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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAU
CENTRO DE CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CINCIAS JURDICASGRADUAO EM DIREITO
Igor Sampaio Felismino
Democracia e ensino jurdico: um estudo no estilo Lapidariumdastransgresses como condies de possibilidade atravs do dilogo entre direito e
Harry Potter
Teresina - PI
2016
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IGOR SAMPAIO FELISMINO
DEMOCRACIA E ENSINO JURDICO: UM ESTUDO NO ESTILOLAPIDARIUMDAS TRANSGRESSES COMO CONDIES DE POSSIBILIDADE
ATRAVS DO DILOGO ENTRE DIREITO E HARRY POTTER
Monografia apresentada ao Cursode Graduao em Direito daUniversidade Federal do Piau, comorequisito parcial para a obteno doGrau de Bacharel em Direito.
Orientadora: Profa. Dra. MARIA SUELI RODRIGUES DE SOUSA
Teresina-PI
2016
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IGOR SAMPAIO FELISMINO
DEMOCRACIA E ENSINO JURDICO: UM ESTUDO NO ESTILO LAPIDARIUMDAS TRANSGRESSES COMO CONDIES DE POSSIBILIDADE ATRAVS DO
DILOGO ENTRE DIREITO E HARRY POTTER
Trabalho de concluso de curso apresentado ao Departamento de CinciasJurdicas da Universidade Federal do Piau, como requisito para concluso do Cursode Bacharelado em Direito.
Aprovadoem 07 de Maro de 2016.
_____________________________________________
Profa. Dra. Maria Sueli Rodrigues de Sousa
Orientadora
_____________________________________________
Profa. Andreia Marreiro Barbosa
Examinadora
_____________________________________________
Prof. Macell Cunha Leito
Examinador
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SumrioINTRODUO..................................................................................................................................... 7
CAPTULO 1Literatura, Harry Potter e democracia: incio da jornada.................................. 10
1.1 Entretenimento....................................................................................................................... 11
1.2 Edificao moral.......................................................................................................................... 161.3 O papel social da literatura........................................................................................................ 18
CAPTULO 2O direito em Warat e a literatura em Harry Potter: duas faces da democracia............................................................................................................................................................. 23
CAPTULO 3Instaurao de nova jornada: aquele que levanta e segue.............................. 31
CONCLUSO.................................................................................................................................... 39
Referncias bibliogrficas................................................................................................................ 42
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Resumo
O trabalho que vocs esto prestes a ler partiu do questionamento a respeitodas qualidades que deve ter o direito para nutrir a democracia. Partindo dopressuposto de que as transgresses ao Direito so fundamentais para a existnciado regime democrtico, utilizei os referenciais tericos principais de Warat eCastoriadis. Aquele considera que democracia transgresso e este, que ela umadimenso simblica da poltica. Analisou-se a saga Harry Potter luz dessestericos. Arte e psicanlise foram utilizadas para analisar o direito. Por fim, lanou-seuma proposta de ordem prtica para o ensino jurdico. O primeiro captulo tem comoprotagonistas a literatura e a saga Harry Potter, e culmina com a funo social da
arte literria; o segundo coteja a srie Harry Potter com vrios temas do direito, que,apresentados de forma metafrica, se tornam, em seu turno, mais fortes. Por fim, noltimo captulo, cria-se uma proposta de ordem prtica amparada em uma estratgiade enredo discutida no captulo inicial.
Palavras-chave: transgresses; democracia; literatura.
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Abstract
The work you are about to read started from the wondering regarding thetraits which Law must have, in order to nourish democracy. Starting from the tenetthat the transgressions against Law are fundamental to the existence of a democraticpolicy, I employed Warat and Castoriadis as the main theoretical referentials. Theformer entertains the idea that democracy is transgression, and the latter, thatdemocracy is a symbolic dimension of politics. I analyzed Harry Potter saga underthose theorists light. Art and psychoanalysis were used in order to analyze Law.Finally, a practical-order proposal for the teaching of Law was launched. First chapterhas literature and Harry Potter saga as main characters, and culminates with the
social function of literature; second one compares Harry Potter series to several lawthemes, which, metaphorically presented, become, on their way, stronger. Finally, inlast chapter, we created a practical order proposal, sustained on a plot strategyargued about in first chapter.
Key-words: transgressions; democracy; literature.
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INTRODUO
Fala Warat no seu compndio de textos de ttulo Territrios surrealistas: a
procura surrealista pelos lugares do abandono do sentido e da reconstruo da
subjetividadea respeito de um termo chamado Lapidarium, que indica um arsenal
de peas antigas e desconectadas, como restos de esttuas ou pedras de
construes antigas em runas. O terico, no entanto, no menciona o termo apenas
porque admira sua riqueza sonora, do mesmo jeito que Humbert Humbert no
admira apenas a sonoridade sensual do nome Lolita, no primeiro pargrafo do
clebre romance de Vladimir Nabokov. Lapidarium utilizado como metfora a
caracterizar o processo de escrita do autor, que pode parecer fragmentrio para os
padres de pensamento e elaborao de pensamento cientfico, mas que liberta o
pensamento e o deixa pronto para ser verdadeiro, o que pode implicar (por que
no?) ser paradoxal.
No Lapidarium s existem fragmentos. A realidade um imensoLapidarium, constitudo somente de fragmentos. A literatura,
qualquer escrita no transcende as dimenses de um Lapidarium.Toda escritura fragmentria. Eu assumo esta afirmao e por issosempre rendi tributo literatura de fragmentos e desprezei asaparncias da literatura monoltica. Sempre me pareceu um esforoque, alm de vo, nos deixava sempre o sabor de uma mentira(WARAT, 2004, p.23).
Dessa forma, a estrutura desse meu filho de produo intelectual no se
preocupou exatamente com a rigidez da forma, mas sim com a sinceridade dos
pensamentos. E todos sabemos que os pensamentos muitas vezes agem sozinhos,
sem a nossa interveno, algumas vezes contra a nossa vontade. Nietzsche, emAlm do bem e do mal nos alerta contra o perigo, em casos como esse, de confiar
na gramtica, e achar que s porque na frase Eu penso, o sujeito o eu, isso
significa que na realidade de fato esse sujeito controla os turbilhes no interior de
sua cabea.
J nessa apresentao da estrutura formal deste trabalho monogrfico, est
contido o princpio que o orienta. Ele visa a responder a seguinte pergunta: qual a
importncia dos conflitos, das incertezas, das transgresses, enfim, para a
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manuteno da democracia? Com base em Warat e Castoriadis, a resposta
pressuposta que no h democracia de verdade com respostas prontas, pois o
ideal no existe, e ancorar-se em utopias, como a da autonomia poltica dos
indivduos na democracia institucional, uma atitude que s fortalece a rede de
mentiras do atual jogo poltico.
Tendo em vista isso, o trabalho teve como objetivo defender a criatividade
no ramo jurdico, que passa por um exerccio inventivo da linguagem e pela
autonomia das escolhas sem base em receitas prontas.
No h receio algum de classificar parte desse trabalho como sendo feito
com base na pesquisa de campo, muito embora o campo envolvido seja um mundoem que o prprio autor no pde entrar, nem provavelmente o poder nenhum dos
leitores dessa monografia: o mundo dos bruxos, conforme descrito por J.K.Rowling,
na saga Harry Potter. Vrios aspectos desse livro foram analisados e confrontados
com lies de Warat a respeito do carter da democracia e da poltica, e sua
inegvel ligao com conflitos e incertezas.
Torna-se claro, ao mesmo tempo, que a ligao entre o personagem bruxo e
o trabalho do escritor argentino dupla: por um lado, temos a pesquisa de campo
propriamente dita, com seu mtodo emprico de colher dados de uma sociedade (no
caso, uma sociedade imaginriae aqui Castoriadis me agradeceria pelo trocadilho
no-intencional) e analis-los luz dos diversos elementos que Warat trabalha,
como amor, indiferena, xtase comunicacional, incidentes de ternura, dentre outros;
e por outro lado temos, mediante a escolha da sociedade, que a do mundo dos
bruxos, a concretizao das ideias de Warat a respeito da importncia da arte para a
vida.
Pesquisa bibliogrfica, ento, como se chama essa segunda parte do
trabalho. Foram realizadas inmeras leituras a fim de amadurecer as reflexes
acerca do papel da literatura no mundo jurdico, e da importncia de uma nova
postura existencial, artstica e criativa, no processo de lidar com a democracia.
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A orientao metodolgica, portanto, consistiu na anlise jurdica da saga
Harry Potter sob a luz dos tericos supracitados, alm de uma discusso a respeito
dos prprios aspectos das propostas tericas desses autores.
O texto est organizado em 3 captulos. O primeiro trata de apresentar as
principais funes da literatura, e realiza uma anlise de diversas ideias de Warat
cotejadas com aspectos da srie Harry Potter. Alm disso, apresenta o conceito de
monomito, ou jornada do heri, que ser retomado no ltimo captulo.
O segundo captulo realiza uma anlise direta de diversos incidentes da obra
Harry Potter sob a luz de Warat e Castoriadis, o que inclui incurses tambm na
psicanlise, ramo do conhecimento utilizado intensamente por ambos os autores.
