a produção do urbano pela igreja católica e a...

17
A Produção do Urbano pela Igreja Católica e a Secularização da Cidade de Pau dos Ferros - RN The Production of Urban Space by the Catholic Church and the Secularization of the city of Pau dos Ferros - RN Antonio Carlos Leite Barbosa, Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), [email protected] Ana Ligia Pessoa Sampaio, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), [email protected] Angela Lúcia Ferreira, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), [email protected]

Upload: phamxuyen

Post on 10-Feb-2019

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A Produção do Urbano pela Igreja Católica e a ...anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais... · Católica e a Secularização da Cidade de Pau dos Ferros

AProduçãodoUrbanopelaIgrejaCatólicaeaSecularizaçãodaCidadedePaudosFerros-RN

TheProductionofUrbanSpacebytheCatholicChurchandtheSecularizationofthecityofPaudosFerros-RN

AntonioCarlosLeiteBarbosa,UniversidadeFederalRuraldoSemi-Árido(UFERSA),[email protected]

AnaLigiaPessoaSampaio,UniversidadeFederaldoRioGrandedoNorte(UFRN),[email protected]

AngelaLúciaFerreira,UniversidadeFederaldoRioGrandedoNorte(UFRN),[email protected]

Page 2: A Produção do Urbano pela Igreja Católica e a ...anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais... · Católica e a Secularização da Cidade de Pau dos Ferros

SESSÕES TEMÁT ICA 7 : C IDADEE H ISTÓRIA

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 2

RESUMO

NaconstruçãodacidadedePaudosFerros,desdeasuaocupaçãoefundação,arelaçãoentreosagentes modeladores do espaço configura uma estrutura fundiária, carregada de significadosoriundosdopassado.Aconvivênciaeconivênciada IgrejaCatólicacomoutrosagentesao longodos séculos contribuíram significativamente para a formação da cidade, tendo como pano defundo as transformações na sua configuração física e no processo de secularização do espaçourbano.ComaleideterrasnoséculoXIXeleisdeparcelamentodosolourbanonoséculoXX,opatrimôniodaIgrejaganhaoincrementodarendadaterraapartirdamudançanosusos,formaefunçãodo solomediante açãoe coexistência dos diversos agentes produtores da cidade.Nestesentido,pretende-sediscutiraatuaçãodaIgrejaCatólicanoprocessodeconstituiçãodePaudosFerros, relacionando a produção do espaço urbano na cidade e seu processo de secularizaçãoevidenciandoaaçãodosagentesqueaconfiguraram.Aanálisesedáapartirdeumaperspectivahistóricadaconstituição,consolidaçãoedomíniodopatrimôniodas terraspela IgrejaCatólicaesuarelaçãocomoutrosprodutoresdoespaço.OestudorevelaahegemoniadopodereclesiásticocombinadoaopoderpolíticocomoagentesnorteadoresnaproduçãodoespaçourbanoemPaudosFerros,exultandonumprocessodesecularizaçãodiferenciadoalimentadapelaconsistenteeconstanteatuaçãodainstituiçãoatéosdiasdohoje.

Palavras Chave: Agentes modeladores; Sacralização; Secularização; Propriedade Fundiária;Nordeste-Brasil

ABSTRACT

IntheconstructionofthecityofPaudosFerros,sinceitsoccupationandfoundation,therelationbetweentheagentsmodellersofthespaceconfiguresalandstructure,fullofmeaningsfromthepast. The coexistence and connivance of the Catholic Churchwith other agents throughout thecenturiescontributetotheformationofthecityandasbackgroundtransformationsinitsphysicalconfiguration andon the process of secularization of urban space.With the nineteenth-centuryLandLawandurbanlandsubdivisionlawsinthetwentiethcentury,theChurch’spatrimonygainsthe income of the land from the change of use, form, and function in the land. Thatway, it isintendedtodiscusstheroleoftheCatholicChurchintheprocessofconstitutionofPaudosFerros,relating theproductionof thecity’surbanspaceand itsprocessofsecularizationevidencingtheagents that configured it. This analysis comes from a historical perspective of the consolidationanddominationof thepatrimonyof the landsof theCatholicChurchand its relationwithotherproducersof the space. The study reveals thehegemonyof ecclesiastical power combinedwithpoliticalpowerasguidingagentsintheproductionoftheurbanspaceinPaudosFerros,exultinginaprocessofdifferentiatedsecularizationfedbytheconsistentandconstantperformanceoftheinstitutiontothepresentday.

Keywords:ModelingAgents;Patrimony;Sacralization,City.

Page 3: A Produção do Urbano pela Igreja Católica e a ...anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais... · Católica e a Secularização da Cidade de Pau dos Ferros

SESSÕES TEMÁT ICA 7 : C IDADEE H ISTÓRIA

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 3

INTRODUÇÃO

Pau dos Ferros, enquadrado na região do “Alto Oeste” do Rio Grande do Norte, revelacaracterísticas históricas que remete à formação e constituição das primeiras aglomerações noséculoXVIII,períodomarcadopelapresençadasordensreligiosasnoterritóriopotiguar(TEIXEIRA,2009).O povoado foi fundado emmeados do século XIX comárea territorial de 782 km2 comofreguesia do município de Portalegre. Doações de terras, na época eram frequentes,especialmenteparaaquelesquesededicavamasatividadesagropecuárias.Concessõesde696,96háforamfeitasàParóquia1paraerigiraprimeiracapela,representandooembriãoquesetornariamais tarde, o centro administrativo da cidade. Com a implantação da Lei n. º 601 de 18 desetembro de 18502e a consequente mudança na forma de aquisição da terra, o patrimôniofundiárioétransferidoaosprimeirosposseiros,queabriramviassecundáriaseavenidaprincipaldandomaiorfluxoaomovimentodepessoasetransportedaépoca.

A pequena povoação é elevada à categoria de Vila de Pau dos Ferros pela Lei n.º 344 de 4 desetembrode1856eno iníciodoséculoXX,asaçõesempreendedorasdaParóquiaesuarelaçãocom os demais agentes3se tornaram balizadores das transformações urbanas, modificando apaisagem da vila, seja no parcelamento de lotes para usos residenciais, ou até mesmo emintervenções urbanísticas nos bairros do São Benedito 4 e São Judas Tadeu. Na perspectivasocioespacial,ocotidianoocorriaemtornodacapelaelargodedicadoàsmissas,festejoselazerna Praça daMatriz na qual a Igreja exercia sua centralidade eclesiástica, seu poder simbólico,político e social, em uma sociedade que se transformava de forma lenta, mas contínua,apresentando crescimento populacional e aumento de atividades tipicamente urbanas e suaconsequenteelevaçãoàcategoriadecidade,concedidopelaLeinº.5932de02dedezembrode1924.

Em meados do século XX a configuração espacial compreendia apenas 262km2 em face dedesmembramento de glebas para constituição de novos distritos como Rafael Fernandes, ÁguaNova, São Miguel, Luís Gomes, Riacho de Santana e Marcelino Vieira. Os 696.960,00m2 dopatrimônio, aproximadamente40%dadimensão territorialdomunícipio, incialmente,empossedas famílias tradicionais pauferrense5 , à medida que a cidade ganhava novos contingentespopulacionais,aospoucosfoiparcelado,forçandoosurgimentodeassentamentosmaispróximosaoLargoeIgrejaMatriz,comoosbairrosParaíso,JoãoXXIII,RiachodoMeio,SãoVicentedePaulo,AltodoAçudeeFreiDamião.Nosúltimos trintaanosdosegundomilênioe iníciodoXXI comavalorização mercadológica da terra, empreendimentos imobiliários, conjuntos habitacionais e

1Registrado emCartório 1.Oficio deNotas. Livro 3-C Transcrição de Transmissões, às folhas 273-v/274, sob número deordem3.363nodia08dejulhode1963.2LeideTerras,quedispõesobreasterrasdevolutasnoImpério,eacercadasquesãopossuídasportítulodesesmariasempreenchimentodascondiçõeslegais,bemcomoporsimplestítulodepossemansaepacifica;edeterminaque,medidasedemarcadas as primeiras, sejam elas cedidas a título oneroso, assim para empresas particulares, como para oestabelecimentodecolôniasdenacionaisedeestrangeirosautorizadosoGovernoapromoveracolonizaçãoestrangeiranaformaquesedeclara.3Apopulaçãodivididaemcategorias(osprodutoresdoespaço,asaber,osdemaiorestatutosocialcompreendidapelasprimeirasfamíliasposseirasqueadquiriramodireitodeusodasterrasdopatrimônio;aprefeituraqueaospouconegociacomaParóquiaaconcessãodousodeterrasparaaberturadenovasviasemelhoramentosurbanoseapopulaçãopobrequeapassoslentosocupavaáreasemprocessodeexpansãourbananomunicípioentreofimdoséculoXIXemeadosdoXX).4PrimeirobairroconstituídoformalmenteemPaudosFerros,nofinaldoséculoXIX.5 Carta Territorial da Paróquia Nossa Senhora da Conceição em Pau dos Ferros. Planta topográfica contendo 76loteamentosdistribuídosnopatrimôniodaParóquiadatade1992.

