notas rn 2016
TRANSCRIPT
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
1/103
Notas de Análise no Rn
Roberto Imbuzeiro Oliveira1
14 de Abril de 2016
1IMPA, Rio de Janeiro, RJ, Brazil, 22430-040.
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
2/103
2
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
3/103
Conteúdo
1 Introdução 7
1.1 Preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
2 Espaços métricos e espaços vetoriais 9
2.1 Espaços métricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.1.1 A reta real como espaço métrico . . . . . . . . . . . . 10
2.1.2 O espaço Euclideano de d dimensões . . . . . . . . . . 10
2.1.3 Os números complexos como espaço métrico . . . . . . 14
2.1.4 Funções cont́ınuas como espaço métrico . . . . . . . . 14
2.1.5 A métrica discreta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2.1.6 Métricas induzidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2.2 Espaços vetoriais e normas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2.3 Mais exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
3 Sequências e limites 23
3.1 Converĝencia em Rd com as normas p . . . . . . . . . . . . . 24
3.2 Convergência sob a métrica discreta . . . . . . . . . . . . . . 25
3.3 Converĝencia em C (I,R) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
3.4 Converĝencia em C ((a, b),R) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
3.5 Equivalência de métricas e normas . . . . . . . . . . . . . . . 32
3.6 Mais exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
4 Funções e continuidade 37
4.1 Funções contı́nuas de X em R . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
4.2 Funções Lipschitz e distâncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . 384.3 Funções cont́ınuas sobre as funções contı́nuas . . . . . . . . . 40
4.4 Funções contı́nuas de X em Rd . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
4.5 Transformações e funcionais lineares . . . . . . . . . . . . . . 44
4.6 Mais exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
3
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
4/103
4 CONTE ́UDO
5 Abertos e fechados 49
5.1 Os abertos formam uma topologia . . . . . . . . . . . . . . . 515.2 Fechados, limites e métricas equivalentes . . . . . . . . . . . . 52
5.3 Fechos, interiores e pontos de acumulação . . . . . . . . . . . 54
5.4 Continuidade, abertos e fechados . . . . . . . . . . . . . . . . 55
5.5 Topologia relativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
5.6 Como são os abertos de R? (Opcional) . . . . . . . . . . . . . 58
5.7 Mais exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
6 Compacidade 61
6.1 Compactos são completos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
6.2 Compactos são totalmente limitados . . . . . . . . . . . . . . 62
6.3 Subsequências convergentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 656.4 Critérios topológicos para a compacidade . . . . . . . . . . . 68
6.5 Subconjuntos de espaços métricos . . . . . . . . . . . . . . . . 70
6.6 Compactos de Rd e a equivalência de normas . . . . . . . . . 71
6.6.1 C (K, Z ) como espaço métrico . . . . . . . . . . . . . . 73
6.6.2 Continuidade uniforme . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
6.7 Consequências para funções contı́nuas . . . . . . . . . . . . . 77
6.8 Conjuntos perfeitos (opcional) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
6.9 Mais exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
7 Caminhos e conexidade 81
7.1 Conexidade por caminhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 817.2 Conexidade topoĺogica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
7.3 Quando as definições concordam? . . . . . . . . . . . . . . . . 88
7.3.1 Discordância em R2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
7.3.2 Concordância para abertos de espaços vetoriais . . . . 90
7.4 Mais exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
8 Sequências e séries de funções contı́nuas 93
8.1 Séries de funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
8.1.1 Somando séries . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
8.1.2 Tomando derivadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
8.2 Subconjuntos densos de C (K,R) (Stone-Weierstrass) . . . . . 998.3 Quando o domı́nio das funções é aberto . . . . . . . . . . . . 99
8.4 Mais exerćıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
9 Pontos fixos e a solução de EDOs 101
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
5/103
CONTE ́UDO 5
10 Compacidade em C (K, Z ) e EDOs via método de Euler 103
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
6/103
6 CONTE ́UDO
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
7/103
Caṕıtulo 1
Introdução
O objetivo destas notas é complementar de forma relativamente amig´ avel e coerente o conteúdo dos caṕıtulos 2, 7 e 9 do “pequeno Rudin” [?], alémde alguns tópicos escolhidos do “volume 2 grande” de Elon Lages Lima [?].Tomamos como pré-requisito todo material sobre R e sua topologia e sobrederivadas e integrais do “volume 1 do Elon pequeno” [?].
É conveniente explicar o que queremos dizer com os dois adjetivos des-tacados no parágrafo anterior. Amig´ avel quer dizer que pretendemos apre-sentar muitos exemplos e que buscaremos destacar a lógica e os pontos maisimportantes das demonstrações. Coerente quer dizer que buscaremos umaapresentação que enfatize os pontos comuns entre os vários tópicos. Paraeste propósito, enfatizaremos a topologia e a geometria de espaços métricos ,enfatizando a relação destas propriedades com as funções contı́nuas sobreo espaço. A linguagem de espaços vetoriais também será amplamente dis-cutida e utilizada. Acreditamos que a combinação de conceitos gerais eexemplos especı́ficos permitirá aos leitores apreciarem porque as construçõesabstratas são úteis.
1.1 Preliminares
Aqui observamos alguns fatos sobre conjuntos que dusaremos o tempo todo.Em primeiro lugar, é possı́vel falar de uniões e interseções de um número
arbitrário de conjuntos. Mais exatamente: suponha que I =
∅é um conjunto
e a cada i ∈ I está associado um conjunto Ai1. (Neste caso dizemos que{Ai}i∈I é uma famı́lia de conjuntos indexada por I ). Definimos as unĩoes
1A maneira correta de pensar nisso seria imaginar que temos uma função f : I → A,onde A é um conjunto cujos elementos são conjuntos, de modo que Ai := f (i).
7
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
8/103
8 CAP ́ITULO 1. INTRODUÇ ˜ AO
∪i∈I Ai e interseções ∪i∈I Ai pelas regras:
∀x : “x ∈i∈I
Ai” ⇔ “∃i ∈ I : x ∈ Ai”.
∀x : “x ∈i∈I
Ai” ⇔ “∀i ∈ I : x ∈ Ai”.
Em segundo lugar, observamos que, se todos os Ai estão contidos nummesmo conjunto X , podemos falar do complemento Aci := X \Ai de cadaAi com relação a X . Notamos que a operação de tomar complementos éidempotente ((Ac)c = A) e troca interseção por união:
i∈I
Aci =
i∈I
Aic
.
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
9/103
Caṕıtulo 2
Espaços métricos e espaçosvetoriais
Neste caṕıtulo apresentamos os espaços métricos, a principal classe de ob- jetos que trataremos neste curso. Alguns destes espaços têm uma estruturaa mais de espaço vetorial normado, que abordaremos com menos detalhes.
2.1 Espaços métricos
Definiç̃ao 2.1 Um espaço métrico é um conjunto X = ∅ munido de uma funç˜ ao d : X ×X → [0, +∞), chamada de métrica sobre X , com as seguintes propriedades.
1. d é não-negativa e separa pontos distintos: para quaisquer a, b ∈X , d(a, b) = 0 se e somente se a = b;
2. d é simétrica: para qualquer par (a, b) ∈ X × X , d(a, b) = d(b, a);3. d satisfaz a desigualdade triangular: para quaisquer a, b, c ∈ X ,
d(a, b) ≤ d(a, c) + d(c, b).Todas as propriedades de métrica acima têm uma interpretaç˜ ao intuitiva
se pensamos em d como uma noção de distância. A propriedade 1 diz quea distância de um lugar a ele mesmo é nula, mas que qualquer outro lugar
está a distância positiva. A segunda propriedade afirma que ir de a a b nãoé mais fácil ou dif́ıcil que ir de b a a. A terceira propriedade afirma que ir dea para c e depois para b não pode resultar em um caminho mais curto que arota direta de a para b. Apesar da clareza do que significam estas condições,veremos abaixo que nem todo espaço métrico é f́acil de se entender.
9
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
10/103
10 CAP ́ITULO 2. ESPAÇOS M ́ETRICOS E ESPAÇOS VETORIAIS
Veremos abaixo os principais exemplos de espaços métricos que serão
recorrentes no curso. Ocasionalmente usaremos a convenção de denotar pordX a métrica de X ; isto será útil quando tratarmos muitos espaços métricosde uma única vez.
2.1.1 A reta real como espaço métrico
X = R com a métrica dR(a, b) := |a − b| ((a, b) ∈ R2). As duas primeiraspropriedades da definição de métrica são triviais. A terceira é consequênciade “|x + y| ≤ |x| + |y|”aplicada a x = a − c e y = c − b. Em todas estas notas tomaremos esta métrica como a métrica padr˜ ao sobre R, a n˜ ao ser quandoo contr´ ario for dito.
2.1.2 O espaço Euclideano de d dimensões
Nossa segunda classe mais importante de exemplos é dada por X = Rd
com d ∈ N. Os elementos deste conjunto serão representados na formax ∈ Rd, com as d coordenadas de x escritas como x[1], x[2], . . . , x[d]. Àsvezes usaremos as seguintes operações:
• Soma e diferença: dados x, y ∈ Rd, definimos x + y, x − y ∈ Rd comoos vetores de coordenadas x(i) + y(i) e x(i) − y(i) (1 ≤ i ≤ d).
• Multiplicaç˜ ao por escalar: se x ∈ Rd e λ ∈ R, λ x é o vetor de coorde-nadas λ x(i) (1 ≤ i ≤ d).
A métrica que normalmente usaremos sobre Rn será a Euclideana . Paradefini-la, vamos primeiro definir primeiramente o produto interno:
x · y :=d
i=1
x(i) y(i) (x, y ∈ Rd).
Definimos ainda a norma Euclideana como
|x| := √ x · x = d
i=1
(x(i))2 (x ∈ Rd),
observando que |x| ∈ R, |x| ≥ 0 porque a soma de quadrados dentro daraı́z quadrada é não negativa. (Isto também é observado no próximo lema.)Nossa candidata a métrica em Rd é dada pela norma da diferença de vetores.
dRd(a, b) := |a − b| (a, b ∈ Rd).
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
11/103
2.1. ESPAÇOS M ́ETRICOS 11
Veremos a seguir que esta é de fato uma métrica sobre Rd. Precisaremos
para isto de algumas propriedades do produto interno.Lema 2.1 (Propriedades do produto interno e da norma) Dados x, y ∈Rd:
1. Positividade: |x|2 = x · x ≥ 0, com igualdade se e somente se x = 0,o vetor cujas coordenadas s˜ ao todas nulas.
2. Simetria: x · y = y · x.3. Homogeneidade positiva: se y = λx com λ ∈ R, |y| = |λ| |x|.4. Linearidade: se λ ∈ R, a, b ∈ Rd e x = λa + b, ent˜ ao y · x = x · y =
λ (a
·y) + (b
·y).
Prova: Veja que, por definição x ·x = di=1 (x(i))2 é uma soma de quadradosde números reais. Cada uma das parcelas da soma é maior ou igual a zero,portanto a soma é não-negativa. Além disso, a soma só pode ser 0 se cadaparcela se anula, isto é, x(i) = 0 para cada 1 ≤ i ≤ d. Deduzimos que asoma se anula se e somente se x = 0, o que prova a parte 1 do lema.