O terceiro captulo, por fim, realiza uma proposta de ordem prtica para o
ensino jurdico com base na jornada do heri analisada no primeiro captulo.
Que sejam perdoadas algumas possveis falhas que esse meu rebento
apresentar. Como pai de primeira viagem, e criando um filho sozinho, devo admitir
que s agora tenho muitas experincias adquiridas em primeira mo.
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CAPTULO 1 Literatura, Harry Potter e democracia: incio da
jornada
Desde a aurora da humanidade at a era contempornea, verifica-se a
presena ininterrupta da Literatura na vida do ser humano. possvel atestar como
suas funes, de acordo com Jos Guilherme Merquior (2014), o entretenimento, a
edificao moral e a problematizao da vida; e poderamos acrescentar ainda,
consoante as lies de Luiz Gonzaga de Carvalho Filho (2015), o relato de
experincias. Pode-se dizer, juntamente com o primeiro terico mencionado, que a
hipertrofia da funo de problematizao da vida caracterstica tpica da era
moderna, de tal forma que as obras que se voltam para as trs primeiras funes
frequentemente so discriminadas como subliteratura. Desde a ascenso da prosa
impressionista, no final do sculo XIX, o questionamento dos valores sociais parece
ter se tornado o objetivo primordial no apenas da literatura, mas de toda obra que
se diga artstica (adjetivo que, alis, parece, nos dias de hoje, poder se estender a
qualquer objeto ao qual se possa associar uma mnima ideia crtica). No entanto,obras imortais do cnone literrio, como A divina comdia e a Eneida, foram
construdas com o objetivo principal de transmitir valores morais. Literatura
altamente considerada pela crtica e pelos leitores, como Decameron e Orlando
Furioso, j foi feita com a finalidade de entretenimento. Existiram at as obras
monumentais, como a Odisseia, construdas com os intuitos de divertire edificar.
Mas por que era possvel, nesses tempos que atualmente muitos
consideram ureos (tempos que incluam a honra de poder ser conduzido ao reino
dos mortos por uma febre de tifo ou uma varola), o divertimento poder ser usado
para divulgar e inculcar valores morais importantes? Porque, como declarou
Merquior, tratava-se de tempos de valores estveis. Por isso, o prprio divertimento
era capaz de atuar como veculo de formao tica(MERQUIOR, 2014, p. 248) Os
tempos atuais, porm, no conseguem oferecer a seus filhos uma bssola moral
uniforme e unnime para a vida, visto que os valores atualmente so variados e
privilegia-se o dilogo em detrimento das certezas; dessa forma, a literatura toma
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para si essa funo de procurar essa bssola moral, atravs de diversos
questionamentos.
Exemplo admirvel de literatura que une essas funes a obra principal daescritora britnica J.K.Rowling, qual seja, a saga Harry Potter, srie dividida em sete
volumes, cujo primeiro, Harry Potter e a pedra filosofal, foi publicado em 1997. A
srie consegue, de forma natural, unir entretenimento, edificao moral e
problematizao da vida. Um de seus inmeros mritos como obra de arte
justamente fazer com que os temas socialmente importantes abordados cresam de
forma orgnica, sem que sejam berrados de forma escandalosa, como o
dogmatismo dos militarizados grupos antidogmticos de defesa dos direitos
humanosguardem isso na memria, pois ser desenvolvido mais adiante, no meio
da explicao acerca das ideias de Lus Alberto Warat.
De agora em diante, vou apresentar as supracitadas funes da Literatura
em trs tpicos, com base nos j citados Luiz Gonzaga de Carvalho Filho (2015) e
Jos Guilherme Merquior (2014); o primeiro tratar do entretenimento, o segundo,
da edificao moral, e o terceiro, denominado o papel social da literatura, abarcar
ao mesmo tempo a funo de problematizao da vida e a funo de relato deexperincias, misses que considero interconectadas e impossveis de separar.
1.1 Entretenimento
O materialismo cada vez mais intenso da nossa sociedade tende a
desmerecer a importncia de momentos que no so (pelo menos diretamente)
capitalizveis, isto : os momentos de entretenimento, de lazer, que se exercem fora
do ambiente de trabalho. Esqueam o cio criativo: os momentos de tempo livre dosindivduos no lhes so lucrativos, ento devem ser reduzidos o mximo possvel e
preenchidos com atividades entorpecedoras, verbi gratia, a prtica da libao
profana (nome elegante para a bebedeira, que tem associao estreita com o
ambiente de festas), a fim de que estes se esqueam da falta de profundidade que
suas existncias possuem.
Nessa esteira, tende-se a desmerecer as narrativas de fico, a literatura
particularmente, como inteis e sem valor, porque no produzem nada
imediatamente monetizvel. No entanto, o engano aqui consiste em considerar
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utilidade e valor financeiro como critrios axiolgicos. No apenas o til que
importante. Se fosse assim, qual seria o valor dos programas de televiso, dos
filmes, dos causos, dos devaneios, das anedotas? Alm do mais, deve-se ter
cautela redobrada com quem ostenta a atitude de desprezo fico, pois ela pode
esconder a inteno de acabar com as reflexes sobre o ser humano e o mundo
sua volta.
A fico uma necessidade universal humana. Do pobre ao rico, do
primitivo ao civilizado, do jovem ao velho, todos apreciam fico ao longo de suas
vidas, seja na forma de telenovelas, seja de gibis, vdeos de Internet, piadas, filmes,
histrias de pescador, contos folclricos, lendas etc. A produo de fico tambm
no incomum. H quem finja amar uma pessoa e construa um inteiro
relacionamento que parece verossmil nos mnimos detalhes. H quem finja gostar
do prprio trabalho e ignore o fato de que se sente mais satisfeito quando precisa
faltar do que quando obrigado a comparecer. H ainda quem ocupe altos postos
de comando e tenha se especializado em fingir satisfao com situaes que no a
merecem e desconhecimento de esquemas fraudulentos em que j participou.
notrio que a fico faz parte do cotidiano de muitos indivduos, mesmo daqueles
que em suas opinies pblicas consideram poetas e romancistas como seres
ultrapassados e desnecessrios para a sociedade hodierna.
Dessa forma, uma histria ficcional de boa qualidade como Harry Potter veio
muito a calhar. De fato, a srie foi responsvel por catapultar o gosto pela leitura de
muitos infantes cujo universo estava reduzido aos desenhos animados matutinos. E
o enlevo que ela produziu se deve enorme habilidade da autora com recursos
narrativos. Ela tinha as cartas certas na mo e soube-as utilizar de forma precisa,
como um experiente jogador de pquer.
Conduzindo a narrativa como ningum, a autora vai guiando seus leitores
por inmeras peripcias pelas quais passa seu protagonista, um jovem bruxo
desajeitado de culos, olhos verdes e uma cicatriz na testa. Os livros utilizam o foco
narrativo da terceira pessoa seletiva, e nesse caso isso significa que ns leitores s
sabemos o que Harry Potter sabe (com poucas excees), criando suspense em
cada um dos sete livros, construdos de forma anloga a uma narrativa policial
clssica, de Conan Doyle ou Agatha Christie. Trata-se de uma estrutura que, junto
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com seu enredo e personagens, fascinou milhares de crianas, adolescentes e
adultos ao redor do mundo. O fato de os passos de Harry Potter seguirem a
estrutura do monomito s contribui para a imediata identificao dos leitores com o
protagonista. Mas o que seria esse tal monomito?
O monomito, tambm chamado de Jornada do heri, um termo utilizado
pelo antroplogo Joseph Campbell (1995) para designar um paradigma de
construo de enredo presente em vrias mitologias do mundo. Constitui um ciclo,
de base psicanaltica, que orienta os rumos que os heris dessas histrias tomaro,
de forma que sua trajetria parea envolvente e interessante para os
leitores/interlocutores. Essa disposio narrativa faz com que os leitores se
identifiquem imediatamente com os personagens retratados: visto que o heri
inicialmente uma pessoa comum com um cotidiano isento de aventuras, e que de
repente recebe um chamado que muda sua rotina, a histria parece possvel de
acontecer com qualquer um. De fato, uma gerao inteira esperou (e continua
esperando) sua carta de Hogwarts.1
Mas quais so os passos que essa jornada do heri segue? Bem,
originalmente Joseph Campbell (1949) dividiu sua teoria em 17 estgios, mas aquiser utilizada a verso popularizada por Christopher Vogler, que a dividiu em 12
passos. Ei-los, com a descrio de como ocorre sua correspondncia em Harry
Potter e a pedra filosofal, o primeiro livro da saga:
Passo n. 1: o mundo comum. Aqui se introduz o heri, ou melhor, o
indivduo que futuramente ser o heri, em seu cotidiano. No caso, Harry Potter
um garoto aparentemente normal, com a exceo de uma cicatriz em sua testa, e
que vive com tios que o tratam como lixo: ele dorme em um armrio embaixo da
escada, e utilizado como saco de pancadas pelo primo Duda.
Passo n. 2: o chamado da aventura. Neste ponto ocorre a entrada do
inusitado, ou seja, algo inslito quebra a rotina do heri. Harry Potter recebe milhes
de cartas de uma escola de magia e bruxaria chamada Hogwarts, que o convida a
comear o ano letivo.
