuito bern decidiu 0 STF:35

HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIENCIA. RECUSA A FOR­NECER PADROES GRAFICOS DO PROPRIO PUNHO, PARA EXAMES PERICIAIS, VISANDO A INSTRUIR PROCEDIMENTO INVESTIGATORIO DO CRIME DE FALSIFICA(AO DE DOCUMENTO.NEMO TENETUR SE DETEGERE.

Diante do principia nemo tenetur sedetegere, que informa o nosso direito de punir, Ii fora de duvida que 0 dispositivo do inciso IV do art. 174 do Codigo de Processo Penal hd de ser inter­pretado no sentido de nao poder ser 0 indicia do compelido a for­necer padroes graficos do proprio punho, para os exames peri­ciais, cabendo apenas ser intimado para faze-lo a seu alyedrio.

E que a compara~ao grafica configura ate de carMer essen­cialmente probatorio, nao se podendo, em face do privi/f!gio de que desfruta 0 indicia do contra a auta-incriminar;ao, obrigar 0

34 Derecho y Razon, p. 608. 3S He n2 n.13S-SP, ReI. Min. I1mar Galvao, j. 8/9/199B, publieado no InformatiVD do STF, nO. 122 e 130.

320

Sistemas de Investigac;ao Preliminar no Processo Penal

suposto autor do delito a tornecer prova capaz de levar ci carac­teriza~ao de sua culpa.

. . Assirn, pode a autorfdade nao so fazer requisir;ao a arquivos ou estabelecimentos publicos, onde se encontrem documentos da pes­soa ci qual e atribuida a letra, ou proceder a exame no proprio lugar onde se encontrar 0 documento em questiio, ou ainda, e certo, pro­ceder ci colheita de material, para 0 que intimara a pessoa, a quem se atribui ou pode ser atribuido 0 escrito, a escrever 0 que lhe for ditado, nao lhe cabendo, entretanto; ordenar que 0 far;a, sob pena de desobediencia, como deixa transparecer, a um apressac!o exame, o CPp, no inciso IV do art. 174. Habeas corpus concedido.

A garantia e aplicavel nao so ao inquerito policial, mas tambem ao procedimento investigatorio levado a cabo por uma Comissao Parlamentar de Inquerito (CPI), como decidiu 0 STF,36 ReI. Min. Celso de Mello, Ii minar­mente, no HC nO 79.812-8-SP:

COMISSAO PARLAMENTAR DE INQUERITO. PRIVILEGIO CON­TRA A AUTO-INCRfMINA(AO. DIREITO QUE ASSISTE A QUALQUER INDfClADO OU TESTEMUNHA. IMPOSSIBILIDADE DE 0 PODER PUBLICO IMPOR MEDIDAS RESTRITIVAS A QUEM EXERCE, REGULAR­MENTE, ESSA PRERROGATIVA. MEDIDA LlMINAR CONCEDIDA.

o privHegio contra a auto-incriminci~ao - que e plenamente invocavel peran'te as Comissoes Parlorrientares de Inquerito - tra­duz dire ito publico subjetivo assegurado a qualquer pessoa que deva pres tar depoimento perante orgaos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do PiJder Judiciario.

o exercicio do direito de permanecer em silencio nao auto­riza os orgaos estatais a dispensarem qualquer tratamento que implique Testri~ao ci esfero Juridica daquele que'regularmente invocou essa prerrogativa fundamental. Precedentes.

Ninguem pode ser tratado como culpado, independentemente da natureza do ilicito penal que lhe possa ser atribuido, sem que exista decisao judicial condenatoria transitada em julgado. 0 prin­cipio constitucional da nao-culpobilidade consagra, em no,;;o siste., ma juridico, uma regra de tratamento que impede d Poder Publico de agir e-de se comportar, em relac;fio ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao reu, como se estes jd houvessem sido condenados definitivamente por senten~a do Poder Judiciario. Precedentes.

36 Publicado no Informativo do 5TF, n!l. 174.

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Page 173: Aury lopes jr   sistemas de investigacao preliminar no processo penal

Aury Lopes Jr.

Como muito bem aponta 0 Min. Celso de Mello na sua decisao, qualquer _.~ pessoa que sofra investigac;aes penais, policiais au parlamentares, astentan· i do, au nao, a candic;ao formal de indiciado, possui, dentre as varias prerro­gativas que Ihe sao constitucianalmente asseguradas, 0 direito de permane­cer em silencio, consoante reconhece a jurisprudencia do Supremo Tribunal Federal (RTJ 141/512, Rei. Min. Celso de Mello). Esse direito, na realidade, e plenamente oponivel ao Estado, a qualquer de seus Poderes e aos seusres­pectivos agentes. Atua, nesse sentido, como poderoso fator de limitac;ao das proprias atividades de investigac;iio e de persecuc;ao desenvolvidas pelo Poder Publico (Polleia juaicidria, Ministerio Publico, Juizes, Tribunais e Comissaes Parlamentares de fnquerito, p. ex.). Cabe registrar que a c1ausu­la legitimadora do direito ao silencio, ao explicitar, agora em sede constitu­cional, a postulado segundo 0 qual Nemo tenetur se detegere, nada mais fez senao consagrar, desta vez no ambito do sistema normativo instaurado pela Carta da Republica de 1988, diretnz fundamental proclamada, desde 1791, pela Quinta Emenda que campoe a Bill-<lf Rights norte-americana.

