andre lemos

30
A COMUNICAçãO DAS COISAS. INTERNET DAS COISAS E TEORIA ATOR-REDE ETIQUETAS DE RADIOFREQUêNCIA EM UNIFORMES ESCOLARES NA BAHIA 1 ANDRÉ LEMOS [Professor associado da Faculdade de Comunicação da UFBA e pesquisador 1 do CNPq.] * * <http://andrelemos.info>

Upload: melvin-jefferson

Post on 17-Dec-2015

72 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Internet e sua relação com a teoria do Ator-rede de Bruno Latour.

TRANSCRIPT

  • A comunicAo dAs coisAs. internet dAs coisAs e teoriA Ator-rede etiquetAs de rAdiofrequnciA em uniformes escolAres nA BAhiA 1 ANDR LEMOS[Professor associado da Faculdade de Comunicao da UFBA e pesquisador 1 do CNPq.] *

    *

  • 19

    The Internet of Things; imagine a world where

    everything can be both analogue and digitally

    approached reformulates our relationship with

    objects things as well as the objects themselves.

    Any object that carries an RFID tag relates

    not only to you, but also through being read

    by a RFID reader nearby, to other objects,

    relations or values in a database. In this world,

    you are no longer alone, anywhere.

    De Wall, et al. (2012)

    IntroduoEste artigo tem como objetivo investigar o campo de desenvolvi-mento da Internet das Coisas (Internet of Things IoT). A Internet das Coisas , de acordo com CERP 2009 (Cluster of European Research Projects on the Internet of Things), uma infraestrutura de rede global dinmica, baseada em protocolos de comunicao em que

    1. Apresentado no SimSocial, 2012. Salvador, Bahia, outubro.

  • 20

    coisas fsicas e virtuais tm identidades, atributos fsicos e perso-nalidades virtuais, utilizando interfaces inteligentes e integradas s redes telemticas. As coisas/objetos tornam-se capazes de interagir e de comunicar entre si e com o meio ambiente por meio do inter-cmbio de dados. As coisas reagem de forma autnoma aos eventos do mundo real / fsico e podem influenci-los por processos sem interveno humana direta. O novo campo da IoT rene questes tcnicas e sociais. Durante o ano de 2008, o nmero de coisas liga-das internet excedeu o nmero de pessoas no planeta. Estima-se que haja mais de seis objetos por pessoa conectados no mundo hoje.

    Por ser um arranjo econmico, social, poltico, comunica-cional, a IoT um campo privilegiado para a aplicao da Teoria Ator-Rede (TAR). A TAR busca identificar as mediaes que se esta-belecem na associao entre atores humanos e no humanos. Para a TAR, o social o que resulta dessas associaes. O objetivo aqui compreender as consequncias morais, ticas e polticas dessa comunicao das coisas em curso com os projetos de IoT, a partir da anlise de uma experincia com RFID (identificao por radio-frequncia) em escolas na Bahia. Na primeira parte do artigo vamos discutir a essncia dos objetos e suas qualidades quando eles passam a ter nova funcionalidade: a infocomunicacional. Na segunda parte, apresentamos os principais conceitos, tipos e caractersticas da IoT. Na terceira parte mostramos como a TAR pode ser uma tima esco-lha terica para analisar projetos de IoT. Por ltimo, faremos uma anlise do projeto de implementao de etiquetas de radiofrequncia no escudo dos uniformes dos alunos em uma escola municipal em Vitria da Conquista (BA), mostrando como uma nova qualidade dos objetos traz baila questes tcnicas, mas tambm sociais, peda-ggicas, policiais, alterando regimes de sociabilidade. Um objeto sensual com novas qualidades sensuais nos convoca a repensarmos suas qualidades reais.

    CYBER-ARTE-CULTURA

  • 21

    1. Coisas e objetosOs segredos dos objetos2 nunca so revelados. S podemos ver trajet-rias e compreend-las nas associaes. Objetos so sempre mltiplos, portadores de funcionalidades, de affordances, de agncias, mas tam-bm de memrias, comportamentos, sentimentos. A sua existncia s em parte percebida pela nossa experincia, pelos nossos sentimen-tos, pelo patos. Objetos esto sempre associados a outros objetos e outros componentes que formam a sua estabilidade como caixas-pre-tas. Uma xcara, um computador ou uma caneta Bic so objetos com-postos de muitos outros objetos remetendo a funes e experincias diversas. Eles se estabilizam em uma unidade (ponctualization). Mas basta um problema acontecer para que as suas redes tornem-se vis-veis e os pedaos revelem outros objetos vinculados a outros objetos. Olhem para os objetos ao seu redor e tentem visualizar, abrindo as suas redes associativas, onde eles comeam ou terminam. Pode-mos at identificar fronteiras, mas elas so permeveis por questes polticas, sociais, ambientais, culturais, tcnicas, entrelaando-se e impedindo que possamos apreend-los em sua totalidade. O objeto real inescrutvel!

    No livro The quadruple object (Harman, 2011), o filsofo ame-ricano Graham Harman sustenta que os objetos (para ele tudo o que existe: coisas, pessoas, nutrons, seres imaginrios) s podem ser compreendidos por uma dimenso qudrupla que produz tenses fundamentais: o objeto sensual, a qualidade sensual, o objeto real e a qualidade real. nesse quadrante (influenciado pela estrutura de Heidegger, das Geviert) que podemos compreender os objetos e

    A ComUniCAo dAs CoisAs. inTERnET dAs CoisAs E TEoRiA AToR-REdE

    2. Como prope Harman, no vou diferenciar, como faz Heidegger, coisa de objeto. O objeto uma coisa natural, uma pedra no caminho, ou um peso de papel confeccionado pelo homem com essa mesma pedra. O objeto assim, ao mesmo tempo, objeto natural e objeto tcnico. Heidegger valoriza o primeiro em detrimento do segundo que teria uma conotao negativa. Aqui vou tratar objeto sinnimo de coisa e vice-versa.

  • 22

    fundar uma Ontologia Orientada a Objetos (OOO). Para Harman, o objeto sensual aquele que percebido pela nossa conscincia; o objeto real o que se retira de qualquer percepo e que jamais podemos conhecer; a qualidade sensual aquela que percebemos pelos sentidos e a qualidade real s nos acessvel atravs do intelecto. Apreendemos os objetos pelas suas qualidades sensuais quando os experienciamos, e pelas suas qualidades reais pelo inte-lecto. Nunca chegamos a desvelar o segredo do objeto real.

    Harman constri sua filosofia orientada a objeto a partir desse quadrante. As tenses entre os tipos de objetos e os tipos de qualidades geram as principais questes da filosofia. A primeira ten-so o tempo, aquela entre o objeto sensual ou intencional e suas qualidades sensuais. a tenso que percebemos ao observar que, pelas associaes do objeto com outros, algo vai mudando (a oxida-o do ferro, a deteriorao da casca de banana jogada no cho...). O objeto percebido pela conscincia na experincia muda em relao sua qualidade sensual. A segunda tenso o espao, a tenso entre um objeto real e suas qualidades sensuais atravs das quais ele acessvel differently (Harman, 2009, p. 128). o que se aproxima e se distancia do que percebemos e do que falta no objeto, daquilo que no exaurido pela nossa experincia j que esse objeto real sempre velado. A terceira tenso o que Harman chama de essncia, a rela-o entre o objeto real e a qualidade real, ou seja, a tenso entre o objeto que se retira da experincia e a qualidade que apreendida do objeto pelo intelecto. A quarta tenso o eidos (aquilo que se v, a apa-rncia, ideia, tipo, forma, a natureza do objeto), o que emerge da rela-o entre o objeto sensual e suas qualidades reais, do que apre-endido pela experincia e sua qualidade intelectualmente inferida.