1Trata-se da escola de magia e bruxaria que constitui o microcosmo da saga. Todos os jovens bruxosde 11 anos selecionados para nela ingressar recebem uma carta de aviso, atravs de uma coruja.
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Passo n. 3: a recusa ao chamado. Aqui o heri nega a possibilidade de
mudar sua rotina e prefere continuar na zona de conforto de sua vidinha conhecida.
No caso, quem cumpre esse papel na saga o Sr. Dursley, tio de Harry, que o
impede de ter acesso a qualquer carta (e cumpre esse papel com unhas e dentes,
chegando a arrastar a famlia para uma ilhota rochosa em meio a uma tempestade,
a fim de impedir que o garoto tenha qualquer contato com o mundo dos bruxos).
Passo n. 4: encontro com o mentor. Aqui o heri se depara com a figura de
um velho sbio, isto , algum experiente no mundo estranho, que faz o heri
tomar uma deciso importante. O meio-gigante Hubeus Hagrid o mentor que
encontra Harry, conversa com ele a respeito de sua condio de bruxo e da
existncia de Hogwarts, e o retira do mundo comum, para desespero de seus tios.
Passo n. 5: travessia do umbral/ liminar. O heri cruza uma fronteira fsica
que o conduz do mundo ao qual est acostumado para o novo mundo, em que
viver aventuras pelas quais ele no esperava. Essa travessia ocorre primeiramente
em um muro que se localiza nos fundos do Caldeiro Furado, um bar decadente
localizado em meio a uma das ruas mais movimentadas de Londres, que conduz
Harry ao Beco Diagonal, uma movimentada rua de lojas do mundo dos bruxos; e emseguida, na estao de trem de Londres, onde, ao atravessar a diviso entre as
plataformas 9 e 10 (que os bruxos chamam de plataforma 9 ), chega-se
estao mgica em que se pode pegar um trem para Hogwarts.
Passo n. 6: Testes, aliados e inimigos. neste estgio que a maior parte da
histria se passa. O heri comea a viver aventuras no novo mundo, e passa por
inmeros testes em que precisa demonstrar suas qualidades, faz alianas com
amigos e tambm consegue inimigos. Sortudamente para Harry, sua aliana com
Rony Weasley e Hermione Granger supera o rancor de seu inimigo rapidamente
adquirido, o preconceituoso Draco Malfoy.
Passo n. 7: Aproximao do objetivo. O heri se aproxima cada vez mais do
objetivo principal relacionado a seus testes. O clmax est cada vez mais ululante,
bem como o nvel de tenso da histria. No primeiro livro da saga, Harry, juntamente
com Hermione e Rony, atravessam uma planta assassina, um jogo de xadrez com
peas vivas, e um enigma lgico, at que o protagonista, sozinho, se depara com o
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professor Quirrel e com Voldemort. O sr.Quirrel era o professor de Defesa contra as
Artes das Trevas, e abrigava (como Harry acabou descobrindo nessa tensa
situao) em seu corpo Lord Voldemort, que ainda estava fraco e se recuperava do
choque que sofrera 11 anos antes, quando tentou assassinar o prprio Harry.
Passo n. 8: Provao mxima. Trata-se do auge dos testes. Harry, mesmo
tendo apenas 11 anos, consegue, com a ajuda da fora que sua me lhe transmitiu
ao se sacrificar por ele, enfrentar o professor Quirrel e atrasar o retorno de
Voldemort. Ser revelado posteriormente, ao longo da saga, que Lilian Potter, a me
de Harry, ao se deixar matar por Voldemort, que procurava matar o ainda beb
Harry, transmitiu a esse, por meio do Amor, uma fora muito poderosa que refletiu
para Voldemort o feitio da morte que este lanou para tentar matar o garoto.
Passo n. 9: Conquista da recompensa. O heri recebe uma recompensa
aps passar por todas as suas crises. No caso, temos como recompensa de Harry a
prpria salvao de Hogwarts (seu novo lar) e do mundo dos bruxos, atravs da
derrota de Quirrell e do temporrio impedimento de Voldemort.
Passo n. 10: Caminho de volta. O heri regressa ao mundo de sua
residncia anterior. Trata-se da parte mais curta da jornada, inclusive no existindo
em algumas delas. Harry se restabelece de seu enfrentamento, e se prepara para
retornar para o mundo dos trouxas (como se chamam aqueles que no possuem
sangue mgico, isto , indivduos como ns).
Passo n. 11: Depurao. O heri pode vir a ter que resolver desafios
secundrios que se encontravam pendentes. Harry e seus amigos, pelos servios
prestados escola, ganham muitos pontos para sua casa2, Grifinria, que termina
como a casa vencedora naquele ano.
Passo n. 12: Retorno transformado. No desfecho da histria, o heri retorna
a seu mundo totalmente diferente de como a iniciou. Harry retorna para passar as
frias de Hogwarts na casa de seus tios, e a relao entre eles nunca mais ser da
2Ao ingressar em Hogwarts, todos os alunos so selecionados, atravs de um Chapu Seletor que lsuas mentes e analisa suas personalidades, em uma das quatro casas da escola: Grifinria, aqueladestinada aos corajosos e de corao puro; Sonserina, que abriga os alunos ambiciosos por poder egeralmente inescrupulosos; Corvinal, a casa dos inteligentes e dedicados aos estudos; e Lufa-lufa,que abriga estudantes conhecidos por sua lealdade.
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mesma forma. Harry nunca mais se adaptar vida no mundo trouxa, ao passo que
seus tios passaro a ter medo da possibilidade de ele usar mgica contra eles.
Basta a leitura de um dos volumes da saga para perceber como uma boaconduo da narrativa, seguindo esses passos, capaz de prender facilmente o
leitor em suas pginas e faz-lo sonhar de olhos abertos com devoo de
intensidade similar que os gregos antigos, por exemplo, devotavam a seus mitos,
que seguiam inconscientemente os mesmos passos.
1.2 Edificao moral
Segundo a prpria autora, o significado moral das histrias
ofuscantemente bvio(2000), e est relacionado escolha, to crucial, pela qual
todos ns j passamos e hemos de continuar a passar, entre fazer o certo e fazer o
fcil. Isso fica evidente na fala de Albus Dumbledore, o diretor de Hogswarts, ao final
de Harry Potter e o clice de fogo, o quarto livro da saga:
Lembrem-se, se chegar a hora de terem de escolher entre o que
certo e o que fcil, lembrem-se do que aconteceu com um rapazque era bom, generoso e corajoso, porque ele cruzou o caminho deLord Voldemort.Lembrem-se de Cedrico Diggory. (ROWLING, 2001,p. 575)
Albus Dumbledore conclama os estudantes dessa forma aps o retorno de
Lord Voldemort, com sua ambio de construir um imprio e eliminar todos os
trouxas, e todos os bruxos que tenham familiares no-mgicos. Em seu retorno,
assassinou o estudante de Hogswarts Cedrico Diggory e quase assassinou Harry
Potter.
neste ponto, consoante a autora, que a tirania comea: quando as
pessoas se tornam apticas e escolhem a via mais fcil, que a da submissoat
se arrependerem profundamente de sua escolha, geralmente quando tarde
demais.
A relao entre literatura e edificao moral acima estabelecida permite
conduzir a uma outra, entre literatura e direito. No trabalho em anlise, ser
explorada a relao de Warat com a democracia.
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A democracia, que podemos entender, e a ela nos referiremos, daqui em
diante, lato sensu, como o oposto da tirania, um permanente processo de
transgresso da legalidade instituda (WARAT, 1997, p. 72). A apatia comea a
brotar perigosamente no instante em que regada com a ideia falsa, implantada no
solo estril de mentes fechadas que no leem nem escrevem, de que o Estado e a
sociedade so neutros e harmoniosos pura e simplesmente porque so movidos por
regras metdicas e estabelecidas. A concepo puramente procedimental de
democracia produz uma deturpao demaggica da regra de maioria.
As maiorias manipuladas suportam, em seu prprio nome, ofuncionamento heternomo das decises coletivas. Sobre a base da
vontade da maioria se cria uma aparncia de autonomia que servepara ocultar o carter heternomo das decises coletivas. Em nomeda autonomia os juristas conseguem legitimar a constituioheternoma dos sujeitos de direito e das significaes jurdicas,deixando nas mos de instncias institucionais a formao da prticapoltica e jurdica da sociedade (WARAT, 1997, p. 103)
Desta forma, a democracia como se encontra estruturada nos moldes atuais,
de forma neutra e higienizada, processando suas decises atravs de diversas
instituies, pode, na verdade, ocultar interesses. E no os interesses da maioria,
infelizmente. A tendncia hodierna de esvaziar o contedo ideolgico dos direitoshumanos, como se eles servissem a androides, e no a seres de carne e osso,
esconde, na verdade, como Warat explicou, um processo de composio
heternoma das decises.