A propriedade 2 é consequência do fato que x(i) y(i) = y(i) x(i) para cadacoordenada i ∈ {1, . . . , d}, de modo que
x · y =d
i=1
x(i) y(i) =
di=1
y(i) x(i) = y · x.
A propriedade 3 vem do fato que (y(i)
)2
= λ2
(x(i)
)2
, logo
|y|2 =d
i=1
(y(i))2 =
di=1
λ2 (x(i))2 = (|λ| |x|)2
e podemos tomar a ráız quadrada positiva dos dois lados.A propriedade 4 vem do fato que, por definição das operações de Rd
x = λa + b ⇒ x(i) = λa(i) + b(i) ⇒ x(i) = λa(i) + b(i),de modo que, pelas distributividade e associatividade de R,
x
·y =
d
i=1
x(i) y(i) =d
i=1
(λ a(i) + b(i)) y(i)
= λ
di=1
a(i) y(i) +
di=1
b(i) y(i)
= λ (a · y) + (b · y).
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
12/103
12 CAP ́ITULO 2. ESPAÇOS M ́ETRICOS E ESPAÇOS VETORIAIS
A desigualdade a seguir será muito importante para relacionarmos oproduto interno com uma métrica.
Lema 2.2 (Desigualdade de Cauchy Schwartz) Dados x, y ∈ Rd, |x ·y| ≤ |x| |y|, com igualdade se e somente se existe x = λ y ou y = λ x para algum λ ∈ R.
Prova: Suponha que x = 0 ou y = 0. Neste caso, vê-se a partir das definiçoesque |x · y| = |x| |y|. Aém disso, tomando λ = 0 vemos que, ou x = λ y, ouy = λ x. Deste modo, o lema é trivialmente verdadeiro no caso particularem que x = 0 ou y = 0.
Suponha agora que nem x, nem y se anulam. Neste caso temos que,para qualquer λ ∈ R\{0}, a positividade do produto interno implica que,definindo-se
uλ := λx − y,temos uλ · uλ ≥ 0. Usando bilinearidade, deduzimos que
0 ≤ uλ · uλ = λ (x · uλ) − (y · uλ).
Aplicando bilinearidade mais uma vez a cada termo, deduzimos que
() 0 ≤ uλ · uλ = λ2 (x · x) − λ x · y − λ y · x + y · y.
A simetria nos permite agrupar os termos contendo x · y e y · x. Somando-ose movendo a soma para o outro lado, temos
2λx · y ≤ λ2 x · x + y · y = λ2|x|2 + |y|2.
Suponha agora que λ > 0. Neste caso, podemos dividir os dois lados por 2λe obter
x · y ≤ λ2 x · x + y · y
2λ =
λ |x|22
+ |y|2
2λ .
O lado direito é minimizado com a escolha de λ = |y|/|x|, o que nos dá
x · y ≤ |x| |y|.Do mesmo modo, se λ
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
13/103
2.1. ESPAÇOS M ́ETRICOS 13
e a escolha de λ = −|y|/|x| implicax · y ≥ − |x| |y|.
Deste modo, concluı́mos que |x.y| ≤ |x| |y|.Agora verifiquemos o que acontece se x · y = ±|x| |y|. Voltando nas
contas para trás, um dos valores λ = ±|y|/|x| é tal que2λx · y = λ2 x · x + y · y = λ2|x|2 + |y|2.
Neste caso, () implica que uλ · uλ = 0, ou seja, uλ = λx − y = 0, o que querdizer que y = λx. Portanto, a igualdade em “|x · y| ≤ |x| |y|”implica quey = λx. Do mesmo modo, se y = λx ou x = λy, uma conta simples mostraque vale igualdade. Deduzimos que, quando x, y = 0, vale o Lema.
Agora podemos provar o principal resultado desta seção.
Teorema 2.1 A funç˜ ao dRd definida acima é uma norma sobre Rd.
Prova: Sejam a, b, c ∈ Rd quaisquer. Nosso objetivo é provar que• |a − b| ≥ 0, com igualdade se e somente se a = b;• |a − b| = |b − a|;• |a − c| ≤ |a − b| + |b − c|.
Vamos escrever isto de outra forma. Defina x := a − b, y := b − c. Os itensacima são equivalentes a:
• |x
| ≥ 0, com igualdade se e somente se x = 0 (vem do Lema 2.1, parte
1).
• |x| = |− x| (vem do Lema 2.1, parte 1);• |x + y| ≤ |x|+ |y|; isto vem de Cauchy Schwartz, do Lema 2.1 e do fato
que a raı́z quadrada é função crescente sobre o intervalo [0, +∞) ⊂ R.De fato:
|x + y|2 = (x + y) · (x + y)(bilinearidade) = x · x + y · y + x · y + y · x
(simetria + defn. de norma) = |x|2 + |y|2 + 2x · y(Cauchy Schwartz) ≤ |x|2 + |y|2 + 2 |x| |y|
= (|x| + |y|)2.Portanto |x + y|2 ≤ (|x| + |y|)2 e podemos tomar ráızes quadradas ededuzir |x + y| ≤ |x| + |y|, CQD.
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
14/103
14 CAP ́ITULO 2. ESPAÇOS M ́ETRICOS E ESPAÇOS VETORIAIS
Exerćıcio 2.1 Defina duas outras funç˜ oes x → x da seguinte forma:dado x ∈ R
d
,
|x|1 :=d
i=1
|x(i)|
e
|x|∞ := max1≤i≤d
|x(i)|.
Mostre que as express˜ oes
da(x, y) := |x − y|a (a ∈ {1, ∞}, x , y ∈ Rd)
também definem métricas sobre Rd. Mostre ainda que
∀x ∈ Rd : |x|∞ ≤ |x| ≤√
d |x|1 ≤ d3/2 |x|∞.
2.1.3 Os números complexos como espaço métrico
O conjunto C é usualmente definido como o conjunto dos números da formaz := a + b
√ −1, onde a = (z) ∈ R é chamada de parte real de z , b = (z) ∈R é a parte imaginária, e
√ −1 – a unidade imaginária – é um númerosatisfazendo (
√ −1)2 = −1. O livro de Rudin [?] tem uma definição maisformal deste corpo. O ponto de mencioná-los aqui é que C é basicamenteR2 com uma estrutura de produto. Observamos ainda que a norma
|z
| é
multiplicativa: |zw| = |z| |w|.
2.1.4 Funções cont́ınuas como espaço métrico
Veremos agora um exemplo de espaço algo diferente dos que foram conside-rados até agora.
Considere um intervalo compacto I ⊂ R, I = [a, b] com −∞ < a <b
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
15/103
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
16/103
16 CAP ́ITULO 2. ESPAÇOS M ́ETRICOS E ESPAÇOS VETORIAIS
2.1.5 A métrica discreta
Uma métrica relativamente trivial e “boba”pode ser definida sobre qualquerconjunto X = ∅: a chamada métrica discreta.
ddisc(x, y) :=
1, x = y;0, x = y.
Esta métrica é interessante por alguns (poucos) motivos. No momento só umdeles nos interessa: qualquer resultado que provarmos para todos os espaçosmétricos deverá valer para as métricas discretas!
2.1.6 Métricas induzidas
Se temos um espaço métrico (X, dX ), qualquer subconjunto Y ⊂ X , Y = ∅herda a métrica:
dY (y, y) := dX (y, y
) ((y, y) ∈ Y 2).
Ou seja, dY = dX |X ×X é obtida restringindo a função dX : X ×X → [0, +∞)ao conjunto Y × Y . Chamamos esta métrica de induzida. Por exemplo,Q ⊂ R e Qd ⊂ R?d têm métricas induzidas pelas métricas naturais sobre osespaços ambientes.
2.2 Espaços vetoriais e normasAlguns dos conjuntos X sobre os quais definimos métricas acima têm umaestrutura especial que nos permite somar e subtrair elementos, al’em demultiplicá-los por números reais. O exemplo mais claro é o de Rd, mas háalguns outros menos evidentes.
Exemplo 2.1 Lembre do espaço C (I,R) definido na Seç˜ ao 2.1.4. Veja que podemos somar duas funç˜ oes cont́ınuas f, g ∈ C (I,R), obtendo uma nova funç˜ ao contı́nua f + g, definida por
(f + g)(x) := f (x) + g(x), (x
∈ I ).
Além disso, podemos multiplicar uma funç˜ ao f por um escalar λ ∈ R, ob-tendo uma funç˜ ao λf ∈ C (I, R), definida pela identidade:
(λ f )(x) := λ f (x), (x ∈ I ).
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
17/103
2.2. ESPAÇOS VETORIAIS E NORMAS 17
Exerćıcio 2.3 Prove propriedades parecidas para o espaço Bo(S,R) do Exercı́cio
2.2 .
Os espaços com o tipo de estrutura que observamos nestes exemplos s ãoos chamados de espaços vetoriais .
Definiç̃ao 2.2 Chamamos de espaço vetorial sobre R um conjunto V = ∅com operaç˜ oes de soma
(v, w) ∈ V 2 → v + w ∈ V e multiplicaç˜ ao por escalar
(λ, v)
∈R
×V
→λ v
∈ V,
além de um elemento distinguido 0 ∈ V , definidos de modo que os axiomas a seguir sejam satisfeitos:
1. Comutatividade e associatividade da soma: v + w = w + v e (v + w) +z = v + (w + z) para todos v, w, z ∈ V .
2. Associatividade do produto: para quaisquer λ, η ∈ R, v ∈ V , λ(ηv) =(λη) v.
3. Distributividade: para todos v, w ∈ V , λ, ξ ∈ R, (λ + ξ ) (v + w) =λv + λw + ξv + ξw.
4. Elemento neutro: 0 + v = v para todo v ∈ V .5. Multiplicação por 1 e 0: 1.v = v e 0.v = 0 para todo v ∈ V .
Não é dif́ıcil mostrar que os axiomas acima são respeitados por Rd (com0 sendo o vetor cujas coordenadas são nulas), C (I, R) (com 0 sendo a funçãoidenticamente nula) e Bo(S,R) (de modo semelhante a C (I,R)).
Exerćıcio 2.4 Mostre a partir dos axiomas que 0.v = 0 e (−1) v + v = 0para todo v ∈ V .
As métricas que definimos para Rd, C (I, R) e Bo(S,R) são todas dadas
por normas .
Definiç̃ao 2.3 Uma norma sobre um espaço vetorial real V é uma funç˜ aoque associa a cada v ∈ V um valor vV ∈ R, de modo que, para quaisquer λ ∈ R, v, w ∈ V , valham as seguintes propriedades.
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
18/103
18 CAP ́ITULO 2. ESPAÇOS M ́ETRICOS E ESPAÇOS VETORIAIS
1. Positividade definida: vV ≥ 0, com igualdade se e somente se v = 0.2. Homogeneidade positiva: λvV = |λ| vV .3. Sub-aditividade: v + wV ≤ vV + wV .
