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CUADERNOS DE LA ALFAL
No 12 (1) mayo 2020: 33-52
ISSN 2218- 0761
A RELAÇÃO ENTRE A PERCEPÇÃO DAS VOGAIS MÉDIAS
PRETÔNICAS E A ESCRITA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO (PB)
THE RELATIONSHIP BETWEEN THE PERCEPTION OF MID-VOWELS
IN PRE-STRESSED POSITION AND
THE WRITING OF BRAZILIAN PORTUGUESE (PB)
INGRID CRUZ DO NASCIMENTO PEDRO FELIPE DE LIMA HENRIQUE
Universidade Federal da Paraíba Universidade Federal da Paraíba
[email protected] [email protected]
Esta pesquisa associa-se ao Projeto Variação Linguística no Estado da Paraíba (VALPB) e
apresenta um recorte do estudo realizado por Nascimento (2017). O objetivo deste trabalho
consistiu em verificar a influência da percepção das vogais médias, em posição pretônica e
em contextos de harmonia vocálica (HV), na escrita de estudantes do Ensino Fundamental
II. Para isso, realizamos um teste com 40 estudantes de uma escola pública de João Pessoa,
PB, no qual eles deveriam escutar os estímulos (com as vogais pretônica produzidas como
altas) e escrever a palavra correspondente. Em relação à fundamentação teórica,
mencionamos Labov ([1972] 2008), Eckert (2012), Bortoni-Ricardo (2004), Faraco (2012),
Roberto (2016), Camara Jr. (1970) e os estudos de Bisol (1981), Pereira (1997) e Schüller
(2013). Dentre os resultados obtidos, constatamos que os estudantes do último ano do
referido ciclo de ensino obtiveram um nível maior de acerto em relação à escrita que os
alunos do primeiro ano, ressaltando a importância de se trabalhar a relação entre oralidade e
escrita na sala de aula.
Palavras-chave: Sociolinguística variacionista, percepção das vogais médias pretônicas,
ensino da língua portuguesa, oralidade e escrita.
This research is related to the Linguistic Variation in the State of Paraíba Project (VALPB)
and presents a part of the study developed by Nascimento (2017). Its goal was to verify the
influence of the perception of mid vowels, in pre-stressed position and in the context of
vowel harmony, on the writing of middle school students. For this purpose, we conducted a
test with 40 students from a public school of João Pessoa - PB, in which they had to listen
to the stimulus (a mid-vowel in pre-stressed position produced as a high vowel) and then
write it. The theoretical framework was based on Labov ([1972] 2008), Eckert (2012),
Bortoni-Ricardo (2004), Faraco (2012), Roberto (2016), Camara Jr (1970), Bisol (1981),
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Pereira (1997) and Schüller (2013). The main results show that the students from the last
grade of the middle school had a higher hit rate in comparison with the students from the
first grades, what highlights the importance of teaching the relation between orality and
writing.
Keywords: Variationist Sociolinguistics, perception of mid-vowels in pre-stressed position,
portuguese language teaching, orality and writing.
Recebedo: 15 janeiro 2020 Aceito: 28 fevereiro 2020
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
esenvolvida nos Estados Unidos na década de 60 por William Labov, a Sociolinguística
Variacionista (ou Teoria da Variação), vertente da Linguística contemporânea, se ocupa
em descrever, por meio de pesquisas que, atualmente, envolvem a produção, a percepção, o
estilo e as atitudes linguísticas, os usos espontâneos de fala e, como o próprio nome incita, suas
variações nos mais diversos contextos. Essas variações estão presentes em todos os níveis da
língua, inclusive no fonológico, e o comportamento das vogais médias pretônicas é um exemplo
disso, já que três formas podem ocorrer nesse contexto: [i, e, ɛ], como em “m[i]nino”,
“m[e]nino” e “m[ɛ]nino”; ou [u, o, ɔ], como em “c[u]ruja”, “c[o]ruja” e “c[ɔ]ruja”.
Essa variação que ocorre na língua falada por vezes é transposta para a língua escrita,
principalmente por alunos que estão começando a adquirir esta modalidade de linguagem,
justamente no momento em que as primeiras paridades entre grafemas e fonemas são
estabelecidas. Entretanto, espera-se que o conhecimento ortográfico do Português escrito seja
majoritariamente consolidado ao final do primeiro ciclo do ensino fundamental I, algo que não é
constatado na escrita de boa parte dos alunos egressos do ensino fundamental. Dentro desse
contexto, pode-se questionar: qual a motivação para a escrita das vogais médias pretônicas com
/i, u/ até mesmo nos anos finais do Ensino Fundamental II?
Pensando nisso, a variação da produção das vogais médias /e/ e /o/ em posição pretônica,
no Português do Brasil (PB), estudada pioneiramente por Bisol (1981), tem sido um alvo
recorrente de pesquisadores dessa área, principalmente por ser uma das variantes que marcam a
identidade dos falantes do eixo Sul-Sudeste do país. Segundo Câmara Jr. (1970), Bisol (1981) e
Pereira (1997), as vogais médias /e/ e /o/ podem ser produzidas, respectivamente, como [Ɛ, e, i]
e [ɔ, o, u]. Quando há um gatilho para o alçamento na sílaba seguinte ou na sílaba tônica, os
fonólogos caracterizam esse processo como harmonia vocálica. Em outras palavras, tal processo
ocorre quando a altura das vogais é a mesma, como em b[e]l[e]za e c[e]rt[e]za, por exemplo.
Na cidade de João Pessoa – PB, comunidade de fala da nossa pesquisa, Pereira (1997)
verificou o mesmo fenômeno linguístico, analisado inicialmente por Bisol (1981). Conforme
exposto anteriormente, existem três produções das vogais médias /e/ e /o/, respectivamente,
como [Ɛ, e, i] e [ɔ, o, u]1, sendo as vogais médias abertas [Ɛ] e [ɔ] as mais recorrentes na
comunidade de fala mencionada.
1 Podemos mencionar, dentre outros, os seguintes exemplos: b[Ɛ]bida, b[e]bida e b[i]bida; b[ɔ]neca,
b[o]neca e b[u]neca.
D
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Contudo, os estudos desenvolvidos no Brasil que direcionam o seu foco à percepção dos
ouvintes acerca da variação da fala ainda são escassos. Entre eles, podemos mencionar os
trabalhos de Lopes (2012), Oushiro (2015), Henrique (2016) e Amorim (2017). Ao
restringirmos os estudos de percepção acerca da variação das vogais médias /e, o/ em posição
pretônica no Português Brasileiro, destacamos a pesquisa desenvolvida por Schüller (2013). O
propósito desse trabalho é investigar a percepção que os falantes nativos do Rio Grande do Sul –
RS têm do fenômeno mencionado em palavras com o contexto para os processos de harmonia
(HV) e de alçamento vocálico (AV).
