Índice - andifes · mar/abr/mai - 2009 - nº 46 4 editorial sua opinião é da maior impor-tância...

28

Upload: others

Post on 25-Mar-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para
Page 2: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para
Page 3: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

Índice

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃOArthur Chagas Diniz

Elcio Anibal de LuccaAlencar Burti

Paulo de Barros StewartJorge Gerdau JohannpeterJorge Wilson Simeira Jacob

José Humberto Pires de AraújoRaul Leite LunaRicardo Yazbek

Roberto Konder BornhausenRomeu Chap Chap

CONSELHO EDITORIALArthur Chagas Diniz - presidente

Alberto OlivaAloísio Teixeira Garcia

Antônio Carlos Porto GonçalvesBruno Medeiros

Cândido José Mendes PrunesJorge Wilson Simeira Jacob

José Luiz CarvalhoLuiz Alberto Machado

Nelson Lehmann da SilvaOctavio Amorim Neto

Roberto FendtRodrigo Constantino

William Ling

Og Francisco Leme eUbiratan Borges de Macedo

(in memoriam)

DIRETOR / EDITORArthur Chagas Diniz

JORNALISTA RESPONSÁVELLigia Filgueiras

RG nº 16158 DRT - Rio, RJ

PUBLICIDADE / ASSINATURAS:E-mail: [email protected]

Tel: (21) 2539-1115 - r. 221

FOTOSGrupo Keystone, Wikipedia (capa e miolo)

e Renato Flôres (arquivo pessoal)

INSTITUTOS LIBERAIS

BRASÍLIASCLN 107 - Bl. B - sala 20670743-520 - Brasília - DFTelefax: (61) 3447-3149

E-mail: [email protected]

MINAS GERAISE-mail: [email protected]

RIO DE JANEIRORua Maria Eugênia, 167 - Humaitá

22261-080 - Rio de Janeiro - RJTel/Fax: (21) 2539-1115E-mail: [email protected]

Internet: www.institutoliberal.org.br

RIO GRANDE DO SULAv. Ipiranga, 6681 - Prédio 96B, conj. 107

TECNOPUC - 90619-900 - Porto Alegre - RSTelefax: (51) 3332-2376

E-mail: [email protected]: www.il-rs.com.br

SÃO PAULOE-mail: [email protected]

MATÉRIA DE CAPA 15

ESPECIAL

O BOM, O MAU E O FEIOUma visão liberal do fato

ENTREVISTA

O BRASIL E SEUS VIZINHOScom Renato Flôres

DESTAQUE

DESASTRE NATURAL: LIBERDADE OU PROTEÇÃO?UMA REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DO ESTADO

José L. Carvalho

14

19

5

LIVROS

OBAMA E O BRASIL: ALGUMA MUDANÇA?Marcus Vinícius Freitas

O SISTEMA DE COTASJoão Luiz Mauad

26

Think Tank - A Revista da Livre-iniciativaAno XII - no 46 - Mar/Abr/Mai - 2009

Expediente

SOCIEDADE 23

REALIZAÇÃO

BANCO DE IDÉIAS é uma publicação do Instituto Liberal. É permitida areprodução de seu conteúdo editorial, desde que mencionada a fonte.

A ORIGEM DO FEDpor Rodrigo Constantino

Nesta Edição

NOTASREFORMA TRIBUTÁRIA

CLÁSSICOS LIBERAISENTENDENDO O PROCESSO DE

MUDANÇA ECONÔMICA

Page 4: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4

EditorialSua opinião é da maior impor-

tância para nós. Escreva paraBanco de Idéias.

Leitores

Envie as suas mensagens paraa rua Rua Maria Eugênia, 167 -Humaitá - Rio de Janeiro - RJ -22261-080, ou [email protected].

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4

m meio a uma crise econômicasem precedentes nos últimos

60/70 anos, Barack Obama foi eleitoo primeiro presidente negro na históriados EUA. A questão é relevante para omundo todo, dado o peso relativo daeconomia norte-americana em virtual-mente todos os mercados mundiais.Encomendamos a Marcus ViníciusFreitas, Professor de Direito e RelaçõesInternacionais da FAAP, uma análisedas mudanças e principais repercus-sões nas relações entre o Brasil e osEUA. O articulista acha que Obamafará um governo muito mais voltadopara os assuntos domésticos, e mais,que sua vocação internacionalista émais retórica e menos prática. Antevêuma novidade com a nomeação deHillary Clinton para o Departamentode Estado, transformando-a virtual-mente em uma primeira-ministra.Acha que a América Latina renderámais oportunidades “fotográficas” eretóricas do que novas políticas efetivas,embora acredite que uma parceria entreos norte-americanos e o Brasil seriaessencial para a transformação doséculo XXI no século das Américas.

O professor José L. Carvalho, titularde economia da Universidade SantaÚrsula, efetuou uma análise em pro-fundidade das conseqüências dosdesastres naturais no Brasil, fazendouma reflexão sobre o papel do Estadonessas situações. Ele admite que muitagente enxerga na ação estatal ocumprimento de uma obrigação emrelação às populações atingidas.

O que o professor questiona é quea cada obrigação corresponde umaperda de liberdade. José L. Carvalhofaz uma profunda avaliação, afir-mando que tanto o desenvolvimentoeconômico quanto o científico e otecnológico têm reduzido substan-cialmente os impactos de severoseventos naturais. O autor acredita quenão se deve passar ao Estado a respon-sabilidade de resolver o problema, amenos das chamadas ações emer-genciais. Microsseguro é uma inovaçãofinanceira que tem permitido a pessoasde baixa renda a proteção contra váriostipos de riscos em vários países emdesenvolvimento.

Assunto controverso na educaçãouniversitária no Brasil é a instituição

do sistema de cotas. O sistema que étido como uma ação afirmativa é ex-plicado ao público como temporário,visando compensar certas debilidadesimpostas pela opressão racista ou peladesvantagem social. O autor doartigo, João Luiz Mauad, acredita quelonge de redimir desigualdades osistema de cotas somente serve parareacender preconceitos. A discrimi-nação contra pessoas por razões declasse, gênero, cor de pele, orientaçãosexual e religião é inquestionável, masela, afirma Mauad, não será removidapor atitudes oportunistas e contráriasao Estado de Direito. A universidadenão é, definitivamente, lugar parademagogia. Tratar negros, índios epobres como se fossem menos capazesé uma grande humilhação. As re-servas condenam os próprios cotistasao vexame perante colegas e, futu-ramente, à discriminação no mercadode trabalho.

A entrevista concedida pelo pro-fessor Renato Flôres versou quase inte-gralmente sobre as relações inter-nacionais do Brasil. Flôres acreditaque o Brasil agiu acertadamente aocontemporizar com a Bolívia noreferente à encampação das ativi-dades da Petrobras naquele país, bemcomo em não solicitar a judicializaçãoda questão em foro estrangeiro. Flôresvê com grande benevolência ogoverno Lula e não acredita em con-tinuísmo na América Latina (aentrevista foi concedida antes doplebiscito venezuelano sobre a ree-leição por período indeterminado).Em relação a Barack Obama, temuma visão semelhante à de MarcusVinícius Freitas, não há muito o queesperar.

Na seção Livros, Rodrigo Cons-tantino faz uma resenha de umapublicação que tem tudo para se tornarum best seller: The Case Against theFed, de Murray Rothbard.

Completam esta edição que, deagora em diante, passa a circularem versões impressas e eletrônicasimultaneamente, o Sumário do livroEntendendo o processo de mu-dança econômica, de DouglassC. North, feito por Roberto Fendt, ea 25ª edição de NOTAS sobre aReforma Tributária.

EPrezado editor,

Há alguns anos esta Bancode Idéias publicou um exce-lente trabalho sobre a reformaagrária no Brasil, mostrandoque se o governo tivesse in-vestido em educação os re-cursos que destinou à reformaagrária provavelmente hoje oproblema seria bem menor. Oque pensa Banco de Idéiassobre a questão? Como oMST tem agido? Em benefíciode quem?

Maria Amélia D. RamosRio Grande – RS

Prezada Maria Amélia,

Infelizmente o poder pú-blico quase nada fez emrelação à reforma agrária, atéporque, hoje, o que é rentávelé o agrobussiness, ou seja, aagricultura industrial. Emrelação ao MST, o movimentoé cada vez mais político emenos rural. Seu principal lí-der é um marxista confesso, osenhor João Pedro Stedile. Osrecursos com que o governodeveria financiar a educação,especialmente no campo, sãoutilizados politicamente para“bancar” as invasões, atosterroristas e assassinatos nocampo através do MST. Aspolícias estaduais se senteminibidas até mesmo pararealizar as reintegrações deposse de fazendas invadidasautorizadas pela justiça. Emsuma, a reforma agrária vaimal e a educação no camponão melhorou nada.

Page 5: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 5

Destaque

Desastre natural: liberdade ou proteção?uma reflexão sobre o papel do Estado

José L. CarvalhoProfessor Titular de Economia da Universidade Santa Úrsula

s recentes inundações quecastigaram os Estados de

Santa Catarina, Minas Gerais,Espírito Santo e Rio de Janeirolevantam questões importantescujas respostas demandam umaprofunda reflexão: qual o papeldo Estado quando ocorrem fe-nômenos naturais que causamdestruição material, ceifam vidas,deixam muitos feridos e desa-brigados? Até que ponto osindivíduos em uma sociedadeestão dispostos a trocar liberdadepor proteção e ajuda do Estadoem situações de emergência ou

calamidade pública provocadapor um fenômeno natural?

Não tenho dúvida de quemuitos veriam na ação estataluma obrigação de socorrer eajudar às populações atingidas. Osentimento de solidariedade paracom os atingidos por um desastrenatural é fortemente alimentadopela aleatoriedade, sob o pontode vista individual, de tais eventos.Cada um de nós imagina que taldesastre poderia desabar sobrenossas cabeças, e nesse casogostaríamos de receber todaajuda possível. A sensação de

impotência em face da violênciado fenômeno natural justifica ademanda de uma ação contun-dente do Estado em favor dosatingidos. É essa sensação deimpotência que parece conduzir aspessoas a abrir mão de liberdade,atribuindo ao Estado mais essafunção. Mas, como as pessoasperdem liberdade por demandaremdo Estado uma ajuda que aparente-mente só o governo pode oferecer?Onde está a perda de liberdade?

As coisas não são tão simplescomo parecem. Toda vez queatribuímos ao governo funções

A

Page 6: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 6

por mais específicas que possamparecer, corremos dois riscos. Oprimeiro foi destacado por AdamSmith:

The statesman, who shouldattempt to direct private peoplein what manner they ought toemploy their capitals, would notload himself with a most unne-cessary attention, but assume anauthority which could safely betrusted, not only to no singleperson, but to no council orsenate whatever, and whichwould nowhere be so dangerousas in the hands of a man who hadfolly and presumption enough tofancy himself to exercise it. (AdamSmith, 1776, p. 423).

O segundo risco foi destacadopor Frederic Bastiat, um econo-mista do século XIX, ao nos alertarque na análise de qualquer açãohumana devemos considerar,além de seus efeitos imediatos (oque se vê), os efeitos secundários(o que não se vê) que tal açãoprovoca. Mas, se o governo usaos recursos gerados pelos indi-víduos, por que não ajudá-los emmomento tão difícil? Não consi-dero que o Estado não deva teruma participação em situações dedesastre natural, só os convido auma reflexão sobre essa par-ticipação.