Page 4: A Produção do Urbano pela Igreja Católica e a ...anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais... · Católica e a Secularização da Cidade de Pau dos Ferros

SESSÕES TEMÁT ICA 7 : C IDADEE H ISTÓRIA

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 4

loteamentosdeterrenosforamconstruídosemáreaspertencentesàParóquiadeNossaSenhoradaConceição6que, desde sua fundação em1756, teve a cidade imbricada em suapropriedade,especificamentenaáreacentraleadjacências.

Em áreas mais distantes, notadamente na região norte do município o processo de expansãourbanafoioriundodocrescentecomérciolocaleinstalaçãodeuniversidadespúblicas7eprivadas,trazendo para região, pessoas emoradores, que se instalaram nomunicípio, abrindo caminhosparao espraiamento coma implantaçãodosbairros residenciaisNaçõesUnidas, PrincesinhadoOeste,ZecaPedroeChicoCajáemterrenos,além-patrimônio.Napartesul,nosentidoMossoró,observa-setambémumamodestaextensãodotecidourbano,porémemconstantecrescimento,configurandoPaudosFerrosumareferênciacentroregionallocal,pelasualocalizaçãoestratégicaentre as Serras de Portalegre e São Miguel e por sua rede de comércio, atingindo municípioscircunvizinhosdosestadosdoCearáeParaíba.Noprocessodeproduçãodoespaçourbano,aIgejaCatólica, foi determinante na formação do território, ainda que este, tenha se originado com asacralização da terra, mas ao passar dos tempos, o espaço assume outras formas e funçõesurbanas,imbricadospelousodosdiversosagentesqueconstruíramacidadenosmaisdeduzentosanosdehistória.Nestesentido,otrabalhodiscorresobreoprocessodeconstituiçãodacidadedePau dos Ferros pela Igreja Católica, trazendo para discussão a relação da produção do espaçourbano na cidade e seu processo de secularização através da ação dos diversos agentes quefiguraramnocenárioevolutivodomunicípio.

Para apresentar os resultadosdo estudo, este trabalho está dividido em cinco itens, o primeirofalandosobreosagentesmodeladoresdoespaço.Emseguida,nosegundoitem,discorre-sesobrea constituição do patrimônio da Igreja Católica no Brasil. Os três últimos tratam da discussãoespecíficadacidadedePaudosFerros.

1.AGENTESMODELADORESDOESPAÇOURBANO

Oestudoda cidadeagregaemparticularumaestruturademúltiplas relaçõesespaço-temporaisrealizadoemváriasescalaseníveis com influênciasde temporalidadesdistintas.Pensar,dequemodo os agentes produzem e reproduzem a urbe em sua essência, implica incialmente nacompreensãodospressupostos socioculturais, econômicosepolíticosoriundodas conexõesdosfluxos de pessoas, mercadorias e, sobretudo pela ligação histórica que constituem o espaçourbanonumlongoprocessodeformação.Nestesentidonahistóriaurbanadenossascidades,operíodocolonial, tememseucorpus,um lequedepossibilidadesdeestudossejanasdiferençasentreasformasdeurbanismohispânicoversusurbanismoportuguêsnaformacomoseproduziamas cidades do período colonial ou até mesmo na discussão sobre os agentes modeladores doespaçourbanoqueconstituíramaestrutura fundiáriaurbananoBrasil.Umcampodepesquisasmais recentetemsidoobjetodediversas investigações trazendoumnovoaporte teóricoparaoentendimentodaformaçãodasprimeirascidadesdoimpérioportuguêsnascolôniasamericanas,sobretudonoterritóriobrasileiro:AproduçãodoespaçourbanopelaIgreja.Épormeiodesteviésqueestetrabalhodiscorrenosentidodecompreensãodaconstituição,manutençãoedomíniodapossedaterra,numlongoeduradouroprocesso.

6InformaçãocedidapeloProgramaAcessoaTerraUrbanizada.Projetoempesquisaeextensão,financiadocomrecursosdoMinistériodaEducação,MinistériodasCidadeseUniversidadeFederalRuraldoSemi-ÁridoCampusPaudosFerros–RioGrandedoNortenoperíodode2014-2016.7IFRN–InstitutoFederaldeEducação,CiênciaeTecnologiadoRioGrandedoNorte;UERN–UniversidadedoEstadodoRioGrandedoNorte;UFERSA–UniversidadeFederalRuraldoSemi-Árido.

Page 5: A Produção do Urbano pela Igreja Católica e a ...anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais... · Católica e a Secularização da Cidade de Pau dos Ferros

SESSÕES TEMÁT ICA 7 : C IDADEE H ISTÓRIA

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 5

Oestudodaproduçãodoespaçourbanonaperspectivahistóricaperpassapeloentendimentodadinâmica social de uma determinada configuração espacial. O exercício não segue, porém umpadrão uniforme no tempo ou espaço, podendo ser agrupados segundo suas especificidadessegundosuasrelaçõesdepoder,acreditando-sequeparacadatempo-espaçoháumanecessidadedequalificaçãodosagentesequantomaisprecisaforapreensãodosseusinteresses,maisamploseráoentendimento sobrea configuraçãoespacialdecorrentede suasações (ANDRADE,2013).Segundo Vasconcelos (1997), em sua análise, os agentes modeladores das cidades coloniaisbrasileiras, sãoa Igreja, subdivididaemCleroSecular,RegulareasOrdensLeigas;oEstado,queera representadopelaCoroa,enumplanomais local, asCâmaras;osagenteseconômicos, comdestaque para os proprietários rurais, os comerciantes, os artesões e em último plano, apopulaçãoeosmovimentossociais.

No tocante a Igreja como um dos agentes, trataremos mais especificamente no curso destetrabalho. Entretanto, cabe destacar o campo de ação dos outros agentes no processo deconstituição da cidade de modo subjacente à compreensão dos processos de acumulaçãocapitalista da propriedade da terra. Dentre esses agentes, Vasconcelos (2010)menciona que oEstadoduranteacolonizaçãodoBrasil,detinhaumpapelimportantenaestruturaçãodoterritórioe um tanto complexo, embora permanecesse com funções restritas a função de líder estatal.Atuandonasatividadeseconômicassustentavaofuncionalismodoclero,atuandoaindanasobrasdefensivas e manutenção do exército. O Estado também atuava com um braço na atividadeprodutiva incentivandoaproduçãode culturas comono casodenavesdeguerranosestaleirosreais.

