o ethos institucional do jornalismo no ecossistema midiático digital

17
 3 Curitiba, v. 18. n.2. p. 03-19, jul./dez. 2014. ISNN: 1980-5276 O ethos  institucional do jornalismo no ecossistema midiático digital: construção da imagem de si de  Zero Ho r a no espaço Carta da Editora 1  The institutional ethos of journalism in the digital media ecosystem: self-image construction of Zero Hora by the Editor’s Letter section Luciana Menezes Carvalho 2  Anelise Rublescki 3  Eugenia Maria Mariano da Rocha Barichello 4  Resumo: O trabalho parte do pressuposto que o jornalismo adota transformações estratégicas em sua voz institucional para se adequar ao ecossistema midiático digital. A metodologia consiste em uma análise exploratória de enunciados da Carta da Editora, publicada no Blog do Editor do jornal  Zero Hora (RS). O objetivo foi mapear enunciados com menções às redes sociais da internet, em que a voz institucional do jornal busca ofertar uma imagem de si calcada em valores como interação e participação, típicos do atual ecossistema midiático. Palavras-chave:   Ethos jornalístico; Imagem de Si; Estratégias Comunicacionais; Redes Sociais da Internet; Jornalismo Digital. Abstract: This paper assumes that journalism adopts strategic changes in its institutional voice to suit the digital media ecosystem. The methodology consists of an exploratory analysis of statements of Publisher's Letter, published in the Editor's Blog of the newspaper  Zero Hora (RS, Brazil). The objective was to map statements with references to the internet social networks, where the institutional voice of the newspaper search offering an image of itself grounded in values such as interaction and participation, typical of the current media ecosystem. 1  Uma versão preliminar do trabalho foi apresentada ao 11º Encontro da SBPJor, em 2013. 2  Jornalista, mestre e doutoranda no Programação de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professora no curso de Jornalismo do Centro Universitário Franciscano (Unifra). E-mail: [email protected] 3  Jornalista, mestre em Comunicação e Ciência da Informação (UFRJ- convênio CNPq/IBICT), doutora em Comunicação e Informação (UFRGS). Pós- doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFSM. Bolsista Capes/Fapergs. E- mail: [email protected] 4  Professora do Programa de Pós Graduação em Comunicação da UFSM, doutora em Comunicação pela UFRJ, bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq. E-mail: [email protected] 

Upload: luciana-menezes-carvalho

Post on 05-Oct-2015

220 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Resumo: O trabalho parte do pressuposto que o jornalismo adota transformações estratégicas em sua voz institucional para se adequar ao ecossistema midiático digital. A metodologia consiste em uma análise exploratória de enunciados da Carta da Editora, publicada no Blog do Editor do jornal Zero Hora (RS). O objetivo foi mapear enunciados com menções às redes sociais da internet, em que a voz institucional do jornal busca ofertar uma imagem de si calcada em valores como interação e participação, típicos do atual ecossistema midiático.

TRANSCRIPT

  • 3

    Curitiba, v. 18. n.2. p. 03-19, jul./dez. 2014. ISNN: 1980-5276

    O ethos institucional do jornalismo no ecossistema miditico digital: construo da imagem de si de Zero Hora no espao Carta da Editora

    1

    The institutional ethos of journalism in the digital media ecosystem: self-image construction of Zero Hora by the Editors Letter section

    Luciana Menezes Carvalho2

    Anelise Rublescki3

    Eugenia Maria Mariano da Rocha Barichello4

    Resumo: O trabalho parte do pressuposto que o jornalismo adota transformaes

    estratgicas em sua voz institucional para se adequar ao ecossistema miditico

    digital. A metodologia consiste em uma anlise exploratria de enunciados da

    Carta da Editora, publicada no Blog do Editor do jornal Zero Hora (RS). O

    objetivo foi mapear enunciados com menes s redes sociais da internet, em que

    a voz institucional do jornal busca ofertar uma imagem de si calcada em valores

    como interao e participao, tpicos do atual ecossistema miditico.

    Palavras-chave: Ethos jornalstico; Imagem de Si; Estratgias Comunicacionais; Redes Sociais da

    Internet; Jornalismo Digital.

    Abstract: This paper assumes that journalism adopts strategic changes in its institutional

    voice to suit the digital media ecosystem. The methodology consists of an

    exploratory analysis of statements of Publisher's Letter, published in the Editor's

    Blog of the newspaper Zero Hora (RS, Brazil). The objective was to map

    statements with references to the internet social networks, where the institutional

    voice of the newspaper search offering an image of itself grounded in values such

    as interaction and participation, typical of the current media ecosystem.

    1 Uma verso preliminar do trabalho foi apresentada ao 11 Encontro da SBPJor, em 2013.

    2 Jornalista, mestre e doutoranda no Programao de Ps-Graduao em Comunicao da

    Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professora no curso de Jornalismo do Centro

    Universitrio Franciscano (Unifra). E-mail: [email protected] 3 Jornalista, mestre em Comunicao e Cincia da Informao (UFRJ- convnio CNPq/IBICT),

    doutora em Comunicao e Informao (UFRGS). Ps-doutoranda no Programa de Ps-Graduao

    em Comunicao da UFSM. Bolsista Capes/Fapergs. E-mail: [email protected] 4 Professora do Programa de Ps Graduao em Comunicao da UFSM, doutora em

    Comunicao pela UFRJ, bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq. E-mail:

    [email protected]

  • 4

    Curitiba, v. 18. n.2. p. 03-19, jul./dez. 2014. ISNN: 1980-5276

    Keywords: Journalism Ethos; Self Image; Communicative Strategies; Social Networking

    Sites; Digital Journalism.

