recensão crítica - outsiders - studies in the sociology of deviance (howard s. becker)

30
FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO LICENCIATURA EM SOCIOLOGIA 1º ANO 2009/2010 RECENSÃO CRÍTICA: OUTSIDERS STUDIES IN THE SOCIOLOGY OF DEVIANCE (H. BECKER) Autor: Gonçalo Marques Pereira Soares Barbosa, 090713036 Docente: Paula Guerra Unidade curricular: Teorias Sociológicas II Porto, 5 de Julho de 2010

Upload: goncalo-marques

Post on 29-Jun-2015

2.610 views

Category:

Documents


7 download

DESCRIPTION

Um exercício de análise a alguns capítulos da obra «Outsiders» de H. S. Becker, tendo em conta uma abordagem crítica à sua sociologia do desvio.

TRANSCRIPT

Page 1: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO

LICENCIATURA EM SOCIOLOGIA – 1º ANO

2009/2010

RECENSÃO CRÍTICA:

OUTSIDERS – STUDIES IN THE SOCIOLOGY OF DEVIANCE

(H. BECKER)

Autor:

Gonçalo Marques Pereira Soares Barbosa, 090713036

Docente: Paula Guerra

Unidade curricular: Teorias Sociológicas II

Porto, 5 de Julho de 2010

Page 2: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

1

Sumário

Contextualização ....................................................................................................................2

Síntese da obra .......................................................................................................................3

Crítica contextual ...................................................................................................................7

Referências bibliográficas ..................................................................................................... 10

Anexo I .................................................................................. Erro! Marcador não definido.

Page 3: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

2

Contextualização

Realizada no âmbito da unidade curricular de Teorias Sociológicas II do 1º ano da

licenciatura em Sociologia da Universidade do Porto, esta recensão crítica tem como

objectivo a síntese e crítica de uma obra de um autor das escolas de pensamento abordadas

nesta unidade curricular.

Esta recensão será composta por duas partes. Primeiramente, efectua-se uma síntese à

obra escolhida, com o apoio a uma ficha de leitura da mesma. Posteriormente, e com recurso a

uma segunda obra, neste caso não necessariamente de um autor estudado na unidade

curricular, procura-se efectuar uma crítica contextual, criando-se um confronto de opiniões

que permita salientar os pontos fortes e fracos da primeira obra.

Pela relevância do interaccionismo simbólico para a sociologia americana, Outsiders

de Howard Saul Becker apresenta-se como uma das opções para esta recensão. Publicada no

ano de 1963, esta monografia é basilar no currículo deste sociólogo e encontra-se organizada

em dez capítulos. Em resultado da sua extensão e pelas implicações metodológicas da

avaliação desta recensão crítica, apenas poderão ser analisados três desses capítulos: 1 –

Outsiders; 3 – Becoming a marihuana user e 4 – Marihuana use and social control. A sua

síntese corresponderá ao primeiro eixo central desta recensão. Esta obra teve como centro

uma argumentação que demonstrasse que o desvio social é um fenómeno comum, e ao

mesmo tempo rejeitar as visões patológicas de desvio.

Howard Saul Becker nasceu a 18 de Abril de 1928, em Chicago, no estado de Illinois.

Estudou na Universidade de Chicago, onde obteve o bacharelato (1946), o mestrado (1949) e

o doutoramento (1951) em sociologia. Para a sua tese, Becker estudou os professores de

Chicago, debruçando-se sobre os problemas sociais dessa época, nomeadamente das

interacções simbólicas que envolviam questões de raça ou estatuto social.

Grande aficionado pela música Jazz, Becker encontrou no seu professor de piano uma

primeira motivação para a sociologia. Através do contacto com as carreiras de músicos

dançarinos profissionais e das pesquisas a partir daí efectuadas, resulta o livro Outsiders

(1963), objecto de análise desta recensão crítica.

Becker deu aulas nos departamentos de Sociologia de várias universidades dos EUA,

incluindo a de Washington ou a da Califórnia. A par disso, desenvolveu pesquisa, escrita e

ensino em campos da sociologia como a sociologia da arte ou dos métodos qualitativos.

Page 4: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

3

Obras como Boys in White: Student Culture in Medical School (1961); Art Worlds

(1982) ou Writing for Social Scientists (2007) são alguns dos destaques deste sociólogo.

A segunda obra, usada para a crítica contextual, denomina-se O poder simbólico, de

Pierre Bourdieu. Serão analisados em particular dois capítulos: I – Sobre o poder simbólico e

VI – Espaço social e génese das «classes». Esta obra é a primeira de um conjunto de ensaios

em que se privilegia a reflexão sobre o ofício do sociólogo e exploram-se conceitos como

espaço social, habitus e campo.

Síntese da obra

Após a leitura dos capítulos da obra, e após a realização da sua ficha de leitura, que se

encontra no anexo I, procede-se agora à sua síntese.

Becker inicia o primeiro capítulo com a apresentação da sua definição de desvio:

«Quando uma regra é quebrada, a pessoa que supostamente a quebrou poderá ser vista como

um tipo especial de pessoa, na qual não se pode confiar para viver sob as regras acordadas

dentro de um grupo. Essa pessoa é designada como outsider.» (Becker, 1973, p. 1)1. O autor

refere ainda que pode existir um segundo tipo de desvio, que ocorre quando o próprio

desviante considera que a pessoa que criou a regra é que é desviante, pois criou uma regra

injusta.