Em suma, 0 interrogatorio deve ser concebido como um ato predomi­nantemente de defesa, em que 0 imputado comparece livre de press6es e pode exercer seu direito de silencio sem que 0 ordenamento juridico possa prever prejuizos juridicos para 0 exercicio deste direito ou mesmo presun­C;Des de veracidade dos fatos, posto que uma presunc;ao de tal natureza e inconcebivel no processo penal porque contn\ria a presunc;ao de inocencia.

B) AUTODEFESA NEGATIVA, INTERVEN~OE5 CORPORAlS E PROPORCIONALIDADE

As provas geneticas desempenham um papel fundamental na moder­na investigac;ao preliminar e pod em ser decisivas no momento de defmir ou excluir <l autoria de um delito. Entretanto, sua eficacia esta condicio­nada, em muitos casos, a uma comparac;ao entre 0 material encontrado e aquele a ser proporcionado pelo suspeito.

Nao existe problema quando as celulas corporais necess~rias para realizar, v. g., uma investigac;ao genetica, encontram-se no proprio lugar dos fatos (mostras de sangue, cabelos, pelos etc.), no corpo ou vestes da vitima ou em outros objetos. Nestes casos, poderao ser recolhidas normal­mente, utilizando os normais instrumentos juridicos da investigac;ao preli­minar, como a busca e/ou apreensao domiciliar ou pessoal. Como aponta Gossel,37 a obtenc;ao de celulas corporais na roupa do suspeito (camisa

37 "Las Investigaciones Gefll2ticas como Objeto de Prueba en e/ Proceso Pena!", In Revista del Ministerio Fiscal, nll 3, janeiro/junho de 1996, p. 147. .

322

Sistemas de Investigat;ao Preliminar no ProcesSQ Pellal

manchada de sangue, com cabelos ou a roupa interior com celulas de semen etc.) ou na sua casa, por exemplo, nas vestes nao utilizadas no momento do delito, roupa de cama ou ourros objetos de sua propriedade, poderao ser obtidos sem problemas, utilizando a busca e/ou apreensao previstas no art. 240 e seguintes do CPP.

Da mesma forma, havendo 0 consentimento do suspeito, podera ser· realizada qualquer especie de intervenc;ao corporal, pois 0 conteudo da. autodefesa e disponivel e, assim, renunci<\vel.

o problema est<i quando necessitamos obter as celulas corporais dire­tamente do organismo do sujeito passivo·e este recusa-se a colaborar. Se no processo civil 0 problema pode ser resolvido por mehda carga da prova e a presunc;ao de veracidade das afirmac;6es nao contestadas, noproces­so penal a situac;ao e muito mais complexa. 0 sujeito passivo encontra-se protegido pel a presunc;ao de inocencia e a totalidade da carga probatoria . esta nas maos do acusador. Desta situac;ao trataremos na continuac;ao.

a) Argumentos contrarios a intervenc;ao corporal sem 0 consentimento do imputado

Odireito de defesa, especial mente sob 0 ponto de vista negativo, nao pode ser limitado, principalmente porque a seu lado existe outro princi­pio basico, muito bem apontado por Carnelutti: 3B a carga da prova da existencia de todos os elementos positiv~s e a ausencia dos elementos negativos do delito incumbe a quem acusa. Por isso, 0 sujeito passiv~ nao pode ser compelido a auxiliar a acusac;ao a liberar-se de uma carga que nao lhe incumbe.

Submeter 0 sujeito passivo a uma intervenc;ao corporal sem seU con­sentimento e 0 mesmo que autorizar a to!'tura para obter a confissao no interrogatorio quando 0 imputado cala, ou seja, um inequivoco retrocesso.

Junto ao direito de defesa, existem outros direitos fundamentais que disp6em sobre a tutela da integridade fisica e que impedem as interven­c;6es corporais sem 0 consentimento do imputado. Dessarte, assegura a Constituic;ao:

• 0 direito a vida (art. 5"); • ninguem sera obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

senao em virtude de lei (art. 52, II); • ninguem sera sUbmetido a tortura, nem a tratamento desumano au

degradante (art. 5", III);

38 Lecclones sabre el ProceSD penal, vol. II, p. 180.

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Aury Lopes Jr.