Um par (V, · V ), com V um espaço vetorial real e · V uma norma, é chamado de espaço vetorial real normado.
Exerćıcio 2.5 Prove que as express˜ oes | · |, | · |1, | · |∞ definidas na Seç˜ ao2.1.2 s˜ ao todas normas sobre Rd.
A maneira canônica de se definir uma métrica sobre um espaço normadoé através da norma.
Proposição 2.1 Se (V, · V ) é um espaço normado, ent˜ ao a express˜ ao
dV (a, b) := a − bV (a, b ∈ V )
define uma métrica sobre V .
Prova: Vamos repetir de propósito a estrutura da prova do Teorema 2.1.Sejam a, b, c ∈ Rd quaisquer. Nosso objetivo é provar que
• a − bV ≥ 0, com igualdade se e somente se a = b;
• a − bV = b − aV ;• a − cV ≤ a − bV + b − cV .
Vamos escrever isto de outra forma. Defina x := a − b, y := b − c. Os itensacima são equivalentes a:
• xV ≥ 0, com igualdade se e somente se x = 0 (vem da positividadedefinida).
• xV = − xV (vem da homogeneidade positiva);• x + yV ≤ xV + yV (vem da sub-aditividade).
Exerćıcio 2.6 Mostre Rd é mesmo um espaço vetorial e que s˜ ao mesmonormas as candidatas | · |, | · |1 e | · |∞ definidas na Seç˜ ao 2.1.2.
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
19/103
2.3. MAIS EXERC ́ICIOS 19
Exerćıcio 2.7 Mostre C (I,R) é mesmo um espaço vetorial e que · I,∞ é mesmo norma sobre este espaço. Mostre que
f I,1 :=
I |f (t)| dt (f ∈ C (I,R))
também define uma norma sobre C (I, R).
Exerćıcio 2.8 Uma maneira canˆ onica de se definir normas é atrav́es de produtos internos. Um produto interno sobre V é uma operaç˜ ao que associa a cada par v, w ∈ V um n´ umero v, wV ∈ R, de modo que as seguintes propriedades s˜ ao satisfeitas para quaisquer v, w ∈ V :
• Simetria: v, w = w, v.• Positividade definida: v, v ≥ 0, com igualdade se e somente se v = 0.
• BIlinearidade: se v = λa + b com λ ∈ R e a, b ∈ V , temos v, w =λ a, w + b, w.
1. Prove que o produto interno definido em Rd na Seç˜ ao 2.1.2 é mesmoum produto interno (isto j´ a est´ a implicitamente provado!).
2. Defina vV := v, v. Prove que qualquer produto interno satisfaz
a desigualdade de Cauchy Schwartz
v, w
≤ v
V
w
V . Encontre
ainda as condiç˜ oes de igualdade.
3. Prove que a funç˜ ao · V acima é de fato uma norma sobre V .
4. Prove que a express̃ ao abaixo define uma norma sobre C (I,R).
f I,2 :=
I f (t)2 dt (f ∈ C (I,R)).
2.3 Mais exerćıcios
Exerćıcio 2.9 Seja (X, dX ) um espaço métrico. Considere:
dX (x, x
) := min{dX (x, x), 1}.
Prove que esta é outra métrica sobre X .
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
20/103
20 CAP ́ITULO 2. ESPAÇOS M ́ETRICOS E ESPAÇOS VETORIAIS
Exerćıcio 2.10 Considere Ψ : [0, +∞) → [0, +∞). Seja (X, dX ) um espaçométrico e defina
dX,ψ(x, x) := Ψ(dX (x, x
)).
Dê condi̧c˜ oes necess´ arias e suficientes sobre Ψ para que dX,ψ seja uma nova métrica sobre X , para qualquer (X, dX ).
Exerćıcio 2.11 (Métricas produto) Suponha que (X i, dX i), i = 1, . . . , d,s˜ ao espaços métricos. Escreveremos os elementos de
X := X 1 × X 2 × · · · × X d
como x = (x(1), . . . , x(d)), com cada coordenada x(i) ∈ X i. Mostre que para p = 1, 2, ∞ as express˜ ao
d p(x, y) := p
di=1
dX i(x(i), y(i)) p (x, y ∈ X )
define uma métrica sobre X .
Exerćıcio 2.12 Considere um espaço vetorial V . J´ a vimos que uma norma sobre V induz naturalmente uma métrica sobre V . No entanto, nem toda métrica sobre V vem de uma norma. Dê condiç˜ oes necess´ arias e suficientes que uma métrica dV deve satisfazer para que exista uma norma
· V tal
que ∀v, w ∈ V : v − wV = dV (v, w).
Exerćıcio 2.13 Vamos botar uma métrica no espaço C ((a, b),R) das funç˜ oes cont́ınuas de um intervalo (a, b) em R. Nossa ideia ser´ a dizer que esta métrica metriza a convergência uniforme em compactos, como veremos na pr´ oxima seç˜ ao. Durante o exerćıcio, suporemos que −∞ ≤ a < b ≤ +∞.
Fixaremos sequências {an}n∈N, {bn}n∈N com a < an < bn < b com an a, bn b. Defina I n := [an, bn] ( n ∈ N).
1. Mostre que, para cada n ∈ N e f ∈ C ((a, b),R),
f I n,∞ := supt∈R
|f (t)| < +∞.
Mostre ainda que · I n,∞ é uma seminorma, isto é, ela é homogênea positiva e sub-aditiva (mas n˜ ao necessariamente positiva definida).
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
21/103
2.3. MAIS EXERC ́ICIOS 21
2. Prove que f, g ∈ C ((a, b),R) s˜ ao distintas se e somente se f −gI n,∞ >0 para algum n ∈ N.
3. Mostre agora que a express˜ ao abaixo:
dC ((a,b),R)(f, g) :=n∈N
2−n min{f − gI n,∞, 1} (f, g ∈ C ((a, b),R))
define mesmo uma métrica sobre C ((a, b),R).
(Observação) este é um exemplo de espaço vetorial em que a métricamais natural não é dada por uma norma! Veremos na próxima seção quea noção de convergência dada por esta métrica não depende da escolha dassequências {an}n∈N e {bn}n∈N.Exerćıcio 2.14 Considere um conjunto U ⊂ Rd com supu∈U |u| < +∞.Dado x ∈ Rd, defina:
xU := supu∈U
u · x.
1. Prove que existe uma constante C > 0 tal que xU ≤ C |x| para todox ∈ Rd.
2. Prove que x + yU ≤ xU + yU para quaisquer x, y ∈ Rd (isto é, · U é sub-aditiva).
3. Suponha que U é simétrico com relaç˜ ao a 0, isto é, que ∀u ∈ U,
−u ∈
U . Prove que · U
é homogênea positiva.
4. Diga que U gera Rd se para qualquer x ∈ Rd\{0} existe um u ∈ U com x · u > 0. Prove que, se U gera Rd e é simétrico com relaç˜ ao a 0,ent˜ ao · U é uma norma sobre Rd.
Exerćıcio 2.15 Vamos definir novas normas (e portanto novas métricas)sobre Rd. Dado 1 < p
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
22/103
22 CAP ́ITULO 2. ESPAÇOS M ́ETRICOS E ESPAÇOS VETORIAIS
1. Prove primeiramente que |x| p ≤ d1/p |x|∞ ≤ d1/p |x|2 para todo x ∈ Rd.2. Agora defina o expoente dual q = p/( p−1), de modo que 1/p+1/q = 1.
Mostre que a desigualdade entre as médias aritmética e geométrica implica que
∀λ > 0 ∀a, b ∈ R : ab ≤ |a| p
pλ p +
|b|q λqq
.
3. Deduza do primeiro item que
∀λ > 0 ∀x, y ∈ R p : x · y ≤ |x| p p
pλ p +
|y|qq λqq
e obtenha x.y ≤ |x| p |y|q com uma escolha adequada de λ.4. Mostre que, de fato,
|x| p = supy∈Rd : |y|q≤1
x · y
e deduza do problema anterior que | · | p é mesmo uma norma sobre Rd.
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
23/103
Caṕıtulo 3
Sequências e limites
O leitor deve lembrar que uma sequência de elementos em X , escrita {xn}n∈N ⊂X , é tão somente uma maneira de escrever uma função f : N → X , de modoque xn = f (n) para cada n ∈ N.
Tomamos como dado que o leitor já sabe o que é convergência de umasequência em R, mas lembramos a definição mesmo assim. Dados {xn}n∈N ⊂R e x ∈ R, dizemos que xn → x, ou limn∈N xn = x, ou ainda que xn convergea x, se
∀ε > 0 ∃n0(ε) ∈ N ∀n ∈ N : n ≥ n0(ε) ⇒ |xn − x| < ε.A noção de convergência em um espaço métrico é derivada desta.
Definiç̃ao 3.1 Fixo um espaço métrico (X, dX ), dizemos que uma sequência {xn}n∈N ⊂ X converge a x ∈ X (segundo a métrica dX ) se a sequência {dX (xn, x)}n∈N ⊂ R converge a 0, no sentido do par´ agrafo anterior. Ditode outro modo: xn → x se ∀ε > 0 ∃ n0(ε) ∈ N ∀n ∈ N : n ≥ n0(ε) ⇒ |dX (xn, x) − 0| = dX (xn, x) < ε.
Esta segunda forma de definir as coisas mostra que as duas noções de con-verĝencia coincidem no caso de X = R com a métrica usual. Podemosmostrar facilmente que, como no caso de números, trocar < ε por ≤ ε nasegunda definição não muda nada. Além disso:
Exercı́cio 3.1 (Unicidade do limite) Mostre que xn →
x e xn →
x
implica x = x.
Um ponto importante é que, como veremos abaixo, a convergência ounão de uma sequência depende da métrica escolhida. Ainda assim, na maiorparte dos casos nós falaremos de convergência sem mencionar a métrica.
23
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
24/103
24 CAP ́ITULO 3. SEQU ̂ENCIAS E LIMITES
Exerćıcio 3.2 Considere um espaço vetorial normado (V, · V ) com a métrica induzida pela norma. Se {vn}n∈N ⊂ V e v ∈ V s˜ ao dados, mostre que
vn → v ⇔ vn − v → 0.
Vamos agora definir o que é uma sequência de Cauchy em um espaçométrico e o que é um espaço métrico completo.
Definição 3.2 Fixo um espaço métrico (X, dX ), dizemos que uma sequência {xn}n∈N ⊂ X é de Cauchy se
limm,n→+∞
dX (xn, xm) = 0,
isto é,
∀ε > 0 ∃ n0(ε) ∈ N∀n ∈ N : n ≥ n0(ε) ⇒ dX (xn, xm) < ε.
(X, dX ) é dito completo se toda sequência de Cauchy {xn}n∈N ⊂ X converge a algum x ∈ X .
A mesma prova conhecida de R de que toda sequência convergente éCauchy vale para espaços métricos gerais. Observe, no entanto, que nemtodo espaço métrico é de Cauchy. Por exemplo, (R, dR) é completo, mas Qcom a métrica induzida não é completo. Veremos a seguir vários exemplosnaturais de espaços métricos que são completos e (com menos destaque)alguns outros que não são.