Em relação às contribuições da Sociolinguística Variacionista para o ensino de Língua
Portuguesa (LP), os trabalhos empíricos, com foco na produção, têm auxiliado no entendimento
de alguns processos de transferência da fala para escrita. Entretanto, nenhum estudo de
percepção da fala foi usado para tentar compreender os processos de substituição que ocorrem
na escrita de alunos do Ensino Fundamental I e II2.
Com base nisso, esta pesquisa, cujo foco é verificar a influência da percepção das vogais
médias /e, o/, em posição pretônica, na escrita de estudantes do Ensino Fundamental II, na
comunidade de fala pessoense, apenas em contexto de harmonia vocálica com elevação da
vogal, se configura como um recorte do estudo desenvolvido por Nascimento (2017). Para isso,
serão apresentados os resultados de um dos testes realizados pela autora, no qual foi solicitado
que o estudante escrevesse a palavra, após escutá-la com pronúncia da vogal pretônica como
alta. Desse modo, a hipótese era de que os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental (8° e
9° anos) obteriam um nível maior de adequação ortográfica em relação ao estímulo escutado.
Subdivide-se, portanto, a pesquisa aqui apresentada em cinco seções. Na primeira, são
discutidas algumas questões pertinentes à Sociolinguística Variacionista e aos estudos que
envolvem percepção. Na segunda, estudos que teorizam a influência da oralidade na escrita são
revisados. Na terceira, é apresentado um resumo de alguns estudos desenvolvidos no Brasil,
mais detidamente, na cidade de João Pessoa – PB, acerca das vogais médias pretônicas. Na
quarta seção, a metodologia utilizada para o delineamento desta pesquisa é detalhada. Por fim,
na última, encontram-se os resultados do teste de percepção respondido por estudantes do
ensino fundamental II de rede pública, na comunidade de fala pessoense.
2. TEORIA DA VARIAÇÃO: DE LABOV A ECKERT
Esta seção, fundamentada em Labov ([1972] 2008), situa, primeiramente, o lugar da
Sociolinguística Quantitativa dentro dos trabalhos linguísticos do final do século XX, assim
como os pressupostos teórico-metodológicos que dizem respeito a essa linha de pesquisa. Em
seguida, os pressupostos da terceira onda da Teoria da Variação são discutidos brevemente a
partir das considerações postuladas por Eckert (2012).
2 Conforme mencionado anteriormente, os trabalhos que analisam a interferência da fala na escrita
geralmente destinam-se ao Ensino Infantil e aos anos iniciais do Ensino Fundamental. A partir disso,
selecionamos apenas o Ensino Fundamental II, a fim de verificar se os problemas relacionados à
ortografia, geralmente encontrados nas séries iniciais, persistem ou não.
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2.1. Labov e os primeiros passos da Sociolinguística
Ao perceber que a fala era suscetível à variação e que tinha regras específicas de mudança,
contrapondo à visão bloomfieldiana de “variação livre”, Labov ([1972] 2008) desenvolveu seu
primeiro estudo sobre o uso do ditongo (ay) e (aw) na ilha de Martha’s Vineyard3, na década de
70. A partir disso, o linguista acabou refutando a ideia de que a fala, algo tão instável e
problemático de ser analisado por sofrer influência estrutural e social, não podia ser descrita por
meio de uma ordem lógica. Ele afirma que
Nem todas as mudanças são altamente estruturadas, e nenhuma mudança acontece num vácuo
social. Até mesmo a mudança em cadeia mais sistemática ocorre num tempo e num lugar
específicos, o que exige uma explicação.
(Labov, [1972] 2008: 20)
Em vista disso, fica evidente que o linguista critica o método estruturalista utilizado pelos
estudiosos até então, que explicavam a variação e mudança linguísticas apenas por meio das
interferências microestruturais intrínsecas de cada sistema linguístico. Diante disso, Labov
cogita ser possível ordenar o “caos linguístico” a partir da consideração das características
sociais como fatores que influenciam diretamente o comportamento heterogêneo de toda e
qualquer língua. Sobre o comportamento da mudança linguística, Labov explica que
[...] não se pode entender o desenvolvimento de uma mudança linguística sem levar em conta a
vida social da comunidade em que ela ocorre. Ou, dizendo de outro modo, as pressões sociais
estão operando continuamente sobre a língua [...] como uma força social imanente agindo no
presente vivo.
(Labov, [1972] 2008: 21)
A partir disso, o autor propõe uma metodologia para trabalhar com dados naturais de fala.
Tal proposta surge como forma de suprir uma lacuna existente desde os estudos saussurianos,
que tomavam a fala como algo homogêneo. O olhar apresentado pelo linguista para lidar com a
variação e a mudança da fala possui uma metodologia rigorosa, como a definição de variáveis
(são os itens alvos de mudança, como /e/ e /o/ em posição pretônica, por exemplo) e variantes
(são as formas de realização da variável, a exemplo do alçamento, /i/ e /u/) e abre uma nova
perspectiva dentro dos estudos linguísticos, pois propõe a análise estatística de dados obtidos
por meio de entrevistas semiestruturadas.
De acordo com o exposto, fica claro que os aspectos macroestruturais (regional, econômico,
político, de gênero etc.) que envolvem toda e qualquer organização social interferem
diretamente na variação das línguas e, consequentemente, no uso destas. No nível interfalante,
cada variante é carregada de significado social, visto que os falantes são julgados a partir de um
estereótipo inerente a ela. É importante observar também que a variação linguística ocorre no
nível intrafalante (ou de uma comunidade de prática), isto é, cada falante também tem um modo
próprio de fala (que chamamos de características idiossincráticas), assim como cada ouvinte tem
3 Eckert (2012) classificou, posteriormente, tal trabalho como pertencente à segunda onda da
Sociolinguística Variacionista.
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um modo próprio de perceber a fala em questão. Eckert (2012) se debruçou sobre esse aspecto
para postular os princípios da terceira onda da Sociolinguística.
2.2. Eckert e a terceira onda da Sociolinguística
Baseando-se em uma análise de pesquisas sociolinguísticas desenvolvidas no século XX,
Eckert (2012) propõe uma (re)definição dessa área em três “ondas”, cujas formas de lidar com o
vernáculo4, embora difiram entre si, não se excluem ou se sobrepõem em níveis de importância.