• sao inviolaveis a intimidade, a vida privada, it honra e a imagem pessoas, assegurado 0 direito it indeniza~ao pelo dana material ou moral decorrente de sua viola~ao (art. 52, X);

• s'ao inadmissiveis,. no processo, as provas obtidas por meios ilicitos (art. 5Q

, LVI);

Consultando a jUrisprudencia do STF, encontramos algumas importan· tes decis6es sobre a interven~ao corporal para a realiza~ao da prova de DNA em a~6es de investiga~ao de paternidade. Julgando 0 HC 71.373·RS, 10/11/1994, 0 Min. Francisco Rezek (relator) assim manifestou-se:

INVESTIGA(AO DE PATERNIDADE - EXAME DNA ~ CONDU(AO DO REU DEBAIXO DE VARA. Discrepa, a mais nao poder, de garan­tias constitucionais implicitas e explicitas - preservaC;ao da dig­nidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do imperio da lei e da inexecuc;ao especifica e direta de obrigaC;ao de fazer - provimento judicial que, em aC;ao civil de investigaC;ao de paternidade, imptique determinac;ao no sentido de 0 niu ser conduzido ao laboratorio, "debaixo de vara", para coleta do material indispensQvel Ii feitura do exame DNA. A recu­sa resolve-se no plano juridico-instrumental, consideradas a dog­matico, a doutrina e a jurisprudencia, no que voltadas ao destin­de das questoes Jigadas Q prova dos fatos.

Em outra oportunidade, HC-76060-SC, Rel. Min. Sepulveda Pertence (OJ 15/5/1998), assim manifestou-se 0 STF:

324

DNA: submissao compulsoria ao fornecimento de sangue para a pesquisa do DNA: estado da questao no direito compara­do: precedente do STF que tibera do constrangimento 0 n!u em aC;ao de investigaC;ao de paternidade (HC 71.373) e 0 dissenso dos VOtDS vencidos: deferimento, nao obstante, do HC na especie, em que se cuida de situac;ao atipica na qual se pretende - de resto, apenas para obter prova de reforc;o - submeter ao exame o pai presumid6, em processo que tem por objeto a pretensao de tereeiro de ver-se declarado 0 pai biologieo da crianc;a nascida na constdncia do casamento do paciente: hipotese na qual, Q luz do principio da proporcionatidade ou da razoabilidade, se impae evitar a afronta Ii dignidade pessoal que, nas circunstdncias, a sua participac;llo na pericia substantivaria.

Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

Ainda que nao tenhamos encontrado decis6es na .esfera penal, pare­ce-nos inequivoco que no STF predomina 0 entendimento de que devem prevalecer as garantias constitucionais da dignidade, intimidade e inviola­bilidade do corpo humano .

Pode-se argumentar, ainda, que a restric;ao a esses direitos funda­mentais nao.pode ser realizada por .meio· de uma lei ordinaria, mas ape­nas par norma constitucional. Isto porque uma garantia constltucional de tal importancia somente pode ser limitada por uma norma de mesmo sta­tus juridico-constitucicmal, que devera preyer a possibilidade da restric;ao do direitp, outorgando a uma norma ordinaria a regulamentac;ao dentro dos limites constitucionais. .

Corrobora esse entendiniento 0 fato de que a limitac;ao de outros direitos fundamentais similares na~ se realiza apenas por norma ordinaria, senao que mereceram atenc;ao da constituic;ao. Como exemplo, podemos citar 0 direito a liberdade, cuja limitac;ao (cautelar ou defirtitiva) esttt expressamente prevista na Carta (art. 52, LVII e LXI da CB). No mesmo sen­tido, 0 dire ito ao sigilo das comunicac;6es esta expressamente restringido na constituic;ao (art. 52, XII) e regulamentado em norma ordinaria, da mesma forma que a inviolabilidade do domicilio (art. 52 XI).

No sistema brasileiro, hao existem disposic;6es constitucionais que prevejam a possibilidade de restric;ao do direito it vida e a integridade fisi­ca e moral e tampouco norm as ordinarias que disciplinem a materia. Essa omissao legislativa (constitucional e ordinaria) 02, a nosso ver, um obsta­culo insuperavel para que as intervenC;6es corporais - sem 0 consenti- . mento do sujeito passivo - possam ser realizadas.

b) Delitos graves, intervenc;6es sem dan os ou riscos e 0 principio da proporcionalidade

Atendendo ao bom senso, elemento indispensavel para a criaC;ao e aplicaC;ao do direito, devemos buscar um ponto de equilibrio, estabele­cendo um criterio que atenda a razoabilidade (pondera~ao e proporciona­lidade de bens e valores) para solucionar 0 conflito que se estabelece. Partindo dessa linha de raciocinio, 02 imperioso aceitar que devem ser tole­radas as interven~6es corporais que nao representam nenhum risco para 0

sujeito passiv~ e que tampouco possam ser qualificadas de humilhantes, quando 0 delito seja grave e nao exista outra forma de comprovar a auto­ria (ou algum outro pressuposto de responsabilidade).

32S

Page 175: Aury lopes jr   sistemas de investigacao preliminar no processo penal

Aury Lopes Jr.