    Introduo

    A voz institucional est presente nos produtos jornalsticos no apenas nos

    editoriais textos sem assinatura que veiculam a opinio da empresa (MELO,

    2003). Ela se manifesta, tambm, na pauta, na seleo e hierarquizao dos

    acontecimentos, nas manchetes, na diagramao, no que fala e no que cala ao

    leitor, nos comentrios e cartas assinados por editores, diretores e jornalistas mais

    experientes na redao.

    Esse discurso institucional ajuda a construir, por meio da enunciao, o

    ethos do jornalismo (MAINGUENEAU, 2008), ou seja, a imagem de si que a

    organizao apresenta no discurso, orientando a representao que os leitores iro

    elaborar sobre ela prpria (BENETTI; HAGEN, 2010). Espaos como a Carta da

    Editora, do jornal Zero Hora (RS) veiculada nas verses impressa e on-line da

    publicao podem ser considerados dispositivos de encenao

    (CHARAUDEAU, 2009) por excelncia para manifestao da voz institucional.

    Neste trabalho, partimos do pressuposto de que as organizaes

    jornalsticas, no ecossistema miditico digital (CANAVILHAS, 2011), adotam

    estratgias comunicacionais que transformam sua voz institucional,

    principalmente devido ampliao da participao dos interagentes nas redes

    sociais da internet. Essas ambincias representam papel central na configurao

    atual da mdia, e acabam por desencadear, na instituio jornalstica, novas

    maneiras de representao de seu ethos, visando adaptao ao contexto

    sociotcnico.

    O artigo est dividido em trs sees. A primeira aborda, desde a

    perspectiva do jornalismo como instituio e gnero discursivo, a construo do

    seu ethos institucional que, historicamente, legitima-se pelo discurso da mediao

    objetiva dos fatos. Na segunda seo, discutimos as transformaes que ocorrem

    na voz institucional das organizaes jornalsticas no contexto do ecossistema

    miditico digital. Por fim, na terceira seo, realizamos uma anlise exploratria

  • 5

    Curitiba, v. 18. n.2. p. 03-19, jul./dez. 2014. ISNN: 1980-5276

    do espao Carta da Editora, em sua verso digital, publicada no Blog do Editor

    a vida na redao5.

    A escolha do objeto deve-se relevncia que manifesta s opinies dos

    leitores nas redes sociais da internet. A primeira Carta6, que instigou o

    desenvolvimento deste trabalho, foi publicada no dia seis de abril de 2013, quando

    a fala da diretora de redao Marta Gleich teve como mote as crticas das redes

    sociais cobertura dada pelo jornal aos protestos contra o reajuste das passagens

    de nibus, em Porto Alegre. Aps esse episdio, outras postagens da autora

    trouxeram enunciados de valorizao de uma imagem de si ligada a valores do

    ecossistema digital, como participao e interao com o leitor.

    Voz institucional e a construo da imagem de si no discurso

    O jornalismo tanto uma instituio social (BERGER; BERGER, 1977),

    quanto um gnero discursivo (BAKHTIN, 1992); (PONTE, 2005); (BENETTI,

    2008). A perspectiva da enunciao, dentro da Anlise do Discurso, enfatiza a

    situao e o ambiente cultural em que se produz a linguagem, da a importncia de

    levar em conta quem fala e para quem (PONTE, 2005).

    O discurso institucional ajuda na construo do ethos (MAINGUENEAU,

    2008), e est ligado representao da imagem de si das organizaes

    jornalsticas (RINGOOT, 2006; BENETTI; HAGEN, 2010). Esses elementos

    fazem parte do contrato de comunicao que permeia a relao entre as instncias

    de produo e recepo (CHARAUDEAU, 2009).

    O ethos um conceito com origem na Retrica grega, que foi retomado

    contemporaneamente por Maingueneau (2008), na Anlise do Discurso. Ele diz

    respeito a processos sociodiscursivos de influncia sobre o outro por meio do qual

    o destinatrio constri representaes do enunciador (MAINGUENEAU, 2008).

    Est relacionado, portanto, aos modos de dizer que, no discurso institucional,

    revelam a imagem de si que a organizao jornalstica deseja construir. Ao

    mesmo tempo, o ethos est ligado ao estatuto do locutor e questo de sua

    5 Disponvel em: . Acesso em: 04/05/2014.

    6 Disponvel em: Acesso em 10/07/2013.

  • 6

    Curitiba, v. 18. n.2. p. 03-19, jul./dez. 2014. ISNN: 1980-5276

    legitimidade, ou melhor, ao processo de sua legitimao pela fala (AMOSSY,

    2005, p. 17).

    Um dos elementos do contrato de comunicao proposto por Charaudeau

    (2008) diz respeito identidade dos polos da enunciao, por meio do qual

    importa saber quem diz o que (e para quem), envolvendo debates sobre a

    identidade do jornalismo, a imagem do jornalismo como voz institucional e a

    construo do leitor virtual ou imaginado (BENETTI; HAGEN, 2010, p. 124).

    Segundo os autores, para conhecer a identidade de uma organizao

    jornalstica e a representao que ela constri de si, necessrio investigar sua

    voz institucional. Consideramos, neste trabalho, que enunciados de natureza

    editorial so as principais manifestaes da imagem de si, do ethos das

    organizaes jornalsticas.

    A comunicao entre a instituio e o pblico (leitor, audincia) se torna

    possvel por meio de reconhecimento mtuo entre esses dois polos da enunciao,

    o que ocorre atravs de uma srie de estratgias. No jornalismo, historicamente

    tem-se um contrato miditico de informao pelo qual a instncia produtiva

    busca, sobretudo, manter sua credibilidade como fornecedora de informao ao

    pblico consumidor (CHARAUDEAU, 2009; ALSINA, 2009).

    No sistema miditico anterior internet, o contrato de comunicao

    jornalstico caracterizava-se, sobretudo, pela mediao verticalizada entre a

    organizao e seus leitores (RUBLESCKI, 2013). Essa cultura institucional

    baseada na lgica massiva de comunicao perpassa, at hoje, todas as etapas da

    esfera produtiva no jornalismo, manifestando-se no discurso, tanto nos espaos de

    opinio (editoriais, cartas dos editores) como nas notcias e reportagens.

