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1257 O MODELO REGULATÓRIO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS NO BRASIL: REFLEXÕES SOBRE A RELEVÂNCIA DA POLÍTICA DO DISCLOSURE THE SECURITIES MARKET REGULATORY MODEL IN BRAZIL: REFLECTIONS ON THE RELEVANCE OF THE DISCLOSURE POLICY Rosiris Paula Cerizze Vogas Bernardo Araujo Costa RESUMO A transparência na divulgação de informações no âmbito do mercado de valores mobiliários é de fundamental importância, uma vez que este mercado exerce significativa influência no desenvolvimento econômico do país e na captação de recursos de longo prazo para as empresas. O presente estudo visa a compreensão dos elementos estruturantes do modelo regulatório do mercado de valores mobiliários no Brasil, enfatizando a relevância da adoção da Política do Disclosure. Parte-se do exame dos aspectos legais do mercado de valores mobiliários e da competência do órgão regulamentar do país, qual seja a CVM, que tem por missão a garantia da tutela da informação. As reflexões trazidas à baila permitem assegurar que o modelo adotado pelo legislador pátrio é legítimo, sendo plenamente capaz de atender aos ditames de um mercado globalizado. Porém, ainda está em plena evolução e merece mais atenção por parte da sociedade em geral para que se possa alcançar o nível de eficiência e segurança necessário. PALAVRAS-CHAVES: MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS, DISCLOSURE, GOVERNANÇA CORPORATIVA, REGULAÇÃO, CVM. ABSTRACT The transparency in the dissemination of information within the securities market is very important, since this market exerts significant influence economic development of the country and in fund-raising for long-term business. This study aims to understand the structural elements of the model regulatory securities market in Brazil, emphasizing the importance of adopting the policy of disclosure. It is examining the legal aspects of the securities market and the competence of the country's regulatory body, which is the CVM, responsible for ensuring the protection of information. The reflections moot to ensure that the model adopted by the legislature homeland is legitimate and is fully capable of answering to the dictates of a globalized market. However, is still in full Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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O MODELO REGULATÓRIO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS NO BRASIL: REFLEXÕES SOBRE A RELEVÂNCIA DA POLÍTICA DO

DISCLOSURE

THE SECURITIES MARKET REGULATORY MODEL IN BRAZIL: REFLECTIONS ON THE RELEVANCE OF THE DISCLOSURE POLICY

Rosiris Paula Cerizze Vogas Bernardo Araujo Costa

RESUMO

A transparência na divulgação de informações no âmbito do mercado de valores mobiliários é de fundamental importância, uma vez que este mercado exerce significativa influência no desenvolvimento econômico do país e na captação de recursos de longo prazo para as empresas. O presente estudo visa a compreensão dos elementos estruturantes do modelo regulatório do mercado de valores mobiliários no Brasil, enfatizando a relevância da adoção da Política do Disclosure. Parte-se do exame dos aspectos legais do mercado de valores mobiliários e da competência do órgão regulamentar do país, qual seja a CVM, que tem por missão a garantia da tutela da informação. As reflexões trazidas à baila permitem assegurar que o modelo adotado pelo legislador pátrio é legítimo, sendo plenamente capaz de atender aos ditames de um mercado globalizado. Porém, ainda está em plena evolução e merece mais atenção por parte da sociedade em geral para que se possa alcançar o nível de eficiência e segurança necessário.

PALAVRAS-CHAVES: MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS, DISCLOSURE, GOVERNANÇA CORPORATIVA, REGULAÇÃO, CVM.

ABSTRACT The transparency in the dissemination of information within the securities market is very important, since this market exerts significant influence economic development of the country and in fund-raising for long-term business. This study aims to understand the structural elements of the model regulatory securities market in Brazil, emphasizing the importance of adopting the policy of disclosure. It is examining the legal aspects of the securities market and the competence of the country's regulatory body, which is the CVM, responsible for ensuring the protection of information. The reflections moot to ensure that the model adopted by the legislature homeland is legitimate and is fully capable of answering to the dictates of a globalized market. However, is still in full

Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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progress and deserves more attention from society at large so that it can achieve the level of efficiency and security needed.

KEYWORDS: SECURITIES MARKETS, DISCLOSURE, CORPORATE GOVERNANCE, REGULATION, CVM.

1 INTRODUÇÃO

A expansão do mercado de valores mobiliários, principalmente percebida no final do Século XX, é uma realidade marcante composta por diversos fenômenos da atividade econômica e uma intensidade de fatos que exigem uma regulamentação cada vez mais adequada e eficiente.

Neste contexto é inegável o grande avanço do ordenamento jurídico brasileiro no sentido de impor mais segurança às transações realizadas pelos agentes desse mercado, contribuindo para uma maior transparência nas atividades desenvolvidas pelas instituições financeiras, bem como assegurando maior proteção aos investidores.

Os elementos da regulação do mercado de valores mobiliários no Brasil foram estruturados a fim de garantir uma adequada alocação de recursos, a competitividade das empresas na busca por capitais, além do desenvolvimento econômico e social do país. Para alcançar tais objetivos, uma das principais ferramentas é a adoção da política de divulgação de informações ampla e transparente (disclosure), a qual é instituto basilar das melhores práticas de governança corporativa, além de ser um dos princípios[1] que regem o mercado.

O princípio da proteção da transparência da informação é fundamental não só para os agentes do mercado, como também para os empregados das empresas, governo e toda a sociedade. Mais do que servir como importante instrumento para o fortalecimento do mercado de capitais, a política de divulgação de informações implica na valorização e capitalização da empresa, na medida em que quanto maior a qualidade e transparência das informações prestadas ao mercado, maiores são as chances de atração de investimentos com razoável custo de capital.

A CVM cumpre relevante papel no sentido de fortalecer o mercado e garantir a sua segurança jurídica, orientando-se pelos princípios informadores do mercado de capitais previstos na Lei nº 6.385/1.976[2], que criou a autarquia no Brasil. Assim, o exercício da atividade regulatória da CVM objetiva a manutenção da eficiência e da confiabilidade no mercado de valores mobiliários. Por isso, é que contribui para a discussão em foco, ainda que de forma perfunctória, o exame da natureza jurídica, competência e atribuições da CVM.

O propósito do presente estudo é exatamente o de tentar buscar juridicamente na regulação do mercado de valores mobiliários o melhor nível de disclosure, que conforme explica Modesto Carvalhosa[3], significa a maior proteção possível aos investidores, mediante o menor custo para os emissores de valores mobiliários.

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A proteção que se busca é imprescindível para o mercado, que por meio do desenvolvimento de estruturas de regulação vem tentando evitar práticas fraudulentas que acabam por abalar a confiança do público em geral e afastar recursos do mercado. O investidor deve ter a garantia de pleno acesso a informações claras, verdadeiras e suficientes para que possa decidir-se pela realização ou não de determinado negócio jurídico.

Neste trabalho, buscou-se preliminarmente a análise do conceito do mercado de valores mobiliários e seu objeto (os valores mobiliários). Após, foi feita uma abordagem histórica acerca dos principais marcos legais aplicáveis à matéria, enfatizando a preocupação do legislador com a tutela da informação como forma de garantir a segurança e eficiência do mercado. Perquiriu-se ainda a competência e atribuições da CVM visando avaliar os motivos pelos quais o órgão regulador deve atuar na valorização do princípio da proteção da transparência das informações. Finalmente, foi apresentada a Política do Disclosure¸ como elemento estruturante do modelo regulatório do mercado de valores mobiliários no Brasil, bem como pilar das melhores práticas de Governança Corporativa.