2.AIGREJACATÓLICAEACONSTITUIÇÃODEUMPATRIMÔNIO

Para compreensão do processo de acumulação do patrimônio da Igreja Católica no Brasil, énecessáriofazermosumabreveexplanaçãodaestruturahierárquicadesseagenteligadoaoEstadopeloPadroadoepelasordensreligiosas.SegundoVasconcelos(2010)oPadroadoeraumacordoentre o Papado e a Coroa de Portugal, a qual recebia o dízimo relativo à Igreja Católica e aomesmo tempo se responsabilizava pelas despesas no Brasil. O clero secular era composto pelaaltíssima hierarquia da Igreja, os bispos e arcebispos. Cabia a esta nobre parte da Igreja anormatizaçãoeorganizaçãodossínodos.Outrapartedoclerosecularcorrespondiaaosvigáriosepadresdasmatrizes eparóquias responsáveispela administraçãodiretadas célulasmenoresdaIgreja. A esta categoria, também podemos inclui os capelães militares nos engenhos e naviosnegreiros.Segundo(VASCONCELOS,2010.p.2)caberiaaoBispado:

O Bispado (ou Arcebispado) definia a localização da catedral e das igrejasmatrizes, assim como delimitava as áreas territoriais correspondentes(paróquias).Essasdivisõesemparóquiasserviramdebaseparaadefiniçãodasfreguesias, que influenciaram as consequentes divisões administrativas dacidade. As igrejasmatrizes correspondiam aos núcleos das paróquias, tendoumaimportantefunçãosocial,tantonoqueserefereaolocaldeencontrosesociabilidade,comonopapelderegistrocivil.

Essa estrutura administrativa e política dentro da Igreja possibilitou a organização do sistemahierárquico eclesiástico no Brasil colonial de modo substancial à constituição do patrimônioconquistadoaolongodetodaahistóriaurbanabrasileira.OpapeldoClerosecularcorrespondiaàvivênciaemcomunidade,seguindoumaordemreligiosa.Alémdasatividadesmissionárias,oCleroRegularsededicavaaoensino,efrequentementenecessitavaderecursosparasobrevivência.Daínumcontextomaisamplodessacondição recebeuquantidadesenormesde terrasebensvindo

Page 6: A Produção do Urbano pela Igreja Católica e a ...anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais... · Católica e a Secularização da Cidade de Pau dos Ferros

SESSÕES TEMÁT ICA 7 : C IDADEE H ISTÓRIA

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 6

dos fiéis: dinheiro, casas, fazendas, engenhos, gados e até escravos, (VASCONCELOS, 2010). AsOrdens Leigas ou Ordens Terceiras se configuravam como independente da Igreja, emboraestivessemintimamenteligadasaelas.Asordensleigasalémdeajudarasparóquiasnasatividadesde evangelização funcionavam como bancos, financiando projetos particulares e possuía umgrandenúmerode imóveis urbanosdestinados aprática rentista. Estasordenseramcompostaspelos leigos, homens, mulheres e associações civis que se ajudavammutualmente na caridadecoletiva. Uma característica das ordens terceiras era o pagamento de joias para entrada,implicandonoimpedimentodecandidatoscompoucasposses.Outrodetalheinteressanteéqueummembro de uma ordem terceira podia se beneficiar de seus serviços emqualquer local doimpérioportuguêsondeexistisseamesmaordem(MARTINEZ,1979).

Nestecenárioevidenciavam-setambémoutrasdenominaçõesdentrodaIgrejacomonocasodasirmandades,geralmentedeprestígiomenoselevado,quecaracterizamumadivisãodasociedadecolonial. Eram as irmandades que sustentavam as igrejas e capelas; As irmandades tinhamespecializaçõessegundoaprofissionalizaçãodeseusmembros:clérigos,militares,artesãosouatémesmotraficantesdeescravos;Outradivisãobastantepeculiareraasocialeétnica:portugueses,brasileiros;mulatos;crioulos;africanosestavamdivididosporetnias;eaindaeramestratificadassegundoosexo.Todaselasfaziamempréstimoseespecificamenteparaosescravos,ofaziamparacompradealforrias,(VASCONCELOS,2010).UmavezdescritoahierarquiadaIgrejanotempodacolônia, nos interessa no campo da produção do espaço urbano, o foco especial nas ordensreligiosas,sobretudoporqueelasforampioneirasnaconstruçãodoespaçourbanodasprimeirasaglomerações.DemaisagentescomooEstado,agenteseconômicoseapopulação irãoapareceremnossaanálisedemodoadjacente,porémnãomenosimportante,àcompreensãodaestruturafundiáriaurbanabrasileira.

No período colonial do Brasil, a relação entre a Igreja e o Estado ainda evidenciava muito daherançadosistemafeudal,tendonadifusãodafécatólica,aforçamotrizparaoestabelecimentodas cruzadasegrandesnavegaçõescolonizandovárias localidadesao longodacostaamericana,africanaeasiática.Portugaltinhacomoestratégia,aportarnessescontinentesaumentandoassim,as possessões lusitanas fora do território português. Símbolo marcante desta empreitada, abandeiradogovernotraziaapresençadarepresentaçãoeclesiástica,quesobaOrdemdeCristo,configurou-seimportanteelementoparaestabelecimentodosprimeiroscontatoscomosnativosmantendonaformadeumanovacultura,aposseeodomíniodaterra.Opovolusitanomantinhadesdemuito,amesmamentalidadedeseusreis,poispertenciamaumreinocatólico,comumaIgrejaforte,estabelecidaedemuitastradições.Entusiasmadospelopensamentoexpansionista,eapoiado pelo contexto da Guerra Santa8 contra os turcos infiéis que dominavam Jerusalém(HOORNEAT, 1974), sobretudonaPenínsula Ibéricaondeo sentimentode guerra erabemmaispresente não importando qual inimigo fosse, turco ou até mesmo os mouros, fizeram destacorrente cristã o ideário nacional com planos em direção ao novo continente, em busca doaumento da riqueza e poder da coroa. Para o império português, as terras conquistadas, ascolônias,eramáreasaseremexploradasenãoseconfiguravamcomoumnovoterritórioparaumanova sociedade num novo continente, mas sem dúvida alguma, fazer dos novos espaçosconquistados,umaextensãodasociedadeportuguesacomtodasuatradição,costumes,herançasocioculturalepolítica,numaespéciedeexpansãoemanutençãodospreceitosdaterramãe.

81096a1272 -Conflito religiosodahistóriadahumanidadeque ficouconhecidocomoasCruzadas,ouaGuerraSanta.Papa Urbano II, convoca os católicos contra os turcos que dominavam Jerusalém. Teve como ponto em destaque, areconquista da Península Ibérica, onde estão Portugal e Espanha, começaram as grandes navegações e o imperialismoOcidental.

Page 7: A Produção do Urbano pela Igreja Católica e a ...anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais... · Católica e a Secularização da Cidade de Pau dos Ferros

SESSÕES TEMÁT ICA 7 : C IDADEE H ISTÓRIA

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 7

Observando a tradição da força católica no projeto de colonização consegue-se perceber que acoroatinhaumbraçoreligiosomuitoforteatuandotantonocampoadministrativocomotambémnadominaçãodos fiéis,atravésdasua ideologiacristã, fatoestequeemmuitocontribuiparaoacúmulo de terras e riquezas eclesiásticas durante todo o período colonial, onde o Estado e aIgrejaestavamdemãosdadasesecompletavamumcomououtro.Essarelaçãointimaentreafécatólica e o Estado, é muito bem posto no contexto de que em certos momentos do períodocolonial,seconfundiamospoderesdacoroaecomosdaIgreja.EradesejodeDomJoãoIII,reidePortugal, queumavez conquistadaà terra estrangeira, osnativos teriamque se converteremàSantaFéCatólica,dandomaisforçaapresençadosreligiososnessaépoca.

OvínculoentreoreieaIgrejafoifundamentalnoprocessodeorganizaçãodoterritóriodurantetodooimpérioquecomeçouhátemposatrásnoiníciodaexpansãomarítimaportuguesa,tendoaIgrejacomoumagentefinanciadordasgrandesnavegaçõesedosdescobrimentosportuguesesnoséculo XV. A relação entre a Igreja e o Estado, contribuiu para que as ações do padroadoestivessemnoscampospolítico,econômicoetambémnasrelaçõescivisesociaisconstituindo-seemmarcoconformadordoespaçourbanonaevoluçãodasaldeias,arraiaisefreguesiasnacolônia.Sobreessaperspectivavalemencionarquenotocanteaorganizaçãosocioespacialdasociedadedaépoca,noplanejamentodosespaços,antesda fixaçãodasaglomerações,erade importânciaprimeiramenteàdemarcaçãodolocalondeseriaconstruídaacapelacomoreferêncianapaisagemdascidadescoloniaismarcandoopodersimbólicoeadministrativodolocal.