O termo ps-modernidade constantemente utilizado para descrever a era
altamente informatizada que se desenrola a olhos vistos. E essa era pode
transformar os homens em androides sem emoes, sem sentimentos, sem sequer
o senso de dignidade que leva os indivduos a procurar a felicidade. Temos umtempo em que o lucro, a tecnologia e seus avanos so servidos por indivduos
indiferentes e apticos. O cenrio vislumbrado por George Orwell parece estar
cedendo lugar para o de Aldous Huxley3: indivduos mentalmente condicionados a
3George Orwell, em 1984, prev um futuro distpico em que todos os cidados so diuturnamentecontrolados pelo Grande Irmo, entidade que tudo v. Aldous Huxley, por sua vez, em Admirvelmundo novo, profetiza uma civilizao em que os prprios indivduos controlam a si mesmos, apslongos processos de lavagem cerebral que culminam com a alienao total.
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servir o poder, anestesiados por um grande vazio existencial. No existe cenrio
mais perigoso do que esse para a sobrevivncia da democracia.
Certamente, no existe outra forma de salvar a cultura humana que nopasse por um projeto de autonomia dos indivduos, que so os pontos de partida e
de chegada dessa cultura. Somente em um sistema democrtico onde amor e
trabalho se encontrem na unidade de uma relao fraterna ser possvel atravessar
o difcil processo transicional de demolio das utopias da modernidade. No
obstante, nenhum processo de autonomia pode ter incio sem que se tenha
conscincia das prprias foras internas latentes. E aqui que chegamos a uma
importante funo da literatura, que a de nutrir a existncia humana. Ela
desencadeia energias internas ocultas, que de outra forma talvez permanecessem
eternamente adormecidas. O resultado que o relacionamento que o leitor passa a
estabelecer entre direito e moral colabora para o ldico da vivncia e destaca a
importncia da autonomia.
1.3 O papel social da literatura
A arte uma mentira que nos faz compreender a verdade. Essa frase
clebre de Pablo Picasso reafirma de forma elegante no s a importncia, como
tambm o poder da criao artstica e da literatura, mais especificamente, nesta
monografia.
Em face de todas as significaes imaginrias da sociedade, a fico trazida
pela literatura se oferece como imagem da imagem, mas no mais no pejorativo
sentido platnicoe isso porque, como numa dupla de espelhos o reflexo do reflexoresulta na imagem real, as supostas distores da literatura colocam o leitor numa
posio privilegiada, que lhe permite compreender de forma profunda, como num
microscpio eletrnico, sua prpria realidade.
Em meio a personagens de outras pocas, com costumes e cultura diversos,
o vislumbre do universal, daquilo que prprio da condio de ser humano
independentemente do contexto em que se viva, produz um estado de compreenso
diferenciado, que a realidade em si dificilmente proporciona. No s de eltrons
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vive o princpio de Heisenberg4: quando o escritor explicita seus sentimentos, ele os
est modificando, tornando-os perceptveis aos olhos do pblico. Os leitores, quando
participam desse processo, aprendem muito sobre si mesmos.
Desse modo, possvel perceber um processo cclico na literatura: em
primeiro lugar, com suas narrativas ficcionais, ela mobiliza energias latentes em
cada indivduo, ao conduzi-lo por situaes heterclitas pelas quais muitos seres
humanos no teriam a oportunidade de passar e por pontos de vista privilegiados
ausentes nas existncias ordinrias. Em seguida, essas energias retornam para a
realidade com o intuito de transform-la, aps terem transformado o interior do
indivduo. Ao menos, esse o ciclo ideal no se pode dizer que so os mais
frequentes aqueles que so encorajados por experincias artsticas e tomam
decises arrojadas baseadas nelas. De qualquer maneira, esse princpio to srio
que levou o poeta e terico Ezra Pound a afirmar:
A literatura no existe num vcuo. Os escritores, como tais, tm umafuno social definida, exatamente proporcional sua competnciaCOMO ESCRITORES. Essa a sua principal utilidade. Todas asdemais so relativas e temporrias e s podem ser avaliadas deacordo com o ponto de vista particular de cada um. [grifo do autor]
(...)
A linguagem o principal meio de comunicao humana. Se osistema nervoso de um animal no transmite sensaes e estmulos,o animal se atrofia.
Se a literatura de uma nao entra em declnio a nao se atrofia edecai.
O legislador no pode legislar para o bem pblico, o comandante nopode comandar, o povo (se se tratar de um pas democrtico) nopode instruir os seus representantes a no ser atravs da
linguagem(grifo meu) (POUND, 2001, p. 36)
E mais na frente escreve dois pargrafos muito importantes:
Um povo que cresce habituado m literatura um povo que estem vias de perder o pulso de seu pas e o de si prprio.
4Lei segunda a qual no possvel conhecer a velocidade e a posio de um eltronsimultaneamente. Os mtodos empregados para visualizar um eltron, que incluem o uso de radiaosobre ele, alteram sua velocidade. Dessa forma, temos a cincia natural nos mostrando como astcnicas de conhecimento da realidade acabam alterando a prpria realidade.
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E essa frouxido e esse relaxamento no so nem to simples nemto escandalosos como a sintaxe brusca e desordenada(grifo meu).(POUND, 2001, p. 37)
A respeito do ltimo pargrafo: vamos imaginar uma bela supermodelo, de
rosto e atitudes extremamente jovens, desfilando no tapete vermelho das
celebridades em belos saltos stilettos, com o corpo esbelto e escultural guarnecido
pelo vestido de decote astronmico que a ltima moda em Paris. Ela sorri,
mostrando uma fileira de dentes perolados que ofuscam a vista, e, quando
interpelada por paparazzi que, por qualquer motivo, esto interessados em que o
decote caia mais um pouco, borrifa algumas frases ensaiadas a respeito da
liberao feminina das ltimas dcadas, ou de como tem se livrado de coisas que
fazem mal para ela, ou ainda apenas fala a respeito da sua dieta e de quantos
abdominais faz por dia. Ningum fica chocado se o senhor que est de mos dadas
com ela tem mais de 80 anos, e talvez nem se lembrem de que ele o proprietrio
de uma revista masculina que j mostrou a mesma modelo, que est ao seu lado,
com o decote to mais embaixo que era impossvel v-lo, alm de, alguns anos
antes, outras mulheres que ele acompanhou ao tapete vermelho, antes de o tempo
comear a sulcar seus rostos de rugas e seu corpo com estrias.
Ningum se importa se essa radiante modelo fugiu de casa aos quinze anos
para no precisar mais ver todos os dias sua me alcolatra chegando a casa
noite e batendo nela e em seus irmos mais novos quando esses choravam de
fome, e, nos poucos intervalos de lucidez, falando com amargura do pai que a largou
para ficar com uma modelo. Ningum se importa se, em sua fuga e em seu incio de
carreira de modelo, precisou dormir no cho frio, foi estuprada ou se utilizava uma
espcie de p branco, que no farinha, para ficar acordada durante a noite e no
precisar dormir nesse cho frio. Ningum se importa com para onde ela ia depois
dos primeiros desfiles, nem se conhecia seu empresrio com uma intimidade que
poderia parecer um pouco exagerada demais, por assim dizer.
Talvez se ela fosse magra, plida, tsica (um termo arcaico, para acrescentar
histria um tom mais romntico e sombrio), ou fosse sustentada por um homem
que no se importasse de ser discreto nem sonora nem visualmente sempre que
deixasse hematomas na pele dela, ou precisasse, como Fantine em Os miserveis,
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vender alguns dentes para conseguir dinheiro para sustentar sua filha que deixou
crescendo na casa de conhecidos abusivos (melhor do que deixar a filha sabendo
do infame trabalho da mame), talvez algum se levantasse com veemncia e
gritasse um Basta a todo o episdio. Talvez algum, aps derramar algumas
lgrimas, atirasse tomates podres ao homem indiscreto supracitado, e incitasse mais
colegas contra ele.
Mas no assim que ocorre. A modelo, como j descrevi, extremamente
linda e no se lamenta de nenhuma tragdia na sua vida. Ao contrrio, quando se
abre uma revista culturalcomo Carasou Contigo, suas fotos em castelos com
seu marido octogenrio transmitem sono, no revolta. Por isso, a plateia continua
sorrindo e encarando o belo sorriso da modelo.
O que quero dizer com isso que estamos ingressando cada vez mais fundo
numa era de inrcia sentimental, que tornar desnecessrias as estratgias da
alienaoalis, tornar desnecessria a prpria linguagem. Vivemos num contexto
que Warat chama de xtase comunicacional, caracterizado por um oximoro: ao
mesmo tempo em que a comunicao cada vez mais eficiente, ela cada vez
mais inacessvel. As informaes dominam as telas de todos os aparelhos digitaisque pululam nas mos e nas casas das novas geraes, mas o conhecimento em si
parece estar cada vez mais distante (visto que se mostra cada vez mais
desinteressante, face instantaneidade da comunicao), pronto para ser utilizado
como ttica de poder.
Ao se preparar uma raa de proletariado de androides, as tticas da
alienao podero ser colocadas de lado e substitudas por telas informativas. As
violaes autonomia e produo independente dos desejos passaro a ser
encaradas com naturalidade. Despidos de sua dimenso psicolgica, os indivduos
passaro a praticar a crueldade sem crueldade.
