pelas revistas veja e carta capital sobre as denúncias ... · midiático e de suas ferramentas...

14
90 Escândalo ou notícia: os discursos construídos pelas revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias contra o PT e o Governo Lula Scandal or news: the speeches constructed by magazines View and Charter Capital on the accusations against the PT and Lula Government TAÍS RIOS SALOMÃO DE SOUZA Rádio e TV, mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo – Umesp. E-mail: [email protected] Resumo O Brasil assistiu a mais um escândalo político envolvendo representantes do povo, poder e dinheiro. E, mais uma vez, a mídia posicionou-se favorável a um ou outro lado. De certa forma, a mídia foi, novamente, co-responsável pela construção do bandido e do mocinho, utilizando-se de seu poder midiático e de suas ferramentas comunicacionais para exercer esse papel, merecedora de discussão quanto ao seu valor ético e moral. Por esses preceitos, justifica-se o estudo desse artigo, que analisa o papel exercido por duas impor tantes revistas brasileiras, uma de caráter massivo, populista, e a outra definida como forte formadora de opinião, lida pela elite e por um grupo de pessoas que definem ou redefinem os caminhos da nação, muitas vezes dos bastidores. Trata-se de um olhar crítico ao serviço que os dois recortes midiáticos têm realizado ante a missão majoritária da imprensa: a de informar. Palavras-chave: Jornalismo, mídia, discurso, imprensa, escândalo político, comunicação. DENIS PORTO RENÓ Jornalista, mestre e doutorando em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo – Umesp. E-mail: [email protected] Introdução Entender a mídia é algo fundamental para a sobrevivência da soberania de uma nação. Seu poder é forte, tanto que acabou sendo considerada por muitos como o quarto poder, competindo contra os formais e oficiais poderes executivo, legislativo e judiciário. Mas o quarto poder lança mão de ferramentas nessa briga, pois trabalha com o inconsciente coletivo, com técnicas de comunicação imperceptíveis a olho nu e sem uma análise profunda por parte da grande massa. Por outro lado, a imprensa exerce um papel fundamental no processo democrático de qualquer nação. Ela é quem dá voz ao povo, fazendo com que a grande massa possa lutar pelos seus ideais, ou então, mantém-o calado, passivo aos acontecimentos. É na imprensa que verdades podem ser informadas e mentiras podem ser reveladas. A imprensa possui uma missão que é lutar pelo povo e com o povo, uma luta sempre pela verdade, o que estudamos neste artigo com pretensões de elucidar a situação referente ao recorte escolhido. Acontece que cada veículo possui a sua verdade, ideal e ajustada Escândalo ou notícia: Os discursos construídos pela revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias contra o PT e o Governo Lula Denis Porto Renó e Taís Rios Salomão de Souza

Upload: lekhanh

Post on 26-Jan-2019

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: pelas revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias ... · midiático e de suas ferramentas comunicacionais para exercer esse papel, merecedora de discussão quanto ao seu valor

90

Escândalo ou notícia: os discursos construídospelas revistas Veja e Car ta Capital sobre as

denúncias contra o PT e o Governo Lula

Scandal or news: the speeches constructed by magazinesView and Char ter Capital on the accusations against the PT

and Lula Government

TAÍS RIOS SALOMÃO DE SOUZARádio e TV, mestre em Comunicação Social pelaUniversidade Metodista de São Paulo – Umesp.

E-mail: [email protected]

Resumo

O Brasil assistiu a mais um escândalo político envolvendo representantes do povo, poder e dinheiro.E, mais uma vez, a mídia posicionou-se favorável a um ou outro lado. De certa forma, a mídia foi,novamente, co-responsável pela construção do bandido e do mocinho, utilizando-se de seu podermidiático e de suas ferramentas comunicacionais para exercer esse papel, merecedora de discussãoquanto ao seu valor ético e moral. Por esses preceitos, justifica-se o estudo desse artigo, que analisao papel exercido por duas importantes revistas brasileiras, uma de caráter massivo, populista, e aoutra definida como forte formadora de opinião, lida pela elite e por um grupo de pessoas quedefinem ou redefinem os caminhos da nação, muitas vezes dos bastidores. Trata-se de um olharcrítico ao serviço que os dois recortes midiáticos têm realizado ante a missão majoritária daimprensa: a de informar.Palavras-chave: Jornalismo, mídia, discurso, imprensa, escândalo político, comunicação.

DENIS PORTO RENÓJornalista, mestre e doutorando em Comunicação Social pela

Universidade Metodista de São Paulo – Umesp.E-mail: [email protected]

I n t rodução

Entender a mídia é algofundamental para a sobrevivência dasoberania de uma nação. Seu poderé forte, tanto que acabou sendoconsiderada por muitos como oquarto poder, competindo contra osformais e oficiais poderes executivo,legislativo e judiciário. Mas o quartopoder lança mão de ferramentasnessa briga, pois trabalha com oinconsciente coletivo, com técnicasde comunicação imperceptíveis aolho nu e sem uma análise profundapor parte da grande massa.

Por outro lado, a imprensa

exerce um papel fundamental noprocesso democrático de qualquernação. Ela é quem dá voz ao povo,fazendo com que a grande massapossa lutar pelos seus ideais, ouentão, mantém-o calado, passivo aosacontecimentos. É na imprensa queverdades podem ser informadas ementiras podem ser reveladas. Aimprensa possui uma missão que élutar pelo povo e com o povo, umaluta sempre pela verdade, o queestudamos neste artigo compretensões de elucidar a situaçãoreferente ao recorte escolhido.

Acontece que cada veículopossui a sua verdade, ideal e ajustada

Escândalo ou notícia: Os discursos construídos pela revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias contra oPT e o Governo LulaDenis Porto Renó e Taís Rios Salomão de Souza

Page 2: pelas revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias ... · midiático e de suas ferramentas comunicacionais para exercer esse papel, merecedora de discussão quanto ao seu valor

91

aos seus conceitos mais íntimos epessoais. Desse retrato, surgem asmanipulações midiáticas que levama população a acreditar em algo, atomar decisões ou partir paraatitudes inertes ou ágeis que atendemaos interesses de alguns, de umapequena parcela, àqueles quequerem continuar segurando umainvisível rédea condutora, controla-dora e manipuladora. Os indivíduos,como é discutido por Thompson(2002), preferem buscar infor-mações e conteúdo simbólico cadavez mais em outras fontes do quenas pessoas com quem interagemdiretamente no dia-a-dia.