ParaoEstado,eramuitopropíciaaconivênciaeconvivênciacomaIgreja,atéporquequeumdosfinanciadores do projeto de expansão territorial de Portugal foram as ordens religiosas. AsprimeirasachegaraoBrasil colonialdemaneirapermanenteeorganizada foramos jesuítaspormeiodaCompanhiadeJesusem1549nacidadedeSalvadorduranteasuafundação.Aideiadefixação á terra se apoiava nos preceitos religiosos conferindo ao espaço urbano uma estruturasocialepolíticaquecertamentetrouxebenefíciosnãosomenteparaaconstituiçãoeconformaçãodosprimeirosnúcleosurbanos,masparticularmenteparaaformaçãodopatrimôniofundiáriodaIgrejaCatólicanoBrasil.Nocursodaatuaçãodasordens,asdoaçõesde terraseramfrequentesemtrocadedeterminadosserviçoscomo,celebraçãodemissas,matrimônioeoraçõesporsuasalmas e especialmente enterro de entes queridos dentro das igrejas. Concessões a um santopadroeiro, depositado na fé também costumavam acontecer, fazendo das ordens, agentesdeterminantesnoprocessodeparcelamentodosolourbanoduranteaevoluçãodascidades.

AoficializaçãodaaglomeraçãosedavapelapresençasacerdotalnacapelacomoumeloentreaIgrejaeoEstadocomosdevidoscuidadosparaexpansãodoaglomerado,tornando-semaistardeemfreguesia(MARX,1991).Todavia,paraaconstruçãodotemploeranecessárioadoaçãodeumpatrimônio, geralmente doado pelos maiores detentores de terras, além de outras concessõesmenores feitaspelos fiéisparaaconstruçãoemanutençãoda Igreja.Comopassardotempo,apopulaçãodolugaraumentava,exigindoumanovareconfiguraçãodosespaçoseadaptaçõesemface do desenvolvimento da economia, melhor fluxo de pessoas e mercadorias, implicando namudança de status para Igrejamatriz. Conforme afirmaMarx (1991), a freguesia tinha que serautônomaemanter-seativaecapazpoliticamenteeadministrativamente,adquirindooassimoestatuto de vila. No que cerne, as concessões de terras, estas ocorriam semelhantemente aosistemadesesmarias,ondesedoavamterrasparaaquelesquetivessemacapacidadeprodutiva,emespecial aos agricultores e famílias nobresda época. Comefeito, a estruturaçãodoespaçourbanoesuamorfologiaperpassaramaolongodacolônianovínculodaIgrejaCatólicaedemaisagentes, a saber, os nativos, a população e a nobreza e especificamente segundo os interessesdestes,comofatorpreponderantedasnovasformações,freguesias,vilaseporfimnosurgimentodasprimeirascidades.Dopontodevistaurbano,operfilempreenderdasordensfoimarcantena

Page 8: A Produção do Urbano pela Igreja Católica e a ...anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais... · Católica e a Secularização da Cidade de Pau dos Ferros

SESSÕES TEMÁT ICA 7 : C IDADEE H ISTÓRIA

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 8

aberturadeviasparacarroçasepessoa,trabalhandocommelhoramentosurbanoseconstruçãode habitações. O maior patrimônio herdado do período colonial, certamente foi a terra, apropriedadefundiária.

Do ponto de vista expansionista da aglomeração, a relação com outros agentes acabaramconferindo transformaçõesnavidacitadina, refletindodecerto,naestruturadoespaçourbano,apresentando mudanças nos usos que se dava a esse espaço, na forma que este adquire noprocesso evolutivo da cidade e notadamente na função deste mediante a uma manutençãoseculardodomínioeposseda terra, conferindovalorpecuniário paraa Igrejaapartirdanovaestruturafundiáriadesseespaço(TEIXEIRA,2009).

O espaçomaterial não encerra em si nenhum valor. O valor, oumelhor, osvalores conferidos a um espaço resultam da dimensão social desse espaço,istoé,dasclassesecategoriassociaisqueoutilizam.Éousodeleaolongodotempoquelheconfereoutrosentido.Quantoàformaorganizaçãodoespaçourbanopropriamenteditoedeseusequipamentos,assimcomoelementosdesua forma e de sua disposição, conferem ou não um valor sagrado a esseespaço. A função urbana se refere precisamente às motivações para osurgimento das localidades que se transformaram ao longo dodesenvolvimentohistóricodasaglomerações.(TEIXEIRA,2009.p.34e35).

Importamencionarqueapesardamanutençãoseculardodomíniodapropriedadeclerical,comaevoluçãodasaglomerações,arelaçãopopulação,IgrejaeEstadoemparteapresentouconflitonocampo da propriedade, como a expropriação pela Coroa ou vendas de terras eclesiásticas paraconstrução de edificações religiosas, (TEIXEIRA, 2009). Essa relação era bastante conflituosa,principalmentenotocanteapropriedade,tendointerferênciasdiretasdaCoroaduranteaatuaçãodasordensreligiosasnaformaçãodasaglomerações(FRIDMAN,1999).Todavia,decertomodo,apropriedadeeodomíniofundiárioeclesiástico,perpassadoaolongodosséculos,remanescemnocotidianodascidades,sejanaformaçãodoterritório,navidasocialenaparticipaçãoeproduçãodoespaço,confluindonainformalidadeurbana.

3.PAUDOSFERROS:OCUPAÇÃOESACRALIZAÇÃO

Noperíodocolonial,naentãoCapitaniadoRioGrande,oscolonizadores,aoadentraremopaís,seestabeleciam onde fossemais conveniente, tendo a liberdade de vaguear pela região. SegundoLucieneSouza(2006),essemétododecolonizaçãoeracomumàquelaépocaemtodooterritórionacional, tornando o sistema de distribuição de sesmarias bastante desorganizado. Ao seguir atendênciadaspovoações se estabeleceremnasproximidadesdeáguas, principalmente rios, atéiníciodoséculoXIXasribeiraseramasprincipaisreferênciasparadefiniçãodoslimitesregionais.Nesseperíodoainda,eramasparóquiaslocaisasresponsáveispelavalidaçãooficialdassesmariasadquiridas, cabendo aos vigários ou párocos das igrejas subscreverem, além das certidões, osregistrosdeterras:eraauniãoentreReligiãoCatólicaeEstadoemcaráteroficial(DINIZ,2005).

Assim,aCapitaniadoRioGrande,duranteasegundametadedoséculoXVIII,dispunhadasribeirasdoPotengi,doAssu,doSeridóedoApodi.ÉpartindodaSerradosCabeçosdoApodi,futuraSerrade Portalegre, que os territórios em estudo neste trabalho vão se singularizando no contextoregional.

OsesforçosempreendidospelaCoroaPortuguesaàconquistadossertõesdesua colônia promoverama formaçãode espaçosdiversos, unidospor um só

Page 9: A Produção do Urbano pela Igreja Católica e a ...anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais... · Católica e a Secularização da Cidade de Pau dos Ferros

SESSÕES TEMÁT ICA 7 : C IDADEE H ISTÓRIA

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 9

desígnio: efetivar o poder do Rei lusitano nos quatro cantos de sua colônia(CAVALCANTEetal,2010,p.15).

Aideiadepenetraçãoparaointeriorfoifeitaapartirdosnúcleoscolôniaspróximosaosterritóriosdo Pernambuco, Bahia e São Vicente, no intuito de escravizar os índios e procura de vastaspastagensparaogadonoNordeste.Nessecenáriodeofertadecamposverdesparaasatividadesagropecuárias,surgiramgrandesfazendaseproprietáriosdeterras,queposteriormentetomaramdecontadosertão.Essassetevilascomastransformaçõespolíticas,culturaisesocioeconômicasforamdividasparacomposiçãopolíticaadministrativadoEstadodoRioGrandedoNorte,Figura4.Na Vila deNova Extremoz doNorte, surgiram cidades como, Touro, CearáMirim, Rio do Fogo,PedraGrandeePureza;NaVilaNovaPrincesa:Mossoró,Caraúbas,AssúeCarnaubais;ViladeSãoJosédoRioGrande:SitioNovo,TangaráeCampoRedondo;VilaFlor:surgiramcidadescomo,Arez;VilaNovadeArez:BaiaFormosa,NovaCruzeMontanhas;ViladoPríncipe:Caicó,SerraNegradoNorte,AcarieJardimdoSeridóefinalmentenaViladePortalegre,cidadescomo:Portalegre,SãoMiguel,ÁguaNova,SãoFranciscodoOesteePaudosFerros.

