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O impacto emocional após o diagnóstico de uma neoplasia maligna, pode interferir na evolução da doença.
Association between emotional dysfunction and evolution of a malignancy.
Palavras-chave: Neoplasia maligna, Diagnóstico, Ansiedade, Medo, Depressão.Key words: malignant neoplasm, Diagnosis, Anxiety, Fear, Depression.
Flávia Hosana de Macedo CuocoDiego Pretel
Célia Tosello de Oliveira
Afiliação: Disciplina de Oncologia,
Departamento de Clínica Médica, Faculdade
de Medicina de Jundiaí.
Endereço para Correspondência: Flávia
Hosana de Macedo Cuoco. Rua Congo 480, apt
403 bloco 3. Jardim Bonfiglioli - Sp CEP-
13207-340 . Email: [email protected].
RESUMO
Introdução: O câncer é um problema de
saúde pública em todo o mundo e no Brasil é a
segunda causa de morte. A alta morbidade do
câncer, associada ao estigma social da doença
que a relaciona como diagnóstico de morte,
sofrimento e ausência de cura, faz com que a
notícia do diagnóstico provoque um grande
impacto emocional. Objetivo: O objetivo do
estudo é observar o impacto psicológico que a
informação do diagnóstico pode causar na
evolução do tratamento e, possivelmente, no
prognóstico de pacientes oncológicos.
Métodos: As entrevistas foram realizadas no
local de tratamento, hospital público com
serviço de quimioterapia terceirizado. Estas
foram estruturadas por um questionário
sociodemográfico, 14 perguntas de âmbito
geral, e pela Escala hospitalar de ansiedade e
depressão (HADS). Resultados: Nos 160
pacientes analisados, a prevalência global de
ansiedade foi de 16,9% e de depressão 20 %.
Quanto à evolução da doença: 46,3%
apresentaram remissão completa, 34,4%
remissão parcial, 10,6% apresentaram
progressão da doença e 8,8% evoluíram para
óbito. Dos pacientes que receberam a notícia do
diagnóstico de maneira fria e objetiva, 31,1 %
apresentaram depressão. Discussão: Nosso
estudo revelou o quão determinante pode ser o
momento do diagnóstico para o paciente, visto
que a maior prevalência de pacientes
depressivos se deu na população de pacientes
que recebeu a notícia do diagnóstico de maneira
fria e objetiva. Conclusões: Concluimos que o
estado emocional não influencia no prognóstico
da doença, mas podemos associar um maior
número de alterações emocionais durante o
tratamento, quando a informação da doença
por parte do médico ocorreu de forma pouco
humanizada.
ABSTRACT
Introduction: Cancer is a public health
problem throughout the world an in Brazil is the
second cause of death. The high morbidity of
cancer associated with the social stigma of the
disease that relates to the diagnosis of death,
suffering and no cure, causes the news of the
Perspectivas Médicas, 29(2): 20-29, jan/abr 2018. DOI: 10.6006/perspectmed.02012017.6569152310
ARTIGO ORIGINAL
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diagnosis causes a great emotional impact.
Objective: The objective of the study is to
observe the psychological impact that
diagnostic information can have on the course
of treatment and possibly prognosis of cancer
patients. Methods: Interviews were conducted
at the treatment site, public hospital with
chemotherapy outsourced service. These were
s t r u c t u re d b y a s o c i o d e m o g r a p h i c
questionnaire, 14 questions of general scope,
and the hospital anxiety and depression scale
(HADS). Results: In the 160 patients analyzed,
the global prevalence of anxiety was 16.9% and
20% depression. As for the evolution of the
disease: 46.3% had complete remission, partial
remiss ion 34.4%, 10.6% had disease
progression and 8.8% died. Of the patients who
received the news of the diagnosis of cold and
objective manner, 31.1% had depression. Of the
patients interviewed would prefer to ignore the
actual diagnosis, 39.1% had anxiety and 47.8%
depression. Considering the results of the
depression scale (HADS-D) and tumor staging,
it was found to the following distribution of
depressed patients: 26.7% locally advanced
tumors; 22.9% initial or lymphoma tumors; 8%
of patients in metastatic situation. Conclusions:
We conclude that the emotional state does not
influence the prognosis of the disease, but we
can associate a greater number of emotional
changes during the treatment, when the
information of the disease by the doctor
occurred in a little humanized way.