O Brasil viveu, desde odescobrimento, diversos escândalos,dos mais variados tipos. A naçãobrasileira pôde assistir a escândalosque envolveram desde comporta-mentos anti-higiênicos de D. João VIa amantes de D. Pedro I. O paísassistiu desde a Tríplice Aliança aoposicionamento de Getúlio Vargasdurante a Segunda Guerra Mundial.O cenário brasileiro foi palco para omovimento militar legalista que pôsJoão Goulart no poder e ao golpe de64, quando os mesmos generaistiraram-no do poder.

Em 1989, depois de terem ficadodistantes da democracia por 25 anos,os brasileiros elegeram umpresidente pelo voto direto, por seupróprio desejo. Não deu certo. Amídia, a mesma que colocou-o nopedestal, modificou o discurso,construindo um escândalo midiáticosobre a plataforma política que omesmo exercia. Histórias foramcontadas, denúncias valorizadas,lembranças recuperadas, até que apopulação tomou partido: a grandemaioria pediu o impeachment.

Agora, quase dez anos depois,quando o povo elegeu de formalegítima o seu quarto presidente apósos anos de chumbo, surge um novoescândalo político, envolvendo

favorecimentos, financiamentos decampanha fora da determinação legale fatos que ainda ameaçam explodir.E, mais uma vez, a mídia tomou olugar em que esteve em 1992,quando caras-pintadas foram às ruaspara pedir a mudança de governante.

O escândalo não é aceitável, masnatural, quando ocorrido. Oescândalo surge de uma fofoca, deuma denúncia, tomando corpo echegando à grande massa. Essa, porsua vez, toma partido e exigesoluções, descobertas, apurações,até que tudo seja esclarecido e osresponsáveis devidamente punidos.Mas, como define Thompson (2002),o escândalo, a certa altura dosacontecimentos, acaba por serreformado pela mídia, que o valorizae define os caminhos desejados poruma força oculta, que ocupa umprivilegiado espaço dentro do poder:o dos bastidores da nação. Nesseprocesso, a história passa a sercontada e recontada, valorizandoinformações que manipulem osdesejos de uma nação e construamconceitos e posicionamentos nagrande massa. Mas, para que essaconstrução seja conseguida comêxito, deve-se lançar mão de técnicasfundamentais dentro da linguagem,com ferramentas de discurso não-verbal e duplas interpretações.

O artigo analisa as matérias decapa publicadas nas revistas Veja eCarta Capital entre a primeiradenúncia envolvendo o ex-tesoureirodo Partido dos Trabalhadores,Delúbio Soares, até a publicaçãopela revista Veja de uma capaassociando claramente o caso Lulaao de Collor, que renunciou após aaprovação do processo deImpeachment, votado durantesessão aberta em 28/08/1992, exigidopela nação em movimentos públicosque levaram às ruas caras-pintadase gritos de “fora Collor” aos quatrocantos do Brasil. O corpus da

Veículos em Perspectiva Comunicação & Informaçãov. 11, n. 1: p. 90-103 - jan./jun. 2008

Page 3: pelas revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias ... · midiático e de suas ferramentas comunicacionais para exercer esse papel, merecedora de discussão quanto ao seu valor

92

pesquisa é constituído pelas matériasde capa por sua relevância, pois éessa a informação que o veículo crêser a de maior importância, senão aointeresse público, ao menos aosinteresses da empresa. Como definePinto (2002):

Utilizar textos na pesquisasocial, sem abordá-los comoinstrumentos lingüísticos ousemiológicos adequados, leva ocientista social com freqüênciaa só levar em conta o seu valordocumental imediato, isto é, aconsiderá-los inocentementecomo “transparentes” emrelação ao universo represen-tado, o que significa tratá-loscomo independentes doscontextos, esquecendo-se sua“opacidade” ideológica, que aanálise do discurso coloca emprimeiro plano. (PINTO, 2002, p.29)

Para a análise, foram levantados11 edições de cada revista, em iguaisperíodos de publicação. Observou-se as técnicas de discurso adotadase, ao mesmo tempo, analisou-se aadoção desses veículos às normasde ética e conduta definidas dentrodo campo jornalístico, que preservamo respeito à justiça e ao direito doleitor de decidir por si o que achacerto e errado. Conceitos que defen-dem uma conduta imparcial, justa einformativa, ao invés de formadorade opinião, apesar de sê-la.

O escânda lo const r u ído

O escândalo nasce de umarevelação de algo, relevante ou não,que provoque repercussão pública.O fato pode ir ou não ao encontrodo interesse público, mas acaba,inevitavelmente, sendo divulgadopopularmente.

Em seguida, ao ser aproveitadopela mídia, o escândalo recebe umup grade direcional, uma reforma

em seu conteúdo e, obviamente, emseus efeitos. O enredo do escândalopassa a ser tratado como algoimportante, incomum, recebe umavalorização e é traduzido de outra,ou de outras formas aos receptores.Surge, então, o escândalo midiático,construído para atender àsnecessidades da mídia e tendo comofim específico o de aprimorar asvendas dos veículos. Como dizNoblat (2003), a imprensa seaproveita de fatos para transformá-los em fatos determinantes quealteram e instigam o desejo humanopelo bizarro, pelo gritante, peloescandaloso. Como cita o autor:

Infelizmente, estimular os baixosinstintos do ser humano, porexemplo, interessa a umaexpressiva fatia do público.Aumenta as vendas de um jornal.E amplia a audiência de umaemissora de televisão. Masproceder assim é condenávelporque em vez de contribuir paraa elevação dos padrões moraisda sociedade, o jornalismo osrebaixa. (NOBLAT, 2003, p. 23)

Mas isso acontece, independentedos efeitos negativos que possamcausar no comportamento social. Oque importa, invariavelmente, são osefeitos comerciais. E, com isso, oescândalo é levado e alimentadoenquanto for possível, garantindo,assim, seus resultados positivos emrentabilidade, como se um novopersonagem “Chuck Tatum”,protagonista do longa-metragem eclássico “A montanha dos seteabutres”1, existisse no mercado,criando e alimentando notícias quepoderiam ter menores proporções doque os que foram atingidos.