Suponha que a família Silvatenha tido sua casa, construída há20 anos, destruída por um desli-zamento de terra em decorrênciade uma elevada precipitaçãopluviométrica, fenômeno raro naregião. Por certo, a família Silvaserá amparada pela solidariedadede seus vizinhos, parentes eamigos. Dificilmente alguém jus-tificaria uma ação estatal de ajudaaos Silva, fosse ela para satisfazeràs necessidades imediatas dafamília (abrigo, alimentação,vestuário, atendimento médico,etc.) ou de recomposição de patri-mônio (empréstimo subsidiado).Considere agora que a famíliaSilva é uma entre 5.000 famíliasafetadas pelo mesmo fenômenonatural. Nesse caso, dificilmente

alguém se oporia a uma açãoestatal em favor das famíliasflageladas pela natureza. Seconsiderarmos que os doisexemplos diferem apenas por suaextensão em termos do número defamílias atingidas, não há comojustificar a ação do Estado nosegundo caso e não no primeiroem uma sociedade onde preva-leça o Estado de Direito. Paradistinguirmos um caso do outro,é indispensável levar em conside-ração os princípios adotados para

a divisão do trabalho entre asociedade civil (cidadão) e oEstado (autoridade pública).

A divisão do trabalho entre osetor privado e o setor público sópode ser entendida a partir dosprincípios fundamentais queorientam a organização social.Assim, vamos considerar umasociedade de homens livres emque seus direitos à vida, à liber-dade e à propriedade sãocaracterizados e protegidos emum contexto de Estado de Direito.1

Como as mais variadas de-mandas do homem não podemser atendidas integralmente, tor-na-se necessária uma definição de

prioridades no atendimento dasdemandas possíveis. O conflitoentre escassez de recursos e oatendimento das demandas dohomem gera uma competiçãopelo uso dos recursos entre osdiversos fins possíveis. Essacompetição se dá pela instituiçãomercado livre. As decisões denatureza privada são tomadaspelos indivíduos, enquanto asdecisões de natureza coletiva sãotomadas pela autoridade pública(governo) por meio de um sistemapolítico organizado em umademocracia representativa. Todasas decisões estão sujeitas à lei quedeve proteger o indivíduo dequalquer concentração de poder,seja ele econômico ou político. Aorganização social exige ainda aconcessão de monopólio da forçaà autoridade pública de modo apermitir que o governo exerça opoder de polícia e confisquerecursos do cidadão, por meio deimpostos, para que possa exercersuas funções. A Constituição deveproteger o cidadão contra oabuso desse poder de monopólioconcedido ao Estado.

Sob tais princípios é possívelcaracterizar-se uma divisão dotrabalho entre o setor privado e osetor público, de modo a pre-servar tanto a liberdade quanto ouso eficiente dos recursos es-cassos. Em um contexto de re-pública federativa, com omunicípio caracterizando amenor unidade política, pode-seconcluir que esses princípios nosconduzem à Proposição OgLeme: cabe à União fazer tudoaquilo que o Estado não puderfazer melhor; cabe ao Estadofazer tudo aquilo que o Municípionão puder fazer melhor, e cabeao Município fazer tudo aquiloque o cidadão, individualmenteou em grupo, não puder fazermelhor. Nessa proposição fazermelhor significa produzir o mesmobenefício a um custo de recursosmenor. Mais especificamente,cabe ao Estado, por meio dogoverno: (i) promover e manter o

Destaque

Até que pontoos indivíduos

em umasociedade estão

dispostos atrocar liberdadepor proteção e

ajuda do Estadoem situações deemergência oucalamidade pú-blica provocada

por um fenô-meno natural?

Page 7: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 7

Estado de Direito por meio de leis,regulamentos e pela adminis-tração da justiça;2 (ii) produzir, emcertos casos, e de um modo geral,promover o financiamento debens públicos, isto é, bens cujoconsumo por parte de um indi-víduo não reduz o consumo deoutro (e.g., segurança nacional);(iii) promover bens com elevadograu de externalidade positivacomo, por exemplo, segurançapública, educação fundamental esaúde pública.3

Sob os princípios aceitos e aproposição de divisão do trabalhoentre os indivíduos e o governo, épossível desenvolver-se umareflexão objetiva sobre as questõespostas inicialmente. A ação dogoverno é indispensável em faceda ocorrência de um desastrenatural? Se a resposta for sim, quelimites se pode impor à ação dogoverno de modo a preservar asliberdades individuais?

Eventos naturais severos ocor-rem com frequência: tempes-tades, nevascas, ondas de frio oude calor intensos, erupções vul-cânicas, terremotos, furacões,ciclones, incêndios naturalmenteprovocados, estiagens e secasprolongadas, inundações, etc.4 Odesastre natural ocorre quandotais eventos são severos o su-ficiente para afetar diretamente oser humano, impondo-lhe custosmateriais, ecológicos e princi-palmente em termos de vidashumanas, sequelas físicas àspessoas, doenças, etc. O Centrefor Research on Epidemiology ofDisasters (CRED) da Universidadede Louvain, na Bélgica, é a prin-cipal fonte de referência estatísticasobre desastres naturais nomundo.5 Em 2006 os 427 desas-tres naturais registrados afetaramcerca de 142 milhões de pessoas,provocando a morte de 23.833;os 227 desastres tecnológicosrelatados foram responsáveis pelamorte de 9.900 pessoas, tendoafetado uma população de 172mil pessoas. Em geral, os desastresnaturais, particularmente os asso-

ciados a eventos climáticos, sãoos que afetam o maior número depessoas. Alguns analistas têmatribuído ao efeito estufa umaumento no número de desastres,mas sem evidências científicasclaras.

É fato que o número de desas-tres naturais tem aumentado. Étambém fato que os registrossobre tais desastres são hoje maisprecisos do que no passado. Alémdisso, a melhor comunicação deque dispomos hoje nos colocaimediatamente em contato com odesastre, quase que nos trans-formando em testemunhas ocu-lares do evento. Desse modo, maisregistros e o testemunho impres-sionante da mídia podem serresponsáveis pelo crescimento donúmero de desastres naturais epela percepção que temos de suamaior e mais frequente presença.O que na realidade sabemos é quetanto o desenvolvimento econô-mico quanto o desenvolvimentocientífico e tecnológico têm re-duzido os custos dos desastresnaturais. Sabemos ainda que ospaíses mais desenvolvidos têm,mais eficientemente, conseguidoreduzir os impactos de severoseventos naturais. A redução decustos ocorre tanto em termos deativos reais quanto em termos daspopulações atingidas (número demortos, de feridos, de desabri-gados, riscos de epidemias), e ospaíses menos desenvolvidosregistram, relativamente aos maisricos, menores perdas materiaismedidas em unidade monetária(sendo pobres, as populaçõesatingidas têm patrimônio demenor valor), mas maiores perdashumanas. Mais de 85% daspessoas afetadas por desastresnaturais (ciclones tropicais, inun-dações, secas e terremotos) vivemem países de baixo desenvol-vimento humano.6

A Tabela 1 (página 8) enumerapara os quatro desastres naturaisutilizados em relatório das NaçõesUnidas os cinco países que noperíodo 1980 – 2000 regis-

traram com maior frequência(média anual) cada um dos desas-tres considerados. O propósitodesse relatório é a construção deum índice de desastres para maisde 200 países a partir das infor-mações sobre desastres coletadase sistematizadas pelo CRED.7

Curiosamente, em termos devulnerabilidade no Brasil as inun-dações são mais importantes queas secas, cujos desastres colocamo País em quarto lugar em termosde frequência.

Os brasileiros estão sujeitos apoucos eventos naturais quepossam produzir desastres.8 Em2007 foram notificados à DefesaCivil 525 desastres, sendo quecerca de 57% destes ocorreramem três estados: 123 no RioGrande do Sul; 100 no RioGrande do Norte e 75 no Rio deJaneiro. Com um aumento decerca de 58% em relação ao anoanterior, o número de desastresnotificados em 2008 atingiu amarca de 831, sendo que osestados mais atingidos foram: RioGrande do Sul (146), Santa Cata-rina (94), Rio Grande do Norte(94), Maranhão (73), MinasGerais (67) e Rio de Janeiro (64).

As inundações que ocorreramno Estado de Santa Catarina nosúltimos meses de 2008 forampara nós, brasileiros, uma grandecatástrofe. Cento e quarentamortes, com cerca de 26% dapopulação do Estado, localizadosem 20 municípios, sendo afetadospelas inundações. Embora onúmero absoluto de desabri-gados, oficialmente anunciadopelas autoridades do Estado, sejade 5.737, em relação ao total dapopulação atingida, esses desa-brigados representam menos de0,4%. O flagelo atingiu maisviolentamente o município deIlhota, que contabilizou 51 mortes(36,4% do total) e cerca de 4,6%de sua população ficou desa-brigada, isto é, 9% de todos osdesabrigados no Estado. Noteque nos referimos aos desabri-gados, uma vez que o número de

Destaque

Page 8: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 8

Destaque

Tabela 1: desastres naturais selecionados para os cinco países com maiorfrequência (médias anuais para o período 1980 – 2000)

PaísNúmero médio deeventos por ano

Pessoas expostasao evento

(% da população)

Mortes(por milhão

de habitantes)

Vulnerabilidade(mortes por milhão

de pessoas expostas)

SECA

China 0,86 2,31 0,14 6,03Etiópia 0,57 5,52 286,24 5.189,32Moçambique 0,43 6,58 357,06 5.422,37Brasil 0,43 6,89 0,01 0,09Índia 0,38 3,91 0,02 0,58Média (19*) 0,31 6,96 84,72 1.650,48

INUNDAÇÕES

China 5,57 9,16 1,32 14,36Índia 3,86 13,33 1,55 11,62EUA** 3,48 4,06 0,09 2,28Indonésia 2,48 27,34 120,29 2,44Brasil 2,19 12,33 99,33 5,43Média (119*) 0,57 9,12 2,08 23,22

TERREMOTOS

China 2,10 0,30 0,08 26,40Indonésia 1,62 8,80 1,04 11,85Irã 1,43 3,60 38,68 1.074,84Japão 1,14 25,39 2,31 9,12Afeganistão 0,81 0,11 2480,00 288,10Brasil*** 0,05 0,01 0,00 3,26Média (49*) 0,37 16,96 52,94 74,67

CICLONES TROPICAIS****

EUA** 12,14 66,38 0,86 2,49China 6,90 49,51 0,37 0,74Filipinas 5,57 430,94 14,35 3,33Bangladesh 3,43 116,45 64,02 54,98Índia 2,76 42,75 1,24 2,90Média (33*) 1,40 66,38 122,00 997,85

Fonte: Nações Unidas (2004). Notas: *Número de países considerados no cálculo da média;**Estados Unidos da América doNorte; ***Brasil, juntamente com outros 7 países, apresenta a menor frequência de ocorrência do evento; ****Sem ocorrênciaregistrada no Brasil.

Page 9: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 9

desalojados chegou próximo a 33mil (5,6% da população doEstado), que em sua maioriacontaram com a solidariedade dapopulação não-atingida.

A solidariedade dos brasileirospara com os flagelados pelasinundações em Santa Catarinanão ficou circunscrita aos pa-rentes e vizinhos das vítimas.Segundo a Defesa Civil de SantaCatarina, até 16 de dezembro de2008 as contribuições para oFundo Estadual de Defesa Civil doEstado já superavam a marca deR$26 milhões. As doações edonativos somavam um milhãode quilos de roupas, 4,3 milhõesde quilos de alimentos, 2,5milhões de litros de água, além dematerial de higiene pessoal ebrinquedos. A solidariedade ésuficiente para justificar a não-in-tromissão do governo em situa-ções como essa? Aceitos os princí-pios enumerados anteriormente,qual o papel das autoridadespúblicas?

A importância dos princípios deorganização social reside em nãose retirar do indivíduo sua liber-dade de agir e, consequente-mente, sua responsabilidade pelasescolhas feitas, e em não prendê-lo na armadilha de ações paterna-listas que emergem de medidasadotadas pelo governo com oobjetivo de proteger o indivíduo deemergências de curto prazo. Aconciliação entre a preservaçãoda liberdade do indivíduo e aação do governo em face desituações de emergência residenos princípios que fundamentama sociedade. Um desastre naturalcorrompe a ordem social peladestruição que causa, gerandooportunidades para que pessoasinescrupulosas pilhem e saqueiemo patrimônio alheio, comple-tamente desprotegido pelo caosimposto pelo desastre. Resta-belecer a ordem e manter aintegridade das pessoas e de suaspropriedades, bem como resgatarpessoas em perigo, são, semdúvida, funções importantes do

governo em uma situação de de-sastre. Assim, essas ações diretasdo governo imediatamente apósou durante a ocorrência de umdesastre natural são compatíveiscom a divisão do trabalho, acimaexplicitada, entre o setor privadoe o setor público.