A análise do modelo regulatório do mercado de valores mobiliários no Brasil é tarefa árdua e significa partir de uma escassa pesquisa bibliográfica. O que se encontra é uma doutrina e construção regulatória excessivamente técnicas, repleta de argumentos econômicos, não raro de difícil compreensão pelos operadores do direito. Assim, é preciso socorrer-se a pareceres e artigos esparsos em revistas especializadas, já que não há uma concentração sistemática em obras de peso acerca de todos os assuntos relacionados à temática que ora pretende-se evidenciar.

Por outro lado, a quantidade de normas aplicáveis a este mercado, eivadas de imprecisão de conceitos, lacunas e obscuridades, vem despertando nos juristas o interesse pelo estudo do “Direito do Mercado Financeiro e de Capitais”, como já começa a ser referido este pulsante ramo do Direito Econômico, que pela sua complexidade, ainda precisa de aprofundamento jurídico científico, no sentido de buscar soluções mais adequadas e eficientes, já que a experiência tem mostrado que não basta a importação de modelos estrangeiros, dada as peculiaridades da conjuntura sócio-econômica brasileira.

2 MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS: CONCEITO E OBJETO

São várias as discussões jurídicas em relação aos conceitos que aqui serão tratados. Contudo, não se pretende aprofundar nestes debates, mas tão somente tratar das linhas gerais desses conceitos como forma de melhor situar e introduzir o tema, qual seja a estruturação do modelo regulatório do mercado de valores mobiliários no Brasil em função da Política do Disclosure.

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É comum encontrar a caracterização do mercado de valores mobiliários, também conhecido como mercado de capitais, como um segmento ou subsistema do mercado financeiro, o qual operacionaliza os instrumentos de intermediação financeira.

A maioria dos autores costuma classificar o mercado financeiro em quatro segmentos, quais sejam: mercado monetário, mercado de crédito, mercado cambial e mercado de capitais. Interessa aqui o estudo do mercado de valores mobiliários. De forma mais simples, pode-se dizer que a principal característica deste mercado é o investimento, seja em dinheiro, seja em captações públicas ou outros bens com valor monetário, sendo que o investidor fornece capital de risco para algum determinado projeto ou empreendimento.

Por meio do mercado de valores mobiliários é possível a captação de recursos destinados ao financiamento de projetos, expansão, mudança de escala ou diversificação de negócios das empresas ou mesmo à reestruturação de passivos financeiros.

Nelson Laks Eizirik discorre acerca das definições do mercado de valores mobiliários:

Há definições amplas e estreitas do que seja o mercado de capitais: no primeiro caso, ele é identificado com o mercado financeiro; e, no segundo, é visto como um subsistema do mercado financeiro, referindo-se àquilo que, no Brasil, vem sendo chamado, em termos legais, de mercado de valores mobiliários, compreendendo as transações com ações e debêntures. [4]

Osmar Brina Corrêa Lima é categórico ao afirmar que o mercado de valores mobiliários é segmento integrante do mercado financeiro:

O mercado de valores mobiliários é um segmento do mercado de capitais que, por sua vez, integra o chamado mercado financeiro (...). Para as companhias abertas, o mercado de valores mobiliários funciona como um sistema de vasos comunicantes. Nele, as poupanças populares são captadas e canalizadas para o financiamento da atividade empresarial, através da aquisição de papéis emitidos pelas companhias para o autofinanciamento de seu capital de giro. [5]

Na mesma linha, Roberto Papini defende que o mercado de valores mobiliários é um “subsistema do mercado de capitais no qual se realizam operações de compra e venda de ações e outros valores mobiliários de emissão das sociedades anônimas.” [6]

Existem autores que acreditam que o mercado de valores mobiliários é um ramo autônomo em relação ao mercado financeiro. Segundo Roberto Quiroga Mosquera “o mercado de capitais ou mercado de valores mobiliários, ao contrário do mercado financeiro, é o mercado da desintermediação financeira” [7]. Para o autor, as operações

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são normalmente efetuadas diretamente entre poupadores e empresas, ou por meio de intermediários financeiros.

Em face de todos os conceitos trazidos a baila, denota-se que o mercado de valores mobiliários está inserido no contexto do sistema financeiro nacional, que para existir depende da geração de poupança de alguns e a necessidade de crédito para consumo ou investimentos por outros, sendo responsável pela intermediação desse fluxo de recursos.

Após avaliar o conceito de mercado de valores mobiliário, faz-se necessário um breve exame sobre o conteúdo e alcance de seu o objeto, qual seja o valor mobiliário.

Não há na legislação brasileira uma definição do que venha a ser valores mobiliários, tendo a Lei nº 6.385/1.976 limitado-se a enumerá-los. Apesar da ausência de uma expressa definição legal, a doutrina tem se preocupado com a construção jurídica de um conceito, principalmente pelo fato de que se um determinado título for considerado valor mobiliário, sua emissão e negociação públicas passam a estar sujeitas às normas e fiscalização da CVM.

O jurista Waldirio Bulgarelli[8] ao analisar o tema da inserção dos valores mobiliários na legislação brasileira, afirma que a referência mais relevante da expressão “valores mobiliários” encontra-se no artigo 2º da Lei 6.385/1.976. É o que dispõe aludido diploma legal com a redação que lhe foi dada pela Lei 10.303/2.001:

Art. 2º: São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:

I - as ações, debêntures e bônus de subscrição;

II - os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II;

III – os certificados de depósito de valores mobiliários;

IV – as cédulas de debêntures;

V- as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos;

VI – as notas comerciais;

VII – os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários;

VIII – outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e

IX – quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direitos de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.

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O parágrafo primeiro do artigo em comento exclui expressamente do regime da lei: (i) os títulos da dívida pública federal, estadual e municipal; e (ii) os títulos cambiais de responsabilidade das instituições financeiras, exceto as debêntures. Tais títulos não são fiscalizados pela CVM, mas sim pelo Banco Central.

Certo é que o legislador selecionou, a seu critério, aqueles que seriam valores aptos a negociação no mercado de capitais. Prova disso é que o conceito de valores mobiliários foi ampliado pela Lei nº 10.198/2.001, que inseriu o inciso IX no Art. 2º da Lei 6.385/1.976.

A alteração em questão serviu para regular os contratos com derivativos e commodities, notadamente os chamados “contratos de boi gordo” [9]. Assim, o novo conceito passa abarcar qualquer contrato de investimento oferecido publicamente, o que traz mais segurança ao mercado.

A nova redação dada pela Lei 10.303/2.001 ao artigo que trata do rol dos valores mobiliários reforçou o caráter amplo e flexível do conceito em tela, na medida em que o legislador afastou a mera enumeração dos valores mobiliários, passando a relação constante do Art. 2º da Lei 6.385/1.976 a ser exaustiva, ou seja, não mais pode ser ampliada mediante a edição de normas regulamentares.[10]

Tratou-se de uma boa solução dada pelo legislador, na medida em que assegurou uma definição ampla, necessária para adequar às constantes inovações e mutações do mercado e, de igual forma, trouxe uma definição precisa, de modo a garantir a previsibilidade necessária para que o mercado possa se desenvolver.

O trabalho de conceituação de valor mobiliário é importante, pois a partir daí pode-se verificar todas as atividades e entes que estejam envolvidos e relacionados no mercado, que, em seu conjunto, compreendem o mercado de capitais ou de valores mobiliários, sujeito ao poder normativo, fiscalizatório e sancionatório da CVM.

