teatro estúdio do salitre

101
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Teatro

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  • !!

    Aluno!n!35558!!!!

    !Teatro!Estdio!do!Salitre,!

    um!teatro!improvvel!entre!a!arte!e!a!poltica.!!!!

    Alexandre!Barros!de!Sousa!!

    !!!!

    !!!!!!!!!!!!!

    !

    Setembro,!2013!

    !Dissertao!de!Mestrado!em!!Histria!Contempornea!

    !!!!Orientador:!Professor!Dr.!Jos!Viegas!Neves! N

    ota:!lo

    mba

    da!(n

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    no)!!

    5!enc

    aderna

    o!trm

    ica!5!

  • !

    Dissertao apresentada para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do

    grau de Mestre em Histria Contempornea realizada sob a orientao cientfica do

    Professor Doutor Jos Neves

  • ! 2!

    Agradecimentos

    Aos meus professores de Mestrado, Dr. Fernando Rosas, Dr. Paulo Jorge Fernandes e,

    em particular, ao Dr. Jos Viegas Neves, pela valiosa direo cientfica deste trabalho.

    minha mulher Manuela Carlos, pela sua enorme pacincia.

    minha filha Vanessa Barros, pelo seu inestimvel saber, na rea da Inteligncia

    Cultural.

    Ao Dr. Mrio Ivani, pela sua imprescindvel ajuda.

    A todos os funcionrios da Biblioteca Nacional, pela gentileza e colaborao, em

    particular pela ajuda na troca de correspondncia com Itlia, com vista obteno de

    documentos fundamentais para esta pesquisa.

    Aos funcionrios da biblioteca do Museu do Teatro, pelas muito teis indicaes

    bibliogrficas.

    Fundao Antnio Ferro e, em particular, Dr. Mafalda Ferro, pela sua colaborao.

    A todos os que, por amizade, me ajudaram neste trabalho e em particular na reviso

    final do texto.

  • !!

    ! 3!

    Resumo

    Abstract

    Teatro Estdio do Salitre

    Um teatro improvvel, entre a arte e a poltica.

    Teatro Estdio do Salitre

    Un unlikely theater, between arts and politics.

    Alexandre Barros de Sousa

    PALAVRAS-CHAVE: Cultura, Literacia, Teatro, Eugenia, Fascismo.

    KEYWORDS: Culture, Literacy, Theater, Eugenics, Fascism.

    Pretende-se, com este estudo, perceber as motivaes essenciais que levaram,

    em 1946, fundao do Teatro Estdio do Salitre, projeto que, durante quatro anos,

    levou cena um nmero significativo de peas de teatro de autores nacionais e

    estrangeiros, no Micro Teatro, do Instituto Italiano de Cultura de Lisboa, situado na

    Rua do Salitre, muito perto do Largo do Rato.

    Pretende-se tambm analisar as razes que levaram trs homens de teatro, Gino

    Saviotti, Vasco de Mendona Alves e Lus Francisco Rebelo a associar-se,

    considerando que, distncia de mais de sessenta anos, essa associao se afigura no

    mnimo improvvel, dadas as suas claras diferenas, tanto ideolgicas, como culturais.

  • ! 4!

    Um objectivo parece no entanto aproxim-los, o de conseguir um teatro abrangendo um

    pblico to vasto quanto possvel, embora com intuitos aparentemente bem

    diferenciados: Rebelo, querendo oferecer a esse pblico um teatro de elevado nvel

    intelectual e cnico, experimentando ... diversos recursos contemporneos da

    linguagem teatral no sentido de uma crtica iluminada, quer pela obsesso existencial

    da morte, quer pelo seu progressismo social...1; Saviotti, dando preferncia ao lado

    espetacular, sem dar grande importncia ao texto e ao seu contedo, defensor de um

    teatro prximo do teatro de boulevard, um teatro para o povo; Mendona Alves,

    desejando, acima de tudo, divertir a audincia, optando pela ligeireza dos textos,

    escrevendo dramas de moral burguesa e comdias de grande pblico.

    Verificar-se-, concomitantemente, a coerncia entre os propsitos iniciais -

    defendidos em vrios documentos, que sero estudados, em particular o Manifesto do

    Essencialismo Teatral e o Paradoxo sobre o Teatro - e a prtica teatral, durante os anos

    em que o Salitre existiu.

    Far-se-, por ltimo, um breve historial das obras apresentadas, dos seus autores

    e encenadores, bem como dos atores mais conhecidos.

    *

    Purpose of this research is to understand the underlying motivations which, in

    1946, lead to the creation of the Teatro Estudio do Salitre (Salitre Studio Theater),

    which lasted 4 years and brought to stage a significant number of plays from national

    and international authors. Such plays were performed in the Italian Cultural Institutes

    Micro Theater, located in Salitre street near the Rato square.

    We will analyze the reasons which brought together three very different theater

    professionals, Gino Savatti, Vasco Mendonca and Luis Francisco Rebelo. Looking at it,

    over 60 years later, the odds that such collaboration would have indeed ever taken place

    between these three men, appear to be minimal due to their ideological and cultural

    differences. They seem, however, to have all gravitated towards the same objective,

    despite apparent very different approaches: to create a theatre that would gather the

    largest possible audience. Rebelo wanted to offer his audience theatre of high

    intellectual standards and experimental staging different contemporary means of

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1!Saraiva,!A.!J.,!scar!Lopes,!Histria(da(Literatura(Portuguesa,!Porto,!Porto!Editora,!2000,!p.!1118.!

  • !!

    ! 5!

    theatrical language for an enlightened critic, either driven by the existential obsession

    with death or by social progress2; Saviotti privileged a more spectacular approach

    without giving much importance to the text nor its content: theatre closer to Theatre de

    Boulevard, for the people; Mendonca, at last, above all wished to entertain the audience,

    choosing light-hearted texts, writing dramas of bourgeois morals and other popular

    comedies.

    We will, concomitantly, verify the coherence between the initial visions and

    statements which were promoted by each of these three men in various historical

    documents and which we will analyze, and the work produced during Salitre Theaters

    existence.

    Finally we will do a brief historical presentation of the plays produced, their

    respective authors and directors as well as the most famous actors involved.

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!2!Id.!

  • ! 6!

    Indce

    Antes de comear 7

    Introduo 9

    Um pas teatralmente analfabeto 13

    Um pequeno hiato biogrfico 17

    Uma imprudncia, ou talvez no 27

    Um outro hiato biogrfico, mais complexo 35

    Prolegmenos de um estdio de teatro 48

    O Teatro Estdio do Salitre 1 Perodo

    (O Manifesto do Essencialismo Teatral ) 52

    O Teatro Estdio do Salitre - 2 Perodo 73

    Concluso 82

    Bibliografia e Fontes 92

    Anexos

    1. Antnio Gramsci (1999) - Gino Saviotti. 2. Aureliana Strulatto (1987) - Gino Saviotti. 3. Laura Barille (1980), LIndice : Ezra Pound e glianni 30 in una revista

    genovese. 4. Waine Pound - A Dash of Barbarism: Ezra Pound and Gino Saviotti in the Indice,

    1930-31.

    Documentos

    1. Carta de Rogrio Paulo a Csar Moreira Baptista. 2. Carta de Saviotti para Fernanda de Castro. 3. Cdula pessoal (scheda personale) do prof. Gino Saviotti. 4. Constituio X (XV), dos Bispados de vora de 1534. 5. Pedido de inscrio de Gino Saviotti na S.E.C.T.P. 6. Foto de Gino Saviotti com Camilo Pellizzi. 7. Certido de bito de Gino Saviotti.

  • !!

    ! 7!

    Antes de comear 3

    O Teatro Estdio do Salitre foi fundado em 1946, fruto da reflexo de um grupo

    de intelectuais que, aos Sbados noite, se reuniam no terceiro andar direito do nmero

    175, da Rua do Salitre, em Lisboa, e que, j em 1944, viria a resultar na criao de um

    Crculo de Cultura Teatral, com a finalidade de ...desenvolver o gosto pelo teatro como

    inveno literria e espetacular, a cultura intelectual, o sentido artstico e as

    faculdades criadoras pela poesia e o pensamento dramtico...4.

    Referenciada em vrias Histrias do Teatro consultadas - Lon Moussinac, em

    1957, Luciana Stegagno Picchio, em 1966, Lus Francisco Rebelo, em 1988, Jos

    Oliveira Barata, em 1991 - a histria do Teatro Estdio do Salitre, mais abreviadamente

    Teatro do Salitre ou Salitre e ainda Micro-teatro, como tambm ficou conhecido, foi

    sendo objecto de vrios estudos universitrios, principalmente de mbito literrio. O

    interesse despertado pelo Teatro do Salitre deve-se, sem dvida, ao facto de ser o

    primeiro teatro experimental surgido no imediato ps Segunda Guerra Mundial, mas

    tambm ao grande nmero de obras de escritores portugueses contemporneos escritas

    propositadamente para a serem representadas, o que torna o Salitre um caso talvez

    nico na histria do teatro portugus.

    Para a anlise biogrfica dos trs principais intervenientes do processo de

    formao do Teatro do Salitre, que recair sobre os anos anteriores a 1946, foi seguido

    um percurso de investigao diferenciado, tendo como principais elementos de pesquisa

    artigos de universitrios italianos referentes ao percurso de vida que antecede a vinda

    para Portugal, em 1939, de Gino Saviotti, considerado habitualmente como o mentor e

    principal figura do Salitre.

    Como importantes fontes documentais para esta anlise, devem ser referidos o

    livro de Mario Ivani5, que traz novos dados histricos sobre a vida de Saviotti, um

    artigo de Waine Pound6 acerca da parceria entre Saviotti e Ezra Pound para a criao da

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!3!Ttulo!da!pea!de!Almada!Negreiros!representado!no!dcimo!primeiro!espetculo!do!Teatro(Estdio(do(Salitre!no!dia!17!de!Junho!de!1949.!4!Vida!Mundial!Ilustrada,!25!de!Janeiro!de!1945.!5!IVANI,!Mario,!Esportare(il(fascismo.(Collaborazione(di(polizia(e(diplomazia(culturale(tra(Italia(fascista(e(Portogallo(di(Salazar((1928D1945),!Bologna,!CLUEB,!2008.!6!POUNDS,!Wayne,!A(Dash(of(Barbarism:(Ezra(Pound(and(Gino(Saviotti(in(the(Indice,(1930D31,!Academia.edu,!website.!

  • ! 8!

    revista LIndice de 1930-32, o estudo de Laura Barile7 sobre essa polmica publicao e

    ainda um estudo da Aureliana Strulatto8 sobre a vida de Gino Saviotti, sem esquecer

    uma crtica de Antnio Gramcsi9 referente ao futuro diretor do Instituto Italiano de

    Cultura de Lisboa. A bibliografia de Saviotti anterior e posterior sua vinda para

    Portugal servir, igualmente, como suporto do presente estudo.

    Foram consultados os arquivos da Torre do Tombo, da Biblioteca do Museu do

    Teatro, o arquivo da Biblioteca do Teatro Nacional D. Maria II e o da Fundao

    Antnio Ferro.

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!7!BARILE,!Laura,!LIndice,(Ezra(Pound(e(gli(anni(30(in(una(rivista(genovese,!in.!Studi!di!Filologia!e!Letteratura,!V,!Scrittori!e!riviste!in!Liguria!fra!800!e!900,!Gnova,!Universita!degli!studi!di!Genova,!Istituto!di!letteratura!italiana,!1980.!8!STRULATO,!Aureliana,!Gino(Saviotti,!in.!Studi!novecenteschi,!revista!semestrale!di!storia!della!letteratura,!!Pisa,!Giardini!ed.,!XIV,!n!33,!giugno!1987.!9!GRAMSCI,!Antonio,!Selection(from(cultural(writings,(32.(Gino(Saviotti,!London,!(elecbook)!David!Forgacs,!1999!(ed!.London,!Lawrence!&!Wishart,!1985).!

  • !!

    ! 9!

    Introduo10

    O Teatro foi sempre em Portugal o espelho das variaes da liberdade e conscincia social do pas.