Isso ocorre graças a umaconfusão entre o que é de interessepúblico e o que é de interesse dopúblico. O jornalismo segue algunsprincípios, e um dos mais importante

Escândalo ou notícia: Os discursos construídos pela revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias contra oPT e o Governo LulaDenis Porto Renó e Taís Rios Salomão de Souza

1 A montanha dos sete abutres (Ace inthe hole), Billy Wilder, 1951, EUA.Charles Tatum (Kirk Douglas) é umjornalista sem escrúpulos que vaitrabalhar no jornal da pequena cidadede Albuquerque. Ele quer um furo dereportagem que o coloque novamentenos grandes jornais de onde forabanido. A opor tunidade surge aodescobrir que Leo Minosa (RichardBenedict), dono de um velho posto deestrada, está preso nas minas daMontanha dos Sete Abutres, um lugarenvolto em lendas e mistérios. Essa éa deixa para o jornalista transformarum acidente em uma tragédiasensacionalista. Rejeitado pelos jornaisda época, o filme se transformou emum grande clássico. Seu enredo, diretoe corajoso, é um exemplo muito atualdo poder de manipulação dos meiosde comunicação em nossas vidas.

Page 4: pelas revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias ... · midiático e de suas ferramentas comunicacionais para exercer esse papel, merecedora de discussão quanto ao seu valor

93

refere-se ao que é, realmente,notícia. Para o jornalismo, notícia é,em primeiro lugar, algo de interessepúblico, o que vai contra um problemaconstruído, o escândalo midiático.Erbolato (2003) discute muito bem arelação entre o que é e o que não éuma notícia. Para o autor, a notíciadeve ser recente, inédita, verdadeira,objetiva e de interesse público. Docontrário, não pode ser definidacomo notícia. Segundo ele:

As notícias são comunicaçõessobre fatos novos que surgem naluta pela existência do indivíduoe da própria sociedade. Aimprensa investe capitaisenormes, contrata jornalistas etécnicos dentro de sua área,para a função básica deinformar. O noticiário deve terutilidade pública para osleitores e influenciá-los pessoal-mente, mostrando-lhes quedevem ter um interesse noassunto divulgado. (ERBOLATO,2003, p. 52)

Um escândalo é, de fato, umanotícia. Possui interesse público edeve ser divulgado como tal. Porém,quando esse escândalo passa a sermanipulado, alimentado, pautado como objetivo de manter a vendagem deum editorial, é preciso reavaliar seuvalor e sua função. A notícia passaa ser algo desejado e “requentado”,manipulando os leitores ao invés desimplesmente influenciá-los.Segundo Ferreira (1999), manipularsignifica controlar, dominar, enquantoinfluenciar significa conduzir,convencer. A manipulação é cruel,enquanto a influência é, de certaforma, suave. E, apesar de aindapossuir méritos, seus resultadospassam a merecer atenção quantosuas finalidades, se sociais ousocietárias. Quando isso acontece,o que era de interesse público passaa ser de interesse de uma minoriadominante, com suas vaidades e seus

desejos de poder e riqueza. Claro queuma empresa de comunicação possuiinteresses particulares relacionadosà riqueza e, de certa forma, ao poder.Mas isso não deveria ser motivo paramanipular através de uma infor-mação. O jornalismo não deve seprender a interesses particulares, esim somente aos interesses públicos,alimentando a sociedade do que elarealmente precisa: de uma verda-deira e confiável informação. Masisso, na realidade, não acontece.Como é definido por Dijk (2003):

As ideologias profissionais esociais (sexo, etnia, classe,idade, etc.) dos jornalistascontrolam a quem se investi-gará, cobrirá, escutará ouentrevistará. Portanto, a infini-dade de atividades que definemas notícias de cada dia e arealização de um jornal diárioou programa de televisão sebaseia nas ideologias dos atoressociais que participam comomembros de grupos sociaisdiferentes. (DIJK, 2003, p.43).

Como avalia Thompson (2002),o discurso passa, inevitavelmente,por uma transformação. Umatransformação que atenda aosinteresses e que possa manter aprocura do veículo por mais tempo.E quando essa informação perder ocrédito, o que ocorre, fatalmente,cria-se outro escândalo, e mais outro,sucessivamente.

O autor defende a existênciapraticamente constituída de umamaneira de se construir o escândalomidiático. Para ele, tudo nasce de umescândalo, que é alimentado,aquecido, repetido, até que é precisoantever um “futuro”. Para ele:

Os escândalos midiáticosnormalmente se desenrolam porum período de tempo que émarcado pelos ritmos dasorganizações da mídia, com seus

Veículos em Perspectiva Comunicação & Informaçãov. 11, n. 1: p. 90-103 - jan./jun. 2008

Page 5: pelas revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias ... · midiático e de suas ferramentas comunicacionais para exercer esse papel, merecedora de discussão quanto ao seu valor

94

padrões distintos de publicaçãoe difusão. Eles mostram tambémcerta estrutura seqüencial, nosentido que uma fase nodesenrolar dos escândalosmidiáticos é previsivelmenteseguida por outra. E odesdobramento dos escândalosmidiáticos é entrelaçado por umconstante recontar históriassobre os acontecimentos (ousupostos acontecimentos)presentes no centro doescândalo. (THOMPSON, 2002,p.102).

Em seguida, quando os acusadosrecebem o direito de resposta,inevitavelmente vão negar, criandono público uma dúvida quanto àveracidade do escândalo midiático.Então, a imprensa cria um novoescândalo, desviando temporaria-mente a atenção ao escândalomidiático principal.

Os indivíduos colocados nocentro do escândalo podemconvencer-se de que se elesnegarem firme e repetidamenteseu envolvimento nas atividadesalegadas e se eles puderem (casoseja necessário) trancarqualquer vazamento e prevenirtoda evidência de incriminaçãoemergente, então o público irácertamente se cansar de umahistória que cada vez maisparece forjada. (THOMPSON,2002, p.105).

Os escândalos se repetem,sucessivamente, através de históriassemelhantes, e isso faz com que amídia, como num esforço final, tentecomparar o passado com o futuro.Dessa forma, o calor da discussãoperdura por mais tempo, mantendoainda mais o faturamento queacontecimentos como este, queenvolvem uma nação e mexem comum prazer humano pelo escandaloso,possibilitando ainda mais o alcancedos resultados esperados.

Os constr utor es de escândalos

Cada veículo possui seusinteresses, que podem resultar emhistórias e visões diferenciadas. E,em meio a uma realidade específicae de interesse, constroem noticias eescândalos com diferentes pontos devista, e de acordo com o seu público.

(...) cabe, ainda fazer asdistinções complementaresrelativas ao momento de seuconsumo, também presentes emtodo texto. Ao autor empíricocorresponde o seu público ouaudiência (ouvintes, leitores,espectadores, etc.), que são osindivíduos de carne e osso aquem caberá interpretar o textoproduzido. (PINTO, 2002, p. 35).