Anunciam-se tempos em que a comunicao tecnolgica estar to
estreitamente vinculada com o poder que a linguagem deste no precisar mais ser
trabalhada. Nada mais dos dramas pomposamente encenados de outrora, com fins
de doutrinao; ao invs disso, todo o teatro ser destrudo, j que no h mais
espectadores.
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Assim o indivduo do sculo XXI: uma criatura isolada e incomunicvel, que
se recusa a agir porque no sabe se comunicar DE FORMA VERDADEIRA.
Fechado em sua concha, no sabe como manejar seus sentimentos, suas angstias
e suas frustraes. Est cercado de amigos, muitos deles virtuais, mas no
consegue fugir da solido, enfermidade que parece estar se tornando uma epidemia,
particularmente detectvel em meio a multides.
A respeito da luta contra a morte entrpica da sociedade humana, Warat
quem nos fala:
Penso que a catstrofe da histria a catstrofe da linguagem. Aexistncia de sujeitos produtores de sentido o nico antdoto paraas formas inerciais do espao social. Assim, o homem precisa lutarpor sua linguagem, por sua imaginao e por sua criatividade, paraevitar as condies que assegurem o ponto de inrcia do espaosocial. (WARAT, 1997, p.43)
A literatura, que, de acordo com Pound, linguagem carregada de significado
no mais alto grau possvel, um excelente meio de combate para a paralisia
emocional. Atravs dela, ficamos sabendo que nossas dores no so to exclusivas
assim, e passamos a nos sentir parte de uma irmandade maior do que nosso crculo
de amizades reais. O tempo e o espao se tornam barreiras flexveis, visto queentramos em contato com pocas e naes distintas, com pessoas que apresentam
sentimentos, problemas e dramas universais.
Neste captulo, traamos, ento, o panorama da perspectiva contempornea
de pensamento, e seu enfoque nos direitos humanos de um ngulo de indiferena e
gelidez. Demonstramos como a linguagem se constitui na ferramenta central de
todos os ramos da vida humana que demandam um agir, seja direto ou mediato. Ao
mesmo tempo, mostramos como a literatura ocupa um papel insubstituvel na
construo da linguagem do indivduo e do povo, sendo inclusive uma das
responsveis, nas palavras de Ezra Pound (2001), para o florescimento de uma
nao.
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CAPTULO 2 O direito em Warat e a literatura em Harry Potter:duas faces da democracia
- Oua, Harry. Por acaso voc tem muitas das qualidades queSalazar Slytherin prezava nos alunos que selecionava. O seu domraro de falar a lngua das cobras, criatividade, determinao, umcerto desprezo pelas regras acrescentou, os bigodes tremendooutra vez.Contudo, o Chapu Seletor colocou voc na Grifinria. Evoc sabe o porqu, Pense.
- Ele s me ps na Grifinria disse Harry com voz de derrota porque pedi para no ir para a Sonserina...
- Exatamentedisse Dumbledore, abrindo um grande sorriso. Oque o faz muito diferentede Tom Riddle. So as nossas escolhas,
Harry, que revelam o que realmente somos, muito mais do que asnossas qualidades (ROWLING, 2000, p. 280).
Se h um tema que considero que perpassa a saga Harry Potter de forma
interessante, sem ser explicitado, O perfeito frustra o desejo para usar palavras
de Warat (1997, p.48).
Os direitos humanos, como prticas polticas que visam conquista da
autonomia, no podem ser vistos sob a ptica da iluso presente no juridicismo do
sculo XIX. O mundo jurdico continua sendo povoado por verdades reveladas,
concepes incessantemente ruminadas, clichs reaproveitados cegamente, que se
tornam srios obstculos para a transformao social. Na medida em que
idealizamos existncias perfeitas atingveis a partir da aplicao de todas as regras
jurdicas, estamos vivendo um engodo, porque o ideal no existe. O ideal no
considera as transformaes da realidade, no considera o devir, que a todos
atinge.
Nenhum desejo emerge a no ser como paradoxo, como diferena de uma
fantasia perfeita, diz Warat (1997, p. 49). Por isso a cena dos direitos humanos
deve ser vivenciada no presente e isso ser retomado mais adiante. A partir do
momento em que negamos o presente em nome de utopias perfeitas, ou seja, em
nome de um futuroinatingvel, estamos praticando um niilismo, que negao da
vida.
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O famoso Harry Potter no um bruxo excepcional. Na verdade, quando
entra em Hogwarts, seu nico mrito ter sobrevivido inexplicavelmente a uma
maldio da morte. Ele no o mais bonito, nem o mais alto, nem o mais inteligente
dos garotos. Seus traos caractersticos so olhos verdes, uma cicatriz na testa e
culos redondos. A propsito, J.K.Rowling afirmou em entrevista que deu culos ao
protagonista porque estava cansada de ler livros em que o personagem que usava
culos era sempre inteligente, e que ela gostaria de ver um heri de culos (2005).
Em resumo, Harry tira sua fora no de uma conformao a algum ideal de heri,
mas de sua lealdade, sua coragem e sua sede de liberdade. Seu certo desprezo
pelas regras decorre de sua prpria energia vital, que, no af da curiosidade e da
justia, se debate no interior das formas rgidas do sistema de leis, sempre que aordem e a lei representam comandos que conduzem ao comodismo e esterilidade.
Outra forma de paralisao mediante utopias consiste na persistncia de
frustraes passadas no imaginrio seja esse imaginrio coletivo ou individual.
Iluses perdidas, amores no correspondidos, projetos no realizados tudo que
represente um obstculo s vivncias do presente. Trata-se de uma forma de utopia
porque, paradoxalmente, o passado frustrado considerado inatingvel, e, portanto,
idealizado, impedindo que o tempo atual seja aproveitado. Dessa forma, torna-se o
indivduo ou o povo incapaz de se superar no presente, porque sempre passar a
comparar tudo que acontea nele a um passado idealizado e distante na noite dos
temposalis, quanto mais distante, mais cmodo.
Redimir os passados e transformar todo Foi assim num Assim eu quis!
somente a isso eu chamarei redeno (NIETZSCHE, 2014, p.142). O filsofo do
martelo aqui se refere postura de construir seus itinerrios autonomamente e sema crena culposa na existncia de um ideal que no estaria sendo cumprido, o que
pode ser relacionado difundida estratgia de enredo do arco de redeno, da qual
falaremos no prximo pargrafo.
Assim como a jornada do heri, o arco de redeno constitui uma estratgia
de enredo, na qual um personagem de uma histria comete faltas gravssimas.
Chama-se arco de redeno ao processo em que esse personagem pagar pelos
seus erros, a fim de se redimir aos olhos de ns leitores e, se possvel, tambm aos
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olhos dos outros personagens da trama. O arco de redeno, para ser efetivo como
recurso literrio, exige cumplicidade dos leitores, e isso s pode ser conseguido se
houver habilidade por parte do autor em jogar o jogo da fico respeitando suas
regras. H quem discorde que o arco de redeno de Snape na saga Harry Potter
tenha sido realizado de forma perfeita, e isso que veremos nos prximos
pargrafos.
Severus Snape provavelmente to odiado quanto Lord Voldemort, e seu
desenvolvimento passa por plot twists5to surpreendentes quanto. Apresentado no
primeiro livro como o professor de poes e o chefe da casa Sonserina, ele
descrito como tendo o nariz oleoso e a pele macilenta, alm de ostentar uma eterna
careta de desdm para os alunos que no so da sua casa. Sua antipatia por Harry
quase instantnea, e ele faz questo de tornar a vida do garoto insuportvel de
modo que o protagonista no entende como Dumbledore pode ter o professor em
to grande estima.Snape, em vrias ocasies, acaba salvando Harry de situaes
perigosas, mas seu comportamento sempre soa forado e calculista, de forma que o
garoto no se convence da existncia de uma boa personalidade no professor.
Ademais, o fato de ele j ter sido um Comensal da Morte, mesmo que
aparentemente regenerado, fornece suficiente motivos para desconfianas. No
quinto livro da saga, Harry Pottere a Ordem da Fnix, o garoto descobre que no
passado, quando estudava em Hogwarts, o prprio Snape era humilhado
continuamente por James Potter, pai de Harry, que namorava Lilian, a qual por sua
vez era o objeto de uma paixo constante por parte de Snape. Isso ajudava a
explicar o dio que o professor sentia por Harry, que encarava como uma espcie de
continuidade de James e um bode expiatrio do intenso bullyingque sofria.
No sexto volume, porm, qualquer fagulha de comiserao que Harry e os
leitores possam ter sentido por Snape definitivamente apagada quando este mata
Dumbledore e se junta aos Comensais da Morte na guerra de Voldemort para tomar
o poder no mundo bruxo. Snape desprezado por todos como um traidor. No stimo
e ltimo volume, no entanto, em mais uma reviravolta, descobre-se que Snape era
um espio de Dumbledore, incumbido de se infiltrar no grupo dos Comensais da
5Expresso inglesa para designar reviravoltas inesperadas no enredo de uma narrativa.