    Isso vale para todos os objetos. Olhe para uma xcara. Vemos aqui todas as tenses o seu envelhecimento (tempo), como a relao entre sua objetividade e sua qualidade sensual; o que ela

    CYBER-ARTE-CULTURA

  • 23

    (essncia) na tenso entre o que ela aparenta para a nossa experi-ncia e o que dela se retrai (o objeto sensual e real); o espao como distenso entre aquele objeto em sua realidade inescrutvel e sua qualidade sensvel (o que se afasta do que percebemos); e, por fim, sua aparncia (eidos), a relao entre a sua qualidade real, conter lquidos, e sua percepo sensvel (objeto sensvel).

    A questo importante que a IoT traz essa. Ou pelo menos essa que quero destacar. Como pensar ento os dois tipos de objetos (sensuais e reais) bem como suas qualidades (sensuais e reais) a partir do momento em que esses passam a ganhar uma capacidade indita: potncia infocomunicacional em rede, comunicao e a agncia dis-tncia; uma comunicao das coisas em regime de redes telemticas planetrias gerando aes, por delegao, a humanos e no humanos? Como compreender que essa xcara que agora est na minha mesa muda (como objeto sensvel e suas qualidades) ao ganhar poderes (vitalismo, animismo?) infocomunicativos? Imagine que agora, ao ser esvaziada do seu lquido, ela pode solicitar a uma cafeteira em outro lugar a produo de mais caf. Esta mquina de caf pode me avisar por Twitter ou SMS assim que o novo caf estiver pronto ou pedir ao mercadinho ao lado para trazer mais gros de caf para a triturao. Aqui a xcara uma xcara, mas tambm mais que uma xcara!

    Mais questes emergem: como identificar, em meio a uma crescente hiperconectividade de coisas internet, se um objeto est enviando ou no informaes (mediando outros humanos e no humanos) e tomando decises (delegao dos humanos e no humanos) se essas caractersticas so invisveis e ainda fora da his-tria do hbito desses objetos? Como poderia, ao ver a xcara sobre a mesa, saber que por trs desse objeto e qualidades sensual (objeto com certa cor, forma, peso, funo) e real (a xcara um objeto para conter lquidos) outra funo aparece? O objeto e suas qualidades reais mudam essa coisa fala e comanda outras; ela contm lquidos

    A ComUniCAo dAs CoisAs. inTERnET dAs CoisAs E TEoRiA AToR-REdE

  • 24

    e comunica com outros objetos de forma informacional. Essa visi-bilidade (ou invisibilidade) infocomunicacional e essa potncia da ao distncia (delegao e mediao importantes como veremos com o exemplo das etiquetas RFID) s aparecem ou pela histria do objeto (o uso e seu hbito) ou pelos rastros eletrnicos que eles dei-xam. A est uma dimenso tica/moral da mudana do eidos (objeto sensual em tenso com a qualidade real).

    Jamais saberemos o que essa xcara real (o objeto real), mas o objeto sensual e suas qualidades sensuais mudam com a IoT. Esse recipiente para lquidos passa a ser uma xcara que se comu-nica por redes telemticas e fazem outros objetos fazerem outras coisas. Muda a sua qualidade real (a xcara agora tambm uma mdia) enquanto o objeto sensual permanece o mesmo. O eidos muda, o que poderia reforar a ideia de que s podemos compre-ender a trajetria dos objetos (xcara) e no sua essncia (Harman no concordaria com essa afirmao). Como o objeto sensual e real da xcara se redefine com essa nova qualidade infocomuncacional, poderamos dizer que a essncia mudou? Na IoT, a xcara continua a sua trajetria, ampliando de forma infocomunicacional a sua ao sobre outros agentes humanos e no humanos.

    Todo objeto comunica de alguma forma, troca e se associa. Por exemplo, a passagem do tempo essa forma comunicava de troca com outros objetos do ambiente e, por isso, ela vai envelhe-cendo (a relao entre o objeto sensual e sua qualidade sensual). Mas, com a IoT, trata-se agora de outra forma de comunicao das coisas: uma comunicao informacional em rede por protocolos de conexo seguindo a algoritmos e performances criando delegaes, mediaes, intermediaes e estabilizaes nas associaes.

    Essa me parece ser uma das questes centrais da discus-so sobre a Internet das Coisas: como compreender as novas qua-lidades dos objetos, seu novo eidos, j que essa mudana acarreta

    CYBER-ARTE-CULTURA

  • 25

    conse quncias importantes nas relaes sociais (tcnicas, conversa-cionais, culturais, pedaggicas, ambientais): melhoria da eficincia de gesto de coisas (questes de logstica e automatismo industrial), de pessoas (questes de mobilidade, aes e perfis), de comporta-mentos (vigilncia, controle, privacidade) e do ambiente (monito-ramento das condies climticas). Em todos os casos de IoT (reais e em implementao) o que vemos so objetos sensuais (um para-fuso, uma placa de carro, uma camiseta, um sapato...) dotados de novas qualidades (no imediatamente perceptveis na experincia, mas performticos) com impactos importantes nas formas de asso-ciao entre humanos e no humanos. J que no podemos revelar os segredos dos objetos (sua dimenso real), nos caberia, ento, pro-blematizar suas qualidades reais, seu eidos e pensar nas associaes propostas em suas dimenses polticas, morais, ticas. Esse , a meu ver, o terreno de discusso da IoT.

    2. Internet das CoisasA expresso Internet das Coisas3 parece ter surgido em 1999 quando, em uma palestra, Kevin Ashton explicava o potencial de uso das eti-quetas de radiofrequncia, RFID, em 1999. Dez anos depois ele afir-mava (Ashton, 2009):

    But what I meant, and still mean, is this: Today computersand,

    therefore, the Internetare almost wholly dependent on human

    beings for information. Nearly all of the roughly 50 petabytes (a

    petabyte is 1,024 terabytes) of data available on the Internet were

    A ComUniCAo dAs CoisAs. inTERnET dAs CoisAs E TEoRiA AToR-REdE

    3. interessante notar como a frase utiliza, em outras lnguas, tanto os termos objetos como coisas. Os franceses chamam de Internet des Objets (http://fr.wikipedia.org/wiki/Internet_des_objets), os espanhis de Internet de las Cosas (http://es.wikipedia.org/wiki/Internet_de_las_cosas) e os italianos usam as duas expresses: Internet delle cose ou Internet degli oggetti (http://it.wikipedia.org/wiki/Internet_delle_cose).