Um dos construtores analisadosno trabalho em questão é a revistaVeja. Dirigida à grande massa, a Vejapossui tradição e credibilidade histó-ricas. Envolveu-se em momentosimportantes do passado políticobrasileiro, como a campanha das“Diretas Já”. Esteve à frente dedenúncias marcantes, como asrevelações de Pedro Collor de Melosobre detalhes das vidas pública eparticular de seu irmão, o ex-presidente Fernando Collor de Melo,publicadas em 13 de maio de 1992,criando, assim, um escândalo políticoque se tornou midiático.

Do outro lado da análise, tem-sea revista Carta Capital, que possuiuma história de vida um pouco menor,apesar da imagem do jornalista MinoCarta acompanhar o editorial. Cartaparticipou ativamente de movimentoscontra os anos de chumbo, estandoao lado de jornalistas que marcarama história, como Vladimir Herzog eRodolfo Konder. Porém, a revistatambém segue o exemplo da colegamais velha, possuindo um posiciona-mento político. Mas, inversamente aoposicionamento da Veja, a Carta

Escândalo ou notícia: Os discursos construídos pela revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias contra oPT e o Governo LulaDenis Porto Renó e Taís Rios Salomão de Souza

Page 6: pelas revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias ... · midiático e de suas ferramentas comunicacionais para exercer esse papel, merecedora de discussão quanto ao seu valor

95

Capital é declaradamente a favor doGoverno Lula.

Isso se mostra claro quando seanalisa detalhadamente o recorte emquestão, onde pode ser percebidauma exacerbada adoção de adjetivosnas matérias contra de um lado e afavor do Governo Lula de outro.Ambas as empresas de comuni-cação tentam construir conceitos decerta forma defendidos por Erbolato(2003). Porém, da forma com queestimulam o pensar e o agir, tornam-se cúmplices de um resultadoplantado e colhido, tornando-o irreale fraudulento

Pressupostos teóricos e metodológicos

A leitura comparativa dos textosfoi subsidiada pelos estudos dalinguagem, como fator de interaçãosocial e pelas teorias do discurso,mais especificamente da linhafrancesa. Essa não se basta pelaanálise textual, isto é, mesmo sendoeste o material empírico destetrabalho, a análise deve compreendero processo de produção do texto, seucontexto e historicidade, casocontrário o discurso midiático podeser interpretado de forma acrítica eaté equivocadamente. Assim,buscou-se verificar no texto, além doseu sentido literal e denotativo,também a sua “historicidade, o quesignifica se colocar no interior deuma relação de confronto desentidos” (BACEGGA, 1998, p. 91).

O confronto de sentidos é nítidono episódio em questão, tanto quantosua historicidade dentro do contextopolítico do país, seja por haver umgoverno petista no poder, seja peloparadoxo entre a ideologia do partidoe os procedimentos eticamentecondenáveis nos quais seus líderesestão envolvidos.

Diante do objetivo proposto,foram observadas e interpretadasmatérias de capa de 22 edições (11

da revista Veja e 11 da revista CartaCapital), correspondendo àsmatérias de capa publicadas entre adenúncia do ex-deputado federalRoberto Jefferson e a saída do ex-minsitro da Casa Civil, José Dirceu,durante o período de denúncias doGoverno Lula conhecido como crisedo mensalão, iniciada com a CPI dosCorreios.

Buscou-se identificar na análisedos textos os sentidos explícitos eimplícitos, ou seja, a intencionalidadepresente na construção damensagem. Por tratar de intenciona-lidade parte-se do pressupostoapresentado por Santaella (1996) deque as linguagens não inocentes neminconseqüentes. Para a autora háuma íntima relação entre linguageme ideologia, o que se torna maisevidente em:

As linguagens que dão corpo àsideologias, na dimensão decada cultura historicamentedeterminada, trazem inevitavel-mente as marcas da posiçãopolítica dos agentes sociais. Alinguagem que falamos, osistema de sinais que emitimos,a miríade de traços, escolhas,omissões e partilhas de quesomos compostos falam de nós.São indicadores de nossaposição peculiar na rede tensadas tendências políticas.(SANTAELLA, 1996, p. 331)

A partir desta perspectiva delinguagem pode-se avançar para umoutro conceito que é o de realidadee como este se relaciona com oprimeiro. Sabendo a carga ideológicapresente em qualquer linguagementende-se que a realidade serádescrita, ou melhor, refratada, cadavez que for mencionada. Sabendo acarga ideológica presente emqualquer linguagem, entende-se queparte da realidade será descrita, ou

Veículos em Perspectiva Comunicação & Informaçãov. 11, n. 1: p. 90-103 - jan./jun. 2008

Page 7: pelas revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias ... · midiático e de suas ferramentas comunicacionais para exercer esse papel, merecedora de discussão quanto ao seu valor

96

melhor, refratada, cada vez que formencionada. Por mais completa quepossa ser a notícia, do ponto de vistado volume de informações, ela nuncaconseguirá reproduzir o fato real, comtodas as suas nuances, mas seráapenas um recorte da realidade. Aleitura das reportagens enfatizou amatéria de capa de cada uma dasedições que compõem o corpus dapesquisa, identificando a presença doassunto em questão – crise nogoverno - frente aos demaisassuntos abordados na revista.

Como elemento de análise,observou-se a escolha lexical,principalmente nas manchetes, o usode adjetivos, fato que no campojornalístico é discutível e, muitasvezes, condenável, os personagensenvolvidos além da forma como areportagem é estruturada.

Vale ressaltar que se trata deuma pesquisa qualitativa, portanto aquantificação do espaço ocupado napágina ou na edição só foimencionada quando relevante paradeterminada consideração qualitativae comparativa.

A análise crítica do discurso,neste contexto de leitura compara-tiva, contribui ainda ao considerar osilêncio como elemento importantea ser observado. Neste caso, o fatode uma revista explicitar um dado eomitir outro pode ser relevante paraa análise. Sobre isso, Orlandi (1996,p.493) esclarece que “não se podetraduzir o silêncio em palavras semmodificá-lo, pois a matéria signifi-cante do silêncio significa por simesmo, ou seja, o silêncio não fala,ele significa”. O resultado é,inevitavelmente, uma parcialidade deinformação não indicada para aprática jornalística.