Posteriormente, explora as várias concepções já existentes de desvio, e apresenta

alguns argumentos que expliquem o porquê de estarem erradas ou mais distantes da realidade

do que a que é apresentada pelo próprio. Deste modo, rejeita o desvio estatístico, o desvio

patológico, o desvio como fonte de desequilíbrio numa sociedade e o desvio como

incapacidade de seguir as regras de um determinado grupo, tal como é explicado no quadro 1.

O sociólogo indica que o seu centro analítico não será as características pessoais e

sociais dos desviantes, mas antes o processo pelo qual um indivíduo se torna desviante.

Becker argumenta que o desvio é variável, isto é, pode ser sentido com intensidades

diferentes, e para isso está dependente do tipo de pessoa que comete o desvio e pelo tipo de

1 «When a rule is enforced, the person who is supposed to have broken it may be seen as a special kind of

person, one who cannot be trusted to live by the rules agreed on by the group. He is regarded as an outsider»

(Becker, 1973, p. 1)

Page 5: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

4

pessoa que é prejudicada com esse desvio. Para além disso, o autor refere que varia também

com o tempo.

Quadro 1

Concepções de desvio rejeitadas por Becker

Concepções de desvio rejeitado Argumentação do autor para o rejeitar

Desvio estatístico Demasiado simplista e trivial, pois limita-se à dimensão

estatística. É desvio aquilo que foge à média.

Desvio patológico

O desvio é encarado como uma doença, contudo os conceitos de

saúde e doença são subjectivos e variam de sociedade para

sociedade.

Desvio como fonte de desequilíbrio

numa sociedade Visão funcionalista e que ignora a dimensão política do desvio.

Desvio como incapacidade de seguir

as regras

A diversidade de grupos nas sociedades contemporâneas faz com

que o simples facto de seguirmos as regras de um grupo, faça

com que passemos a ser vistos como desviantes nos restantes.

Para este sociólogo, o desvio surge pela existência de uma pluralidade de grupos, cada

qual com o seu conjunto de regras e normas, levando a que seja não só provável como

constante a existência de comportamentos desviantes.

O autor conclui o primeiro capítulo com uma referência a quem cria essas regras: é

quem detém o poder legal ou extra-legal que tem a capacidade de coagir os outros indivíduos

a seguir as regras que cria. Esse poder varia de acordo com características como género, etnia

ou idade. Becker exemplifica que normalmente são os pais a criarem as regras que os filhos

devem seguir.

Nos capítulos seguintes, Becker analisa um comportamento desviante, o consumo de

marijuana. O autor aplica a sua visão de desvio e apresenta a carreira de um utilizador de

marijuana. O capítulo 3 inicia-se com uma interrogação: o autor questiona qual será o motivo

para alguns indivíduos terem esse consumo. As explicações já existentes para este

comportamento apontam para causas psicológicas, como uma necessidade de fantasia ou de

fugir de problemas psicológicos que o indivíduo não consegue enfrentar.

O sociólogo considera que não há uma motivação desviante que leve a um

comportamento desviante, mas antes o inverso: para um comportamento desviante gera-se

Page 6: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

5

uma motivação desviante. Becker tenta perceber quais as mudanças de comportamento que

ocorrem num individuo que levem ao consumo da marijuana por prazer. Ou seja, o sociólogo

desde logo assume um destaque para o consumo por prazer ou recriacional, enfatizando a

dimensão não compulsiva desse consumo.

O autor opta por seguir o método de indução analítica, que «[…] requer que todos os

casos recolhidos na pesquisa confirmem a hipótese. Se é encontrado um caso que não a

confirme, o investigador deve mudar a sua hipótese de forma a incluir o caso que provou a

sua ideia original como errada»2 (Becker, 1973, p. 45). Para a criação da sua hipótese, Becker

entrevistou 50 consumidores de marijuana.

Nessas entrevistas o foco recaiu sobre a história de experiências dos indivíduos com a

marijuana, tentando percepcionar quais foram as grandes mudanças e quais as razões dessas

mudanças. Como resultado, o autor identifica um conjunto de passos que, se forem todos

seguidos, deixam um indivíduo com disponibilidade e vontade de usar a marijuana por prazer,

caso surja uma oportunidade para tal. No quadro 2 estão presentes os três passos identificados

pelo autor, bem como uma breve descrição dos mesmos.

Quadro 2

Passos que um indivíduo deve seguir para ser possível o consumo de marijuana

Passo Descrição

Aprender

a técnica

Se o indivíduo não conseguir aprender a técnica, não conseguirá captar a concepção de

droga como prazer. A mudança de concepção da marijuana ocorre com maior probabilidade

quando o indivíduo participa num grupo em que essa droga seja usada.

Percepção

dos efeitos

O utilizador deve ser capaz de conscientemente identificar os sintomas, e a sua ligação ao

facto de ter consumido droga. O utilizador não continua se achar que a droga não causa

qualquer efeito. O processo de aprendizagem de identificação dos sintomas passa em

grande parte pela interacção com outros consumidores.

Aprender

a gostar

dos efeitos

O gosto pela marijuana é socialmente adquirido, como qualquer outro gosto. Se este gosto

não for adquirido, a marijuana é vista como algo de desagradável e a evitar-se.

Frequentemente esta redefinição ocorre mediante uma interacção com utilizadores mais

experientes que possam ensinar ao novato a ter prazer com aquela experiência.