  • 26

    first captured and created by human beingsby typing, pressing

    a record button, taking a digital picture or scanning a bar code.

    Conventional diagrams of the Internet include servers and routers

    and so on, but they leave out the most numerous and important

    routers of all: people. The problem is, people have limited time,

    attention and accuracyall of which means they are not very good

    at capturing data about things in the real world.

    Essa reao muito interessante pelo privilgio dado ao ator humano no processo, mesmo que o autor entre em contradio e traia o seu pensamento ao reconhecer a relao hbrida entre huma-nos e no humanos: typing, pressing a record button, taking a digital picture or scanning a bar code [...] include servers and routers and so on (Ashton, 2009). Ora, uma ao puramente humana nesse e em quase todos os domnios mais um desejo em busca de uma essncia humana pura e natural do que uma realidade antropol-gica e emprica. O domnio da IoT o da mediao e da agncia, da delegao de no humanos a outros no humanos mediando a ao humana. O que Ashton quer fazer politizar a IoT colocando o humano em evidncia. interessante, mas essa purificao (do hbrido) aqui o seu pecado. Vejamos definies mais tcnicas. Para o CERP (2009):

    Internet of Things (IoT) is an integrated part of Future Internet

    and could be defined as a dynamic global network infrastruc-

    ture with self configuring capabilities based on standard and in-

    teroperable communication protocols where physical and virtual

    things have identities, physical attributes, and virtual personali-

    ties and use intelligent interfaces, and are seamlessly integrated

    into the information network. In the IoT, things are expected

    to become active participants in business, information and social

    CYBER-ARTE-CULTURA

  • 27

    processes where they are enabled to interact and communicate

    among themselves and with the environment by exchanging data

    and information sensed about the environment, while reacting

    autonomously to the real/physical world events and influenc-

    ing it by running processes that trigger actions and create services

    with or without direct human intervention. Interfaces in the form

    of services facilitate interactions with these smart things over

    the Internet, query and change their state and any information

    associated with them, taking into account security and privacy

    issues. (CERP IoT, 2009, p. 6)

    The Internet of Things allows people and things to be connected

    Anytime, Anyplace, with Anything and Anyone, ideally using Any

    path/network and Any service. This implies addressing elements

    such as Convergence, Content, Collections (Repositories), Computing,

    Communication, and Connectivity in the context where there is

    seamless interconnection between people and things and/or be-

    tween things and things so the A and C elements are present and

    addressed. (CERP IoT, 2009, p. 8)

    Aqui vemos claramente como o termo faz referncia a objetos reais e virtuais (o que, filosoficamente falando, podemos chamar de objetos fsicos e eletrnicos com qualidades sensuais e reais) que mediam (por delegao) outros objetos produzindo aes em diversos campos sociais. Eles tm um funcionamento inteligente (smart) na medida em que mudam a prpria ao e a de outros nessa relao, indepen-dentemente de uma ao humana direta. Assim, a IoT permite que humanos e no humanos estejam em permanente conexo de tudo e todos: os A e os C (Anytime, Anyplace, with Anything and Anyone, ideally using Any path/network and Any service; Convergence, Content, Collec-

    tions (Repositories), Computing, Communication, and Connectivity.)

    A ComUniCAo dAs CoisAs. inTERnET dAs CoisAs E TEoRiA AToR-REdE

  • 28

    Yang et al. (2010) apontam que, para a Comisso Europeia que discute o assunto, a IoT aquela na qual things having identi-ties and virtual personalities operating in smart spaces using intelli-gent interfaces to connect and communicate within social, environ-mental, and user contexts (p. 360). A IoT uma adaptao do IP a qualquer objeto fazendo com que o mesmo possa ser acessvel e execute ou comande aes de qualquer local. Isso mostra como a qualidade (sensual e real) do objeto passa a adquirir novos contornos comunicacionais. Essa potncia infocomunicativa amplia a sua ao sobre o mundo e deste sobre ele, de qualquer lugar. Isso produz uma modificao no seu comportamento a partir dessa relao.4 O objeto ganha, por assim dizer, vida.

    Atzori et al. (2010) afirmam esse carter comunicacional e vivo das coisas. O carter pervasivo de ao dos objetos sobre eles mesmos e sobre os humanos na vida quotidiana que oferece essa sensao de objetos vivos, ativos, mediando as aes sociais em busca de objetivos e metas precisos. Talvez por isso a tentativa de resgate do humano por parte de Ashton, como vimos. Para Atzori et al. (2010, p. 1):

    The Internet of Things (IoT) is a novel paradigm that is rapidly

    gaining ground in the scenario of modern wireless telecommu-

    nications. The basic idea of this concept is the pervasive pres-

    ence around us of a variety of things or objects such as Radio-

    Frequency IDentification (RFID) tags, sensors, actuators, mobile

    phones, etc. which, through unique addressing schemes, are

    able to interact with each other and cooperate with their neighbors

    to reach common goals.

    4. Para exemplos emergentes interessante observar os projetos em andamento no site http://postscapes.com/internet-of-things-and-kickstarter

    CYBER-ARTE-CULTURA

  • 29

    J Kranenburg et al. (2011) consideram a IoT como um conjunto de objetos identificveis por meios eletromagnticos que a partir da executam comportamentos e semnticas especficas. Interes-sante ver como esses objetos no so apenas identificados pelos suas caractersticas sensuais tradicionais (uma xcara sempre uma xcara), mas o que vai caracterizar a IoT realmente a criao de nova qualidade magntico-informacional do objeto (a xcara-mdia), alterando seu comportamento e semntica. A questo, mais uma vez, da insero da ao humana nesse conjunto, como se agora estivssemos em um domnio de delegao total e de mediao exclusiva dos no humanos. A inteno de politizar o debate e retir--lo da esfera meramente mercadolgica importante e louvvel. No entanto, como vamos ver adiante, o prprio do social produzir hbridos. Devemos compreend-los para revelar as associaes que so produzidas entre objetos, processos comunicativos e humanos. Por isso a TAR interessante para pensar a IoT. Voltarei a isso na terceira parte deste artigo. Para os autores (2011, p. 5):

    Besides smart objects, there is an emerging question if human

    users included in the definition, as hypothesized by the European

    Research Cluster on the IoT (IERC). A pan-European consumer

    group wishes that the IoT be called The Internet of People, so

    as to emphasize the human element (BEUC/ANEC, 2008) or the

    Internet of Everyone in a recent report published in 2011 funded

    by Accenture. IETF however states that the IoT as a concept refers

    to the usage of standard Internet protocols to allow for human-to-

    thing or thing-to-thing communication (Garcia-Morchon, 2011),

    hence, including the human element in the very definition.