    Joo Salgado11

    Se se considerar o nvel de alfabetizao como um parmetro vlido para aferir

    do desenvolvimento cultural de um povo, apercebemo-nos que esse nvel tem tido, em

    Portugal, uma evoluo lenta. A acreditar nas concluses do recenseamento geral da

    populao de 1930, a taxa de analfabetismo era ento de 60,2%. Dez anos decorridos,

    esse nmero teria diminudo para 52,1%. Curiosamente, um relatrio dos servios de

    informao italianos, datado de 1936, e tendo como objectivo determinar o tipo de

    propaganda a ser usado junto da populao portuguesa, informava Roma de que a taxa

    de analfabetismo em Portugal era calculada em 72%12, concluindo, por isso, ser a

    fotografia o meio mais adequado para mostrar os benefcios, para o mundo, da poltica

    seguida pelo regime fascista de Mussolini. Em Portugal, o teatro, o cinema e a rdio

    ...enfermavam de parca disseminao, vivendo fundamentalmente de um pblico

    urbano num pas eminentemente ruralizado .13

    J em 1912, este fenmeno da iliteracia era visto com enorme preocupao pelos

    homens que estiveram na origem da criao da Universidade Livre de Lisboa, em cujo

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!10!Esta!dissertao!teve!como!referncia!um!trabalho!apresentado!em!1995,!intitulado!Teatro(Estdio(do(Salitre((1946D1950),!na!Universidade!de!ParisfSorbonne!(Paris!IV),!no!quadro!de!uma!Matrise!em!estudos!portugueses!e!brasileiros,!cujo!diretor!de!investigao!foi!o!Professor!Dr.!Jos!da!Silva!Terra,!tendo!sido!avaliada!por!um!jri!composto!pelo!prprio!diretor!de!investigao!!e!pelo!Professor!Dr.!Jos!Augusto!Seabra,!professor!convidado!daquela!universidade.!!O!objetivo!daquela!investigao!centroufse!na!histria!do!Teatro(Estdio(do(Salitre,!na!consulta!e!anlise!de!todas!as!peas!a!apresentadas,!nos!seus!autores,!nos!encenadores!e!todos!os!atores!nelas!intervenientes,!bem!como!das!crticas!encontradas!na!imprensa!da!poca.!A!presente!dissertao!tem!objetivos!diferentes,!e!ter!porventura!concluses!diversas,!talvez!mesmo!contrrias!em!certos!aspetos,!atendendo!a!novos!documentos!encontrados!durante!a!pesquisa.!11!Joo!Salgado,!citado!por!Jos!Gamboa,!A(propsito(de(teatro,!Lisboa,!Ed.!do!autor,!1949,!p.!204.!12!Ivani,!Mario,!op.(cit,!p.!174.!13!Medeiros,!Nuno!Miguel!Ribeiro,!O(universo(editorial(nos(anos(trinta(e(quarenta:(a(dinmica(do(livro,(entre(persistncia(e(mudana,(in,!Pita,!Antnio!Pedro!e!Lus!Trindade,!Transformaes(estruturais(do(campo(cultural(portugus,(1900D1950,!Coimbra,!CEIS20!Coimbra,!2008,!p.!116.!

  • ! 10!

    programa se afirmava que em Portugal, pas sui generis, [] o analfabetismo dos

    que sabem ler, dos prprios diplomados, apavorante14.

    A poltica seguida pelo Estado Novo no veio alterar fundamentalmente este

    estado de coisas. Alguns intelectuais defendiam mesmo, claramente, a continuao

    desse atraso civilizacional. Virgnia de Castro e Almeida (1874-1945), escritora e

    produtora de cinema, que, paradoxalmente, ir encabear a lista do conselho pedaggico

    da Universidade Popular dirigida por Bento de Jesus Caraa e, alguns anos depois,

    desempenhar, em Genebra, o cargo de delegada do governo de Salazar na Sociedade

    das Naes, colaborando simultaneamente com o Secretariado de Propaganda Nacional,

    escrevendo pequenos livros de difuso histrica e de doutrinao dos valores e da viso

    do Estado Novo, afirmar, com um lirismo muito prximo da tragdia, a arte mais

    linda, mais forte e mais saudvel da alma portuguesa reside nesses 75 por cento de

    analfabetos15. Mas tambm no seu elitismo pedaggico fechado, Teixeira de Pascoaes

    partilhava esta opo idlica para o povo, ...se a instruo que para a se d nas cidades,

    houvesse atingido o Povo dos campos, nada restaria j de Portugal, alm da sua

    paisagem [] felizmente por incria dos governos evitou-se to grande mal...16.

    Com a Poltica do Esprito, que Antnio Ferro conseguir fazer aprovar por

    Salazar, com a criao, em 1933, do Secretariado de Propaganda Nacional, e at finais

    dos anos quarenta, em que Ferro cessa funes, a questo do analfabetismo da

    populao no ser alterada na essncia, mas ir sofrer uma mudana de rumo. Em lugar

    de aes tendentes alfabetizao da populao, ir ser desenvolvido um processo pelo

    qual a escola, acompanhando aqui a proposta de Maria Filomena Mnica, ...ser

    principalmente vista (embora no de forma exclusiva) como uma agncia de controlo

    social de classe, quer dizer, no s como uma instituio atravs da qual se transmitem

    conhecimentos e tcnicas, mas tambm como uma instituio atravs da qual se

    impem valores e se formam atitudes e orientaes, de forma a que as relaes sociais

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!14!Neves,!Helena,!Originalidade(da(universidade(popular(portuguesa,!in,!Pita,!Antnio!Pedro!e!Lus!Trindade,!Transformaes(estruturais(do(campo(cultural(portugus,!1900f1950,!Coimbra,!CEIS20!Coimbra,!2008,!pp.!11f35.!15!Augusto!J.!dos!Santos!Fitas,!Investigao(cientfica(e(cultura(cientfica,!in!Pita,!Antnio!Pedro!e!Lus!Trindade,!Transformaes(estruturais(do(campo(cultural(portugus,(1900D1950,!Coimbra,!CEIS20!Coimbra,!2008,!p.!75.!16!Neves,!Helena,!Originalidade(da(universidade(popular(portuguesa,!citando,!Teixeira!de!Pascoaes,!O(Gnio(Portugus,!Porto,!1913,!p.!III.!in,!Pita,!Antnio!Pedro!e!Lus!Trindade,!Transformaes(estruturais(do(campo(cultural(portugus,!1900f1950,!Coimbra,!CEIS,!2008,!pp.!11f35.!!

  • !!

    ! 11!

    de produo vigentes possam ser preservadas e reproduzidas...17, tendo alm disso,

    como objectivo, a criao de um homem novo, semelhana das prticas dos regimes

    italiano e alemo, ...num estado que, nos anos 30, aspira a regenerar e formar os

    espritos de acordo com as suas certezas indiscutveis, a pedagogia de inculcao

    ideolgica, simultaneamente impositiva, formativa e repressiva, um dever inerente

    prpria funo pblica, alis cuidadosamente saneada dos seus elementos

    indesejveis...18.

    No momento em que o curso da Guerra comeou a ter um pendor mais favorvel

    para os Aliados, com a vitria do Exrcito Vermelho em Estalinegrado, com a invaso

    da Siclia e a consequente demisso de Mussolini, primeiros sinais de que a vitria do

    Eixo no estava assegurada, coincidindo com a primeira crise de regime com que

    Salazar se vai confrontar, vrios sectores da sociedade portuguesa comeam a

    movimentar-se para combater uma situao social cada vez mais opressiva ou para

    tentar pr fim governao autoritria e conservadora, iniciada a 28 de Maio de 1926.

    Lutando contra a poltica seguida pelo regime, com limitaes salariais,

    racionamento de bens essenciais, d-se uma agitao social crescente que, desde 1941,

    se fez sentir um pouco por todo o pas: incidente nas Minas da Panasqueira; assaltos a

    herdades, em particular no Alentejo; greve na Carris de Lisboa e na Companhia dos

    Telefones, em 1942; protestos nos centros industriais; movimentos grevistas, no outono

    de 1942, que iro paralisar importantes empresas na margem sul, com greves nos

    Estaleiros CUF, estivadores de Lisboa, CNN, Parry & son (Cacilhas), CUF (Barreiro );

    greves que, em Julho de 1943, do origem ao Vero Quente e que coincidem com a

    queda e priso de Mussolini, poucos dias antes; paralisaes na margem norte do Tejo,

    em Maio de 1944, especialmente em Sacavm, Vila Franca e Alhandra e, em Lisboa, na

    construo civil, em particular em obras da rua Antnio Augusto de Aguiar, Bairro das

    Picoas e Avenida Almirante Reis.

    No campo poltico, tambm se vai assistir a uma movimentao dos sectores de

    oposio ao regime que, com o evoluir do conflito internacional, cada vez mais

    favorvel aos Aliados, preveem que a derrota dos regimes totalitrios da Alemanha e da

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!17!Mnica,!Maria!Filomena,!Educao(e(Sociedade(no(Portugal(de(Salazar((a(escola(primria(salazarista(1926D1939,!Lisboa,!Ed.!Presena,!1978,!p.31.!18!Rosas,!Fernando,!in!Histria!de!Portugal,!vol.!7,!p.!292.!

  • ! 12!

    Itlia arrastar consigo a queda do governo de Salazar e, consequentemente, do Estado

    Novo.

    Organizados em movimentos de unidade nacional, MUNAF e MUD, ou em

    organismos polticos autnomos, Partido Comunista Portugus, Partido Socialista,

    Unio Socialista, Partido Republicano Portugus, e outros, vo delinear estratgias para

    uma tomada do poder, ou por via de uma insurreio popular armada, ou por uma via

    possvel de transio pacfica obtida atravs de uma evoluo legal e negociada do

    regime, mediante eleies livres e democrticas. Nenhuma destas estratgias ter

    sucesso, como se sabe, apesar dos esforos feitos para as eleies do outono de 1945,

    com uma desistncia s urnas, e com o grande movimento unitrio em torno da

    candidatura do General Norton de Matos Presidncia da Repblica, em 1949, que se

    desagregar no rescaldo da campanha eleitoral.

  • !!

    ! 13!

    Um pas teatralmente analfabeto

    Sem liberdade no h nada e teatro tambm no Jorge de Sena19,

    no contexto brevemente descrito e com o fim da Segunda Guerra Mundial,

    aproveitando uma aparente abertura do regime, que surgem, tambm no meio

    intelectual, tentativas de uma renovao considerada indispensvel para o progresso do

    pas.

    J em 1919, sob o impulso do matemtico Antnio Augusto Ferreira de Macedo

    (1887-1959), surgiu a Universidade Popular Portuguesa, na qual iro participar um

    grande nmero dos intelectuais mais progressistas, empenhados na cultura e na

    educao. Dois anos depois, em 1921, Ferreira de Macedo estar igualmente ligado

    fundao do movimento da Seara Nova, os seareiros, e da revista que lhe d o nome. S

    que este esforo no convergente. Uns, de um elitismo profundamente fechado, como

    Teixeira de Pascoaes, regozijam-se pela cultura das cidades no chegar ao povo, como

    j foi visto. Os liberais republicanos, alguns maons e muitos dos que vo colaborar na

    Seara Nova, defendem uma prtica educativa vertical e seletiva20. Outros ainda,

    mais prximos do movimento sindical e operrio, ligados s correntes do positivismo e

    do materialismo histrico, consideram a educao como fazendo parte integrante do

    prprio conceito de democracia. Um dos maiores ativistas deste ltimo grupo ser o

    matemtico Bento de Jesus Caraa (1901-1948) que, em 1928, ser eleito para a direo

    da Universidade Popular Portuguesa. A partir dessa data, a Universidade Popular vai

    ligar-se estreitamente ao movimento operrio e sindical, enveredando decisivamente

    para um aprofundamento de uma alternativa educativa coerente com o ideal da

    emancipao proletria21. A sede Central, considerada a seco principal, ser

    instalada na Cooperativa A Padaria do Povo, em Lisboa. Em vez de convergirem nos

    seus esforos a favor do desenvolvimento da cultura, alguns dos mais eminentes

    intelectuais progressistas vo radicalizar posies em volta de questes aparentemente !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!19!Do(teatro(em(Portugal,(Lisboa,!Edies!70,!1988,(p.37(20!Id.,!p.!15.!!21!Neves,!Helena,!opus(cit.,!p.!19.!