INTRODUÇÃO
O câncer é considerado um problema de
saúde pública em todo o mundo.A Organização
Mundial da Saúde (OMS) estimou que, no ano
2030, poderemos diagnosticar até 27 milhões de
novos casos de câncer, 17 milhões de mortes por
câncer e 75 milhões de pessoas vivas,
anualmente, com o diagnóstico de câncer. O
maior efeito desse aumento deverá incidir em
países de baixa e média rendas. O câncer é a
segunda causa de morte no mundo, e em 2015
foi responsável por 8,8 milhões de mortes.
Quase uma de cada 6 mortes no mundo é devido
a uma neoplasia maligna.¹ Dados do ministério
da saúde indicam que também no Brasil é a
segunda causa de morte. As estimativas do
Instituto Nacional de Câncer (INCA), para o
ano de 2016, apontam a ocorrência de
aproximadamente 596 mil novos casos. ²
No estado de São Paulo, no período de
2000-2015 foram registrados mais de 627 mil
casos, sendo os tumores de mama, colorretal e
colo do útero os mais prevalentes no sexo
feminino, e os tumores de próstata, colorretal,
boca e orofaringe,no sexo masculino. ³ O
presente estudo foi realizado no município de
Jundiaí, onde, de acordo com a Fundação
Oncocentro de São Paulo (FOSP), no período
de 2000-2015, foram diagnosticados 4.499 4novos casos de câncer. Segundo o IBGE, as
doenças neoplásicas representaram a segunda 5causa de morbidade hospitalar no município.
A alta morbidade do câncer, associada ao
estigma social da doença, faz com que o
conhecimento do diagnóstico pelo paciente,
provoque um grande impacto emocional no
mesmo. Apesar de todos os avanços
tecnológicos e uma maior informação da
população a respeito da doença, esta ainda é
associada à possibilidade de sofrimento físico, 6emocional e morte. Alguns pacientes
principalmente os mais jovens,do sexo
masculino, solteiros, que passaram por
procedimento cirúrgico apresentam fatores de
risco para cometer suicídio, especialmente no 7primeiro ano após o diagnóstico. As
prevalências de depressão e de risco de suicídio
em pacientes com câncer aconselham o uso de
instrumentos simples de rastreamento e a
inclusão, na anamnese, de perguntas mais 8 específicas sobre essas condições clínicas, uma
vez que a depressão é mais comum em pacientes
com câncer quando comparado a população em
O impacto emocional após o diagnóstico de uma neoplasia maligna, pode interferir na evolução da doença - Flávia Hosana de Macedo Cuoco e cols.
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geral, podendo apresentar uma frequência até 9,1011,12três vezes maior de distúrbios do humor. .
Tende a ser maior em pacientes jovens com tal 13diagnóstico e mulheres, e relaciona-se
principalmente a fatores como: dor; progressão
da doença; grau de dependência e maior 11,12deficiência. Outros estudos demonstram altas
taxas de depressão em pacientes com doença em
estágio terminal (58%) e em pacientes com
câncer de pâncreas (38%), que apresenta alta 1 3 , 1 4mortalidade. No que diz respeito à
prevalência de depressão em pacientes que
ainda não sabem o tipo de câncer acometido, 15,16esta varia entre 13% e 16%.