3 O MODELO REGULATÓRIO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS NO BRASIL

3.1 Abordagem Histórica dos Principais Marcos Legais do Mercado

O Sistema Financeiro Nacional, do qual faz parte o mercado de valores mobiliários, foi criado e estruturado por meio da Lei nº 4.595 de 31 de dezembro de 1.964, também conhecida como “Lei da Reforma Bancária”. Até então, o mercado financeiro no Brasil existia tão somente em função dos bancos comerciais, sendo que a partir daí, ocorreu a

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regularização do mercado paralelo de crédito e cresceu a especialização das instituições que fazem a intermediação dos negócios financeiros[11].

A Lei n° 4.728, de 14 de julho de 1.965, também conhecida como “Lei do Mercado de Capitais”, foi o primeiro diploma legal brasileiro a distinguir as companhias abertas de outros tipos societários, impondo àquelas, cujos valores mobiliários fossem admitidos à negociação em mercado organizado, o requisito de registro das distribuições públicas que pretendessem realizar[12]. Foi a primeira vez que o mercado de capitais foi disciplinado de forma separada do mercado financeiro.

A Lei nº 6.385 de 7 de dezembro de 1.976 dispôs sobre o mercado de valores mobiliários e criou a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, como sendo uma entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda, responsável pela regulação do mercado de capitais.

As sociedades anônimas no Brasil são reguladas pela Lei nº 6.404 de 15 de dezembro de 1976, que foi instituída na época em que o país vivia um cenário de próspero desenvolvimento econômico, durante o Governo de Ernesto Geisel, em que havia a premente necessidade de fortalecimento do mercado brasileiro de valores mobiliários, que vivenciava grave crise de credibilidade. Destaca-se que, com a promulgação da Lei das S/As, como é conhecida, houve a ordenação sistemática das companhias, promovendo ainda a institucionalização do sistema de disclosure¸ objeto de reflexão neste estudo.

De acordo com a Exposição de Motivos de nº 196, do então Ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, de 24 de junho de 1.976, a Lei das S/A tinha grandes objetivos:

O Projeto visa basicamente a criar a estrutura jurídica necessária ao fortalecimento do mercado de capitais de risco no País, imprescindível à sobrevivência da empresa privada na fase atual da economia brasileira. A mobilização da poupança popular e o seu encaminhamento voluntário para o setor empresarial exigem, contudo, o estabelecimento de uma sistemática que assegure ao acionista minoritário o respeito a regras definidas e eqüitativas, as quais, sem imobilizar o empresário em suas iniciativas, ofereçam atrativos suficientes de segurança e rentabilidade.

Assim, a Lei nº 6.385/76 e a Lei nº 6.404/76 formam a estrutura legal básica do mercado de valores mobiliários, juntamente com os atos regulamentares expedidos pelo Conselho Monetário Nacional e pelas agências governamentais (Banco central do Brasil e Comissão de Valores Mobiliários).

A Lei das S/A permaneceu inalterada por quase vinte anos[13]. Após este longo período, com a justificativa de incentivo ao desenvolvimento do mercado de capitais e com objetivo de estabelecer eficiente equilíbrio entre os interesses dos controladores e acionistas minoritários, tal lei foi alterada juntamente com a Lei nº 6.385/76, pela Lei nº 9.457 de 05 de maio de 1997. Esta norma visou principalmente facilitar os processos de reestruturação empresarial e de privatização das empresas sob controle estatal[14].

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Além disso, importou em significativas alterações do poder de polícia da CVM sobre os participantes do mercado.

Após, veio a Lei 10.198/2001, que constituiu importante marco no direito sobre o mercado de valores mobiliários, na medida em que conferiu acepção ampla ao conceito de valores mobiliários, conforme já tratado no item 2 acima.

Alterações profundas no mercado de valores mobiliários também foram introduzidas pela Lei 10.303/2001, que ampliou o direito dos acionistas minoritários e preferencialistas, além de conceder novos poderes à CVM.

O legislador preocupou-se também em coibir condutas lesivas no âmbito do mercado de valores mobiliários. Neste sentido, a Lei n 7.492/1986, também conhecida como “Lei do Colarinho Branco”, tratou dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Diversas condutas são tipificadas como crimes, dentre elas: impressão ou publicação não autorizadas; divulgação falsa ou incompleta de informação; sonegação de informação; gestão fraudulenta ou temerária; emissão, oferecimento ou negociação irregular de títulos ou valores mobiliários; fraude a fiscalização ou investidor, etc.

Mais recentemente a Lei 11.638/2007 promoveu significativas alterações na Lei das S/As, principalmente no que diz respeito ao regime contábil das Companhias, visando a harmonização e convergência das práticas contábeis no Brasil com os padrões internacionais de contabilidade, notadamente as regras emitidas pela Internacional Accounting Standards Board (IASB).

A observância das disposições desta Lei irá colaborar com o aprimoramento das práticas de governança corporativa pelas companhias, já que se exigirá maior transparência em relação às demonstrações financeiras das empresas. A conseqüência de tais mudanças, sem dúvida, será o alcance de maior credibilidade perante os investidores e o mercado em geral, além de ganhos de eficiência em decorrência da qualidade da informação.

3.2 Competência da CVM

A CVM é órgão do Poder Executivo que tem legitimidade para intervir no mercado de valores mobiliários. É o que dispõe o Art. 5º da Lei 6.385/1.976 que criou a CVM:

Art. 5º - É instituída a Comissão de Valores Mobiliários, entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, e autonomia financeira e orçamentária.

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No Brasil, as agências reguladoras apareceram efetivamente com independência em relação ao Poder Executivo, a partir da década de 90, num contexto nacional de desestatização, inspiradas no modelo norte americano de agency, assim consideradas como entidades independentes e autônomas em relação à estrutura tripartite dos poderes estatais[15].

As agências reguladoras devem obedecer a todos os princípios que orientam os atos da Administração Pública, os quais estão insculpidos no Art. 37 da Constituição Federal[16]. Tais princípios serão os balizadores da limitação ao exercício da competência outorgada pela lei às agências.

As principais atribuições da CVM estão disciplinadas no Art. 4º da Lei 6.385/76, a seguir transcrito:

Art. 4º – O Conselho Monetário Nacional e a Comissão de Valores Mobiliários exercerão as atribuições previstas na lei para o fim de:

I- estimular a formação de poupança e a sua aplicação em valores mobiliários;

II- promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do mercado de ações, e estimular as aplicações permanentes em ações do capital social de companhias abertas sob controle de capitais privados nacionais;

III- assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados da bolsa e de balcão;

IV- proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores do mercado contra:

a) emissões irregulares de valores mobiliários;

b) atos ilegais de administradores e acionistas controladores das companhias abertas, ou de administradores de carteira de valores mobiliários;

c) o uso de informação relevante não divulgada no mercado de valores mobiliários;

V- evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinada a criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço dos valores mobiliários negociados no mercado;

VI- assegurar o acesso do público a informações sobre os valores mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido (...).

Pela simples leitura de tal prescrição normativa, verifica-se nitidamente a preocupação com a transparência do mercado, cabendo ao Conselho Monetário Nacional e Comissão de Valores Mobiliários a garantia aos investidores de acesso às informações necessárias.