  • ! 14!

    subsidirias, mas para eles de primordial importncia: a partir de 1929 duas linhas

    orientadoras; uma de Ferreira de Macedo, democratizao da cultura [] educao

    popular como educao social e cvica, e a outra de Bento de Jesus Caraa,

    socializao da cultura [] apropriao pelo proletariado do patrimnio cultural da

    humanidade22. Igualmente aqui, como no campo poltico de oposio ao regime, a

    unidade de esforos para a luta cultural vai ser barrada por pontos de vista

    aparentemente inconciliveis. O militantismo pedaggico republicano assume uma

    prtica educativa vertical e seletiva, fundamentada na ideia de elite23. esta noo

    de elite, de raiz platnica, de que Antnio Srgio vai ser um dos representantes e que

    particularmente ntida em muitos maons e na maioria dos seareiros, que Bento de Jesus

    Caraa vai refutar. Para ele e para o movimento operrio e sindical, seguindo as ideias

    expressas j no sculo XIX por Pierre-Joseph Proudhon, democracia demopedia,

    vista como uma educao dispensada ao povo e inseparvel da democracia.

    Esta divergncia a propsito da pedagogia popular ir transformar-se num

    campo de batalha ideolgico, dando origem a polmicas insultuosas, de uma enorme

    violncia verbal, entre alguns dos mais significativos representantes destas duas

    correntes, como o caso da polmica surgida entre Abel Salazar e Antnio Srgio,

    primeiro, e entre Antnio Srgio e Bento de Jesus Caraa, mais tarde.

    A primeira ocorre, em 1938, entre o mdico e investigador portuense Abel

    Salazar (1889-1946) e Antnio Srgio (1883-1969), filsofo e pedagogo democrtico e

    liberal, tambm ele um dos mais ativos participantes na tentativa de melhorar o nvel

    cultural do povo portugus, ex-Ministro da Instruo Publica, entre 1923-1924, no 2

    Governo de lvaro de Castro (1878 1928). O ataque de Abel Salazar24 a Antnio

    Srgio tem um carter genrico e tem a ver com as duas correntes mais fortes de

    oposio ao regime: o confronto entre o idealismo racionalista25 sergiano e o

    neopositivismo radical de Abel Salazar. Este confronto entre os dois intelectuais de

    esquerda no passar despercebido s ideologias mais direita, tendo sido recuperado

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!22(Id.!P.!27.!23!Neves,!Helena,!Originalidade(da(universidade(popular(portuguesa,!in.!Pita,!Antnio!Pedro!e!Lus!Trindade,!Transformaes(estruturais(do(campo(cultural(portugus,(1900D1950,!Coimbra,!CEIS20!Coimbra,!2008,!pp.!11f35.!24!Revista!Sol!Nascente,!1!de!Janeiro!de!1938.!25!Saraiva,!Antnio!Jos,!scar!Lopes,!Histria(da(Literatura(Portuguesa,!Porto,!Porto!Editora,!17!edio,!2000,!p.!1032,!

  • !!

    ! 15!

    pelo semanrio Aco26, logo no ps-guerra, para claramente desacreditar Antnio

    Srgio, numa altura em que as foras democrticas tentavam opor uma resistncia

    organizada ao Estado Novo.

    A segunda destas polmicas, em 1942, no menos violenta, surgiu aps a

    publicao de Os conceitos fundamentais da matemtica27, de Bento de Jesus Caraa,

    muito prximo do Partido Comunista Portugus, obra que Srgio ir questionar em

    algumas das suas concepes, dando origem a uma srie de artigos, sados na Vrtice28,

    nos quais vo esgrimir-se os dois intelectuais: Antnio Srgio, na defesa dos princpios

    platnicos em que acredita, e Bento de Jesus Caraa, mais orientado por princpios

    ideolgicos do materialismo histrico, de raiz marxista, em que estava empenhado.

    Apesar destas lutas fratricidas, o desenvolvimento das ideias progressistas na

    rea cultural continuar. Para alm das revistas de vanguarda, como a Seara Nova, a

    Vrtice, Sol Nascente, entre muitas outras, nas quais participaram inmeros intelectuais

    empenhados nesta renovao cultural, aparece na literatura, logo nos anos 30, a corrente

    neorrealista, que ir ter grande influncia numa tomada de conscincia da real situao

    do pas, encoberta pela propaganda organizada por Antnio Ferro, desde 1933, com o

    seu Servio de Propaganda Nacional (SPN). Sero publicadas obras de Soeiro Pereira

    Gomes e de Alves Redol entre outros.

    Entretanto, o Teatro, uma das artes maiores, componente do desenvolvimento da

    cultura em geral, acompanhou esse atraso, se bem que no obrigatoriamente dependente

    do grau de alfabetizao.

    Tefilo Braga foi talvez um dos primeiros a tentar descortinar as razes dessa

    falta de dinamismo do teatro em Portugal: ...As criaes dramticas so a expresso do

    carter de um povo e da sua liberdade; elas tm por critrio a natureza e a

    simplicidade, e tornam-se por isso, como disse Shakspeare, the form and pressure of the

    times...29. deste modo que Tefilo Braga inicia a sua Histria do Teatro Portugus,

    para concluir quase de imediato;

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!26!Semanrio!Aco,!n!236,!de!25f10f1945.!27!Caraa,!Bento!de!Jesus,!Os(conceitos(fundamentais(da(matemtica,!2!V,!Lisboa,!Ed.!Cosmos,!1942,!pp.!121f122.!28!Vrtice,!Nov.!1945,!pp.!42f48,!Fev.!1946,!pp.!35f44,!Maro!1946,!pp.!42f6,!Maio!1946,!pp.!126f140.!29!Braga,!Tifilo,!Historia(do(Teatro(Portugus,!Porto,!Imprensa!Portuguesa!Editora,!1870.!

  • ! 16!

    a arte dramtica entre ns, nada tem de nacional, porque circunstncias invencveis

    no deixaram que o povo portugus conhecesse o teatro [] barraram-lhe todos os

    meios de manifestao intelectual [] O povo portugus conheceu o teatro [] da

    idade mdia, a que ainda hoje pelas aldeias se chama Auto, mas esse mesmo fraco

    rudimento, que o seu gnio potico poderia desenvolver, foi-lhe proibido com

    excomunhes nas Constituies dos Bispados30. Alguns poetas, como Gil Vicente,

    tentaram a fundao do teatro nacional; deu-se este fenmeno no sculo XVI,

    justamente quando se consolidava o cesarismo, e o [povo] caiu no ltimo grau de

    atrofia. Por isso foram baldados todos os esforos; a obra de Gil Vicente morreu com

    ele. A histria do nosso teatro a narrao deste esforo sublime, mas infelizmente

    artificial e no continuado.31

    Este esforo manter-se-, no entanto, porque a situao pouco ou nada se

    alterou. E assim que, tambm no teatro, se vai notar a nsia de inovao que percorreu

    o pas nos anos que se seguiram ao fim do conflito europeu. Em Lisboa, ser criado um

    nmero significativo de grupos de teatro experimental - o Teatro Estdio do Salitre, o

    Teatro dos Estudantes da Universidade de Lisboa, o Grupo de Teatro Experimental

    (Pedro Bom) , o Teatro da Casa da Comdia (Fernando Amado), os Companheiros do

    Ptio das Comdias (Antnio Pedro) - que viro fazer companhia ao j antigo TEUC,

    Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra, nascido a partir do Grupo Cnico

    da Seco Fado Acadmico de Coimbra, com a direo artstica do professor Paulo

    Quintela, em finais dos anos trinta (1938). Alguns anos depois, ir nascer aquele que

    ser, porventura, um dos mais carismticos e marcantes teatros de estdio portugus, o

    Teatro Experimental do Porto, dirigido e organizado por Antnio Pedro.

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!30!Constituies(do(Bispado(Deuora(,(Das(Imunidades(das(igrejas,(Ttulo(XV,(Constituio(X,![Constituies!do!Bispado!de!vora].!EVORA.!Arquidiocese!f!Lixboa!:!por!Germam!Galharde,!22!Outubro!1534,!Biblioteca!Nacional!Digital,!(cota!RESf129fA).!Titulo!XV!f!Da!imunidade!das!igrejas.!Constituio!X!f!Que!no!comam!nem!bebam!nem!bailem!nem!faam!jogos!nem!representaes!nas!igrejas!nem!adros.![]!nem!se!faam!nas!ditas!igrejas!ou!adros![]!representaes!ainda!que!seja!da!paixo!de!nosso!senhor!Jesus!Cristo!ou!de!sua!ressurreio!ou!nascena!de!dia!nem!de!noite!sem!nossa!especial!licena!porque!dos!tais!autos!se!seguem!muitos!inconvenientes!e!muitas!vezes!trazem!escndalo!nos!coraes!daqueles!que!no!esto!muito!firmes!na!nossa!santa!f!catlica![].!31!Braga,!Tifilo,!opus(cit.!p.!3.!

  • !!

    ! 17!

    Um pequeno hiato biogrfico Every man has a right to have his ideas examined one at a time. Men should be seen as

    individuals not in imprecise abusive terms. Ezra Pound32

    Quem, na primeira metade de 1943, lesse o Jornal O Sculo, ou a sua revista

    mundana, Sculo Ilustrado, dois influentes meios de comunicao nacionais, teria

    certamente a sensao de que a Alemanha e a Itlia iam de vitria em vitria, j que as

    notcias da guerra eram evidentemente filtradas pela censura. Claro que, nos referidos

    jornais, existiam notcias em grande nmero sobre os EUA e sobre a Inglaterra, mas a

    clara supremacia blica estava do lado do Eixo.

    Em Lisboa, no obstante a vida ser muito complicada para a grande maioria dos

    menos favorecidos, como vimos mais atrs, os factos mundanos e os diversos

    acontecimentos sociais constituem uma das principais referncias noticiosas. Portugal

    o osis da Europa. Notcias a propsito de homenagens, a industriais e comerciantes de

    sucesso, de festas dos grmios, de visitas de diplomatas do Eixo, alemes e italianos,

    bem como de inmeros acontecimentos artsticos, polticos e desportivos, em

    intercmbio com Espanha entre os quais saraus de ginstica luso-espanhis; noticias

    sobre as viagens de Churchill, sobre a vida social dos reis e rainhas da Europa. A

    abertura da Feira Popular de Lisboa ...foi um acontecimento de vulto na vida da

    cidade... 33.

    neste contexto que estreada, em Maro de 1943, a pea do Teatro Nacional

    D. Maria II, Electra e os fantasmas. Anunciada como o grande acontecimento de arte

    em Lisboa,34 no parece, contudo, ter feito unanimidade da crtica. A to discutida pea

    do dramaturgo americano Eugnio ONeil, teve o condo de acordar, do sono em que

    dormia, o teatro portugus.35

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!32!Pounds,!Wayne,!A(Dash(of(Barbarism:(Ezra(Pound(and(Gino(Saviotti(in(the(Indice,(1930D31,!Academia.edu,!website.!33!Sculo!Ilustrado,!19.06.1943.!!34!Id.!6.3.1943.!35!Id.!

  • ! 18!

    No Aco36 - um semanrio de consulta importante para o objectivo deste

    trabalho, como veremos adiante - um dos seus assduos colaboradores, Lus Forjaz

    Trigueiros37, na sua crtica ao espetculo do D Maria II, afirma, por entre um extenso

    rol de consideraes no muito lisonjeiras, no poderia aquele teatro oficial ter

    escolhido outra pea que no fosse como esta, um estendal j anacrnico dum

    freudismo elementar e duma psicanlise fora de moda38.