    Em outro artigo, Kranenburg (2012) mostra seis fatores importantes para o desenvolvimento da IoT. Esses fatores so responsveis pela

    A ComUniCAo dAs CoisAs. inTERnET dAs CoisAs E TEoRiA AToR-REdE

  • 30

    sua expanso.5 O primeiro fator o surgimento dos cdigos de barra ubquos em 1974, mostrando um padro de uso. O segundo fator foi o surgimento de etiquetas RFID, que hoje se confundem com a prpria Internet das Coisas. O terceiro fator o barateamento do armazenamento de dados. O quarto o protocolo IPV6 que amplia as possibilidades de atribuio de endereos na internet fazendo com que qualquer coisa possa ter um endereo nico, um cdigo de identificao nico na rede. Assim, afirma Kranenburg, we can expect internet addresses in anything that has software in it: your tooth-

    brush, coffee machine, fridge, washing machine. Technologically thus IoT

    is an ecology of barcodes, QR codes, RFID, NFC, active sensors, wifi and

    Ipv6. O quinto fator a concretizao da computao verdadeira-mente ubqua, como sonhada por Weiser em 1991. IoT, menos tan-gvel que os hardwares, traz vida aos objetos. Essa vida justamente a nova qualidade sensvel dos objetos. O sexto fator so os atores humanos que embarcam dispositivos informacionais de forma explcita e que cada vez mais embarcaro objetos comuns dotados dessas qualidades. Hoje humanos acoplados a no humanos comu-nicacionais so os novos hbridos: celulares, iPads, redes sociais... Para Kranenburg (2012):

    We can not deny that as a species the drive is towards more con-

    nectivity, more awareness of where people and objects are and an

    ever-growing synergy between all the different applications and

    services, none of which can survive on its own any more. [] the

    challenge we are facing today is not how can we stop or guide this

    process, as it is going so fast. No, the challenge is how can we

    make sure that this process that is inevitable is inclusive and open.

    5. Um dos entraves ainda a falta de padres que permitam a livre comunicao entre disposi-tivos e protocolos. Para saber sobre esse tema ver Fitchard (2012)

    CYBER-ARTE-CULTURA

  • 31

    Uckelmann et al. (2011) ressaltam a relao com a ubiquidade e a per-vasividade da atual fase da computao, mas diferenciam a IoT desse domnio (o que eles chamam de Internet of People). Mais uma vez a expresso refora diferenas e polarizaes que devem ser supera-das para o entendimento do social como associao entre humanos e no humanos. Pensar na Internet das Coisas e dos humanos no ajuda a compreender os novos objetos, nem esse novo campo de desenvolvimento industrial. Na realidade, no h uma internet de pessoas assim como no h uma Internet das Coisas. S h uma internet hbrida, formada por mediaes, delegaes, estabilizaes as mais diversas entre humanos e no humanos. O social isso. O que chamamos de IoT nada mais do que uma forma de comuni-cao eletrnica entre objetos, dotando-os de capacidade performa-tiva infocomunicacional. No a novidade da ao que deve ser des-tacada aqui, mas a sua qualidade. No o aparecimento de objetos mediando humanos, mas antigos objetos como novas qualidades, produzindo novas associaes e revelando novas qualidades reais desses novos/velhos objetos e associaes. Essa a questo. Como afirmam Uckelmann et al. (2011, p. 8):

    The future Internet of Things links uniquely identifiable things to

    their virtual representations in the Internet containing or linking

    to additional information on their identity, status, location or any

    other business, social or privately relevant information at a finan-

    cial or non-financial pay-off that exceeds the efforts of informa-

    tion provisioning and offers information access to non-predefined

    participants. The provided accurate and appropriate information

    may be accessed in the right quantity and condition, at the right

    time and place at the right price. The Internet of Things is not

    synonymous with ubiquitous / pervasive computing, the Internet

    Protocol (IP), communication technology, embedded devices, its

    A ComUniCAo dAs CoisAs. inTERnET dAs CoisAs E TEoRiA AToR-REdE

  • 32

    applications, the Internet of People or the Intranet / Extranet of

    Things, yet it combines aspects and technologies of all of these

    approaches.

    Giglio e Koo (2011) apresentam tambm categorizaes interessantes que nos permitem pensar as qualidades desses novos/velhos obje-tos: os servios de identificao (Identity Related Services), acoplar um identificador eletromagntico (como uma etiqueta RFID) a um objeto e um leitor; os servios de informao agregada (Information Aggregation Services) que so processos de captao de dados de vrios sensores, processando e transmitindo essa informao pela rede para um aplicativo; os servios atentos colaborao (Colla-borative-Aware Services), usando dados agregados para tomada de deciso e a partir dessa deciso efetuar uma ao; e servios ubquos (Ubiquitous Services), sendo o eptome da IoT, atentos s coisas e pessoas a qualquer lugar e momento.

    Essa caracterstica ambiental da IoT, em que h ao de obje-tos independentemente da ao humana, mediando e executando tarefas, o que Greenfield chama de Everyware (2006) e Sterling, de Spime (2005). Objetos e sistemas que mediam de forma indepen-dente a ao humana, comunicando e retroagindo sobre eles mesmos em aes em um espao tempo ampliao (espao global das redes e tempo real imediato de trocas). Como afirma Greenfield (2006, p. 16):

    It involves diverse ecology of devices and platforms, most of which

    have nothing to do with computers as weve understood them.

    Its a distributed phenomenon: The power and meaning we ascribe

    to it are more a property of the network than of any single node,

    and that network is effectively invisible. It permeates places and

    pursuits that weve never before thought of in technical terms.

    And it is something that happens out there in the world, amid the

    CYBER-ARTE-CULTURA

  • 33

    bustle, the traffic, the lattes, the gossip: a social activity shaped by,

    and in its turn shaping, our relationship with the people around us.

    O mesmo pensado por Bliss (2012), como um ambiente:

    The Internet of Things is comprised of networked objects with

    sensors and actuators. These objects observe their environment

    and share the data they collect with each other, Internet servers

    and people. This data is analyzed and the results are used to make

    decisions and affect change. Change may come from a connected

    object making adjustments in the environment, or it may come

    after the collected information is analyzed further by a person.

    3. Teoria Ator-Rede

    Social is not a place, a thing, a domain, or a kind of

    stuff but a provisional movement of new associations.

    Latour, 2005, p. 238

    Uma teoria que pressupe uma ontologia plana, ou seja, considerar para anlise do social as aes como hierarquicamente equivalente entre humanos e no humanos e que torna aparente as diversas associaes entre esses atores revelando suas redes, parece ser muito oportuna para pensar a fase atual da IoT. Precisamos de uma teoria do social que pense o hbrido, as mediaes, as tradues, as puri-ficaes e as estabilizaes para compreender, fora de estruturas ou frames explicativos a priori, a atual cultura digital. Penso que uma teo-ria social das associaes entre humanos e no humanos, associada a uma filosofia orientada a objeto, requerida para pensar a IoT em todas as suas facetas (hibridismo, automatismo, eficincia comuni-cativa, vigilncia e controle). Essa teoria a teoria ator-rede (TAR).

    A ComUniCAo dAs CoisAs. inTERnET dAs CoisAs E TEoRiA AToR-REdE

  • 34

    Infelizmente no tenho tempo aqui para uma anlise exaustiva da TAR e vou me ater a alguns pressupostos e conceitos que serviro para o nosso debate. Depois dessa explicao, analiso o uso de eti-quetas de radiofrequncia em uniformes de alunos em uma escola da Bahia a partir da TAR.