Quando da criação da CVM, tinha a autarquia sua competência estritamente definida no Art. 8º da lei 6.385/1976. Cabia a CVM o poder de regulamentar as matérias previstas

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na sua própria lei de criação, e ainda fiscalizar e inspecionar as companhias abertas. Ocorre que com as reformas que tal lei sofreu ao longo dos anos, o campo de competência da CVM foi substancialmente ampliado, principalmente no que diz respeito ao seu poder normativo.

Contudo, destaca-se que as atribuições da CVM limitam-se ao âmbito da distribuição pública de valores mobiliários, bem como às companhias que estão juridicamente aptas a negociar seus valores mobiliários no mercado, isto é, as companhias abertas. Assim, é de se concluir que a competência da CVM não alcança as companhias fechadas, que apesar de se sujeitarem às disposições da Lei das S/As, não se submetem às regras do mercado de capitais.

Quanto à competência da CVM em relação às sociedades anônimas fechadas, o Parecer CVM/SJU nº 42 de 22.05.84 faz uma interessante distinção entre jurisdição e competência da CVM. Segundo este parecer, “de fato, companhias fechadas não fazem parte de sua jurisdição regular e normal, mas a partir do momento em que estas companhias ‘invadem’ o campo de ação dos jurisdicionados da CVM, esta passa a ter competência para os inquirir, julgar e punir”.

Partindo da análise das normas que definem a competência da CVM conclui-se que são atribuições essenciais deste órgão regulador: o desenvolvimento e garantia de eficiência e funcionamento do mercado, proteção dos investidores, acesso às informações adequadas, além da fiscalização e punição daqueles que transgridem as regras do sistema.

Para que a CVM possa desempenhar o seu papel há que se destacar algumas funções que lhes são peculiares, quais sejam as funções de normalizar, fiscalizar, fomentar, orientar, aplicar sanções, além, é claro, das funções registraria e julgadora.

É por meio do poder normativo que se regula a atuação dos diversos agentes do mercado. Os atos decorrentes de sua atribuição normativa são: instruções, deliberações, pareceres, orientações, notas explicativas, portarias e atos declaratórios.

Antes de baixar normas a CVM possibilita amplo diálogo com a sociedade, utilizando-se da audiência pública. Este procedimento tem como fundamentos a garantia do interesse público, confiabilidade, eficiência, competitividade e liberdade do mercado, bem como a proteção do investidor.

Pelo exercício do poder punitivo é que a CVM assegura, mediante observância do direito de ampla defesa, a penalização de quem descumpre as normas baixadas pela entidade ou de quem pratica atos fraudulentos no mercado.

O Art. 11 da Lei 6.385/1.976 estabelece as penalidades aplicáveis àqueles que descumprem as regras emanadas da Agência Reguladora, que variam de simples advertência, a imposição de multas e até proibição temporária de exercício de cargo ou atuação no mercado.

Merecem destaque ainda, as funções consultiva e fomentadora da CVM. Dentre várias ações no sentido tornar o mercado mais transparente e confiável, a Agência criou, em 1.998, o PRODIN – Programa de Orientação e Defesa do Investidor, que tem como

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objetivo aprofundar o processo de interação dos investidores com a CMV, tendo como publico alvos os pequenos e médios investidores. O programa visa também a divulgação de ações realizadas pela CVM enquanto órgão regulador e fiscalizador do mercado de valores mobiliários, assim como o esclarecimento dos seus direitos e deveres em relação a emissores, agentes e intermediários.

A CVM vem desenvolvendo programas[17] interessantes no sentido de alertar a sociedade para os riscos envolvidos em qualquer investimento, realizando projetos educacionais voltados para a educação financeira. De certa forma, estas ações têm contribuição prática para a popularização do mercado de valores mobiliários, auxiliando no seu crescimento e desenvolvimento sustentável.

É inconteste que a Autarquia, no exercício de seu poder regulamentar, sempre deu destaque especial aos investidores individuais, isto por razões óbvias: uma, porque supõe-se que eles tenham menor poder econômico e menor capacidade organização; duas, porque eles representam papel relevante no processo de dispersão da propriedade. Por isto, devem ser protegidos e ter seus interesses resguardados em relação aos intermediários do mercado e às companhias.

3.3 Os princípios do Mercado de Valores Mobiliários

Para Roberto Quiroga Mosquera[18], alguns princípios regem o denominado Direito do Mercado Financeiro e de Capitais. Os princípios mais ligados ao mercado de valores mobiliários seriam: proteção da mobilização da poupança nacional[19], proteção da economia popular[20], proteção da estabilidade da entidade financeira[21] e proteção da transparência das informações.

Observa-se que os objetivos da regulação do mercado de capitais se referem também aos direitos constitucionais dos investidores, com vistas ao estímulo à poupança nacional e à higidez do mercado de valores mobiliários ou financeiros. Estes princípios prestam-se a garantir a segurança, estabilidade, equilíbrio e transparência das relações no mercado de capitais. Assim, além de promover o estímulo à poupança, a regulação deste mercado viabiliza a própria circulação de capitais.

Interessa ao presente estudo a análise do principio da proteção da transparência de informações, segundo o qual todos aqueles que têm interesse em realizar investimentos no mercado de capitais devem dispor das mesmas informações (claras e suficientes), a fim de evitar que alguns sejam beneficiados em detrimento dos demais.

4 A POLÍTICA DO DISCLOSURE

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Já foi dito que a preservação do principio da proteção e transparência das informações é uma preocupação constante da CVM, tanto no exercício da sua função reguladora como também do seu papel sancionador. Para corroborar o alegado, verifica-se que o tema mais freqüente nos julgados da autarquia está relacionado à qualidade na prestação de informações dadas pelas companhias e as irregularidades na comunicação com o mercado[22].

Modesto Carvalhosa explica o que vem a ser um “nível ótimo” do disclosure, ao comentar o artigo 4º da Lei das S/A. O autor ensina que:

A regulação do mercado de capitais, em especial no que se refere às exigências de disclosure, deve visar a um nível ótimo, que significa a maior proteção possível aos investidores, mediante menor custo para as emissoras de valores mobiliários; assim, dada a competição para captação de recursos, em escala global, verifica-se crescente tendência no sentido da redução dos procedimentos da regulação[23].

Para Nelson Eizirik, dentre os objetivos da regulação do mercado de capitais está o de evitar conflitos de interesse entre o intermediário financeiro e investidor, o que se consegue mediante a especialização máxima e total separação de funções dos intermediários financeiros e mediante os mecanismos de disclosure [24].

A CVM, no exercício de seu poder regulamentar, busca a eficiência e controle do mercado, adotando a política do disclosure. O foco neste modelo de ampla divulgação de informações não é recente. Para melhor elucidação, é que se transcrevem os esclarecimentos da Autarquia neste sentido em documento denominado “Política de Divulgação de Informações, emitido em 1.979:

A CVM, obedecendo aos postulados da economia de mercado, persegue um mercado de valores mobiliários eficiente, que, para tanto, precisa ser livre, competitivo e informado, e deseja também um mercado confiável como resultado de uma adequada proteção e harmonização dos interesses de todos os que nele transacionam.[25] (grifo nosso)

Considerando que o mercado de valores mobiliários é fonte de financiamento das empresas privadas e também garantia da sustentabilidade sócio-econômica do Brasil, há que se ter um elevado grau de preocupação com a eficiência deste mercado, o que é garantido mediante a utilização da política do disclosure, ou seja, a divulgação ampla e transparente de informações, que na verdade, é o pilar das melhores práticas de governança corporativa e um dos princípios que regem o mercado de capitais.