3.1 Convergência em Rd com as normas p
Recorde a Seção 2.1.2 e o Exercı́cio 2.15 acima, onde apresentamos as normas p, 1 ≤ p ≤ ∞, sobre Rd. Observe que, para qualquer uma destas normas,
∀ p ∈ [1, +∞), ∀x ∈ Rd : |x|∞ ≤ |x| p ≤ d1/p |x|∞.
Usando o Exerćıcio 3.2, deduzimos que, dadas {xn}n∈N ⊂ Rd e x ∈ Rd,
xn →p x ⇔ |x − xn| p → 0 ⇔ |x − xn|∞ → 0 ⇔ max1≤i≤d |x(i)
− x(i)n | = 0.
De fato, como há um número finito de ı́ndices i = 1, 2, . . . , d, temos que
xn →p x ⇔ ∀i ∈ {1, 2, . . . , d} : x(i)n → x(i).
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
25/103
3.2. CONVERGÊNCIA SOB A M ́ETRICA DISCRETA 25
Ou seja, xn → x na norma p se e somente se as coordenadas de xn conver-gem às de x no sentido usual de R.Do mesmo, modo, vemos que {xn}n∈N é Cauchy na norma p se e somentese
∀i ∈ {1, 2, 3, . . . , d} : limm,n→+∞
|x(i)m − x(i)n |,
ou seja, se e somente se {x(i)n }n∈N ⊂ R é Cauchy para cada i. Se isto ocorre,a completude de R implica que
∀i ∈ {1, 2, 3, . . . , d} ∃x(i) ∈ R : limn→+∞
x(i)n = x(i),
e o critério de convergência a x acima mostra que, neste caso, xn
→ x em
p. Deduzimos os seguintes fatos importantes:
Teorema 3.1 Em Rd:
Para qualquer norma p, a convergência de sequências em Rd é equi-valente a convergência das coordenadas.
•• Uma sequência em Rd com a norma p é Cauchy se e somente se as sequências de coordenadas s˜ ao Cauchy em R.
• Rd é completo com qualquer uma das normas p: ou seja, uma sequência de Cauchy em qualquer uma das normas p necessariamente tem um limite, que pode ser obtido coordenada a coordenada.
Mais adiante veremos que as conclusões acima valem para qualquer norma sobre Rd, visto que as normas são todas equivalentes . Isto fará mais sentidoquando apresentarmos a definição de equivalência.
3.2 Convergência sob a métrica discreta
Vamos deixar este caso como um exerćıcio.
Exerćıcio 3.3 Considere um espaço (X, dX ) com a métrica discreta. Dada {xn}n∈N ⊂ X , mostre que xn → x ∈ X se e somente se existe um n0 ∈ Ntal que xn = x para todo n ≥ n0. Prove ainda que {xn}n∈N é Cauchy se e somente se existe um n0 ∈ N tal que xn = xn0 para todo n ≥ n0.
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
26/103
26 CAP ́ITULO 3. SEQU ̂ENCIAS E LIMITES
3.3 Convergência em C (I,R)
Recorde este exemplo da Seção 2.1.4: I = [a, b] ⊂ R é um intervalo compactoe usamos a métrica/norma dada naquela Seção:
f I,∞ := supt∈I
|f (t)|.
Vamos primeiro tentar entender do que estamos falando aqui. Vamos con-siderar em primeiro lugar o que quer dizer f n → f nesta métrica. Comof n − f I,∞ é um supremo, e além disso este supremo é atingido, temos que
f n−f I,∞ → 0 ⇔ ∀ε > 0 ∃n0 = n0(ε) ∈ N∀n ≥ n0 ∀t ∈ T : |f n(t)−f (t)| < ε.
Esta é a chamada convergência uniforme em t ∈ I , ou simplesmente uni-forme. Esta convergência implica a chamada convergência pontual , queocorre quando f n(x) → f (x) para cada x ∈ I . Isto equivale a pedir que:
∀ε > 0 ∀t ∈ I ∃n0 = n0(ε, t) ∀n ≥ n0 : |f n(t) − f (t)| < ε.
Veja que agora o ı́ndice n0 a partir do qual a distância fica menor que εdepende tanto de ε quanto do ponto t. Por outro lado, a convergênciauniforme pede que seja achado, para cada ε > 0, um n0 tal que |f n(t) −f (t)| < ε para qualquer t ∈ I , sempre que n ≥ n0. Ou seja, a escolha de n0deve ser uniforme em t. O próximo exerćıcio nos diz que o limite pontualde uma sequência de funções contı́nuas não é necessariamente uma funçãocont́ınua.
Exerćıcio 3.4 Considere I = [0, 1] e f n(x) = xn, x ∈ I . Mostre que o
limite pontual das f n existe e é uma funç˜ ao f : I → R descontı́nua em x = 1.
Por outro lado, nosso principal teorema nesta seção pode ser resumidodizendo-se que o limite uniforme de funç˜ oes contı́nuas é uma funç˜ ao contı́nua .
Teorema 3.2 C (I, R) é completo com a métrica induzida pela norma ·
I,∞. Ou seja, uma sequência de funç˜ oes contı́nuas sobre I = [a, b] que
converge uniformemente tem como limite uma funç˜ ao contı́nua.
Prova: Tomemos {f n}n∈N ⊂ C (I,R) que é de Cauchy, ou seja, tal que f n −f mI,∞ → 0 quando n, m → +∞. Desejamos mostrar que existe uma funçãof ∈ C (I,R) tal que f n − f I,∞ → 0.
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
27/103
3.3. CONVERGÊNCIA EM C (I,R) 27
O primeiro passo é observar que existe uma f : I → R tal que f n(x) →f (x) para cada x ∈ I (ou seja, as f n convergem pontualmente ). A ideiaé que f será a nossa candidata a limite uniforme da seqûencia f n. Paraprovar a convergência pontual, usaremos o fato de que R é completo, ouseja, sequências de Cauchy em R convergem. Por conta disto, temos
∀x ∈ I : |f n(x) − f m(x)| ≤ supt∈I
|f n(t) − f m(t)| = f n − f mI,∞ (n,m→+∞)→ 0.(3.1)
Ou seja,
∀x ∈ I : |f n(x) − f m(x)| → 0 quando n, m → +∞,o que quer dizer que
{f n(x)
}n
⊂R é Cauchy, como querı́amos demonstrar.
Temos, portanto, uma função f : I → R com f n(x) → f (x) para cadax ∈ I . De fato, o racioćınio por detrás de (3.1) nos diz que, para todo x ∈ I
|f n(x) − f (x)| = limm→+∞
|f n(x) − f m(x)|≤ limsup
mf n − f mI,∞
≤ supm≥n
f n − f mI,∞.
Observe que o lado direito desta cadeia de desigualdades não depende de xe é uma cota superior para todo x. Tomando o supremo, descobrimos que
f n −
f I,∞ ≤
supm≥n
f n −
f mI,∞
.
Recordamos mais uma vez que {f n}n∈N ⊂ C (I,R) é Cauchy. Isto quer dizerque, dado ε > 0, podemos encontrar n0(ε) tal que, se n, m ≥ n0(ε), entãof n − f mI,∞ < ε. Tomando o sup em m, vemos que
∃n0(ε) ∈ N, ∀n ≥ n0(ε) : 0 ≤ f n − f I,∞ ≤ ε.Como isto vale para todo ε, deduzimos que f n−f I,∞ → 0, como querı́amosdemonstrar.
Falta apenas um detalhe, que é provar que f ∈ C (I,R), ou seja, que f écont́ınua (ou: o limite uniforme de funções contı́nuas é uma função contı́nua).
Isto vale se e somente se para toda sequência convergente {x j} j∈N ⊂ I e todox ∈ I , x j → x ⇒ f (x j) → f (x). Para fazer isto, vamos observar que bastaprovar que |f (x j) − f (x)| → 0 sob as hipóteses, o que segue de:
(Basta) ∀ε > 0 : limsup j
|f (x j) − f (x)| ≤ 0.
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
28/103
28 CAP ́ITULO 3. SEQU ̂ENCIAS E LIMITES
Vamos então provar esta última equação. Observe que, pela desigualdade
triangular:|f (x j) − f (x)| = |f (x j) − f n(x j) + f n(x j) − f n(x) + f n(x) − f (x)|
≤ |f (x j) − f n(x j)| + |f n(x j) − f n(x)| + |f n(x) − f (x)|O primeiro e o terceiro termo nesta última expressão são da forma |f (t) −f n(t)| com t ∈ I , sendo, portanto cotados pelo supremo de |f (t) − f n(t)|sobre t ∈ I , que por sua vez é exatamente f − f nI,∞. Ou seja,
|f (x j) − f (x)| ≤ |f n(x j) − f n(x)| + 2 f n − f I,∞.Esta desigualdade vale para cada j e n. Em particular, podemos tomar j → +∞: a continuidade de f n nos garante que |f n(x j) − f n(x)| → 0 eportanto,
∀n ∈ N : limsup j∈N
|f (x j) − f (x)| ≤ 2f n − f I,∞.
Por fim, mandando n → +∞, vemos que f n − f I,∞ → 0 enquanto o ladoesquerdo não muda. Deduzimos:
limsup j∈N
|f (x j) − f (x)| ≤ 0,
o que significa |f (x j) − f (x)| → 0, como queŕıamos demonstrar.
Observaç̃ao 3.1 Nos Exercı́cios 2.7 e 2.8 , vimos duas outras normas que
podem ser definidas em C (I,R):
f I,p := p b
a|f (t)| p dt (f ∈ C (I,R)),
com p = 1, 2. Na verdade, pode-se usar a estrutura do Exerćıcio 2.15 e mostrar que a express˜ ao acima define uma norma para qualquer 1 ≤ p <+infty. Além disso, n˜ ao é difı́cil observar que
∀f ∈ C (I,R) : f I,p ≤ (b − a)1/p f I,∞.Portanto, convergência de acordo com a norma ∞ implica convergência em todas as normas p acima. A recı́proca não é verdadeira. Por exemplo, se I = [0, 1], podemos definir:
f n(x) :=
nx, 0 ≤ x
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
29/103
3.4. CONVERGÊNCIA EM C ((A, B),R) 29
´ E um exerćıcio checar que f n ∈ C (I,R) e f nI,p → 0 quando n → +∞.Portanto, f n → 0 vai para zero de acordo com todas as normas p com 1 ≤ p < +∞. No entanto, f nI,∞ = 1 para todo n ∈ N, logo f n → 0na norma ∞; de fato, é possı́vel mostrar que {f n}n∈N n˜ ao é Cauchy com a norma ∞ e portanto n˜ ao converge para nada.
3.4 Convergência em C ((a, b),R)
Acabamos de ver que, se I é um intervalo compacto, a métrica/norma quedefinimos sobre C (I,R) é tal que f n → f se e somente se os valores |f n(t) −f (t)| convergem a 0 uniformemente em t ∈ I . Vamos agora trabalhar com oespaço C ((a, b),R) e procurar entender o que significa convergir neste espaço.