    A TAR nasceu nos Estudos de Cincia e Tecnologia (Science and Tecnology Studies, STS) nos anos 1990 por Latour, Callon, Law, Bijker. O objetivo era mostrar os limites da sociologia da cincia (escola de Edimburgo) e da sociologia do social, de herana estru-turalista e durkheimiana. Os pressupostos da TAR esto relaciona-dos aos trabalhos de Serres, Tarde, Stengers, Greimas e Garfinkel. Para os estudos de cibercultura, a TAR pode ajudar a revelar associa-es em fenmenos to dispares quanto a sociabilidade online, an-lise dos rastros digitais deixados em diversas aes na internet, as mdias locativas, o corpo e a subjetividade, as interfaces e interaes nos dispositivos mveis, a arte, o ciberativismo, o governo eletr-nico, os games, a incluso digital e a IoT. Por ser um campo privile-giado de anlise da relao de mediadores humanos e no humanos, e por suas aes deixarem rastros (digitais, materiais) cada vez mais visveis, a cibercultura uma rea de interesse para a TAR.

    A TAR chamada de sociologia das associaes ou socio-logia da traduo, colocando o acento sobre a construo social das inovaes tcnicas. Hoje ela aplicada nos mais diversos campos do saber (Law, Hassard, 1999; Akrich, Callon, Latour, 1988, 2006). A TAR identifica redes, mediadores e intermedirios que atuam em uma determinada associao. O objetivo descrever os atores envol-vidos nas associaes e revelar suas caractersticas. O social assim o que resulta das associaes e no uma coisa que explicaria as asso-ciaes. A diferena parece sutil, mas importante. Esses mediadores, ou actantes (termo da semitica greimasiana), so tudo aquilo que produz ao sobre outros, podendo ser tanto humanos como no

    CYBER-ARTE-CULTURA

  • 35

    humanos. Eles compem as redes e so eles mesmos redes, mna-das, partes e todo ao mesmo tempo. Cada actante sempre fruto de outras associaes e cada associao age tambm como um actante. Ele pode ser um mediador ou cessar essa atividade transformando-se em um intermedirio. No h essncia nos objetos: s associaes.

    Mediao ou traduo o que faz um actante agir transfor-mando a si mesmo e o outro. H sempre abstrao nesse processo (de um no outro) e proposies (as ocasies desses encontros) (Harman, 2009). A mediao/traduo (Callon, 1986) a capacidade de um actante manter outro envolvido, modificando-se e reinterpre-tando seus interesses. Ela comunicao, produo de sentido, per-cepo, interpretao e apropriao. A noo de delegao implica estender a ao a outro actante, comprometendo-se e confiando no seu funcionamento, como, por exemplo, um cinto de segurana, um quebra-molas, um termostato ou um sistema automtico de SMS da minha xcara! A ao social se realiza na mediao e na delegao entre actantes. O engajamento dos actantes gera redes que buscam estabilidade. A estabilidade a caixa-preta, entidades (dispositivos, conceitos, leis etc.) criadas quando os elementos de um processo agem como se fossem um s e so taken for granted. Todo actante uma caixa-preta e toda caixa-preta pode e deve ser aberta para revelar conexes, articulaes, redes.

    A rede assim o que se forma nas mediaes. Ela mobi-lidade das associaes e se faz e se desfaz a todo momento. Ela no , portanto, a grade, a malha ou o tecido por onde passam coisas, mas justamente o que se forma da relao entre esses objetos. Sendo assim, a rede no infraestrutura e est sempre se fazendo e se desfazendo, sendo mvel, rizomtica, sempre aberta. Se pensar-mos na internet ela tem as duas dimenses de rede. Uma a de rede como infraestrutura (um espao), criando sempre utopias e pos-sibilidades emancipadoras (o ecumenismo presente nos correios,

    A ComUniCAo dAs CoisAs. inTERnET dAs CoisAs E TEoRiA AToR-REdE

  • 36

    telgrafo, estrada de ferro, autoestrada, telefonia, eletricidade, rdio, TV... e hoje na internet). Essa rede, como infraestrutura, o lugar da utopia, se ouso brincar com os termos. A outra dimenso a rede como associao de humanos e no humanos e que se realiza efetivamente, que deixa rastros: o que se atualiza. Trata-se aqui do que as pessoas e coisas realizam na internet. Isso permite dizer que o Twitter, por exemplo, pode ser revolucionrio em um determinado contexto, e no ser em outro, pois no h essncia do objeto, mas associaes especficas que se produzem em determinados espaos--tempo. Nesse caso, no se trata de utopia, mas de realizao do movimento dos actantes. A rede como associao a dimenso valo-rizada na expresso ator-rede.

    Da a ideia de que a rede o que faz o social. Que social faz a rede (as associaes) entre objetos modificados pela IoT e outros no humanos e humanos? So as diversas associaes que compem o social que criam as redes entre seus elementos. Por isso, observar o social cartografar as associaes, as redes. Nesse sentido, poderamos afirmar que a TAR a verdadeira sociologia da mobilidade, no da mobili-dade de coisas (transporte) ou informao (comunicao), mas a mobi-lidade das associaes que compem o social em uma determinada ao. Por isso a TAR visa descrever aes que esto em movimento, as controvrsias (como veremos adiante), antes que seus atores assumam posies estveis, resolvam suas polmicas e terminem em encaixa-pretamento. Como vemos, as noes de actantes, redes, mediao ou traduo, intermedirios, caixas-pretas, controvrsia e cartografias so fundamentais para inibir uma anlise insiste na purificao dos hbridos (separao sujeito objeto, natureza cultura, humano no humano), uma abordagem essencialista dos objetos e dos fatos ou uma viso estruturalista do social que amarra as associaes em frames explicativos. No caso da IoT, essa abordagem fundamental para reve-lar o social que est se construindo nessas associaes.

    CYBER-ARTE-CULTURA

  • 37

    na descrio atenta dos mediadores (actantes), dos inter-medirios (que transportam, mas no mudam nada), das redes que se formam e se desfazem e nas estabilizaes (caixas-pretas) que a relao entre agncia e estrutura se forma na dinmica social. Estas no so e no devem ser categorias explicativas, mas possveis resul-tados da constituio das redes. A boa descrio s pode ser feita por mltiplos pontos de vista. Vimos que cada objeto denso, complexo, um conjunto de redes nele mesmo, eventos atravessados por fluxos em permanente associao entre qualidades sensveis e reais. A obje-tividade (do objeto) e a subjetividade (do sujeito) devem ser pensadas como erros de perspectiva, como solues artificiosas e temporrias exercidas pela grande diviso pretendida pela constituio moderna (Latour, 1994). Pensar sujeito e objeto separados, ou pensar sujeitos sem objetos e objetos sem sujeito, ou pensar internet das pessoas ou das coisas s pode ser uma forma artificiosa, mgica, de purificar os hbridos e pensar de forma simplista o social. Isso no nos ajuda a compreender as diversas facetas da IoT.