O mercado de valores mobiliários será eficiente[26] na medida em que houver credibilidade nas relações entre investidores e companhias. O nível de credibilidade

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aumenta em função da qualidade e número de informações disponíveis sobre os agentes do mercado. Aqui não se questiona acerca da necessidade de eliminação da assimetria de informações[27] entre a realidade da companhia e as informações que são disponibilizadas ao mercado, o que se defende é a possibilidade de sua redução significativa por meio da adoção e desenvolvimento da política do disclosure.

Para as companhias, são ainda maiores os benefícios da adoção da política do disclosure do que os benefícios para os investidores. Ora, quanto maior a qualidade e a transparências das informações prestadas ao mercado, maiores serão as chances de atração de investimentos. Da mesma forma, há um nítido estreitamento da relação com a sociedade (prestação de contas), o que implicará na redução de boatos e investigações envolvendo a companhia, que acabam por abalar sua credibilidade, podendo levar à diminuição de seu valor ou mesmo à sua falência.

Destaca-se que a adoção da política do disclosure não pode implicar em custos que as empresas não podem suportar. Além disso, a divulgação de informações não deve prejudicar sua competitividade no mercado, mas simplesmente divulgar informações que sejam necessárias e suficientes para a tomada correta de decisão por parte do investidor.

Richard Frederik ressalta a importância do disclosure, explicando que transparência não diz respeito apenas à economia, mas também à função social das companhias, sendo que as empresas não existem em um vácuo, ou seja, elas se relacionam com a sociedade. Por esta razão, a informação é importante para uma série de usuários que vão desde os acionistas, aos empregados, comunidade local e também o governo. Para o autor a transparência é importante a fim de melhorar a compreensão do público em relação a empresa e a interação desta com a sociedade.[28]

Como então é possível para uma companhia identificar quais informações deve divulgar? Para responder a esta questão é necessário compreender o conceito de “relevância” (materiality). Informação relevante é toda aquela que a falta ou parcialidade pode influenciar negativamente nas decisões econômicas tomadas pelos usuários dessas informações[29].

Nos países[30] pertencentes a Organization For Economic Co- Operation and Development – OECD, o Disclosure inclui as seguintes informações, mas não se limita a elas: resultados operacionais e financeiros da empresa, seus objetivos, composição acionária e direito de voto, política de remuneração dos membros do conselho de administração e principais executivos, informações sobre os membros da direção, operações com partes relacionadas, fatores de riscos previsíveis, questões relativas a empregados, políticas de governança corporativa.[31]

O dever de observância da política do disclosure pelo órgão regulador do mercado no Brasil, está expressamente previsto na Lei de criação da Agência (Lei 6.385/1.976) que em seu Art. 4º, inciso VI, estabeleceu que tanto a CVM como o CMN exercerão suas atribuições com o fim de assegurar o acesso do público a informações sobre os valores mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido.

Tal missão é reforçada no Art. 8º, inciso III da mesma Lei, na medida em que a competência da CVM é delineada para fiscalizar permanentemente as atividades e os

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serviços do mercado de valores mobiliários, de que trata o Art. 1º, bem como a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participem, e aos valores nele negociados.

Quando uma companhia pretende se capitalizar utilizando-se da emissão pública de valores mobiliários, uma série de informações[32] deverá ser prestada à Comissão de Valores Mobiliários – CVM a fim de proteger os investidores. Estas informações incluem, dentre outras, o relatório da administração, as demonstrações financeiras, o parecer dos auditores independentes, a minuta do prospecto, o contrato de distribuição do valor mobiliário, as quais são fornecidas no momento do registro[33] da emissão perante o órgão regulador.

Nenhuma emissão de valores mobiliários pode prescindir de prévio registro na CVM para ser regularmente distribuída no mercado. Quando se fala em registro obrigatório para fins de ofertas públicas de valores mobiliários, verifica-se que o escopo desta exigência de caráter regulatório, é justamente o atendimento da política de disclosure.

Nelson Eizirik esclarece em seu ensaio “Emissão Publica de Valores Mobiliários”, os motivos determinantes do registro e a relevância do disclosure neste particular:

As normas que impõem a necessidade de registro da emissão pública na CVM apresentam nítida feição instrumental. Com efeito, o registro consiste basicamente no meio de proceder-se à prestação de informações à CVM com vistas à sua divulgação ao público investidor. Assim, o registro da emissão está inserido no contexto mais amplo da política de disclosure, que consiste exatamente na divulgação de informações amplas e completas a respeito da companhia e dos valores mobiliários por ela publicamente ofertados.

(...)

Assim, o registro da emissão pública não é um fim em si mesmo, mas um meio de proceder-se a ampla divulgação das informações ao público. As normas que condicionam a realização de emissão pública ao prévio registro na CVM, ainda que cogentes, apresentam inequívoca feição instrumental." (grifos nossos)[34]

Com a aprovação da Lei nº 10.303/01, novas normas referentes à divulgação de informações por parte da companhia foram somadas àquelas inicialmente previstas na Lei nº 6.404/76, não se limitando a simplesmente ampliar o rol de obrigatoriedades, mas também, em detalhar e especificar inúmeras situações que requerem procedimento de divulgação, com o objetivo claro de melhorar a qualidade das informações prestadas. A comunicação imediata e compulsória, por parte do acionista controlador, acerca das modificações de sua posição acionária à CVM (Art. 116-A) é um exemplo claro e direto das alterações trazidas pela legislação ora citada.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão que disciplina e desenvolve o mercado de valores mobiliários nacional, têm se empenhado em aumentar a transparência das informações, trazendo regras mais rigorosas sobre a divulgação e uso de informações na negociação de valores mobiliários.

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Com o propósito de garantir o disclosure é que a atuação da CVM tem sido intensa no sentido de fazer com as demonstrações contábeis venham apresentar a verdadeira situação patrimonial e de resultados das companhias abertas. O exercício deste mister, ao longo dos anos, vem contribuindo para o estabelecimento de uma nova cultura e de um novo conceito na difusão das informações provenientes das companhias abertas.

Apesar dos limites regulatórios e o respeito às práticas contábeis impostos pela CVM, esta concede total liberdade às empresas na condução de seus negócios, não havendo sequer direcionamento neste sentido. O que se exige é o cumprimento da legislação aplicável e a ampla divulgação ao mercado das informações relativas à preparação, condução e desenvolvimento da companhia, assim como à entrega de seus resultados aos acionistas, controladores e minoritários, incluindo ainda, neste escopo, o necessário e produtivo relacionamento com os stakeholders.

4.1 Disclosure como Pilar das Práticas de Governança Corporativa

Como já foi destacado, o legislador brasileiro tem se preocupado em criar mecanismos que estimulem o mercado de valores mobiliários. Dentre as medidas que vem sendo implementadas, principalmente a partir dos anos 90, está o incentivo constante às práticas de Governança Corporativa.