Vamos recordar como definimos a métrica neste espaço no exercı́cio 2.13.Fixaremos sequências {ak}k∈N, {bk}k∈N com a < ak < bk < b, ak a,bk b. Definimos I k := [ak, bk] (k ∈ N) e tomamos
dC ((a,b),R)(f, g) :=k∈N
2−k min{f − gI k,∞, 1}. (3.2)
Teorema 3.3 (C ((a, b),R), dC ((a,b),R)) é um espaço métrico completo. Aĺem disso, uma sequência {f n}n∈N ⊂ C ((a, b),R) converge a f ∈ C ((a, b),R)se e somente se para cada K ⊂ (a, b) compacto n˜ ao-vazio, f n(x) converge uniformemente sobre x ∈ K , isto é:
∀K ⊂ (a, b) compacto : f n − f K,∞ → 0.
Ou seja, a métrica que apresentamos metriza a convergência uniforme so-bre compactos . Note que este conceito não depende da escolha das sequênciasak, bk! Por exemplo, se a = −∞ e b = +∞, podemos tomar ak = −2k,bk = k; ou ak = 1 − k2, bk = 3k; ou qualquer outra escolha válida, e a nossanoção de convergência não dependerá da escolha. Isto é mais um caso deequivalência de métricas , como veremos mais adiante.
Prova: Primeiro vamos provar a completude de nosso espaço.
Como na seção anterior, nosso primeiro passo será observar que os limites
pontuais f (x) := limn f n(x) existem para cada n ∈ N. Para provar isto,fixamos x ∈ (a, b), de modo que a < x < b. Como ak → a e bk → b,temos que ak < x < bk e portanto x ∈ I k para algum k ∈ N (de fato,para qualquer k suficientemente grande!). Fixando este tal k, vemos que,para cada par m, n ∈ N |f n(x) − f m(x)| é no máximo o supremo dos valores
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
30/103
30 CAP ́ITULO 3. SEQU ̂ENCIAS E LIMITES
de |f n(t) − f m(t)| com t ∈ I k, ou seja |f n(x) − f m(x)| ≤ f n − f mI k,∞.Deduzimos
min{|f n(x) − f m(x)|, 1} ≤ 2k 2−k min{f n − f mI k,∞, 1}≤ 2k
k∈N
2−k
min{f − gI k ,∞, 1},
onde a ulúltima desigualdade usa o fato de que todos os termos somados s ãomaiores ou iguais a 0. Conclúımos:
min{|f n(x) − f m(x)|, 1} ≤ 2k dC ((a,b),R)(f n, f m).Recorde que supomos que {f n}n∈N é Cauchy. Isto quer dizer que, quandon, m → +∞, dC ((a,b),R)(f n, f m) → 0. Usando a desigualdade acima, vemos
que min{|f n(x) − f m(x)|, 1} → 0,ou seja, {f n(x)}n∈N ⊂ R é Cauchy. Como R é completo, deduzimos quef n(x) converge a algum valor f (x), para cada x ∈ (a, b).
Para provar a completude do espaço, ainda temos que provar que f n → f na métrica de C ((a, b),R) e que f é contı́nua. Isto na verdade é simples.Nossas contas acima mostram que
∀k ∈ N : min{f n − f mI k,∞, 1} ≤ 2k dC ((a,b),R)(f n, f m) → 0quando n, m → +∞. Portanto, f n − f mI k,∞ → 0 também. Seguindo ascontas do Teorema 3.2, vemos que isto quer dizer que f n − f I k,∞ → 0, ouseja, f n converge uniformemente a f sobre I k, para cada k ∈ N. O argumentodaquela prova mostra que a restrição da função f a cada intervalo I k écont́ınua. Observe que isto ainda n˜ ao prova que f : (a, b) →R é cont́ınua, aomenos n˜ ao diretamente. Mas não é difı́cil provar que isto é de fato verdade.Para isso, tome x ∈ (a, b) e {xn}n∈N ⊂ (a, b) com xn → x; queremos mostrarque f (xn) → f (x). Como vimos acima, podemos encontrar I k = [ak, bk] comak < x < bk. Mas então, como xn → x, temos que ak < xn < bk para todon suficientemente grande. Portanto, apenas um número finito dos pontosxn pode estar fora do intervalo I k. Ou seja, lim f (xn) existe ou não, e, seexistir, tem o mesmo valor que se estes termos fossem removidos, de modoa termos uma sequência inteiramente contida em I k. Como f |I k é cont́ınua,isto quer dizer que lim f (xn) = f (x), como queŕıamos demonstrar.
Vamos agora mostrar que dC ((a,b),R)(f n, f ) → 0. Na verdade o que vamosprovar é que
Afirmação: se ∀k ∈ N, f n − f I k,∞ → 0, então dC ((a,b),R)(f, f n) → 0.(3.3)
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
31/103
3.4. CONVERGÊNCIA EM C ((A, B),R) 31
Para isto, tomamos um K ∈ N qualquer e observamos que:
dC ((a,b),R)(f, f n) :=k∈N
2−k min{f − f nI k,∞, 1}
≤k≤K
2−k f − f nI k,∞ +k>K
2−k
=k≤K
2−k f − f nI k,∞ + 2−K .
Veja que na última linha acima temos uma soma de um número finito determos e cada um deles vai a 0 quando n → +∞. Aplicando as propriedadesdo lim sup, vemos que
limsupn∈N
dC ((a,b),R)(f, f n) ≤ 2−K
e isto vale para todo K ∈ N, ainda que o lado esquerdo não dependa de K .Deduzimos que
limsupn∈N
dC ((a,b),R)(f, f n) ≤ inf K ∈N
2−K = 0,
ou seja,limn∈N
dC ((a,b),R)(f, f n) = 0,
como queŕıamos demonstrar.
O que mostramos até agora foi que uma sequência arbitrária de Cauchyem C ((a, b),R) tem um limite em C ((a, b),R), tudo de acordo com a métricaque usamos. Ou seja, (C ((a, b),R), dC ((a,b),R)) é mesmo um espaço métricocompleto. Agora vamos provar a segunda parte do enunciado do teorema.Uma direção é fácil: convergência uniforme sobre todos os compactos implicaconvergência uniforme sobre todos os intervalos I k e então (??) nos dá aconvergência na métrica de C ((a, b),R).
Na direção contrária, tomamos um compacto K ⊂ (a, b), K = ∅. Ob-serve que a, b ∈ K , portanto as funções x−a, b−x (x ∈ K ) são ambas positi-vas em K . A compacidade de K implica que os ı́nfimos de ambas as funçõestambém são positivos. Ou seja, há um r > 0 tal que x − a ≥ r , b − x ≥ rpara cada x ∈ K . Desta forma, K ⊂ [a + r, b − r]. Agora observamos que,como ak → a, bk → b, há algum k tal que a < ak ≤ a + r ≤ b − r ≤ bk < a,portanto K ⊂ [a + r, b − r] ⊂ I k. Isto quer dizer que
f n − f K,∞ = supt∈K
|f n(t) − f (t)| ≤ supt∈I k
|f n(t) − f (t)| = f n − f I k,∞.
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
32/103
32 CAP ́ITULO 3. SEQU ̂ENCIAS E LIMITES
Como vimos anteriormente, f n−f I k,∞ → 0. A desigualdade acima implicaf n − f K,∞ → 0. Como K ⊂ (a, b) é um compacto não vazio arbitrário,isto implica o que desejávamos provar.
3.5 Equivalência de métricas e normas
Na seção anterior nós vimos como descrever a convergência em alguns espaçosonde isso não é completamente óbvio à primeira vista. Um ponto importantede se enfatizar é que em vários casos mostramos que definições diferentes demétrica ou norma conduziram a uma única noção de convergência. Isto éum ponto importante, que merece uma definição.
Definição 3.3 Considere um conjunto X = ∅ e duas métricas d1, d2 defi-nidas sobre ele. Dizemos que as duas métricas s˜ ao equivalentes se
∀{xn}n∈N ⊂ X, ∀x ∈ X : d1(xn, x) → 0 ⇔ d2(xn, x) → 0.
Quando X é um espaço vetorial e as duas distˆ ancias s˜ ao induzidas por normas · 1, · 2, dizemos que as duas normas s˜ ao equivalentes quando as métricas induzidas s˜ ao equivalentes de acordo com a definiç˜ ao acima.
Por exemplo, a Seção 3.1 mostra que as métricas induzidas pelas normas p sobre Rd são todas equivalentes. Do mesmo modo, a discussão logo após o
enunciado do Teorema 3.3 nos mostra que qualquer métrica obtida a partirde sequências an a, bn b é equivalente a qualquer outra métrica domesmo tipo: afinal, a convergência ou não de uma sequência de funções emqualquer uma destas métricas é determinada pela convergência uniformesobre compactos.
Agora apresentamos um caso de não-equivalência de normas (e métricas).
Exemplo 3.1 Vamos mostrar que duas normas que vimos acima sobreC ([0, 1],R) não são equivalentes. A primeira é a nossa “norma preferen-cial˜:
f
∞ := sup
t∈[0,1] |f (t)
|e a segunda foi apresentada no Exerćıcio 2.7.
f 1 := 10
|f (t)| dt.
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
33/103
3.5. EQUIVALÊNCIA DE M ́ETRICAS E NORMAS 33
Como |f (t)| ≤ f ∞ para cada t ∈ [0, 1], vemos facilmente que f 1 ≤ f ∞para toda f ∈ C ([0, 1],R). Disto podemos facilmente deduzir que
f n − f ∞ → 0 ⇒ f n − f 1 → 0.A recı́proca, no entanto, não é verdadeira. Considere por exemplo a sequênciade funções {f n}n∈N definidas da seguinte forma:
f n(t) :=
0, t ≤ 1 − 1nnt − n + 1, 1 − 1n < t ≤ 1.
O leitor pode checar que f n ∈ C ([0, 1],R) é não negativa e que
f n
1 =
1
0
f n(t) dt = 1
2n
.
Portanto f n − 01 → 0. No entanto, para todo nf n∞ = f n(1) = 1 → 0,
o que nos diz que f n → 0 de acordo com a norma · ∞.Nossa última observação nesta seção é que a equivalência de métricas
tem uma expressão equivalente.
Teorema 3.4 Duas normas · 1 e · 2 sobre o mesmo espaço vetorial V s˜ ao equivalentes se e somente se existem constantes C,c > 0 tais que
∀v ∈ V : c v1 ≤ v2 ≤ C v2.Prova: Deixamos como exercı́cio provar que, se tais constantes existem, asmétricas são equivalentes. Vejamos agora que, se as normas são equiva-lentes, ent˜ ao existem constantes C ,c > 0 com as propriedades desejadas.Recorde que a equivalência das normas é a mesma coisa que a equivalênciadas métricas induzidas pelas normas. Portanto, nossa hipótese é que
Hip: ∀{vn}n∈N ⊂ V ∀v ∈ V : vn − v1 → 0 ⇔ vn − v2 → 0.Em particular, vale o que escrevemos acima quando v = 0.
Hip’: ∀{vn}n∈N ⊂ V : vn1 → 0 ⇔ vn2 → 0.Agora suporemos para chegar a uma contradiç˜ ao que não existe a constanteC apontada acima. Ou seja
(?) ∀C > 0 ∃vC ∈ V : vC 2 > C vC 1.
