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ÍNDICE Editorial 3-6 Dossiê – Futurismo, 1909-2009 7-152 Mariastella Margozzi, Futurismo avanguardia italiana 9 José Manuel de Vasconcelos, Antitradição e maravilhoso na poética do Futurismo italiano 19 Pedro Sargento, Regeneração e degeneração: o contínuo Futurismo 29 Carlo Serafini, O teatro futurista 47 Rita Marnoto, Futurismo e Futurismos em Portugal 61 Jerónimo Pizarro, Pessoa e “Monsieur” Marinetti 77 Manuel G. Simões, Os mitos futuristas e a “Ode triunfal” de Álvaro de Campos 89 Gianluca Miraglia, “Ser italiano quer dizer dominar todas as raças”: Marinetti em Lisboa 99 Paula Cristina Costa, Futurismo, futurismos: de A confissão de Lúcio a Nome de guerra 113 Fernando J.B. Martinho, Para um estudo da posteridade do Futurismo na poesia portuguesa contemporânea 129 Artigos Giona Tuccini, L’uomo come esistenza che parla. L’orientamento morale e il sentimento religioso di Giovanni da Empoli 155 Paulo Lopes, Um olhar português sobre a Roma de Quinhentos 169 Sílvio Castro, Leopardi e Fernando Pessoa: projeto e anteprojeto do “livro único” no Zibaldone e no Livro do desassossego 183

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Page 1: ÍNDICE - COnnecting REpositories · Manuel G. Simões, Os mitos futuristas e a “Ode triunfal” de Álvaro de Campos 89 Gianluca Miraglia, “Ser italiano quer dizer dominar todas

ÍNDICE

Editorial 3-6

Dossiê–Futurismo,1909-2009 7-152

MariastellaMargozzi,Futurismo avanguardia italiana 9JoséManueldeVasconcelos,Antitradição e maravilhosona poética do Futurismo italiano 19PedroSargento,Regeneração e degeneração:o contínuo Futurismo 29CarloSerafini,O teatro futurista 47

RitaMarnoto,Futurismo e Futurismos em Portugal 61JerónimoPizarro,Pessoa e “Monsieur” Marinetti 77ManuelG.Simões,Os mitos futuristas e a “Ode triunfal”de Álvaro de Campos 89GianlucaMiraglia,“Ser italiano quer dizer dominar todasas raças”: Marinetti em Lisboa 99PaulaCristinaCosta,Futurismo, futurismos: deAconfissãodeLúcioaNomedeguerra 113FernandoJ.B.Martinho,Para um estudo da posteridadedo Futurismo na poesia portuguesa contemporânea 129

ArtigosGionaTuccini,L’uomo come esistenza che parla. L’orientamento morale e il sentimento religioso di Giovanni da Empoli 155PauloLopes,Um olhar português sobre a Roma de Quinhentos 169SílvioCastro,Leopardi e Fernando Pessoa: projeto e anteprojetodo “livro único” noZibaldonee noLivrododesassossego 183

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Temas e debatesErnestoRodrigues,Imaginação e Literatura 209Aa.vv.,Para um dicionário de tradutores 223

Obra abertaErnestoRodrigues,Branco 245

RecensõesEçadeQueirós,La Corrispondenza di Fradique Mendes.Memorie e note,acuradiRobertoVecchieVincenzoRusso(ManuelG.Simões) 261Traduzioni, imitazioni, scambi tra Italia e Portogallo nei secoli,acuradiMonicaLupetti(IsabelAlmeida) 263MariaBochicchio,O paradigma do pudor(ArnaldoSaraiva) 268Futurismo Avanguardia Avanguardie,acuradiDidierOttinger;Futurismo 1909-2009 Velocità + Arte + Azione,acuradiGiovanniListaeAdaMasoero(RitaMarnoto) 271GiusiBaldissone,Filippo Tommaso Marinetti(RitaMarnoto) 275V.deSaint-Point,Manifesto da mulher futurista. Manifestofuturista da luxúria,trad.deCéliaHenriques(CleliaBettini) 277AngeloD’Orsi,Il Futurismo tra cultura e politica. Reazioneo rivoluzione? Con antologia di testi(RobertoGigliucci) 281

ActualidadeEditou-se...(PaolaD’Agostino) 285Zum-pim-zim!Unbanchettoaerofuturista(CleliaBettini) 293QuintoEncontrodeItalianística.Os Palermas de Coimbra(RitaMarnoto) 299Nel mezzo del cammin.JornadadeEstudosItalianosemHonradeGiuseppeMea(RitaMarnoto) 301Attivitàdell’IstitutoItalianodiCulturadiLisbona

IldebitodellalusitanisticaitalianaversoilProf.GiuseppeCarloRossi(MariaLuisaCusati) 303UnaltaredelloscultoregenovesePasqualeBocciardoperilSeminarioMaggiorediCoimbra(FaustaFranchiniGuelfi) 315

LucianaStegagnoPicchioin memoriam(MariaJoãoAlmeida/GionaTucini) 329CarmenRaduletin memoriam(ManuelSimões) 333