Para Jorge Lobo, Governança Corporativa é o conjunto de normas, consuetudinárias e escritas, de cunho jurídico e ético, que regulam os deveres de cuidado, diligência, lealdade, informação e não intervir em qualquer operação em que tiver conflitante com o da sociedade.[35]

São inúmeros os conceitos empregados por autores nacionais e estrangeiros ao instituto da Governança Corporativa. Para as reflexões trazidas neste trabalho, destaca-se o conceito de José Alexandre Scheinkman, segundo o qual a Governança Corporativa seria:

Todo um conjunto de mecanismos que investidores não controladores (acionistas minoritários e credores) têm à sua disposição para limitar a expropriação[dos direitos dos minoritários e credores pelos administradores e majoritário]. Estes mecanismos prescrevem regras de conduta para a empresa e de disclosure,e garantem a observância das regras (enforcement).” Uma vez que, “em muitos casos,

os responsáveis pela condução de uma empresa e/ou acionistas majoritários podem

tomar decisões, após a venda de ações aos minoritários, que prejudiquem o interesse

destes.[36]

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O governo brasileiro juntamente com os órgãos reguladores tem incentivado a adoção de melhores políticas de divulgação de informação e práticas de governança corporativa por parte das empresas. A exemplo disso, citem-se as criações do Novo Mercado e dos Níveis Diferenciados de Governança Corporativa da Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA), que teve como principal propósito garantir maior transparência de informações, proporcionando assim, maior segurança aos investidores e a redução custos de captação de recursos.

As companhias que pretendem negociar suas ações no Novo Mercado[37] devem assinar um contrato que implica no dever de observância de uma série de regras de caráter societário. No que diz respeito especificamente ao disclosure, são exemplos de obrigações previstas no Regulamento de Listagem do Novo Mercado:

- Melhoria nas informações prestadas, adicionando às Informações Trimestrais (ITRs) (...) entre outras: demonstrações financeiras consolidadas e a demonstração dos fluxos de caixa.

- Melhoria nas informações relativas a cada exercício social, adicionando às Demonstrações Financeiras Padronizadas (DFPs) (...) entre outras, a demonstração dos fluxos de caixa.

- Divulgação de demonstrações financeiras de acordo com padrões internacionais IFRS ou US GAAP.

- Melhoria nas informações prestadas, adicionando às Informações Anuais (IANs) (...) entre outras: a quantidade e características dos valores mobiliários de emissão da companhia detidos pelos grupos de acionistas controladores, membros do Conselho de Administração, diretores e membros do Conselho Fiscal, bem como a evolução dessas posições.

- Apresentação de um calendário anual, do qual conste a programação dos eventos corporativos, tais como assembléias, divulgação de resultados etc.

- Divulgação dos termos dos contratos firmados entre a companhia e partes relacionadas.

- Divulgação, em bases mensais, das negociações de valores mobiliários e derivativos de emissão da companhia por parte dos acionistas controladores. [38]

Ressalte-se que a BOVESPA definiu três níveis crescentes de compromisso (Nível I, Nível II e Novo Mercado), que dentre outros fatores, varia principalmente em função da amplitude e qualidade de informações disponibilizadas ao mercado. Não resta dúvida, que o plano da BOVESPA no sentido de traçar diretrizes que nortearão a atuação dos investidores, é louvável e certamente contribuirá para um tratamento mais favorecido

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aos acionistas minoritários e um mercado mais transparente e confiável, já que prevalece a política do full disclosure.

O IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa foi fundando em 1.995, como uma organização exclusivamente dedicada à promoção da governança corporativa no Brasil e a principal fomentadora das práticas e discussões sobre o tema no País, tendo alcançado reconhecimento nacional e internacional. Em 1999, o IBGC lançou a primeira versão do Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa. É o que prevê aludido documento, notadamente no que diz respeito ao disclosure:

Artigo - O Diretor-Presidente e o Diretor Financeiro deverão prestar declaração por escrito afirmando que examinaram o relatório da administração e as demonstrações ?nanceiras da Companhia, e que tais documentos não contêm dados falsos, nem omissões de fatos relevantes, bem como re?etem as condições ?nanceiras reais da Companhia.

Artigo - A Companhia elaborará suas demonstrações contábeis conforme a lei brasileira e os padrões de contabilidade internacionalmente aceitos e de?nidos pelo Órgão responsável.

Parágrafo- Todas as demonstrações ?nanceiras elaboradas pela Companhia serão auditadas por auditores independentes.

Artigo - O relatório anual (a) mencionará as práticas de governança corporativa que estão sendo adotadas pela Companhia ou que serão implementadas a curto prazo; e (b) especi?cará a participação no capital da Companhia e a remuneração individual ou agregada dos administradores, destacando as mudanças havidas nessa participação ao longo do ano, explicitando os mecanismos de remuneração variável, quando for o caso, e seu impacto no resultado da Companhia.[39]

A CVM também lançou em 2002 uma Cartilha contemplando recomendações sobre Governança Corporativa, a qual também enfatiza a relevância do disclosure. Destaca-se que a adoção das práticas recomendadas pela CVM é facultativa e representa a adoção de padrões de conduta superiores aos padrões legais, sendo que o descumprimento não implica na aplicação de sanção pelo órgão regulador. Para melhor elucidação, cite-se algumas das disposições que ressaltam a importância do dever de informar previstas na Cartilha:

IV.1 Trimestralmente, em conjunto com as demonstrações financeiras, a companhia deve divulgar relatório preparado pela administração com a discussão e análise dos fatores que influenciaram preponderantemente o resultado, indicando os principais fatores de risco a que está sujeita a companhia, internos e externos.

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IV.5 A companhia deve disponibilizar informações a pedido de qualquer membro do conselho fiscal, sem limitações relativas a exercícios anteriores, desde que tais informações tenham relação com questões atuais em análise, e a informações de sociedades controladas ou coligadas, desde que não viole o sigilo imposto por lei.

IV.6 A companhia deve adotar, além dos princípios de contabilidade em vigor no Brasil, normas internacionais de contabilidade promulgadas pelo International Accounting Standards Board (IASB) ou utilizadas nos Estados Unidos da América (United States Generally Accepted Accounting Principles-US GAAP), atestados por auditor independente.[40]

As práticas de Governança Corporativa estão pautadas na observância de alguns princípios básicos como: compliance (cumprimento e controle de normas e procedimentos), disclosure (transparência), fairness (tratamento justo para acionistas minoritários) e accountability (prestação de contas).

Os princípios que sustentam as melhores práticas de Governança Corporativa, na verdade, já estão presentes em nosso ordenamento jurídico desde a edição da Lei das Sociedades por Ações[41] e da Lei que criou a CVM[42], as quais já se pautavam em premissas de transparência, publicidade, controle de legalidade, prestação de contas, dever de diligência e responsabilidades dos administradores e acionistas das companhias abertas.

4.2 O Disclosure na Legislação Norte Americana

As companhias americanas[43] vêm experimentando mudanças em suas rotinas corporativas, tendo de se adaptar às novas regras do mercado estabelecidas pela Lei Sarbanes - Oxley[44], a qual teve por principal objetivo a proteção da transparência, no sentido de conferir maior credibilidade as companhias.

A Lei Sarbanes – Oxley, que se configurou na mais importante reforma da legislação do mercado de capitais nos Estados Unidos, foi sancionada em 30 de julho de 2002 pelo Presidente George W. Bush, após grandes escândalos contábeis envolvendo companhias norte- americanas, como a Enron, WorldCom, Arthur Andersen, dentre outras.

O propósito que justificou a reforma foi a proteção dos interesses dos acionistas e investidores através de regras rígidas, exigindo total transparência nas demonstrações financeiras e relatórios contábeis assinados pelos principais executivos da companhia e instituindo punições severas contra fraudes empresariais.