Como aponta Gossel,39 as proVas geneticas alcan~am sua maxima rele­vancia juridico-processual na identifica~ao da autoria, na medida em que os metodos de identifica~ao genetica superam os convencionais metodos ;fI da investiga~ao datiloscopica. Tambem tern utilidade na prova dos pressul ": postos de responsabilidade penal (afirma~ao ou exch.isao da culpabilidade ' ou de causas de justifica~ao) e inclusive tern relevancia para a vitima (~ .. g., para demonstrar 0 nexo causal e a prova de uma enfermidade preexis­tente) ou testemunhqs (v. g., para aferir a capacidade de ver ou ouvir).

As celulas corporais contem 0 programa genetico global, sendo sufi· ciente, em muitos casos, a obten~ao absolutamente indolor e inofensiva de celulas em amostras de saliva ou mucos. Nestas situa~6es, entendemos que a proporcionalidade entre 0 meio utilizado e os benefkios do resulta­do final para a realiza~ao da justi~a permitem a extra~ao sem 0 consenti­mento do individuo.

Ainda, neste grupo de prova tecnica (DNA), atendendo a gravidade do delito e a impossibilidade de realizar a prova por outro meio, pod em ser permitidas a extra~ao de celulas corporais para a identifica~ao do material genetico global da pessoa, contido na raiz do cabelo, na pele ou na saliva."';·'~j'l' Tambem poderiam ser tolerados os exames m<§dicos ou radiologicos e outros de nqtureza amiloga e que nao causem nenhum dana ao individuo.

Em sentido contrario, devem ser recha~adas as medidas que possam comprometer a integridade- flsica ou mental do sujeito passivo,40 como a extra~ao de sangue41 e as medidas "quase-cirurgicas" como as pun~6es 10m' bares e outras tendentes a medir llquidos encefalorraquidianos. Tambem dey€' ser negada a extra~ao de semen sem 0 consentimento, porque para a obten­~ao do mesmo nao.existem meios de extra~ao indolor e inofensivo, alem do ..... - '. que os metodos utilizados constituem uma viola~ao a dignidade humana. .'.,'.' .II'

Em situa~6es extremas - mas que nao comprometam a saude -, pode' riamos admitir que 0 juiz determinasse a interven~ao corporal sem 0 con­sentimento do imputado, desde que concorram os seguintes elementos:

39 GOSSEL, Karl-Heinz, "Las Inves(igaciones GentWcas como Objeto de fa Prueba en el Proceso Pena!", in Rev;sta del Ministerio Fiscal, n!l. 3, janeirojjunho de 1996, p. 141. .

40 Limitamos a analise as situat;0es enfrentadas pelo sujeito passivo da investiga~ao preliminar, mas IS50 nao impede que as intervent;0es corporais possam ser realizadas na vitima, testemu­nhas au terceiros.

41 Com 0 desenvolvimento da medicina e das tecnicas de extrat;ao, a obtent;.3o de amostras de sangue e cada vez mais indolor. Com isso, a cada dia fica rna is dificil sustentar, com argumen-­tos jurfdicos e medicos suficientes, a imposslbilidade da extrat;ao sem 0 consentimento do Imputado, A tendencia e indulr a extrat;ao de sangue entre aquelas que 0 Indlviduo deve tole­rar. Neste sentido, 0 § 81 da StPO permite expressamente a obtent;ao de amostras de sangue con forme ~as regras da arte medica",

326 . .

Sistemas de Investiga,"o Preliminar no Processo Penal

nulla coactio sine lege, imp6e a eXistencia de uma norma proces­sual previa e que disponha ace rca dos casos em que sera admitida e a forma como sera realizada a interven~ao corporal;

• existir uma decisao judicial fundamentada; • 0 delito deve ser considerado grave; • deve existir um imputado determinado; • a interven~ao nao pode representar risco para a saude, sofrimento

'Fisico ou transtornos, ainda que transitorios, da saude fisica. ou mental do imputado;

• impossibilidade de comprovar a autoria por outro meio de prova menos danoso;

• quando realizada na investiga~ao preliminar, necessariamente deve ser produzida com as garantias da prova antecipada;

• como ocorre com a confissao, 0 resultado nao pode ser considera­do como prova absoluta da cUlpabilidade.

Analisando esses requisitos, verificamos que e imprescindivel a existen­cia de uma lex previa (nulla coactio sine lege) dispondo sobre os casos e a forma como deve ser realizada a. interven~ao (incluindo a medida restritiva da liberdade ambulatorial que sofrera 0 sujeito passivo)_ Nos casos em que nao existe nenhum risco para a saude, ·integridade fisica ou mental do sujei­to passiv~, seria possivel esse tipb de interven~ao coercitiva - sem previa autoriza~ao constitucional - mas necessaria mente deve existir uma norma processual que disponha sobre 0 tema.