2 «The method requires that every case collected in the research substantiate the hypothesis. If one case is

encountered which does not substantiate it, the researcher is required to change the hypothesis to fit the case

which has proven his original idea wrong» (Becker, 1973, p. 45).

Page 7: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

6

Em todas as 50 entrevistas realizadas, quem não cumprisse um dos passos, não

continuava a usar a marijuana. De acordo com Becker, se os três passos forem completados, o

indivíduo estará com vontade e disponibilidade para consumir marijuana por prazer.

No quarto capítulo, o autor tenta mostrar que para além de se cumprirem aqueles

passos, os indivíduos ainda têm de ultrapassar outros aspectos para se tornarem consumidores

de marijuana, nomeadamente superar as forças de controlo social. O controlo social sobre os

indivíduos é feito através da aplicação de sanções para comportamentos negativos e

recompensas para comportamentos positivos. Importa perceber que acontecimentos tornam as

sanções ineficazes e que experiências alteram a concepção desse comportamento ao ponto de

um indivíduo o considerar uma possibilidade.

Becker divide a carreira de um consumidor de marijuana em três estágios:

principiante, utilizador ocasional e utilizador regular. Por seu turno, identifica três tipos de

controlo social possíveis, que são identificados e desenvolvidos no quadro 3.

Quadro 3

Tipos de controlo social ao consumo de marijuana

Tipo Descrição

Limitações no

fornecimento e

acesso à marijuana

O facto de a sua posse ser ilegal limita a distribuição a fontes subterrâneas, que não

são de fácil acesso ao indivíduo comum. Estando dentro de um grupo com acesso à

marijuana, é uma questão de tempo até que o novato tenha uma oportunidade de

experimentar a marijuana. Este contacto leva a que se inicie o segundo estágio da

carreira de consumidor de marijuana, o utilizador ocasional.

Manter o consumo

em segredo de não

consumidores

Os utilizadores em regra tentam manter em segredo o consumo da marijuana, pois

acreditam que, caso um não utilizador descubra, os poderá sancionar. Este tipo de

controlo falha quando se ganha a percepção de que os não utilizadores nunca vão

descobrir caso o utilizador seja cuidadoso. O limite de uso da marijuana é

proporcional ao grau de receio ou medo que o indivíduo tem em ser apanhado.

Definição do acto

como imoral

O indivíduo que tiver em consideração o estereótipo criado para os consumidores

de marijuana constrói um obstáculo ao uso dessa droga. Apenas se esse estereótipo

for neutralizado é que será possível a manutenção do consumo de marijuana. O

contacto com um grupo de utilizadores, bem como a observação do comportamento

desses utilizadores, poderá levar ao indivíduo a rejeitar a noção tradicional do

consumidor de marijuana.

Page 8: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

7

Crítica contextual

Esta obra revelou-se inovadora na forma como a sociologia encara o tema do desvio.

Becker propõe-se logo no início a rejeitar todas as noções de desvio já existentes ao

apresentar uma nova que tem em conta a diversidade de grupos e de regras existentes nas

sociedades. A sua importância para a sociologia do desvio é fundamental.

Outsiders é uma obra intemporal, na medida em que aborda um tema que já existia

desde o surgimento das sociedades humanas, e que se acentua na sociedade contemporânea, o

tema do desvio. Efectivamente, desde que surge uma pluralidade de sociedades com os seus

respectivos grupos e normas específicas, que surge de mão dada o conceito de comportamento

desviante. Logo, é uma obra que mantém a sua utilidade na actualidade, e que certamente

continuará a ser relevante no futuro.

O estilo da escrita é caracterizado por uma linguagem acessível e por uma grande

frequência de exemplificações dos raciocínios efectuados por Becker, o que proporcionam

uma obra com uma grande facilidade de leitura. As partes que foram objecto da ficha de

leitura apresentaram uma estruturação e organização lógica dos conteúdos, com objectivos

bem definidos para cada capítulo.

O recurso ao método da indução analítica porém, não permite uma certeza absoluta de

que a hipótese proposta por Becker seja correcta. Pois se é certo que nas 50 entrevistas

efectuadas a hipótese é confirmada, nada garante que não haverão situações em que esta

situação não se verifique.

Uma das falhas nesta obra surge quando se ignora a variável das características

pessoais e sociais dos desviantes, em detrimento de uma focalização no processo pelo qual

um indivíduo se torna desviante. Becker assume aí uma postura excessivamente

determinística, pois pressupõe que as pessoas que cumpram os passos enumerados no capítulo

3 e que superem os controlos sociais mencionados no capítulo 4, irão comportar-se da mesma

forma e consumir a droga e cometer o comportamento desviante. Por outro lado, e como o

próprio Becker afirma, o desvio é variável na sua intensidade, estando dependente da pessoa

que o comete. Contudo, falha em identificar em que circunstâncias um desvio é cometido com

maior ou menor intensidade. Ainda que tenha consciência de que são vividos de forma

diferente, Becker não distingue o desvio de acordo com características como idade, género,

etnia, actividade profissional ou história de vida.