Além disso, um desastre na-tural gera um conjunto de exter-nalidades negativas que requeremações do governo, tais como:atendimento médico emergencial,vacinação da população, recolhi-mento de cadáveres, retirada deentulhos, abertura e reconstruçãode estradas e pontes, provisãotemporária de espaço para osdesabrigados assim como de suasnecessidades básicas, além decoordenar a distribuição dosdonativos canalizados para asvítimas pela solidariedade daspessoas não afetadas pelo de-sastre. Há ainda, nesse contexto,uma função importante para aqual o governo tem vantagenscomparativas: geração e dissemi-nação de informações antes,durante e após o desastre.

Informações sobre eventosnaturais têm duas funções. Aprimeira é a de permitir que oindivíduo tome decisões sobre

onde residir levando em conta aexposição a eventos naturaisseveros. Embora o mercado deinformações climáticas exista efuncione em nível global – infor-mações sobre futuras condiçõesclimáticas, por exemplo, emregiões produtoras de commo-dities agrícolas, são vendidasinclusive pela Internet –, infor-mações específicas sobre fenô-menos naturais severos, quandodisseminadas adequadamente,provocam externalidades positivase cumprem a segunda funçãoimportante: alertar a populaçãopara que pessoas tomem asdevidas precauções a fim de queo impacto do fenômeno naturalseja minimizado em termos depossíveis perdas (patrimonial ede vidas). Assim, a manutençãode um sistema de informações sis-tematizadas sobre áreas sujeitasa risco de ocorrência de eventosnaturais severos e um sistema dealerta sobre a possibilidade de suaocorrência se enquadram napromoção, pelo governo, de benscom elevado teor de externa-lidades positivas e se constituemem atividades a serem promovidaspelo governo. Somente em julhode 2008 o Brasil passou a contar

Destaque

A solidariedade dos brasileiros com os flagelados em Santa Catarina não ficou circunscritaaos parentes e vizinhos das vítimas.

Page 10: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 10

com o Sistema de Monitoramentoe Alerta de Desastres Naturais(Sismadem), uma ferramenta degeoprocessamento para controle,recuperação, armazenamento eprocessamento de dados ambien-tais desenvolvida e operada peloInstituto Nacional de PesquisasEspaciais (Inpe). O sistema, queestá disponível na Internet e podeser acessado por especialistas ounão-especialistas, gera um alertapara cada situação de riscodetectada e o envia aos usuárioscadastrados. O estado de alerta(atenção, alerta e alerta máximo)segue os padrões de risco ado-tados pelas organizações dedefesa civil em todo o mundo.

Embora os eventos naturaisseveros não possam ser evitados,situações decorrentes de fenô-menos climáticos, em particularas inundações, que são os desas-tres mais frequentes no Brasil,podem ter seus efeitos mitigadospor obras de contenção deinundações. Entretanto, o objetivode conter inundações por meio deobras sob a responsabilidade deórgãos governamentais não temtido muito sucesso. A principalrazão para tais fracassos estájustamente no fato de que aalocação de recursos e as esco-lhas das obras a serem execu-tadas são decididas no âmbitopolítico. O velho ditado É melhorprevenir do que remediar só éválido para decisões individuais.Sob o ponto de vista político, Émelhor remediar do que prevenir,uma vez que as obras que evitaminundações nem sempre sãoaparentes para os eleitores ou poreles consideradas como impor-tantes. Por outro lado, o flageloimposto por uma inundação(mortes, desabrigados, destruição depatrimônio) clama por uma açãopaternalista do governo, e paterna-lismo gera mais votos. Talvez umaevidência desse fato possa serencontrada na sobrevivência doDepartamento Nacional de ObrasContra a Seca (DNOCS) à reformada administração federal de 1990,

quando o Departamento Nacionalde Obras e Saneamento (DNOS)foi extinto.

Outra razão para a poucaefetividade dos órgãos públicos naprevenção de inundações resideno interesse próprio tanto dospolíticos quanto da burocracia, osquais para se autopromoveremprocuram aprovar obras visíveis ede impacto, tais como canali-zação de rios ou construção debarragens, mas que na maioriados casos são pouco eficazes. Ospobres resultados com esse tipode obra levaram a Inglaterra e aHolanda a adotar medidas derestrição a construções em áreasde risco (como, por exemplo,áreas marginais a rios e áreas debaixada), obtendo assim melhoresresultados na prevenção de desas-tres decorrentes de inundações.Além disso, as intenções do go-verno ao criar determinadas or-ganizações com objetivos espe-cíficos acabam corrompidas pelosinteresses da burocracia, a qual,com o intuito de promover seudesenvolvimento amplia os obje-tivos da organização, concen-trando esforços nas atividades quemais favoreçam a burocracia.

Em geral, as regiões hojecastigadas por inundações estãorecorrentemente sujeitas aosfenômenos naturais que as cau-sam. Considere o caso do Estadode Santa Catarina, para o qual hárelatos de desastres provocadospor inundações desde 1911.Entretanto, as informações maissistematizadas sobre os desastresnaturais no Estado só estãodisponíveis a partir da década de1980, graças ao Atlas deDesastres Naturais do Estado deSanta Catarina, elaborado peloGrupo de Estudos de DesastresNaturais da UFSC, sob a coor-denação da professora MariaLucia de Paula Herrmann. Consi-derando os desastres naturais queocorreram no Estado no período1980 – 2004, o Atlas tem porobjetivos: cartografar, conceituare analisar os desastres naturais

relacionados às adversidadesclimáticas no Estado. Assim, sãoconsiderados os desastres decor-rentes de inundações e desliza-mentos de terra, de estiagens, detempestades severas (vendavais,ressacas, granizo), de tornados edo furacão Catarina, fenômenoinédito no Brasil. Durante operíodo analisado, os desastresnaturais desabrigaram 800 milpessoas e provocaram 248 mor-tes. Embora não registrada noAtlas, pode-se ter uma idéia daperda de patrimônio provocadapor tais desastres naturais. Se-gundo relatos da Defesa Civil deSanta Catarina, somente entre2000 e 2003 os prejuízos pro-vocados pelos desastres naturaisque castigaram o Estado monta-vam a R$ 1,48 bilhão.

Se os fenômenos naturais queprovocam desastres são fre-quentes em uma região, não é dese esperar que tanto as pessoasquanto as autoridades públicasajam de modo a minimizar seusefeitos? Como já exposto, açõespreventivas por parte do governoem geral produzem poucos resul-tados, e acabam por estimular aspessoas que, acreditando na pro-teção das obras, mantêm seudomicílio em áreas de risco. Poroutro lado, geração e dissemi-nação de informação são maiseficientes. Nesse sentido, o Grupode Estudos de Desastres Naturaisda Universidade Federal de SantaCatarina tem feito sua parte,mapeando risco de desastre ouorientando didaticamente aspessoas para que elas possamidentificar eventos severos quevenham colocar em risco suasvidas. Duas publicações ilustramessa contribuição do setor pú-blico, específica para o Estado deSanta Catarina: Marcelino etal.(2006), mapeando riscos, eKobiyama et al.(2006) orientandoas pessoas. Juntamente com oSismadem, esses tipos de infor-mação, gerados e disseminadospelas autoridades públicas, alémde compatíveis com uma ação do

Destaque

Page 11: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 11

governo que não retira liberdadedo cidadão, favorecem umacontribuição do mercado, pormeio da indústria de seguros,para minorar os efeitos de eventosnaturais severos.

A importância do mercado, emparticular da indústria de seguros,na administração ex ante dedesastres naturais veio a serreconhecida pelas Nações Unidasem sua Conferência Mundialsobre Redução de Risco deDesastres, realizada em 2005 emKobe, Japão. Naquela confe-rência foi apresentada a AgendaHyogo (Hyogo Framework),estruturada em três princípios: i)promover o desenvolvimento deinstrumentos financeiros bemcomo de mecanismos de compar-tilhamento de risco, em especialpor meio de seguros e resseguros,para uma melhor proteção contradesastres; ii) encorajar o estabe-lecimento de parcerias público-privado para que o setor privadotenha melhor participação ematividades de redução de risco dedesastres; iii) desenvolver e pro-mover alternativas e inovaçõesfinanceiras para administração dorisco de desastres. A AgendaHyogo emergiu da insatisfaçãocom a ação dos governos quandoda ocorrência de desastres, tantoa assistencial (ex post) quanto apreventiva (ex ante).9

A indústria de seguros, no anode 2007, movimentou no mundoUS$ 4,1 trilhões de dólares devendas. A importância da indús-tria de seguros não reside apenasem sua capacidade de diluirriscos de modo a proteger o se-gurado. Como qualquer mer-cado, o de seguros promove infor-mação e alocação de recursossegundo os desejos de seusproprietários.10 Entretanto, doispreconceitos têm retardado odesenvolvimento do mercado deseguro na proteção contra desas-tres. O primeiro está associado aosofrimento dos afetados por de-sastres naturais e tem justificadoações paternalistas do governo:

as perdas incorridas por indiví-duos decorrentes de desastresnaturais que independem de suavontade devem ser socializadaspelo Estado. O segundo se refereà indústria de seguros: desastresnaturais não podem ser cobertospor seguro devido à correlação deriscos e à seleção adversa.

O primeiro preconceito já foiconsiderado ao discutirmos opapel do governo em face desituações de desastres naturais.Entretanto, é importante destacar

que as ações paternalistas dogoverno federal em situações dedesastres naturais têm perenizadoas possibilidades de desastres.Confiantes na ajuda federalquando da ocorrência de de-sastres naturais, os governoslocais não agem ou, quando ofazem, suas ações são tímidas epoucos recursos são destinados àprevenção. A grande maioria dosmunicípios de Minas Gerais,estado recentemente castigadopor inundações, não participa doSistema Nacional de Defesa Civilpor não ter organizado seu órgãomunicipal. Com relação às pes-

soas, a ação paternalista gera,conforme Buchanan (1975), odilema do bom samaritano epromove problemas de riscomoral, uma vez que as pessoaslocalizam suas residências emárea de risco por estarem certasde que em uma situação dedesastre elas serão amparadaspelo governo. Vejamos o argu-mento de falha de mercado napresença de desastres.

Segundo a Swiss Re (SwissReinsurance, uma companhiafundada em 1863), em 2008cerca de 238 mil pessoas mor-reram em decorrência de desas-tres naturais ou provocados pelohomem. Esses desastres cau-saram uma perda de patrimônioda ordem de US$ 225 bilhões,dos quais somente US$ 50 bilhões(22,2% do total do patrimônioatingido) estavam cobertos porseguro de propriedade. Dopatrimônio afetado por desastrese protegido por seguro somenteUS$ 7 bilhões se referiam adesastres provocados pelohomem. 11 Embora a indústria deseguros tenha uma longa tradiçãode oferecer apólices de segurocontra desastres naturais, foiexatamente um desses desastreso responsável por um conjunto deinovações que possibilitou acobertura de seguro de patri-mônio para perdas decorrentesde tais eventos. Quando em1906 ocorreu o devastador ter-remoto em San Francisco (CA,USA), o único seguro de patri-mônio existente na região eracontra incêndio. Entretanto, asapólices tinham limites muitobaixos e estabeleciam condiçõesbastante diversas. Os baixoslimites levavam os demandantesde seguro contra incêndio asubscreverem várias apólices deseguradoras diferentes. Um ele-mento adicional de confusão econflito estava em determinar seo incêndio do patrimônio tinhasido provocado pelo terremoto oupor causa estranha ao evento quenão era contemplada na apólice.

Destaque

Se os fenômenosnaturais que

provocamdesastres sãofrequentes em

uma região, nãoé de se esperar

que tanto aspessoas quantoas autoridades

públicas ajam demodo a minimizar

seus efeitos?