À época do surgimento dos núcleos populacionais no sertão da Capitania, todos os territóriosenquadradosatualmentecomopartedoAltoOestePotiguarpertenciamaumaúnicajurisdição,ada Vila de Portalegre. Terceira vila a ser criada no Rio Grande, sendo a primeira na regiãointeriorana. Oficialmente erguida em 08 de dezembro de 1761, a Vila de Portalegre englobavadesde os municípios de Apodi, Caraúbas e Janduís, atualmente partes da região do Sertão doApodi, até SãoMiguel à oeste, limite com o Ceará, compreendendo toda a região denominadahojede“trombradoelefante”.

AViladePortalegrefoicriadaparaabrigaros índiosdaMissãodoApodi,recusadosporApodieMartinsporseremconsideradosdanosospeloscriadoresdegadodaregião.Oscolonosdasduaspovoaçõesofereceramdinheiroemtrocadoafastamentodosíndiosdesuasterras,ajudandonoestabelecimentodestesnaSerradoRegente, futuraSerradePortalegre.Aochegaremo JuizdeForacomosíndiosdaMissão,iniciaram-seostrabalhosparaimplantaçãodaViladePortalegreem1761 (CAVALCANTE et al, 2010). Dessa forma, com uma população indígena somando 1805pessoasem1763,aigrejaassumiriapapelcentralnacristianizaçãodosíndios.Todavia,atéentão,avilaaindanãoexistiacomoparóquia,apenascomofreguesiasobocomandodoFreiFidélisdePartana. Somente em 1764 a Paróquia foi fundada (DIOCESE DE SANTA LUZIA DE MOSSORÓ,2014).

Maisantigaqueaprópriacidade,aParóquiadePaudosFerrosfoiaprimeiraaserconstruídanaregiãoOestedoestado,fundadaem1756.Contudo,acidadeéelevadaàcategoriadeVilaapenas100anosdepois,aoseremancipadadePortalegre.Aconstruçãodacapela foi iniciadaem1738pormobilizaçãopopular, comafrescosdesuasautorias,por iniciativadoVer. JosédaFonteeapedido de umdos pioneiros da cidade (povoação na época), FranciscoMarçal, sendo concluídasomenteemmeadosdadécadade1750,quandosedeuasuainauguraçãoem19dedezembrode1756,elevandoapovoaçãoafreguesiae,enfim,tornando-seaIgrejaMatrizdafreguesiadePaudosFerros.

Dessemodo,acriaçãodafreguesiadePaudosFerrossedeusobainvocaçãodeNossaSenhoradaConceição,ouseja,emfunçãodaconstruçãodaIgreja.EnquantoadePortalegrefoifundadaemfunçãodaelevaçãodapovoaçãoàVilapelaCoroa.Emtodocaso:

Sempre, no sistema de povoamento brasileiro e mesmo ibero-americano, afreguesiaantecipaoMunicípio.Éoprimeirosinaldevalimentodemográficoedafixaçãodeinteresseshumanosadefenderregularmentenoplanosagrado.

Page 10: A Produção do Urbano pela Igreja Católica e a ...anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais... · Católica e a Secularização da Cidade de Pau dos Ferros

SESSÕES TEMÁT ICA 7 : C IDADEE H ISTÓRIA

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 10

Anuncia a pequenina Capela que existe um rebanho cristão necessitado depastorpermanenteequeasgarantias substanciaisdaeconomianascentesetornaramfecundasegarantidorasdaestabilidadesocialesistemáticadopovoreunidooudispersonaslindesdapastorícia(CASCUDO,1956,pág.34).

3.1.OCUPAÇÃOESACRALIZAÇÃO–INÍCIODOSÉCULOXVIIIAOFINALDOXX

Apovoaçãodo territóriodePaudosFerros, cidadedemaiorexpressãopolíticaeeconômicadoAltoOeste(IBGE,2010),datanosregistrosoficiaisdoséculoXVIII,quandofoiprimeiroconcedidoaManoelNegrãoadatadasesmariadolocalàépocachamadodePôdidosEncantos(LIMA,1956).Contudo, para Manoel Jácome de Lima (1956), isso é prova evidente que o território foradescoberto no século anterior, mesmo sendo alegado pelos peticionários que eles haviamdescobertoaáreaacustode“muitotrabalho,riscodevida,sacrifícioegrandesdespesas”(LIMA,1956, p. 18). Em 1733, foi concedida aos herdeiros do cel. Antônio da Rocha Pitta as datas desesmariade“PaodosFerros”e“CampoGrande”naRibeiradoApodi,seriamestesLuizdaRochaPittaDeusDará,SimãodaFonsecaPitta,FranciscodaRochaPittaeD.MariaJoana.Algunsautores(CASCUDO, 1956; FARIAS, 2015) dizem serem esses os herdeiros não do Antônio, mas deDomingos Gonçalves da Rocha Pitta, o que indica inconsistências na história da cidade quepoderãosermelhortratadasemfuturotrabalho.

Aindaem1733,umoutropersonagemhistóricofoiessencialnaformaçãoedesenvolvimentodapovoação. FranciscoMarçal fundou, no local, que posteriormente seria a vila, uma fazenda degado, cuja localização se tornou ponto de convergência, ajuntamento e consultas entre osvaqueiros da região (AQUINO, 1956). Segundo Cascudo (1956), estava na fazenda deMarçal aárvore que seria posteriormente responsável pelo nome da cidade. Para Lima (1956, p. 19), oaumentodapopulaçãofoitãoconsiderávelque“foiprecisoconstruirumacapelaparaatenderàsnecessidadesespirituaisdoshabitantesdalocalidade”.Acredita-sequesuaconstruçãotenhasidoiniciadaem1738apedidodoFranciscoMarçaleporiniciativadoReverendoJosédaFonte,sendoconcluídaem1756,tornando-seMatrizeelevandoapovoaçãoàfreguesia.

Segundo José Jácome Barreto (1987, pág. 38), assim que foi “criada a freguesia, tornou-seimperativaanecessidadedeserorganizadooseupatrimônio”.AprimeiradoaçãoàParóquiaquese tem conhecimento foi do Coronel Bento Fernandes Lima no dia 25 de março de 1740 nalocalidadedePaudosFerros,aindanoperíododaconstruçãodaMatriz,constando50braçosdeterra, trinta vacas e um touro. Após a conclusãoda construçãodaMatriz em1756, a freguesiarecebeudoaçõesde terrasdoCapitão-MorFranciscoSoaresdeAndradeedeSimãodaFonsecaPitta,atravésdeseuProcuradorGeralAmaroFerreira,com800braçasdefrentepor1800braçasde fundo, o equivalente a 696,96 hectares de área. A transcrição dessa doação, feita em 1963,podeserconsultadano1ºCartóriodeImóveisdePaudosFerros,nolivro3-CdeTransmissõesdasTranscrições,sobnúmerodeordemde3.363,fls.273e274,em28dejunhode1963(Figura01).

Segundo Barreto (1987), logo de sua construção, os vigários a frente da Paróquia passaram asofrergrandesproblemasdeordemfinanceira,referentesamanterossacerdoteseàcontinuaçãodaconstruçãodaigreja.Dessaforma,emprimeirodejunhode1760,estandonapovoaçãoapenascomo um visitante diocesano, o padre Doutor Marcos Soares de Oliveira reuniu os grandesproprietários da região para lhes explicar a necessidade de uma contribuição material para amanutenção da paróquia, ficando deliberado que, aquele que possuíssemais de 50 vacas seriaresponsável por contribuir, anualmente, com um boi, e aquele que não possuísse as 50 vacas,contribuiriacom3$000.