Vale destacar que as três ondas não são enquadradas categoricamente em um espaço-temporal,
de modo que trabalhos da primeira onda (que possuem a estratificação clássica proposta por
Labov ([1972] 2008), por exemplo, são realizados na contemporaneidade.
A terceira onda, por sua vez, enxerga de forma diferente a relação entre a variação e as
categorias sociais isoladas (sejam elas macro ou de orientação local) na medida em que acredita
que os significados sociais impetrados às variantes não podem ser atribuídos fora de contextos
sociais e reais de uso. Dessa forma, um significado social pode mudar de um contexto para o
outro, a depender do interlocutor e da situação de comunicação. O foco desse programa de
estudos sociolinguísticos não é a mudança, como os anteriores. Seu interesse é entender que
informações sociais as pessoas buscam passar dentro de uma interação social e por quê
(Soriano, 2015: 27).
Nesse sentido, há dois conceitos extremamente caros à terceira onda: estilo e comunidade
de prática. No que diz respeito ao estilo, Eckert (2012) alega que, por meio dele, podemos
identificar as diferenças no uso de determinadas variantes linguísticas de acordo com o
posicionamento de quem as usa nas diversas interações sociais de comunicação que
estabelecem, ou seja, há uma intenção e uma reflexão que motivam a escolha ou não do uso de
uma variante de acordo com base nessas interações e na inserção dos falantes em grupos sociais.
Em relação a tais grupos sociais, trazemos à tona o conceito de comunidade de prática, que,
segundo Eckert (2003: 44), é o “lócus primordial de construção estilística”. Tais comunidades
têm, por seus participantes, práticas em comum que as reúnem de forma regular, como a família,
os colegas de trabalho, os amigos de infância, etc. É importante mencionar que essas práticas
fazem com que seus participantes compartilhem, em certa medida, do mesmo olhar para a
realidade que os cercam.
Henrique (2016: 28-29) explica que a relação entre "a variação e a atribuição de
significados sociais [...] podem envolver análises que lidem com a produção de
informantes/indivíduos em contextos específicos, como também podem debruçar-se sobre
questões ligadas a percepções sociolinguísticas de variantes fonéticas".
Desse modo, podemos supor que os trabalhos que se enquadram nessa perspectiva, por ter
um viés qualitativo mais aprofundado, podem contar com um número reduzido de informantes.
Cabe ressaltar, contudo, que essa escolha depende unicamente dos objetivos do pesquisador
diante do fenômeno linguístico analisado. É nesse contexto, portanto, que os trabalhos com foco
na percepção de fala se inserem.
4 Labov (1972 apud Eckert, 2012, p. 3) defines the vernacular as the speaker’s most automatic linguistic
production free of conscious interference, which is to be witnessed in the most unreflective,
spontaneous, speech.
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2.3. Os trabalhos sobre percepção de fala
A variação na fala pode ser detectada em diferentes níveis: intrafalante, interfalante, em
nível da realização segmental, no contexto da palavra, em diversas regiões geográficas, entre
outros exemplos. As abordagens tradicionais relacionadas ao estudo de percepção da fala e ao
processamento da língua falada geralmente ignoram essas fontes de variação e se pautam nas
descrições fonéticas abstratas, desconsiderando a variabilidade linguística que enunciados,
falantes e contextos podem oferecer e, consequentemente, interferir na percepção.
Nesse sentido, Nygaard e Pisoni (1998) têm considerado não apenas os efeitos da variação
linguística nos falantes, mas também o impacto da variação dialetal e as implicações dessas
diferenças para as tarefas de processamento da língua falada, apresentando tais vertentes da
Linguística não de forma segregada, como ocorria anteriormente, mas tomando-as como
complementares entre si. A proposta deste trabalho, portanto, enquadra-se na terceira onda da
Sociolinguística, pois trata da percepção de fala por ouvintes no contexto escolar.
Para a construção da metodologia desta pesquisa, elencamos os trabalhos desenvolvidos por
Lopes (2012), Oushiro (2015) e Henrique (2016), visto que, embora não se ocupem em
investigar questões voltadas à aprendizagem da escrita, todos apresentam foco na compreensão
da percepção de fala em comunidades linguísticas distintas. Além disso, as três pesquisas
atentam para a necessidade do rigor metodológico, como o controle das variáveis e dos
elementos suprassegmentais, a fim de obter resultados mais confiáveis nas análises estatísticas.
3. CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLINGUÍSTICA PARA O
ENSINO DE LÍNGUA MATERNA
A partir da perspectiva dos Parâmetros Curriculares Nacionais PCN do Ensino
Fundamental (1997) e sob o respaldo de Bortoni-Ricardo (2004), de Faraco (2012) e de Roberto
(2016), nesta seção é discutida a importância de se considerar a variação linguística no contexto
do ensino de língua materna.
3.1. A Sociolinguística e a sala de aula: entre teorias e práticas
Sabe-se que, desde o século XX, as discussões da Sociolinguística têm chegado à academia
e às escolas, contribuindo com uma nova concepção de ensino de língua materna, embora
alguns equívocos ainda sejam cometidos. Nesse sentido, os PCN têm um papel significativo,
pois propõem que professor de língua materna desenvolva novos objetivos e metodologias como
meio de potencializar as competências linguísticas dos educandos. Acerca do uso da língua oral
e escrita, os documentos afirmam que
Não é papel da escola ensinar o aluno a falar: isso é algo que a criança aprende muito antes da
idade escolar. Talvez por isso, a escola não tenha tomado para si a tarefa de ensinar quaisquer
usos e formas da língua oral. Quando o fez, foi de maneira inadequada: tentou corrigir a fala
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“errada” dos alunos —por não ser coincidente com a variedade lingüística de prestígio social—
com a esperança de evitar que escrevessem errado
(Brasil, 1997: 38)
Sobre o exposto, fica evidente que a Teoria da Variação é uma das teorias que
fundamentam os PCN. Entretanto, isso não é suficiente, considerando a possibilidade de o
professor de LP não conhecer tal documento, muito menos as discussões que circundam essa
teoria. Isso explica, parcialmente, o fato de ainda termos alguns profissionais que não
consideram a distinção entre língua falada e escrita, tomando-as como sinônimos, o que afeta a
metodologia do docente e, consequentemente e de forma mais grave, o desempenho do
estudante.