Segundo Andrea Fernandes Andrezo[45], the Sabanes Oxley Act, aiming to restore the investors confidence and prevent new corporate scandals, brought many new rules on disclosure and corporate governance applicable not only to US issuers, but equally to foreign issuers.[46]

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Pode-se concluir que as mudanças ocorridas nos Estados Unidos geraram melhorias nos sistemas de controles internos das empresas, que são a base para a exatidão e confiabilidade das informações publicadas pelas companhias. Porém, tais incrementos vieram acompanhados de custos significativos.[47]

Uma das alterações trazidas pela SOX foi a determinação de que a Securities and Exchange Commission (SEC)[48] obtenha nos relatórios anuais das companhias que forem registradas declarações da Administração. Trata da imputação da responsabilidade dos Administradores pelos controles internos das empresas, com vistas a garantir a confiabilidade dos relatórios financeiros e da efetividade dos controles das empresas.

Outra exigência da SOX é a de que aos auditores independentes das empresas emitam dois pareceres, sendo um sobre a avaliação realizada pela Administração e outro sobre a efetividade dos controles internos.

A SOX previu pesadas sanções para aqueles que não cumprirem as regras em relação ao exercício da profissão contábil, a melhoria da qualidade da transparência das demonstrações financeira e dos pareceres de auditoria, vindo acentuar as penalidades para o CEO (Chief Executive Officer ou Diretor Presidente) e para o CFO (Chief Financial Officer ou Diretor Financeiro), nos casos em que haja violação a legislação societária.

Desta forma, para as empresas brasileiras com registro na SEC e ações cotadas em Bolsa norte americana, bem como para as empresas que pretendem efetuar registro nos próximos anos naquele país, deve-se atentar para as regras impostas pela SOX, que tem como grande pilar a maior transparência na divulgação de informações e dos atos da Administração.

Consoante a esta obrigatoriedade, não se pode olvidar do histórico de formação e evolução da Economia e Direito brasileiros, refletidos de forma direta no desenvolvimento das companhias do país. Neste sentido, a CVM realiza um dedicado trabalho de apresentação destes dados à SEC, com o propósito único de desobrigar as companhias brasileiras do cumprimento de determinadas imposições da SOX, geralmente inaplicáveis no mercado de capitais atual do Brasil. A superação dos arcaicos Conselhos Fiscais no mercado brasileiro pelos Comitês de Auditoria, mais produtivos e especializados, diretamente ligados ao Conselho de Administração, pode ser um bom exemplo da distinção cultural entre esses países, apesar da crescente globalização do Direito.

4.3 O Dever de Informar e Eticidade

O princípio da proteção e transparência das informações que norteia o modelo regulatório do mercado de valores mobiliários no Brasil e no mundo também encontra respaldo na Constituição Federal e nos princípios que regem as relações privadas na contemporaneidade.

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A Carta Magna confere status de direito fundamental ao direito de informar e de ser informado[49]. Pode-se dizer que o direito à informação será concretizado quando as partes possam conhecer e entender o sentido e o alcance dos efeitos do negócio jurídico que pretendem entabular.

Da mesma forma, o Código Civil de 2002 protege o dever de informar, não de forma expressa, mas por meio da aplicação da cláusula geral[50] da boa fé (Art. 422), a qual pode ser considerada corolário do princípio da eticidade.

Os princípios que regem o atual Código Civil são o da socialidade, operabilidade e eticidade. O princípio da socialidade representa a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, valorizando a dignidade da pessoa humana em busca do bem comum. O princípio da operabilidade se traduz na efetividade da aplicação do direito, visando facilitar ainda a sua interpretação. E finalmente, o princípio da eticidade[51], que interessa a este estudo, prioriza a boa fé, a equidade, o equilíbrio econômico e a justiça nas relações privadas.

O princípio da boa fé objetiva[52] traz consigo uma série de deveres anexos, dentre eles a transparência, confiança, correção, dever de informação, lealdade, etc. Assim, precede a concretização e manutenção de qualquer relação jurídico privada, a observância destes deveres.

Toda informação pressupõe clareza, divulgação, garantia de acesso, tomando-se sempre como base o homem médio. As finalidades do dever de informar constitucionalmente previsto são justamente a proteção da igualdade material, visando o equilíbrio entre os contratantes, bem como a prevenção de danos, não deixando de ser uma forma de controle estatal, que no caso do mercado de valores mobiliários, traduz-se por meio da regulação.

Quando uma das partes se desincumbe do dever de informar, há uma conseqüente distribuição do risco. Quando a companhia observa o dever da divulgação da informação ampla e transparente há uma transferência para o investidor do risco da sua decisão pela realização ou não do investimento. Deste modo, se a ausência de informação for causa determinante para a decisão pelo investimento, pode o negócio jurídico ser anulado.

Assim, conclui-se que nas relações que operam-se no mercado de valores mobiliários, a boa fé deve ser padrão de comportamento, impondo às companhias o dever de agir com eticidade. O mercado só alcançará o nível de probidade suficiente para atrair mais investimentos se o princípio da proteção e transparência das informações for de fato resguardado tanto pelo órgão regulador como pelos agentes do mercado.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Restou evidente no desenvolvimento deste estudo que o disclosure é elemento vital das boas práticas da Governança Corporativa, sendo princípio basilar do modelo regulatório do mercado de valores mobiliários. O direito à informação busca seu fundamento de validade na Constituição Federal e nos princípios que regem as relações privadas na contemporaneidade. Foi comprovado que a transparência não está apenas relacionada à clareza na divulgação de resultados ou na prestação de contas à sociedade, mas influencia significativamente na atração de capital para as companhias e conseqüentemente no fortalecimento da economia do país.

Atualmente, os acionistas e investidores de modo geral não se importam tão somente com os resultados apresentados pela companhia na “última linha” do balanço (lucros ou prejuízos), mas sim com seu caráter corporativo e sustentabilidade no médio e longo prazo.

Não é a toa que o mundo tem voltado suas atenções para o disclosure, e os países têm adotado esta política como elemento estruturante da regulação do mercado de valores mobiliários. Os holofotes sobre a temática têm uma única razão: o disclosure é ferramenta eficaz na proteção dos investidores.

Todavia, apesar de ser o princípio da proteção da transparência das informações um instrumental essencial para a moderna regulação do mercado de valores mobiliários em qualquer país do mundo, faz-se ainda necessária a convergência de outros instrumentos não menos importantes, como por exemplo, a existência de um órgão fiscalizador e regulador, com poderes sancionatórios, que atue com imparcialidade na busca pela segurança e credibilidade das operações do mercado.

Da mesma forma, é preciso compreender que não basta a importação de modelos estrangeiros para regulamentar o mercado, dada as peculiaridades do Brasil. A busca da harmonização com as regras internacionais é fundamental, mas não se pode ignorar que a aplicação de tais mecanismos não altera a estrutura de propriedade concentrada do mercado brasileiro, tampouco o perfil de menor de menor porte das empresas, além do fato de que os valores mobiliários lançados no mercado têm de concorrer com papéis que oferecem altíssima rentabilidade interna.

Também é evidente que ainda existe muita relutância por parte das empresas em aumentar o nível do disclosure, que na maioria das vezes preferem limitar-se às exigências legais e regulamentares, justificando tal atitude, que implica em atraso no desenvolvimento do mercado, com o argumento da necessidade de proteção de informações consideradas estratégicas, receio de questionamento jurídico em função da divulgação de tais informações ou até mesmo por conta dos custos da divulgação.

É temerário afirmar que o modelo regulatório do mercado de valores mobiliários baseado no disclosure, bem como o fomento às melhores práticas de Governança Corporativa, são suficientes para resgatar a confiança do investidor, abalada por diversos escândalos e fraudes noticiados nos últimos tempos. Contudo, não se pode olvidar que é este o elemento indispensável na busca pelo fortalecimento o mercado.