Page 12: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 12

Em decorrência daquele terre-moto, a indústria de segurospassou a investir na produção deconhecimento científico sobreabalos sísmicos de modo a proverproteção aos seus clientes. Ino-vações financeiras, assim comopadronizações nas coberturas dasapólices, abriram caminho parao desenvolvimento da indústria deseguros.12

Responder ao desafio de pro-ver seguro contra terremotosindica claramente que o argu-mento da correlação de risco parajustificar uma possível falha demercado não se constitui emproblema para a indústria deseguros. Tal observação é válidapara todos os desastres naturais.É evidente que uma única se-guradora não pode assumir orisco de um desastre natural emuma região, mas muitas segu-radoras, a possibilidade de resse-guro e a securitização de risco emgeral permitem que os inves-timentos em informação sobreáreas sujeitas a eventos naturaisseveros possam orientar asseguradoras na oferta de apólicescontra desastres naturais. Aexistência dessas apólices é aevidência de que o mercado nãofalha nesses casos. O argumentoda seleção adversa implica queapenas as pessoas com elevado

Destaque

risco de sofrer perdas com eventosnaturais severos seriam oscompradores de apólices deseguro, inviabilizando atuarial-mente a oferta desse serviço deproteção contra risco. Eviden-temente, a sistematização deinformações sobre áreas de riscolevaria as seguradoras a esta-belecer um prêmio compatívelcom o risco. Assim, o preço daapólice incorporaria o maior riscoassociado à localização daspessoas e de seu patrimônio.Entretanto, residentes em umaárea de risco, por meio deinvestimentos, poderiam reduzirseu risco específico e, por con-seguinte, ter reduzido o prêmio desua apólice. Como o preço dequalquer outro bem, o prêmio doseguro indicaria o risco específicoassociado ao indivíduo e a seupatrimônio, além de direcionarrecursos para a redução dosimpactos negativos de um desastrenatural. Note que para o prêmioexercer seu papel de informar ealocar recursos é indispensávelque as seguradoras possamdiscriminar o preço segundo orisco específico.

Embora o seguro contra de-sastres naturais seja ofertado nomercado, as pessoas mais pobrese, por isso mesmo, as maisexpostas a esse tipo de risco

dificilmente teriam acesso a essemercado de seguros. Seria um errotentar resolver esse problemaatribuindo ao governo o provi-mento de seguro subsidiado paraessas populações. Nesse sentidoas lições do exemplo dos EUA sãofundamentais. O sistema de se-guros contra inundações (NationalFlood Insurance Program – NFIP)criado em 1968 e mantido pelogoverno federal americano nãoestimula qualquer ação preventivapor parte do segurado. Alémdisso, cerca de 50% das residên-cias unifamiliares em áreas derisco não são cobertas por esseseguro, por decisão das famílias.As exigibilidades líquidas do NFIPem 1990 montavam a US$ 210bilhões, atingiram US$ 570bilhões em 2000 e até setembrode 2006 já ultrapassavam US$1 trilhão. Esses resultados de-correm do fato de o preço daapólice não refletir o risco, e porisso o acesso ao seguro nãopromove ações preventivas porparte dos segurados.13

Microsseguro é uma inovaçãofinanceira do mercado de segurosque tem permitido a pessoas debaixa renda acesso à proteçãocontra vários tipos de risco emvários países em desenvol-vimento.14 De particular interessepara o caso de desastres naturais

O grande terremoto de 1906 em São Francisco, Califórnia: O incêndio se alastrando na cidade.

Page 13: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 13

BUCHANAN, James, The Samaritan’sDilemma, em Phelps, E. (ed.) Altruism,Morality and Economic Theory. New York:Russell Sage Foundation, 1975: 71 – 85.

HAYEK, F. A., The Use of Knowledgein Society. American EconomicAmerican EconomicAmerican EconomicAmerican EconomicAmerican EconomicRRRRReview 35, eview 35, eview 35, eview 35, eview 35, (September, 1945): 519-530.

_______________________________________________________, The Constitution ofLiberty. Chicago: The University ofChicago Press, 1978.

HERRMANN, M. L. P. et al., Atlas dedesastres naturais do Estado de SantaCatarina. Florianópolis: IOESC, 2006.

FRIEDMAN, David The Machineryof Freedom: Guide to a RadicalCapitalism. New York: Harper and Row,1973.

KOBIYAMA, M.; MENDONÇA, M.;MORENO, D. A.; MARCELINO, I. P. V.O.;MARCELINO, E. V.; GONÇALVES, E.F.; BRAZETTI, L. L. P.; GOERL, R.F.;MOLLERI, G. S. F.; RUDORFF, F. M.Prevenção de desastres naturais:conceitos básicos. Curitiba: OrganicaTrading, 2006.

MARCELINO, Emerson Vieira, LuciHidalgo NUNES e Masato KOBIYAMA,Mapeamento de Risco de DesastresNaturais no Estado de Santa Catarina.Caminhos de Geografia, 8 (17):72 – 84(Fev., 2006).

MICHEL-KERJAN, Erwann O.,Disasters and Public Policy: Can MarketLessons Help Address GovernmentFailures? Paper presented at the 99th.National Tax Association, Boston, MA,2008. (Forthcoming in The National TaxJournal: Proceedings of the Conference).

NAÇÕES UNIDAS, Reduzindo oRisco de Desastres: Um Desafio para oDesenvolvimento. Nova York: PNUD,2004.

1 O conceito de Estado de Direitoaqui adotado é o proposto por Hayek(1978).

2 No caso da administração dajustiça há fortes argumentos, quanto àeficiência do sistema, contrários à açãodo Estado. Historicamente a adminis-tração da justiça era mantida portribunais privados. Ver a esse respeitoFriedman (1973).

3 Externalidades decorrem do fato deque em alguns casos as ações de umagente social produzem custos oubenefícios para outros agentes sem que ooriginário da ação pague por esses custosou seja compensado pelos benefíciosapropriados por outrem. As externalidadesnegativas podem ser eliminadas pelacaracterização adequada dos direitos depropriedade das pessoas, pela associação

de pessoas que aderem a uma convençãode uso de um bem de propriedadecomum ou por meio de uma disciplinalegal.

4 Além dos eventos naturais severosque podem decorrer de dinâmica interna(e.g., terremotos, vulcanismo, etc.) ouexterna (e.g., tempestades, tornados,ciclones, etc.) da Terra, existem outroseventos que podem, também, imporseveros custos ao homem, tais como oseventos siderais (e.g., chuva de meteoros)e eventos provocados pelo homem (e.g.,incêndios, desastres tecnológicos, etc.).

5 Ver si te www.cred.be ouwww.emdat.be (Emergency Events DataBase)

6 Nações Unidas (2004).7 A caracterização de um desastre

pelo CRED requer a ocorrência de pelomenos uma das seguintes condições: 10ou mais mortes; 100 pessoas afetadas;pedido de ajuda internacional edeclaração de estado de emergência.

8 A Defesa Civil caracteriza osdesastres naturais típicos das regiõesbrasileiras como sendo: incêndiosflorestais e inundações no Norte; secas einundações no Nordeste; incêndiosflorestais no Centro-Oeste; deslizamentosdo terreno e inundações no Sudeste, einundações, vendavais e granizo no Sul.

9 Um exemplo de inovaçãofinanceira que permite ao governo umaforma de financiar suas atividades deassistência e de reconstrução quando daocorrência de um desastre natural é aGlobeCat securitisation desenvolvidapela Swiss Re, e disponibilizada nomercado em dezembro de 2007. Essemodelo de securitização provê in-denização baseada na populaçãoexposta ao evento. Evidentemente, ogoverno deve destinar recursos orça-mentários para assistência e recons-trução, os quais serão alavancados pelasecuritização e pelo mercado de capitais.Para mais detalhes, ver www.swissre.com.

10 Ver Hayek (1945).11 Ver www.swissre.com.12 Maiores detalhes podem ser

obtidos em A Shake in InsuranceA Shake in InsuranceA Shake in InsuranceA Shake in InsuranceA Shake in InsuranceHistory – The 1906 San FHistory – The 1906 San FHistory – The 1906 San FHistory – The 1906 San FHistory – The 1906 San FranciscoranciscoranciscoranciscoranciscoEarthquakeEarthquakeEarthquakeEarthquakeEarthquake disponível em: http://w w w . s w i s s r e . c o m / p w s /r e s e a r c h % 2 0 p u b l i c a t i o n s /t o p % 2 0 t o p i c s % 2 0 v i e w /publications%20by%20topic.html

13 Ver Michel-Kerjan (2008)14 Ver, por exemplo, www.micro

financegateway.org/resource_centers/insurance/products#8.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E NOTAS

Destaque

são os seguros indexados, nosquais tanto os prêmios quanto asindenizações em caso de sinistroestão atrelados a um índice quereflete o risco de ocorrência doevento natural severo. Segurosindexados foram introduzidos naÍndia, em 2003, para cobriremperdas dos agricultores decor-rentes de secas ou de inundações.Microsseguros e seguros inde-xados são duas inovações impor-tantes que podem, em ummercado de seguros competitivocom acesso às principais resse-guradoras do mundo e sob ummarco regulatório que favoreçasua implantação, ser uma formamais eficiente de proteção contradesastres naturais. Nesse con-texto, a ação do governo é a depatrocinar a produção e a di-vulgação dos índices de risco,assim como, por meio de ummarco regulatório que não in-viabilize atuarialmente essas ino-vações, estimular a prática de se-guro como proteção.

Cremos que as reflexões aquiexpostas indicam que as pessoaspodem e devem, por meio de suasações, se proteger contra eventosnaturais severos. A ocorrência dedesastres naturais não amplia asfunções do governo, que decor-rem de uma eficiente divisão dotrabalho entre o setor privado e osetor público. Em uma sociedadeorganizada, como postuladonessa reflexão, não há neces-sidade de se abrir mão da li-berdade para se ter proteçãocontra desastres naturais. É fatoque a sociedade brasileira estámuito distante da organizaçãosocial que serviu de pano de fundopara esta reflexão. É fato tambémque sociedades com uma orga-nização mais próxima do para-digma aqui utilizado são as maisprósperas. Sabemos onde esta-mos em termos de organizaçãosocial e o que isso implica para aliberdade e o bem-estar dos bra-sileiros. A questão é: para ondequeremos ir?

Page 14: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 14

Uma visão liberal do fato

Especial

oi uma boa providência dogoverno a redução de im-

postos para a venda de veículosautomotores, com consequênciaimediata nos preços. A cargatributária sobre os veículos noBrasil é a mais alta do mundo. Ocidadão americano médio oujaponês gasta uma fração do quegastam os brasileiros na aquisiçãode veículos.

Do total da carga tributária nopaís, 43% representam impostossobre consumo, o que é umainiquidade em relação aos quevivem com baixos salários. Jáforam feitas várias tentativasparlamentares para explicitar, emtodas as mercadorias, o valor dosimpostos, sem qualquer sucesso.Se o brasileiro, cuja renda médiaé extremamente baixa, tivesse osimpostos sobre consumo redu-zidos à metade ele teria um eno-rme ganho em seu padrão devida.

Hoje, a totalidade dos impos-tos corresponde a cerca de 40%do PIB. A maior parte dos impos-tos serve para pagar salários eaposentadorias privilegiadas defuncionários públicos.

ulla iniciou a campanhaeleitoral de Dilma Rousseff,

e converteu um encontro deprefeitos no lançamento semi-oficial da candidatura da Minis-tra. Depois, o PT usou a presençados prefeitos em Brasília paracomemorar o aniversário da sigla,e outra vez lançou Dilma.

Até o batom de Dilma e oesmalte de unhas do presidentesão pagos pelo Tesouro, muitoprovavelmente, através de seuscartões corporativos, assuntoencerrado por Dilma com a ajudade Erenice Guerra.

O lançamento da mãe doPAC é, antes de tudo, infringênciagrave à lei eleitoral, mas esta,aparentemente, não detém Lulla,que com seus 84% de aprovaçãoacha que pode tudo.