Outro ponto importante a ser discutido é a relação entre o processo de leitura e o de escrita.
Embora sejam de naturezas distintas, eles são complementares, uma vez que ser exposto a
diversos usos linguísticos, nos mais diversos contextos de interação, pode ampliar o letramento
do discente. Mais uma vez, cabe ressaltar a importância da mediação do professor, que deve
pautar o ensino da ortografia em duas premissas:
a inferência dos princípios de geração da escrita convencional, a partir da explicitação das
regularidades do sistema ortográfico (isso é possível utilizando como ponto de partida a
exploração ativa e a observação dessas regularidades: é preciso fazer com que os alunos
explicitem suas suposições de como se escrevem as palavras, reflitam sobre possíveis
alternativas de grafia, comparem com a escrita convencional e tomem progressivamente
consciência do funcionamento da ortografia);
a tomada de consciência de que existem palavras cuja ortografia não é definida por regras
e exigem, portanto, a consulta a fontes autorizadas e o esforço de memorização.
(Brasil, 1997: 57)
Nesse sentido, Bortoni-Ricardo (2004) acredita que, ao se deparar com uma regra não
padrão utilizada pelos discentes, o professor de LP deve intervir, a partir de duas perspectivas:
identificação e conscientização. A primeira se dá por meio do reconhecimento da regra que o
educando não realizou; para isso, é de suma importância que o professor tenha ciência desse
processo de regras. A segunda, por sua vez, depende da primeira, pois o docente, após a
identificação, deve fazer com que o aluno se atente ao processo que ele (não) realizou, a fim de
que ele compreenda as regras ortográficas e coloque-as em sua prática de escrita.
A linguista salienta, ainda, a importância de o professor atentar para o contexto do discente,
considerando e respeitando as suas características culturais e psicológicas, buscando não
constranger ou minimizar o conhecimento que ele traz de sua comunidade de fala. Pelo que
pudemos observar, a autora se refere à fala e seus contextos de uso, mas isso não impede que
ampliemos a discussão apresentada para situações que envolvem língua falada e escrita.
Do mesmo modo, Roberto (2016) defende que o professor não pode se abster de ser ativo
no processo de mediação, uma vez que é ele quem conscientiza os alunos sobre o conhecimento
que eles possuem através do processo de reflexão do uso da própria língua, seja ele oral ou
escrito, isto é, o professor deve fazer o aluno ter consciência fonológica. A autora também
explica que o “fracasso escolar” pode, dentre outros fatores, advir das posturas relutantes desses
profissionais em considerar as novas teorias como forma de melhorar suas metodologias. Para
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isso, é de suma importância que as discussões realizadas na academia cheguem ao ambiente
escolar de maneira mais eficaz.
Em relação ao ensino de ortografia e sua relação com a oralidade, Roberto (2016) afirma
que
[...] mesmo passado o período inicial de alfabetização, o apoio na oralidade, reflexo de pouca
leitura e desconhecimento do registro gráfico de algumas palavras, bem como o
desconhecimento da regra na relação fonográfica [...] se manifestarão na escrita desviante. Os
casos de relações irregulares, aliás, seguem ao longo de toda a jornada escolar e, ainda, na fase
adulta, sempre que uma palavra nova surge. Preocupa é que relações regulares continuem a
manifestar-se com registro equivocado após os primeiros anos de escolaridade, o que denuncia
problemas no processo de ensino e aprendizagem da ortografia. Lamentável é que esses mesmo
desvios ortográficos sejam interpretados, na maior parte dos casos, como um problema
associado à incompetência do aprendiz.
(Roberto, 2016: 162)
Reitera-se, mais uma vez, a importância do professor no processo de mediação do ensino de
língua materna, além de ser possível questionar o seguinte: mesmo sabendo que o ensino de LP
passa por problemáticas, será que a transferência da fala para a escrita, mesmo com um
professor que conscientize os discentes das diferenças entre oralidade e escrita, não se dá,
também, pela interferência da percepção da variação linguística?
A respeito da variação das vogais médias pretônicas, Bortoni-Ricardo (2004: 80) além de
afirmar que “é muito importante observar que as vogais médias /e/ e /o/ são geralmente
pronunciadas /i/ e /u/ em sílabas átonas, pretônicas ou postônicas”, menciona o processo de
abaixamento dessas vogais nas comunidades de fala nordestinas. Nesse contexto, a autora fala
apenas sobre a dificuldade que os alunos têm em representar as vogais e os ditongos nasais, mas
vale destacar, aqui, que o processo de harmonia vocálica pode ser tão complexo de ser grafado
pelo discente quanto o processo de nasalização, necessitando de um olhar empático do docente
no que diz respeito aos erros ortográficos que os discentes cometem.
Ainda sobre a variação indicada anteriormente e sua relação com a ortografia, Faraco
(2012: 154-155) explica que a utilização de uma das variantes (aberta, fechada ou alta) oscila,
aparentemente, conforme o grau de formalidade da fala. O problema consiste na utilização da
vogal alta em posição pretônica, pois “costuma trazer problemas para o alfabetizando (ele tende
a escrever minino e curuja). A superação dessa dificuldade inicial passa certamente pela
percepção dos casos em que oscilamos na pronúncia”.
É justamente por isso que este trabalho busca investigar de que modo o processamento da
língua falada pode interferir no aprendizado de uma língua escrita. Ora, se os trabalhos de
percepção de fala têm mostrado que os julgamentos dos ouvintes em relação a um falante
podem ser positivos ou não em relação às características sociais e psicológicas deste, é possível
acreditar que a percepção de variáveis distintas pode interferir diretamente no processo de
escrita do aluno.
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4. AS VOGAIS MÉDIAS PRETÔNICAS NO PORTUGUÊS
BRASILEIRO (PB): PRODUÇÃO E PERCEPÇÃO
Nesta seção, serão expostos alguns trabalhos que caracterizaram as vogais médias
pretônicas no Português Brasileiro (PB) ou objetivaram analisar o comportamento dessas
variáveis em nossa língua. Elenca-se, portanto, os trabalhos de Câmara Jr (1970), Bisol (1981),
Pereira (1997) e Schüller (2013) a fim de discutir a ocorrência desse fenômeno linguístico na
comunidade pessoense.