Page 9: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

8

Nesse sentido, Bourdieu apresenta o conceito de classe, que pode ser útil para

preencher essa lacuna, isto é, «[…] conjuntos de agentes que ocupam posições semelhantes, e

que, colocados em condições semelhantes e sujeitos a condicionamentos semelhantes, têm,

com toda a probabilidade, atitudes e interesses semelhantes, logo, práticas e tomas de posição

semelhantes» (Bourdieu, 1989, p. 136). Este conceito, aplicado ao de desvio, permitiria uma

compreensão do desvio por classe, isto é, perceber as diferenças dos indivíduos na forma de

actuar perante o desvio, no grau de resistência perante o desvio e na variabilidade da

intensidade com que cometem o desvio, dependendo da classe que ocupem. Será que um

adolescente proveniente de uma minoria étnica e com uma família instável irá reagir da

mesma forma à marijuana que um adulto de classe média, empresário e pai de três crianças?

Ainda que seja difícil criar um conjunto de classes que abarquem as inúmeras variáveis

possíveis, seria útil e benéfico para o conceito de desvio uma maior percepção das suas

diferenças, por exemplo, de acordo com a classe social de cada indivíduo e que evitaria assim

generalizações abusivas.

Ou seja, a criação de uma tipologia de classes de desvio permitiria, novamente usando

a terminologia de Bourdieu, localizar os indivíduos no espaço social, isto é, num espaço de

várias dimensões «[…] construído na base de princípios de diferenciação ou de distribuição

[…]» (Bourdieu, 1989, p. 133). Desta forma, «Os agentes e grupos de agentes são assim

definidos pelas suas posições relativas neste espaço» (Bourdieu, 1989, o. 134).

Por outro lado, um dos pontos fortes da obra de Becker é pôr em causa as perspectivas

psicologistas sobre o consumo da marijuana, contribuindo para a percepção de que este acto

não constitui um comportamento isolado e independente das outras pessoas, ou que é

exclusivamente associado a problemas mentais ou traumas psicológicos, mas antes o

resultado do contacto com outras pessoas que o consomem e da forte interacção com essas

pessoas, que permite uma reconfiguração do conceito da droga não como algo prejudicial mas

como uma fonte de prazer.

A importância dada à interacção com outros consumidores, bastante visível nos

inúmeros excertos de entrevistas que o sociólogo apresentou ao longo dos capítulos 3 e 4, é

compreensível mediante a inserção do autor na corrente do interaccionismo simbólico, que vê

na interacção o processo pelo qual a capacidade de pensar é desenvolvida e expressa. De

acordo com esta corrente, no processo de interacção ocorre a socialização, que pode alterar a

concepção individual do eu. Efectivamente, é com a socialização num grupo de consumidores

Page 10: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

9

de marijuana que o indivíduo altera a sua postura perante essa droga, passando de alguém que

reprova o seu consumo, para alguém que o aceita e o efectua.

Outro aspecto relevante na obra, em particular no capítulo 3 e também típico do

interaccionismo simbólico é a interacção como aprendizagem de significados e de símbolos.

É com a interacção que o consumo da droga ganha significado, ficando associado a

determinados efeitos, que devem ser percepcionados por quem consome a droga; por outro

lado, os utilizadores aprendem a usar objectos sociais necessários para o consumo da

marijuana, nomeadamente artefactos ou a linguagem – frequentemente é ao ouvir os outros

dizerem como se sentem após o consumo da droga que os novatos conseguem aprender a

percepcionar os efeitos da marijuana.

Page 11: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

10

Referências bibliográficas

Monografias:

BECKER, Howard S. (1973) – Outsiders, Studies in the sociology of deviance. New York:

The Free Press. ISBN 0-684-83635-1

BOURDIEU, Pierre (1989) – O poder simbólico. Rio de Janeiro: Difusão Editorial. ISBN

972-29-0014-5

Páginas Online:

ACADEMIC DICTIONARIES AND ENCYCLOPEDIAS - Howard S. Becker [Em linha].

[Consult. 14 Jun. 2010]. Disponível em: http://en.academic.ru/dic.nsf/enwiki/760061

BECKER, Howard S. – Howies Home Page [Em linha]. [Consult. 14 Jun. 2010]. Disponível

em: http://home.earthlink.net/~hsbecker/

Page 12: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

11

Anexo I – Ficha de leitura

BECKER, Howard S. (1973) – Outsiders, Studies in the sociology of deviance. New York:

The Free Press. ISBN 0-684-83635-1. p. 1-18; 41-78.

Resumo: No primeiro capítulo desta obra, Becker apresenta o seu conceito de outsider e de

desvio, fazendo de igual modo uma análise crítica às concepções já existentes de desvio. Nos

capítulos 3 e 4, o autor procede a uma aplicação empírica do conceito de desvio,

nomeadamente nos consumidores de marijuana. Numa primeira fase, lista quais os passos

que um indivíduo terá de percorrer até se encontrar disponível e com vontade de consumir

marijuana caso surja uma oportunidade: aprender a técnica; percepção dos efeitos e

aprender a gostar dos efeitos da marijuana. Numa segunda fase, Becker enuncia os três

mecanismos de controlo social a partir dos quais os indivíduos poderão ser constrangidos ou

limitados ao consumo desta droga: disponibilidade da marijuana; manutenção do segredo

desse consumo e ainda a alteração da sua moral para possibilitar o consumo da droga.

Conceitos-chave: Outsider, rules, deviance, becoming a deviant, career, steps to become a

deviant, social control, kinds of social control, morality.

Page 13: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

12

Pag. Análise Texto Conceitos

Ideias-chave

1

2

3

Chapter 1: Outsiders

Becker inicia o primeiro capítulo apresentando a

sua definição de outsider: é uma pessoa que

quebrou uma regra, o que leva que seja vista de

forma diferente e que não possa ser confiada

para viver de acordo com as regras de um grupo.