    Nas pginas da Seara Nova, Fernando Lopes-Graa, por seu lado, apesar de

    alguns reparos, saiu do espetculo com a; impresso jubilosa de que uma data

    memorvel acabava de ser escrita nos anais do nosso teatro, e que formulava [...]

    ardentes votos por que ela marcasse, um ponto de partida para uma era nova do

    primeiro teatro de declamao portugus39.

    No nmero seguinte do semanrio Aco, Fernando Teixeira, outro dos mais

    assduos colaboradores da revista, elogia os protagonistas40 e a prpria pea, mas faz, no

    incio da crtica, um interessante retrato da realidade teatral: Num meio teatral pacato

    como este nosso, onde as mais rduas tarefas crticas se resumem ao comentrio de

    ms adaptaes de medocres pecinhas nacionais - sem contar, claro, com a

    bordoada fcil nos revisteiros do Parque Mayer - num meio assim oscilante entre as

    pararias semianalfabetas e os tradutores para quibundo41.

    Talvez Fernando Teixeira queira referir-se a peas do gnero que, pela mesma

    altura, esto em cartaz em Lisboa como por exemplo, a opereta Ribatejo, com Mirita

    Casimiro e Vasco Santana, no teatro Apolo, A bicha de rabiar, (reposio de um xito !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!36!Aco!f!Semanrio!da!vida!portuguesa,!Dir.!Manuel!Mrias.!37!Jornalista,!ficcionista,!ensasta,!crtico!literrio!e!teatral,!Lus!Augusto!de!Sampaio!Forjaz!de!Ricaldes!Trigueiros!(1915f2000),!nasceu!e!morreu!em!Lisboa.!Estreoufse!na!fico!em!1936,!com!Caminho(Sem(Luz,!que!obteve!o!prmio!Fialho!de!Almeida,!e!na!atividade!jornalstica!em!1931,!no!Notcias(de(Alcobaa.!Colaborou,!entre!outros,!no!Bandarra,!de!que!foi!um!dos!fundadores,!no!Dirio(Popular,!desde!a!fundao,!em!1943,!tendo!sido!seu!diretor!de!1946!a!1953,!e!no!Dirio(de(Notcias!(1954f1974).!Foi!membro!do!Conselho(Fiscal(da(Editora(Bertrand,!de!1948!a!1951,!data!em!que!passou!a!administrador!(at!1974),!e!diretor!da!Editora(Nova(Fronteira!(Rio!de!Janeiro,!1975f1978).!Dirigiu!o!Centro(de(Estudos(Brasileiros(do(Instituto(Superior(de(Cincias(Sociais(e(Polticas(e!foi!agraciado!com!diversas!condecoraes.!A!coleo!(1!cx.)!integra!cartas!recebidas,!sobretudo!de!autores!representados!no!ACPC.!Adquirida!em!leilo!da!Livraria!Antiquria!do!Calhariz!em!Outubro!de!2004,!BNP,!Esp.!N36.!38(Id.!N!98,!4f3f1943,!p.!3.!39!Seara(Nova,!6f3f1943,!p.!257.!40!Mariana!Rey!Monteiro,!Joo!Villaret!e!Palmira!Bastos.!41!Aco!f!N99!f!11f3f1943,!p.!3.!

  • !!

    ! 19!

    de Chaby Pinheiro), com Maria Matos e Assis Pacheco, no Variedades, e O sabo N

    13, com Ribeirinho, rico Braga e Irene Isidro, no Trindade no h lixvia, no h

    sabonete, no h preparado assptico que valha o sabo n 13....

    No meio desta agitadssima vida cultural lisboeta, ao ler os jornais verifica-se

    que, no dia 20 de Maro de 1943, tambm no teatro D Maria II, teve lugar uma

    conferncia por Camilo Pellizzi, presidente dos Institutos Italianos de Cultura Fascista,

    no mbito de uma exposio do livro italiano. A seu lado, numa fotografia, publicada no

    Sculo Ilustrado42, est o Diretor do Instituto Italiano de Cultura de Lisboa, Gino

    Saviotti,43 um homem com um percurso de vida complexo e que vir a ser um dos trs

    fundadores e, claramente, o grande impulsionador do Teatro Estdio do Salitre.

    Na sexta-feira, dia 9 de Abril de 1943, ainda no teatro D Maria II,

    aproximadamente quinze dias passados sobre a exposio de livros italianos, na qual

    encontramos Gino Saviotti, teve lugar uma rcita do Teatro do Centro Universitrio da

    Mocidade Portuguesa, cuja importncia poltica pode deduzir-se pela presena de

    Mrio de Figueiredo, Ministro da Educao, acompanhado do Subsecretrio de Estado,

    do Comissrio Nacional da Mocidade Portuguesa Masculina, Marcelo Caetano, e da

    Comissria Nacional da Mocidade Portuguesa Feminina, Maria Guardiola. As pesquisas

    elaboradas permitem levantar a hiptese da presena de Gino Saviotti neste evento,

    politicamente relevante, considerada a importncia para os esforos da Poltica do

    Esprito desenvolvida por Antnio Ferro, desde 1933, na qual se enquadravam, de

    forma essencial, todas as iniciativas da Mocidade Portuguesa. A presena do corpo

    diplomtico, pelo menos daquele que ideologicamente se situava mais prximo do

    regime, como era o caso do regime italiano, parece uma hiptese no despicienda.

    A rcita tinha como principal objectivo a apresentao pblica do primeiro

    espetculo do Teatro do Centro Universitrio de Lisboa da Mocidade Portuguesa. O

    programa inclua um concerto pela Orquestra Sinfnica da Emissora Nacional, dirigida

    pelo maestro Pedro de Freitas Branco, seguido de uma Explicao pelo Sr. Baltazar

    Rebelo de Sousa, comandante do Centro Universitrio de Lisboa. Para fechar a rcita,

    foi representada a pea, A lio do tempo, de Lus Francisco Rebelo, pea que tinha

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!42!O(Sculo(Ilustrado,!n!273,!27fMarof1943.!43!Strulato,!Aureliana.!Gino(Saviotti.,(in,(Studi(novencenteschi!xiv.33!(June!1987),!pp.!!7f51.!

  • ! 20!

    ganho o primeiro prmio, alis o nico atribudo, do concurso de teatro da Mocidade

    Portuguesa 1941-1942. Na altura do concurso, Rebello tinha 17 anos.

    A lio do tempo uma parbola em verso: 1 ato, dividido em 3 quadros e 2

    cortinas44. O jri que tinha selecionado as peas a concurso era composto por Maria

    Lalande, Amlia Rey Colao, Robles Monteiro e Lus de Forjaz Trigueiros e presidido

    por Marcelo Caetano.45

    No se afigura necessrio fazer uma biografia de Lus Francisco Rebello, j que

    o seu percurso de vida, bem como a sua bibliografia surgem em inmeros artigos, a seu

    respeito. Limitar-nos-emos a alguns dados referentes a estes primeiros anos de atividade

    artstica, que, de certa forma, fazem parte de uma como que zona de penumbra da sua

    histria pessoal e que antecedem a criao do Teatro Estdio do Salitre.

    No vero de 1942, Lus Francisco Rebello tinha j feito a sua primeira

    experincia teatral, com um jogo dramtico Esse ideal que nos faz tudo vencer,

    espetculo ao ar livre, ...no acampamento da Escola Central de Graduados da

    Mocidade Portuguesa, em plena Serra da Arrbida. Teatro de mscaras, fantstico,

    luz de fogueiras e de archotes...46.

    O caso de Francisco Rebelo pode mesmo ser analisado como paradigmtico, se

    visto luz de um processo de ensino escolar, cujos contornos e linhas de orientao

    pedaggica nos podem fazer pensar, de certo modo, a uma tentativa de eugenia, visando

    a criao de um homem novo, levada a cabo por um forte aparelho de induo

    ideolgica em toda a populao, e muito particularmente, na juventude. A leitura de O

    salazarismo e o homem novo, de Fernando Rosas nesse sentido esclarecedor: as

    grandes bases do discurso ideolgico do Estado Novo nos anos 30 e 40 () exigiu e

    criou um aparelho de inculcao ideolgica () com o propsito de criar esse

    particular homem novo do salazarismo.[] alimentou e procurou executar,

    []um projeto totalizante de reeducao dos espritos, de criao de um novo tipo

    de portuguesas e portugueses regenerados pelo iderio genuinamente nacional de que

    o regime se considerava o portador. [], (e que) foi levado autoritariamente ao espao

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!44!O(Sculo,!9!de!Abril!de!1943,!p.2.!45!Semanrio!Aco,!n!104!de!15!de!Abril!de!1943.!46!Id.!N196,!de!18f01f1945,!p.3.!

  • !!

    ! 21!

    e s sociabilidades privadas da massa, procurando modificar de raiz, e em extenso, os

    comportamentos, as atitudes e as condies sociais e mentais da sua gestao... 47.

    Lus Francisco Rebelo nasceu em Setembro de 1924, numa famlia

    extremamente catlica. Os pais casaram na Igreja de Santa Isabel em Lisboa. Oriundos

    da mdia burguesia lisboeta, o pai era engenheiro agrnomo e a me domstica48. Ainda

    no tinha dois anos aquando do golpe de estado que deu origem ao regime do Estado

    Novo, em 28 de Maio de 1926.

    ...Nasci num pas, vivi quase dois teros da minha vida noutro, acabarei os meus

    dias num terceiro, sem que para isso houvesse de transpor nunca as suas fronteiras...49.

    Tinha nove anos quando foi lanado por Salazar e Antnio Ferro, em 1933, o

    Secretariado de Propaganda Nacional (SPN) e a sua Poltica do Esprito.

    Trs anos mais tarde, em 1936, foi criada, pelo Decreto-Lei n. 26 611, de 19 de

    maio de 1936, a Mocidade Portuguesa de inscrio obrigatria para os alunos do

    ensino primrio e secundrio e a quem vai ser entregue o monoplio de todas as

    atividades desportivas e das iniciativas culturais ou recreativas circum-escolares. 50

    Rebelo tinha doze anos51. Estava a meio do seu curso liceal quando Salazar

    lanou o seu pedido aos mais eminentes vultos da cincia52, com particular relevncia

    aos historiadores53, para uma convocao do passado e para uma, como que

    reactualizao do mito da portugalidade. S esquecendo esta realidade se pode

    estigmatizar um jovem por ter sido profundamente influenciado por este poderoso,

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!47!Rosas,!Fernando,!O(salazarismo(e(o(homem(novo:(ensaio(sobre(o(Estado(Novo(e(a(questo(do(totalitarismo,!in!Anlise!Social,!n!157,!2001,!pp.!1031f32.!48!Lopes,!Victor!Sousa,!Luz(Francisco(Rebello,(uma(colectnea(de(vida,!Lisboa,!Fonte!da!Palavra,!2012,!p.13.!49!Rebello,!Luiz!Francisco,!O(passado(na(minha(frente,!Lisboa,!Parceria!A.M.!Pereira,!2004,!p.!14.!50(Rosas,!Fernando,!opus(cit.,!p.!1045.!51!Numa!curtssima!conversa!com!Jos!Augusto!Frana,!na!BNP,!durante!a!investigao!para!este!trabalho,!o!historiador!revelou!ter!sido!dos!muito!poucos!jovens,!seno!o!nico,!a!no!sofrer!desta!obrigatoriedade,!dado!existir!um!artigo!na!lei!que!permitia,!para!o!ensino!secundrio,!libertar!o!jovem!deste!dever,!mediante!pedido!expresso!do!encarregado!de!educao,!o!que!ter!sido!feito!pelo!seu!pai,!com!consequncias!no!muito!agradveis!para!o!ambiente!acadmico!do!aluno,!no!Liceu!Cames.!No!foi!possvel!confirmar!a!existncia!deste!artigo!da!lei,!por!questes!do!tempo!disponvel!para!a!concluso!desta!dissertao.!52!,!Jorge!Ramos!do,!Os(anos(de(Ferro,(O(dispositivo(cultural(durante(o(Poltica(do(Esprito(1933D1949,!Lisboa,!Editorial!Estampa,!1999,!p.74.!53!Sem!reservas!!os!historiadores,!231!historiadores!portugueses!e!121!estrangeiros,!!assinaram!as!peties!do!chefe!e!prontificaramfse!a!colaborar!nas!aventuras!que!ele!delineou,!Id.!p.!77.!!!