Atualmente, predomina 0 entendimento de que os direitos funda­mentais nao sao absolutos e, em certos casos,' pod em ser limitados no pro­cesso penal. A cada dia tom a mais for~a a ideia da pondera~ao d!, bens juridicos e 0 principio da proporcionalidade. ° principio da proporcionalidade tern como ponto nevralgico a pon­dera,ao dos interesses em contlito e realiza uma importante missao na regulamenta~ao e aplica~ao das medidas limitativas de direitos fundamen­tais. Como ex plica Gonzalez-Cuellar Serrano,42 sua evolu~ao como princi­pio constitucional com transcend en cia no processo penal foi obra da juris­pruden cia , doutrina e legisla~ao alema. A primeira alusao ao principio teve lugar numa resolu~ao do deutscher journalistentag, tomada em Bremen, em 22 de agosto de 1875_ Na StPO, foi introduzjdo na reforma de 1964. A jurisprudencia alema outorgou status constitucional ao principio da propor­cionalidade, extraindo-o basicamente do principio de Estado de Direito e

42 proporcionalldad y Derechos Fundamentales en el Proceso Penal, p. 21.

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Aury Lopes Jr.

da essencia mesma dos direitos fundamentais, sem admitir, contudo, dito principio constituia, em si mesmo, um direito fundamental."

No processo penal, 0 principiO da proporcionalidade adquire impor­tfmcia na aplicaC;ao de instrumentos processuais que limitem os direitos fundamentais. Ao analis,Ho, Toledo BarrosM explica que as normas que:,; disp6em sabre os direitos fundamentais tem carater principioI6gico;; atuando no campo das situac;6es plausiveis e, por iSso, os direitos funda- ;j' mentais podem ser limitados pelo legislador ordim,!rio. A restriC;acr pode'" ,dar-se de tres form as distintas: '

• que a propria con'stituic;ao preveja a limitac;ao de forma expressa;, • que a constituic;ao outorgue 0 poder de restric;ao a uma norma ordi-

naria; • que a constituic;ao nao limite direta OU indiretamente 0 direito

damental.

No nosso estudo sobre 0 tema, interessa apenas 0 terceiro caso. Explica a autora que existe a possibilidade de uma intervenc;ao legislativa com ter restritivo, ainda que nao exista' outorga ou limitac;ao constitucional; Considera que os direitos fundamentais estabelecem posi,oes jurfdicas e, por iSso, podem ser objeto de ponderaC;ao em caso de aparente conflito com outros direitos fundamentais. Cabera ao orgao jurisdicional fazer a ponde' raC;ao de bens e interesses para determinar a aplicac;ao de um ou outro, direito e, por conseqliencia, limitar oa(cance do direito sacrificado. '" -"it('" ,J!)

Na Espanha,4s 0 Tribunal Constitucional (STC 11/1981) adotou Teoria de los Limites Innatos para explicar que frente a uma colisao direitos, deve-se ter em conta 0 conteudo essencial de cada um deles tratar de buscar sua coordenac;ao, evitando que um restrinja 0 outro, por;,,"',,"':!!! que a congruencia e a completude sao elementos essenciais do ordena-, mento juridico. Logo, nao existem conttitos de direitos fundamentais; senao que uns devem prevalecer sobre outros. E 0 que 0 Tribunal chamou de elasticidade dos direitos fundamentais, segundo 0 interesse coletivo.:'

A ausencia de estritos limites constitucionais para delimitar em que casos e como deve'um direito fundamental prevalecer sobre outro outor; ga ao orgao jurisdicional este poder de determinar, ante um caso concre: ' to, como deve harmonizar-se 0 sistema.

43 Idem, p. 51. 44 TOLEDO BARROS, S,uzana. principia da Proporcionalfdade, p. 959. 45 GIL HERNANDEZ, Angel. Intervenciones Corporales Y Derechos Fundamentales, pp. 26 e

seguintes.

328

Sistemas de Investiga~ao Preliminar no Processo Penal

Em definitivo, 0 direito fundamental poderia ser limitado par uma , norma ordinaria, mas e imprescindivel que exista uma norma processual

penal que discipline a materia. Exatamente neste primeiro pressuposto tropec;a '0 direito brasileiro,

que carece de um dispositivo similar ao § 81 da StPO, ou ao art. 171 do CPP portugues ou, ainda, aos arts. 244 e seguintes do CPP italiano, que, com maior ou men or profundidade, tratam do tema.

Disp6e 0 § 81, a, da StPO que pod era ser determinada pelo juiz ou pelo Ministerio Publico (em situac;ao de urgencia) a extrac;ao de sangue, sempre que:

• seja de importancia para 0 processo; • seja realizada por um meio segundo "as regras do saber me'dico"; • nao exista nenhum perigo para a saude (do imputado).

o CPP portugues nao dispoe acerca de nenhuma intervenc;ao corporal especifica, senao que de forma generica,em seus arts. 171 e 172, possi­bilita que, mediante decisao da autoridade judicial competente, sejam realizados "exames" em pessoas contra a sua vontade.

Tambem preve 0 CPP italiano, arts. 244 e 245, que a intervenc;ao sera determinada por meio de uma decisao judicial motivada, podendo ser efe­tuada por um medico, assegurando-se ao imputado a faculdade de ser assis­tido por uma pessoa de sua confianc;a e se realizara com respeito a dignida­de e, na medida do possivel, ao pud~r de quem seja objeto da inspec;ao.