4.1. O sistema vocálico do português brasileiro
Diferentemente das consoantes, as vogais são conhecidas por não possuírem obstrução da
passagem de ar no trato vocal e podem ser classificadas em orais ou nasais5. O primeiro caso
ocorre quando o ar sai apenas pela cavidade bucal; o segundo, quando o ar sai, ao mesmo
tempo, pelas cavidades bucal e nasal. Desse modo, tomando como base a fonologia
estruturalista e o “sistema vocálico triangular” proposto inicialmente por Trubetskoy, Câmara Jr.
(1970) definiu as vogais do PB em baixas, médias e altas. As vogais médias, por sua vez, podem
ser de 1° grau, quando abertas, ou de 2° grau, quando fechadas6. Vejamos o quadro abaixo:
altas /u/ /i/
médias /o/ /e/
baixa /a/
posteriores central anteriores
Quadro 1 – Vogais pretônicas
Fonte: Câmara Jr., 1970: 43
Consoante o que foi explicitado anteriormente, as vogais médias, quando em posição
pretônica, sofrem variação, podendo ser produzidas de três formas distintas: /e/ e /o/,
respectivamente, como [Ɛ, e, i] e [ɔ, o, u]. A caráter de exemplificação do quadro acima,
tomemos os seguintes exemplos: 1) alteamento – r[i]alce, c[u]ruja 2) manutenção – r[e]alce,
c[o]ruja e 3) abaixamento – r[Ɛ]alce, c[ɔ]ruja. Sabendo das possibilidades de produção das
vogais médias /e, o/ em posição pretônica, é interessante partirmos para as características físicas
que cada uma possui, visto que a diferenciação entre elas se dá através de aspectos sutis, como
anterioridade e posterioridade da língua, por exemplo.
5 De acordo com Câmara Jr (1970), as vogais nasais inexistem no PB. O que existe é o espraiamento do
traço de nasalidade das consoantes nasais para as vogais por meio de assimilação regressiva, como por
exemplo, em b[a]nana, m[e]nino e b[o]neca, fazendo com que o F1 da vogal fique menor. 6 Barbosa e Madureira (2015) caracterizam as vogais de 1° grau como semiabertas; as de 2°,
semifechadas.
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4.2. Vogais médias pretônicas: produção
Tal fenômeno variável foi estudado no PB, inicialmente, por Bisol (1981), no Rio Grande
do Sul – RS. Segundo a autora, a instabilidade encontrada na fala popular e culta7, em relação à
harmonização do uso das vogais médias em posição pretônica, é uma herança do Português
Europeu (PE). O trabalho se propôs a investigar, por meio de entrevistas e testes e sob uma
perspectiva sincrônica, a frequência do processo fonológico mencionado pelos falantes gaúchos.
Acerca do processo de harmonia vocálica, Bisol (1981: 119) afirma que “é, em sua
essência, uma regra de condicionamento fonológico”. Em outras palavras, a autora explica que
ele ocorre devido à influência de uma vogal alta na sílaba seguinte (como /i, u/) e independe da
tonicidade da palavra, podendo ocorrer, consequentemente, em qualquer sílaba e em qualquer
vogal da palavra. Portanto, “a redução das átonas está diretamente ligada ao enfraquecimento da
sílaba” (Bisol, 198: 30).
A pesquisa de Pereira (1997), por sua vez, teve como lócus de investigação a cidade de
João Pessoa – PB. A autora expõe que “o princípio da harmonização vocálica é estudado não só
em função da elevação a que as vogais se submetem, mas também como responsável de timbre
fechado e aberto” (1997: 43) e que a realização das médias abertas é recorrente em Natal – RN e
Salvador – BA.
Em relação a esse processo, foi comprovado que as vogais /i, u/ na sílaba seguinte são as
maiores condicionadoras da realização das variáveis nos três níveis de posição das vogais
médias pretônicas, sendo a vogal anterior /o/ mais propensa à abertura do que a posterior /e/
(como em v[Ɛ]getal e vel[ɔ]rio), sendo a variante aberta categórica na sílaba anterior /ɔ/ (como
em c[ɔ]l[ɔ]car). Além disso, a autora afirma que as variantes abertas [Ɛ] e [ɔ] são as mais
recorrentes, seguidas das elevadas [i] e [u] e das fechadas [e] e [o] na comunidade de fala
pessoense.
Acerca dos contextos fonológicos e sua influência na produção das variáveis mencionadas
na fala pessoense, a autora destaca, como favorecedores para [Ɛ] a vibrante posterior como
contexto precedente e seguinte; para [ɔ], a palatal e a alveolar precedentes e a sibilante seguinte.
Para a manutenção, a palatal precedente favorece [e] (como em “jejum”), enquanto a vibrante
posterior precedente e a palatal seguinte favorecem [o] (como em “rosnar”). Já para a elevação
das variantes, tem-se como favorecedor o contexto labial como precedente, além da sibilante no
contexto seguinte (como em “bexiga” e “bochecha”). Quanto às variáveis extralinguísticas, são
as mulheres entre 26 e 49 anos e os universitários que mais favorecem a manutenção das
variáveis dependentes, que são as de maior prestígio em nossa comunidade de fala.
Entretanto, sabe-se que cada variante possui um significado social que muitas vezes leva o
falante a optar, conscientemente, pelo uso de uma dessas duas variáveis. Na comunidade de fala
de João Pessoa, conforme tem-se discutido, sabe-se que, embora o uso mais frequente seja o das
vogais médias baixas, as outras variáveis também são utilizadas, o que leva a acreditar que os
resultados dos testes de percepção aplicados apresentam uma grande aceitação das variáveis
médias fechadas, principalmente pelo fato de os informantes ainda estarem em processo de
“estabilização” da variação linguística utilizada.
7 Bortoni-Ricardo (2004) propõe a norma culta do PB a partir de três continuum: urbanização, oralidade-
letramento e monitoração estilística.
43
4.3. Vogais médias pretônicas: percepção
Conforme mencionado anteriormente, trabalhos que tomam como foco a percepção da fala
vêm crescendo ao longo dos anos, embora ainda sejam escassos no Brasil. Sobre a percepção
das vogais médias em posição pretônica, o trabalho de Schüller (2013) é citado, e este teve
como objetivo verificar a percepção de falantes nativos de PB, das vogais médias altas e altas,
em posição pretônica, que sofreram os processos de harmonia e/ou de alçamento.
