tática black block por jairo costa revista mortal 2010

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08 Fotos: Arquivo Revista MORTAL

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No princípio desta década, durante os protestos antiglobalização que sacudiram o mundo, um tipo ímpar de manifestação literalmente tocava o terror nas ruas das principais cidades do planeta. Eram os chamados Black Blocks, horda de anar-quistas que saíam na porrada contra o capital. O termo Black Block (Schwarzer Block) nasceu na Alemanha Ocidental durante os anos 1980 e foi cunhado pela polícia para identificar grupos de esquerda na época denominados “autônomos, ou autono-mistas” que lutavam contra a repressão policial aos squats (ocupações). Nesse período, uma gama maior de esquerdistas também se manifestavam contra a proli-feração de usinas nucleares em território alemão e em defesa das ações diretas promovidas pela RAF, Facção Exército Vermelho, liderados por Andreas Baader e Ulrike Meinhof. Naquela época o movimento neonazista estava em pleno recrudescimento, promo-vendo manifestações violentas e grandes batalhas campais contra anarquistas e an-tifascistas. Sendo um momento de grande agitação política e principalmente de

enfrentamento, distintos grupos anarquis-tas empregaram uma busca emergencial por novas táticas de combate urbano para serem utilizadas durante os inevitáveis entreveros contra as forças policiais e grupos nazifascistas. Assim, surge a tática do Black Block. Sim, uma tática, uma manobra, pois, diferente do que muitos pensam, o Black Block não é um tipo de organização anarquista, ONG libertária ou coisa parecida, o bloco negro é uma ação de guerrilha urbana. No afã de ocultar suas identidades, os ativistas políticos acabaram por desen-volver um tipo de vestimenta que passou a ser toda preta. Também adotaram o uso de capuz e capacete, óculos escuros, lenços no rosto e/ou máscaras antigás, entre outros truques para a autodefesa.Por princípio, o Black Block tem uma estrutura descentralizada, sem filiação partidária ou hierarquias, e é composto principalmente por ativistas libertários. Os blocos negros tornaram-se um meio de se expressar a ira anticapitalista, através da luta armada nas ruas. Os Black Blocks são geralmente forma-dos durante grandes manifestações de

A TÁTICA DO BLACK BLOCK INICIAMOS AQUI A PUBLICAÇÃO DE ALGUNS APONTAMENTOS ACERCA DE GRUPOS, TÁTICAS E AÇÕES DE ESQUERDA QUE SE DESENVOLVERAM AO LONGO DOS ANOS 2000 E QUE GANHARAM O NOME DE MOVIMENTO ANTIGLOBALIZAÇÃO OU ANTICAPITALISTA

POR JAIRO COSTA

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esquerda e praticam ação direta: destru-ição de bancos, joalherias, lanchonetes norte-americanas, depredação de insti-tuições oficiais e empresas multinacionais, shoppings, câmeras de vigilância etc. Essas ações não têm como objetivo atingir pessoas, mas bens de capital. Um dos ob-jetivos do Black Block sempre foi promover grandes prejuízos financeiros às empresas identificadas com o sistema capitalista. Seus ativistas não hesitam em enfren-tar diretamente as forças policiais que veem como “o braço armado do capital”. Outra característica do Black Block é seu comportamento diante de grandes batalhas urbanas, movimentando-se concentrados, atacando e dispersando. Em outras pala-vras, praticando o famoso bater e correr.A tática do Black Block acabou por con-quistar os corações de milhares de ati-vistas mundo afora, sendo empregada nos mais diversos lugares, como em Chiapas, no México, nas manifestações contra a invasão do Iraque, assim como nas ações contra o G8 (grupo dos 8 países mais ricos do mundo).

AS PRINCIPAIS AÇÕES DIRETAS DOS BLACK BLOCKSEm dezembro de 1980, as autoridades da cidade de Berlim Ocidental decidem pôr fim às ocupações de universidades e squats (ocupados pelos autonomistas). É nesse contexto que os ativistas usaram pela primeira vez a tática do “bloco negro”. Autonomistas vestidos de preto enfrentam a polícia e em alguns casos conseguem repeli-los. Em 1986 é fundada, em Hamburgo, a liga autonomista Black Block 1500 para de-fender o Hafenstrasse Squat. Em junho de 1987, anarquistas vestidos com roupas pretas protestam em Berlim Ocidental, por ocasião da presença de Ronald Reagan, presidente dos EUA, na cidade. Nesta ocasião, Reagan pronuncia o seu famoso discurso diante do Portão de Brandemburgo, pedindo para que o premiê soviético, Mikhail Gorbachev, derrubasse o Muro de Berlim.Em setembro de 1988, em Berlim Ocidental, o Black Block confronta-se com a polícia durante uma manifestação contra a reu-