    De fato s h aquilo que produzido por mltiplos olhares, diferentes vises, pontos de vista que emergem do objeto sujeito, do sujeito objeto, ou dos quase objetos ou quase sujeitos (Michel Serres (Michel Serres, apud Latour, 2005). Assim, o obje-tivo no o que est do lado do objeto, assim como o subjetivo no o que est do lado do sujeito. No h sujeito sem objeto, nem objeto sem sujeito e quanto mais temos um, mais temos o outro. A descrio (do sujeito) emerge do objetivo do objeto e assim se deve desenrolar a controvrsia, identificar os rastros e apontar os media-dores e intermedirios. Internet das Coisas internet das pessoas, por mais que queiramos dirigir essa associao e assim pensar na poltica da IoT nesse novo parlamento das coisas. O papel do cien-tista social abrir as caixas-pretas, traar as associaes e reagrupar o social (Latour, 2005). No caso da IoT, devemos pensar essa nova

    A ComUniCAo dAs CoisAs. inTERnET dAs CoisAs E TEoRiA AToR-REdE

  • 38

    relao entre objetos que ganham qualidades comunicacionais e performatividade sobre outros objetos e pessoas distncia e como eles esto configurando o social como associaes hbridas, gerando problemas com dimenses polticas, tica, morais e comunicacio-nais importantes. Com a IoT, um objeto adquire novas funes infocomunicacionais e continua a sua trajetria aberta pelas novas associaes. Cabe ao analista cartografar esses rastros e identificar as controvrsias que da emergem.

    4. RFID em Uniformes Escolares na BahiaNo semestre 2012.1, ofereci uma disciplina para alunos de graduao em comunicao tendo como tema a cartografia de controvrsias. O objetivo era, como lhes dizia, vacin-los contra a grande sociolo-gia e as explicaes estruturalistas que vo encontrar na faculdade. Buscava apresentar a TAR e o mtodo de identificao do social em formao que a cartografia de suas controvrsias. Dizia aos alu-nos que o trabalho da TAR em muito se assemelha ao jornalismo investigativo, no qual o reprter deve seguir os atores, registrar suas marcas e integrar o texto em seus mltiplos aspectos. Achava assim que s faria bem apresentar uma teoria sociolgica alternativa, apresentar e testar uma metodologia, situ-la prxima do jornalismo (investigativo) e, por fim, fazer os alunos testarem isso em questes quentes, atuais e locais. Os resultados da disciplina6 foram produ-zidos em formas de blogs em que cada grupo aplicou a metodologia da cartografia das controvrsias (Venturini, 2010, 2012) em questes como: proibio de pr-campanha no Twitter,7 o AI-5 da Copa do Mundo,8 exigncia do diploma de jornalista,9 Lei de Imprensa na

    6. http://cartografiadecontroversias.wordpress.com7. http://tweetingcontroversies.wordpress.com8. http://cartografiadacopa.wordpress.com9. http://controversiadodiploma.wordpress.com/

    CYBER-ARTE-CULTURA

  • 39

    Argentina,10 a Lei Antibaixaria na Bahia11 e Etiquetas RFID em uni-formes escolares na Bahia.12 Para o que interessa a este artigo, vou fazer uma anlise a partir das discusses e do trabalho dessa ltima controvrsia: o uso de etiquetas RFID em uniformes em uma escola.

    O projeto, inovador no Brasil, tem como objetivo controlar a entrada e a sada de alunos do Centro Municipal de Educao Profes-sor Paulo Freire (Caic), em Vitria da Conquista (BA). A Prefeitura investiu cerca 1,2 milho de reais no projeto. Este deve atender 25 escolas e mais de 20 mil alunos da rede municipal da cidade ainda em 2012. O objetivo que, em 2013, todos os 43 mil estudantes da rede pblica da cidade, entre 4 e 14 anos, j possuam uniformes com a tecnologia RFID. O projeto suscitou diversas controvrsias entre pedagogos, psiclogos, jornalista, intelectuais, pais e alunos. Esse caso de aplicao de IoT interessante para mostrar como as controvrsias expressam o magma social, isto , o social antes de estabilizaes e caixas-pretas. Para a TAR, importante aproveitar esse momento. O objetivo da TAR justamente descriptar (descre-ver mesmo!) e revelar as redes que compem o social.

    Toda etiqueta RFID tem um cdigo universal. Ela cadas-trada no sistema da instituio com os dados do estudante e o nmero do telefone celular de seus pais ou responsveis. Um lei-tor foi instalado na portaria da escola. Quando o aluno vestindo o uniforme passa pela portaria, o leitor ativa a etiqueta nesse exato momento, produzindo uma informao (entrada e sada de aluno). Como cada etiqueta tem um nmero, esse associado a um aluno especfico. Assim, ao detectar a entrada e sada do aluno X, o sistema envia, automaticamente, um SMS para o telefone cadastrado dos

    A ComUniCAo dAs CoisAs. inTERnET dAs CoisAs E TEoRiA AToR-REdE

    10. http://leydemedios.wordpress.com11. http://antibaixaria.wordpress.com12. http://educacaoradiofrequenciada.wordpress.com

  • 40

    responsveis desse aluno. Todos os alunos matriculados nesse Centro j receberam, gratuitamente, duas peas do uniforme inteligente.

    Podemos dizer que muitos actantes se envolvem nessa con-trovrsia. Esquematicamente, separamos em humanos (a diretora--geral do Centro, a secretria de Educao de Vitria da Conquista, o coordenador do projeto, os alunos do Centro, os pais e mes de alu-nos, o prefeito de Vitria da Conquista) e os no humanos (a empresa DCosta RFID, a Prefeitura de Vitria da Conquista, as etiquetas de radiofrequncia, os uniformes escolares, o escudo, o Centro Munici-pal de Educao Professor Paulo Freire, os leitores de RFID, o sistema informatizado, as redes de telecomunicao, a operadora de telefo-nia, os celulares, a lei de regulao). As suas relaes se estabelecem durante um perodo de tempo de forma polmica e controversa. Hoje parece estar estabilizada, embora novos actantes possam criar deses-tabilizaes (o uso mostrar essas novas polmicas).

    Esse sistema (automtico, gratuito e compulsrio) traz ao debate a relao entre dimenses legais, polticas, educacionais e tec-nolgicas da IoT. No um problema apenas tcnico, ou social, ou cultural, ou policial, ou poltico. Ele revela questes que tocam todas essas esferas. Na controvrsia aqui suscitada, o uso de etiquetas RFID se d com um artefato tcnico atuando como mediador das relaes entre alunos, pais e professores. O escudo na camisa, no qual a eti-queta RFID foi implantada, aqui um objeto mediador da relao entre os diversos actantes, cuja delegao (ao chip e ao sistema) ins-titui formas morais e ticas no script do sistema (Bijker, Law, 1994).

    Interessante perceber no discurso da coordenadora do Caic que tudo no passa de uma questo de controle, reforando estere-tipos tanto do determinismo tecnolgico, como da falta de segurana pblica. Esses foram os argumentos fortes para a implementao do sistema. Em entrevista aos alunos13 a coordenadora pedaggica afirmou:

    CYBER-ARTE-CULTURA

  • 41

    uma questo de controle dos alunos. Como a escola muito

    grande e temos, aqui, somente alunos do ensino fundamental,

    que demandam uma maior responsabilidade, achamos impor-

    tante ter esse maior controle atravs da tecnologia. Havia tambm

    muitos casos de alunos que saam da escola e no iam pra casa,

    e sim para outros lugares, deixando os pais preocupados. Com

    os uniformes inteligentes, pais e mes ficam mais tranquilos ao

    saber o horrio que seus filhos saem da escola.