  • ! 22!

    aparelho de coao, naturalmente destinado a separar a vontade de cada indivduo

    de maneiras prprias e legtimas de fazer, de pensar e de ser...54.

    Lus Francisco Rebelo, j no final da vida, declara com muito pragmatismo, ...

    No incio da dcada de 40, aos 17 anos, era-se de esquerda se se houvesse crescido

    numa famlia de oposio ao regime [] ou por reao deliberada contra o meio

    familiar. Eu no me encontrava em nenhuma destas situaes, e da o meu alheamento

    das questes polticas...55

    Em 1942, o Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa, por iniciativa de

    Marcelo Caetano, abriu um concurso de peas de teatro. Rebelo concorreu a esse

    primeiro concurso, o teatro foi () uma paixo dominante da minha vida56, e

    ganhou o primeiro prmio.

    Na sequncia desse concurso, nasceu o Teatro da Mocidade Portuguesa. ...

    Inicialmente o Teatro da Mocidade foi, mesmo uma pessoa nica - e apenas ela: o Lus

    Francisco Rebello... 57.

    A pea de Rebelo, vencedora do primeiro prmio nacional de teatro da M.P., se

    se considerar apenas a qualidade terica e tambm profissional dos elementos que

    compunham o jri de seleo, deve ter sido consensualmente olhada como um texto

    com reais qualidades poticas e dramticas.

    Com efeito, A lio do tempo 58 um texto que veicula valores de moral

    catlica, em heptasslabos regulares, escrito por algum que leu e estudou Gil Vicente, e

    que o tenta imitar, mesmo que s superficialmente, percebida a tcnica do mestre,

    fbula em forma de auto, com variadas cambiantes dramticas e cmicas.

    O espetculo estreado no D Maria, em Abril de 1943, escrito pelo filiado59 Lus

    Francisco Rebello, tem algumas caractersticas que o tornam interessante para a histria

    do teatro em Portugal, pelos seus protagonistas, alguns dos quais sero grandes nomes !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!54!Id.!p.!33.!55!Rebello,!opus(cit.,!p.!58.!56!Id.!p.!15.!57!Aco,!n!196,!18f01f1945,!artigo!assinado!por!Sousa!Enes.!58!Rebello,!LuizfFrancisco,!A(lio(do(tempo,!Lisboa,!Teatro!do!Centro!Universitrio!de!Lisboa!da!Mocidade!Portugusa,1943.!59!Termo!que!designava!todos!os!jovens!que!faziam!parte!da!Mocidade!Portuguesa,!o!que!no!fundo!era!obrigatrio!para!os!jovens,!estudantes!ou!no,!dos!7!aos!14!anos,!mas!que!se!prolongava!tacitamente!at!ao!fim!do!liceu,!sendo!necessrio!um!requerimento!para!ficar!livre!das!suas!actividades.!

  • !!

    ! 23!

    do teatro e da msica nacionais, e que iro participar, trs anos depois, em espetculos

    do Teatro Estdio do Salitre. A Lio do tempo est dividida em trs quadros, A

    desobedincia, A Lio e O Despertar. A pea foi encenada por Francisco Lopes

    Ribeiro Ribeirinho60, cenrios do Inspetor Jos Amaro Jnior61, figurinos do filiado

    Jlio Gil62 e msica original composta por Joly Braga Santos63, o qual tinha

    sensivelmente os mesmos dezoito anos de Rebello. O protagonista era o pequeno

    Henrique do Canto e Castro64, ento com catorze anos, contracenando com Eunice

    Muoz65, aluna do Conservatrio Nacional de Teatro.

    Lus de Forjaz Trigueiros escreve um apontamento a propsito da pea de

    Rebello, com o ttulo Quando o teatro tambm poesia, que conclui dizendo, ...Como

    indicao, como exemplo, como sintoma, a pea de Lus Francisco Rebello

    extremamente representativa. Mas no o menos - como esperana....66

    Aps este incio muito aplaudido como dramaturgo, de onde ressalta, em

    particular, a crtica que dele fez Forjaz Trigueiros, na qualidade de crtico literrio e

    colaborador assduo do semanrio Aco, Lus Francisco Rebelo foi convidado pelo seu

    amigo Jorge de Faria a escrever para aquele semanrio, bem como para o Dirio da

    Manh67.

    De facto, logo em Setembro de 1943, comearo a ser publicados no Aco, com

    uma certa regularidade, contos de Lus Francisco Rebello. A pesquisa feita mostra que

    esta colaborao se manteve, de forma ininterrupta, at finais de 194568. Igualmente

    parece plausvel que tenha sido entre 1942 e 1943 que Rebelo comeou a frequentar os

    seres que, ao sbado, Gino Saviotti organizava em sua casa. Esses seres j existiriam

    antes dessa data. essa, pelo menos, a impresso que fica pela informao que Rebelo

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!60!Francisco!Carlos!Lopes!Ribeiro,!1911f1984.!61!Jos!Maria!Amaro!Jnior,!pintor!nascido!em!1907f?!62!Jlio!Coelho!da!Silva!Gil,!1924f2004,!ilustrador,!arquiteto,!pintor!e!escritor,!nascido!em!Lisboa.!63!Compositor,!1924f1988.!64!Ator,!1930f2005.!65!Atriz,!1928f!.!66!Aco,!n104,!15f4f1943,!p.3.!67!Rebello,!Luz!Francisco,!O(passado(na(minha(frente,!opus(cit.!p.!69.!68!Alguns!dos!contos!de!Lus!Francisco!Rebelo!publicados!no!Semanrio!Aco;!em!1943,!Recapitulao,!N!124,!2/9,(Jazz,!!N!127!f!23/9,!O(outro(lado(do(espelho,!!!N!134!f!11/11,!em!1944,!O(prestidigitador(e(o(novo(ano,!N!144!f!20/1,!Ser(sempre(assim,!N!157!f!20/4,!Histria(do(Soldado,!N!188!f!23/11,!Rosa(Enjeitada,!N!192!f!21/12,!Eu(e(tudo(mais,!N!181!f!5/10,!Choque,!N!175!f!24/8!e!em!1945,(Regresso,!N!220!f!5/7.!!!

  • ! 24!

    deu a Miguel Falco, quando da preparao da sua tese de doutoramento sobre Alves

    Redol e o teatro, quando refere que a participao de Redol naquela tertlia teria tido

    incio antes de ele prprio frequentar a casa de Saviotti69.

    Para esses seres dos Sbados, Saviotti convidava, um heterogneo grupo de

    escritores e crticos de geraes, formao, tendncias estticas e opes ideolgicas e

    polticas diversas, quando no mesmo opostas...70.

    a partir destas reunies que vai ser constitudo, em 1945, o Grupo dos Amigos

    do Teatro71, posteriormente rebatizado Crculo de Cultura Teatral,72e que, em 1946,

    dar origem ao Teatro Estdio do Salitre.

    A 12 de Maio de 1944, teve lugar um novo espetculo do Teatro do Centro

    Universitrio da Mocidade Portuguesa, tambm no Teatro Nacional D Maria II. Do

    programa fazia parte o entremez do sculo XVIII, de Rodrigues da Maia, O Doutor

    Sovina, seguido do poema dramtico O oiro que Deus d, de Lus Francisco Rebello

    que, com este texto, tinha obtido novamente o primeiro prmio do Segundo Concurso

    de Teatro da Mocidade Portuguesa. Os cenrios eram de Antnio Sena da Silva.73

    O terceiro e ltimo destes espetculos do Teatro do Centro Universitrio da

    Mocidade Portuguesa74, com a participao de Rebelo, teve lugar no incio de Janeiro

    de 1945, com a repetio de O Doutor Sovina, que j constava do programa do segundo

    espetculo, seguido de nova pea de Rebello, Jogo para o Natal de Cristo, ...de elevada

    emoo religiosa..., mais uma vez encenada por Ribeirinho, interpretada por Canto e

    Castro, Jos Pisany Burnay, Lino Ferreira, Palma da Silva, Jos Dias Gabriel, Jos

    Maria Teixeira e as alunas do Conservatrio, Slvia Velez, Olvia Castro e Maria Cello.

    A msica, mais uma vez, foi composta por Jos Joly Braga Santos75.

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!69!Falco,!Miguel,!Espelho(de(ver(por(dentro,(o(percurso(teatral(de(Alves(Redol,!Doutoramento!em!Estudos!Teatrais,!ULf!Faculdade!de!Letras,!2005,!p.208.!70!Rebello,!opus(cit.!p.!79.!71!Vida(Mundial(Ilustrada,!25!de!Janeiro!de!1945.!Um!primeiro!anncio!tinha!sado!j!na!mesma!revista!a!4(de(Janeiro.(72(Id.!Os!doze!scios!fundadores!do!Circulo!foram:!Antnio!Alves!Redol,!Antnio!Vitorino,!Arquimedes!da!Silva!Santos,!Eduardo!Scarlatti,!Gino!Saviotti,!Graziela!Saviotti,!Jorge!de!Faria,!Lus!Francisco!Rebelo,!Manuel!de!Carvalho,!Manuela!de!Azevedo!e!Vasco!de!Mendona!Alves.!73!Antnio!Sena!da!Silva!(1926f2001),!arquiteto!e!artista!plstico!e!polgrafo!portugus.!74!Aco,!n196,!18f01f1945.!75!Aco,(id.!

  • !!

    ! 25!

    Em finais de 1944, Lus Francisco Rebello comeou a colaborar no Aco, como

    crtico de teatro, em paralelo com Rodrigo de Melo76. A primeira dessas participaes

    ter sido a crtica ao Othelo de Shakespeare, no incio de Fevereiro, que Rebello intitula

    Othelo, o mouro de Veneza est no teatro D. Maria II, eu no aplaudi77. Esta

    primeira crtica referenciada, extremamente documentada, foi muito negativa para o

    espetculo e para as interpretaes. No final de uma outra crtica, publicada no ms de

    Maro78, desta vez pea de Marcel Paol, Fanny, em cena no Teatro da Trindade,

    Rebello insere um post scriptum. aludindo a afirmaes caluniosas, a ele dirigidas, por

    um cronista radiofnico, que Rebello no releva, encolhendo os ombros (depreende-se

    ser Rodrigo de Melo o cronista em questo). Segue-se uma violenta troca de acusaes

    entre os dois, provocada talvez por Rebello ser muito custico e direto nas suas crticas,

    talvez por causa da sua juventude, talvez ainda pelo nvel elevado das citaes eruditas

    nas quais apoiar as suas opinies e, provavelmente por Rodrigo de Melo as ter visto

    como oriundas de um jovem crtico concorrente, contra o qual dificilmente conseguiria

    competir, apesar de ser um crtico muito considerado e de, mais tarde, vir a participar

    como autor num dos primeiros espetculos do Salitre.

    No incio de Abril79, num P.S. agora de Rodrigo de Melo, e respondendo s

    observaes de Rebello, percebe-se que Melo acusa Rebello de ter plagiado uma crtica

    de uma revista francesa para a redao da sua crtica sobre a obra de Shakespeare.

    Igualmente acusa Francisco Rebello de se ter inspirado em Jeanne dArc au Bcher, de

    Paul Claudel, para algumas sugestes cnicas, em particular uma mscara de porco, do

    Jogo para o Natal de Cristo, que foi muito aplaudida pela crtica. No foi possvel

    averiguar se eram ou no justas as acusaes feitas a Rebelo, mas, de qualquer modo, no

    nmero seguinte do Aco, a 12 de Abril, Lus Francisco Rebello d uma lio de

    histria do teatro, num artigo intitulado Histria Tragicmica de Dois Plgios,

    desmontando toda a argumentao de Rodrigo de Melo. Termina o artigo com um P.S.

    em que, entre outros tericos do teatro, cita Gino Saviotti.