Há também um segundo sentido de outsider, na

medida em que o quebrador da regra pode

considerar que quem o julga é que é outsider por

ter criado uma regra injusta.

É necessário ter em conta que há vários tipos de

regras, que podem ou não estar inscritas

formalmente na lei. De igual modo, há diferentes

forças para uma regra, seja a tradição, a lei ou o

consenso geral; da mesma forma, há diferentes

maneiras de cumprir uma regra, dependendo da

função que um indivíduo tem no grupo. Nem

todas as regras têm uma força coercitiva

O grau de outside pode variar conforme a

situação, da mesma forma que pode variar o

grau de aceitação da acusação de desvio.

A ciência tem procurado explicações para o

fenómeno do desvio. O senso comum e as

teorias científicas interiorizaram que o desvio é

algo de inerente à pessoa que o pratica. Isto é,

existem certas características no indivíduo que

são a causa para desvio ocorrer.

«When a rule is enforced,

the person who is

supposed to have broken

it may be seen as a special

kind of person, one who

cannot be trusted to live

by the rules agreed on by

the group.»

«What laymen want to

know about deviants is:

why do they do it? How

can we account for their

rule-breaking? What is

there about them that

leads them to do

Outsider

Page 14: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

13

4

5

7

Esse posicionamento, na perspectiva de Becker,

é um erro pois ignora a variável carácter. Para

ultrapassa-lo, a solução passa por construir uma

definição de desvio. O autor analisa as quatro

definições existentes de desvio, analisando a

pertinência de cada uma.

A definição mais simples é a exclusivamente

estatística, que define o desvio como aquilo que

foge à média. Contudo, revela-se demasiado

simplista e trivial.

Uma segunda concepção de desvio vê-o como

algo de patológico, uma doença. Contudo, é

impossível haver um consenso sobre o que é

estar doente, dada a grande variabilidade desse

conceito de cultura para cultura ou até de pessoa

para pessoa.

O desvio como algo que provoca desequilíbrio

numa sociedade corresponde à terceira

concepção de desvio, e que teve como base o

conceito de desorganização social. Contudo,

apresenta-se como uma visão funcionalista e que

ignora a dimensão política.

forbidden things?

Scientific research has

tried to find answers to

these questions».

«For people do not agree

on what constitutes

healthy behavior. It is

difficult to find a

definition to find a

definition that will satisfy

even such a select and

limited group as

psychiatrists […]»

Quatro

concepções de

desvio

Desvio

estatístico

Desvio

patológico

Desvio como

fonte de

desequilíbrios

numa

sociedade

Page 15: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

14

8

9

10

Uma última visão surge como a mais relativista,

bem como a mais próxima da visão apontada por

Becker no início do capítulo: o desvio é visto

como uma incapacidade de seguir as regras do

grupo. Contudo, falha na identificação de que

comportamentos são medidos e julgados como

desviantes.

Ao partir da suposição que quem quebra uma

regra e comete um acto desviante é uma

categoria homogénea, comete-se o erro de

ignorar o facto central sobre o desvio: é criado

na sociedade, no sentido de serem os grupos

sociais de uma sociedade que criam as regras,

cuja infracção constitui um desvio.

Becker conclui então que o grupo de desviantes

não é um grupo com características homogéneas.

A única coisa que este grupo tem em comum é o

facto de partilharem o rótulo de outsider.

Becker refere que o foco da sua análise será o

processo pelo qual os indivíduos se tornam

desviantes e as reacções desse julgamento, e não

tanto nas características pessoais e sociais dos

«A society has many

groups, each with its own

set of rules, and people

belong to many groups

simultaneously. A person

may break the rules of

one group by the very act

of abiding by the rules of

another group. Is he, then,

deviant?»

«From this point of view,

deviance is not a quality

of the act the person

commits, but rather a

consequence of the

application by others of

rules and sanctions to an

“offender.”»

Desvio como

incapacidade

de seguir

regras de um

grupo

Desvio é

criado na

sociedade

Foco analítico

recai sobre o

processo pelo

qual um

indivíduo se

torna

Page 16: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

15

11

12

13

14

desviantes.

Becker refere o contributo de Malinowski, que

permitiu chegar-se à conclusão de que um acto

ser desviante está dependente de como as

pessoas reagem a ele.

De seguida, o sociólogo identifica de que forma

o grau de reacção a um desvio pode variar. Por

um lado, pode diferir com o passar do tempo.

Por outro lado, está dependente de quem comete

o desvio e por quem considera ter sido

prejudicado por esse desvio.

Se for considerado como objecto de estudo os

comportamentos considerados como desviantes,

deve-se também ter em conta que um acto

apenas será categorizado como desviante apenas

se houver uma resposta da outra parte. Isto é, o

desvio não é uma característica inerente ao

comportamento em si, mas que resulta da

interacção entre a pessoa que comete o desvio e

a pessoa que reage a ele.

«Boys from middle-class

areas do not get as far in

the legal process when

they are apprehended as

do boys from slum areas.»

«In short, whether a given

act is deviant or not

depends in part on the

nature of the act (that is,

whether or not it violates

some rule) and in part on

what other people do

about it».

desviante

Reacção ao

desvio é

variável

Page 17: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

16

15

16

17

As regras sociais estão na base da criação dos

vários grupos sociais. As sociedades modernas

são caracterizadas por uma diversidade de

organizações e de grupos. Ora, ao irmos de

acordo com as regras de um grupo, poderemos

estar a ir contra as de outro grupo.