É assustador o volume degastos já envolvidos na campanhade Dilma, contabilizadas as des-pesas como inaugurações denovas e velhas obras. O proce-dimento de Lulla, embora com-patível com seus comportamentosanteriores, deixa antever uma lutaselvagem para permanecer como caixa do Tesouro, ainda queconstitucionalmente através deinterposta pessoa.

Executivo cooptou o Legis-lativo e o Judiciário. Pro-

cessos envolvendo políticos noSTF não andam. Súmula recenterecomenda liberar todos aquelesque não tenham transitado em jul-gado. Só ficam os pobres nacadeia.

O governo federal montouuma sólida e corrupta base legis-lativa, entregando a vários par-tidos, em especial o PMDB, minis-térios de “grande rentabilidade”.É especialmente na contrataçãode obras que reside a grande cor-rupção que sustenta financei-ramente a base aliada.

O modelo substitui o men-salão, onde uns poucos petistas,entre eles Zé Dirceu e DelúbioSoares, eram os responsáveis pelageração de propinas que abas-teciam os caixas dos petistas,peemedebistas e outros depu-tados de siglas menos signifi-cativas. Hoje, oito senadores dabase (40% do total) respondem ainquéritos ou ações penais no STF.

Embora não se tenha umaestatística clara, tudo pareceindicar que essa é a base maiscorrupta com que já se governouo Brasil.

F O L

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 14

Page 15: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 15

Obama e o Brasil: alguma mudança?Marcus Vinícius Freitas

Professor de Direito e Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP),é sócio internacional do Escritório Cerqueira Leite Advogados Associados.

“Hoje eu lhes digo que os de-safios que enfrentamos são reais.São sérios e são muitos. Eles nãoserão resolvidos facilmente ou emum curto período de tempo. Massaiba disso, América: eles serãoresolvidos!”

Barack Hussein Obama

om estas palavras assumiuBarack Hussein Obama a

presidência dos Estados Unidos da

América, o 44º numa linha desucessão em que lhe antecederamalguns dos mais brilhantes esta-distas nos últimos séculos.

Numa eleição marcada pelaimprevisibilidade, custos elevados,guerras e uma crise financeirajamais vista, a ascensão doPresidente Barack Obama é umacontecimento ímpar na históriados Estados Unidos e do mundo.Negro, jovem, dotado de enorme

riqueza intelectual, sua ascensãotambém representa uma troca degerações no comando da políticanorte-americana. Sem dúvida, aobuscar espelhar-se em AbrahamLincoln, que assumiu em con-dições muito adversas, pode-seesperar uma presidência que, dealgum modo, nasceu sob enor-mes desafios, domésticos e inter-nacionais, mas que, acertando nareceita, também poderá deixar um

C

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 15

Matéria de Capa

Page 16: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 16

Matéria de Capa

legado como poucos de seus pre-decessores tiveram a oportunidadede fazê-lo.

Barack Obama é um homemdo seu tempo. Seu talento comoestudante de Direito em Harvard,ativista social e político, além desua percepção em conduzir umacampanha moderna utilizandotodas as formas de comunicaçãoatualmente existentes, fez comque ele, de modo combativo,derrotasse, num primeiro mo-mento, a Senadora Hillary Rod-ham Clinton, tida quase quecomo coroada na candidatura doPartido Democrata, em razão nãosó do talento, mas também porocupar o noticiário político hámais de duas décadas, seja porseu trabalho no Senado repre-sentando o Estado de NovaIorque, seja por suas várias ati-vidades – exitosas ou não – comoPrimeira Dama, durante o tempoem que o Presidente Bill Clintonestava no comando dos EstadosUnidos. Depois de um enorme eincansável embate com HillaryClinton, foi a vez, já na reta final,de vencer o renomado e com-bativo Senador Republicano, JohnMcCain, do Estado do Arizona,um herói de guerra e um dospolíticos mais articulados. Coma vitória, o Presidente BarackObama, finalmente, tornou-se ocentro das atenções, liderando,ainda, um período tranquilo detransição entre as “duas CasasBrancas”.

Os desafios a serem enfren-tados pelo Presidente BarackObama são enormes: duasguerras (Iraque e Afeganistão)ainda não vencidas ou sequersolucionadas, turbulências naPalestina, Índia e Paquistão, aquestão nuclear do Irã, o ter-rorismo internacional, a maiorcrise financeira da históriamundial, a desvalorização dodólar norte-americano como re-serva de valor e – o pior de tudo –a deterioração da imagem dosEstados Unidos como bastião da

liberdade e dos mais altos valoresda sociedade contemporânea,devido à exacerbação de umapostura unilateral, baseada nopressuposto da sua hegemoniaabsoluta no sistema internacional.Maior desafio que esses, somenteos enfrentados por AbrahamLincoln durante a Guerra de Se-cessão, e Franklin D. Roosevelt,durante a Crise de 1929 e a IIGrande Guerra, mas sem o fatorda deteriorada imagem dosEstados Unidos como parte daequação.

Em razão de tamanhos desa-fios, criou-se uma expectativaquase messiânica em relação aoPresidente Barack Obama. Emuma das muitas propagandaseleitorais apresentadas por JohnMcCain, ao então candidatoObama se dava jocosamente oapelido de “The One”, ou seja,“O Único” ou, como nós brasi-leiros diríamos: “O Cara!”

Obviamente que assumir aPresidência debaixo de tamanhasexpectativas também será a causade frustrações ainda maiores, nãosomente em razão da impos-sibilidade humana de atender atodas as necessidades, mastambém pelo lapso de tempo

requerido para que o efeito dedeterminadas políticas e soluçõesseja sentido. O trabalho de res-tauração de imagem, assim comoa resolução da crise financeirados Estados Unidos, tomará,seguramente, muito mais tempodo que um ou dois mandatos.

O Governo Obama tenderá aser um governo mais voltado aosassuntos domésticos, com umavocação mais internacionalista naretórica e menos na prática. Emrazão dos enormes desafiosenfrentados pela sociedade norte-americana, a resolução deproblemas históricos, assim comoalgumas dívidas sociais, como aquestão da igualdade de direitosdas minorias, acesso à saúde eseguridade social, acumulada daquestão do terrorismo, certa-mente dominará a agenda políticapara assegurar, em 2012, umapossível reeleição. Além da obten-ção da maioria na Câmara deDeputados e no Senado, a go-vernabilidade interna tem sidobuscada com a nomeação demembros do Partido Republicanopara o Gabinete, a fim deestender um sinal de paz parti-dária para atingir os objetivos quetanto o país necessita. Três dosmembros do Gabinete do Presi-dente Obama vêm do PartidoRepublicano. Isso, porém, con-forme evidenciado nas nego-ciações iniciais com o Congressopara o Pacote Econômico, nãoimplicará um cheque em brancopara a nova administração.

Para o fronte externo, a no-meação da arqui-rival, HillaryClinton, sinaliza o fato de que onovo Chefe do Poder Executivo vêna Senadora Clinton um papel de“Primeira Ministra”, com respon-sabilidade primordial pela agendaexterna, numa formatação degoverno raramente experimen-tada nos Estados Unidos, comuma maior, porém ainda leve,preocupação multilateralista. Ogrande legado, na política ex-terna, por certo residirá na busca

Três dos membrosdo Gabinete do

Presidente Obamavêm do Partido

Republicano. Isso,porém, conformeevidenciado nas

negociaçõesiniciais com o

Congresso para oPacote Econômico,não implicará umcheque em branco

para a novaadministração.

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 16

Page 17: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 17

de uma solução efetiva para al-guns conflitos que se têm provadoperenes na história universalrecente, antes mencionados. Aagenda externa norte-americanaserá dominada pelos assuntostradicionais, particularmente comfoco na Ásia, que se tem trans-formado nos últimos anos nogrande pólo exportador dos pro-dutos consumidos pela populaçãonorte-americana e uma eventualcontestadora no tabuleiro mun-dial do balanço de poder, com aascensão econômica ainda maiorda China (o contestador) e a Índia(o desafiador amigável).

Haverá, evidentemente, maiorprotecionismo em razão de oPartido Democrata ter um claroviés nesse sentido, devido à suabase eleitoral composta de elei-tores advindos dos sindicatos, oque necessariamente influenciaráa administração no sentido de nãoser tão ativa na busca de novos egrandes acordos comerciais, como respectivo impacto na forçalaboral norte-americana.

No que tange à AméricaLatina, não se vislumbram nohorizonte próximo modificaçõesprofundas na agenda da região,girando, basicamente, em tornode quatro grandes temas: i) aquestão da imigração no Méxicoe na América Central; ii) a instabi-

lidade política de Venezuela,Equador e Bolívia; iii) o narco-tráfico na Colômbia, e (iv) aenergia, seja renovável ou não, nocaso do Brasil. É importanteressaltar que a ascensão do Brasilcomo potência hegemônica regio-nal se torna cada vez mais rele-vante, independentemente doalinhamento do Brasil com aVenezuela em algumas posiçõespolíticas e regionais.

Não se antevê, portanto, umagrande modificação na agendanorte-americana na região. Apolítica dos Estados Unidos, quena maior parte do século XX os-cilou entre um intervencionismomilitar ou político e certa condes-cendência, como, por exemplo, aAliança para o Progresso, doPresidente John Fitzgerald Ken-nedy, tem tratado a AméricaLatina com relativa negligência,nas últimas décadas, particu-larmente neste início do século XXI.

Assim, o livre comércio, per-seguido por Bill Clinton e GeorgeW. Bush, não terá um papel tãopremente na agenda, e questõespolíticas históricas, como o casode Cuba, permanecerão sus-pensas. Claro que, no caso deCuba, até a saída da FamíliaCastro do Poder poderão ocorreralgumas alterações no tocante àremessa de capitais ou até

mesmo a possibilidade de au-mentar o turismo, porém a políticado embargo não deverá sofrergrandes alterações.

O que se pode afirmar quantoà política do Presidente BarackObama é que, no tocante à Amé-rica Latina, ela deverá continuarrendendo muito mais “opor-tunidades fotográficas” e retóricado que políticas efetivas, o quecertamente obrigará a AméricaLatina a prosseguir baseada,quase exclusivamente, no seupróprio esforço.

No tocante ao Brasil, a questãodo comércio certamente ficaráum tanto travada, não tanto peloespírito de cooperação dos países,mas principalmente pela agendademocrata, particularmente numcenário de crise econômica, emque a proteção da indústria na-cional será preponderante frentea uma agenda de maior inte-gração econômica. Diferen-temente do Partido Republicano,que é mais liberal nas questõescomerciais, o Partido Democrata,em razão de suas bases, não vê olivre comércio como uma políticaessencial. Logo, a tributação dascommodities de maior interessepelo Brasil não deverá sofrergrandes alterações.

Agora, é equivocado crerque a questão da tributação das

O Governo Obama tenderá a ser um governo mais voltado aos assuntos domésticos.

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 17

Matéria de Capa

Page 18: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

Matéria de Capa

commodities é tema exclusivo dapauta do Poder Executivo. Trata-se de uma questão a ser bata-lhada nos halls do CongressoAmericano, com uma intensaatividade de lobby de governo agoverno e do setor privadoutilizando os mecanismos exis-tentes para influenciar a agendalegislativa do país. Recordo-me,em razão do meu trabalho naárea de assuntos governamentaisde uma empresa petrolífera emWashington, DC, o quão intensa-mente os países asiáticos seutilizavam dos serviços de em-presas de lobby dentro daqueleCongresso para buscar a imple-mentação de suas agendascomerciais, inclusive com resul-tados altamente positivos, comono caso das quotas então exis-tentes para produtos têxteis.

A agenda do Brasil com aAdministração do PresidenteBarack Obama certamente teráalguns elementos mais pontuais,como, por exemplo, a questãoenergética no segmento dosrenováveis e a potencialidade doBrasil como exportador de pe-tróleo, particularmente quando setornar mais ampla a exploraçãoda camada pré-sal.