    A polmica entre os dois crticos aparentemente termina aqui, e tanto Rodrigo de

    Melo como Rebello conservaro os seus lugares de colaboradores do semanrio,

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!76!Rodrigo!de!Melo!(1911f1952),!poeta,!dramaturgo!e!crtico!teatral!portugus.!77!Aco,!n201,!22f2f1945.!78!Id.,!n!203,!8f3f1945.!79!Id.,!n!207,!5f4f1945.!

  • ! 26!

    continuando Lus Francisco Rebello a publicar os seus contos, em simultneo com as

    crticas de teatro, sempre muito bem documentadas e muitas vezes agrestes, para as

    peas, autores, tradutores e at para os crticos teatrais.

  • !!

    ! 27!

    Uma imprudncia, ou talvez no.

    Em cada portugus ntegro h um poeta lrico; e cada poeta lrico um dramaturgo que se ignora

    Eduardo Scarlatti80

    Em Agosto de 1944, foi publicado o Paradoxo sobre o teatro81, pequeno livro

    que pretendia ser de teorizao teatral, assinado por Gino Saviotti e escrito em Maro

    desse ano, conforme informao do autor. , porventura, o primeiro de um conjunto de

    textos orientadores das intenes que levaram criao, em 1946, do Teatro Estdio do

    Salitre.

    Trata-se de um texto em forma de dilogo, colocando principalmente em

    confronto, dois interlocutores e onde intervir, j no final do livro, uma jovem

    interlocutora que, por ser senhora levantar a questo do guarda-roupa, considerado

    um elemento muito importante da mise en scne que vocs, os homens, no consideram

    como merecia...82.

    Toda a obra remete para uma primazia da forma sobre o contedo do espetculo

    de teatro, que no difere, no essencial, das ideias que Saviotti defendeu em Itlia, nos

    anos 20 e 30, na qualidade de crtico literrio, em vrias revistas da especialidade,

    referindo-se, na altura, literatura e no ainda ao espetculo teatral83.

    Logo no incio do texto, o primeiro interlocutor utiliza algumas frases, no

    referenciadas por Saviotti, textualmente retiradas de uma crtica84 de Joo Pedro de

    Andrade85, sada em Fevereiro, sobre a pea Dulcineia ou a ltima aventura de D.

    Quixote, de Carlos Selvagem. Este facto pode indiciar que Gino Saviotti possa ter

    tomado a opinio do crtico como o paradigma de uma opinio mais alargada.

    Conhecendo a obra de Lus Francisco Rebelo, tambm ele podia assumir esse papel,

    alis mais prximo do adjetivo de jovem amigo. Rebelo era vinte anos mais novo que

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!80!Scarlatti,!Eduardo,!A(Religio(do(Teatro,!Lisboa,!Ed.!tica,!1945,!p.!9.!81!Saviotti,!Gino,!Paradoxo(sobre(o(teatro,!Lisboa,!Editora!Argo,!Agosto!1944.!82!Id.!p.70.!83!Pound!(34)!Barille!(390).!84!Seara(Nova,!n!861!de!12!de!Fevereiro!de!1944.!85!Autor!dramtico,!ensasta,!crtico!literrio!1902f1974.!

  • ! 28!

    Andrade. No Paradoxo e sob o pseudnimo de Srgio Vidor, Saviotti encarna o papel

    de segundo interlocutor.

    Joo Pedro Andrade ir demarcar-se de forma veemente desta eventual posio

    de protagonista na crtica que, trs meses depois da sua publicao, far ao Paradoxo,

    alis nica crtica encontrada a propsito do livro de Saviotti. 86

    O mote para todo o dilogo dado logo nas primeiras pginas; est realmente

    convencido que, para dar nova fora aos palcos portugueses, sejam precisas grandes

    obras, repletas de elevao cultural? Creio antes o contrrio,87 e uma outra afirmao,

    tambm ela recorrente no pensamento de Saviotti; ...Quem criou o teatro, nos tempos

    remotos? () foi a multido mais humilde, sob o impulso de sentimento elementar por

    excelncia, menos cultural, anti-intelectual - o da F88

    Joo Pedro de Andrade89 considera serem opinies exageradas, prprias a dar ao

    texto uma conflitualidade que o torne mais vivo e atraente. Pode, no entanto, colocar-se

    a hiptese de estas ideias traduzirem, sem muito exagero, as reais opinies de Gino

    Saviotti, j que foram encontradas afirmaes semelhantes em textos posteriores e aos

    quais ser feita referncia. O dilogo entre os dois interlocutores continua; quem

    eram os autores dos maiores dramas sacros? () Nada mais que frades franciscanos,

    humildes ao mximo, e inimigos declarados da cultura...90 e logo a seguir, o

    contedo ideal, cultural e de pensamento no tem importncia nenhuma...91.

    Por outro lado, o conceito teatro, que se pretende definir, por si prprio

    definido, tornado o discurso circular e sem grande nexo; o interesse primordial do

    teatro est em si prprio, no facto de ser92. Para a noo de sentido do teatro, a que o

    autor recorre com frequncia, no dada igualmente uma explicao clara, ficando

    Saviotti por vagas abstraes, gosto da projeo cnica ou intuio lrica, por exemplo.

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!86!Seara(Nova,!n!902,!de!25!de!Novembro!de!1944.!Saviotti!fala!de!uma!outra!referncia!ao!seu!livro,!feita!por!Joo!Gaspar!Simes,!mas!no!foi!possvel!localizfla.!87!Saviotti,!opus!cit,!p.!6.!88(Id.!p.!7.!89!Seara(Nova,(Id.!90!Saviotti,!opus(cit.!p.8.!91!Id.!p.!12!92!Id.!p.!9!

  • !!

    ! 29!

    Como afirmar anos mais tarde Jorge de Sena, o brincar com coisas srias como o

    convencionalismo teatral tem dado tintas progressistas a muito conformismo93.

    Por fim, um pequeno fragmento do dilogo, esse sim, totalmente paradoxal, se

    se tiver em considerao a futura criao do Micro Teatro;

    Segundo Interlocutor - [] Num teatro particular - diz Diderot - em que o

    espectador est quase ao nvel do ator, as verdadeiras personagens dramticas

    pareceriam enormes, gigantescas [].

    []

    Primeiro Interlocutor - Em suma para si os pequenos teatros no so teatros.

    Segundo Interlocutor - Exatamente. E por isso mesmo, precisando criar-se a

    iluso de s-lo, acabam por acolher as coisas mais extraordinrias [] para

    enganar o espectador, atordoando-o, desnorteando-o94

    Por mais paradoxal que isso possa parecer, dois anos aps este texto

    programtico, Gino Saviotti fundar um teatro privado onde os espectadores estavam de

    facto ao nvel dos atores.

    Por outro lado, difcil imaginar, depois destas peremptrias afirmaes, acima

    citadas, do Paradoxo sobre o teatro, como possa ter sido levado cena o Filipe

    Segundo, de Vittorio Alfieri, exibido no terceiro espetculo, representado para uma

    centena de pessoas, num palco de cerca de 20 metros quadrados, em cima de um estrado

    com 50 centmetros de altura.

    S por curiosidade, na sua alocuo introdutria ao segundo espetculo, Antnio

    Pedro, que tinha 1,85 m, ficou com a cabea a roar a bambolina rgia, se pudermos

    designar assim uma pequena prancha de madeira de 30 centmetros de altura que

    delimitava a parte superior da boca de cena. No foi, de modo nenhum, um crime

    teatral. Foi certamente uma imprudncia, ou uma inconscincia, que dever ser tomada

    em conta na anlise deste projeto de estdio teatral.

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!93!Sena,!Jorge!de,!7(Espetculo(essencialista,(Teatro(Estdio(do(Salitre,!Seara!Nova,!Ano!XXVII,!n!1091,!26f06f1948,!cf.!Do(Teatro(em(Portugal,!Lisboa,!Edies!70,!1988,!p.!125.!!94!Saviotti,!opus(cit.!p.63f4.!!

  • ! 30!

    O Paradoxo sobre o Teatro , de algum modo, a primeira verso, aqui e ali

    modificada, das ideias mestras do Manifesto do Essencialismo Teatral, suporte terico

    do Teatro Estdio do Salitre. Joo Pedro de Andrade, na sua crtica ao Paradoxo, ir

    utilizar um tom condescendente e diplomtico nas consideraes que tece ao opsculo

    de Gino Saviotti. Fica claro, na leitura da crtica, que Joo Pedro de Andrade no

    partilha a opinio expressa por Saviotti, de que o contedo ideal, cultural e de

    pensamento95, no seja a coisa mais importante duma obra teatral; ...Portugal no um

    pas onde se possa menosprezar a inteligncia, e muito menos atac-la...96. Tambm na

    mesma crtica pode ler-se, um pouco mais frente; ...se o teatro arte e espetculo, ele

    cumulativamente, ou antes consequentemente, elemento cultural...97.

    Joo Pedro de Andrade consegue afastar-se em absoluto das ideias expressas por

    Gino Saviotti, com uma delicadeza e educao que lhe so caractersticas. Lembra, no

    entanto, que ele prprio, em artigo de fundo sado na Seara Nova em 194098, intitulado

    Sobre as possveis causas da crise mundial do teatro, tambm refletia sobre os excessos

    de intelectualismo de alguns dos dramaturgos dos anos vinte e trinta, artigo esse que,

    segundo Joo Pedro de Andrade, poderia responder tese preferida do diretor do

    Instituto Italiano de Cultura sobre as razes de um possvel desinteresse das massas pelo

    teatro.

    Em 1943, Gino Saviotti tinha j publicado uma Pequena Histria da Esttica,

    sem que se vislumbre claramente as razes de uma tal publicao. Pode colocar-se a

    hiptese de Saviotti visar simplesmente uma possvel aceitao, pelo corpo

    universitrio, do seu currculo para professor na Universidade. Aureliana Strulatto, no

    seu artigo sobre Saviotti, j citado, afirma: formatosi negli anni precedenti la grande

    guerra in scuole a indirizzo classico fino a laurearsi in lettere, dopo un approccio

    troncato sul nascere presso una scuola tcnica, in seguito a una sospensione per motivi

    dindisciplina99 Saviotti mantm sempre a verso de doutoramento e, em 1966, faz

    referncia ao final do seu curso, juntamente com Luigi Russo, em que ser proclamado

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!95!Saviotti,!opus(cit,!p.!12.!96!Seara!Nova,!Id.!97!Id.!98!Id.!n!670,!de!15!de!Julho!de!1940.!99!Strulato,!Aureliana,!in.!Studi(novecenteschi,(revista(semestrale(di(storia(della(letteratura,!!Pisa,!Giardini!ed.,!XIV,!n!33,!giugno!1987,!p.!10.!

  • !!

    ! 31!

    Dottori con pieni voti e lode100. Em Itlia como em Portugal, doutor um ttulo

    genrico atribudo desde a licenciatura.

    O pequeno livro, sobre histria da esttica, ser elogiado pelo professor Joaquim

    de Carvalho, professor de Filosofia Moderna da Universidade de Coimbra, na curta

    introduo que faz ao livrinho de Saviotti, em especial por este relembrar o pensamento

    de Benedetto Croce.

    Esta Pequena Histria da Esttica parece ser uma sequncia de consideraes

    vagas e muito adjectivantes, opinies pessoais, sobre a histria das ideias e dos filsofos

    que as produziram, com os dois ltimos captulos dedicados a Benedetto Croce, o qual

    por outro lado, j em 1912 tinha escrito e publicado o seu Breviario di esttica. No

    ter sido demasiado complexo para Saviotti falar sobre Croce, j que com ele conviveu

    assiduamente, desde o fim da I Grande Guerra e at finais de 1919, e com o qual

    continuou a manter contacto at 1937. justamente e sobretudo este aspecto da

    evocao do filsofo italiano que o professor Joaquim de Carvalho ressalva com

    interesse. A questo que se pode levantar, e que poderia ser interessante para o estudo

    da sua personalidade, seria a da interpretao que Saviotti faz da obra e das ideias de

    Croce, considerando que, para Saviotti, o filsofo italiano ter sido um dos autores que

    mais influenciaram a sua maneira de pensar, como ele prprio confessa no seu Ricordo

    di Benedetto Croce101, publicado em 1966, mas que no entanto no parece coincidir em

    aspectos ideolgicos.