No Brasil, existe urna grave lacuna legislativa sobre 0 tema, permitindo afirmar que nao existe uma norma processual que obedec;a os requisitos minimo; (sujeit%bjeto/atos) necessarios para disciplinar a materia.

Ad argumentandum tantum, ainda que existisse, entendemos que a prova obtida nestas condic;6es equivale a uma confissao e, como tal, nao temvalor decisivo nem maior prestigio que asdemais provas.

No que se refere as conseqliencias da recusa, entendemos que se trata de mais uma manifestac;ao da autodefesa negativa, logo, 0 regular exercicio do direito constitucional de nao fazer prova contra si mesmo. Acrescente-se, ainda, a presunc;ao de inocencia, como garantia da manu­tenc;ao deste status ate a sentenc;a condenatoria firme. Em definitiv~, aplica-se aqui 0 principio do nemo tenetur se detegere.

Mas devemos destacar que nos sistemas juridicos atuais existe uma tendencia em tratar a recusa de duas formas distintas, ambas prejudiciais ao imputado;

• permitir a coa~ao direta - se 0 afetado nao contribui - para levar a cabo a intervenc;ao corporal (v. g., Alemanha);

'.' 329

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• buscar a "colab<lra~ao" do imputado sob a amea<;:a de ser processa- / do pelo delito de desobediencia (v.g., Espanha e Fran~a).;"

No Brasil, felizmente esta afastada a coa~ao direta, mas vez por _ .. _-". alguem e processado pelo delito de desobediencia ao negar'se a con' com a autoridade estatal. A nosso juizo, e patente a atipicidade da ta ou mesmo a sua licitude, pelo exercicio regular de um direito.

Em suma, com base na pondera<;:ao QU proporcionalidade de bens interesses, seria possivel uma interven,ao corporal contra a vontade agente, ainda que a Constitui,ao nlio limite ou outorgue a uma nnrm!,;'

ordinaria 0 poder de restringir a esfera de prote<;:ao dos direitos mentais da defesa, da vida, intimidade e integridade corporal. Mas isso e imprescindivel a existencia de uma norma processual previa (que, como vimos, nao existe), que disponha Oli casos e a forma como deve" ser realizada a interven~ao corporal. Alem de existir uma norma, a limita~ , ~ao do direito fundamental deve ser determinado por decisao judicial fun' damentada e passivel de recurso. Nesta decisao judicial,como em todas as manifestac;iies do poder jurisdicional, devera predominar a razlio sobre o poder e, por isso, a motiva<;:ao devera destacar a ponderac;ao entre bern juridico a ser violado pela medida eos beneficios coletivos que serao

, obtidos (proporcionalidade). Influi no principio da proporcionalidade a gravidade do fato e a pos,',

sibilidade ou nao de sua averiguac;:ao por outro ,meio menos traumaticq para 0 sujeito passiv~ e essa ponderac;ao deveril constar na decisao judi', cial, para permitir ocontrole sobre 0 razoamento j'udicial. ,

Para encerrar, 0 magisterio sempre autorizado de Magalhaes Gomes,"'" -,,#,

Filho: 46

Mas, 0 que se deve contestar em rela~lio a essas intervenc;oes, ainda que minimas, e a viola,lio do direito a nlio auto·incriminaqlio e a liberdade pessoal, pois se ningUt?m pode ser obrigado a dec/a­rar-se culpado, tamMm deve ter assegurado oseu direito a nlio for· necer provas incriminadoros contra si mesmo. 0 direito a prova nlio vai 00 ponto de con/erir a uma das partes no processo prerrogativas sobre 0 proprio carpo e a liberdade de escalha da outra. Em mate- ,,\ ria civil, a questiio tem sido resolvida segundo as regras de divislio do onus do prova, mas no limbito criminal, diante do presum;lio de inocencia, nlio se pode constranger 0 acusado ao fornecimento des· 50S provas nem de sua negativa inferir a veracidade do fato.

46 Direito a Prova no Processo Pena/I p. 119.

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". 1 .1: >-

Conclus6es1

I. A evoluc;:ao historica do processo penal esta intimamente relaciona. da com ,a evoluc;ao da pena e reflete a estrutura politica do Estado em um determinado periodo. Nao pode haver pena sem aexist€mcia preVia, efeti. V;3 e total de um processo penal. 0 fato de ser 0 processo petial 0 caminho necessario para a pena determina a nota da sua instrumentalidade.

Com base na dupla fun<;:ao do direito penal (imposic;ao da pen a ao cul~ pado e prote<;:ao do inocente), em um Estado de Direito, 0 processQ penal deve procurar de um lado tornar viavel a aplicac;ao da penal e, por outro, servir como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades indio viduais, protegendo os individuos dos atos abusivos do Estado no exercicio do poder de perseguir e penar. 0 garantismo representa um modelo ideal que tende it minimizac;ao do poder e it maximizac;ao do saber judicial.