    Agora, ns temos um maior domnio de quantos alunos vm es-

    cola todos os dias. E tambm podemos deixar os pais mais cientes

    da vida escolar dos seus filhos.

    Eles (os pais) gostaram bastante da medida. H, porm, reclama-

    es a respeito das operadoras de celular. Algumas operadoras,

    como a Oi, por exemplo, no tm um bom sinal aqui em Vitria

    da Conquista e as mensagens demoram pra chegar.

    No, eles (os alunos) aceitaram numa boa. Alguns ficaram sur-

    presos com a adoo dos uniformes, mas no chegaram a se mani-

    festar contra.

    O objeto (escudo do uniforme) ganha propriedades infocomunica-cionais (e tambm, sempre, morais e ticas), servindo como media-dor de formas de vigilncia, controle, monitoramento e comuni-cao entre alunos, pais e professores. Aqui, o objeto sensual o mesmo (o escudo/uniforme) e sua qualidade sensual s percebida se houver a visualizao dos rastros digitais deixados ou a publi-cizao dessa nova funo. Muda o eidos do objeto. Um estudante

    A ComUniCAo dAs CoisAs. inTERnET dAs CoisAs E TEoRiA AToR-REdE

    13. http://educacaoradiofrequenciada.wordpress.com

  • 42

    desavisado poderia usar o uniforme sem detectar essa nova caracte-rstica do objeto. Essa invisibilidade j um problema moral ou no mnimo tico. A ao deve estar no script do sistema: explicao para todos das novas qualidades do objeto revelando questes de segu-rana e transparncia do uso desses chips espies (Albrecht, McIntyre, 2006).14 Para a eficincia do sistema o mesmo totalmente automa-tizado (sem interferncia de actante humanos), compulsrio (no h escolha por parte do aluno ou da famlia) e gratuito (no h descul-pas para no se usar o uniforme inteligente).

    Podemos pensar sobre a qualidade real desses objetos, em sua nova trajetria: o uniforme agora um objeto infocomunicacional, um actante importante na relao entre humanos (pais, alunos, pro-fessores) e no humanos (a escola, a operadora, a RFID...). Notem que esconder no escudo a sua funo performativa transformar o con-junto escudo camisa RFID em uma caixa-preta, neutralizando e colocando a sua visibilidade no fundo.15 Ele s aparece na contro-vrsia ou se houver falhas (sociais, tcnicas, polticas...) no sistema. A visibilidade / invisibilidade uma questo poltica e pedaggica.

    As etiquetas RFID alteram a relao dos objetos, ganhando novas qualidades que podem passar despercebidas, ou no serem dis-cutidas (o script moral e tico que falava anteriormente). O microchip foi instalado sob o escudo da instituio, no qual podemos ler a frase do educador Paulo Freire: A educao no transforma o mundo. Educao muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo. O lema no escudo refora a viso humanista do educador e mais uma vez

    14. Para mais ver o site Spychips: http://www.spychips.com15. Veja que a questo bem atual, e escolas no EUA esto adotando o mesmo procedimento em braceletes. Mas aqui a funo bracelete a de ser um instrumento de monitoramento. Aqui o objeto revela a sua funo. O objeto sensual est bem ajustado sua qualidade sen-sual. Ver a matria do NYT, Student IDs That Track the Students, in http://www.nytimes.com/2012/10/07/us/in-texas-schools-use-ids-to-track-students.html?_r=2&hp, acesso em 10 de outubro de 2012.

    CYBER-ARTE-CULTURA

  • 43

    insiste no privilgio do humano sobre o no humano, esquecendo que a sala de aula uma artefato construdo para abrigar esse tipo de discurso (o escolar), e que sem essa estrutura fsica, e outros objetos, o professor ou a pessoa no existem. Pessoas objetos transfor-mam o mundo. As pessoas e os objetos so a educao.

    O ambiente escolar um hbrido de instrumentos pedag-gicos e disciplinares desde sempre (salas, laboratrios, equipamen-tos, regras de conduta, rituais quotidianos e filas, cadernetas escola-res e boletins de notas...). Um boletim um boletim, uma caderneta uma caderneta, uma sala de aula uma sala de aula... Todos esses objetos tm uma qualidade que se esgota (em parte) na sua materia-lidade e na histria de seus hbitos de uso. No caso da IoT, em geral, e das RFIDs nos escudos do uniforme, em particular, o que temos uma nova trajetria do objeto uniforme que faz com que sua qualidade (sensual e real) seja ampliada para performances infoco-municacionais (que podem ser invisveis e no percebidas) trazendo assim questes ticas, morais, pedaggicas dessa delegao e media-o. O mesmo pode acontecer com todo e qualquer objeto.

    Vrias perguntas emergem dessa mediao. Podemos per-guntar que projeto pedaggico est por trs desse sistema. Seria esse o sistema mais eficiente para resgatar o dilogo entre pais, alunos e educadores ao transferir (delegar) a um sistema automtico essa relao? Como esse sistema se relaciona com aquilo que oferecido pela escola (alimentao, transportes, bons professores, ambiente laboratorial, convivialidade...)? A comunicao entre pais e escola no deve ser feita pela mediao a partir do dilogo mais recorrente, complexo e menos automatizado? A simples delegao ao sistema dessa conversao no seria um esvaziamento da questo social, cultural, poltica e pedaggica da escola? No caberia, antes de qual-quer disparo automtico de uma informao, discutir com o aluno o porqu da sua ausncia ou do seu afastamento em um determinado

    A ComUniCAo dAs CoisAs. inTERnET dAs CoisAs E TEoRiA AToR-REdE

  • 44

    momento? A informao sem contextualizao no seria uma sim-ples burocratizao das relaes e simplificao das suas causas e consequncias? A relao entre comunicao e controle deveria ser contextualizada e no apenas delegada a um sistema de IoT. Essa suposta transparncia no estaria escondendo mais do que reve-lando (insatisfao com os professores, com a escola, bullying, falta de estrutura...)?

    No por mero acaso que o escudo, com esse slogan, tenha sido escolhido como o lugar mesmo de comunicao do objeto com outros objetos agindo sobre a moral e a tica escolar, comunicando a pais e professores de forma automtica as aes e movimentos dos alunos. bastante questionvel que um sistema automatize o que deveria ser motivo de conversao e de entendimento entre as par-tes envolvidas. A IoT aqui toma o lugar do dilogo e da negociao mediando a ao entre humanos e no humanos com delegaes precisas da ao. A escola passa assim a informatizar o sistema de conversao pelo sistema que: detecta o movimento, checa o sis-tema, envia o SMS, finaliza a sua misso, lavando as mos. Ser essa uma funo da escola?