    Como diz Marques de Melo (2003, p. 75), a seleo da informao a ser

    divulgada atravs dos veculos jornalsticos o principal instrumento de que

    dispe a instituio (empresa) para expressar sua opinio. Trata-se da voz

    institucional, que est presente, tambm, no modo como os fatos so construdos

    por meio da narrativa.

    O efeito de realidade que pauta o contrato de comunicao do jornalismo,

    com mais fora desde o sculo XX, refora a natureza do fazer crer que aquilo que

    os jornais veiculam mais do que apenas uma verso, um recorte possvel dos

    fatos. Isso porque, desde que o jornalismo industrial, em sua matriz hegemnica,

    de carter informativo, dissociou notcia de opinio (CHAPARRRO, 1998), as

  • 7

    Curitiba, v. 18. n.2. p. 03-19, jul./dez. 2014. ISNN: 1980-5276

    organizaes tm procurado se legitimar constantemente por meio do discurso da

    objetividade, promovendo um apagamento dos processos de construo, seleo e

    hierarquizao que esto por trs dos relatos dirios que estampam as pginas dos

    jornais impressos e on-line.

    Em cada organizao, os espaos editoriais so importantes dispositivos de

    encenao (CHARAUDEAU, 2009) para disseminao de enunciados que

    corroborem o discurso do papel do jornalismo como um simples mediador entre

    os fatos e o leitor. Esse processo faz parte da representao da identidade das

    organizaes jornalsticas no discurso, do ethos, da imagem que elas

    estrategicamente constroem de si visando provocar certos sentidos na audincia.

    O fato que a ideologia jornalstica tem, na objetividade, um fator

    central da sua atividade. O ethos dominante, os valores e as normas

    identificadas, que situam o jornalista como uma espcie de juiz da

    realidade, os procedimentos identificados com o profissionalismo,

    fazem com que os profissionais rejeitem qualquer ataque teoria do

    espelho porque, em ltima anlise, ela colocaria em xeque a

    legitimidade e a credibilidade de, no desempenho da profisso, serem

    fiis reprodutores da realidade. (VIZEU, 2003, p.6).

    O ethos apresenta-se com um carter dinmico, sendo afetado pelo

    contexto em que a comunicao se estabelece e manifestando a necessidade de

    quem fala de se adaptar sempre audincia (AMOSSY, 2005). A construo da

    imagem de si , portanto, histrica, ou seja, transforma-se atravs de aes dos

    sujeitos em interao com o contexto social. Assim, ao mudar o contexto da

    comunicao, mudam os processos relacionados construo da imagem de si no

    jornalismo.

    Com a internet e a ambincia sociotcnica digital, observam-se novas

    configuraes no processo de circulao das informaes jornalsticas, que

    tensionam e desencadeiam mudanas tambm na representao do ethos das

    empresas jornalsticas em seus discursos institucionais.

  • 8

    Curitiba, v. 18. n.2. p. 03-19, jul./dez. 2014. ISNN: 1980-5276

    A voz institucional do jornalismo no ecossistema miditico digital

    Segundo o paradigma terico da Ecologia dos Meios (POSTMAN, 2000),

    os meios de comunicao constituem um entorno sociotcnico e cultural,

    relacionando-se entre si como em um ecossistema. Cada mudana tecnolgica

    interfere no sistema miditico como um todo.

    A metfora do ecossistema passou a ser explorada a partir do surgimento

    dos blogs, identificados pelo campo acadmico como uma nova espcie, que

    logo passou a se relacionar simbioticamente com os meios tradicionais

    (NAUGHTON, 2006). Atualmente, alm dos blogs, as novas espcies so

    representadas, no ecossistema miditico, pelas plataformas de redes sociais7. A

    novidade dos sites de rede social em relao a outras ferramentas digitais est na

    ampliao da visibilidade dada s interaes, e ao alcance que as informaes que

    nelas circulam conquistam, dando a essas redes o carter de mdia social8.

    Segundo Boyd & Ellisson (2007), as redes sociais da internet so

    constitudas pelos atores sociais, suas representaes on-line e as interaes que

    eles estabelecem entre si de forma pblica ou semipblica. Essas redes so

    construdas ou mantidas a partir de plataformas digitais sites, softwares e

    aplicativos voltados para as interaes em rede, como Facebook e Instagram, ou

    outras mdias digitais apropriadas como tal, como o microblog Twitter. Elas

    integram o complexo ecossistema miditico atual, que tem nas tecnologias digitais

    sua matriz de operao.

    O conceito de affordances (GIBSON, 1979 apud HJARVARD, 2012, p.

    66) explica a potencialidade desses meios para determinados usos, e a constituio

    de um entorno cultural que afeta as lgicas e estratgias de operao das

    instituies que fazem parte desse ecossistema.

    7 No h consenso, entre os pesquisadores, quanto diferena entre as noes de mdia social e

    rede social da internet, mas concordamos com Recuero (2012), para quem mdia social diz respeito

    aos fluxos de informao que ocorrem por meio das interaes nas redes sociais da internet que seriam os meios de comunicao dessa ambincia. 8 Os primeiros servios mais populares voltados para a constituio e manuteno de interaes

    em rede na web foram o Friendster e o Fotolog, criados em 2002. O salto no nmero de pessoas

    conectadas ao universo das redes sociais da internet se deu em 2004, quando foram criados o

    Flickr, o Orkut e o Facebook. Sobre a histria desses servios, ver em: Acesso em:

    25/05/2014.