Partindo das premissas acima, realizamos
um estudo a fim de analisar se realmente o
impacto do conhecimento do diagnóstico de
câncer no paciente poderia interferir na
evolução de sua doença. Para tal, tentamos
identificar quaisquer desvios comportamentais
durante o desenrolar de sua doença e de seu
tratamento. Nossa hipótese inicial seria de que
provavelmente as alterações emocionais
deveriam ocorrer nos pacientes oncológicos,
pois alguns artigos da literatura já haviam
demonstrado tal correlação, incluindo dados de .17,18,19piora do prognóstico da doença
OBJETIVO
O principal objetivo do estudo foi observar
o impacto psicológico causado pela informação
do diagnóstico na evolução do tratamento e,
possivelmente, no prognóstico de pacientes
oncológicos. Nossa hipótese era de que
pacientes com alterações comportamentais,
principalmente quadros depressivos e ou de
ansiedade, desencadeados pela notícia do
diagnóstico e no período de tratamento,
poderiam apresentar um pior prognóstico
decorrente de seu estado emocional.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo prospectivo, onde a
escolha dos entrevistados foi feita de forma
aleatória, respeitando os critérios de inclusão
como: pacientes que se dispuseram a participar
da pesquisa, maiores de 18 anos, com
diagnóstico de neoplasia maligna, que já
tinham o conhecimento de seu diagnóstico, e
que estavam em tratamento ou já haviam
realizado tratamento na instituição. O
recrutamento ocorreu no local de atendimento
dos pacientes,em um hospital público, com
serviço de quimioterapia terceirizado. Para
obtenção de uma amostra representativa, foram
considerados os seguintes determinantes:
percentual de falta de adesão ao tratamento 30oncológico de 48% , diferença absoluta
(margem de erro) pré-fixada em 8% e
probabilidade do erro tipo I de 5%, resultando
em 150 participantes.
Pacientes com prontuários faltantes,
impedindo o seguimento, foram excluídos e
substituídos. As entrevistas foram realizadas
sempre por um mesmo entrevistador, no caso,
pelo investigador principal envolvido na
pesquisa. As questões eram formuladas
diretamente ao paciente, permitindo que tivesse
tempo suficiente para pensar e então responder
sem a interferência do entrevistador.
U t i l i z a m o s u m q u e s t i o n á r i o
sociodemográfico, que continha 14 perguntas
de âmbito geral e que abrangiam informações
para que pudéssemos detectar qualquer
alteração comportamental desde o momento do
conhecimento do diagnóstico do câncer.
Algumas questões foram incluídas a fim de
facil i tar a nossa percepção quanto a
possibilidade de avaliar se alterações
emocionais foram associadas ao diagnóstico da
d o e n ç a . I n c l u í m o s n o q u e s t i o n á r i o ,
informações tais como: o estado emocional do
paciente antes e após o conhecimento da
doença; o tempo do conhecimento do
diagnóstico; a forma como recebeu a notícia do
diagnóstico; se recebeu ou não apoio de
22O impacto emocional após o diagnóstico de uma neoplasia maligna, pode interferir na evolução da doença - Flávia Hosana de Macedo Cuoco e cols.
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familiares e amigos. A fim de avaliar o estado
emocional do paciente, utilizamos a Escala
hospitalar de ansiedade e depressão (HADS).
Essa escala possui 14 itens, dos quais sete são
voltados para a avaliação da ansiedade 20(HADS-A) e sete para a depressão (HADS-D).
As entrevistas foram realizadas em um período
de 5 meses,nos pacientes em vigência de
tratamento, sendo que tais pacientes foram
entrevistados uma única vez. Após um intervalo
mínimo de 5 meses, fizemos busca nos
prontuários dos pacientes anteriormente
entrevistados e colhemos informações
relevantes sobre as características do tumor e
sobre a evolução clinica desses pacientes.