Nesse caso, é mister afirmarque o pré-sal deverá alterar ostatus do Brasil no tabuleiro dobalanço de poder internacional.Esses reservatórios, localizadosem camada de sal entre o EspíritoSanto e Santa Catarina, comaproximadamente 800 quilô-metros de extensão e 200 quilô-metros de largura, numa profun-didade de até 4 mil metros, terãoenorme impacto no papel que oBrasil desempenhará no cenáriointernacional nos próximos anos.

O Brasil, atualmente o 8ºexportador de petróleo cru paraos Estados Unidos, deverá repre-sentar um elemento importante naquestão da segurança energéticadaquele país, sendo, certamente,preferível lidar com o Brasil aenfrentar a instabilidade dos

regimes do Oriente Médio eoutras partes do mundo. A coo-peração entre o Brasil e osEstados Unidos deverá ocorrer,primeiramente, na questão dacaptação dos recursos neces-sários para explorar a áreadescoberta. Prevê-se a neces-sidade de aproximadamente US$400 bilhões para desenvolver aárea de pré-sal nos próximos 10anos, conforme cálculos apresen-tados pela própria AgênciaNacional de Petróleo (ANP). Isso

militares. É hora de reverter essequadro. Na hora em que come-çarmos a explorar esses reser-vatórios certamente haverá aquestão da pirataria, da proteçãoda costa e mesmo a possívelquestão do terrorismo infiltradopara destruição das plataformasde exploração. Se, atualmente,tais questões não constituem umapreocupação, a partir do mo-mento em que começar a jorrar oouro negro em maior abundânciaserá uma conseqüência natural.O reaparelhamento efetivo denossas forças militares e odesenvolvimento de táticas an-titerroristas, particularmente naquestão da proteção dos recursosminerais em alto mar, serãorelevantes na agenda do relacio-namento com o Governo Obama.

É importante ressaltar que oimpacto dessas exploraçõescertamente afetará profunda-mente o nosso programa deetanol. A cooperação no sentidode buscar incrementar a questãoda energia limpa e do aqueci-mento global é essencial para oprograma do etanol, à medidaque o preço do petróleo cairinternacionalmente para não serdescartado ou diminuir o ritmo dedesenvolvimento. Necessária serámaior cooperação entre os doisgovernos para maximizar apesquisa quanto à eficiência dobiodiesel, do etanol e até mesmodo pré-sal, para melhor explorartais recursos de um modo com-petitivo e com elevado nível depesquisa científica.

É difícil ainda prever como seráa Administração Obama. O mo-mento, ao mesmo tempo que édesafiador, é também histórico.Uma parceria renovada entre oBrasil e os Estados Unidos é,portanto, essencial para que osdois países transformem o séculoXXI no século das Américas. OBrasil e os Estados Unidos têm umrendez-----vous com a história, en-frentando e resolvendo os desa-fios presentes e futuros.

se deve ao fato de que a profun-didade transforma o processonuma exploração ainda cara.Esse montante, numa época decrise financeira, parece aindamaior. Também outra área em quepoderemos melhorar a nossacooperação é na questão domarco regulatório do segmentopetrolífero, a fim de assegurar,tanto ao governo quanto àsempresas interessadas na explo-ração, o sucesso do retornofinanceiro do investimento.

Outra área de cooperação quedeverá ocorrer, necessariamente,é a questão da segurança militarda exploração dos recursos. Poranos o Brasil tem decrescido osseus investimentos em gastos

O momento, aomesmo tempo que

é desafiador, étambém histórico.

Uma parceriarenovada entre o

Brasil e os EstadosUnidos é, portanto,essencial para que

os dois paísestransformem o

século XXI no séculodas Américas.

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 18

Page 19: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

O Brasil e seus vizinhoscom Renato Flôres

Professor de Economia da Escola de Pós Graduação em Economia da FGV

Entrevista

anco de Idéias: A aliançaque o Brasil estabeleceu na

América do Sul com países comoa Venezuela, Equador e Bolíviatem criado problemas para oBrasil. O Sr. poderia caracterizaros custos e benefícios dessanossa parceria com esses países?

Renato Flôres: Eu acho queos problemas são inevitáveis,porque o Brasil fez alianças comsociedades que estão todas elas(Equador, Bolívia e Venezuela) emprocesso de transição. Já o Brasil,hoje em dia, é um país emer-gente, em um estágio muito dife-rente do dessas três sociedades.É um país que tem empresasmultinacionais, com interesses eminvestimentos diretos estrangeirosem outros países. Obviamente,interesses maiores quanto menosdesenvolvido for o outro país;possíveis investimentos diretos naAlemanha são reduzidos, mas opotencial de investimentos paranós no Equador, na Bolívia e naVenezuela é muito grande.

Acho que os custos até o mo-mento, primeiro, eram inevitáveis,segundo, farão sempre parte doprocesso. Não sei o que vai acon-tecer com essas três sociedades.Como disse, são sociedades emtransformação.

Os regimes que antecederamos atuais governantes não foram,em geral, flor que se cheire. Osatuais governantes, e aí euparticularizaria mais o caso deHugo Chávez, que está cada vezmais dando sinais de querer umacontinuidade excessiva, eu osconsidero como elementos tam-bém de transição. Espero queessas sociedades acabem encon-trando o equilíbrio adequado acada uma. A Bolívia precisa de umequilíbrio entre a represen-

tatividade da população indígena- que o Sr. Morales representalegitimamente, e que era umacoisa que tinha que ocorrer - e apopulação não-indígena, deorigem espanhola e outras ori-gens, inclusive brasileiros, quedetém parte do capital do país.

Esses acertos sociais devemevoluir e encontrar o equilíbrio emalgum momento. Que não vai sernem como o passado e provavel-mente nem como sob os atuaisgovernantes. Os custos estão aí.Os benefícios, eu acho que sãoimensos; são países vizinhos edetentores de recursos energéticos

importantíssimos e que têm queestar do nosso lado. Uma coisa éVenezuela, Bolívia, Equador ePeru; outra, os seus atuais gover-nantes. E aí, sob esse ponto devista, eu aprovo a estratégia bra-sileira, ainda que em nível dedetalhes se possa fazer críticas.Acho que é errado negar oscustos, mas acho que, em termosde tendência e de opção política,é importante e válida.

B.I.: Entre os custos que apa-rentemente a estratégia nostrouxe, a Petrobras teve as suasrefinarias e reservas de gás epetróleo na Bolívia encampadas,e há dúvidas a respeito da justaindenização à Petrobras, que épropriedade dos brasileiros.Metade da Petrobras pertence apessoas físicas e a pessoas jurí-dicas brasileiras. Então, mais dametade do capital votante, masdo capital não-votante a maiorparte pertence não ao estado,mas ao setor privado brasileiro.

O Sr. acha que o Brasil fez bemem contemporizar e buscar umalinha de entendimento, como fezcom o Equador, aparentementede forma bem-sucedida? Nocaso da Bolívia, será que foitambém adequado não levar a“ferro e a fogo” a mediaçãoconforme o contrato previa, oudeveríamos ter sido mais duros,porque muitos acham que seformos excessivamente soft comos vizinhos eles vão se aproveitardessa condição e nós vamosacabar tendo mais custos do quebenefícios?

R.F.: Sem dúvida, não soufavorável a uma atitude com-pletamente franciscana. E tam-bém não queria entrar no detalhecontábil da questão boliviana.

B

Uma coisa éVenezuela, Bolívia,Equador e Peru;

outra, os seus atuaisgovernantes. E aí,sob esse ponto devista, eu aprovo a

estratégia brasileira,ainda que em nível de

detalhes se possafazer críticas.

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 19

Page 20: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 20

Entrevista

Não tenho dados precisos, so-mente uma avaliação impres-sionista de custos e benefíciosdessa questão, e acho que deveaté ter havido um prejuízo para aPetrobras, como companhia.

Agora, eu queria ressaltar trêspontos. O primeiro é que, no casoespecífico da Bolívia, temos umamoeda de barganha muito fortee a usamos decentemente. Somosos grandes compradores do gásda Bolívia. Se reduzimos as nossascompras a 50%, criamos umabalo na economia boliviana. Nofinal do ano passado houve essaameaça: sinalizamos para a Bolí-via que temos esse poder. E aBolívia está começando a enten-der um pouco toda a lógica dessasituação. Acho que o Sr. Morales,que é uma pessoa que respeito,no início quis dar uma satisfaçãoa seus eleitores – como dizem osamericanos, às suas constituen-cies. Hoje em dia, amadureceu;tem consciência de que deve con-tinuar a dar satisfação aos seuseleitores, mas tem que cuidar deonde vêm as receitas de seu país.

Então, na situação boliviana,deixando o ponto que talvezpoderíamos ter extraído um poucomais no ajuste de contas, nãoacho a nossa atitude totalmentecondenável, não.

Segundo, ela tem um lado po-sitivo: é importante manter umaboa relação com a Bolívia, e mais,não deixar a Bolívia se fragmentar.Esse é um ponto que as pessoasesquecem. É fundamental o Es-tado boliviano ter preservada asua unidade. E isso é do nossointeresse. Qualquer ação quedesestabilize mais o frágil Estadoboliviano pode ter um custo maistarde, inclusive com interferênciasestrangeiras na região, muito alto.

Se a gente pensa por esse lado,até o momento a atitude do Brasilé razoável. Finalmente, há dife-rentes pesos e medidas no tratointernacional. Se a refinaria esti-vesse na Alemanha – admitamosesse faz-de-conta -, e fosse subi-tamente encampada pelo exército

alemão, configuraria situaçãototalmente diversa. Economiaocidental de ponta, com grandesinvestimentos no Brasil, sociedadeamadurecida e modelo de pro-cedimentos internacionais, teriafeito um gesto que necessitariaprofundas explicações e poderiadesencadear todo um outro con-junto de medidas.

No caso do Equador, como foicitado, acabou sendo, digamos,bem-sucedida a nossa reação.Porque temos a faca e o queijo,tanto em relação ao Equadorquanto em relação à Bolívia. E atéextrapolando um pouco, comrelação à Venezuela.

Eu cito o caso da refinaria dePernambuco. O Presidente Chá-vez esteve lá, com capacete deoperário, com o Presidente Lula;lançaram a pedra fundamental e,até agora, a PDVSA não colocouum níquel para a construção darefinaria. Nosso governo, esseano, decidiu unilateralmenteiniciar a construção, com ou sema PDVSA. Se a PDVSA vier a se aliarao investimento, ótimo, senão,temos quantidade suficiente depetróleo para ser refinado lá, e oinvestimento continuará.

Então, um pouco de leniência,eu não sou desfavorável. Agora,um pouco de leniência, de gene-rosidade, não quer dizer frouxidãonem uma atitude franciscana,com as quais não concordo.

B.I.: O Sr. mencionou o fatode que esses países estão emtransição. São sociedades deenorme complexidade. Essespaíses andinos têm um conflito deculturas muito acirrado. Há, deum lado, uma maioria da popu-lação que tem raízes e valorestribais, e há uma minoria de pes-soas que têm uma mentalidademoderna, capitalista. Então, énatural que haja uma série deconflitos de todas as espécies nãosó econômicos, mas em todas asoutras manifestações sociais, detoda a cultura, até a política. Nósobservamos que há uma ten-

dência a nossa volta, que começana Argentina, passa pela Bolíviae segue pelo Peru, vai para oEquador, do Equador pula a Co-lômbia, vai para a Venezuela eagora essa grande incógnita doParaguai, de governos populistas.

Qual é a sua avaliação dessafase? Isso é um evento neces-sário nessa transição? Porque,claro, isso é uma demanda damaior parte das populaçõesdesses países. Isso de algumamaneira nos contagiará? Qual éa sua visão sobre esse quadro?

R.F.: Não creio que nos con-tagie, não. Eu diria a você quenão estamos 100% imunes, masaos trancos e barrancos a socie-dade brasileira evoluiu. Estamosnum estágio diverso daquele emque estão esses vizinhos. O es-tágio por que estão passando énecessário. Só para dar um pe-queno exemplo: quando da inde-pendência da Bolívia foi colocadoem sua Constituição que as po-pulações indígenas tinham osmesmos direitos da populaçãocriolla, dos brancos, por assimdizer. E que tais direitos seriamregulamentados na aprovaçãodessa Constituição. Essa regula-mentação nunca ocorreu. Então,esses Estados têm dívidas cen-tenárias com porcentagens signi-ficativas de sua população.