O trabalho desenvolvido pelo pesquisador mencionado se assemelha a este em relação ao
número de informantes, o que ratifica a discussão apresentada na seção 1.3 deste estudo. Foram
selecionados 40 informantes, sendo 20 do sexo masculino e 20 do sexo feminino, estratificados
de acordo com a escolaridade, idade e naturalidade. O teste de identificação consistia em ouvir
uma palavra e, marcar, na tela do computador, a vogal que mais se assemelhava à sílaba que
sofria o processo de HV ou AV. Os estímulos da pesquisa foram gravados por quatro falantes
gaúchos, sendo dois homens e duas mulheres, todos do curso de Letras Português. No total, os
ouvintes foram submetidos a “60 palavras que sofrem o processo de harmonia vocálica ou de
alçamento vocálico no PB, 60 palavras que não sofrem o processo de harmonia vocálica ou de
alçamento vocálico no PB, além 20 de palavras distratoras, totalizando 140 palavras” (Schüller,
2013: 32)8.
No que concerne aos resultados, foi identificado que os ouvintes, em relação à percepção da
vogal média pretônica, em contexto de HV, obtiveram 70,8% de acerto; em contexto de AV,
69,6%. Não houve diferença significativa entre as vogais altas [i] e [u]. Já a percepção da vogal
pretônica, em contexto de HV, porém sem a aplicação deste processo para /e, o/ em posição
pretônica, os ouvintes obtiveram 96,9% de acerto; em contexto de AV, 93,4%. Assim como
para as vogais altas, não houve diferença significativa na percepção das vogais médias
pretônicas [e] e [o].
Por fim, Schüller (2013) comprova que não houve 100% de acerto das vogais médias [e] e
[o] em contexto de HV ou AV, nem das vogais altas [i] e [u] que resultaram desses processos.
Acredita-se que, nesse caso, caberia uma análise qualitativa ou outro teste que buscasse
compreender a identidade dos ouvintes, pois o “não acerto” pode ser um indício de preferência
de fala dos informantes que participaram do teste, ou seja, mesmo reconhecendo as variantes
média e alta, os informantes selecionavam uma divergente da que lhe era apresentada
simplesmente por não se identificar com aquele uso.
5. ASPECTOS METODOLÓGICOS9
O trabalho exposto aqui é de natureza qualitativa e quantitativa, pois 1) toma testes
estatísticos como um dos métodos de análise dos dados empíricos coletados e 2) objetiva
descrever e implementar análises sobre possíveis diferenças entre as percepções das vogais
médias em posição pretônica e a sua relação com a aquisição da língua escrita.
8 A gravação dos estímulos tomou como base a proposta de Barbosa e Madureira (2015).
9 Para a descrição metodológica completa, ver Nascimento (2017). Disponível em:
https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/3259/1/ICN05122017.pdf.
44
Dividida em três partes, esta seção expõe, inicialmente, a caracterização do teste de
percepção, apontando a variável dependente a ser analisada e as independentes a serem
controladas. Em seguida, é apresentado o corpus linguístico utilizado para o desenvolvimento
desse trabalho e, por fim, a descrição do método de análise estatística utilizado para a obtenção
dos resultados.
5.1. A confecção dos testes de percepção
A montagem do experimento e o método de análises estatísticas apresentado foram
baseados nos trabalhos desenvolvidos por Lopes (2012), Oushiro (2015) e Henrique (2016).
Para responder ao questionamento sobre a existência de diferença entre as vogais médias /e, o/
em posição pretônica, foi solicitado inicialmente que o estudante escrevesse uma palavra que
sofre o processo de harmonia vocálica após escutá-la. Optou-se primeiramente por esse teste,
pois, no contexto dos estímulos apresentados, os processos de HV ou AV são recorrentes ou
possíveis na comunidade de fala investigada.
Por fim, aplicamos um questionário socioeconômico a fim de embasar a análise qualitativa
dos resultados. É importante esclarecer que optamos por fazer o questionário no Word a fim
sanar possíveis dúvidas no momento da realização deste.
5.1.1. A gravação dos estímulos
Em relação à confecção dos estímulos, foram gravadas três pronúncias de um grupo de 8
palavras por uma falante pessoense, moradora da Zona Sul da cidade, universitária e que se
enquadra na faixa etária de 15 a 25 anos. Ela foi escolhida não apenas devido à sua
disponibilidade para as gravações, mas também por ser filha de pessoenses e nunca ter se
ausentado da cidade por mais de dois anos, um dos critérios propostos por Labov [2008 (1972)]
para se tomar a fala de um indivíduo como representação de uma comunidade linguística. Além
disso, a lista de palavras foi gravada por apenas uma informante, dado que todos os estímulos
(24 no total) deveriam ser multiplicados pelo número de informantes a fim de garantir que não
houvesse interferência idiossincrática de cada um deles na percepção dos ouvintes. A extensão
do teste, portanto, ficaria comprometida, pois duraria mais tempo e isso poderia influenciar na
atenção dos estudantes.
A gravação dos estímulos aconteceu no Laboratório de Variação Linguística da Paraíba
(VALPB), ambiente com ruído inferior a 50 dB, a partir de um gravador portátil, marca Tascam,
modelo DR-2d, com precisão de gravação de 24bit / 96kHz. A taxa de amostragem do gravador
foi ajustada para 44.100 KHz no momento da coleta e o microfone foi posicionado a 5 cm da
boca da informante.
As palavras que compunham o roteiro de gravação foram escolhidas para abranger
contextos que influenciavam os processos de HV ou AV nas vogais médias em posição
pretônica. Para cada palavra do quadro apresentado à informante, portanto, foram realizadas três
repetições em uma gravação, sendo três gravações distintas com as três produções possíveis
para /e/ e /o/: uma com a pronúncia aberta, uma com a pronúncia fechada e uma com a
pronúncia alta.
45
Palavra Vogal Cont.fon. prec. N. de Síl. Cat. Gram. Vog. síl.
seg.
Dist. da
síl.
Tônica
Pepino E [p] – labial Trissílabo Substantivo i contígua
Seguro E [s] - alveolar Trissílabo Adjetivo u contígua
Depressa E [d] – linguo-dental Trissílabo Adjetivo Ɛ contígua
Esporte E [ø] Trissílabo Substantivo ɔ contígua
Comício O [k] – velar Polissílabo Substantivo i contígua
Noturno O [n̪] – linguo-dental Trissílabo Adjetivo u contígua
Bolero O [b] – labial Polissílabo Substantivo Ɛ contígua
Oposto O [ø] Trissílabo Adjetivo ɔ contígua
Quadro 2 – Lista de estímulos. Fonte: Nascimento, 2017: 42-43
Com base no quadro acima, é importante enfatizar que, pelo fato de os discentes terem
escutado todos os estímulos, os resultados apresentados na seção 5 não sofreram influência de
uma variável sobre a outra.