� As principais variáveis dependentes
analisadas foram: evolução da doença,
pontuação da HADS-A (escore de ansiedade) e
HADS-D (escore de depressão). A evolução da
doença foi agrupada em: doença em progressão
ou evolução para óbito; remissão parcial e
remissão completa do tumor. Para a avaliação
da freqüência da ansiedade e da depressão
foram adotados os pontos de cortes, < 9(sem
ansiedade ou depressão), ≥ 9 (com ansiedade ou
depressão) recomendados para ambas as
subescalas (HADS-A e HADS-D), apontados no 20 estudo de validação do questionário. Como
variáveis independentes foram analisadas:
idade (< 50, 50 |- 60, 60 |- 70, ≥ 70); sexo
(feminino e masculino); religião (católico e
outras); estado civil (com companheiro e sem
companheiro); ocupação (com ocupação, sem
ocupação, aposentado ou afastado), tempo que
soube diagnóstico (0-6, 7-12, > 12 meses); se
gostariam de ter a informação de seu
diagnóstico (sim ou não); tempo de tratamento
(0-6, 7-12, > 12 meses); comportamento após
conhecimento de seu diagnóstico (muito
desanimado, triste e preocupado, normal);
como se sentiria se realizasse o tratamento sem
conhecer seu diagnóstico (perdido ou sentiria
melhor); como recebeu a notícia do diagnóstico
(de maneira objetiva ou cautelosa); se estava
acompanhado no momento do diagnóstico (sim
ou não); o tipo de câncer (mama, colorretal,
tubo digestivo alto, sistema reprodutor
feminino, outros); estadiamento do tumor
(inicial ou linfoma, localmente avançado,
metastático). Quando associadas com a
evolução, a pontuação HADS-A e HADS-, foi
analisada como variável independente.
Quanto à análise estatística, inicialmente
foi realizada um análise unidimensional, para
descrição das características da amostra. Em
seguida realizou-se análise bidimensional das
variáveis dependentes segundo variáveis
s o c i o d e m o g r á f i c a s , e m o c i o n a i s e
características do tratamento. Em seguida foi
feita análise bidimensional da evolução
segundo HADS-A e HADS-D. O teste utilizado
nessas análises foi o qui-quadrado específico
para cada dimensão da tabela. O nível de
significância foi pré estabelecido em 5% e
programa utilizado para analise foi SPSS-v.
13.0.Todos os participantes assinaram o TCLE
e e s t a v a m d e n t ro d o s c r i t é r i o s p r é
estabelecidos. O tempo para realização do
questionário foi variável, respeitando as
necessidades de cada paciente. A priori, a
evolução do paciente seria analisada em uma
nova entrevista, no entanto dada dificuldade em
contatar os pacientes, decidimos avaliar a
evolução, pelo prontuário.
RESULTADOS
Quanto à distribuição segundo o sítio do
tumor, o câncer de mama foi o tumor de maior
incidência na população estudada, acometendo
36,3% da população. Analisando a evolução da
doença, 46,3% apresentou remissão completa;
34,4%remissão parcial; 10,6% progressão da
doença e 8,8% evoluíram para óbito. A
prevalência global de ansiedade foi de 16,9% e
de depressão 20%. A tabela 1 resume as
principais características da amostra.
23O impacto emocional após o diagnóstico de uma neoplasia maligna, pode interferir na evolução da doença - Flávia Hosana de Macedo Cuoco e cols.
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Ao observar o impacto psicológico causado
pela informação do diagnóstico na evolução da
doença, percebemos que entre os pacientes com
alteração emocional, houve uma maior
proporção de pacientes com remissão completa
(56,3% dos depressivos e 55,6 % dos ansiosos),
porém sem significância estatística(Tabela 2).
A correlação do resultado da escala de
ansiedade e depressão com o sentimento e
atitude do paciente após o conhecimento do
diagnóstico - 69,2% dos pacientes que
apresentaram certo grau de desanimo, sem
vontade de enfrentar o tratamento- revelaram
um quadro de ansiedade e ou depressão no
momento do teste. Enquanto que, mais de 80%
dos pacientes que aceitaram melhor a doença,
não se mostraram ansiosos ou depressivos.
Tanto a escala HADS-A quanto HADS-D,
apresentaram correlação relevante quando
analisadas em conjunto com as respostas do
questionamento sobre como seria se estivessem
em um tratamento desconhecendo seu
diagnóstico. Dos pacientes entrevistados que
prefeririam desconhecer o diagnóstico real,
39,1 % apresentaram ansiedade e 47,8%
depressão. Por outro lado, mais de 84% dos
p a c i e n t e s q u e a f i r m a r a m s e s e n t i r
desorientados caso não soubessem o
diagnóstico, não apresentaram alterações
comportamentais. Correlacionando a maneira
como o paciente recebeu a notícia do
diagnóstico, e os resultados HADS-D, pudemos
observar que 31,1 % dos pacientes que
receberam a notícia de maneira objetiva
apresentaram depressão, enquanto 84,3% que
receberam a notícia com mais cautela não
apresen taram pre ju í zos emoc iona i s .