O Equador, para dar umexemplo um pouco diferente, em-bora problema semelhante exista,mas não tão agudo como naBolívia, é um país razoavelmenterico e bem dotado de recursosnaturais, mas há um conflitoeterno entre Quito e Guayaquil,de origens econômicas, que temque ser solucionado com o pro-gresso. O comércio internacionalaí pode aportar uma ajuda,mediante uma enorme melhoriada infra-estrutura no país. OEquador é um país pequeno, comuma infra-estrutura de qualidademuito baixa.

São desenvolvimentos que meparecem inevitáveis. Ora, como

Page 21: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 21

Entrevista

eles são nossos vizinhos e as nos-sas economias estão ligadas,porque, há que ressaltar, a co-meçar pela Venezuela, são mer-cados importantíssimos para nóshoje em dia, e que, numa pers-pectiva de médio/longo prazos,serão parceiros fundamentaisnuma racionalização de uso derecursos ambientais e numa estra-tégia de integração energética,que em algum momento se dará,então é inevitável que parte dosspillovers dos custos dessa tran-sição caia sobre nós. Vamos terque arcar um pouco com eles.

B.I.: Já que o Sr. tocou nesseaspecto do comércio interna-cional, a eleição do PresidenteBarack Obama está provocandouma série de questões sobremudanças. O que pode mudarem relação à atitude dos EUAcom relação à América Latina eem que nós podemos nos bene-ficiar e não sermos prejudicadoscom esse novo governo Obama?

R.F.: Olha, eu era simpático àvitória de Obama e continuosendo. Espero que o novo pre-sidente traga boas coisas e umaimagem muito positiva para anação americana. Para o casoespecífico das nossas relações

com os EUA, diria que, a curto/médio prazos, nada mudará.

As razões são várias: a pri-meira, que é muito irônica, é queem que pese o fato de o ministroMangabeira ter sido professor doatual presidente e que este lhetenha respeito, e com ele man-tenha uma boa relação, a química“Bush x Lula” era ótima. A per-gunta que faço é: será que aquímica “Obama x Lula” será tãoboa quanto? Não sei. Tenhodúvidas. Segundo, o presidenteObama encontrará uma agendacomplexíssima. Como todos nóssabemos, a primeira parte dessaagenda é uma agenda domésticanada fácil, pelo menos até o anoque vem. Na parte internacionalele tem problemas candentes. NoOriente Médio, na África –Zimbábue, Somália, na Europa –Rússia, Ucrânia, Geórgia. Essaspotências que o presidentesinalizou que teria o interesse emuma relação mais distendida,como o Irã e a Coréia do Norte.A questão do Paquistão, degrande complexidade. A própriaÍndia, que teve um apoio naadministração Bush, que depois sedemonstrou contraditório e gerouconflitos internos no país. Asrelações com a China... ou seja:qual é o nosso lugar nessa agenda?

Eu não consigo nem ordená-lo.Não é o 5º, o 6º, o 7º nem o8º. Ou seja: mudanças, não vejonenhuma.

A secretária Hillary Clinton jádeclarou com relação à AméricaLatina que vão continuar mais oumenos a política atual. Vão tentardar algum acerto em Cuba, quejá é para eles um problemamenor, mas que tem coisasdelicadas, porque achei infeliz, senão houve engano na notícia queli, a Sra. Clinton dizer que a ques-tão de Cuba seria administradapelos cubanos de Miami. Oscubanos de Miami queremvendeta, será uma má forma deconduzir a questão. Claro que elesterão que ter voz na solução, masque conduzam o processo euacho infeliz. E, no resto, conti-nuará normalmente a políticanorte-americana.

Então, eu não vejo nenhumamudança a curto/médio prazosnas relações entre os EUA e Brasil.Fora uma viagem simpática, umatentativa de identificação. Porquequímica não se cria. Quer dizerentão que o Obama vai tentar seidentificar com o Lula, como sendodois que vieram de baixo ? Mas aquímica do Bush, que não veio debaixo como o Lula, penso, sempreserá muito maior.

O Brasil fez alianças com sociedades (como Argentina, Equador, Bolívia e Venezuela) que estão em processo de transição.

Page 22: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 22

Entrevista

E na questão do comércio?Todos, desde o presidente até asecretária já foram claros quequestões vergonhosas, embora, éclaro, complexas, como o sub-sídio ao milho, o ridículo etanolnorte-americano extraído domilho, não vão mudar. Mas éinevitável que os EUA vão ter atéo ano que vem uma atitude muitomais protecionista, e como arodada Doha não andará em2009, o meu conselho é queesqueçamos os EUA por umtempo, porque de lá nada virá.

B.I.: Queria formular umaquestão de viés político: a Argen-tina até hoje vive do peronismo.Quer dizer, Perón impôs umapobreza aos argentinos na épocaque ele governava que moldouo país, que não conseguiu sairdesse circuito. O Brasil está vi-vendo da era Vargas, e o Var-guismo predominou um largotempo. Provavelmente o Cha-vismo na Venezuela é uma coisaduradoura, nós estamos vendoagora ele agir como um ditador.Ele proclamou um feriado na vés-pera e puniu as pessoas que nãoo cumpriram. Eu pergunto: querisco o Sr. vê num Lulismo noBrasil?

R.F.: No Brasil, não vejo muitorisco. Haja vista essa última arru-mação do Congresso. Já é sabidoque o Presidente Lula governa como PMDB e não com o PT. Elesegura o PT e governa com oPMDB. É claro que o Presidente,um homem muito inteligente e umpolítico de uma sagacidade extra-ordinária, com quem todos deve-ríamos aprender, lutará – o que énormal – pela sua sobrevivênciade uma forma ou de outra;pessoalmente posso estar errado,mas até por uma sucessão quenão seja tão ligada ao PT, parapermitir uma volta dele própriodepois, que espera “triunfal”. Eunão vejo de jeito nenhum seme-lhanças com os atos mais criti-

cáveis do Presidente Chávez. Háuma luta pelo poder, o PT desejacontinuar no poder, mas as seme-lhanças com o Presidente Cháveznão são grandes.

Você, infelizmente, citou algoque eu não queria mencionar: aArgentina. Em 2007, fazendoprevisões para 2008, eu esperavauma crise argentina nos afetar.Felizmente, isso não ocorreu em2008. Mas, em 2009 a possi-

bilidade dessa crise é maior ainda.Enquanto muita gente fala sobreo problema equatoriano, boli-viano, venezuelano, eu acho queo problema na América do Sul, donosso ponto de vista, a grandequestão, é a Argentina. A Argen-tina está mal, eu diria, muito mal.A Argentina tem uma habilidadeencantadora de sobreviver nafantasia, e por artes difíceis deserem explicadas pelas ciênciasnormais da economia, da socio-logia e da política. Mas, ela so-brevive. Entretanto, nosso vizinho,mais uma vez, está esgarçandoesse fio mágico que tem a capa-cidade de tecer. Antevejo, infeliz-

mente, maus eventos na Argen-tina e, isso sim, embora estejamosmais blindados, vai nos causarproblemas.

Claro que a nossa cena polí-tica é muito criticável sob váriosaspectos, mas não vejo problemade Lulismo, e sim, muito temeroso,a evolução da Argentina e osimpactos que isso pode nos trazer,econômica e politicamente, e sobo ponto de vista internacional.

B.I.: Quando eu me referia aidéia do Lulismo eu queria mereferir a idéia que, por exemplo,na Argentina, todos os candi-datos são peronistas. O assis-tencialismo virou uma bandeiraargentina. A minha pergunta é seo Lulismo, visto como assisten-cialismo, não vai virar umabandeira brasileira também?

R.F.: Não creio, não. Nãocreio, porque você tem até asdeclarações recentes do MinistroMangabeira Unger criticando, ecorretamente, aspectos negativosdo Bolsa Família, por exemplo. Háuma consciência que tem quehaver um assistencialismo napolítica pública brasileira e, honrase faça, esse assistencialismo opresidente Fernando Henrique jáo praticou, principalmente desdeo seu segundo mandato. Que oassistencialismo entre no discursode todos os candidatos, vamosdizer assim, é inevitável. Agora, seda forma como o presidente Lulao vem praticando, aí já seria umaoutra pergunta, porque temaspectos saudáveis e outrosmenos. Acho que tal forma e/oudiscurso não seriam generali-zados. Não vejo esse risco, comonós vemos na Argentina. Aquestão do Peronismo na Argen-tina é muito complexa, trans-cende o real. Tem essa coisa damística peronista. Lula, ainda quecarismático, não é Perón, o Brasilnão tem alma argentina, e não ovejo entrando em transes seme-lhantes de jeito nenhum.

A questão doPeronismo na

Argentina é muitocomplexa,

transcende o real.Tem essa coisa damística peronista.

Lula, ainda quecarismático, não éPerón, o Brasil nãotem alma argentina,

e não o vejo entrandoem transes

semelhantes dejeito nenhum.

Page 23: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

Sistema deCotas

João Luiz MauadAdministrador de empresas pela EBAP/FGV-RJ.

Trabalha na iniciativa privada, no ramo daconstrução civil.

s ações afirmativas são normalmenteexplicadas ao público como medidas

temporárias, que visam a compensarcertas debilidades impostas pela opressãoracista ou pela desvantagem social. Oproblema é que o discurso não espelha arealidade em que elas, longe de redimirdesigualdades, são um instrumentopoderoso da divisão da sociedade emclasses e de concessão de privilégios, osquais, no lugar de remediar conflitosseculares, somente servem para recru-descer preconceitos.

A discriminação contra pessoas porrazões de classe, gênero, cor da pele,orientação sexual, credo religioso, etc. éabsolutamente real – inquestionável. Todosos dias presenciamos com imenso pesaras suas inúmeras manifestações, graçasa Deus menos ostensivas e mais enca-buladas hoje do que eram no passado.Porém, essa verdadeira chaga, há muitofincada na dignidade da raça humana,não será removida por atitudes hipócritas,oportunistas e contrárias ao Estado deDireito.

O alicerce do Estado de Direito nassociedades livres está no princípiouniversal de que “todos os homens sãoiguais por natureza e diante da lei”,estampado no preâmbulo da Declaraçãodos Direitos do Homem e do Cidadão, de1793. Nossa Constituição de 1988 aco-lheu esse preceito basilar em seu artigoquinto, o qual textualmente estabelece:“Todos são iguais perante a lei, semdistinção de qualquer natureza...” Masos constituintes de então não pararampor aí. No Artigo 19, nossa Lei Maior pro-clama ainda que “É vedado à União, aosEstados, ao Distrito Federal e aos Mu-nicípios criar distinções entre brasileirosou preferências entre si”.Tal princípio éde tamanha relevância para o arcabouço

A

Sociedade

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 23

Page 24: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 24

Sociedade

institucional do país que oMinistro Celso de Mello, doSupremo Tribunal Federal, assimse referiu a ele em acórdão: “Esseprincípio – cuja observânciavincula, incondicionalmente,todas as manifestações do poderpúblico – deve ser considerado,em sua função precípua deobstar discriminações e deextinguir privilégios, sob duploaspecto: (a) o da igualdade nalei e (b) o da igualdade perantea lei. A igualdade na lei ...constitui exigência destinada aolegislador que, no processo desua formação, nela não poderáincluir fatores de discriminação,responsáveis pela ruptura daordem isonômica. A igualdadeperante a lei, contudo, pressu-pondo lei já elaborada, traduzimposição destinada aos demaispoderes estatais, que, na apli-cação da norma legal, nãopoderão subordiná-la a critériosque ensejem tratamento seletivoou discriminatório. A eventualinobservância desse postuladopelo legislador imporá ao atoestatal por ele elaborado e pro-duzido a eiva da inconstitucio-nalidade.” 1

Nos Estados Unidos, onde afamigerada ideia foi motivo deintenso debate, por decisão daSuprema Corte as cotas sãoproibidas desde 1978, seja emuniversidades ou no preenchi-mento de cargos públicos. Polí-ticas de incentivo, como bolsas deestudo e financiamentos a custoreduzido, são permitidas, masnada parecido com cotas raciais,pelo simples fato de que ferem oprincípio da isonomia.