Page 11: A Produção do Urbano pela Igreja Católica e a ...anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais... · Católica e a Secularização da Cidade de Pau dos Ferros

SESSÕES TEMÁT ICA 7 : C IDADEE H ISTÓRIA

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 11

Em1787,oPe.ManoelVieiradeLemosSampaio,tambémemvisitaàparóquia,sugeriuaoVigárioPe. FranciscoBeníciodeCarvalhoqueconstruíssenovamatriz, transformandoo corpoda igrejaexistentenacapela-mor.Paraisso,deixava286$045derendimentosdos“gadosdaSenhora”emsua propriedade, sugerindo também que aplicasse todo o ouro que lhe entregou o padremissionário,“freiPedro”.Desdeentão,todososvisitantesreforçaramqueovigárioseesforçassepelaconclusãodasobrasdaMatriz.

Jáem1840,opadreFranciscodeBritoGuerra,segundoJoséJácomeBarretoemseulivro“PaudosFerros”(1987,pág.39)recomenda“oseuzelo(referia-seaopároco)nacontinuaçãodasobrasdesua matriz que se acha na maior precisão de esforços para ser consumada, bem que tenhasuficientesparamentosevasossagrados”.Devidoa isso,entreoutrasmotivações,ovice-vigáriopadre JoaquimManoeldeOliveira, alegandoquehavia começadoo trabalhona capela-morem1849, mas que havia parado por falta de recursos o que resultou no abandono da capela atéentão, informava, em 1853, numofício dirigido ao Presidente da Província que “a igrejamatrizpermaneciaemestadodignodomaissinceroreparo”,concluindoopróprioofícioaopedirauxíliopara os trabalhos daMatriz. Assim, a partir do final da década de 1850, o oficio parece surtirefeito. Em 1858, ainda segundo José Jácome Barreto, a lei nº 415 autorizava o Presidente daProvíncia adesembolsar comasobrasdaMatriz dePaudos Ferros até1:000$000. Em seguida,veio a lei nº 829, de 7 de fevereiro de 1879, a qual definia noorçamentoprovincial, dentrodaverbadeObrasPúblicas,aimportânciade2:000$000paraosserviçosdaMatrizpauferrense.Cabesalientar que o Cônego Bernardino José de Queiroz era o representante do município naAssembléiaLegislativaProvincial,sendograçasaseusesforçosquefoiconseguidooauxílio.

Comosanos,váriosforamosmelhoramentosrealizadospelossacerdotesnaMatriz.Em1915,oPe.AntônioVicentedaCostaabriuasescadasdaCapelamor;oforrodanavecentraldaigrejafoiobradoPe.OsmarCascudo;eoPadreMilitãoBeneditodeMendonçaconstruiuaoladonortedaMatrizum jardim,onde instalouumcruzeiro.Mas,énagestãodoMonsenhorManoelCaminhaqueaIgrejamaisatuouesefezprotagonistanacidade.MariadoCarmo(vernotaderodapé04)lembrouque,em1965,houveumincêndionamatrizquedestruiuboapartedoaltar,oqualeratodotalhadoemmadeiraepossuíaumalâmpadaeumturíbulodescritoscomo“magníficos”pelocronista potiguar Luís Câmara Cascudo em seu livro “Viajando o Sertão” (2009, pág 37), “sãotrabalhados em prata do Porto e, possivelmente, um exame mais detalhado faça descobrir atrema,oP coroadoque lhes identificaráaprocedência.Omotivoéobembrasileirobarroco,ocomplicado rococó, enramilhetado de desenhos em curvas, anjinhos bochechudos e motivosconchiformes”.

Anos mais tarde, “considerando a necessidade de perfeita harmonia entre os poderes –eclesiásticoecivil–e,atendendoàs instânciasdamunicipalidadedavila”,oVigárioPe.LeôncioFernandes da Costa (1907 apud BARRETO, 1987, p. 38) cedeu ao município em 1907, por2:500$000, os terrenos que estão àmontante e jusante do açude público “25 deMarço”, sobautorizaçãodeD.AdautoAuréliodeMirandaHenriques,BispodaParaíba.SegundositeoficialdaFamíliaRêgoemPaudosFerros,TeófiloElpídiodeSouzaRêgofezdoaçãodepropriedadeaIgrejaem 02 de janeiro de 1904, estando a Paróquia no período sob comando do Vigário Pe. InácioFernandesdaCosta.AcópianaíntegradoTermodeAforamento,denº17,estádescritoabaixo:

O Ilmº Coronel Theofilo Elpídio de Souza Rêgo passou no PatrimôniopertencenteaIgrejamatrizdestaFregueziaumacasaaruaPoentecomvinteeseispalmosdefrente,aforadamedianteopagamentoannualdevinteseisporcada palmo, ficando esta matriz com pleno direito ao domínio directo edesapropriação domesmo terreno, no caso de necessidade ou utilidade daIgreja.Cada Foreio é obrigado a fazer os pagamentos todos os annos nos

Page 12: A Produção do Urbano pela Igreja Católica e a ...anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais... · Católica e a Secularização da Cidade de Pau dos Ferros

SESSÕES TEMÁT ICA 7 : C IDADEE H ISTÓRIA

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 12

termosdoRegulamentodeSuaEx.ciaoIlmºBispoeestásugeitoadoisemeioporcentodeLaudêmio,nocasodepassarpropriedadeaoutropossuidor.OIlmºCoronelTheofiloElpídiodeclarouperantemimabaixoassignadoacceitartodasascláusulasdopresentetermo.

NoTermodeAforamentonº51,passaumacasana ruadoRio comquarentaedoispalmosdefrente.

Popularmentechamadasdeas“terrasdasanta”,essesterrenosaumentaram,apesardasvendas,trocasedoaçõesaosetorpúblico,graçasaumaculturadedoaçãoqueseaprofundounahistóriada cidade, virando tradição entre as grandes famílias e tornando a instituição um dos grandespoderespolíticose,possivelmente,econômicos,domunicípio.

A influência da Igreja Católica em Pau dos Ferros na história é perceptível durante todo odesenvolvimento da cidade: pela construção das primeiras casas de parto da cidade, comdestaque para aMaternidade Santa Luzia deMarilac, criando em seguida a Liga de AssistênciaSocial da Paróquia de Pau dos Ferros para administrá-los; pela criação do primeiro CírculoOperáriodacidadeem1951,poriniciativadoCônegoManoelCaminha,comassistênciamédica,dentária (LIMA, 1956), que defendia que “ao falar-se de trabalho e de progresso, não podeprescindir-se,nãodeveprescindir-sedacrença;porquequemnãocrênãotrabalha,equemnãotrabalha não progride” (LIMA, 1956, p. 107); pela idealização e fundação do Patronato AlfredoFernandes tambémporCaminha, inauguradoem1953,edirigidopelas irmãsdeSãoVicentedePaula(DEODATO&MEDEIROSNETA,2012).

Em entrevista realizada no dia 29 de junho de 2016, o ex-prefeito José Edmilson de Holandadestacou o importante papel da Igreja na história da cidade, tanto com iniciativas visando àpopulação, bem como sua interferência política, ao tomarempartido nas campanhas eleitorais,atribuindocaráterdivinoàscampanhasqueapoiavam.Maiscomumnasgestõesanteriores,oex-prefeito frisa que não teve tal problema em suas gestões, ressaltando sua boa relação com oCônego Manoel Caminha e a facilidade de conseguir os terrenos que necessitava para obraspúblicaspordoaçãodaParóquia.

4.SECULARIZAÇÃO–FINALDOSÉCULOXX

Em 1956, iniciam-se os preparativos para o bi-centenário da Paróquia e centenário de Pau dosFerros,quandofoi inauguradooObelisco,símboloda intrínsecarelação igreja-estadonacidade.Quarentaanosdepois,frenteaocrescimentodacidade,oobeliscovempaulatinamenteperdendosuamonumentalidade, já tendo sidoultrapassadopor prédios ao seu redor. A igreja, por outrolado,soubeseadaptaràsnovastransformações.