Em definitivo, 0 fundamento da eXistencia do processo penal e a ins. trumentalidade garantista e esta refletida em seis principios basicos: juris­dicionalidade, inderrogabilidade do juizo, separa,ao {lo juiz da acusac;:ao, presun<;:ao de inocencia, contraditorio e fundamenta,ao das resolu<;:iies judiciais.

o sistema de plea negotiation e uma alternativa ao processo penal, que viola de forma inequivoca os seis principios element ares anteriormen. te referidos. Ao ser contrario aos postulados da instrumentalidade garan. tista e da razao, deve ser rechas;ado.

A func;ao do processo penal e a satisfac;ao juridica de pretensiies e/ou resistencias. 0 objeto do processo penal e uma pretensao juridica, de carater acusatorio, que exercita 0 acusador e por meio da qual e exigida da justic;a penal que torne efetivo 0 poder de penar. 0 Estado realiza seu poder de apenar no processo naocomo parte, mas como juiz, e esse poder punitivo esta condicionado ao previa exercicio da pretensao acusatoria.

n. A investigac;:ao preliminar e 0 conjunto de atividades desenvolvi­das concatenadamente por orgaos do Estado, a partir de uma notitia cri­minis, com canlter previo e de natureza preparatoria em relar;ao a fase judicial. Com ela pretende·se averiguar a autoria e as circunstancias de

As concfusoes sao parcials, posta que limitadas ao que foi ahordado na presente obra, que e um resumo da tese doutoral.

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um fato aparentemente delitivo, com 0 fim de justificar 0 processo ou 0

nao-processo. Sua' natureza juridica e complexa e sera determinada levando em

considera~aoa natureza juridica dos elementos predominantes. Atendendo ao orgao encarregado e a natureza dos atos realizados, 0

inquerito policial deve ser considerado como um procedimento adminis­trativo pre-processual. Sel:ls caracteres predominantes sao a autonomia e a instrumentalidade de segundo grau em rela~ao ao processo penal.

o tundamento daexistencia da investiga~ao preliminar deve partir do proprio fundamento da existencia do processo penal, e esta sustenta­da por tres pilares basicos. 0 primeiro e a necessidade de buscar e escla­recer 0 fato oculto, diminuindo os indices de criminal case mortality. 0 segundo fundamento e a salvaguarda da sociedade, pois a imediata inter­ven~ao estatal pode impedir a consuma~ao do delito ou amenizar seus efeitos. De qualquer modo, contribui para 0 restabelecimento da paz social. Desde um ponto de vista garantista, a investiga~ao preliminar for,. malizada e um freio aos excessos de uma' persegui~ao policial desordena­da. Por ultimo, 0 principal fundamento da investiga~ao preliminar e 0 de .':"IC"I;; atuar como filtro, eVitando as acusa~6es infundadas_ 0 pracesso penal .... " .. tem um elevado custo, que permite falar de autenticas pen as proces­suais, como a difamacio judicia lis, 0 stato di prolungata ansia e a estig-·:,,<:!·}lI' matiza~Qo social do sujeito passivo. Por isso, 0 sistema processual penal. deve estabelecer filtros que evitem acusa~6es sem 0 suficiente fumus' commissi delicti. .

III, 0 inquerito policial e um sistema falido. A constru~ao de modelo ideal deve partir de uma valora~ao estrutural da investiga~ao liminar, em toda sua extensao. Por isso, tem igual importancia a determi.~ na~ao do sujeito ativo, do objeto e da ativldade a ser desenvolvida_ 0 pn;i: blema nao sera resolvido somente com uma modifica~ao da autoridaq~. encarregada.

A investiga~ao preliminar deve estar a cargo do Ministerio Publ1co~'i1c~·J: que devera ter efetivamente 0 contrale externo da atividade policial,. atraves de instru~6es gerais e especificas. E imprescindivel que 0 sistema .. consagre a figura do luiz de garantias ou juiz garante da investiga~iio, para atuar como verdadeiro orgao suprapartes, sem investigar ou atuar fase processual. Exercera 0 contrale sobre a legalidade dos atos de inv~. c'

tiga~ao realizados pelo promotor. As medidas cautela res pessoais e reais, a produ~ao antecipada de provas e todos os atos que impliquem na restri: ~ao de direitos fundamentais, devem ser solicitados pelo Mini.terio·

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Sistemas de lnvestiga~o Preliminar no Processo Penal

Publico ao juiz de garantias. Em definitivo,o promotor investiga e 0 juiz atua como orgao de contrale egarantia e ambos mantem uma intima'cor­rela~ao. Assim brota 0 necessario equilibrio.

No que se refere ao objeto, a investiga~ao preliminar deV€ ser suma­ria, limitada qualitativamente (fumus commissl delicti) e tambem quanti­tativamente. No que se ref ere a esta ultima limita~ao, deve ser definido um lapso maximo de tempo 'para sua realiza~ao, prorrogavel segundo a gravidade e complexidade do fato. 0 sistema deve preyer uma san~ao de carater processual, como a pena de inutilidade dos aios realizados depois de transcorrido 0 prazo maximo fixado na lei. .