BLACK BLOCK EM AÇÃO DENTRO DA “ZONA ROSSA”, NAS RUAS DE GÊNOVA, DURANTE A CÚPULA DO G8

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nião do Banco Mundial e o Fundo Mone-tário Internacional (FMI). Em 1991, durante a Guerra do Golfo, black-blockers quebram as janelas do Banco Mundial, em Washington.Em 1992, em São Francisco, na ocasião do 500º aniversário da descoberta da América por Cristóvão Colombo, o Black Block manifesta-se contra o genocídio de povos nativos das Américas. Em Seattle – a famosa manifestação contra a Organização Mundial do Comércio (OMC), ocorrida em 1999, é considerada o marco inicial do movimento antiglobalização e teve presença maciça do Black Block. Em 30 de novembro daquele ano, milhares de pessoas foram às ruas contra a OMC,

no evento que é hoje conhecido como a Batalha de Seattle. Grandes confrontos com as forças policiais locais estenderam-se durante todo o dia, com dura repressão policial, que se utiliza-va de spray de pimenta, gás lacrimogênio, cacetetes, balas de madeira e borracha. Em contrapartida, o Black Block insurgia-se contra a linha policial utilizando bom-bas caseiras, pedras e garrafas, ateando fogo nas lixeiras. Em um vacilo das forças de repressão, uma frente extemamente móvel de blackblockers avançou até a chamada linha vermelha de contenção, que isolava o centro empresarial da cidade, e promoveu a destruição de várias proprie-dades; de limusines e viaturas policiais

FOGO, FOGO, FOGO! CENTENAS DE CARROS E LOJAS SÃO DESTRUÍDOS PELA AÇÃO DIRETA CONTRA O G8

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a lojas da Nike. O bloco negro quebrou praticamente todo o centro comercial da cidade e espalhou pichações com os dizeres “Zona Autônoma Temporária” em muitos muros e fachadas de lojas. Estimativas apontam para dez milhões de dólares em prejuízos, centenas de feridos e 68 prisões. O Black Block foi apontado como um dos principais causadores do protesto. Lojas como McDonald’s, Starbucks e Old Navi também não tiveram o perdão dos anarquistas e algumas chegaram a ser incendiadas. Suspeita-se que aproximava-se de 500 o número de integrantes do Black Block que quebrou Seattle. Em Washington, 16 e 17 de abril de 2000, durante reunião do FMI e Banco Mundial, cerca de mil blackblockers anticapitalistas saíram às ruas e enfrentaram a polícia. Em 2000, vários Black Blocks são forma-dos durante manifestações diante das

convenções dos Partidos Republicanos e Democratas (nos EUA). Os incidentes não são graves. Entre 25 e 26 de setembro de 2000, forma-se um dos maiores Black Blocks que se tem notícia, em Praga, durante a reunião do FMI. Cerca de 3.000 anarquistas lutam contra a polícia tcheca. Os confrontos são muito violentos e a repressão é feroz. Relatos posteriores afir-maram que militantes neonazistas foram “convidados” pela polícia de Praga para dar um corretivo nos esquerdistas. Em abril de 2001, membros do Black Block são acusados de agredir um policial durante uma marcha pela paz nas ruas de Quebec, Canadá. Após esse evento, a população local e vários manifestantes de esquerda distanciaram-se da tática Black Block e de seus métodos extremos. Em junho de 2001, um grande Black Block é formado em Gotemburgo, contra a Cúpula

A COR NEGRA ESTÁ ASSOCIADA AO ANARQUISMO E AO FOLCLORE DA PIRATARIA

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da União Europeia. A rua inteira da cidade foi devastada. A polícia abriu fogo contra a multidão e feriu gravemente um dos ativistas. Em Gênova, de 20 a 22 de julho de 2001, a cidade recebeu a cúpula do G8, e o movimento antiglobalização estava indo de vento em popa. Paralelamente à reunião do G8 ocorria o Fórum Social de Gênova, que debatia os efeitos nocivos da globalização e organizava os protestos contra o grupo dos 8 países mais ricos do mundo, concen-trando informações e recebendo ativistas políticos de todo o mundo. Em contrapartida, a polícia italiana, os chamados carabinieris, cercaram a cidade e encomendaram 200 sacos pretos para cadáveres. A reunião do G8 começou e os protestos também; aproximadamente 200 mil ativistas nas ruas começaram a tentar furar a chamada zona rossa (que isolava a cúpula do G8 dos ativistas). Ao lado dos manifestantes “normais” um outro bloco

surgiu na ação de Gênova, eram os chama-dos Tutti Bianchi, ou macacões brancos (falaremos deles mais aprofundadamente na próxima edição da Revista Mortal), que promoviam ações espetaculares de autodefesa, usando capacetes, escudos e máscaras antigás. Uma grande massa de anarquistas blackblockers estava por lá também, às centenas, porém fragilizados pela boataria que falava de infiltrações policiais entre suas colunas. Os confli-tos ocorreram nos moldes de Seattle, o bloco negro avançou sobre a zona rossa quebrando bancos, lojas, lanchonetes, sedes de multinacionais, imobiliárias, revendedoras de automóveis, postos de gasolina, agências de viagem e placas de propaganda. Nessa manifestação, situações fantásticas acontecem como, por exemplo, uma linha avançada de blackblockers fez com que mais de uma centena de poli-ciais batesse em retirada, abandonando