    Depois deste opsculo de 1943, Gino Saviotti continuar a publicar pequenas

    obras teorizantes sobre a Filosofia e a Esttica do Teatro. Em Agosto de 1944, como j

    foi dito foi publicado o Paradoxo sobre o teatro.

    Em Julho de 1945, j depois da sua admisso, a convite do governo portugus,

    como professor do Conservatrio Nacional, Givo Saviotti editou nos Cadernos

    Culturais da Editora Inqurito mais um opsculo, com o ttulo de Filosofia do Teatro102,

    que mais no do que uma muito resumida histria do teatro, sem quaisquer datas ou

    fontes, se exceptuarmos as breves referncias a Oscar de Pratt, Queiroz Veloso e Matos

    Sequeira, no captulo dedicado a Gil Vicente, para alm de a pretender corrigir, de !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!100!Saviotti,!Gino,!Ricordo(di(Benedetto(Croce,!in.!Estudos(Italianos(em(Portugal,!n27,!II,!1966,!p.7.!101!Id.!102!Saviotti,!Gino,!Filosofia(do(Teatro,!Lisboa,!Ed.!Inqurito,!1945.!

  • ! 32!

    forma peremptria, algumas hipteses histricas sobre a obra do poeta e dramaturgo,

    levantadas nomeadamente por Carolina Michalis, aqui tambm sem recurso ou

    indicao de fontes.

    A pequena obra, Filosofia do Teatro, precedida da transcrio da lio de

    abertura do curso de Esttica Teatral e Filosofia do Teatro, dirigida Aos jovens atores e

    atrizes portugueses103. Esta primeira lio toma a forma de um discurso erudito, por

    vezes at de uma agressiva erudio, se se tiver em conta que era dirigida a jovens

    recentemente sados do curso dos liceus, supondo que o mesmo era obrigatrio para o

    ingresso no Conservatrio Nacional. Com uma tal plateia, parecem ser

    pedagogicamente agressivas afirmaes do gnero; ...Quem no conhece o ditado

    seiscentista em latim, acerca da comdia e do espetculo em geral, castigat ridendo

    mores?.

    No parece plausvel que, exceptuando Lus Francisco Rebelo que era

    frequentador assduo do Conservatrio e que, por ser amigo de Saviotti, talvez estivesse

    entre a assistncia, nessa primeira lio, qualquer dos alunos tivesse alguma vez ouvido

    falar deste dito, da autoria do pedante e conservador Jean de Santeuil, em incios do

    sculo XVIII.

    Em 1949, Saviotti publicou uma Esttica do teatro104 em duas partes, a primeira

    das quais uma cpia, ligeiramente alterada105, da sua Filosofia do teatro de 1945. Com

    estas duas obras quase gmeas, ficariam preenchidos os requisitos bibliogrficos para a !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!103!Esta!primeira!lio!comea!com!um!curioso!pargrafo:!Houve(pocas(em(que(os(atores(eram(ignorantes(e(grosseiros.(O(pblico(divertiaDse(com(as(suas(habilidades(cnicas,(mas(desprezavaDos(e(no(eram(admitidos(na(sociedade.(Quando(o(ator(morria,(a(Igreja(julgavaDos(indignos(at(de(sepultura(em(lugar(sagrado.(Foi(este(o(destino(de(Molire.!Certamente!Saviotti,!involuntariamente,!descorou!na!ambiguidade!do!pargrafo!no!seu!todo,!em!relao!a!Molire.!Por!outro!lado,!se!!verdade!que!em!Frana!no!sc.!XVII,!os!comediantes!como!excomungados,!no!eram!sepultados!em!lugar!sagrado,!no!caso!do!grande!dramaturgo,!ele!era!entusiasticamente!aplaudido!e!acarinhado!pelo!pblico,!razo!pela!qual!a!igreja!francesa!se!viu!na!obrigao!de!autorizar!que!JeanfBaptiste!Poquelin!fosse!sepultado!no!cemitrio!de!SaintfJoseph,!em!Paris,!pesem!embora!dvidas!histricas!se!a!sepultura!foi!de!facto!em!lugar!sagrado!ou!em!terrenos!adjacentes.!104!Saviotti,!Gino,!Esttica(do(Teatro,!Lisboa,!Portuglia!Ed.,!1949.!105!Semelhanas!entre!a!Filosofia(do(teatro!(FT)!e!a!Esttica(do(teatro!(ET);!Prefcios!idnticos,!com!a!lio!de!abertura!dirigida!aos!jovens!atores!e!atrizes!portugueses,!terminando!em!ET!no!penltimo!pargrafo,!desta!vez!sem!indicao!de!data.!I!Captulo!f!Reproduo!na!integra!com!nfimas!variantes!entre!FT!p.19!e!ET!p.!24!desde!Quero(dizer!at!ao!final!do!captulo!FT!p.!28,!ET!p.!32.!II!Captulo!em!FT!p.!33!e!ET!p.!33,!transcrio!do!texto!desde!Quanto(a(Roma!at!diferente(do(seu.!FT!p.34!e!ET!p.35!e!os!finais!dos!captulos!so!idnticos.!FT!pp!34!ET!pp!39.!Os!Captulos!de!III!a!VIII!so!rigorosamente!idnticos!em!Ft!e!ET,!com!a!ablao!do!ltimo!pargrafo!em!ET,!no!VIII!Captulo.!Em!ET!surge!uma!parte!segunda,!sobre!o!teatro!moderno,!que!no!existe!em!FT.!

  • !!

    ! 33!

    disciplina de Esttica Teatral e Filosofia do Teatro, que leccionava na Seco de Teatro

    do Conservatrio.

    Saindo, mais uma vez fora, dos limites temporais do Teatro Estdio do Salitre,

    talvez venha a propsito referir uma outra polmica jornalstica, alguns anos depois,

    envolvendo Gino Saviotti e o ator Assis Pacheco, sobre a renovao do teatro

    portugus, em Setembro de 1947. Tinham passado apenas trs meses aps a sada de

    Lus Francisco Rebelo do Salitre, que ocorreu em Julho, pelas razes por ele prprio

    confessadas; ...O rumo conformista que se anunciava, e que a maioria das funes

    seguintes viria a confirmar, [], levou-me a dissociar-me, no sem mgoa, do projeto

    que com tanto entusiasmo abraara.106

    O episdio em referncia pode ajudar, de certo modo, a compreender um pouco

    melhor o que se passava, de um ponto de vista terico, no teatro portugus dos anos

    quarenta, e igualmente enquadrar a posio de Saviotti no meio teatral lisboeta,

    aparentemente no totalmente consensual. Jorge de Sena ir, por seu lado e num outro

    contexto, referir uma certa dificuldade de Saviotti em aceitar crticas menos favorveis

    s suas iniciativas e, em particular, em relao aos espetculos do Teatro Estdio do

    Salitre; ... Se, no Teatro do Salitre, a averso pela crtica livre to grande qual

    apenas o amor pelo xito mundano, sem dvida que parte disso podemos atribuir a

    alguns bacilos persistentes, na casa, de um regime epidmico, segundo uns, ou segundo

    outros, endmico...107.

    A polmica com Assis Pacheco teve incio aps ter sido publicado um artigo de

    Gino Saviotti, em O Sculo108, no qual o autor se insurge contra algumas justificaes

    que so avanadas como causadoras da crise do teatro em Portugal, em particular a ideia

    de alguns que afirmavam ser necessria uma nova sociedade capaz de criar um novo

    teatro. Saviotti considera esta ideia despicienda, no sendo mais que uma linda maneira

    de justificar a inrcia. Voluntariamente ou por distrao, Gino Saviotti no vai ter em

    conta, na sua anlise, a realidade portuguesa nesse a ano de 1947; a invaso policial da

    Faculdade de Medicina e o saneamento poltico de vrios professores universitrios,

    entre muitas outras aes repressivas. Em suma, no vai atribuir qualquer importncia a

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!106!Rebello,!Luz!Francisco,!O(passado(na(minha(frente,!opus!cit.!p.!85.!107!Sena,!Jorge!de,!5!Espetculo(essencialista,!opus!cit.!p.!81.!!108!O(Sculo,!14!de!Setembro!de!1947.!

  • ! 34!

    esta cada vez maior perda da liberdade da sociedade em geral e por arrastamento do

    teatro.

    O ator Assis Pacheco, numa irnica resposta a este artigo, publicada no jornal

    Repblica109 da semana seguinte, acusa Saviotti de uma manifesta incompetncia, como

    encenador, a coberto da to apregoada renovao teatral. Assis Pacheco conclui que;

    ...como o prof. Saviotti no pde, com certeza, auxiliar [] na renovao do Teatro na

    sua terra, generosamente tenta faz-la entre ns.

    Uns anos mais tarde, ser esta aparente incompetncia que levar Rogrio Paulo

    a abandonar o Teatro de Sempre, no qual Gino Saviotti assumia a direo artstica110.

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!109!Repblica,!19!de!Setembro!de!1947.!!110!Carta!endereada!por!Rogrio!Paulo!a!Csar!Moreira!Batista,!Secretrio!Nacional!da!Informao,!em!29!de!Maio!de!1959,!ref!arquivstica!PT/MNT/FT/79.!

  • !!

    ! 35!

    Um outro hiato biogrfico, mais complexo.

    a dash of barbarism in our excessive civilization: a fine restorative... 111

    Na sequncia das informaes recolhidas sobre Gino Saviotti, uma pergunta

    afigura-se necessrio para se entender melhor algumas possveis causas, da formao

    em 1946, do Teatro Estdio do Salitre.

    Quem era de facto Gino Saviotti, e qual a sua imagem pblica em Portugal no

    perodo conturbado da Segunda Guerra Mundial e no imediato ps guerra?

    Tentar-se- muito brevemente traar um possvel retrato, mesmo que provisrio,

    do diretor do Instituto Italiano de Cultura de Lisboa.

    Em 1943, Gino Saviotti era um muito respeitvel e respeitado diplomata italiano

    de cinquenta anos, com uma esplndida imagem, muito bem vestido, usando

    frequentemente fraque ou casaca, com um cantante sotaque caracterstico, um homem

    alto, num Portugal de pequeninos, magro, nervoso e inteligente112, usando um pequeno

    bigode quadrado no meio do lbio, muito em voga na poca, monculo e um cachimbo

    sempre aceso113, deixando sua volta um aroma extico e agradvel de tabaco de

    qualidade.

    Com uma elocuo gil, fcil e encantadora, de homem do mundo, Saviotti tinha

    sido em Itlia, desde finais da primeira guerra mundial e durante quase vinte anos,

    crtico literrio em vrias revistas da especialidade. Habituado a conviver de perto com

    as figuras mais destacadas do regime portugus e, portanto, sagaz conhecedor das suas

    grandezas e misrias, no difcil acreditar que tivesse tido um muito bom acolhimento

    na vida mundana e mesmo no meio intelectual, do Porto e de Lisboa, merc de um boa

    aceitao social por parte da alta sociedade que, talvez por acreditar nas enormes

    virtudes de um pas rural tambm ela sofria de um provincianismo europeiamente

    suburbano.

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!111!Waine!Pound,!opus(cit.!Vrias!vezes!citada,!esta!frase!foi!atribuda!nos!vrios!documentos!consultados,!por!vezes!a!Gino!Saviotti,!outras!vezes!a!Ezra!Pound.!O!assunto!ser!visto!posteriormente.!112!A.!Strulatto,!opus(cit.!113!Rebello,!Luz!Francisco,!O(passado(na(minha(frente,!opus(cit.!p.!79.!

  • ! 36!

    Nas pesquisas levadas a cabo, depara-se um quadro, no mnimo paradoxal, j

    que foram encontrados textos claramente elogiosos a seu favor e, paralelamente, textos

    altamente negativos quanto ao seu percurso profissional e poltico.