Omunicípiopassaporumprocessodeexpansãohorizontaledesenvolvimentoeconômicocomovárias cidades do mundo. Todavia, a maioria dessas cidades se encaminham a uma completaseparação entre Igreja e Estado, uns mais avançados que os outros, num processo desecularizaçãoexperimentadonomundo todocomoconsequênciadamodernizaçãodosmeiosedosespaços.Nacontramão,PaudosFerrosaindatemessarelaçãoIgreja-Estadopoucodefinidaecompreendida, guardando traços “medievais” até os dias atuais, como o laudêmio cobradoanualmente à população e, na aquisição de qualquer terreno, o interessado ter que o comprarduasvezes,àParóquiaeàPrefeitura.

Page 13: A Produção do Urbano pela Igreja Católica e a ...anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais... · Católica e a Secularização da Cidade de Pau dos Ferros

SESSÕES TEMÁT ICA 7 : C IDADEE H ISTÓRIA

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 13

Figura02:1AcidadeàsombradaIgreja

FONTE:FotoporAnaLígiaP.Sampaio-16.11.2016

Emtermosdepreservaçãodopatrimônio,aestéticadaIgreja,detãoremodelada,apenasguardatraços e uma forma geral do que foi um dia, sendo uma perda para o estilo chão que era tãorepresentante.Cascudo, emvisita à região, chegoua afirmarem seu livro, “Viajandoo Sertão”,que:

Asde LuísGomesePaudos Ferros guardam traçosdeliciosos. (...)AdePaudosFerrosémaisimponentecomseufrontãosingelomasequilibradoesério.(...)Asigrejasoutras,Assu,Ceará-Mirim,Mossoró,Caicó,nãotêmhistóriaemsuasparedes,vintevezesalteradas.TantopodiamestarnoNordestebrasileirocomonaAustrália.Nadatêmdenósporqueasdespojaramdesuasherançasdecemanos(CASCUDO,2009,pág.36e37).

Suafachadaeseualtar,tambémelogiadoporCascudo(2009),passaramporsucessivasreformas,assimcomosuaestrutura,semprecomapoioerecursospopulares. Issopodesercompreendidoemtermosdeestratégiademodernizaçãoparacaptarnovosfiéis,amesmadoVaticanocomseunovo pontífice, que melhor representa os anseios dessa sociedade moderna, globalizada emulticultural (CHADE, 2016). É possível que, na verdade, esteja revelando sua preocupação emmantersuahegemoniareligiosa,políticaeatéterritorial,longedeserapenashistória,mascomoparte vivente e atuante da cidade como um organismo vivo e ainda em transformação namanutençãodesuainfluênciademaisde250.Paraoatualprefeitodacidade,FabrícioTorquato9,sua reforma deu novo ânimo aos católicos da cidade, levantando a auto estima e reforçando aidentidadelocal.

Figura02:TransformaçõesdafachadadaIgrejaMatrizdeNossaSenhoradaConceiçãoemPaudosFerros

Fonte:LIMA,1956;FotoporVincenteA.Queiroz,2009;FotoporMarcosElias,2016

9Ementrevistarealizadanodia20denovembrode2016.

Page 14: A Produção do Urbano pela Igreja Católica e a ...anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais... · Católica e a Secularização da Cidade de Pau dos Ferros

SESSÕES TEMÁT ICA 7 : C IDADEE H ISTÓRIA

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 14

Figura03:Reformasdoaltar(daesquerdaparaadireita)-até1969,de1969a1999,de1999a2011,de2011atéhoje

FONTE:culturapauferrense.blogspot.com.br

Seu processo de secularização, diferenciado em comparação às outras cidades de fundaçãosemelhante, é respaldada pela forte religiosidade e alimentada pela consistente e constanteatuaçãodainstituiçãonahistória,atravésdesuasobraseprotagonismopolítico.Entreospontosquepodemserdestacadosestão:amanutençãodeummesmocentrodesdeosprimórdiosatéaatualidade,tornando-asemprecentral;suamonumentalidadearquitetônicaeasimbologiadesuahistóriamarcadaemseustraçoseemsuasreformas,queaengrandeceperanteapopulação;eàsua constante renovação para atender aos anseios de modernidade da população, quando foiconstruída sem torre alguma e hoje possui duas, completamente remodelada para se tornaracessíveledeacabamentomaissofisticado.

Figura04e05:PanoramasdocentrodePaudosFerrosem2009eem2014

Fonte:FotosporHudsonHigo,2009;FranskinLeite,2014.

Recém-reformada e completamente revitalizada, vê de cima a CâmaraMunicipal e a Prefeituradevido à sua localização estratégica no ponto mais alto da cidade e à sua monumentalidade,sensaçãoampliadapelogrande largoà frenteeapraçaao lado,apraçadaMatriz, remodeladarecentemente,ondeestáomarcodefundaçãodacidade,oObelisco.Mesmocomomunicípioemplenocrescimento,eaindaseminstrumentosdecontroleurbano,ogabaritodosedifíciosaoredorrespeitamastorresdaIgreja,emparteimpedidosdecrescerverticalmenteatérecentementepela

Page 15: A Produção do Urbano pela Igreja Católica e a ...anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais... · Católica e a Secularização da Cidade de Pau dos Ferros

SESSÕES TEMÁT ICA 7 : C IDADEE H ISTÓRIA

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 15

falta de corpode bombeiros como tambémpela ampla possibilidadede crescimento horizontaldisponível.Ouseja,atéhojeastorresdaIgrejaaindasãooprincipalmarcoverticaldacidade.

De forma auxiliar, a intangibilidade das “terras da santa”, talvez pelo caráter divino adquirido,garanteaelasumarde“intocáveis”atéhoje.Apesardarendaquerecebedessasterras,nãohácobrançanemtributaçãoàparóquia,sendodedifícilcompreensãocomoétratadojuridicamenteemPaudos Ferros.Mas, é importante ressaltar que a paróquia é bastante organizada em suasdocumentações, inclusive na elaboração dos contratos e na sua contabilização, mantendo osregistrosdahistóriadacidadeemseusarquivos.Deacessorestrito,sãoregistrosquenemórgãospúblicos dispõe, perdidos ao longo das administrações, garantindo à Igreja omonopólio dessasinformaçõesedahistóriadacidade.Nessaeradaglobalizaçãoedoconhecimento,opoderestánocontroledasinformações,pois"oconhecimentoéemsimesmoumpoder”10.

5.AQUESTÃOFUNDIÁRIA

Opatrimônio da Igreja durante todos esses anos de história brasileira emdiversas cidades temsido utilizado para constituição de novos parcelamentos, novos usos que perpassaram com astransformaçõessóciasepolíticasqueopaísatravessouemsua jornada,especificamentenoquedizrespeitoàpropriedade.Seporumladoessepatrimônioconformouascidadesmodificandosuapaisagem urbana conforme salientou diversos autores, por outro lado, essemesmo patrimôniotemsidomotivosdosproblemasdeordemurbanajurídicaesocialnascidades.

Nocampofundiário,porexemplo,presencia-secadavezmaisainformalidadeurbanaemextensasáreasconsolidadasconstruídasemterraseclesiásticas,poisaIgrejaCatólicaapesardetercedidoodireito de uso e domínio útil para a população construir edificações residenciais e até mesmocomerciais, apenas perpetua a enfiteuse de suas posses, permanecendo ainda como senhora edona efetiva da terra. Isso implica em dizer que o patrimônio fundiário eclesiástico, segrega oespaço e as camadas sociais da população especialmente as de menor estatuto social.Complementaaassertivaumtrechode(TEIXEIRA,2009.p.392e393):

A questão fundiária não pode ser compreendida fora da relação que seestabeleceuentreIgrejaeoEstado;Essauniãoindissociávelestánaorigemdopadroado,acordodedireitosedeveres recíprocosentrea IgrejaeoEstado,instituídonoBrasilemmeadosdoséculoXVI,queconsistenodeverdoEstadoem estimular, por seus próprios meios, a obra da organização da IgrejaCatólicanoNovomundoesuacristianização,comocontrapartidapelodireitotemporal sobre as terras descobertas. Em outras palavras, tratava-se dalegitimação da conquista, que somente a Igreja podia conceder naqueleperíodohistórico.