Considerando os resultados HADS-D e o
estadiamento do tumor, encontrou- se a seguinte
24O impacto emocional após o diagnóstico de uma neoplasia maligna, pode interferir na evolução da doença - Flávia Hosana de Macedo Cuoco e cols.
Tabela 1- Características da amostra estudada.
Tabela 2 - Distribuição absoluta e percentual da evolução da doença segundo escore de ansiedade e depressão.
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distribuição de pacientes depressivos: 26,7%
tumores localmente avançados; 22,9% tumores
25O impacto emocional após o diagnóstico de uma neoplasia maligna, pode interferir na evolução da doença - Flávia Hosana de Macedo Cuoco e cols.
iniciais ou linfoma; 8% dos pacientes em
situação de metástase (Tabela 3).
Tabela 3 - Distribuição absoluta e percentual de escore de ansiedade e depressão segundo diversas
variáveis
As variáveis idade, sexo, tempo de
tratamento, tipo de câncer e estadiamento
apresentaram significância estatística quando
associadas com a evolução da doença (Tabela
4).
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DISCUSSÃO
Este estudo teve como objetivo inicial
conhecer o paciente como um todo e tentar
perceber seus aspectos emocionais, suas
vontades, medos e avaliar o impacto
psicológico que o diagnóstico poderia causar
na evolução do tratamento e, possivelmente, no
prognóstico. Um ponto forte da metodologia foi
a utilização da escala HADS, de acordo com
muitos artigos é considerado um método rápido
e efetivo para determinar o estado emocional,
uma vez que não inclui questões que contenham
sintomas somáticos, com o intuito de diminuir a 21,22 ocorrência de casos falso-positivos . Outro
ponto forte do método foi a realização da
entrevista sem um tempo pré determinado, foi
realizada de acordo com a necessidade e
vontade do paciente, dando a oportunidade de
conhecer melhor a sua visão sobre a doença.
Possivelmente pelo pequeno tamanho da
amostra, algumas variáveis não apresentaram
26O impacto emocional após o diagnóstico de uma neoplasia maligna, pode interferir na evolução da doença - Flávia Hosana de Macedo Cuoco e cols.
Tabela 4. Distribuição absoluta e percentual da evolução da doença segundo diversas variáveis
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significância estatística quando associadas,
sendo o principal aspecto negativo do estudo,
além da aplicação do questionário em apenas
um momento do tratamento. A aplicação da
HADS em dois diferentes momentos do
tratamento, talvez indicasse melhor as
modi f i cações nas d iversas var iáve i s
analisadas. Observações que devem ser
consideradas em pesquisas futuras, pela alta
prevalência de alterações comportamentais em
pacientes oncológicos, pois é essencial que se
investigue de forma mais detalhada este
assunto.A prevalência encontrada de pacientes
ansiosos e depressivos foi concordante com a
literatura, divergindo apenas pela proporção
de pacientes depressivos (20%) ter sido maior
que a de pacientes ansiosos (16,9%),visto que,
geralmente a proporção de pacientes ansiosos 8,23,24mostra-se maior que a de depressivos . A
comparação com diferentes estudos sobre
ansiedade e depressão em pacientes portadores
de câncer é dificultada pelos diferentes grupos
analisados. Estudos que focaram em um único
tipo de tumor revelam diferentes prevalências
de pacientes depressivos, variando com a
localização do tumor. Por exemplo, a depressão
acomete cerca de 50% dos pacientes com tumor
de pâncreas, e aproximadamente 25% dos 25pacientes com câncer de mama .