Poderá ocorrer portanto, que algumas pessoas

considerem estar a ser julgadas de acordo com

regras cuja criação não tiveram participação.

Becker enuncia em que situações as pessoas

tentam forçar uma regra nas pessoas que não a

cumprem: quando uma pessoa de um

determinado grupo não cumpre uma regra do seu

próprio grupo; quando membros de um grupo

acreditam ser para o seu maior benefício que

pessoas de outros grupos sigam determinadas

regras.

Becker de seguida questiona-se sobre quem tem

poder para forçar os outros a aceitarem as regras,

concluindo que é uma questão de poder político

e económico. As regras são feitas de umas

pessoas para as outras.

«Insofar as the rules of

various groups conflict

and contradict one

another, there will be

disagreement about the

kind of behavior that is

proper in any given

situation».

«Here it is enough to note

that people are in fact

always forcing their rules

on others, applying them

more or less against the

will and without the

consent of those others».

Desvio

derivado da

pluralidade de

grupos e

regras

Regras são

criadas de

umas pessoas

para as outras

Page 18: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

17

41

42

43

As diferenças na capacidade de criar regras estão

essencialmente no diferencial de poder legal ou

extra-legal de cada indivíduo, de acordo com

características como a idade, o género, a etnia ou

a classe social.

Chapter 3: Becoming a Marihuana User

A pergunta de abertura para este capítulo é

porque é que eles o fazem? Porque é que

algumas pessoas consomem marijuana?

Algumas tentativas de explicar esse uso

baseiam-se na premissa errada de que algum

traço nesses indivíduos é a motivação para estes

se envolverem nesse comportamento.

Na perspectiva de Becker, em vez de haver uma

motivação desviante que leva a um

comportamento desviante, é antes o inverso:

para um comportamento desviante gera-se uma

motivação desviante.

Este capítulo e o seguinte têm como objectivo

apresentar a carreira de um utilizador de

marijuana.

O que se tenta perceber é o conjunto de

mudanças de atitude que leva ao consumo de

marijuana por prazer.

«In the case of marihuana

use, this trait is usually

identified as

psychological, as a need

for fantasy and escape

from psychological

problems the individual

cannot face».

«What we are trying to

understand here is the

sequence of changes in

attitude and experience

Qual o motivo

do consumo

de marijuana?

Quais as

mudanças de

atitude?

Page 19: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

18

44

45

46

O destaque será dado ao consumo por prazer ou

recriacional, enfatizando a dimensão casual e

não compulsiva desse consumo.

A pesquisa realizada por Becker tem ainda o

intuito de realçar a dispensabilidade das

explicações psicológicas deste acto.

O método escolhido foi o da indução analítica.

Para criar a sua hipótese, Becker realizou 50

entrevistas a consumidores de marijuana.

Nessas entrevistas o foco recaiu sobre a história

de experiências dos indivíduos com a marijuana,

tentando percepcionar quais foram as grandes

mudanças e quais as razões dessas mudanças.

Como resultado, o autor identifica um conjunto

de passos que, se forem todos seguidos, deixam

um indivíduo com disponibilidade e vontade de

usar a marijuana por prazer, caso surja uma

oportunidade para tal.

which lead to the use of

marihuana for pleasure».

«The method requires that

every case collected in the

research substantiate the

hypothesis. If one case is

encountered which does

not substantiate it, the

researcher is required to

change the hypothesis to

fit the case which has

proven his original idea

wrong».

«The steps outlined

below, if he undergoes

them all and maintains the

attitudes developed in

them, leave him willing

and able to use drug for

Destaque ao

consumo

casual

Método:

indução

analítica

Passos a

seguir para

haver se estar

disponível e

com vontade

de usar a

Page 20: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

19

47

48

O primeiro passo corresponde ao aprender da

técnica. O novato normalmente não fica sob o

efeito da marijuana da primeira vez que

experimenta, só o conseguindo após várias

tentativas, algo que deriva deste ainda não saber

fumar de forma correcta.

Se o indivíduo não conseguir aprender a técnica,

não conseguirá captar a concepção de droga

como prazer.

Esta mudança de concepção ocorre com mais

probabilidade quando um indivíduo participa

num grupo em que a marijuana seja usada, pois

pode aprender com esse grupo a maneira

correcta de fumar a marijuana.

Muitos novos utilizadores têm vergonha de

admitir que não sabem como fumar e aprendem

por outras vias, como a observação e imitação.

Verificou-se em todas as entrevistas que quem

não cumpria esse passo, não continuava a usar a

marijuana.

O segundo passo corresponde à aprendizagem

da percepção dos efeitos da marijuana no

pleasure when the

opportunity presents

itself.

«Without the use of some

such technique the drug

will produce no effects,

and the user will be

unable to get high».

«[…] he must learn to use

the proper smoking

technique so that his use

of the drug will produce

effects in terms of which

his conception of it can

change».

marijuana

1º passo:

aprender a

técnica

1º passo é

corroborado

2º passo:

percepção dos

Page 21: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

20

49

50

51

próprio indivíduo.

O utilizador deve ser capaz de conscientemente

identificar os sintomas, e a sua ligação ao facto

de ter consumido droga. O utilizador não

continua se achar que a droga não causa

qualquer efeito.