5.1.2. A edição dos estímulos
Conforme mencionado anteriormente, foi solicitado que a informante realizasse as três
variáveis das vogais médias em posição pretônica para que pudéssemos homogeneizar os
contextos precedente e seguinte dos estímulos e a edição ficasse o mais natural possível. Após
normalizarmos os áudios no programa SoundForge 10.0, por meio da aplicação da função
“normalize - 6dB”, utilizamos o programa Praat10 para a edição das vogais (sendo controlados
F1, F2 e F3) e do tempo de duração do estímulo.
5.2. Definição das variáveis
As variáveis dependentes deste trabalho oscilam a depender do teste e dos resultados a
serem extraídos. Em alguns testes, foram selecionamos como variável dependente as vogais
médias /e/ e /o/ em posição pretônica, que têm como variantes, respectivamente, [Ɛ, e, i] e [ɔ, o,
u], como por exemplo, “p[Ɛ]squisa / p[e]squisa / p[i]squisa” e “pr[ɔ]posta / pr[o]posta /
pr[u]posta”; em outros, selecionou-se a pronúncia dos falantes pessoenses, por exemplo. Em
relação às variáveis independentes, temos dois grupos: as linguísticas (ou estruturais, que dizem
respeito aos aspectos inerentes à língua) e as extralinguísticas (ou sociais, que dizem respeito a
aspectos da sociedade que podem interferir na forma como a língua é utilizada).
10 Disponível em: www.praat.org. Acesso em: 25 jul. 2019.
46
Como variáveis linguísticas, foram controladas: 1) o contexto fonológico precedente às
vogais médias pretônicas, sendo elas: alveolar, labial, linguodental, velar e o zero fonético. Cada
contexto mencionado precede, igualmente, /e/ e /o/; 2) a vogal da sílaba seguinte às vogais
médias pretônicas, sendo elas [Ɛ, i, ɔ e u], sucedendo, igualmente, /e/ e /o/. Quanto às variáveis
extralinguísticas, controlamos: 1) o ano escolar (restringimo-nos apenas aos anos do Ensino
Fundamental II); 2) o tipo de escola (pública) e 3) o sexo (feminino e masculino).
5.3. O corpus
O corpus linguístico utilizado para esta pesquisa é composto por 160 palavras escritas por
40 estudantes entre o 6º e o 9º anos de uma escola pública da cidade de João Pessoa – PB. Eles
estão assim estratificados:
Sexo Feminino 20 alunos
Masculino 20 alunos
Escolarização
6° ano 10 alunos
7° ano 10 alunos
8° ano 10 alunos
9° ano 10 alunos
Quadro 3: Estratificação dos informantes. Fonte: Nascimento (2017).
5.4. Método de análise
Conforme dito inicialmente, este trabalho utiliza uma abordagem quanti-qualitativa. Para a
análise quantitativa das respostas dos estudantes foi utilizado o programa R (R Core Team,
2013)11
. Os resultados encontram-se na seção a seguir.
11
O R é uma linguagem de programação voltada à análise de dados, que pode ser utilizada para realizar
computações estatísticas e gráficas, compilar e anotar corpora, produzir listas de frequências, entre
diversas outras tarefas. Uma de suas principais vantagens é o fato de ser gratuito e estar disponível para
uma variedade de plataformas (UNIX, Windows e MacOS). Sendo uma linguagem de programação, o
R permite que o usuário customize uma série de tarefas que deseja executar e, consequentemente, tenha
maior controle sobre os resultados obtidos. Isso significa, no entanto, que ao invés de clicar em botões
com funções limitadas e pré-definidas, o usuário normalmente define as funções que deseja executar
através de linhas de comando, que instruem o programa sobre o que fazer. Uma sequência de linhas de
comando chama-se script ou código (Oushiro, 2014: 134 apud Henrique, 2016: 66).
47
6. A PERCEPÇÃO DAS VOGAIS MÉDIAS PRETÔNICAS E
A ESCRITA: RELAÇÕES INTRÍNSECAS
Inicialmente, é importante esclarecer que o tratamento estatístico para a obtenção dos dados
foi limitado, uma vez que o corpus é pouco robusto. Por esse motivo, as variáveis “contexto
fonológico precedente” e “contexto fonológico seguinte” foram descartadas, o que não impede
de serem utilizadas em uma pesquisa futura.
O primeiro resultado, disposto no Gráfico 1, refere-se à taxa de erro e acerto de acordo com
a escolaridade dos discentes.
Gráfico 1 - Erros e acertos de acordo com a escolaridade
Fonte: pesquisa direta, 2017.
Acerca dos resultados apresentados no gráfico acima, é importante que duas considerações
sejam feitas. A primeira é que, mesmo com uma diferença pequena, o nível de acerto do 8° para
o 9° ano aumenta, levando a ver, mesmo que minimamente, um resultado positivo da
transposição da Sociolinguística para a sala de aula. A segunda é que a hipótese de que os
ouvintes nativos sofrem, na escrita, influência da variação da percepção de fala parece ser
verídica, posto que todas as séries, com diferenças pouco significativas, erraram a escrita das
palavras ouvidas. Com relação à hipótese de que, à medida que os estudantes avançassem no
nível de escolaridade, o acerto das palavras escritas aumentaria consideravelmente, os
resultados foram ao encontró do que foi hipotetizado.
Diante disso, é preciso questionar-se: quais as mudanças que a Sociolinguística
Variacionista tem provocado em sala de aula? Será que todos os professores de língua materna
têm acesso às discussões sobre essa teoria? Pelos resultados obtidos, acreditamos que tal acesso
até pode estar ocorrendo, mas de forma deficitária, porque erros ortográficos como os
apresentados não deveriam ocorrer nos anos finais do Ensino Fundamental II. A instrução
formal acerca da diferença entre oralidade e escrita, que deveria ser feita pelos professores de
LP ao longo dos anos de escolaridade dos discentes, seria um meio para conscientizá-los sobre o
que Faraco (2012) expõe:
48
Quando podemos dizer a mesma palavra com /i/ ou /e/, grafamos com e; quando podemos dizer
com /u/ ou /o/, grafamos com o. Os principais contextos em que ocorre essa oscilação: Palavras
que têm /i/ ou /u/ na sílaba forte (o chamado fenômeno da harmonia vocálica): seguro, coruja,
menino, cortina.