    As primeiras informaes encontradas foram parcas e circunscritas referncia

    que, a seu respeito, feita na Enciclopdia Luso-Brasileira de Cultura: Professor,

    escritor, autor teatral, encenador [] doutorou-se em Letras e Filosofia pela

    Universidade de Pisa. Desde 1939 que vive em Portugal, tendo sido encarregado pelo

    governo italiano de dirigir em Lisboa o Instituto Italiano de Cultura. Seguia-se

    informao sobre algumas das suas obras e sobre atividades ligadas ao teatro em

    Portugal. Estas informaes so confirmadas pelas referncias a Saviotti feitas por Lus

    Francisco Rebello, no s na sua Evocao de Gino Saviotti, de 1981114, como tambm

    no seu livro de memrias, publicado em 2004, O passado na minha frente115.

    No decorrer da investigao, foi possvel, no entanto, aceder a alguns artigos

    publicados a partir de 1980, bem como um artigo anterior a esta data, referentes a

    Saviotti. Estes documentos permitem conhecer um pouco melhor a sua histria e nela

    delimitar dois perodos temporais bem distintos.

    Um perodo muito extenso e aparentemente muito pouco conhecido, de perto de

    cinquenta anos, desde o seu nascimento, em 1893, at Julho de 1943, data que coincide

    com a priso de Benito Mussolini e o consequente incio da derrocada do regime

    fascista italiano.

    Um segundo perodo, de cerca de trinta e sete anos, entre 1943 e a data da sua

    morte, em 1980, e que corresponde, grosso modo, referncia a seu respeito inserta na

    Enciclopdia Luso-Brasileira de Cultura.

    Se o segundo perodo por demais conhecido e, por isso, no parece ser

    necessrio a ele fazer mais amplas referncias, o primeiro perodo da sua vida, pelo

    contrrio, pela escassez de informaes nos arquivos portugueses e na memria dos que

    com ele conviveram, merece algumas consideraes. Gino Saviotti, ... was a well known

    figure in the world of the Italian literary reviews of the thirties and forties, but after

    1939, when he moved permanently to Portugal, he began to pass from mens memories, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!114!Rebello,!Luz!Francisco,!Evocao(de(Gino(Saviotti,!in!Estudos!Italianos!em!Portugal,!Lisboa,!1981,!n.!43f44,!pp.!9f13.!115!Rebello,!opus(cit.!

  • !!

    ! 37!

    at least in Italy...116. Desde muito jovem, foi habituado a frequentar as salas de

    espetculo, contactar de perto com atores e msicos conhecidos do seu pai, como ele

    prprio relata no seu, Conheci de perto Pietro Mascagni e Gicomo Puccini117. O teatro

    era, em finais do sculo XIX, nas cidades italianas de provincial, quase o nico

    divertimento publico118.

    Enquanto estudante de Letras, interessou-se por poetas como Petrarca, Giacomo

    Leopardi, Edgar Allan Poe, Baudelaire e scar Wilde119. Em 1916 publica um livro de

    poesia, atividade que abandonar, a conselho de Benedetto Croce, para se dedicar em

    exclusivo, a partir de 1920, carreira de crtico literrio, insurgindo-se, num dos seus

    primeiros artigos, contra o charlatanismo de Gabriele DAnnunzio. Tornou-se editor de

    revistas literrias, como Pagine critiche, em 1921, e, em 1930, comea a editar a

    polmica revista LIndice, em parceria com o poeta e crtico americano Ezra Pound, o

    qual confessamente se identificava com a ideologia fascista e que, por isso mesmo, ser

    preso no fim da guerra pelas tropas norte-americanas, acusado de alta traio.

    So contraditrias as opinies dos historiadores, a cujos artigos foi possvel

    aceder, sobre as grandes linhas de orientao da revista LIndice, da qual Gino Saviotti

    era o diretor e, por esse facto, o principal responsvel pelas grandes opes editoriais.

    Saviotti citado por Antnio Gramsci120 como um dos muitos autores que

    escreveram recorrentemente sobre o carter antipopular, ou pelo menos no popular, da

    literatura italiana. Para esta sua opinio, Gramsci apoia-se, por um lado, num artigo da

    revista LItalia Letteraria, no qual Saviotti faz um rasgado louvor a Giuseppe Parini,

    poeta italiano do sc. XVIII, por este ter; ... feito uma transfuso nas suas ridas veias

    (da poesia italiana), do seu bom sangue popular...121, e, por outro lado, no tema central

    do romance de Saviotti, Mezzo Matto, com a qual obteve uma parte122 do prmio

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!116!Pounds,!Wayne,(opus(cit..!117!Saviotti,!Gino,!Conheci(de(perto(Pietro(Mascagni(e(Gicomo(Puccini,!in!pera,!Lisboa,!editorial!Polis,!n12,!Abril!de!1971,!pp.!2f5.!118!Id.(119!Id.!120!Gramsci,!Antonio,!Selection(from(cultural(writings,(32.(Gino(Saviotti,!London,!(elecbook)!David!Forgacs,!1999!(ed!.London,!Lawrence!&!Wishart,!1985).!121!Id.!122!Com!esta!observao!Gramci!parece!tentar!depreciar!a!atribuio!do!prmio.!Outros!autores!como!Rebello,!Tabucchi,!Strulato!e!Waine!Pound,!no!usam!o!mesmo!tipo!de!desvalorizao,!referindo!apenas!ter!sido!atribudo!a!Saviotti!o!prmio!Viareggio,!bem!como,!dois!anos!depois,!o!prmio!Fusinato,!com!um!outro!romance,!Il(fratello.!!

  • ! 38!

    Viareggio, em 1934, em que um homem do povo tenta tornar-se um intelectual

    profissional, para no ser mais do povo, o que Gramci considera ser: essentially an

    anti-popular subject in which caste is exalted as a model of superior life: the oldest

    and stalest part of the Italian tradition123.

    A opinio de Gramsci no consensual. No seu estudo sobre Gino Saviotti,

    Aureliana Strulato124 sugere que talvez Gramsci no tenha lido o romance, mas apenas

    uma recenso, e que, por isso, lhe tenha escapado que a escolha da arte, por Gialcanto, o

    personagem principal e protagonista do romance, no era fruto de uma oportunista

    ascenso social ou cultural...125, mas sim de uma permanente procura de amor e de

    amizade, coisas que, para Strulatto, no se prestam a qualquer tipo de clculo. A

    personagem de Gialcanto, merc da forma como vive os sentimentos, procura na arte o

    nico meio de encontrar um equilbrio interior, bem como de dar forma aos seus sonhos

    e fantasias126.

    Um olhar mais atento, entre outros, aos trabalhos de Wayne Pounds sobre a

    relao de Saviotti e Ezra Pound, ao estudo de Laura Barile sobre a revista LIndice e ao

    estudo de Aureliana Strulato sobre a vida e obra de Gino Saviotti, j anteriormente

    citados, podem ser de alguma ajuda, muito particularmente para compreender as

    motivaes profundas, e as ideias de Saviotti, as razes da associao editorial e da

    amizade que o ligaram a Ezra Pound desde o lanamento da revista LIndice, em 1930,

    e, j depois da sua chegada a Portugal, a constituio da improvvel parceria que, em

    1946, ir fazer com Lus Francisco Rebello e com Vasco de Mendona Alves para a

    criao do Teatro Estdio do Salitre.

    Sem alongar demasiado, torna-se evidente nos referidos artigos, que tanto

    Gramsci como Barile acusam claramente Saviotti de uma aproximao aos ideais do

    Partido Nacional Fascista. Barile classifica a revista LIndice como uma folha

    provinciana, fechada, empenhada a defender a sanidade moral italiana contra a

    experimentao afrancesada. Cita Angioletti127, o qual, aps a revista de Saviotti

    concentrar ...toda a sua energia na mesquinha e encarniada disputa com a Itlia

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!123!Id.!124!A.!Strulato,!opus.(cit..!125!Id.!p.!38!126(Id.(127!Giovanni!Battista!Angioletti!(1896f1961),!jornalista!e!escritor!italiano,!director!da!revista!L'Italia!letteraria,!entre!1929f1932.!!

  • !!

    ! 39!

    Literria...128, responde acusando os membros do LIndice de serem ...um bando de

    medocres e desgostosos hipcritas moralistas, presunosos e arrivistas, que gostariam

    de impor a toda a Itlia ideais de sabedoria rural, qualificando Saviotti de

    ...pequeno professor intrigante e vaidoso, crtico sem gosto e escritor medocre....129

    A estas opinies radicais de Gramsci e Barrile, contrapem-se as de outros

    historiadores que apontam em sentido bem diferente. A. Strulato, por exemplo, afirma

    que Saviotti atravs de uma produo variada, de crtica, romance e teatro, sempre

    tentou dar dignidade e valor aos ...ideais de liberdade de esprito e ao amor individual e

    coletivo...130. Waine Pound, por seu lado, peremptrio ao afirmar que apesar do nfase

    dado por Saviotti clareza e honestidade da literatura, e apesar da sua oposio a uma

    linguagem decorativa, opinies porventura semelhantes retrica do regime de

    Mussolini, s isso dificilmente faz dele um fascista, tanto mais que, segundo Pound,

    toda a sua carreira como editor foi caracterizada por uma permanente frico com o

    poder institudo, desde as publicaes das Pagine Critiche, de Parma, em que era

    financiado por vrios antifascistas, at s investigaes policiais feitas nos locais

    frequentados por Saviotti, tentando encontrar material comprometedor131.

    No decorrer da investigao para esta dissertao foram sendo encontrados,

    muitas vezes de forma imprevista, textos que, saindo aparentemente fora do seu mbito

    podem, pela forma e pelo contedo, ajudar a esclarecer alguns aspectos da

    personalidade e do pensamento de Gino Saviotti e, assim, ajudar a responder aos

    objectivos desta dissertao. Por outro lado, podendo tratar-se de dados, at certo ponto

    inditos, para o estudo das origens do Teatro do Salitre, foram sendo referenciados nos

    diversos contextos.

    o caso do contedo e da forma do ltimo captulo da sua Storia della

    letteratura italiana 132, publicada em 1939, ano da vinda de Saviotti para Portugal. De

    facto, as ideias expressas neste ltimo captulo, parecem no deixar margem para

    dvidas sobre as orientaes ideolgicas de Gino Saviotti no incio da segunda guerra

    mundial, na qual a Itlia ter um papel de primeiro plano. No s contradizem, em

    !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!128!L.!Barile,!opus.(cit.!p.!402.!129!Id.!130!A.!Strulato,!opus.(cit.,!p.!10.!131!Waine!Pound,!opus.(cit.!132!Saviotti,!Gino,!Storia(della(letteratura(italiana,!Milano,!Ed.!Est,!1939.!

  • ! 40!

    grande parte, as concluses a que Waine Pound e Aureliana Strulatto sobre ele

    chegaram, j anteriormente expressas, como parecem ser importantes para se

    compreender alguns aspectos da forma como Saviotti via a literatura e a arte.

    O captulo a que se faz aluso tem, como todos os outros captulos do livro, o

    nome do autor de que se falar, e foi esse aspecto, numa obra sobre a literatura italiana,

    que mais chamou ateno. Este ltimo captulo dedicado ao contributo inovador

    dado por Benito Mussolini literatura italiana contempornea. (Como noutros casos em

    que a traduo para portugus foi manifestamente complexa, o sentido geral do excerto

    no original parece claro, pelo que se optou pela transcrio do texto original):

    ...Quel che Crispi ed Oriani sognarano per attuarlo - maturatisi i tempi e

    rinvigorita con la grande guerra vitoriosa lanima del popolo italiano - Benito

    Mussolini. [] Tutto il movimento ideale che abbiamo visto formarsi agli albori del

    Risorgimento133, e via via svilupparsi, dando origine ad opere non propriamente

    letterarie eppure belle per la naturale fusione del sentimento e dellespressione da cui

    reso in modo plastici; quel movimento trova il suo punto di arrivo in lui, sai come uomo

    dazione che come scrittore. Mussolini soprattuto oratore, e come tale ha dado alla

    letteratura italiana contempornea uno stile nuovo, tipicamente novecentesco

    O ltimo encontro entre Saviotti e Ezra Pound deu-se em 1959. Pound foi preso

    em Itlia, em 1945, e