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
34/103
34 CAP ́ITULO 3. SEQU ̂ENCIAS E LIMITES
Em particular, podemos encontrar um vetor vn ∈ V com vn2 > (n +1) vn1, para cada n ∈ N. Note que tal vetor não pode ser 0 porque nestecaso terı́amos vn2 = (n + 1) vn1. Portanto, podemos (se necesśario)substituir cada vetor vn por vn/(n + 1)vn1 e deduzir que
(?) ⇒ ∃{vn}n∈N ⊂ V ∀n ∈ N : vn1 = 1n + 1
e vn2 > (n+1) vn1 = 1.
No entanto, isto contradiz Hip’: afinal, vn1 → 0 e vn2 → 0. Isto querdizer que (?) nos levou a uma contradição, o que implica que existe, sim, aconstante C que queŕıamos encontrar. Uma prova semelhante mostra que ac > 0 desejada também existe.
3.6 Mais exerćıcios
Exerćıcio 3.5 Mostre que existe uma métrica sobre Rd equivalente à usual tal que d(x, y) ≤ 1 para todos x, y ∈ Rd. Esta métrica pode vir de uma norma?
Exerćıcio 3.6 Mostre que a métrica discreta e a métrica induzida por Rs˜ ao equivalentes sobre N ou Z, mas n˜ ao sobre Q.
Exerćıcio 3.7 Suponha que (X, dX ) é um espaço métrico completo e dX
é uma outra métrica sobre X que é equivalente a dX . ´ E necessariamente verdade que (X, dX ) é completo?
Exerćıcio 3.8 Suponha que (V, ·V ) é um espaço vetorial completo e ·V é uma outra norma sobre V . Supondo que as duas normas s˜ ao equivalentes,é necessariamente verdade que (V, · V ) é completo?
Exerćıcio 3.9 Considere uma famı́lia enumer´ avel de espaços métricos (X i, di),i ∈ N\{0}. Chamamos de X o produto cartesiano infinito
X := X 1 × X 2 × X 3 × X 4 × . . .
e denotamos os elementos x ∈ X com x = (x(i)
)+∞
i=1 , com cada x(i)
∈ X i.Mostre que a express˜ ao
dX (x, y) :=
+∞i=1
2−i min{di(x(i), y(i)), 1} (x, y ∈ X )
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
35/103
3.6. MAIS EXERC ́ICIOS 35
define uma métrica sobre X e que
∀{xn}n∈N ⊂ X, ∀x ∈ X : dX (xn, x) → 0 ⇔ ∀i ∈ N\{0}, di(x(i)n , x) → 0.
Prove ainda que (X, dX ) é completo se e somente se cada (X i, di) é completo.
Exerćıcio 3.10 Dado um espaço métrico (X, dX ), dizemos que D ⊂ X é denso em X se e somente se todo elemento de X é o limite de alguma sequência de elementos de D. Dizemos que (X, dX ) é separ ́avel se X tem um subconjunto denso e enumer´ avel. Prove que Rd e C ([0, 1],R) s˜ ao separ´ aveis com suas métricas usuais.
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
36/103
36 CAP ́ITULO 3. SEQU ̂ENCIAS E LIMITES
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
37/103
Caṕıtulo 4
Funções e continuidade
O caṕıtulo anterior nos ensinou o que é convergência em espaços métricos.Isto nos permite definir continuidade de maneira fácil.
Definiç̃ao 4.1 Considere dois espaços métricos (X, dX ) e (Y, dY ) e D ⊂ X Dizemos que f : D → Y é cont́ınua em x ∈ D se
∀{xn}n∈N ⊂ D : xn → x ∈ D ⇒ f (xn) → f (x).
Dito de outro modo, queremos que:
∀{xn}n∈N ⊂ D, ∀x ∈ D : dX (xn, x) → 0 ⇒ dY (f (xn), f (x)) → 0.
Dizemos que f é (simplesmente) contı́nua se ela é contı́nua em todos os pontos do domı́nio D.
Esta definição é das mais importantes do curso e vamos gastar bastantetempo analisando-a e testando-a em exemplos. Uma primeira observação(praticamente trivial) está contida no exerćıcio a seguir.
Exerćıcio 4.1 Formalize e prove a seguinte afirmaç˜ ao: a composi̧c˜ ao de funç˜ oes contı́nuas é uma funç˜ ao contı́nua.
Outra observação às vezes útil é que:
Exerćıcio 4.2 A noç˜ ao de continuidade n˜ ao é modificada se as métricas dodomı́nio e do contradomı́nio s ̃ao trocadas por outras métricas equivalentes.
Veremos a seguir alguns exemplos de funções contı́nuas.
37
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
38/103
38 CAP ́ITULO 4. FUNÇ ˜ OES E CONTINUIDADE
4.1 Funções cont́ınuas de X em R
Aqui o melhor é proceder a partir de exemplos.Em primeiro lugar, conhecemos as funções contı́nuas f : D → R com
D ⊂ R. Tome agora uma nova função:f i : x ∈ Di := {z ∈ Rd : z(i) ∈ D} → f (x(i)) ∈ R.
Por exemplo, se f (t) = log t, com domı́nio D = R+, f i(x) := log x(i), com
domı́nio Di := {z ∈ Rd : z(i) ∈ R+}. Dizemos que este tipo de função s´ odepende da i-ésima coordenada.
Afirmamos que esta função é cont́ınua sempre que f é contı́nua. Paraisto precisamos mostrar que se {xn}n∈N ⊂ Di é uma sequência arbitráriacom xn
→ x
∈ Di, então f i(xn)
→ f (x). Para demonstrar isso, recorde que
nosso critério de convergência para sequências em Rd nos diz que x(i)n → x(i)em R. Além disso, a definição de Di garante que {x(i)n }n∈N ⊂ D, x ∈ D.Concluı́mos que f (x
(i)n ) → f (x(i)) porque f é contı́nua sobre D. Ou seja,
f (xn) → f (x), como queŕıamos demonstrar.Vejamos agora alguns exemplos mais interessantes.
Exerćıcio 4.3 Sabemos que o limite de um produto ou soma de sequências convergentes é o produto (ou soma) dos limites. Deduza disto que, se D ⊂ X e f, g : D → R s˜ ao cont́ınuas, o mesmo vale para λ f + g e f g (com λ ∈ R fixo). O mesmo vale para f /g sobre D=0 := {z ∈ D : g(z) = 0}. (De fato,tudo isso vale no caso em que D ⊂ X para um (X, dX ) arbitr´ ario.)Exerćıcio 4.4 Chame uma funç˜ ao f : Rd → R de polinˆ omio multivariadose existem um k ∈ N e coeficientes reais α( p1,...pd) com ( p1, . . . , pd) ∈ [k]dcom
f (x) =
( p1,...,pd)∈[k]d
α( p1,...pd) (x(1)) p1 (x(2)) p2 . . . (x(d)) pd (x ∈ Rd).
Prove que todo polinˆ omio multivariado é funç˜ ao contı́nua.
Exerćıcio 4.5 Mostre que as normas · p, 1 ≤ p ≤ +∞, s˜ ao funç˜ oes contı́nuas de Rd em R.
4.2 Funções Lipschitz e distânciasContinuando na linha anterior, vamos definir e analisar a continuidade dealgumas funções baseadas em distâncias. Para isso vai ser útil introduzir oconceito de função Lipschitz .
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
39/103
4.2. FUNÇ ˜ OES LIPSCHITZ E DIST ̂ANCIAS 39
Definiç̃ao 4.2 Considere dois espaços métricos (X, dX ) e (Y, dY ) e D ⊂ X Dada uma constante L > 0, dizemos que f : D → Y é L-Lipschitz se
∀x, x ∈ D : dY (f (x), f (x)) ≤ L dX (x, x).Já é sabido de Análise na Reta que funções L-Lipschitz são contı́nuas. Ve-rifiquemos isto para espaços métricos arbitrários. Suponha f : D → Y éL-Lipschitz, {xn}n∈N ∪ {x} ⊂ D e xn → x, isto é, dX (xn, x) → 0. Veja que
0 ≤ dY (f (xn), f (x)) ≤ L dX (xn, x) → 0,logo dY (f (xn), f (x)) é o recheio de um sanduı́che de seuquências que vãoa 0. Deduzimos que dY (f (xn), f (x)) → 0, ou seja f (xn) → f (x). Comoisto vale para todos
{xn
}n∈N
∪ {x
} e f como acima, podemos deduzir que
funções Lipschitz são sempre contı́nuas.Podemos prosseguir observando que várias funções derivadas de distâncias
são 1-Lipschitz.
Exemplo 4.1 Fixo x0 ∈ X , a funç˜ ao x ∈ X → dX (x, x0) ∈ R é 1-Lipschitz.De fato, para quaisquer x, x ∈ X , a desigualdade triangular nos diz que
dX (x, x0) ≤ dX (x, x0) + dX (x, x)e
dX (x, x0) ≤ dX (x, x0) + dX (x, x),
portanto
dR(dX (x, x0), dX (x, x0)) = |dX (x, x0) − dX (x, x0)| ≤ dX (x, x).
Exemplo 4.2 Fixe agora um conjunto S ⊂ X , a funç˜ aox ∈ X → dX (x, S ) := inf
s∈S dX (x, s) ∈ R
é bem definida, no sentido que os valores dX (x, s) s˜ ao todos cotados inferi-ormente por 0 (afinal, a métrica é positiva definida). Veja que, do mesmo jeito que provamos acima,
dX (x, S ) = inf
s∈S
dX (x, s)
≤ inf
s∈S
(dX (x, s)+dX (x, x
)) = dX (x, S )+dX (x, x
).
Repetindo a conta trocando os papeis de x e x e reusando as ideias da prova anterior, deduzimos que
dR(dX (x, S ), dX (x, S )) = |dX (x, x0) − dX (x, x0)| ≤ dX (x, x).
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
40/103
40 CAP ́ITULO 4. FUNÇ ˜ OES E CONTINUIDADE
Exemplo 4.3 Como um ´ ultimo exemplo, tomamos uma sequência de Cau-
chy {xn}n∈N ⊂ X . Afirmamos que a express˜ aof (x) := dX (x, xn) (x ∈ X )
define uma funç˜ ao 1-Lipschitz f : X → R.
Para provar isso, primeiro temos que mostrar que f (x) está bem definidopara todo x ∈ X ; ou seja, que o limite acima existe. Mas para isso bastareusar um exemplo acima e observar que
Quando m, n → +∞, |dX (x, xn) − dX (x, xm)| ≤ dX (xn, xm) → 0,
de modo que, para cada x ∈ X fixo, a sequência {dX (x, xn)}n é Cauchy eportanto convergente.Para provar que f é 1-Lipschitz, tomamos x, x ∈ X arbitrários e, nova-
mente usando as ideias anteriores, observamos o seguinte:
|f (x) − f (x)| = limn∈N
|dX (x, xn) − dX (x, xn)| ≤ dX (x, x).