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Morte e que havia sido o prprio Dumbledore que havia implorado a ele que o
matasse, para convencer os bruxos das trevas de que Snape estava definitivamente
do lado deles. Todavia, o Bruxo morto por Voldemort devido a outra questo
paralela, mas enquanto agoniza consegue passar suas lembranas a Harry6, que
passa a conhecer em profundidade toda a histria de Snape. O bruxo, assim,
definitivamente se redime aos olhos do garoto e no eplogo final, passado
dezenove anos depois, ficamos sabendo que Harry deu a um de seus filhos o nome
de Albus Severus.
O problema : h uma grande quantidade de leitores, e aqui eu me incluo,
que no se convenceu da redeno de Snape. De fato, seu trabalho como infiltrado
de Dumbledore mostrava seu arrependimento completo de sua vida pregressa de
Comensal da Morte. No entanto, ele no pareceu reconhecer seus outros erros nem
se arrepender deles. O tratamento que ele dispensava a diversos alunos da
Grifinria, alm de Harry, era degradante e refletia a personalidade de um indivduo
que nunca superou suas frustraes passadas e acumulou rancor durante muito
tempo. Mais ainda: denunciava um indivduo que nunca superou seus traumas de
infncia.
A respeito da presena de memrias culpabilizadoras, escreve Warat:
Os fracassos tm que ser aceitos e ultrapassados para que sepossam edificar novos sonhos. Instalamo-nos na morte quandopretendemos viver o presente, trazendo, para ele, os fracassos dopassado, quando levamos esses fracassos to dentro de ns que sconseguimos ler o presente atravs dele. (...) De alguma maneiraestaramos inconscientemente idealizando o fracasso, continuando alutar contra ele, sem atrevermo-nos a reconhecer que perdemos(WARAT, 1997, p. 49).
Isso acontece na poltica. Isso acontece com os povos. O modelo de
pensamento conservador e burocrtico alimenta a persistncia nostlgica das
frustraes passadas. O passado se torna mito, inscrito nas representaes
simblicas da sociedade como ideal que talvez algum dia ainda possa ser
alcanado. A existncia de idealizar decepes de anos anteriores equivale a se
6No mundo mgico, possvel passar os pensamentos, como se fossem uma substncia em estadolquido, da cabea para um jarro denominado Penseira, para que possam ser vistos posteriormentepor outra pessoa.
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entregar morte, na medida em que todos os acontecimentos da vida presente
passam a ser encarados sob o prisma dessas frustraes anteriores. O passado se
torna um fantasma juiz. E no o juiz Hrcules de Dworkin, mas um juiz importado da
era do Cdigo Napolenico, era de niilismo jurdico em que se fingia que a vida no
era cheia de vicissitudes, e o mtodo lgico era a nica forma de hermenutica
utilizada: com a simples subsuno do caso concreto letra da lei, estava resolvida
a questo.
necessrio aceitar os fracassos para seguir em frente. No possvel
apagar os erros de anos anteriores, mas eles podem, e devem, afinal sua nica
utilidade, ser empregados como valiosos itens de experincia para sugerir que
caminhos tomar na vida presente, que afinal a nica realidade. Utilizando um
termo waratiano, trata-se de uma existncia tantica, isto , de culto morte, aquela
em que persiste a ideia de ainda realizar as frustraes passadas. a existncia de
uma viva que diariamente se senta lpide do falecido marido e passa horas em
conversa engajada com o tmulo. A nica possibilidade de redeno, como j
indicou Nietzsche no trecho supracitado, fazer as pazes com o passado, atravs
de um foco perene no tempo presente.
Todo idealismo deve ser evitado. E o idealismo do passado no muito
diferente do idealismo do futuro, dos deuses, das leis ou do Estado, e todos
conduzem mesma insatisfao e culpa aniquiladora. De certa forma, todos so
uma forma de tanatismo e de niilismo, isto , de negao da realidade, pois
impossvel chegar ao ideal. O ideal no considera as flutuaes da realidade, nem
capaz de prever as mudanas que as prprias formas de mudanas podem
apresentar.
O problema do tanatismo se torna ainda maior quando esse discurso
utilizado pelo poder como forma de encerrar o povo numa redoma intransponvel de
ressentimento, e de memria transformada em projeto. Talvez seja uma forma de
fazer o povo esquecer as misrias presentes para se concentrar em frustraes
passadas. Uma forma de pio, de maneira similar religio para Marx, em sua
famosa citao. Concentrar-se em iluses mitificadas ajuda a esquecer as mazelas
do presente que impedem a transformao da realidade. At this time, violence
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against the Jews might take the public's mind off its stomach7, disse o Ministro do
Interior para Adenoyd Hynkel, o personagem caricatura de Adolf Hitler interpretado
por Charlie Chaplin no filme O grande ditador (1940). Nesse sentido, faz-se mister
abandonar as quimeras das grandes arquiteturas simblicas, porque a poltica, em
sua essncia, o espao dos afetos, dos desejos e a democracia, sua
concretizao como espao das indefinies. Um desejo no frustrado um desejo
no perfeito, um desejo que no venha com garantias que predeterminem seu devir.
o espao onde as incertezas podem confluir para moldar a democracia.
Warat usa a interessante metfora do amor cigano para tratar do
compromisso com a democracia: assim como o amor cigano precisa entregar o
morto morte, para sua chama ser levantada, na prtica dos direitos humanos,
preciso entregar as certezas morte tambm, resolvendo o grave problema de
onipotncia pela qual o direito e as geraes hodiernas passam. preciso esquecer
Lilian Potter e no martirizar as geraes presentes por erros que fantasmas
passados cometeram.
Mas como desconstruir essa estrutura simblica aere perennius8? No h
respostas prontas para esse problema (como para nenhum problema da vidapoltica). Podemos, no entanto, tirar inspirao da explicao que Cornelius
Castoriadis (1982) faz em A estrutura imaginria da sociedade a respeito do
processo de transio da criana de seu mundo privado, em que todo conhecimento
que adquire tem como filtros os pais, para a realidade em si propriamente dita (seja
l o que ela signifique). Pelo que passamos a saber dessa leitura, nem o contato
direto com a realidade suficiente para que esse processo se complete, porque as
lentes simblicas construdas atravs do contato fsico e lingustico com osprogenitores impedem a chegada de qualquer outra viso de mundo. Como
proceder?
Antes de passar para a soluo apresentada, vamos a uma breve explicao
a respeito de estruturas simblicas. Os smbolos so elementos da vida humana que
se encontram num estgio intermedirio entre o que se convenciona chamar de
7Nessa poca, a violncia contra os judeus pode fazer o pblico esquecer o prprio estmago.8Mais perene do que o bronze. De uma ode de Horcio (1975) .
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CAPTULO 3 Instaurao de nova jornada: aquele que levanta e
segue
Para no dizerem que no cumprimos nossas promessas, vamos aprofundar
a proposta de soluo, aplicvel ao ensino jurdico e, por extenso, a todas as
dimenses polticas da democracia vigente nos Estados Democrticos de Direito do
mundo hodierno. Para quem no se lembra (o que improvvel, pois falei disso h
pouco tempo), a base do ensaio localizava-se na insero da criana no mundo
exterior. Vamos ver melhor como isso acontece, de acordo, novamente, com
Castoriadis (1982).
O primeiro passo no processo de retirada da criana do seu mundo puro e
incomunicvel de beb que no compreende, mas se esfora em apenas ser
compreendido e servido, a linguagem. A linguagem a primeira ponte criada entre
o infante e seus progenitores. Paradoxalmente, porm, ela tambm se constitui
numa forma de abstrao, ao criar significaes que comparam, em nveis de
processo mental, diversos objetos e seres existentes, por mais incompatveis que
possam parecer aos inocentes olhos iniciais de quem explora o mundo pela primeira
vez. A linguagem tambm se torna uma espcie de cdigo secreto que o pequeno
estabelece com os genitores de modo que as significaes que aquele apreende
do mundo so as dadas por esse. Esse incio da cadeia de montagem de
indivduos permite perpetuar no apenas conhecimentos e experincias, mas toda
sorte de tradies inventadas e imaginrios simblicos j instalados nos crebros
dos adultos. Desse modo, os pais se tornam os senhores da significao, passando
a ocupar o papel de intermedirios do mundo para o infante.
De qual maneira esse muro sem pulo derrubado? Explica o autor grego
que o simples contato com a realidade ou com o desenvolvimento da linguagem no
podem operar esse processo, porque esta continua fazendo parte da categoria de
linguagem privada, e aquela continua sendo interpretada luz dessa. o que se
v na perpetuao de diversos sistemas sociais e religiosos, que constituem um
ciclo infinito dentro de si. A nica maneira de insero do infante no mundo real a
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quebra da onipotncia daqueles que o iniciaram no mundo. E essa queda deve ser
iniciada por eles prprios. Os senhores pais so os que devem mostrar aos filhos
que eles so apenas mais indivduos dentre todos os indivduos que povoam o
planeta e, por extenso, que as suas significaes tambm so apenas algumas
dentre as milhares. preciso e basta que o outro possa significar para a criana
que ningum, entre todos aqueles que ela poderia encontrar, fonte e senhor
absoluto da significao (CASTORIADIS, 1982, p. 342).Isto equivale a remeter a
criana para a ideia superior de significao, e, posteriormente, para a de sociedade,
de tecido social composto por hierarquia e processos retroalimentveis
relativamente independentes dos indivduos.