    Concluso Buscamos aqui apontar para uma transformao nas qualidades real e sensual dos objetos. A transformao do objeto sensual bem menos visvel. Na atual fase da IoT, objetos do quotidiano, como uma xcara, ganham capacidades infocomunicacionais. A quali-dade real do objeto, como aquela que percebemos intelectualmente, muda a partir dessa discusso e do novo objeto sensual. Muda a eidos, a forma, a natureza, o tipo do objeto. Se muda o tipo do objeto muda a relao entre sujeitos e objetos, as associaes e, portanto, o social. Assim, um parlamento das coisas (Latour), como discus-so de causas, se estabelece (ou deve se estabelecer)! A mudana

    CYBER-ARTE-CULTURA

  • 45

    da eidos tem implicaes polticas, sociais, culturais e pedaggicas, como vimos. Mostramos que os objetos seguem sua trajetria nas associaes e que agora, objetos comuns da vida quotidiana esto ganhando capacidades performativas inditas. No se trata do ine-ditismo da comunicao das coisas j que os objetos esto sempre em associaes. Mas de chamar a ateno para uma nova forma de relao entre objetos e humanos a partir da atual trajetria informa-cional das coisas. Uma etiqueta RFID em um escudo escolar altera em muito a relao que a se estabelece. E os outros projetos?

    Mostramos como a TAR pode ser de grande ajuda para a compreenso desse fenmeno j que ela parte da hiptese inicial de que no h essncia e que tudo se define pelas associaes. Para a TAR, humanos e no humanos no so hierarquicamente diferen-tes, cabendo ao analista distinguir as formas de delegao, media-o e intermediao que se estabelecem em cada associao. Assim podemos analisar os fenmenos da cultura digital tendo como ponto de partida o hibridismo entre humanos e no humanos e a definio de suas funes apenas pelas associaes que se estabelecem em um determinado momento, e que podem no mais se estabelecer no futuro. Essas associaes tendem estabilizao formando cai-xas-pretas. As controvrsias so sempre momento de abertura das caixas-pretas e, por isso, um momento privilegiado para analisar o social e mostras de suas redes associativas.

    Um momento de abertura da caixa-preta a controvrsia envolvendo a IoT e particularmente o uso de etiquetas de radiofre-quncia em uniformes de alunos do CAIC, na Bahia. Essa controvr-sia revela as tenses nas associaes onde questes emergem com as novas qualidades dos objetos. Tentamos mostrar como a TAR pode ajudar a revelar essas redes associativas exibindo esteretipos, crenas e vises polarizadas envolvendo a tecnologia, a educao, as relaes sociais, a educao e a comunicao.

    A ComUniCAo dAs CoisAs. inTERnET dAs CoisAs E TEoRiA AToR-REdE

  • 46

    Referncias

    AKRICH, M., CALLON, M., LATOUR, B. A quoi tient le succs des innovations. Premier pi-sode: lart de lintressement. Annales des Mines: Grer et comprendre, juin, p. 4-17, 1988.

    ______. Sociologie de la traduction. Textes fondateurs. Collection Sciences Sociales, Ecole des mines de Paris, 2006.

    ALBRECHT, K., McINTYRE, L. Spychips: How Major Corporations and Government Plan to Track Your Every Purchase and Watch Your Every Move., Plume (Penguin), 2006.

    ASHTON, K. (2012). That Internet of Things Thing. in RFID Journal. Disponvel em . Acesso em 8 de outubro de 2012.

    ATZORI, L.; IERA, A.; MORABITO, G. The Internet of Things: a survey. Computer Networks, 54(15):2787-2805, 2010.

    BIJKER, W. E., LAW, J. Shaping Technology/Building Society. Studies in Sociotechnical Change. Cambridge: MIT Press, 1994.

    BLISS, D. (2012). Four Internet of Things Trends. Disponvel em: . Acesso em 6 set.

    BROCK, L. (2001). The Electronic Product Code (EPC) A naming Scheme for Physical Objects. Disponvel em . Acesso em 23 de agosto de 2007.

    CALLON, M. Elments pour une sociologie de la traduction: la domestication des coquilles saint jacques et des marin-pcheurs dans la baie de Saint Brieuc. Lanne Sociologique, Numro Spcial 1986, p. 169-208.

    DE WAAL, M., SOFRONIE, S. ROIBS, A. (2012). Internet of Things: what is it? Disponvel em . Acesso em 6 set. 2012.

    CERP IoT INTERNET OF THINGS EUROPEAN RESEARCH CLUSTER (2009). Internet of Things: Strategic Reserach Roadmap. Disponvel em . Acesso em 10 de julho de 2010.

    FITCHARD, K. (2012). Why we need a standard for the Internet of Things., in GigaOm. Disponvel em . Acesso em 10 de outubro de 2012.

    FLOERKEMEIER, C.; LANGHEINRICH, M.; FLEISCH, E.; FRIEDMANN, M.; SANJAY, S. E. (orgs.). The Internet of Things. Springer: Verlag, Berlin e Heildelberg, 2008.

    CYBER-ARTE-CULTURA

  • 47

    GIGLI, M.; KOO, S. Internet of Things: services and applications categorization. Advances in Inter-net of Things, vol. 1, p. 27-31, 2011.

    GREENFIELD, A. Everyware: the dawning age of ubiquitous computing. New Riders: Berkley, 2006.

    HARMAN, G. The Quadruple Objet. Zero Books, Winchester, UK, Washington, 2011.

    KRANENBURG, R.; ANZELMO, E.; BASSI, A.; CAPRIO, D.; DODSON, S.; RATTO, M. (2011). The Internet of Things. 1st Berlin Symposium on the Internet and Society. Outubro. Disponvel em . Acesso em 3 de junho de 2012.

    KRANENBURG, R. (2012). The Sensing Planet: Why the internet of things is the biggest next big thing. Disponvel em Acesso em 10 de outubro de 2012.

    LATOUR, B. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simtrica. Rio de Janeiro: 34, 1994.

    ______. Reassembling the Social: An Introduction to Actor-Network Theory. Oxford: Oxford Uni-versity Press, 2005.

    LAW, J., HASSARD, J. (eds.). Actor Network Theory and After. Oxford: Blackwell Publishers / The Sociological Review, 1999.

    STERLING, B. Shaping Things. Cambridge. Mass.: The MIT Press, 2005.

    UCKELMANN, D; HARRISON, M.; MICHAHELLES, F. An Architectural Approach Towards the Future Internet of Things. In UCKELMANN, D; HARRISON, M.; MICHAHELLES, F. (orgs). Archi-tecting the Internet of Things. New York, Dordrecht, Heidelberg, London: Springer, 2011.

    VENTURINI, T. Diving in magma: how to explore controversies with actor-network theory. Pub-lic Understanding of Science 19(3):258-273, 2010.

    ______. Building on faults: how to represent controversies with digital methods. Public Understanding of Science 21(7):796-812, 2012.

    YANG, De-Li; LIU, Feng; LIANG, Yi-Duo. A Survey of the Internet of Things. In: The 2010 Inter-national Conference on E-Business Intelligence. Atlantis Press, 2010.

    A ComUniCAo dAs CoisAs. inTERnET dAs CoisAs E TEoRiA AToR-REdE