Exerćıcio 4.6 Deduza do exemplo anterior que, se (X, dX ) não é completo,ent˜ ao existe uma funç˜ ao f : X → (0, 1] com f (x) > 0 para todo x ∈ X , mas inf x∈X f (x) = 0.
4.3 Funções cont́ınuas sobre as funções cont́ınuas
Consideremos agora o espaço C := C (I, R), com I = [a, b] ⊂ R um intervalofechado e limitado munido da norma · C := · I,∞. Os elementos de C são funções cont́ınuas f : I → R. Mas tamb́em podemos definir algumasfunções cont́ınuas sobre este espaço. Eis alguns exemplos naturais.
Exemplo 4.4 Dado t ∈ I , defina a aplicaç˜ ao At : C → R que leva f ∈ C em f (t). Esta é uma funç˜ ao de C em R.
Veja que, dadas f , g ∈ C
|At(f ) − At(g)| = |f (t) − g(t)| ≤ sups∈I
|f (s) − g(s)| = f − gI,∞.
Portanto, At é uma aplicação 1-Lipschitz de C em R. Em particular, ela éuma aplicação contı́nua.
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
41/103
4.3. FUNÇ ˜ OES CONT ́INUAS SOBRE AS FUNÇ ˜ OES CONT ́INUAS 41
Exemplo 4.5 Dados a ≤ x, y ≤ b, defina a aplicaç˜ ao I x,y : C → R que leva f ∈ C na integral definida I x,y(f ) := yx f (t) dt ∈ R. Esta também é uma funç˜ ao de C em R.Dadas f , g ∈ C , as propriedades usuais da integral definida nos dizem que:
|I x,y(f ) − I x,y(g)| = y
x(f (t) − g(t)) dt
≤ |x − y| sup
t∈[x,y]|f (t) − g(t)|
≤ |y − x| supt∈I
|f (t) − g(t)|≤ |y − x| f − gI,∞.
Ou seja, I x,y é uma função L-Lipschitz de C em R, com L := |y − x|.
Exemplo 4.6 Vamos agora considerar uma funç˜ ao de I : C → C que associa a cada f ∈ C uma nova funç˜ ao I (f ) ∈ C . Para definir esta funç˜ aoI (f ) – ou melhor, qualquer funç˜ ao – precisamos definir para cada t ∈ I um valor I (f )(t). Faremos isso dizendo que
I (f )(t) := t
af (s) ds (t ∈ I ).
Ou seja,
I (f ) é a ́unica funç˜ ao com as seguintes duas propriedades: a de-
rivada de I (f ) é f e I (f )(a) = 0. Obviamente I (f ) ∈ C (toda funç˜ aodiferenci´ avel é contı́nua).
Provemos agora que I : C → C é (b − a)-Lipschitz. O que queremos émostrar que, dadas f , g ∈ C :
I (f ) − I (g)I,∞ = supt∈I
t
a(f (s) − g(s)) ds
≤ (b − a) f − gI,∞.Mas isto segue do fato que | ta (f (s)−g(s)) ds| ≤ (t−a) sups∈[a,t] |f (s)−g(s)|para cada t ∈ I .
Exerćıcio 4.7 Mostre que I x,y = Ay ◦ I − Ax ◦ I .
Exemplo 4.7 (EDOs e pontos fixos) Fixe Ψ : R × R → R cont́ınua,t0 ∈ I e x0 ∈ R. Vamos definir uma nova aplicaç˜ ao T Ψ,t0,x0 : C → C da
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
42/103
42 CAP ́ITULO 4. FUNÇ ˜ OES E CONTINUIDADE
seguinte forma: dada f ∈ C , T Ψ,t0,x0(f ) ∈ C é a funç˜ ao cujos valores em cada ponto t ∈ I s˜ ao dados por
T Ψ,t0,x0(f )(t) := x0 + t
t0
Ψ(s, f (s)) ds.
Novamente é f´ acil ver que I Ψ,t0,x0 é uma funç˜ ao dem-definida de C em C .A importˆ ancia disto é para a teoria de equaç˜ oes diferenciais ordin´ arias (ou EDOs). De fato, é um exerćıcio mostrar que uma funç˜ ao f : I → R resolve o problema de Cauchy
f (t) = Ψ(t, f (t)) (t ∈ I )f (t0) = x0
se e somente se f é um ponto fixo de T Ψ,t0,x0, ou seja, f = T Ψ,t0,x0(f ).Mais adiante desenvolveremos ferramentas para provar que certas funç˜ oes contı́nuas têm um ́unico ponto fixo, provando assim que o problema de Cau-chy acima tem uma ´ unica soluç˜ ao.
Para verificar a continuidade de Ψ, faremos a hipótese adicional de queΨ é Lipschitz na segunda variável, isto é que existe um L ∈ R tal que
∀t ∈ I , ∀x, x ∈ R : |Ψ(t, x) − Ψ(t, x)| ≤ L |x − x|.
Sob esta hipótese, temos que, dadas f, g ∈ C ,
∀t ∈ I , |Ψ(t, f (t)) − Ψ(t, g(t))| ≤ L |f (t) − g(t)| ≤ L f − gI,∞.Portanto, para todo t ∈ I ,
|T Ψ,t0,x0(f )(t) − T Ψ,t0,x0(g)(t)| = t
t0
(Ψ(t, f (s)) − Ψ(t, g(s))) ds
≤ |t − t0| L f − g∞≤ (b − a) L f − g∞.
Tomando o supremo em t, vemos que
T Ψ,t0,x0(f )
− T Ψ,t0,x0(g)
I,∞
≤ L (b
−a)
f
−g
I,∞.
Ou seja, T Ψ,t0,x0(f ) é uma aplicação L (b − a)-Lipschitz de C em C . Estetipo de propriedade será extremamente importante quando discutirmos pro-blemas de existência e unicidade para EDOs.
Nosso último exemplo é o caso de uma função que não é cont́ınua.
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
43/103
4.4. FUNÇ ˜ OES CONT ́INUAS DE X EM RD 43
Exemplo 4.8 Suponha I = [0, 1] e seja D ⊂ C (I, R) o conjunto de todas as funç˜ oes diferenci´ aveis em t = 1/2. Defina D : D → R como D(f ) :=f (1/2), f ∈ D. Argumentamos que D n˜ ao é cont́ınua.
De fato, basta observar que existem funções próximas de 0 na normado sup que têm derivada arbitrariamente grande em t = 1/2. Por exemplo,tomando
f k(x) := 1
k sin(k2(x − 1/2)), (x ∈ [0, 1])
temos que f kI,∞ = 1/k → 0, mas D(f k) = f k(1/2) = k → +∞. Aobservação inocente de que a derivada não é contı́nua tem consequênciasimportantes. Um problema que abordaremos mais tarde é o de diferenciar
uma função f = limk f k. Gostaŕıamos de dizer que f
(t) = limk→+∞ f
k(t),mas, como vimos acima, isto nem sempre é verdade. Deste modo, o problemade diferenciar um limite de funções não é trivial. Em geral só conseguiremostratar este problema trocando a derivada, que é mal comportada, por umproblema equivalente envolvendo integrais. Por exemplo, é por esta razãoque formulamos o problema de Cauchy em termos de integrais e não dederivadas.
Exerćıcio 4.8 Imagine as funç˜ oes an´ alogas a At, I x,y, I e T Ψ,t0,x0 definidas sobre o espaço C ((a, b),R) (neste caso temos que exigir que x, y, t ∈ (a, b)).Prove que estas novas funç˜ oes também s ̃ao contı́nuas sobre C ((a, b),R).
4.4 Funções cont́ınuas de X em Rd
Aqui só temos uma observação a fazer. Se f : D ⊂ X → Rd e x ∈ D sãodados, podemos escrever o vetor f (x) ∈ Rd em coordenadas
f (x) = (f (1)(x), f (2)(x), . . . , f (d)(x)).
Isto induz funções f (i) : X → R. Como a convergência de elementos de Rdé equivalente à convergência de todas as coordenadas, vemos que f (xn) →f (x) se e somente se f (i)(xn) → f (i)(x) para cada 1 ≤ i ≤ d. Usando isto,não é dif́ıcil provar o resultado a seguir.
Exerćıcio 4.9 Prove que f : D ⊂ X → Rd é cont́ınua em x ∈ D se e somente se cada uma das funç˜ oes-coordenada f (i) : D → X definidas acima é cont́ınua.
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
44/103
44 CAP ́ITULO 4. FUNÇ ˜ OES E CONTINUIDADE
4.5 Transformações e funcionais lineares
Uma classe especial de funções cont́ınuas merece uma consideração especial.
Definição 4.3 Se V, W s˜ ao espaços vetoriais reais, uma funç˜ ao T : V → W é dita uma transformaç˜ ao linear se:
∀v, v ∈ V, ∀λ ∈ R : T (λ v + v) = λT (v) + T (v).Se W = R, dizemos que T é um funcional linear.
Vejamos alguns exemplos.
Exemplo 4.9 Fixe z ∈ Rd. Defina z : Rd → R como sendo a funç˜ ao que leva x ∈ R
d
a z(x) := z · x. As propriedades do produto interno mostram que este é um funcional linear.De modo rećıproco, se : Rd → R é linear, podemos achar um z que re-presenta , isto é, tal que (x) = z · x para cada x ∈ Rd. Para ver isto,vamos introduzir a base canônica e1, . . . , ed de R
d, com cada vetor ei tendocoordenadas
e( j)i :=
1, j = i;0, j ∈ {1, 2, 3, . . . , d}\{i}.
Ou seja, ei tem a i-ésima coordenada igual a 1 e todas as demais coordenadas iguais a 0. Podemos checar que:
∀x ∈ Rd
: x =
di=1
x(i)
ei.
Aplicando esta propriedade a linearidade de , deduzimos que
∀x ∈ Rd : (x) =d
i=1
x(i) (ei) = x · z
onde z é o vetor de coordenadas z(i) = (ei).
É um corolário da discussão acima que todo funcional linear sobre Rd éL-Lipschitz para algum L ≥ 0. De fato, dado um z ∈ Rd que representa ,
observamos que∀x, x ∈ Rd : |(x) − (x)| = |(x − x)| = |z · (x − x)| ≤ |z| |x − x|,
com o último passo sendo consequência de Cauchy-Schwartz. Deduzimosque é |z|-Lipschitz.
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
45/103
4.5. TRANSFORMAÇ ˜ OES E FUNCIONAIS LINEARES 45
Exerćıcio 4.10 Mostre que a correspondência entre funcionais e repre-
sentantes z ∈ Rd
é biunı́voca. Ou seja, cada z representa um ´ unico funcional e cada funcional é representado por um ´ unico z.
Exemplo 4.10 Agora considere uma transformaç˜ ao linear T : Rd → Rkqualquer. Note que para cada x ∈ Rd, podemos chamar de T ( j)(x), 1 ≤ j ≤k, as coordenadas de T (x) ∈ Rk. ´ E um exerćıcio mostrar que os T ( j) s˜ ao funcionais lineares e portanto s˜ ao cont́ınuas. Os resultados da Seç˜ ao 4.4implicam que T é cont́ınua. De fato, pode-se deduzir que T é Lipschitz, mas veremos isto mais adiante.