Imp l í c i to e exp l í c i to de umescânda lo m id iá t i co

Em um jornal impresso entende-

se que a primeira página seja comoum retrato datado do que foiconsiderado notícia, um recorte quesegue os padrões editoriais e defineo que será realidade ou que ênfaselhe será conferida. Para uma revistasemanal este retrato é composto,principalmente da matéria de capa,que indica parâmetros significativos,mas não absolutos sobre oposicionamento do veículocomunicacional frente à temática,sendo necessário recorrer àestrutura da revista para uma análisemais completa.

A ‘profundidade da leitura’ dotexto não depende tanto daamplitude dos conhecimentos,nem do grau de adequação dosujeito. Não se correlacionaindefectivelmente com a análiselógica do sistema superficial designificados, senão que dependeprincipalmente da sensibilidadeemocional do sujeito, mais doque de seu intelecto formal.(LURIA, 2001, p.197).

Uma primeira leitura do corpusaponta traços naturais da evoluçãode um escândalo midiático, por issoas revistas foram agrupadas em trêsperíodos que possibilitaram umaanálise mais aprofundada da criaçãodeste escândalo, suas etapas,personagens e o posicionamento doveículo comunicacional. É impor-tante dizer que os períodos foramdeterminados a partir da observaçãodas revistas e dos acontecimentosque registravam.

O primeiro elemento que sedestaca para a análise é o conteúdodas matérias. Observa-se o períododelimitado pelas quatro primeiraspublicações, quando ambas asrevistas adotaram certa cautela noque se refere a afirmações a respeitodas denúncias. Percebe-se que,neste momento, apesar de estar searmando um escândalo midiático, ele

Escândalo ou notícia: Os discursos construídos pela revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias contra oPT e o Governo LulaDenis Porto Renó e Taís Rios Salomão de Souza

Page 8: pelas revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias ... · midiático e de suas ferramentas comunicacionais para exercer esse papel, merecedora de discussão quanto ao seu valor

97

anda estava sendo tratado pelaspublicações como simplesmentepolítico. As acusações eram trans-feridas cuidadosamente para asfontes, buscando uma sutileza naescolha do lado, no posicionamentoparcial. Mas, apesar de tanto cuidado,ambas as revistas já começavam aexacerbar na adjetivação dasmatérias, utilizando-se de ironias parase dirigir aos personagens envol-vidos, como é notado nos trechos dasreportagens de Veja de 01/06/2005,pág.48 e Carta Capital de 01/06/2005, pág. 26, respectivamente:

“Em seu esforço para impedir acriação da CPI dos Correios, oPalácio do Planalto apelou parao arsenal típico do presiden-cialismo brasileiro: ameaças,cargos e dinheiro. Um recurso emparticular, no entanto, chamou aatenção: as súplicas dirigidas aopresidente do PTB, o deputadoRoberto Jefferson, aquele quediminuiu o estômago mas cujoapetite aumentou” e “O PSDBaproveita a CPI dos Correios,sobe o tom dos ataques e ofereceum ‘gerente’ como candidato àPresidência”.

Além disso, uma forte mani-pulação pode ser encontrada nasedições de Veja e Carta Capital,ambas de 3 de agosto de 2005,quando atacam posições contrárias.A Veja declara logo no primeiraparágrafo que o “ex-todo-poderosoministro-chefe da Casa Civil,deputado José Dirceu”, e logo nofinal da mesma página cita-onovamente, dizendo que “ele foiresponsável pela construção do PTnos moldes que se conhece, promo-vendo figuras virtuosas como JoséGenoíno, Delúbio Soares, SilvioPereira e Marcelo Sereno”,atacando em 22 páginas apenas oPT. A revista Carta Capital, por sua

vez, mira suas palavras na oposição,declarando em diversos momentosdas dez páginas que abordam o temaque tanto o PSDB quanto o PFLforam os criadores do mensalão. Namatéria, tal intenção fica clara napágina 30, quando o subtítulo do textodiz que “as investigações mostramque tucanos e pefelistas usaram omesmo esquema”.

Ainda que a adjetivação e aironia sejam recursos lingüísticospara denotar o sentido dado àdeterminada situação ou personagemé importante ressaltar, no entanto,que a postura praticada em cadaveículo é determinada, antes de tudo,pela ideologia vigente na empresacomunicacional.

A ideologia que permeia cadaórgão midiático direciona, entreoutros aspectos, a escolha da pauta,dos personagens, das fontesescolhidas e, principalmente, dorecorte feito no assunto abordado.

Quanto ao objeto de pesquisa, aescolha de recortes distintos ficaevidente nas manchetes das duasprimeiras reportagens analisadas decada uma das revistas: Veja de 01/06/2005 e de 08/06/2005. “O queserá que ele sabe?” e “Lutar contraa corrupção já é uma vitória” e CartaCapital de 01/06/2005 e de 08/06/2005 “Palanque tucano” e “Jurosfreiam o Brasil real”. Percebe-se quea ênfase dada à crise é diferente nosdois periódicos. Na primeiramanchete de Veja, a perguntaretórica só consegue completar seusentido por estar sobreposta aimagem que relaciona um tapete euma vassoura com o símbolo do PTao deputado Roberto Jefferson. Damesma forma, a segunda manchetetambém se utiliza da imagem, nocaso a bandeira nacional rasgada,para enfatizar seu sentido. Acorrupção foi o aspecto da criseresgatado pelas manchetes de Veja.O periódico Carta Capital, no

Veículos em Perspectiva Comunicação & Informaçãov. 11, n. 1: p. 90-103 - jan./jun. 2008

Page 9: pelas revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias ... · midiático e de suas ferramentas comunicacionais para exercer esse papel, merecedora de discussão quanto ao seu valor

98

entanto, parece relacionar a crisepolítica a outros aspectos, a princípio,fora do centro da questão como oposicionamento da oposição e asituação econômica do país.

Diante de abordagens diferentescabe uma breve reflexão sobre comoa prática ideológica de determinadomeio age sobre princípios jornalísticoscomo interesse público e atualidade.A ausência nas manchetes ereportagens dos personagensconhecidos e evidenciados pelosvários tipos de mídia conduz o leitora outras prioridades. Para Dijk (2003,p.48) “isso significa que o discursopoderoso pode influenciar em comodefinimos um acontecimento ou umasituação nos nossos modelosmentais, ou em como representamosa sociedade no nosso conhecimento,atitudes e ideologias”.

Charaudeau (2003, p.15)complementa este raciocínio comuma observação sobre o papeldesempenhado pelos meios noprocesso comunicacional: “os meiosnão transmitem o que ocorre narealidade social, já que impõem o queconstroem do espaço público. Ainformação é essencialmente umaquestão de linguagem, e a linguagemnão é transparente”.