  • 9

    Curitiba, v. 18. n.2. p. 03-19, jul./dez. 2014. ISNN: 1980-5276

    Cada tecnologia traz consigo respostas a uma determinada demanda

    social e, ao mesmo tempo, potencialidade para um determinado tipo

    de uso, causando, a partir dos usos e apropriaes que recebe,

    diferentes tipos e nveis de impacto na sociedade e na cultura.

    (CARVALHO; BARICHELLO, 2013, p. 65).

    Segundo Hjarvard (2012), foi por meio das affordances de mdias com

    carter mais descentralizador e interativo (como as denominadas mdias sociais)

    que emergiu uma nova fase da presena dos meios de comunicao na vida social.

    Trata-se da midiatizao, processo histrico constitudo por fora da internet e das

    mdias digitais que opera importantes deslocamentos nas estratgias institucionais

    discursivas das organizaes jornalsticas, e que caracteriza o atual ecossistema de

    meios.

    Do ponto de vista da instituio jornalstica, os impactos so significativos,

    alterando rotinas profissionais, modos de operao, interao com o pblico e

    critrios de noticiabilidade, gerando questionamentos sobre o prprio papel de

    mediao do jornalismo, que mobiliza historicamente as estratgias de

    representao de si das organizaes em seus enunciados.

    Essas rupturas so to ou mais complexas em se tratando dos processos

    desencadeados nas organizaes jornalsticas pela participao dos interagentes

    nas redes sociais da internet. Enquanto medium9 (MCLUHAN, 1964), as

    plataformas em que essas redes sociais operam constituem uma ambincia que

    condiciona no apenas seus usos e apropriaes, mas interfere nas lgicas do

    ecossistema como um todo, afetando a instituio jornalstica.

    Neste contexto midiatizado, as organizaes miditicas, que at ento

    funcionaram sob a lgica do sistema de massas, passam a operar em outra

    ambincia que tem na cultura da convergncia uma de suas principais marcas. A

    convergncia tecnolgica, a cultura da participao e a inteligncia coletiva que a

    permeiam alteram as lgicas pelas quais as instncias de produo e recepo se

    relacionam (JENKINS, 2008).

    No caso das organizaes jornalsticas, monitorar as redes sociais, tentar

    participar das conversas e inserir o leitor em seus processos de produo

    (jornalismo participativo ou cidado) so algumas das estratgias de adaptao a

    9 Um medium uma tecnologia pensada em seu carter sociotcnico, envolvendo suas

    caractersticas materiais, mas tambm o entorno cultural que cria a partir de suas apropriaes

    sociais.

  • 10

    Curitiba, v. 18. n.2. p. 03-19, jul./dez. 2014. ISNN: 1980-5276

    este cenrio. As transformaes no campo institucional manifestam-se, tambm,

    no discurso jornalstico, por meio de seus enunciados informativos e editoriais.

    H uma substituio das estratgias que visam reforar a viso do

    jornalismo como espelho da realidade pela autorreferencialidade, que chama

    ateno para a realidade da construo no jornalismo (FAUSTO NETO, 2006).

    Segundo Ribeiro e Foss (2011), o discurso voltado para a autorreferencialidade

    nas matrias informativas e nos editoriais pode ser compreendido como uma

    estratgia que visa construir a imagem de si das organizaes na atualidade.

    Se essas transformaes no ethos ocorrem na enunciao dos enunciados

    jornalsticos de natureza informativa, em que o compromisso com a realidade

    exterior ao discurso (os fatos) sempre foi maior, nos enunciados de natureza

    editorial as mudanas podem ser ainda mais facilmente observadas. O propsito

    no , neste trabalho, mapear o uso da autorreferncia por parte da organizao

    jornalstica, mas identificar, em alguns enunciados institucionais, estratgias que

    mostrem adaptao do ethos jornalstico s lgicas participativas das redes sociais

    da internet, justificando, assim, o enquadramento da questo da imagem de si na

    perspectiva ecolgica dos meios.

    Na prxima seo, apresentamos nossa anlise exploratria nas cartas da

    editora Marta Gleich, publicadas no Blog do Editor, em que foram encontradas

    menes s redes sociais da internet e incluso do jornal nas lgicas do

    ecossistema miditico digital.

    A Carta da Editora de Zero Hora

    O nosso objeto de anlise se trata de um espao de natureza editorial

    embora seja assinado10

    publicado nas edies impressa e on-line de Zero Hora

    (onde veiculado no Blog do Editor). O blog apresenta postagens,

    principalmente, de autoria do editor-chefe do jornal (Carta do Editor), Nilson

    Vargas, e da diretora de redao, Marta Gleich (Carta da Editora). Tambm

    escrevem, no blog, diretores do Grupo RBS, editores das diferentes editorias do

    10

    No se trata do tradicional editorial, que traz a opinio da empresa, sem assinatura do autor, mas

    de espao editorial, por trazer a opinio dos editores que representam a redao e, tambm, a viso

    empresarial do jornal.

  • 11

    Curitiba, v. 18. n.2. p. 03-19, jul./dez. 2014. ISNN: 1980-5276

    jornal e, eventualmente, outros jornalistas da organizao. O contedo das

    postagens, que variam entre cartas, comentrios e relatos, em geral diz respeito a

    questes internas sobre o fazer jornalstico de ZH, marcados por autorreferncias

    aos bastidores de produo de reportagens, feitos conquistados pelos jornalistas

    (prmios e destaques), e relatos sobre os processos de transformao editorial do

    jornal.

    Neste trabalho, fizemos uma anlise exploratria focada nas cartas da

    diretora de redao, publicadas no blog, devido nfase dada, nos enunciados da

    autora, s manifestaes dos leitores nas redes sociais da internet com crticas ou

    outros comentrios referentes ao jornal, assim como importncia crescente dada

    ao que os leitores, e potenciais leitores, dizem sobre o jornal na internet. A

    escolha por esses textos deve-se ao problema que motivou a pesquisa, com o

    interesse de compreender as transformaes na voz institucional do jornal diante

    das mudanas operadas com sua insero no ecossistema miditico digital, por

    fora da ambincia sociotcnica constituda pelas affordances desses meios.