De fato, é costumeiro representar transformações lineares de Rd em Rk
por matrizes . Para quem já sabe do que se trata, adiantamos que cada
linha da matriz representando T é dada pelo vetor que representa um dosfuncionais T (i).
Exemplo 4.11 Usando a notaç˜ ao da Seç˜ ao 4.3 , as funç˜ oes At, I x,y : C →R s˜ ao funcionais lineares cont́ınuos (posto que Lipschitz), I : C → Ctambém é Lipschitz (logo contı́nua) e T Ψ,t0,x0 em geral n˜ ao é linear. O operador D é um funcional linear descontı́nuo sobre o subconjunto D ⊂ C das funç˜ oes diferenci´ aveis em t = 1/2, que também é um espaço vetorial real.
Um ponto interessante a se notar é que, neste último exemplo, todos os
funcionais e transformações lineares que provamos serem cont́ınuos são defato funções Lipschitz. O teorema abaixo – o penúltimo deste caṕıtulo – nosdiz que isto não é coincidência.
Teorema 4.1 Considere dois espaços vetoriais reais normados (V, · V ),(W, · W ). Dada uma transformaç˜ ao linear T : V → W , s˜ ao equivalentes:
1. T é limitada, ou seja:
T V →W := supv∈V,vV =1
T (v)W 0.
3. T é cont́ınuo.
Prova: 1⇒2. Chame de L := T V →W . Afirmamos que para quaisquerv, v ∈ V vale a desigualdade T (v) − T (v)W ≤ L v − vV . De fato, esta
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
46/103
46 CAP ́ITULO 4. FUNÇ ˜ OES E CONTINUIDADE
desigualdade é trivialmente satisfeita se v = v. Caso contrário, podemos
olhar para o vetor z := (v − v
)/v − v
V ; ele tem norma zV = 1 eportanto T (z)W ≤ T V →W = L. Deduzimos por linearidade que
T (z) = T (v) − T (v)
v − vV , portanto T (v) − T (v)W
v − vV = T (z)W ≤ L,
como queŕıamos demonstrar.
2⇒3 é direto.
3⇒1. A ideia da prova é muito semelhante à que usamos na provado Teorema 3.4. Supondo (para chegar a uma contradição) que T não é
limitado, podemos encontrar, para cada n ∈ N, um vetor vn ∈ V comvnV = 1 e T (vn)W ≥ n + 1. Isto quer dizer que, por um lado, vn/(n +1) → 0V , mas, por outro lado (usando linearidade),T
vnn + 1
W
= T (vn)W
n + 1 = 1 → 0.
Isto quer dizer que T não é contı́nuo, o que contradiz a hipótese 3. Deduzi-mos que T é, sim, limitado, como queŕıamos demonstrar.
4.6 Mais exerćıcios
Exerćıcio 4.11 Sejam V,W,U espaços vetoriais reais e T : V → W , S :W → U transformaç˜ oes lineares. Mostre que a composiç˜ ao S ◦ T : V → U também é linear. Mostre ainda que S ◦T V →U ≤ S W →U T V →U sempre que as duas normas do lado direito s˜ ao finitas.
Exerćıcio 4.12 (Longo, mas importante!) Dado um intervalo fechadoI = [a, b] ⊂ R, defina o espaço métrico C (I,Rd) de funç˜ oes contı́nuas de I em Rd. Convença-se de que este é um espaço vetorial.
1. Prove que para qualquer p ∈ [1, +∞] a express˜ ao abaixo
f I,∞,p := supt∈I
|f (t)| p
define uma norma sobre C (I,Rd) e que o espaço é completo com esta norma. Mostre além disso que todas estas normas s˜ ao equivalentes.
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
47/103
4.6. MAIS EXERC ́ICIOS 47
2. Defina a integral yx f (t) dt de f ∈ C (I, Rd) da seguinte forma: se
f (x) = (f (1)
(x), . . . , f (d)
(x)), cada f (i)
é uma funç˜ ao contı́nua (por quê?). Logo podemos definirL y
xf (t) dt ∈ Rd é o vetor cuja i-ésima coordenada é
yx
f (i)(t) dt.
Prove que esta definiç˜ ao faz sentido e que
| y
xf (t) dt| p ≤ |y − x| f I,∞,p.
3. Construa an´ alogos das funç˜ oes I x,y, I e T Ψ,t0,x0 na Seç˜ ao 4.3 e prove que as mesmas propriedades de continuidade continuam valendo.
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
48/103
48 CAP ́ITULO 4. FUNÇ ˜ OES E CONTINUIDADE
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
49/103
Caṕıtulo 5
Abertos e fechados
Neste caṕıtulo começaremos a discutir conceitos topol´ ogicos . Veremos oque são conjuntos abertos e fechados em um espaço métrico; discutiremosporque os abertos formam o que se chama de topologia e relacionaremoscontinuidade a estes conceitos. A linguagem e os resultados desenvolvidosaqui serão importantes para tudo o que vem a seguir.
Ao longo deste caṕıtulo, (X, dX ) será um espaço métrico dado. Dadosx ∈ X e r ≥ 0, denotamos por BX (x, r) ou apenas B(x, r) a chamada bola aberta de raio r ao redor de x:
B(x, r) := {y ∈ X : d(x, y) < r}.
Também definimos a bola fechada BX [x, r] ou B[x, r] como
B[x, r] := {y ∈ X : d(x, y) ≤ r}.
Exerćıcio 5.1 Mostre que, dados 0 ≤ r < r ,
B(x, 0) = ∅ ⊂ B[x, 0] = {x} ⊂ B[x, r] ⊂ B(x, r) ⊂ B[x, r].
Mostre ainda que B[x, 0] = B[x, 1/2] = B(x, 1) = {x} se a métrica é dis-creta.
Agora podemos apresentar as principais definições de topologia de espaços
métricos.
Definiç̃ao 5.1 A ⊂ X é dito aberto (segundo a métrica dX ) se para todox ∈ X existe um δ > 0 tal que BX (x, δ ) ⊂ A. F ⊂ X é dito fechado se X \F é aberto.
49
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
50/103
50 CAP ́ITULO 5. ABERTOS E FECHADOS
Exemplo 5.1 Todos os subconjuntos s˜ ao abertos e fechados se a métrica é
discreta. Isto porque, como visto acima, todo dado A ⊂ X , temos ∀x ∈ A : {x} = B(x, 1) ⊂ A.
Do mesmo modo, Ac também é aberto.
Exemplo 5.2 Toda bola aberta é um conjunto aberto.
Para ver isso, tome uma bola B(x, r) com r > 0 e um elemento y ∈B(x, r). Nosso objetivo é mostrar que existe um raio positivo δ > 0 tal queB(y, δ ) ⊂ B(x, r). Para isso, é necessário provar que que todo z ∈ B(y, δ )também está em B (x, r), ou seja:
∀z ∈ X : d(z, y) < δ ⇒ d(z, x) < r.O que nos permite achar este δ é a desigualdade triangular. Afinal, sabemosque
d(z, y) < δ ⇒ d(x, z) ≤ d(z, y) + d(y, x) < δ + d(y, x).Logo precisamos escolher δ tal que δ +d(y, x) < r e δ > 0. Como d(x, y) < r(já que y ∈ B(x, r)), podemos escolher δ := r − d(x, y) > 0 terminar assima prova.
Exemplo 5.3 De forma semelhante, toda bola fechada B [x, r] é um subcon- junto fechado de X , onde agora r ≥ 0.
De fato, isto equivale a mostrar que X \B[x, r] é aberto, ou seja, quepara todo todo y
∈ X
\B[x, r] existe um δ > 0 tal que B(y, δ )
⊂ X
\B[x, r].
A condição necessária sobre δ desta vez é que
∀z ∈ X : d(z, y) < δ ⇒ d(z, x) > r.Novamente é a desigualdade triangular que usaremos para achar este δ .Afinal
d(z, y) < δ ⇒ d(x, z) ≥ −d(z, y) + d(y, x) > d(y, x) − δ.Como y ∈ B [x, r], d(x, y) > r, logo podemos tomar δ = r −d(x, y) e garantirque d(z, y) < δ implica d(z, x) > r.
Exerćıcio 5.2 Prove que ∅ e X s˜ ao ambos abertos e fechados.Exerćıcio 5.3 Prove que todos os subconjuntos de X s˜ ao abertos se usamos a métrica discreta.
Exerćıcio 5.4 Prove que os intervalos abertos e fechados de R s˜ ao mesmoabertos e fechados, segundo a definiç˜ ao acima. (De fato, todo intervaloaberto ou fechado de comprimento finito é uma bola aberta.)
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
51/103
5.1. OS ABERTOS FORMAM UMA TOPOLOGIA 51
5.1 Os abertos formam uma topologia
Nesta seção provaremos que os abertos de um espaço métrico formam umatopologia . Primeiro temos de definir esta palavra.
Definiç̃ao 5.2 Uma topologia sobre um conjunto X = ∅ é uma coleç˜ ao T de subconjuntos de X com as seguintes propriedades.
1. ∅, X ∈ T .2. Dada A ⊂ T , temos ∪A∈A A ∈ T .3. Dados A, A ∈ T , temos A ∩ A ∈ T .
Os elementos de T s˜ ao chamados de conjuntos abertos da topologia T .Exerćıcio 5.5 Todo X possui duas topologias extremas: T grossa = {∅, X }e T fina = {todos os subconjuntos de X }. Mostre que estas topologias s˜ aomesmo topologias.
Exerćıcio 5.6 Mostre que a interseç˜ ao de um n´ umero finito de conjuntos abertos é sempre um conjunto aberto.
O principal resultado desta seção é que os abertos de um espaço métricoformam uma topologia.
Teorema 5.1 Considere um espaço métrico (X, dX ). Seja T dX a coleç˜ aode todos os subconjuntos de X que s˜ ao abertos na noç˜ ao dada pela métrica dX . Ent˜ ao T dX é uma topologia sobre X .
Como veremos na prova, o conteúdo deste teorema é basicamente o se-guinte.
Corolário 5.1 Qualquer uni˜ ao de abertos em (X, dX ) é também um con- junto aberto. Qualquer interseç˜ ao de dois conjuntos abertos em X é aberta (do mesmo modo, qualquer interseç˜ ao finita é aberta).
Note que interseções infinitas podem não ser abertas. Por exemplo, em
R (com a métrica usual), a coleção de conjuntos
A := {(−t, t) : t > 0}
tem interseção {0}, que não é aberto.
-
8/17/2019 Notas Rn 2016
52/103
52 CAP ́ITULO 5. ABERTOS E FECHADOS
Prova: [Teorema 5.1] Veja que ∅, X são abertos de X : nenhum elementoestá contido em ∅ e todas as bolas estão contidas em X . Concluı́mos queambos pertencem a T dX , so seja, vale o primeiro axioma de uma topologia.
Provaremos agora que vale o segundo axioma. Dada uma coleção qual-quer de abertos A ⊂ T dX , queremos provar que ∪A∈AA ∈ T dX . Paraisto, devemos tomar um elemento qualquer x ∈ ∪A∈AA e mostrar queBX (x, r)