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FÚRIA CONTRA O CAPITALISMO! JUNHO DE 2010, TORONTO, CANADÁ – BLACKBLOCKERS EM AÇÃO!

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seus veículos blindados pelo caminho. A guerra urbana seguiu seu caminho natural avançando tarde adentro até que, na praça Alimonda, a história do movimento anti-globalização sofreu seu mais duro golpe. Carlo Giuliani, 23 anos, um garoto anar-quista genovês, apontado por muitos como adepto da prática do Black Block, partiu para cima de um carro de polícia tentando atirar nele um extintor de incêndio. Muitos fotógrafos estavam por lá e seus registros falam por si. Ao se aproximar do carro, Giuliani é atingido por dois tiros, um na cabeça. E, numa cena macabra, o carro da polícia dá marcha à ré e atropela-o várias vezes. Na sequência, um pelotão de assalto dos carabinieris entra na praça, marcha sobre o corpo do anarquista, impõe pânico e desce a porrada em todo mundo. Não houve tempo para socorrer Carlo Giuliani, ele morre no local. O balanço final aponta para mais de 800 feridos na Ba-

talha de Gênova. Mais de duzentas senten-ças judiciais condenaram o Estado italiano pela violência durante os protestos contra o G8. O assassino de Carlo Giuliani nunca foi preso, ficou alguns anos afastado da polícia (durante as investigações do caso), porém foi reintegrado aos carabinieris. A Justiça considerou seu ato como legítima defesa. Até hoje o processo de Gênova segue e ativistas de toda a Europa, ligados ao Black Block ainda são procurados pelos atos de depredação do patrimônio durante a cúpula do Grupo do G8.G8 em Evian, em 1, 2 e 3 de junho de 2003. Eventos em Genebra e Lausanne. Muitos negócios fecham por medo de incidentes semelhantes aos de Gênova. No decor-rer do evento de Genebra, um posto de gasolina é destruído pelos participantes de um Black Block. O movimento é fortemente criticado por ativistas pela paz, mas tam-bém por alguns membros do próprio Black

NA MIRA DO CARABINIERE, CARLOS GIULIANI NÃO SABE QUE AQUELE É SEU ÚLTIMO SEGUNDO DE VIDA

FÚRIA CONTRA O CAPITALISMO! JUNHO DE 2010, TORONTO, CANADÁ – BLACKBLOCKERS EM AÇÃO!

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Block, que acreditam que certos tipos de destruição são contraprodutivos, jogando a população contra os anarquistas. Reunião do G8 em Heiligendamm (Ale-manha), com início em junho de 2007. Um Black Block de cerca de 5.000 pessoas é formado em uma grande manifestação con-tra o G8 e dá origem a confrontos violentos com a polícia (muitas lesões em ambos os lados). Cúpula da OTAN em Estrasburgo (3 e 4 de abril de 2009): um Black Block forma-se durante manifestações contra a OTAN. O antigo posto alfandegário na fronteira entre a Alemanha e a França é queimado completamente. Blackblockers queimam também postos de gasolina, fábricas e abrigos de ônibus.Toronto, Canadá, 25, 26 e 27 de junho de 2010. A última grande ação do Black Block ocorreu durante a reunião do G20 (grupo dos 20 países mais industrializados). Como

de praxe, o Black Block ocupou o centro financeiro de Toronto e trucidou suas lojas. Destaque para um grande número de viaturas policiais depredadas e incen-diadas. Outro detalhe sensacional desta ação foi a declaração da polícia de que vários blackblockers conseguiram avançar a linha de contenção vermelha (que isolava os manifestantes do local onde ocorriam os debates do G20) infiltrando-se através da rede de esgotos do centro de Toronto. Isso fez com que as autoridades soldas-sem várias tampas de bueiros. Mais de 500 manifestantes foram presos e dezenas de outros ativistas foram parar em hospitais com inúmeras fraturas.Não se tem notícias do uso das táticas Black Block no Brasil, e isso é lastimável.Vai para um protesto? Vista-se de preto e cubra a sua cara!

FOTO RARA DE UM DOS PRIMEIROS BLACK BLOCKS OCORRIDOS NA ALEMANHÃ DURANTE OS ANOS 1980

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