    Coletamos algumas cartas que apresentassem meno, em enunciados

    institucionais11

    , s redes sociais da internet para, por meio de anlise exploratria,

    comearmos a compreender as estratgias de adaptao do discurso institucional

    da organizao jornalstica (que representa seu ethos, sua imagem de si) a essa

    ambincia permeada de valores como participao e interao com o leitor,

    representada pelas redes sociais digitais. A carta publicada no dia 06 de abril de

    2013 (GLEICH, 2013)12

    a principal manifestao da forma como podem ser

    percebidas as transformaes estratgicas da voz institucional das organizaes

    jornalsticas, visando se adequar ao ecossistema miditico digital. Foi publicada

    aps os protestos contra o aumento no preo da passagem do transporte pblico,

    em Porto Alegre, em abril de 2013. Na carta, a editora menciona que o jornal

    recebeu crticas pela cobertura dada aos protestos crticas que motivaram uma

    mudana na cobertura, e destaca alguns comentrios dos leitores nas redes sociais,

    divididos em dois episdios:

    11

    Encontramos vrias menes s redes sociais da internet em postagens no mesmo blog, muitas

    voltadas para divulgar aes desenvolvidas pelo jornal em seu perfil no Instagram ou em sua

    pgina do Facebook. No entanto, deixamos esse tipo de postagem fora da anlise para dar nfase

    s manifestaes dos editores sobre a importncia das redes sociais na enunciao do jornal sobre

    si. 12

    Ver nota 3.

  • 12

    Curitiba, v. 18. n.2. p. 03-19, jul./dez. 2014. ISNN: 1980-5276

    Episdio 1 Na manifestao do dia 27 de maro em frente

    prefeitura, foram quebradas vidraas, veculos da guarda municipal

    foram danificados e o secretrio Cezar Busatto foi atingido com tinta

    vermelha. Zero Hora estampou na capa, no dia seguinte, a foto de um

    veculo com vidros quebrados e, numa imagem menor, o secretrio.

    Uma das repercusses em redes sociais: A capa de Zero Hora de hoje chega a dar nojo. Diz que foi depredao o que ocorreu ontem no

    protesto, e coloca a foto do secretrio todo sujo de tinta. Outra: Zero Hora pode limitar nosso protesto (exigncia de subsdio) chamando-o apenas de depredao, tudo bem, teve, dentre outras

    coisas bem (mas beeeem) mais importantes. E mais uma: Sou contra o subsdio, no justo que toda a sociedade pague para

    benefcios de alguns. Acho muito mais justo discutir esse excesso de

    gratuidades. Mas qualquer protesto que faz o que foi feito ontem perde

    todo o meu apoio. Quem vandaliza uma viatura no pode reclamar a

    falta de segurana. Quem quebra o patrimnio pblico, no pode

    reclamar que falta dinheiro para sade. Quem fere quem se predispe

    a ter o dilogo do teu protesto, no pode reclamar de decises tcnicas

    tomadas nos gabinetes!!! Episdio 2 Na manifestao seguinte, a da segunda-feira, dia 1, o nmero de participantes chegou a 5 mil, segundo a Brigada Militar.

    Publicamos na capa uma foto impressionante, da massa nas ruas do

    Centro. Acreditamos que aquela imagem resumiu muito bem o que

    aconteceu. Mas a vem a autocrtica que fizemos , a reportagem enfocou predominantemente a ausncia de confuso e tumulto, j que

    no protesto anterior esta tinha sido a tnica. No reproduzimos

    adequadamente o crescimento da manifestao, nem demos relevncia

    ao motivo da unio daquelas pessoas: o valor da tarifa e a qualidade

    do transporte. Recebemos crticas, vindas de apoiadores dos

    protestos. Uma delas: A chamada do site de ZH imediatamente aps o protesto no foi a manifestao, a quantidade de pessoas que l

    estiveram, a unidade construda pelo enorme grupo, ou o carter justo

    inseparvel das reivindicaes. A manchete foi que a mobilizao

    terminou sem confrontos. a no-notcia de quem viciou-se, pelo costume institucionalizado, naturalizado, em cobrir manifestaes

    apenas para criminaliz-las. (GLEICH, 2013, grifo nosso).

    Aps as manifestaes dos leitores, nas redes sociais, nos dois episdios, o

    jornal fez uma autocrtica sobre o tom de sua cobertura aos protestos na capital. A

    voz das redes sociais foi ouvida e levada em considerao.

    Na tera-feira tarde, dia 2, chamei uma reunio com os editores de

    Poltica e de Geral, responsveis pela cobertura, para avaliar

    nosso trabalho. Conclumos que, sim, o enfoque correto no era

    apenas menos confuso, era tambm a grande mobilizao e o debate sobre o transporte coletivo. Quem so, o que querem, como se

    organizam os lderes e manifestantes? Combinamos que, para o dia

    seguinte, daramos visibilidade a este fenmeno que rene

    diferentes perfis e grupos. (GLEICH, 2013, grifo nosso).

    Conforme Marta Gleich, as crticas continuaram, apesar da mudana, mas

    desta vez o jornal tambm recebeu elogios:

  • 13

    Curitiba, v. 18. n.2. p. 03-19, jul./dez. 2014. ISNN: 1980-5276

    [...] No texto de Carlos Rollsing, mostramos quem so e o que pensam

    os vrios grupos que formam esses protestos. O que no nos impediu

    de levar chumbo nas redes sociais, de novo. Alguns exemplos:

    Primeiro a ZH mete o pau nos manifestantes sendo que os demais veculos falaram totalmente o contrrio, claro, vocs no podem ir

    contra quem larga MUITA grana a, depois ficam assoprando a ferida

    pra no passarem por ruim. Na real, qual a posio de vocs? Zero Hora se fazendo de bonita agora que o protesto tomou corpo. Antes era tudo um bando de baderneiros, vndalos, bandidos.