Além de manifesta e insofis-mavelmente inconstitucional,como se lê acima, as leis queestabelecem cotas nas univer-sidade públicas brasileiras de-monstram de forma cabal a maistotal e absoluta incapacidade doEstado para o exercício de suas

funções. Como os governos, emseus diversos níveis, não con-seguem prover um ensino básicode qualidade, pretende-se operar,pela via legal, a mágica de ga-rantir o acesso às universidadespúblicas daqueles cuja boaeducação foi obstaculizada pelaincompetência do próprio Estado,independentemente do mérito oudas qualificações.

Essas políticas são usadas parapassar a imagem de que o go-verno está preocupado com aquestão da educação, mas pas-sam ao largo do problema pri-mordial da educação pública, queé a má qualidade do ensino básicoe fundamental. São políticas decusto zero (almoço grátis?), quesó maquiam o problema. Comoas iniciativas desse tipo nãoproduzem aumento de vagas nasuniversidades, no fim das contasalguns estarão sendo beneficiadosà custa de outros. Os jovens bran-cos de classe média baixa são pro-vavelmente os mais prejudicados.

Embora francamente incons-titucional e contraproducente, areserva de vagas vem ganhandocorpo no país. Segundo levanta-mento realizado pela Univer-sidade do Estado do Rio de Ja-neiro (UERJ) e publicado narevista Veja, 18 das 35 (cerca de51%) universidades estaduais e 22da 53 (cerca de 42%) das fede-rais de todo o país já adotavam,até 2007, algum tipo de “açãoafirmativa” que privilegiava negrosou indígenas por meio de cotasou bonificações no vestibular.

Já de acordo com o portal denotícias G1, de um total de128.368 vagas oferecidas nos úl-timos processos seletivos de 55instituições federais de ensinosuperior, 17.708 são destinadasàs cotas, o que representa 13,8%do total das vagas. Essa taxade reserva de vagas para can-didatos socialmente carentes,afrodescendentes ou indígenas,seria ainda, no entanto, beminferior à pretensão demagógicade certos políticos, tanto quetramita no Congresso, com boaschances de ser aprovado, umprojeto de lei (PL 73/99) cujoobjetivo é determinar que asuniversidades públicas reservemnada menos que 50% das suasvagas para as ditas minorias.

Se, por um lado, o remédio dascotas deixa clara a incompetênciados governos, por outro fornecemunição aos arautos da lutade classes em sua cruzada ideo-lógica. Por trás das boas inten-ções, redentoras e politicamentecorretas, esconde-se, na maioriadas vezes, a pretensão de dividirpara dominar. A excessiva regu-lamentação das relações sociais,não raro voltada a resolver con-flitos muitas vezes inexistentes,acaba sempre gerando animosi-dades reais. É assim com asquestões raciais, sexuais e outrasoriundas da dogmática luta declasses.

Definitivamente,a universidade

não é lugar parademagogia. Nela

só deveriamestar aquelesque realmente

demonstrassemcondições

intelectuais parafrequentá-la.

Capacidade inte-lectual independeda cor da pele ou

da condição social.

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 24

Page 25: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 25

De acordo com a procuradoraRoberta Fragoso Kaufman, autorado livro “Ações afirmativas àbrasileira: necessidade ou mito?”,a adoção de cotas estimula adiscriminação racial e social porparte daqueles estudantes quetiveram o acesso nas universi-dades públicas dificultado emrazão das reservas de vagas. Emrecente entrevista, ela foi ca-tegórica: “Vivemos em uma so-ciedade onde o preconceito nãoé escancarado. Os racistas têmvergonha de dizer que o são.Conseguimos superar a escra-vidão sem ter uma sociedadecom ódio racial. Implementar araça como fator de segregaçãopode acabar com esse frágil equi-líbrio”.2

É um absoluto disparate criardiferenças entre humanos ba-seadas na coloração da pele. Aoexigir, por exemplo, que certidõesde nascimento, carteiras de iden-tidade e outros documentosinformem a “raça” de seu por-tador, visando a futuro benefício,como prevê o Estatuto da Igual-dade Racial, se está, na prática,institucionalizando a segregaçãoracial.

Onde quer que isso tenha sidofeito antes, ainda que com fun-dadas justificativas e as melhoresintenções, os resultados foram ospiores possíveis, vide a tragédianazista e o apartheid sul-africano.

Thomas Sowell, pesquisadorda Universidade Stanford e, poracaso, negro, documentou emseu livro “Ação Afirmativa aoRedor do Mundo” o completofracasso das políticas afirmativasem todos os países onde foramadotadas. Sowell é taxativo:“Quando uma política públicasomente pode ser defendida commentiras e meias-verdades, háalguma coisa fundamentalmenteerrada com essa política. Vir-tualmente cada argumento emfavor das ações afirmativas é

demonstravelmente falso. Esta éa grande fraude de nossos tem-pos. Nenhum outro assunto es-teve tão impregnado de de-sonestidade intelectual e secta-rismo ideológico, ultimamente,que o sistema de cotas nas uni-versidades públicas. A maioriados defensores das ações afir-mativas não é suficientementehonesta nem mesmo para ad-mitir que estamos diante de po-líticas de privilégios, embora to-dos saibam que é exatamentedisso que se trata.”3

Além de inconstitucional e con-traproducente, o sistema de cotasno Brasil também é absoluta-mente desnecessário, ainda queimplementado como medidavoltada a uma suposta “isonomiaracial”. De acordo com dados daAssociação Nacional dos Diri-gentes das Instituições Federais deEnsino Superior, divulgados pelaRevista Veja, em 2005 o númerode negros nas universidades fe-derais correspondia à sua parti-cipação na população brasileira,que era de aproximadamente 6%,segundo a PNAD/2005 do IBGE.

Definitivamente, a universidadenão é lugar para demagogia.Nela só deveriam estar aquelesque realmente demonstrassemcondições intelectuais para fre-quentá-la. Capacidade intelectualindepende da cor da pele ou dacondição social. Tratar negros,índios e pobres como se fossemmenos capazes do que os demaisé, acima de tudo, uma grande hu-milhação. As reservas de vagascondenam os próprios cotistas aovexame perante os colegas e àinexorável futura discriminação nomercado de trabalho.

Sociedade

1 STF, MI nº 58/DF, Tribunal Pleno,Rel. Min. Celso de Mello, DJ:19/04/1991, Seção I, p. 4.580.

2 Entrevista concedida à revista“Congresso em foco”, disponível em:http://congressoemfoco.ig.com.br/NoticiaPrint.aspx?id=22442

3 Artigo do autor, disponível em:h t t p : / / w w w. c a p m a g . c o m /article.asp?ID=2637.

REFERÊNCIAS

É um absoluto disparate criar diferenças entre humanos baseadas na coloração da pele.

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 25

Page 26: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para

Livros

A origem do FedResenha do livro The Case Against the Fed, de Murray Rothbard, Ludwig von Mises Institute - 1994.

por Rodrigo Constantino, Economistae escritor, com MBA em Finanças

MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 26

maioria das pessoas assumecomo certa a necessidade de

existência de um banco central.Poucos questionam sobre as suasorigens. O economista MurrayRothbard foi uma rara exceção. EmThe Case Against the Fed ele concluique o banco central americanodeveria ser extinto. Em sua opinião,a própria criação do FederalReserve foi o resultado de um pode-roso cartel de bancos tentando seproteger de saques e objetivandomanter a capacidade de expandir“indefinidamente” o crédito. Dasimbiose entre governo e grandesbanqueiros nasceria o poderosoinstrumento de gerar inflação eredistribuir renda.

O aumento nos preços dos bensé uma consequência da inflação,pois a maior oferta de moeda levaa uma queda relativa no seu valor.O público não tem o poder de criarmais moeda. Somente o governo,através do banco central, tem essepoder. Qualquer um que imprimirpapel-moeda em casa é acusadodo crime grave de falsificação.Todos entendem que isso, se feitoem grande escala, faria com queos demais sofressem perda no valorde suas rendas. Além disso, não édifícil perceber que o falsificadortransfere riqueza dos outros para elemesmo, pois quando os efeitos damaior oferta de dinheiro foremsentidos ele já se apropriou dos benscomprados.

A mesma lógica se aplicaquando é o governo que cria maismoeda do nada. O resultado finalé a transferência de riqueza paraos primeiros beneficiados com osgastos financiados com o novopapel. Logo, se a inflação crônicaé causada pela contínua criação demais moeda e se apenas o bancocentral tem o poder de emitirmoeda, quem é o responsável pelainflação? No entanto, todos acei-tam sem muita reflexão que o bancocentral é o vigia que vai proteger apoupança de todos contra os males

inflacionários. Para Rothbard, issoé análogo ao ladrão que começaa gritar “Pega, ladrão!” e correapontando o dedo para os outros.

Na verdade, o governo não é oúnico agente capaz de criarinflação. Os bancos podem obtero mesmo resultado através docrédito. Os bancos desfrutam dopoder de multiplicação monetáriaatravés do crédito sem lastro emreservas. Os bancos assumem ocompromisso de pagar seus depó-sitos imediatamente, mas não sãocapazes de honrar esse compro-misso com todos os depositantes.Isso seria ilegal com todos os outrosbens, menos com o dinheiro. Equanto mais os bancos emprestamem cima de seus depósitos, maioro risco de uma repentina perda deconfiança e uma corrida bancária.Por isso há o interesse em formarum cartel de bancos.

Juntando a fome do governo porrecursos com a vontade de comerdos bancos, a criação de um bancocentral é o próximo passo natural.Para o governo, o banco centralrepresenta uma boa solução parafinanciar seus gastos e déficitsatravés do “imposto inflacionário”,e para os bancos ele serve pararemover os limites da expansão decrédito. A história mostra que aorigem dos principais bancoscentrais realmente esteve ligada aesses interesses. O Bank of England,por exemplo, foi criado para ajudara financiar o grande déficit dogoverno com as guerras. NosEstados Unidos, os defensores deum banco central sempre foram osherdeiros intelectuais de Hamilton,os mesmos que defendiam tarifasprotecionistas e subsídios dogoverno para indústrias nacionais.Tinha que haver uma forma definanciar isso tudo.

O pânico de 1907 finalmenteforneceu o pretexto convenientepara os defensores de um bancocentral. O que Rothbard mostra éque os grandes banqueiros, como

Morgan e Rockfeller, estavam portrás dessa demanda pela criaçãode um banco central. A crença deque os próprios banqueiros dese-javam um regulador para limitar sualiberdade por puro altruísmo parecebastante ingênua. Em 1913, osbanqueiros e intervencionistasvenceram a disputa e o FederalReserve System foi criado, com omonopólio da emissão de moedae a função de emprestador de últimainstância. Desde então, os EstadosUnidos experimentaram períodosmais intensos de inflação e depres-sões mais profundas do que antes.

A crise atual nada mais é do queuma consequência desse modelo.Alan Greenspan acabou se tor-nando um dos principais respon-sáveis pela inundação de liquidezque permitiu o surgimento da bolhaque agora estourou. E, atualmente,Ben Bernanke assumiu o controle dopoderoso “templo”, disposto aesticar ainda mais os limites do Fedpara salvar os bancos insolventes.Ele conta com o entusiasmado apoiode intervencionistas como PaulKrugman e, claro, dos própriosbanqueiros. Que poupador podese sentir protegido com um vigiadesses?

A

Page 27: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para
Page 28: Índice - Andifes · MAR/ABR/MAI - 2009 - Nº 46 4 Editorial Sua opinião é da maior impor-tância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Leitores Envie as suas mensagens para