No cerne desse encadeamento, pode-se verificar, est a ideia de incerteza.
Trata-se, afinal, de uma ruptura violenta efetuada na mentalidade do infante, que o
coloca no mundo junto com outros pares e o afasta da segurana da sociedade
secreta que desenvolve com dois seres adultos. Trata-se de uma insero da ideia
de imperfeito, que socializa a criana e a retira do seu autismo inicial. Parece
irnico como uma ideia, isto , a ideia de outro, de sociedade, que mergulha
profundamente o indivduo no tecido social, na realidade em si, seja l o que isso
signifique. a ideia, a razo criativa que nos separa dos gatos, que encaram seus
donos como outros gatos, isto , gatos lderes.
Quem se surpreenderia ao pensar que esse mesmo processo poderia ser
aplicado a muitos estudantes de direito? Afinal de contas, j gastei pginas e
pginas explicando a respeito da incapacidade de sentir que a sociedade de xtase
comunicacional anda atravessando, com indivduos sendo transformados em
androides esquizofrnicos cujo nico sentido na vida se comunicar febrilmenteatravs de telas frias. Ora, esse tipo de isolamento pode ser ainda considerado uma
forma deturpada e igualmente perigosa do autismo infantil de crianas que no
completaram sua socializao. Castoriadis (1982) nos faz pensar como se trata de
uma questo universal e independente do ambiente, ao comparar como uma me
que criou seu filho numa ilha deserta pode, ao retornar sociedade, inserir seu filho
na cadeia de significaes do mundo, assim como um lar em Paris pode ser
psicotizante (Castoriadis, 1982) para suas crianas. Tendo em vista isso, sou de
opinio de que necessrio provocar rupturas violentas aos atuais acadmicos, que
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os despertem de seu sono dogmtico. Para isso, nada melhor do que utilizar a
literaturatambm j falei disso, e de como ela, com sua linguagem carregada de
significado (Pound, 2001) responsvel pelo desenvolvimento de uma nao e de
uma democracia. Porm, agora gostaria de estabelecer um plano de metas mais ou
menos consistente no consistente ao extremo, a ponto de se tornar rgido! No
quero ser pego em flagrante cometendo perjrio, e sendo acusado de empurrar
milagrosas solues profticas, quando eu mesmo passei uma monografia inteira de
braos dados com Warat e me opondo s certezas sistematizadoras do direito
estabelecido. No se trata disso ainda mais que o que vou fazer um retorno
singelo Jornada do Heri. E algumas vezes, como se observar a seguir, fundindo
dois passos numa mesma explicao.
A Jornada do Heri no nenhuma agenda de famlia real seguida risca,
com o escritor de culos de fundo de garra riscando em seu caderninho os itens j
percorridos. Nada disso. As diversas civilizaes que as utilizaram em seus mitos
tampouco eram consciente de que seguiam alguns passos mais ou menos
estabelecidos. Trata-se de tendncias que apenas apontam a direo da histriae
aqui podemos apontar alguns caminhos a ser seguidos na pedagogia do direito;
inclusive quando so caminhos ao lu, como nos fala Warat (1997).
Os caminhos ao lu, alerta o prprio autor, no devem ser confundidos com
um ir deriva. Trata-se de seguir uma trilha com infinitas paradas, sempre lutando
para que o caminho seja o mais longo possvel e sem certezas estabelecidas.
Ademais, o caminho no deve ter um mtodo pr-estabelecido que enrijea o saber
e predetermine que tipo de resultados se devem alcanar. No existem mtodos
nem fundamentaes sistemticas para que uma sociedade, tomando conscinciade si mesma, lute por sua transformao radical (WARAT, 1997,p. 64). Mais ainda,
com uma pulso libidinal a orientar a caminhada; Warat alerta que a represso dos
desejos a principal estratgia do totalitarismo. Afinal, quem tem seus desejos
reprimidos, no sabe o que quer. E aquele que no sabe o que quer, facilmente
conduzido a fazer o que o poder lhe diga que deve fazer. Somente a autonomia traz
a dignidade to necessria para o exerccio da democracia.
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Iniciemos ento a jornada rumo ... Sem rumo definido, mas com a certeza de
sempre estar escolhendo o caminho por si prprio:
Passo n. 1: o mundo comum.
O costume o melhor Prosac, escreve Warat (2004). O costume d
segurana, tranquilidade e impede o gozo de uma existncia plena. Muitas vezes
nem estamos plenamente satisfeitos com a existncia diria, como Harry na casa de
seus tios, e podemos sentir fascas de insatisfao de vez em quando, manifestadas
a partir de tristezas sbitas ou inexplicveis sensaes de solido. No entanto,
mesmo quando isso se manifesta, breve e rapidamente abafado pelos gerentes da
cadeia de montagem social, que no admite peas defeituosas. As vriasferramentas de conduo da hipnose comunicacional procuram garantir que
quaisquer episdios de dvida ou de insegurana sejam anulados.
Assim entram muitos estudantes de direito, o que pode ser demonstrado pela
prpria escolha do curso, analisada em conjunto com a realidade brasileira (no cito
o resto do mundo simplesmente por falta de conhecimento), conforme j expliquei.
Longe de se encarar a universidade como um espao amplo de descoberta do novo,
de intertextualidade com diversas reas do conhecimento. O mundo acadmico
jurdico escolhido quase sempre por estudantes sem um pingo de originalidade
que gostam de rotina.
Passo n. 2: o chamado da aventura.
No se recomenda simplesmente bradar aos jovens que ingressem num
mundo diferente do qual esto acostumados. A muralha criada pelo hbito da
segurana e da familiaridade bastante slida para ser rompida com apenas um
arete. Necessita-se, portanto, comear sutilmente, atravs de microrrevolues
dirias. Warat (1997) chama isso de incidentes de ternura. O autor ope-se
posio excessivamente militarizada de grupos que lutam justamente contra o
totalitarismo, utilizando armas semelhantes s deles.
Ao invs disso, todavia, deve o professor instigar em seus pupilos a busca da
dignidade, isto , da procura independente de significados para a existncia, isto ,
da criao individual de um arsenal de representaes simblicas, que no fiquem
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atreladas ao padro de indiferena catatnica verificada no paradigma societrio
atual. Estratgias eficientes para abalar sutil e diariamente, que podem incluir o
envolvimento de diversos tipos de atividades que no se reduzem ruminao
mecanizada de verdades eternas.
Passo n. 3: a recusa ao chamado.
Foi dito anteriormente que nem todos os passos do monomito precisam
ocorrer, visto que no se trata de um esquema rgido. No entanto, a recusa ao
chamado talvez seja a nica parte unnime nas salas de direito de professores que
decidem efetuar o chamado aventura. No apenas porque o nmero de
prisioneiros dos sistemas de iluses alheios seja enorme, mas tambm porque umaaceitao imediata poderia levantar a suspeita de que o estudante talvez no esteja
se dando conta da seriedade da aventura para a qual esteja sendo chamado.
preciso deixar claro aqui que o comeo que o estudante deve efetuar
individual e intransfervel. O outro presente, no caso, o professor, deve ser um guia
que o ensine a procurar os prprios caminhos, no que escolha os caminhos por ele.
Afinal, a verdadeira liberdade se encontra quando se cria um sistema de iluses
prprias, e no se simplesmente compra um pacote de iluses padronizado.
Passo n.4: encontro com o mentor.
Todo comeo representa uma ruptura com algum processo antigo. Para ser
impulsionado a descobrir novas possibilidades e novos amores no seio da
democracia instituda, preciso companhia, pelo menos no incio.
Todo comeo gregrio, nunca solitrio. Preciso sempre do outroque me ajude a aprender a comear. Precisamos sentir queconstrumos juntos nossa casa. O outro o calor de nossa casa.(WARAT, 2004, p. 20)
No ambiente acadmico, o papel desse outro cabe ao professor. O mestre
deve incorporar a jovialidade leonina de Hagrid e conclamar seus estudantes a uma
odisseia, a respeito da qual se deve rezar que seja longa, cheia de caminhos a
percorrer e que o destino final nunca chegue.
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Passo n.5: travessia do umbral/limiar.
A sociedade, os polticos e os sacerdotes de todos os tipos imaginveis
fecharam todas as portas que levam a voc mesmo. Sair da castrao abrir essasportas (WARAT, 2004, p. 66). Essas portas, contudo, no levam a nenhuma sala,
nenhum vestbulo decorado no qual se deve esperar o rei chegar para lhe fazer um
rapap antes de implorar miseravelmente por algum tipo de ajuda. Trata-se de um
porto do parasoe causar uma profunda impresso nos alunos sensveis, assim
como a chegada ao Beco Diagonal causou ao jovem Harry.
Passo n.6: testes, aliados e inimigos.