    Mas tambm recebemos elogios:

    Parabns pela primeira matria decente e no tendenciosa que vocs fazem sobre o aumento de passagem. Parabns pela matria do Carlos. Avaliao muito bem feita, apesar de enfatizar o papel dos partidos e dos anarquistas. Eles ainda tm

    uma posio mais diminuta na conjuntura, tanto os partidos quanto os

    anarca, mas a avaliao de vocs foi muito mais poltica do que

    ideolgica desta vez. (GLEICH, 2013, grifo nosso).

    Percebemos nos enunciados dessa Carta da Editora, por meio da

    valorizao das manifestaes dos leitores e da crtica do jornal sobre sua prpria

    atuao a adaptao do discurso institucional de Zero Hora ao ecossistema

    miditico digital, motivada pela ampliao da participao dos interagentes nas

    redes sociais da internet. As lgicas das redes sociais digitais, permeadas pela

    conversao entre os interagentes, lana para o jornalismo o desafio de se inserir

    nessa ambincia.

    Ao ouvir e mostrar que o faz na enunciao autorreferencial da carta

    Zero Hora demonstra uma estratgia comunicacional voltada para essa adaptao,

    procurando construir uma imagem de si adequada ao atual contexto. Na

    enunciao de Gleich (2013), importante para ZH dizer: [...] mesmo que nem

    todos acreditem, ouvimos o que os leitores dizem, fazemos autocrtica e

    auscultamos as redes sociais como mais um elemento para melhorar nosso

    trabalho.

    Na carta do dia 25 de maio13

    , a editora voltou a falar do carter cada vez

    mais participativo do jornal, desta vez no em relao a alguma cobertura

    especfica, mas sobre a equipe de inovao do jornal, que trabalha na pesquisa e

    desenvolvimento de aplicativos e tecnologias que possam ampliar a insero do

    jornal no ecossistema digital. Mais uma vez, percebemos uma estratgia de

    manifestao, no discurso institucional, de um ethos voltado ao ecossistema

    13

    Disponvel em: . Acesso em: 24/05/2014.

  • 14

    Curitiba, v. 18. n.2. p. 03-19, jul./dez. 2014. ISNN: 1980-5276

    digital, com destaque para um processo de reconstruo do jornal nesse cenrio,

    com foco na interao cada vez maior com o leitor.

    Para os 50 anos de Zero Hora, que sero comemorados em maio de

    2014, o time j comeou a trabalhar. Uma de suas misses no s

    garantir uma forte presena digital de ZH hoje na internet, em

    tablets e smartphones, mas tambm pensar como voc, leitor, ler o

    seu jornal no futuro. (GLEICH, 2013, grifo nosso).

    O papel do leitor e das redes sociais nas transformaes do jornal em seus

    50 anos, mencionadas pela editora, ganharam fora nos enunciados das cartas

    publicadas em 2014. A carta do dia 22 de maro14

    destaca a conquista do nmero

    de um milho de curtidores na pgina de ZH, no site de rede social Facebook.

    Sabemos que no agradamos sempre. Nem queremos unanimidade.

    Mas o fato que, como diz a Brbara Nickel, nossa editora do Leitor,

    no imaginvamos que o Facebook de Zero Hora, lanado em

    2009, se tornasse um espao de debates to rico:

    Pelo Facebook, conversamos com os nossos leitores diariamente e conseguimos conhec-los melhor. Os questionamentos e as crticas

    nos ajudam a melhorar constantemente o trabalho que fazemos na

    Redao. Tambm recebemos sugestes e comentrios que acabam

    virando reportagens, e dos quais s ficamos sabendo graas a esse

    contato permanente com nosso pblico diz ela. O Facebook de ZH isso: um lugar para nos aproximarmos do

    leitor, para debates e para informao. (GLEICH, 2014, grifo

    nosso).

    Alm de, como nas outras cartas analisadas, observarmos a valorizao

    insero do jornal nas lgicas do ecossistema miditico digital, nessa postagem a

    nfase recai na adaptao do jornal ao Facebook, especificamente. O site de rede

    social compreendido pela editora de mdias sociais, mencionada por Gleich,

    como um espao de debates e contato com o leitor do jornal, inclusive para a

    busca por sugestes de pautas junto ao leitor presente nessa ambincia.

    A participao do leitor nas redes sociais, e em outros locais oferecidos

    pelo jornal em seus espaos na internet, foi considerada pelos editores como parte

    de um processo fundamental na transformao prometida para quando ZH

    completasse 50 anos, em maio de 2014. A adaptao do jornal ao ecossistema

    miditico digital, anunciada nas cartas analisadas anteriormente, ficou mais clara

    na carta da editora do dia 3 de maio de 2014. Segundo Gleich (2014a), ao se

    14

    Disponvel em: . Acesso em: 24/05/2014.

  • 15

    Curitiba, v. 18. n.2. p. 03-19, jul./dez. 2014. ISNN: 1980-5276

    tornar cinquentenrio, o jornal virou beta, como um software recm-lanado,

    sujeito a mudana e inovao a partir das demandas do usurio.

    As transformaes no mundo, na cidade onde voc mora, no jeito de

    consumir informao, na forma como se relaciona com as pessoas,

    com que lida com a tecnologia so vertiginosas. Se voc e eu e o resto

    do mundo e o time de ZH e este jornal no nos reinventarmos

    todo dia, ficaremos para trs. (GLEICH, 2014, grifo nosso).

    A necessidade de se reinventar e estar aberto a mudanas no parece

    suficiente para o jornal. preciso transformar tambm a imagem sobre si mesmo

    junto ao leitor por meio dos espaos institucionais, enunciando esse carter

    mutante em que o pblico, em tese, ter papel central. Os enunciados estratgicos

    indicam a oferta de outro contrato comunicacional, no mais focado apenas no

    fornecimento de informaes, mas voltado para uma imagem de jornal atento ao

    ambiente sociotcnico.