Nosso estudo revelou o quão determinante
pode ser o momento do diagnóstico para o
paciente, visto que pouco mais do dobro de
pacientes depressivos se deu na população que
recebeu a notícia de maneira objetiva. De
acordo com a literatura, o momento da
comunicação do diagnóstico é de extrema
importância, pois marca o início de uma série
de mudanças negativas na vida do paciente,
repletas de ansiedade, incertezas, angústia e
medo. 26O médico precisa gerenciar essa
s i tuação, levando em conta aspectos
psicossociais do paciente, desenvolvendo
habilidades relacionais e comunicacionais. No
entanto, o modelo biomédico adotado nas
universidades acaba negligenciando a
importância da qualidade da comunicação com
o paciente. De acordo com o estudo “A relação
assimétrica médico-paciente”, em 91,4% das
consultas médicas, os profissionais médicos
não exploram os medos e a ansiedade dos 27pacientes .
Após a angustiante etapa da revelação do
diagnóstico, os pacientes costumam apresentar
respostas emocionais como: ansiedade, raiva
ou depressão. Esse momento é de extrema
importância e é fundamental se preocupar e
observar qual a influência desta informação
para o paciente, pois poderá determinar a
m a n e i r a c o m o a c e i t a r á o u n ã o s e u 6,26,28tratamento . Concordando com a literatura,
em nossa amostra mais de 69% dos pacientes,
que apresentaram certo grau de desanimo e
demonstraram desinteresse em enfrentar o
tratamento, logo após conhecerem seu
diagnóstico, revelaram alterações emocionais
no momento do tes te . Dos pacientes
entrevistados que prefeririam desconhecer o
diagnóstico real, 39,1 % apresentaram
ansiedade e 47,8% depressão. Evidenciando a
importância do momento da informação do
diagnóstico, que muitas vezes irá determinar a
maneira que o paciente irá encarar e aceitar a
doença e a consequente influencia que
apresentará no estado emocional do paciente
durante o tratamento. A c o r r e l a ç ã o e n t r e H A D S - D e
estadiamento, revelou uma maior prevalência
de pacientes depressivos com tumores
localmente avançados, e não em pacientes com
metástase (casos de pior prognóstico) como
imaginávamos. Contrariando a hipótese do
trabalho, e a literatura que considera a
depressão um significante preditor de
mortalidade em pacientes com câncer, se
estimou uma taxa de mortalidade 25% maior
em pacientes depressivos, podendo alcançar
taxas de até 39% em pacientes com depressão
maior. Não se sabe ao certo a causa dessa
relação, mas alguns estudos apontam para o
estado de estresse do paciente, alterando sua
função imunológica favorecendo o crescimento
O impacto emocional após o diagnóstico de uma neoplasia maligna, pode interferir na evolução da doença - Flávia Hosana de Macedo Cuoco e cols.
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do tumor. Além do comprometimento físico, a
depressão promove alterações emocionais no
paciente, que culminam na diminuição do auto
cuidado, diminuindo a adesão ao tratamento,
piorando o prognóstico. De acordo com o
estudo que analisou a não adesão ao
t r a t a m e n t o , v e r i f i c o u - s e q u e 5 , 8 %
apresentavam depressão moderada ou grave,
justificando assim uma piora do prognóstico 29,30
desses pacientes .
CONCLUSÕES
A forma que o paciente recebe a notícia do
seu diagnóstico apresenta intima relação com
seu estado emocional, e pode determinar a
maneira que o paciente irá encarar sua doença,
na aceitação e realização do tratamento.
Contrariamente ao que pensávamos, em nossa
amostra, percebemos uma maior prevalência de
pacientes depressivos, que apresentavam
tumores localmente avançados e em pacientes
que evoluíram para remissão completa do
tumor, ou seja , pacientes com um melhor
prognóstico apresentaram maior numero de
alterações emocionais que pacientes com pior
prognóstico. Concluimos que o estado
emocional não influencia no prognóstico da
doença, mas podemos associar um maior
numero de alterações emocionais durante o
tratamento, quando a informação da doença
por parte do medico ocorreu de forma pouco
humanizada.
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