Com a evolução do tema(delimitado entre a quinta revista e aoitava da série), a linguagem passoua pender para uma ampla utilizaçãodos adjetivos: estava dado início aoprocesso de escândalo midiático,marcado por uma guerra ideológicaentre ambas as revistas. Enquanto aVeja assumia uma posição favorávelà oposição, protecionista dosenvolvidos do PSDB, a Carta Capitalapoiava-se fortemente na defesa doGoverno Lula e parte de seuspartidários envolvidos.

“As denúncias explosivas dodeputado Roberto Jefferson, ohomem-bomba do PTB...”, na Vejade 01/06/2005, pág. 54. A expressão

homem-bomba é usada como formade reforçar a idéia de que há muitoa se descobrir envolvendo o GovernoFederal – enfatiza a figura dohomem revelador, polêmico e sempapas na língua, o homem-bomba –o que acaba por valorizar ainda maisas declarações do deputado citado.Na maior parte do texto o passadopolítico do então deputado RobertoJefferson (que fez parte da baseapoio do ex-presidente Collor), bemcomo as denúncias de corrupçãofeitas em 2005 envolvendo Jeffersone um funcionário dos Correios,praticamente são deixadas de ladopela revista. Uma forma de darcredibilidade ao denunciante e aomesmo tempo enfatizar suasacusações.

“A reação de Lula foi obastante para enfezar ainda maiso ânimo radicalizado dos tucanos.Um deles, o deputado EduardoPaes, ao abrir o bico com raiva,resolveu uma das diferenças entreas aves e os homens: ‘Deu-nos umgosto de sangue na boca’.”, naCarta Capital de 01/06/2005, pág. 34.Aqui, a revista deixa clara suapostura de apoiar o governo Lula eironizar várias ações da oposição.Expressões como “ira da oposição”,“enredar o presidente Lula” e “showpessoal de Jefferson”, na CartaCapital de 01/06/2005, pág. 34, sãoexploradas com o intuito demenosprezar as ações de oposiçãocomo algo gratuito, aleatório e aindagarantir uma certa defesa pública doGoverno Federal enquanto uma açãomidiática.

Mas, apesar de ambas asrevistas tomarem, nesta fase,semelhantes condutas, diferençasmarcantes podem ser percebidasentre elas. A Veja, sem assumir seuposicionamento, passou a manipularde forma suprema o conteúdopublicado. Nas páginas da revista,apenas os governistas eram os

Escândalo ou notícia: Os discursos construídos pela revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias contra oPT e o Governo LulaDenis Porto Renó e Taís Rios Salomão de Souza

Page 10: pelas revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias ... · midiático e de suas ferramentas comunicacionais para exercer esse papel, merecedora de discussão quanto ao seu valor

99

bandidos, mesmo quando surgiramdenúncias de candidatos tucanos deMinas Gerais. As frases ditas pelosoposicionistas eram publicadas,contanto que não denegrissem aimagem do processo de escândalomidiático armado. Ao mesmo tempo,a Carta Capital adotava, sempiedade, a utilização de adjetivosirônicos para falar dos envolvidos edos oposicionistas. Termos adotadosde forma freqüente, como oValerioduto (para tratar do esquemade distribuição de dinheiro criado porMarcos Valério), ou o orelhudo(quando se fala do banqueiro DanielDantas), passaram a ilustrar capase títulos de matérias. “Não seriasurpresa se, ao longo dasapurações, à CPI dos Correios ea Polícia Federal encontrassemelos entre a secretária e a maiordisputa societária da história docapitalismo nativo – a briga entreo banqueiro Daniel Dantas, donodo Grupo Opportunity, e os fundosde pensão”. (Carta Capital 08/06/2005, p. 28). Nesse momento, arevista Carta Capital faz uma críticaà própria atuação da imprensanacional mostrando que a mídianovamente procura por únicopersonagem capaz de dar umdesfecho a toda crise política comoo motorista Eriberto França, que ligoua Casa da Dinda ao esquema PCFarias e viabilizou a cassação deFernando Collor. O banqueiro DanielDantas além de ser destaque nareportagem de Carta Capital étambém ridicularizado e apontadocomo criminoso. “Até então tratadocomo um empresário polêmico,Dantas passou a carregar aimagem de criminoso. Em maiodeste ano, a Justiça Federal oindiciou por formação de quadri-lha”. Carta Capital de 08/06/2005,pág. 31. A revista Carta Capital adotauma postura de aprofundar asdiscussões sobre a crise e trazer

novos elementos que justificariam ointeresse da ex-secretária deMarcos Valério Fernandes de Souza,Fernanda Karina Somaggio, emprocurar a revista IstoÉ para fazeras denúncias do pagamento domensalão.A briga, com direito atroca de acusações, entre IstoÉ eVeja também merece atenção darevista Carta Capital.

Ao mesmo tempo, a revistaeditada por Mino Carta passou a darvoz às declarações dos oposicionistasque pudessem comprometer oprocesso, como a que o ex-presidente Fernando HenriqueCardoso disse, ao ser indagado sobreo desejo do PT de ampliar a quebrade sigilo de cinco para dez anos, disseque o que aconteceu em seu governoficou para a história. Neste caso, aCarta Capital deu espaço de diálogotextual entre Fernando Henrique eTarso Genro, quando o entãopresidente interino do Partido dosTrabalhadores disse que isso era umprotecionismo de FHC aos proble-mas de sua gestão. Estava sendoconduzido o escândalo midiático,sendo gradativamente alimentadopelos dois veículos de acordo com acondução do caso.