(Faraco, 2012: 155)
Segundo o autor, fica claro que a instrução formal, mencionada anteriormente, é um dos
meios de o professor fazer com que o discente se conscientize sobre as regras ortográficas de
sua língua, o que pode contribuir com a melhora de sua escrita. Outro meio de levar o aluno a
essa compreensão é trabalhar atividades de reescrita de diversos gêneros textuais, pois o aluno
observará a inadequação ortográfica cometida e, consequentemente, poderá refletir sobre o erro
cometido no texto, possibilitando uma maior consciência do uso escrito de sua língua materna.
O gráfico abaixo expõe as taxas de erro e acerto de acordo com o estímulo escutado.
Gráfico 2 - Erros e acertos de acordo com a palavra
Fonte: pesquisa direta, 2017.
No gráfico acima, percebe-se que a vogal alta anterior, quando em posição tônica, exerce
uma influência maior em relação ao erro ortográfico. Se isso ocorre, é porque a saliência fônica
dessa harmonia vocálica é pouco percebida. Esse erro dá indícios, também, do que é mais
aceitável, em termos de produção, na capital paraibana: a harmonia vocálica da vogal média
pretônica com a vogal alta posterior em posição tônica pode ser mais recorrente do que com a
vogal alta anterior. Entretanto, isso só pode ser confirmado a partir de mais dados de produção.
Além disso, o resultado acima leva a um questionamento: por que a palavra “seguro” não
apresentou nenhum erro de escrita, mesmo tendo a vogal média anterior em posição pretônica,
como “pepino”? Acredita-se que isso pode ocorrer pelo fato de o alçamento da vogal ocorrer
por item lexical, e não pelo contexto da palavra.
Por fim, o gráfico 3 expõe as taxas de erro e acerto de acordo com a vogal pretônica.
49
Gráfico 3 - Erros e acertos de acordo com a vogal pretônica
Fonte: pesquisa direta, 2017.
O gráfico acima confirma uma diferença acústica: se o erro ocorreu mais para a vogal
média anterior do que para a posterior, isso indica que, acusticamente, a diferença dos formantes
de /Ɛ/ a /i/ é maior do que /ɔ/ a /u/, como expõe o quadro a seguir, fazendo com que a diferença
entre as variantes média baixa, média alta e alta da vogal média posterior seja menos percebida.
Vogal F1 F2
i 354 2501
e 459 2343
Ɛ 678 2106
a 967 1563
ɔ 667 1117
o 480 979
u 366 837
Quadro 4 – Médias geométricas de frequência dos dois primeiros formantes das vogais em Hertz para quatro falantes brasileiras
Fonte: Barbosa e Madureira (2015: 306 apud Nascimento, 2017: 34).
Os resultados sobre o acerto e o erro da escrita dos estímulos de acordo com os informantes
encontram-se na tabela a seguir:
50
Sexo Acerto Erro
Feminino 4 informantes (20%) 16 informantes (80%)
Masculino 2 informantes (10%) 18 informantes (90%)
Quadro 5 – Estratificação de informantes de acordo com acerto
ou erro em relação à palavra escrita12
Fonte: pesquisa direta, 2017
Conforme exposto acima, apenas 6 (15%) dos 40 participantes conseguiram acertar a
escrita de todos os estímulos, o que foi surpreendente, pois acreditava-se que todos os itens
lexicais selecionados para o teste eram usados comumente no cotidiano dos discentes.
Entretanto, pode-se atribuir o grande nível de erro à palavra “bolero”13
, pois apenas 6
informantes obtiveram êxito em sua escrita. Isso pode ser explicado pelo fato de os discentes
terem escutado o processo de AV em uma palavra em que o mais provável de ocorrer seria a
HV, ou seja, a vogal pretônica seria aberta em detrimento da tônica. Diante disso, infere-se aqui
que, provavelmente, houve uma influência desse vocábulo no resultado obtido, porém tal
hipótese só pode ser testada por meio da análise de um corpus mais robusto.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao se observar as pesquisas desenvolvidas com base na Sociolinguística Variacionista, é
importante mencionar que esta teoria tem contribuído positivamente com a descrição das
línguas e com a melhoria no ensino destas, pois levou à ampliação das discussões acerca da
relação entre oralidade e escrita no âmbito acadêmico. Isso fez com que a escola e, em
consequência, os professores pudessem repensar os seus métodos a fim de contribuir com o
desempenho dos discentes, buscando alcançar resultados mais significativos. No entanto,
conforme discutido ao longo deste trabalho, é preciso reconhecer que ainda há uma lacuna no
que tange aos estudos que investigam a percepção de pistas acústicas como fator que interfere
na escrita.
A pesquisa realizada se insere na terceira onda da Sociolinguística Variacionista, uma vez
que busca compreender a influência da percepção das vogais médias pretônicas, em contextos
de alçamento vocálico, por estudantes de João Pessoa – PB. Conforme discutido, pôde-se
constatar a relação entre oralidade e escrita, bem como a influência da percepção de fala no
processo de escrita, pois foi identificado, a partir da escrita dos estímulos escutados, que os
discentes, em todas as séries, cometeram erros ortográficos. Outro ponto que merece destaque é
12
Consideramos como acerto apenas as respostas dos estudantes que escreveram as 8 palavras de acordo
com a norma padrão do PB. 13
Ver Quadro 1, página 41.
51
que, embora os erros ortográficos reduzam à medida que os discentes avançam na escolaridade,
a taxa de erro do 8° (30%) e do 9° (15%) anos do Ensino Fundamental, considerada alta, não era
esperada. Isso não deveria ser recorrente, em tese, principalmente depois da inserção da
Sociolinguística nos livros didáticos (LD) e, consequentemente, na sala de aula, espaço em que
a reflexão sobre o uso escrito de LP deveria ser mais presente. Cabe ressaltar, novamente, a
necessidade de o professor ter consciência da teoria e de efetivamente transpô-la para a prática
escolar, a fim de desenvolver um trabalho mais adequado no que tange tais questões.
De modo geral, acredita-se que esta pesquisa mostra a contribuição dos estudos fonético-
fonológicos para o ensino de língua materna, auxiliando não apenas a compreender os processos
de percepção de fala que estudantes em fase de “estabilização” de sua variedade linguística têm
em relação aos processos de alçamento vocálico em relação à língua materna, mas também
incentivar o professor de LP a repensar e a redefinir sua prática metodológica a partir dos
postulados da Teoria da Variação, contribuindo, portanto, com a melhoria do ensino. É
necessário e urgente que tais discussões ultrapassem os muros acadêmicos e direcionem o seu
olhar à Educação Básica.
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