O novato contudo, enfrenta algumas

dificuldades iniciais em identificar os efeitos, e

acaba por pedir auxilio a um utilizador mais

experiente, que identifica detalhes específicos

que o novato ainda não tinha percepcionado

como efeitos da droga.

Uma vez mais, o processo de aprendizagem

pode ocorrer por vias mais indirectas como a

observação dos efeitos que os outros identificam

enquanto estão sob o efeito da marijuana.

Becker realça o importante papel da interacção

com outros utilizadores para se conseguir

concluir este passo.

«It suggests that being

high consists of two

elements: the presence of

symptoms caused by

marihuana use and the

recognition of these

symptoms and their

connection by the user

with his use of the drug».

«It is only when the

novice becomes able to

get high in this sense that

he will continue to use

marihuana for pleasure. In

every case in which use

efeitos

Page 22: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

21

52

53

54

Verificou-se em todas as entrevistas que quem

não cumpria esse passo, não continuava a usar a

marijuana.

Quanto maior for a experiência, maior será a

capacidade do utilizador de percepcionar os

efeitos que a droga lhe causa.

Se essa capacidade se perder, o uso de marijuana

pára.

O terceiro e último passo corresponde a

aprender-se a gostar dos efeitos da marijuana.

O gosto pela marijuana é socialmente adquirido,

como qualquer outro gosto.

Se este gosto não for adquirido, a marijuana é

vista como algo de desagradável e a evitar-se.

Numa das entrevistas citadas por Becker, é

graças à interacção com os amigos que o novo

utilizador ganha o prazer pelos efeitos da droga,

tornando-se posteriormente um consumidor

continued, the user had

acquired the necessary

concepts with which to

express to himself the fact

that he was experiencing

new sensations caused by

the drug».

«Marihuana-produced

sensations are not

automatically or

necessarily pleasurable».

«Given these typically

frightening and

unpleasant first

experiences, the beginner

will not continue use

unless he learns to

redefine the sensations as

pleasurable».

2º passo é

corroborado

3º passo:

aprender a

gostar dos

efeitos

Page 23: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

22

55

56

58

regular.

Ou seja, esta redefinição ocorre mediante uma

interacção com utilizadores mais experientes que

possam ensinar ao novato a ter prazer daquela

experiência.

Perante um episódio desagradável ou de algum

modo assustador, um utilizador poderá repensar

a sua concepção do consumo da marijuana. Essa

possibilidade está dependente e é variável

conforme o grau de participação que esse

utilizador tem com outros utilizadores. Se a

participação for intensiva, o utilizador consegue

manter a concepção da droga como agradável;

caso não seja intensiva, poderá perder essa

concepção.

Verificou-se em todas as entrevistas que quem

não cumpria esse passo, não continuava a usar a

marijuana.

Se estes três passos forem completados, o

indivíduo está com vontade e disponibilidade

para consumir a marijuana por prazer.

«They may reassure him

as to the temporary

character of the

unpleasant sensations and

minimize their

seriousness, as the same

time calling attention to

the more enjoyable

aspects».

3º passo é

corroborado

Page 24: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

23

59

60

61

Chapter 4: Marihuana Use and Social

Control

Uma outra condição é obrigatória para que uma

pessoa consiga desenvolver um padrão estável

de uso de droga: o utilizador tem também de

lutar contra as forças de controlo social.

O controlo social sobre os indivíduos é feito

através da aplicação de sanções para

comportamentos negativos e recompensas para

comportamentos positivos.

Importa perceber que acontecimentos tornam as

sanções ineficazes e que experiências alteram a

concepção desse comportamento ao ponto de um

indivíduo o considerar uma possibilidade.

A carreira de um consumidor de marijuana pode

ser dividida em três estágios, cada qual a

representar um corte diferente com os

mecanismos de controlo social: principiante,

utilizador ocasional e utilizador regular.

Há três tipos de controlo social que serão

analisados ao longo deste capítulo de forma mais

pormenorizada: limitação do fornecimento e

acesso à droga; manter o consumo em segredo

dos não consumidores; definição do acto como

imoral.

«[…] what is the

sequence of events and

experiences by which a

person comes to be able

to carry on the use of

marihuana, in spite of the

elaborate social controls

functioning to prevent

such behavior».

Três estágios

de consumo

Três tipos de

controlo social

Page 25: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

24

62

63

64

65

A primeira forma de controlo corresponde então

ao fornecimento da marijuana.

O facto de a sua posse ser ilegal limita a

distribuição a fontes subterrâneas, que não são

de fácil acesso ao indivíduo comum.

Estando dentro de um grupo com acesso à

marijuana, é uma questão de tempo até que o

novato tenha uma oportunidade de experimentar

a marijuana.

O acesso a esse consumo permite que se parta

para o segundo nível de consumo, o de

consumidor irregular.

Se um indivíduo não está em contacto com

pessoas que tenha fornecimentos, este deixa de

consumir.

É necessário então que surja uma oportunidade

para estabelecer contacto com um fornecedor.

Contudo, alguns indivíduos que conseguem esse

contacto podem ainda assim não o usar, pois são

compelidos pelo risco de detenção.

Após uma experiência de sucesso, o consumidor

redefine a sua estimativa de perigo existente

pelo consumo.

«[…] he must begin

participation in some

group through which

these sources of supply

become available».