    Fizemos tudo isso conectados ao leitor. O que voc espera? Como

    quer ler seu jornal? Quais contedos gostaria de ter mais ou menos? Houve pesquisas online, presenciais, em profundidade. Que

    continuam. E vamos ajustando o jornal. O de domingo resultado

    dessas investigaes junto ao pblico. Vocs pediram mais

    profundidade. Vocs pediram uma editoria como Sua Vida. Vocs

    pediram novos colunistas. E a gente vai mudando. (GLEICH, 2014,

    grifo nosso).

    Os enunciados da editora de Zero Hora (GLEICH, 2013; 2014a; 2014b;

    2014c), brevemente analisados neste trabalho, ilustram transformaes que

    consideramos estratgicas porque so mostradas justamente em um dispositivo de

    encenao do discurso institucional, neste caso o Blog do Editor. Ou seja, no foi

    simplesmente convocada uma reunio de pauta para reconduo da cobertura dos

    protestos em Porto Alegre, em abril de 2013, mas essa prtica precisou tambm

    ser institucionalmente enunciada, da mesma forma que as outras menes ao

    carter inovador do jornal.

    A estratgia, neste caso, demonstra que o discurso da objetividade, at

    recentemente essencial na legitimao do discurso institucional do jornalismo,

    torna-se menos relevante diante da necessidade de estar atento ao que pensa o

    pblico e mostrar isso no discurso. No levar em conta as manifestaes das redes

    sociais seria, provavelmente, no atual contexto de participao, correr um risco

    muito alto em termos de credibilidade, que ao final das contas o que mantm o

  • 16

    Curitiba, v. 18. n.2. p. 03-19, jul./dez. 2014. ISNN: 1980-5276

    contrato no jornalismo e tambm sua sustentabilidade em um ecossistema

    marcado pela ampla concorrncia.

    No entanto, apesar da enunciao voltada para a interao com o pblico,

    no Blog do Editor, onde so veiculadas as cartas dos editores, nem sempre a

    interao ocorre na prtica. A maioria dos comentrios feitos por leitores no blog

    no recebe resposta. Da mesma forma, uma observao na pgina do jornal no

    Facebook demonstra que os comentrios dos leitores raramente so respondidos.

    Ou seja, o jornal se diz aberto participao, muitas vezes ouve essas

    vozes das redes sociais da internet e as utiliza em suas pautas e autocrticas

    conforme observamos nas cartas aqui discutidas, mas ainda tem dificuldade para

    conversar diretamente com o leitor nos espaos de interao. Temos a hiptese de

    que essa dificuldade deve-se mais a questes estruturais, como falta de pessoal e

    de tempo para atender a essas demandas, do que falta de interesse, questes que

    pretendemos investigar em uma pesquisa em andamento.

    Outras consideraes

    Em fevereiro deste ano, dez jornais norte-americanos, reunidos em um

    congresso no Texas, apontaram que a sada para o setor no atual contexto de

    transformaes tecnolgicas, sociais e econmicas est na conquista do

    denominado engajamento comunitrio s possvel por meio de estratgias com

    foco na interatividade e na participao da comunidade de leitores15

    . Segundo

    Carlos Castilho16

    , os jornais esto descobrindo que preciso estreitar a parceria

    com o pblico para assegurar a prpria sobrevivncia. O motivo que a notcia

    o principal produto jornalstico at hoje s obtm circulao, atualmente, se

    tiver o engajamento dos leitores, o que ocorre cada vez mais por meio das redes

    sociais da internet.

    nessa ambincia que a notcia circula, por meio de compartilhamentos,

    curtidas, comentrios, em que o trabalho do jornal recebe crticas, elogios ou

    sugestes. Ao voltar para a redao, ressignificada pelos leitores nas redes

    15

    Sobre as resolues do encontro, ver em: . Acesso em: 05/05/2014. 16

    Idem nota anterior.

  • 17

    Curitiba, v. 18. n.2. p. 03-19, jul./dez. 2014. ISNN: 1980-5276

    digitais, a notcia retrabalhada para continuar seu ciclo de produo e consumo,

    em um processo circular. Diante de um pblico que tambm informa e opina nas

    redes sociais da internet, o discurso da objetividade pelo qual as organizaes

    jornalsticas representaram seu ethos historicamente j no se sustenta sozinho,

    tornando mais frgil a construo da imagem das organizaes jornalsticas como

    simples reprodutoras ou mesmo construtoras legtimas do real.

    Sob a perspectiva ecolgica da mdia, a ambincia de participao que

    emerge do ecossistema miditico digital, por fora das mdias e redes sociais,

    afeta particularmente a imagem de si das organizaes jornalsticas. A construo

    do ethos, que faz parte do contrato com a audincia, adapta-se, assim, ao contexto

    tecnossocial. As cartas da editora de Zero Hora no Blog do Editor, analisadas de

    forma exploratria neste artigo, indicam um cenrio que se encontra em atividade.

    Os enunciados institucionais com meno s redes sociais e incluso das

    manifestaes dos leitores na construo da imagem de si do jornal demonstram

    uma adaptao gradual do jornal ao ecossistema miditico de matriz digital, e

    aponta, possivelmente, uma tendncia emergente para o jornalismo como um

    todo.

    No entanto, so apenas pistas, indicativos de uma transformao em curso.

    Assim, as anlises aqui apresentadas no possuem um tom conclusivo, mas da

    mesma forma como nosso objeto, um carter processual que, por isso, merece

    nosso olhar atento. As transformaes, na enunciao jornalstica, mobilizadas

    pela participao dos leitores nas redes sociais da internet especialmente nos

    espaos institucionais indicam, neste sentido, uma adequao do jornalismo ao

    ecossistema miditico digital, que se encontra em plena processualidade,

    demandando pluralidade de olhares e objetos investigados para sua compreenso.