Tomando as referências de Teixeira, caberia a Igreja e somente a ela, o papel de gerir o novoterritório, com seus dogmas e sua política catequizadora, mas também pela sua ideologiadominanteepropagaçãodafécristãentreosnativos.OcorrequenarelaçãoentreoEstadoeaIgreja,observam-seduasdimensõesmesmoemépocasdiferentes, semantiveramesemantéminertesnotocanteaodomínioeperpetuaçãodoclientelismo,poisnessesentidosemprehaveráosexcluídos,ospobresquenãopossuemcondiçõeseconômicasparacomprade terras.Oquenosleva a conclusão de que dentre os agentes sociais da produção do espaço, os velhos e novosagentesnadamaisfazemdoquecultivaremterrenofértil,servosparaseusenhorioedomínio.

10BACON,Francis.Meditationessacrae.Tradução.Londini:ExcusumimpensisHumfrediHooper,1597.

Page 16: A Produção do Urbano pela Igreja Católica e a ...anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais... · Católica e a Secularização da Cidade de Pau dos Ferros

SESSÕES TEMÁT ICA 7 : C IDADEE H ISTÓRIA

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 16

Nestesentido,acompreensãourbanadascidadespassapeladimensãohistóricadaconstituiçãofundiária,nabuscadoentendimentodosreaisproblemassocioespaciaisdecorrentedaaçãodosagentes. A igreja sempreestevepresente, sejanaadministração localdasaglomeraçõesouatémesmo na relaçãomais próxima com a população na já incorporada pelo povo, à fé católica etodosseusdogmas.

Para Raffestin (1993), assim como a língua, a religião também pode ser concebida como uminstrumentodemúltiplasecomplexasfunções,um“instrumentodecomunicação,mastambém,eaté mesmo na essência, um instrumento de comunhão, manipulado pelas organizações”(RAFFESTIN,1993,p.120).Talinstrumento,ditosagrado,podeserconsiderado“umapropriedadeestávelouefêmeraacertosseres(orei,opadre),acertosespaços(otemplo,aigreja,oaltar),acertostempos(odomingo,odiadePáscoa,deNatal).Porém,Raffestindestacaqueassimcomoháumtrabalhoprofano,há tambémumtrabalhosagrado, seháumtrabalho linguístico,háemconjuntoumtrabalho religioso.Dessamaneira,a suaatuaçãodeveser compreendidacomoumconjunto de ações bem articuladas que atrela língua e religião e, quando vinculado a outraspropriedades, sejam efêmeras ou não, adquirem novos sentidos. Essa sua concepção comoinstrumentodemúltiplasfunçõesgarantesuainfluêncianãosónoâmbitoespiritual,masadentrao político, na área dos grandes discursos e da retórica.No caso de Pau dos Ferros, vale para oexecutivo, o legislativo e o judiciário, constituindo uma constante em comum a todos essespoderes.

CONCLUSÃO

A influência do elemento religioso na compreensão popular da natureza reflete a relação entrereligião e espaço: como criador da terra e dos homens, qualquer acontecimento é fruto davontadedivinaejustificadopelaaçãodaquelesquealivivem.Esseprincípioédifundidonosertãodesde o século XVIII pelos missionários em sua cristianização da terra e da gente como“mecanismo privilegiado de colonização” (FERNANDES, 2003, p. 04). Nesse quadro, a “Igreja,ligada ao Estado era um instrumento de urbanização face a uma política genérica e evasiva daCoroa,emrelaçãoaoplanejamento,construçãoouordenamentodascidadescoloniais”(ROCHA,2008, p.03). Tal mecanismo é capaz ainda de intensificar o sentimento de pertencimento e deidentidade do sertanejo com a região, na construção de hábitos e costumes ligados àsparticularidades de suas origens, construindo aspectos culturais e sociais comuns ao espaço eexemplificandoasprofundaseantigasrelaçõesentrereligião,podereterritório.

NocasodePaudosFerros,povoaçãonascidadacriaçãodegado,docomércioeconsolidadapelareligiosidade, alémde seupoderespiritual, a Igreja ainda tempara si grandepodereconômico,políticoeterritorial.Caracterizadapelaacumulaçãomaterialedesímbolos,mesmoemconstantecrescimento e transformação, o processo histórico de estruturação da cidade é fortementemarcadapelainstituiçãoeclesiásticapormeiotantodoselementosvisíveis,construídos,comosuacapela,praças,seuscentrosdesaúde,quantodosinvisíveis,suarepresentaçãoepossesdeterra.

Dessaforma,porquestõeshistórico-culturaisintrínsecosàcidade,aIgrejamantémsuainfluêncianacidadeatéhoje,apaisagemreligiosadocentrodacidadeseintegraaocotidianodapopulação,sugerindo a aproximação do contato deste com o sagrado e contribuindo para reforçar oureafirmar sua identidade seja como indivíduo ou como grupo. Tanto a arquitetura, quanto alocalização, a estética, a monumentalidade, os símbolos e mesmo os sentidos daqueles queinteragem com a instituição contribuem na amplificação dessa percepção em Pau dos Ferros etardiam seu processo de secularização. Materializada em sua Matriz, a instituição teve e

Page 17: A Produção do Urbano pela Igreja Católica e a ...anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais... · Católica e a Secularização da Cidade de Pau dos Ferros

SESSÕES TEMÁT ICA 7 : C IDADEE H ISTÓRIA

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 17

permanece tendo papel determinante na história da cidade tanto como instituição como partevivente,cujasatuaçõesestãorefletidasnamalhaeurbanidadedePaudosFerros.

REFERÊNCIAS

AQUINO, Jefferson Correia de. Panorama de Pau dos ferros. In: Revista comemorativa do bi-centenáriodaparóquiaecentenáriodomunicípiodePaudosFerros(1756-1856-1956).Natal:CentrodeImprensaS.A.,1956.p.39-44.

BARRETO,JoséJácome.PaudosFerros:história,tradiçãoerealidade.Natal:Clima,1987.

CASCUDO,LuísCâmara.O2ºcentenáriodaquintafreguesiadoRioGrandedoNorte. In:Revistacomemorativadobi-centenáriodaparóquiaecentenáriodomunicípiodePaudosFerros(1756-1856-1956).Natal:CentrodeImprensaS.A.,1956.p.31-34.

CASCUDO,LuísCâmara.ViajandooSertão.4.d.SãoPaulo:Global:2009.

CAVALCANTE, Maria Bernadete; DIAS, Thiago Alves; DINIZ, Mônica (Org.). Portalegre do Brasil:históriaedesenvolvimento–250anosdefundaçãodePortalegre.Natal,:EDUFRN,2010.

CHADE, Jamil.Aumentanúmerodecatólicosnomundo,dizVaticano.SãoPaulo,OEstadodeS.Paulo,2016.Disponívelem:<http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,aumenta-numero-de-catolicos-no-mundo--diz-vaticano,1847942>.Acessoem:5set.2016.

FERNANDES, Edésio. et al. Regularização fundiária plena, referências conceituais. Brasília.MinistériodasCidades.2007.

FRIDMAN,Fania.DonosdoRioemnomedorei:umahistóriafundiáriadacidadedoRiodeJaneiro.RiodeJaneiro:JorgeZaharEd.:Garamond,1999.

LIMA, Manoel Jácome de; Município de Pau dos Ferros. In: Revista comemorativa do bi-centenáriodaparóquiaedocentenáriodomunicípiodePaudosFerros.Natal:CentrodeImprensaS.A.,1956.p.17-30.

MARX,Murillo.CidadenoBrasil,Terradequem?SãoPaulo:Edusp/Nobel,1991.

PONCIANO,Nilton Paulo.O Papel da Religião no Cotidiano de uma Cidade em Formação:UmOlharSobreaPresençadaIgrejaCatólicaemFátimadoSul/MS(1943-1965).Assis:UNESP,2006.

ROCHA, Ronaldo H. Giovanini. A Influência da Igreja Católica nas Políticas Urbanas nas MinasGerais.In:SIMPÓSIODAABHR-SP,10.SAEPE,2008.Anaiseletrônicos...p.94-94.

TEIXEIRA,RubenilsonB.DacidadedeDeusàcidadedoshomens:asecularizaçãodouso,daformaedafunçãourbana.Natal:EDUFRN,2009.