A terceira e última fase anali-sada pode ser percebida como adecadente do processo midiático quea imprensa sofria. Com fatosesgotados, a revista Veja apelou paramatérias extremamente manipu-ladoras. Nesta fase, a revista utilizouadjetivos com intensidade, ampliou oposicionamento tendencioso adotadodesde o começo, passando a assumi-lo sem limites, aplicou nos textosfrases e termos que pudessemconduzir os leitores a assumirposicionamentos e ainda aliciou-os aorganizar o impeachment dopresidente Lula, como pôde serobservado principalmente nas duasúltimas. Na penúltima, quando otema discutido é José Dirceu, a Veja

Veículos em Perspectiva Comunicação & Informaçãov. 11, n. 1: p. 90-103 - jan./jun. 2008

Page 11: pelas revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias ... · midiático e de suas ferramentas comunicacionais para exercer esse papel, merecedora de discussão quanto ao seu valor

100

utilizou-se de fotografias manipu-ladas em recursos computacionaispara transparecer que o entãodeputado federal possuía um ladoainda na obscuridade, utilizando-sede uma linguagem não-verbal sobreDirceu. Para Orlandi (1996), o não-verbal ganha vida e possui poderpara provocar reações. Para o autor:

Não se pode traduzir o silêncioem palavras sem modificá-lo,pois a matéria significante dosilêncio e a das palavrasdiferem: além disso, o silênciosignifica por si mesmo, ou seja,o silêncio não fala, ele significa.A partir daí desenvolvo todauma reflexão para mostrar quehá um ritmo no significar quesupõe o movimento entre silêncioe palavras, entre silêncio elinguagens. (ORLANDI, 1996,p.463).

No mesmo período, a CartaCapital adota a conduta protecionistaaos envolvidos, tentando, porém,preservar apenas o presidente Lulae o ministro da Fazenda daqueleperíodo, Antonio Palocci, dosataques. Para isso, continuouadotando adjetivos irônicos aosadversários governamentais,mantendo Delúbio e Valério no centrodas discussões, sempre resgatandoos envolvimentos dos tucanos nacrise do mensalão. Nessa fase, aCarta Capital adota efeitos de ediçãode imagens para construirpersonagens para combater osataques armados pela Veja aosgovernistas.

Na edição do dia 22 de junho de2005 a revista Carta Capital explorauma foto de Roberto Jefferson – emmeia página -, em pose teatral emcontraposição a foto de José Dirceu– que ocupa uma página inteira -,com ar de preocupação com olhosfechados e mão sobre a testa.“Mas”, “talvez”, “quase”, “mesmo” e

“até quando” estão em destaque narevista Carta Capital de 08/06/2005,pág.26. Neste caso, os operadoresargumentativos reforçam detalhes dotexto e da fala dos entrevistados nareportagem intitulada “Sob FogoCerrado” que desqualifica oacusador Roberto Jefferson edestaca a saída do então ministroJosé Dirceu da Casa Civil.

O ponto culminante do períodoanalisado é percebido na últimarevista analisada, quando a Vejaadota uma estratégia final, ou tudoou nada, apostando todas as suasforças num exemplar que traz namatéria de capa uma declaradapropaganda ideológica. É publicadona mais nobre editoria de umarevista algo que ocupa apenasquatro páginas, aproveitando-seapenas do poder de chamar aatenção do leitor e colocando efeitosde tratamento visual. Como édiscutido e analisado por Pinto(2002), é comum a utilização derecursos de reconstruções deconceitos em revistas. Segundo ele:

A mídia impressa, em especialnas capas de revistas e naprimeira página dos jornais,utiliza diversas técnicas detratamento de imagens ediagramação para definiremposições enunciativas. (PINTO,2002, p. 39).

Em seu conteúdo, nada além deum resgate histórico a respeito doprocesso de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Meloe um breve manual de como se dáinício a um processo de perda demandato de um presidente darepública. O mais intrigante é que,além de trazer na capa o nome Lulacom duas letras L, como Collor,ambas são escritas da mesma formaque o ex-presidente adotara em suacampanha, em verde e amarelo.Tudo isso num período em que outras

Escândalo ou notícia: Os discursos construídos pela revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias contra oPT e o Governo LulaDenis Porto Renó e Taís Rios Salomão de Souza

Page 12: pelas revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias ... · midiático e de suas ferramentas comunicacionais para exercer esse papel, merecedora de discussão quanto ao seu valor

101

empresas importantes de comuni-cação do país, como a Rede Globode Televisão, abriam um espaçonunca visto desde que Collor saiu dopoder, simultaneamente à capa daVeja. Sobre este ponto Dijk (2002,p.158) colabora com a reflexão deque “O leitor é geralmente capaz,possivelmente através de sinais deimplicitude no texto, de recuperar tais“elos” faltantes. Isto mostra que osmodelos são relevantes tanto nacompreensão como na produção dediscurso”. Assim, a reprodução deformatos já conhecidos do leitorelucidam a análise acerca das noçõesde intenção e sentido pretendido.

O que ocorreria naquele momentopodia ser algo inofensivo, se levado emconta apenas o instante. Porém, umainformação não deve ser interpretadacomo algo imediato, isolado. Comodefine Luria (2001):

As frases não são elos isoladosde uma cadeia única: cada frase‘influi’ ou inclui em si o sentidoda anterior; este fenômeno, queL. S. Vigotski denominou‘influência’ ou ‘incorporação’(fusão) dos sentidos, exerce umainfluência substancial nacompreensão do conteúdofundamental do texto. (LURIA,2001, p. 189).

Diante de tal conduta, a CartaCapital adota uma postura maisdiscreta, ao mesmo tempo em queseus adjetivos continuam sendousados. Na edição do mesmoperíodo, 10 de agosto de 2005, aCarta Capital trata de atacar comparcimônia o PSDB num suspirofinal para mostrar o envolvimento dopartido oposicionista no mesmoesquema, mas em tempos anteriores.Nessa matéria, na página 29, arevista envolve através de um Boxde quase uma página o ex-tesoureirotucano Ricardo Sérgio no esquemade corrupção e do chamado

Valerioduto. Vale observar que aCarta Capital não deixou de utilizarseus adjetivos irônicos neste instante.Apenas tornaram-se inofensivos, secomparados à conduta adotada pelaVeja naquela semana.

Conc l usão

Os fatos que sucederam oescândalo envolvendo a cúpula doPT com fraudes, mensalões, acordospolíticos e pagamentos em paraísosfiscais provocaram na mídia umadisposição para construir umescândalo midiático, conforme as“previsões” de Thompson.

O começo do processo teve umperíodo marcante, que pode serpercebido logo após as denúncias doex-deputado federal RobertoJefferson envolvendo o ex-tesoureiro do Partido dos Trabalha-dores, Delúbio Soares, e o ex-chefeda Casa Civil, José Dirceu. Naquelemomento, tanto a Veja quanto a CartaCapital mantiveram uma certareserva. Afinal, o escândalo aindaestava em seu princípio de cons-trução.

Com o tempo, o escândalopassou a ser montado, transfor-mando-se rapidamente em umescândalo midiático, com intensaparticipação das “notícias” em suaconsolidação. Na realidade, perce-beu-se uma revista Veja tentandoconstruir um escândalo midiáticoque enfraquecesse e conduzisse aopinião pública para uma conde-nação do governo petista. Para isso,utilizou-se um grande número deadjetivos, dando ao texto um toqueopinativo indesejado naquele tipo dematéria.