    REFERNCIAS

    AMOSSY, Ruth. Da noo retrica de ethos anlise do discurso. In:

    __________. A imagem de si no discurso: a constituio do ethos. Editora

    Contexto, 2005.

    ALSINA, Miguel Rodrigo. A construo da notcia. Petrpolis: Vozes, 2009.

  • 18

    Curitiba, v. 18. n.2. p. 03-19, jul./dez. 2014. ISNN: 1980-5276

    BAKHTIN, Mikhail. Os gneros do discurso. In: Esttica da criao verbal, v.

    4, p. 261-306, 1992.

    BENETTI, Marcia; HAGEN, Sean. Jornalismo e imagem de si: o discurso

    institucional das revistas semanais. Estudos em Jornalismo e Mdia, v. 7, n. 1, p.

    123-135, 2010.

    BENETTI, Marcia. O jornalismo como gnero discursivo. Galxia, v. 15, p. 13-

    28, 2008.

    BERGER, Peter L.; BERGER, Brigitte. O que uma instituio social. Sociologia

    e sociedade: leituras de introduo sociologia, v. 1, p. 163-168, 1977.

    BOYD, Danah M.; ELLISON, Nicole B. Social Network Sites: Definition,

    History, and Scholarship. In: Journal of Computer-Mediated Communication.

    Volume 13, Issue 1, october 2007, pages: 210230.Disponvel em:

    .

    Acesso em: 22/04/2009.

    CANAVILHAS, J. El nuevo ecosistema meditico. Index Comunicacin, vol. 1,

    p. 13-24, 2011.

    CARVALHO, Luciana Menezes; BARICHELLO, Eugenia Mariano da Rocha.

    Legitimao das organizaes miditicas no ecossistema digital. In:

    RUBLESCKI, Anelise. BARICHELLO, Eugenia Mariano da Rocha. Ecologia da

    Mdia. Santa Maria: FACOS-UFSM, 2013.

    CHAPARRO, Manuel Carlos. Jornalismo no se divide em opinio e

    informao. Portugal, 1998. Disponvel em: . Acesso em: 03/08/2010.

    CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mdias. So Paulo: Contexto, 2009.

    FAUSTO NETO, Antnio. Mutaes nos discursos jornalsticos: da construo da realidade realidade da construo. Edio em jornalismo: ensino, teoria e prtica. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006.

    GLEICH, Marta. A cobertura das manifestaes. Carta da editora. Em: Blog do

    Editor, 2013. Disponvel em: . Acesso em: 10/07/2013.

    GLEICH, Marta. Uma usina de inovao. Carta da Editora. Em: Blog do Editor,

    2013a. Disponvel em: . Acesso em: 24/05/2014a.

    GLEICH, Marta. A redao agradece ao leitor. Carta da Editora. Em: Blog do

    Editor, 2014. Disponvel em: . Acesso em:

    24/05/2014b.

  • 19

    Curitiba, v. 18. n.2. p. 03-19, jul./dez. 2014. ISNN: 1980-5276

    GLEICH, Marta. Zero Hora virou beta. Carta da Editora. Em: Blog do Editor,

    2014. Disponvel em: . Acesso em: 24/05/2014c.

    HJARVARD, Stig. Midiatizao: teorizando a mdia como agente de mudana

    social e cultural. Matrizes, ano 5, n. 2, jan/jun., 2012.

    JENKINS, Henry. Cultura da convergncia. So Paulo: Aleph, 2008.

    MAINGUENEAU, Dominique. A propsito do Ethos. IN: MOTTA, Ana Raquel;

    SALGADO, Luciana. Ethos discursivo. So Paulo: Contexto, 2008.

    MCLUHAN, Marshall. Understanding Media: the extensios of man. New York:

    New American Library, 1964.

    MELO, Jos Marques de. Jornalismo Opinativo: gneros opinativos no

    jornalismo brasileiro. Campos do Jordo: Mantiqueira, 2003.

    NAUGHTON, J. Blogging and the emerging media ecosystem. Universidade de

    Oxford, 8, nov., 2006. Disponvel em: . Acesso em: 16/06/2012.

    PONTE, Cristina. Para entender as notcias: linhas de anlise do discurso

    jornalstico. Insular, 2005.

    POSTMAN, N. The Humanism of Media Ecology. (2000). Online. Disponvel

    em: . Acesso em: 16/06/2012.

    RECUERO, Raquel. A rede a mensagem: efeitos da difuso de informaes nos

    sites de rede social. In: VIZER, Eduardo A. Lo que McLuhan no predij.

    Buenos Aires: La Cruja, 2012.

    RIBEIRO, Daiane Bertasso; FOSS, Maria Ivete Trevisan. O discurso

    jornalstico autorreferencial como estratgia de construo da imagem de si. Estudos em Jornalismo e Mdia, v. 8, n. 2, p. 339-354, 2011.

    RINGOOT, Roselyne. Por que e como analisar o discurso no contexto dos estudos

    sobre jornalismo? In: Comunicao e Espao Pblico, ano IX, n. 1 e 2, 2006.

    Disponvel em: . Acesso em 25/06/2013.

    RUBLESCKI, Anelise. A crise de identidade do Jornalismo na nova ecologia

    miditica. In: RUBLESCKI, Anelise; BARICHELLO, Eugenia. (Org.). Ecologia

    da Mdia. Santa Maria: Facos-UFSM, 2013, v. 1, p. 111-127.

    VIZEU PEREIRA JUNIOR, Alfredo. O jornalismo e as "teorias intermedirias. XXVI Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao - Mdia, tica e

    Sociedade. Belo Horizonte MG. 2-6 set 2003. Anais... So Paulo: Intercom, 2003.