Portanto, ainda há um longo caminho a ser percorrido e uma trajetória evolutiva a ser cumprida. A legislação brasileira está em pleno desenvolvimento no sentido de trazer previsões que garantam efetivamente os interesses dos investidores nacionais e

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internacionais. A sociedade, por sua vez, está em processo de conscientização quanto a singular importância do dever de informar das companhias. Contudo, os primeiros e mais importantes passos já foram dados.

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SERVIDEO Federico e Eliana Kihara. Sarbanes Oxley – Aprendendo com a experiencia norte americana. Disponivel em http://www.bovespa.com.br/Investidor/Juridico/050819NotA.asp. Acesso em 07/09/2008.

SCHEINKMAN. José Alexandre. O Desenvolvimento do Mercado de Capitais no Brasil. Disponível em: http://www.princeton.edu. Acesso em 27/09/2008.

TANURE, Fabrício Duarte. A nova função reguladora da Comissão de Valores Mobiliários. Disponível no sítio www.cvm.gov.br. Acesso em 26/08/2008.

[1] MOSQUERA, 1999, p. 263.

[2] Vide Art. 4º da Lei 6.385/76. [3] CARVALHOSA, 2002, p. 66.

[4] EIZIRIK, 1977, pp. 27-28. [5] LIMA, 1995, p. 28. [6] PAPINI, 2004, p. 9. [7] MOSQUERA, 1998, p. 20. [8] BULGARELLI, 1998, p. 85. [9] O sistema de funcionamento dos contraltos de Boi Gordo é semelhante ao de um clube de investimento, onde os investidores (parceiro proprietários) aplicam seus recursos e os vendedores (parceiros tratadores e criadores) encarregam-se da compra, engorda e venda do animal. [10] EIZIRIK, Os Valores Mobiliários na Nova Lei das S.A. In Temas de Direito Societário, 2005, p. 422. [11] LAMEIRA, 2003, p. 13. [12] DUBEUX, 2006, p. 34.

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[13] Neste período somente duas alterações significativas foram introduzidas no ordenamento, quais sejam a Lei nº 8.021/1990 que suprimiu a forma ao portador das ações com o fito de tornar mais efetiva a tributação destes títulos e a Lei nº 7.958/1989 que decretou o fim do direito de retirada nas hipóteses de reorganização societária. [14] EIZIRIK, 1998, p. 5. [15] TANURE, 2003, p.3. [16] Segundo o Art. 37 da CF/ 88 a Administração Pública direta ou indireta de quaisquer dos poderes dos entes federativos deverá obedecer aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. [17] Exemplos de programas desenvolvidos pela CVM com objetivo de orientar investidores e disseminar o conhecimento acerca do Mercado, cite-se o Portal do Investidor (www.portaldoinvestidor.com.br), Concurso de Monografias, Encontros com Investidores, desenvolvimentos de materiais educativos como cartilhas, etc. [18] MOSQUERA, 1999, p. 263 a 270. [19] Por este principio o conjunto de normas jurídicas que regulamentam o mercado de capitais deve viabilizar a adequada mobilização da poupança nacional para os carentes de recursos. [20] Este princípio visa manter a continuidade do fluxo de capitais, e por conseqüência, a proteção da economia popular. [21] A legislação deve proteger e evitar quebras de entidades financeiras, já que elas exercem papel fundamental na circulação de capitais. [22] PRADO, ROSSI e SILVEIRA, 2007, p. 102. [23] CARVALHOSA, 2002, p. 66. [24] EIZIRIK, 1.977, p. 47. [25] Esta Política é baseada no documento “Regulação de Mercado de Valores Mobiliários: Fundamentos e Princípios”, aprovado em 1978 por meio do voto do Conselho Monetário Nacional nº 426. [26] Mercado eficiente é aquele no qual os preços dos valores mobiliários refletem as informações disponíveis em sua completude (Cf. ROSS,1995, p. 263). [27] AKERLOF, 1970, p. 491. [28] FREDERICK, 2000, p.1. [29] OCDE, 2004, p. 30. [30] São países membros oficiais da OECD: Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, França, Alemanha, Grécia, Islândia, Irlanda, Italia, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Portugal, Espanha, Suécia, Suíça, Turquia, Reino Unido e os Estados Unidos. O Brasil não faz parte da OCDE. [31] OCDE, op.cit., p. 22. [32] Vide Instrução CVM nº 400 de 29 de dezembro de 2003, que dispõe sobre a oferta pública de distribuição de valores mobiliários nos mercados primário e secundário. [33] Vide Instrução CVM nº 202 de 06 de dezembro de 1993, que dispõe sobre o registro de companhia para negociação de seus valores mobiliários em Bolsa de Valores e mercado de balcão. [34] EIZIRIK, 1991, p.55. [35] LOBO, 2006, p. 141. [36] SCHEINKMAN, p.1 [37] O Novo Mercado é um segmento de listagem da BOVESPA destinado à negociação de ações emitidas por companhias que se comprometam, espontaneamente, com a adoção de práticas de governança corporativa adicionais em relação ao que é

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exigido pela legislação. A conseqüência para as empresas que atuam no Novo Mercado é a valorização e liquidez de suas ações, as quais sofrem influência positiva em razão do maior grau de segurança oferecido aos investidores e em decorrência da qualidade das informações prestadas ao mercado. [38] BOVESPA, pp. 12-15. [39] IBGC, 2006, p. 81. [40] CVM, 2002, p. 9-11. [41] Destaca-se os Arts. 109, III, 100, §1º, 133, 157, 164, 224, 225 e 247, todos da Lei 6.404/76. [42] Art. 4 da Lei 6.385/76. [43] A SOX aplica-se tanto às empresas americanas com ações negociadas na Bolsa dos Estados Unidos como às empresas estrangeiras com recibo de ações ADR (American Depositary Receipt) negociadas na Bolsa daquele país. [44] O nome da Lei é uma homenagem aos congressistas norte-americanos, Paul Sarbanes e Michael Oxley, responsáveis pela sua edição. [45] ANDREZO, in Revista de Direito Mercantil, vol. 132, outubro – dezembro de 2003, p. 52. [46] Tradução Livre: A SOX teve como objetivos o restabelecimento da confiança dos investidores e a prevenção de novos escândalos corporativos, tendo trazido várias novas regras de disclosure e governança corporativa, aplicáveis não apenas aos emissores de valores mobiliários dos Estados Unidos, mas igualmente aos emissores estrangeiros. [47] Como exemplo destes custos cite-se o aumento de carga horário dos empregados, honorários pagos a consultorias, aquisição de software específicos para implementação dos controles internos e honorários pagos a auditores independentes. [48] A SEC é o órgao regulador dos Estados Unidos similar a CVM. [49] Vide Artigo 5º, incisos XIV, XXXIII e LXXII da CF/88. [50] Cláusulas gerais podem ser consideradas normas que não prescrevem condutas, mas tão somente descrevem valores e parâmetros hermenêuticos. Trata-se de técnica legislativa adotada pelo Código Civil de 2002 com a finalidade de socializar as relações patrimoniais. [51] Vide Art. 422 do Código Civil de 2002. [52] Segundo Junior (p.12) o princípio da boa-fé consiste no reconhecimento de deveres secundários, conexos e independentes da vontade manifestada pelas partes, a serem observados nas fases pré-contratual, contratual e pós-contratual.