Com rela~ao a forma dos atos, a investiga~ao preliminar deve ser obrigatoria para os delitos graves e facultativa para os de menor poten­cial lesivo e complexidade. De qualquer modo, nao deve ser admitida uma acusa~ao direta enquanto 0 sistema nao contemplar uma fase inter­mediaria contraditoria (previa ao recebimento da acusa~ao). 0 segredo externo deve ser a regra geral, pois assegura 0 exito da investiga~ao e preserva 0 sujeito passivo da estigmatiza~ao social previa ao processo penal. 0 segredo interno deve ser tolerado em casos extremos, por um breve periodo de tempo, mediante uma resolu~ao judicial fundamenta­da. Outra aspecto sumamente relevante e a eficacia dos atos da inves­tiga~ao. Entendemos que deve-se atribuir urn valor endoprocedimental e adotar 0 sistema de exclusao fisica dos atos do inquerito policial (exce­to provas tecnicas e aquelas produzidas no incidente contraditorio de produ~ao antecipada de provas).

IV. No estudo das partes nao pode ser adotado um puro paralelismo com 0 processo civil ou administrativo, nem sequer adotados seus dogmas, pois 0 pracesso penal tem suas categorias juridicas proprias. Partimos da existencia de partes determinantes da rela~ao juridico-material e partes formais, que constituem a rela~ao juridico-processual. A principal relevan­cia do conceito de parte material para 0 processo penal relaciona-se com a parte ativa do delito.

Inobstante, 0 conceito de parte material e insuficiente para 0 praces­so, pois a existencia de um sujeito que cometeu um delito ou de uma viti­ma nao determina, por si sO, 0 inicio do processo. E preciso que alguem formalize esta situa~ao, formulando uma pretensao acusat6ria - resistida ou nao - segundo as formas previstas na norma processual penal e sob a dire~ao de um juiz ou tribunal.

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Para 0 conceito de partes formais nao e necessario urn conflito interesses, senao urn conflito potencial, urn contraste em Ministerio P'ublico e 0 contradltor natural do imputado. A existencia partes e urn pressuposto 16gico da institui,ao e dogmaticamente nao " pode conceber urn processo sem a existencia de partes potenci, ' contrapostas. A posi,ao juridica das partes deve ser orientada pelos cipios da dualidade, igualdade de armase contradi,ao.

No inquerito policial nao existem partes, mas meros sujeitos situa,iies diversas (ativas, passivas ou como destinatario). lsto porque n• se trata de urn processo em sentido estrito; nao existe 0 exercicio de pretensao ilcusat6ria; Vige urn sistema predominantemente contradit6rio e inexistente; a atividade do sujeito passiv~ e excessivame'l'i te limitada; nao existem senten,as; a igljaldq,de de arm as sequer e ideal e a prova tern valor limitado. A investiga,ao pode iniciar, desenvM, ver-se e ser conduida sem que seja identificado urn sujeito passivo:,

V.O processo penal desenvolve-se atraves de urn sistema escatdrii do, progressivo ou regressivo, no que se refere ao status do sujeito ' vo. Aos tres principais momentos do processo penal (investiga,ao nar, fase processual em sentido estrito e execu,ao), devem corresPQri'd~ tres denoinina,6es distintas que reflitam 11 situa¢ao juridica do passivo (imputadbiindiciado, acusado e condenado).

A$'itua,ao juridka de imputado ou indiciado reflete urn submissao do sujeito passivo a investiga,ao preliminar, tendo. qUencias 0 nascimento de cargos processuaise direitos de can~ter sual e constitucional. '

No sistema brasileiro, e imprescindivel uma rnodifica,ao legisi~f para definir a figura jundica do indiciado, especialmente 0 mnmohfn

que deve ser produzido e as conseqUencias que gera 0

VI. 0 conteudo dainterven,ao do sujeito passivo na inves~fgai -'.c.> :,,1)

preliminar manifesta-se pelo exercicio do direito de defesa, cOf1)q"~ resistencia ao poder de perseguir do Estado.

- A d~sa tecnica na investiga,ao preliminar e indisponivel e deve comprometer-se a faze-la efetiva. Nao se pode atribuir ~.;.''';-Il:' jundicos ao sujeito passivo que exerce a autodefesa negativa tur se detegere). As interven,iies corporais exigem, entre outros tos, uma norma processual que as disciplirle e sua ausencia imnpr

liza,ao coercitiva no direito brasileiro.

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Sistemas de Investiga~o Preliminar no Processo Penal

Emdefinitivo, sao necessarias profundas modifica,iies legislativas na investiga,ao preliminar brasileira e essas modifica,6es devem partir do fortalecimento da situa,ao juridica do sujeito passivo. Esse fortalecimen­to nao sera alcan,ado tao s6 com a inclusao, no texto constitucional, de uma serie de direitos fundamentais. E: imprescindivel uma mudan,a na pr6pria estrutura da investiga,ao preliminar, para aproxima-la aos pnnci­pios do garantismoj pois s6 assim a efetividade dos direitos fundamentais sera vencedora na eterna luta com a normatividade.

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