Do outro lado, percebeu-se arevista Carta Capital comodefensora do PT, tentando, mesmoque de forma mais sutil, construir umescândalo que rompesse fronteiraspartidárias e mostrasse que o

Comunicação & Informaçãov. 11, n. 1: p. 90-103 - jan./jun. 2008

Veículos em Perspectiva

Page 13: pelas revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias ... · midiático e de suas ferramentas comunicacionais para exercer esse papel, merecedora de discussão quanto ao seu valor

102

problema não se limita ao Partido dosTrabalhadores, e sim pode serdetectado em todos os outros,inclusive no PSDB, seu maioropositor. Adotou-se como regra autilização de adjetivos, comopercebido na Veja, fortalecendoainda mais a manipulação midiática.

Enquanto o combate estavadentro do campo dos textosopinativos e manipuladores, podia-seperceber um discurso aberto, quemostrasse claramente as intençõesdos emissores. Porém, quando a Vejapublicou a última capa analisada,surgiu uma nova técnica demanipulação de opiniões dentro doprocesso, utilizando um intensoarsenal de linguagens implícitas.Naquele instante do escândalomidiático, a revista passou a informarsem ter o que falar, tentandoprovocar uma opinião pública.

A Veja, utilizando-se de símbolosque transportavam o leitor aostempos do impeachment deFernando Collor de Melo, como onome Lula escrito com as mesmasfontes e com duas letras L, sendouma em verde e outra em amarela,igualmente usada pelo ex-presidenteno fim da década de 80, durante suacandidatura, tentou construir umarelação entre os dois presidentes.Nos textos também percebeu-se odesejo pela relação histórica entre osdois candidatos. Foram quatropáginas, não contabilizando a capa,sem notícia alguma. O único objetivopercebido nas linhas daquela matériafoi o de ensinar o leitor a pedirimpeachment de forma democráticae dentro da Lei.

Percebe-se com clareza osinteresses da Veja ao defender seusinteresses, sem se preocupar com ascondutas jornalísticas. Por outro lado,pode-se observar que a CartaCapital, acostumada a “falar” comdeterminada faixa social, adotarauma linguagem mais amena, se

comparada à apresentado pela Veja.Enfim, percebe-se com a

pesquisa que o escândalo político queenvolveu integrantes do governo Lulatornou-se rapidamente midiático,sustentando inúmeras semanas devendagem das publicações, econseguiu, de quebra, comprometero futuro da reeleição do entãopresidente da República. Outracaracterística desse evento é umcerto desinteresse do público peloescândalo político midiático a partirde um dado momento, que pode sergerado pelo prolongado tempo deexposição do fato em praticamentetodos os grandes veículos de comuni-cação. Como descrito por Thompson(2001), o escândalo publicado nasrevistas analisadas segue as etapasesperadas, e pode ser percebido commais clareza se observados osacontecimentos seqüentes. O quedeve-se lamentar é a construçãomidiática deste escândalo políticosem analisar as conseqüênciasgraves que tal interesse particularpode provocar à estabilidade do país.De fato, o que o Brasil assistiu foi àreconstrução desse escândalo midiá-tico, que atende aos interesses dosdois veículos, cada um com suaversão da história, alimentando umfuturo idealizado e influenciando nosatos da grande massa.

Abs t r a c t

Brazil saw a further scandal involving politicalrepresentatives of the people, power and money.And, once again, the media positioned themselvesin favour of either side. In some ways, the mediawas, again, co-responsible for the constructionof the villain and the mocinho, using their powermediatic and their communication tools to carryout this role, worthy of discussion on its ethicaland moral value. For these precepts, it is thestudy of this ar ticle, which examines the roleexercised by two important Brazilian journals, amassive character, populist, and the other definedas strong forming of opinion, read by the firstclass and for a group of people that define or

Escândalo ou notícia: Os discursos construídos pela revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias contra oPT e o Governo LulaDenis Porto Renó e Taís Rios Salomão de Souza

Page 14: pelas revistas Veja e Carta Capital sobre as denúncias ... · midiático e de suas ferramentas comunicacionais para exercer esse papel, merecedora de discussão quanto ao seu valor

103

redefine the ways of the nation, often the scenes.This is a critical look at the service that the twomedia clippings have done before the missionmajority of the press: to inform.Keyword: Journalism, media, speech, press,political scandal, communication.

Re f e rênc i a s

BACCEGA, M. A. Comunicação e Linguagem –Discursos e Ciência. São Paulo: Moderna, 1998.

CHARAUDEAU, Patrick. El discurso de lainformación: la construcción del espejo social.Barcelona. Gedisa editorial, 2003.

DIJK, Teun A. Van. Ideologia y Discurso. Barcelona:Ariel, 2003.

DIJK, Teun Adriano Van. Cognição, Discurso eInteração. São Paulo: Contexto, 4. ed., 2002.

ERBOLATO, Mário L. Técnicas de codificação emjornalismo. 5. ed. São Paulo: Ática, 2003.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. NovoAurélio Século XXI: o dicionário da línguaportuguesa / Aurélio Buarque de Holanda Ferreira

– 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

LURIA, Alexander Romanovich; trad. Diana MyriamLichtenstein e Mário Corso; supervisão de trad.Sérgio Spritzer. Pensamento e Linguagem. PortoAlegre: artes Médicas, 2001.

NOBLAT, Ricardo. A arte de fazer um jornal diário.3. ed. São Paulo: Contexto, 2003.

ORLANDI, Eni Puccinelli. In MAGALHÃES, MariaIzabel Santos (Org.). As múltiplas faces dalinguagem. Brasília: Ed. UnB, 1996.

PINTO, Milton José. Comunicação e Discurso:Introdução à análise de discursos. São Paulo:Hacker Editores, 2ª ed., 2002.

SANTAELLA, L. Produção de linguagem eideologia. São Paulo: Cortez, 1996.

THOMPSON, John. O escândalo político: o podere visibilidade na era da mídia. Petrópolis: Vozes,2002.

THOMPSON, John. A Mídia e a Modernidade: umahistória social da mídia. Petrópolis: Vozes, 6.ed., 2004.

Data do recebimento: 15/03/2008Data do aceite: 29/03/2008

Veículos em Perspectiva Comunicação & Informaçãov. 11, n. 1: p. 90-103 - jan./jun. 2008