No ser fcil no incio. Deixar o mundo das verdades estabelecidas implicaem fazer escolhas e estar condenado a ser livre. Implica numa profunda
reconstruo da arquitetura simblica que passar a dar significado vida. No
significa que no ser possvel aproveitar nenhuma pedra da fortificao anterior. A
necessidade de posar como rebelde sem causa em nada contribuir para a criao
do prprio sistema de iluses. H uma razo especfica para Warat ter chamado a
esse processo de incidentes de ternura. O amor uma fora bastante poderosa,
mas que passa despercebida, assim como a superfcie calma do lago esconde osturbilhes de redeimonho em seu interior. O amor impulsiona busca das verdades,
alm de qualquer aparncia descartvel e passageira. Muitos podem julgar o heri
nessa etapa como contraditrio, paradoxal e at fraco. Mas esse julgamento s lhe
lembrar como a preocupao em agradar aos indivduos da sociedade
interminvel e v, como o tormento das danaides.9
Os outros continuam importantes aqui, na medida em que sejam amigos
verdadeiros do heri. Amizade do tipo que Aristteles (1973) descreve, em que osamigos so unidos pelo que cada um em si, no por razes acidentais. Amigos
que, como Rony e Hermione, contribuam para o bem-estar, e no pensem
egoisticamente apenas em si mesmos portanto, amigos que no passam a mo
na cabea do outro, quando este desanima ou pensa em desistir.
Passos n.7 e n.8: aproximao do objetivo e provao mxima.
9Entidades da mitologia grega que foram condenadas a passar a eternidade a tentar encher de guaum vaso furado.
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Dizem que a hora mais escura da noite imediatamente antes do amanhecer.
Nesse sentido, a aproximao do processo de libertao do estudante-heri pode
lhe ocasionar dvidas e solidoafinal, por mais que tenha a companhia de amigos,
o curso da autonomia percorrido solitariamente; e no poderia ser de outra forma.
No entanto, deve o estudante pensar que, por mais que as circunstncias paream
inspitas, uma coisa nunca muda, e a responsvel pelo fornecimento de energia
de todo o rito de passagem: a VONTADE. Com a vontade forte, por mais que os
galhos do bom-humor sejam cortados, sempre crescero novamente.
Passo n.9: conquista da recompensa.
J foi dito inmeras vezes que a dimenso das incertezas e dos conflitos, da
verdadeira democracia, , por definio, sem destino certo. Dessa forma, pordefinio, a recompensa a ser alcanada no se constitui em nenhum projeto em
longo prazo, nem nenhum plano quinquenal. Em termos de filosofia grega clssica,
ela se constitui numa potncia e no num atoisto , trata-se de uma coisa que tem
capacidade de sempre se transformar em diversas outras coisas (como uma clula-
tronco), e no algo j realizado e concludo. Esta coisa pode ser mais concretamente
definida como uma disposio do esprito para a constante luta e adaptao s
mudanas do mundo. Isso mesmocom todo o enfoque em psicanlise que Waratnos mostra, no de se espantar que possamos definir que a recompensa de todo
esse projeto seja uma disposio do esprito.
Passo n.10 e passo n.11: caminho de volta e depurao.
Ao fim do curso, inicia-se de fato o rduo jogo de videogame dos anos 90 que
a vida. Se o professor-mentor soube conduzir de forma sensvel seus estudantes-
heri, o ambiente acadmico trouxe a eles a compreenso perfeita da necessidade
de conflitos e combates no espao democrtico. Dessa forma, eles estopreparados para sair do ambiente de certa forma acolhedor e seguro da
universidade, a fim de em seguida realizar suas misses com dignidade e
solidariedadeos dois carros-chefe da democracia.
Passo n.12: retorno transfigurado.
O nosso heri agora aprendeu importantes e indelveis lies. Aprendeu que
no h possibilidade de redeno da condio limitada de ser humano, se o
passado no for superado. Aprendeu que no h dignidade humana sem um
suprimento autossuficiente de iluses. Aprendeu que a viagem rumo ao
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desconhecido requisito imprescindvel para a manuteno da democracia.
Aprendeu, por fim, que a VONTADE uma fora-motriz que permite ao homem
atravessar todos os perodos sombrios da vida.
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CONCLUSO
A vantagem da atividade da escrita que nosso filho de produo intelectual
pode ser moldado em momentos de silncio e concentrao, de forma autnoma e
independente, sem a nem sempre bem-vinda interferncia da sociedade a que os
filhos de produo biolgica esto sujeitos. Tendo em vista isso, estando a se
avizinhar o momento em que meu rebento ser apresentado sociedade no salo,
sinto-me na obrigao moral de rever todos os momentos da criao. Aqui vamos,
ento.
A criao desse trabalho teve como um de seus intuitos colocar em prtica
seu objetivo, ao mesmo tempo em que o defendia. E, se quisermos resumi-los,
podemos dizer que ele consiste em demonstrar que a estrada do inusual, do
desconhecido, no s bem-vinda, como imprescindvel para a sobrevivncia do
ambiente democrtico. A democracia s existe se houver marginalidade, se houver
coragem para a tomada de caminhos autnomos, que no sejam necessariamente
os mais usuais. Ao se apresentar diante dos senhores, meu filho vos ensinar como
esse caminho de dignidade e de solidariedade pode ser construdo.
Como ferramenta para abertura dessa trilha, temos a arte e a psicanlise,
que, por natureza, so ramos do conhecimento que se aventuram em terrenos
virgens da mente. A arte o principal veculo de exerccio criativo da linguagem, por
intermdio da qual se faz poltica, se faz direito, se governam os povos. A
psicanlise, por sua vez, cumpre seu importante papel de tapa na cara, isto , dealerta ao egocentrismo humano acerca do seu instinto. Ela demonstra como a
simples razo instrumental da modernidade insuficiente para a aquisio da
autonomia to necessria liberdade. Mais do que isso, essa razo tem sido
utilizada de forma glida para a produo de mentalidades em cadeias de
montagens que no enfrentam a vida, a vida pura, em si, sem utopias nem conceitos
plastificados.
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Como defensor da utilizao da literatura no direito e no ensino do mesmo,
utilizei eu prprio metforas ao longo do trabalho. Uma delas, que se estendeu por
alguns pargrafos, se referia ao carter de espetculo, o qual utilizado
hodiernamente para revestir as mais diversas questes, retirando a humanidade dos
indivduos. (...) Vamos imaginar uma bela supermodelo, comeo eu, e aqui
exponho caminhos perigosos da alienao, que retira a necessidade de vigilncia
externa porque parte do prprio indivduo. Estou, em suma, a falar da indiferena
robtica que impera no inconsciente coletivo atual, e que favorece a dominao.
Afinal, aquele que no tem sonhos, ou no sabe quais os so, aceita o que lhe
impem.
Essa pesquisa possui um forte enraizamento nas matrias de Sociologia
Jurdica e Teoria Geral do Direito estudadas nos perodos iniciais do curso de direito
da UFPI, e que, juntamente com tantas outras, constituem o estgio de puberdade
do ensino jurdico. Isso porque no estudo desses temas basilares que se efetivam
nos estudantes a tomada de conscincia real a respeito do papel do direito na
sociedade, e da importncia de cidados conscientes dos seus papis jurdicos. No
entanto, esse papel pode passar despercebido pela maioria dos estudantes presos
em cadeias de representaes exclusivamente materialistas da realidade. Esse tipo
de estudante, que procura o curso por razes de falta de imaginao e necessidade
de rotina, motivos opostos aos que deveriam incitar sua escolha, precisam do
encontro com um mentor sbio que os faam atravessar o umbral para o caminho
das transgresses. E esse mentor nada mais do que o professor.
Com inspirao na jornada do heri, dissecada no captulo inicial, constitu o
meu prprio caminho ao lu (WARAT, 1997) para o docente jurdico, atravs deuma correspondncia entre uma estratgia de enredo de narrativas e o ensino
jurdico em sala de aula. Mediante isso, espero ter contribudo para a concretizao
do meu objetivo, ou seja, a insero da criatividade flexvel da arte na sala de aula
jurdica.
Dessa forma, deixem-me convoc-los para colocar em prtica a transgresso.
Esta monografia de nada adiantaria se as reflexes que ela instiga no forem
utilizadas para a reinveno da vida. Se em cada sala de curso de direito mais
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incidentes de ternura forem postos em prtica, cada vez mais heris enrustidos
sairo do armrio, orgulhosos de ter a certeza de que a realidade mutvel e que
todo idealismo um ledo engano.
A importncia da pesquisa desse tema para o meu desenvolvimento pessoal
foi imensa. A sensao foi similiar de quem limpa as lentes sujas dos culos, s
quais j havia se acostumado, e sente agudeza maior em cada detalhe da realidade.
Tal sensao paradoxal ao mesmo tempo entusiasmante e assustadora, pois por
trs dela est a conquista da liberdade, qual os seres humanos so condenados.
Trata-se de um projeto que cobra um preo elevadssimo e exige bastante fora
psquica. Importante destacar aqui que por fora eu no quero dizer poder no
sentido poltico ou financeiro da coisa. No h fora verdadeira no imperador quemanda os batedores irem frente para se poupar da luta. No; a tarefa do indivduo
verdadeiramente forte custa alegria e sangue, e ele expe a prpria pele ao perigo.
Mas a sua fora ser medida na persistncia de sua vontade de prosseguir.
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