«If an occasional user

begins to move on toward

a more regularized and

systematic mode of use,

he can do it only by

finding a more stable

source of supply than

more-or-less chance

encounters with other

users […]».

1º tipo:

fornecimento

Page 26: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

25

66

67

Aqueles que conseguem estabelecer uma

conexão, pode ocorrer que esta seja quebrada

pela detenção ou desaparecimento do

fornecedor. A instabilidade do fornecimento é

uma forma de controlo social sobre o consumo

regular.

Variações na participação de um grupo levam a

variações no acesso à marijuana.

A segunda forma de controlo social corresponde

ao segredo.

Os utilizadores em regra tentam manter em

segredo o consumo da marijuana, pois acreditam

que, caso um não utilizador descubra, os poderá

sancionar.

Há uma expectativa de que se o segredo for

revelado, as relações pessoais desse indivíduo

que consome serão perturbadas.

Este tipo de controlo falha quando se ganha a

percepção de que os não utilizadores nunca vão

descobrir caso o utilizador seja cuidadoso.

«[…] changes in group

participation and

membership lead to

changes in level of use by

affecting the individual’s

access to marihuana under

present conditions in

which the drug is

available only through

illicit sources».

«[…] most marihuana

users are secret deviants».

«Further participation in

marihuana use allows the

novice to draw the further

conclusion that the act can

be safe no matter how

often indulged in, as long

as one is careful and

2º tipo:

segredo

Page 27: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

26

68

69

70

O utilizador deverá confinar o uso da marijuana

a locais onde o encontro do mundo dos

consumidores e dos não consumidores não seja

provável.

O uso regular não possibilita um planeamento

mais detalhado para evitar o encontro entre esses

dois mundos. A solução passa ou por uma

mudança de atitude que permita o consumo da

marijuana debaixo dos narizes dos não

utilizadores, ou por um total afastamento de

contacto social com não utilizadores.

Um consumidor regular tem em grande

consideração os efeitos no uso da droga caso se

envolva com um não utilizador. Caso seja feito

esse envolvimento, o uso tenderá a reduzir-se a

um nível ocasional.

Caso um consumidor se mude totalmente para

um grupo de utilizadores, este tipo de problemas

deixam de existir.

Face a um uso regular, será quase inevitável uma

situação em que um utilizador se encontrará sob

o efeito da marijuana enquanto esteja na

companhia de não utilizadores.

makes sure that nonusers

are not present or likely to

intrude».

«[…] it is possible for

regular use to occur

except when some new

connection with the more

conventional world is

made».

«[…] difficulty in

focusing one’s attention

and in carrying on normal

Page 28: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

27

71

72

73

74

A solução para esta situação é aprender a

controlar os efeitos da droga aquando da

companhia de não utilizadores, para que estes

possam ser enganados.

Quando um indivíduo consegue, com sucesso,

ultrapassar várias situações deste tipo, ganha a

percepção de que conseguirá manter o desvio em

segredo, desde que mantenha a precaução

necessária.

O limite de uso da marijuana é proporcional ao

grau de receio ou medo que o indivíduo tem em

ser apanhado.

O último tipo de controlo social corresponde à

moral.

O indivíduo que tiver em consideração o

estereótipo criado para os consumidores de

marijuana constrói um obstáculo ao uso dessa

droga. Apenas se esse estereótipo for

neutralizado é que será possível a manutenção

do consumo de marijuana.

O contacto com um grupo de utilizadores, bem

como a observação do comportamento desses

conversation create a fear

that everyone will know

exactly why one is

behaving this way».

«He will not begin,

maintain, or increase his

use of marihuana unless

he can neutralize his

sensitivity to the

stereotype by accepting

an alternative view of the

practice».

3º tipo:

moral

Page 29: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

28

75

76

77

utilizadores, poderá levar ao indivíduo a rejeitar

a noção tradicional do consumidor de marijuana,

sendo frequentemente o impulso necessário para

que haja pelo menos uma primeira tentativa de

uso.

Um dos entrevistados argumenta que o uso da

marijuana é menos prejudicial do que outras

práticas feitas pelas pessoas convencionais,

como o consumo de álcool.

Para que um consumidor seja ocasional, é

necessária uma reorganização da sua moral para

que este rejeite as morais convencionais sobre

essa droga. Caso o uso progrida para um nível

regular, poderá ter de ocorrer uma nova

reorganização da sua moral.

Perante o receio da dificuldade em deixar essa

droga, os utilizadores da marijuana poderão

realizar testes e ficar sem consumir durante

algum tempo. Se nada acontecer, os utilizadores

concluem que não há motivo para ter receios.

Há outros utilizadores contudo, que vêem o seu

próprio consumo como problemático e

indicativo de uma falha na sua saúde mental.

Esta linha de pensamento irá naturalmente

prejudicar o consumo regular futuro desses

indivíduos

«Tests are made – use is

given up and the

consequences awaited –

and when nothing

untoward occurs, the user

is able to draw the

conclusion that there is

nothing to fear».

Page 30: Recensão crítica - Outsiders - Studies in the Sociology of Deviance (Howard S. Becker)

Teorias Sociológicas II – Recensão crítica

Outsiders – Howard Becker

29

78

Conclui-se então que é com a experiência com a

droga na companhia de outros utilizadores que o

indivíduo consegue desmontar as concepções

morais da sociedade, criando antes uma

concepção que permita o livre uso da marijuana.