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È con particolare soddisfazione che, a poche settimane dal mio arrivo a Lisbona, presento l’ultimo numero diEstudosItalianosemPortugal.Si tratta del quarto numero della nuova serie nata nel 2005, e da allora puntualmente edita con scadenza annuale, con la finalità di rinverdire una tradizione prestigiosa e dare continuità alla lunga vicenda novecentesca della rivista dell’Istituto Italiano di Cultura che ha svolto, in passato, un ruolo fondamentale nello scambio culturale fra Italia e Portogallo, rappre-sentando un opportuno punto di incontro per i lusitanisti italiani e gli italianisti portoghesi e contribuendo a una conoscenza più appro-fondita delle due culture. Le sezioni, “Artigos” e “Temas e deba-tes”, offrono vari saggi su argomenti che spaziano dal Cinquecento alla contemporaneità, mentre la rubrica dedicata alle recensioni con-sente al lettore di aggiornarsi, in maniera critica, sulle pubblicazioni più recenti che riguardano i rapporti culturali fra i due paesi. In chiusura di volume, la sezione “Actualidade” informa sulle attività promosse dall’Istituto e sugli eventi svoltisi presso le università por-toghesi negli ultimi dodici mesi, un periodo purtroppo rattristato dalla scomparsa di due figure maggiori della lusitanistica, le profes-soresse Luciana Stegagno Picchio e Carmen Radulet, che più volte avevano collaborato alla rivista. Il dossier monografico, che caratte-rizza ogni numero, è questa volta dedicato al futurismo: un secolo fa, nel febbraio del 1909, usciva sulle pagine del giornale pariginoLeFigaroil Manifesto firmato da Filippo Tommaso Marinetti.

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Colgo l’occasione per segnalare che l’Istituto Italiano, nell’ambito delle celebrazioni per il centenario del movimento dell’avanguardia artistica, organizza una mostra dal titoloCollezionareilfutu-rismo,presso il Museu da Água – Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos, che potrà essere visitata dal 16 dicembre 2009 al 31 gennaio 2010.

Desidero, infine, esprimere la mia gratitudine a tutti i collabo-ratori e alla Prof.ssa Rita Marnoto che, con l’abituale dedizione e riconosciuta competenza, ha curato il coordinamento editoriale.

Lidia RamogidaAddettoCulturaledell’Ambasciatad’Italia

eDirettoredell’IstitutoItalianodiCulturadiLisbona

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É com particular satisfação que, poucas semanas depois de ter chegado a Lisboa, apresento o mais recente número de Estu-dosItalianosemPortugal. Trata-se do quarto número da nova série, iniciada em 2005, e que desde então tem vindo a sair regu-larmente, todos os anos, no objectivo de fortalecer uma tradição de prestígio e de dar continuidade ao longo percurso, iniciado no século XX, da revista do Instituto Italiano de Cultura, a qual desenvolveu, no passado, um papel de fundo, no intercâmbio cultural entre a Itália e Portugal, representando um adequado ponto de encontro para os lusitanistas italianos e os italianistas portugueses, ao mesmo tempo que contribui para um conhecimento mais aprofun-dado das duas culturas. As secções, “Artigos” e “Temas e debates”, propõem vários ensaios sobre temas que vão desde o século XVI à contemporaneidade, ao passo que a rubrica de recensões permite ao leitor uma actualização, em moldes críticos, acerca das publicações mais recentemente dedicadas às relações culturais entre os dois paí-ses. A fechar o volume, a secção “Actualidade” fornece informação sobre as actividades organizadas pelo Instituto e sobre os eventos que ocorreram nas Universidades portuguesas durante os últimos doze meses, um período infelizmente ensombrado pelo desapareci-mento de duas grandes figuras da lusitanística, as Professoras Luciana Stegagno Picchio e Carmen Radulet, que em diversas oca-siões colaboraram na revista. O dossiê monográfico, que acompanha os vários números, é desta feita dedicado ao Futurismo: há um

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século, em Fevereiro de 1909, saía, nas páginas do jornal parisiense LeFigaro, o Manifesto assinado por Filippo Tommaso Marinetti. Aproveito esta ocasião para assinalar que o Instituto Italiano, no âmbito das celebrações do centenário desse movimento artístico de vanguarda, organiza uma exposição sob título, Collezionareilfuturismo, no Museu da Água – Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos, que poderá ser visitada de 16 de Dezembro de 2009 a 31 de Janeiro de 2010.

Gostaria também de apresentar os meus agradecimentos a todos os colaboradores e à Professora Rita Marnoto que, com a habitual dedicação e reconhecida competência, fez a coordenação editorial.

Lidia RamogidaAdidoCulturaldaEmbaixadadeItália

eDirectordoInstitutoItalianodeCulturadeLisboa

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Est.Ital.Port.,n.s.,4,2009:61-75

FUTURISMOEFUTURISMOSEMPORTUGAL

Rita Marnoto*

As celebrações do centenáriodoManifesto de fundação do Futurismo,editadoem19091,têm-sevindoarevelar,paraalémdaefeméride,profícuaoportunidadeparaaelaboraçãodaquelebalançocrítico,distanciadoerigoroso,quehámuitourgialevaracaboacercadavanguardaitaliana.

* ProfessoradaFaculdadedeLetrasdaUniversidadedeCoimbraeDirectoradorespectivoInstitutodeEstudosItalianos,dedica-seaoestudodaliteraturaitaliana,da literaturaportuguesaedas relaçõesentreasduas literaturas,comreferênciaaváriosperíodoseautores.Estetextoéaversãoreduzida,empor-tuguês,deumaconferênciarealizadanaUniversidadedePrinceton.

1 Narealidade,emfinaisde1908,apesardeograndeveículodasuadivul-gaçãointernacionaltersidoLe Figarode20deFevereirode1909.Jáanterior-mentetinhasidoeditado,emversãointegral,comotextodeaberturadedoislivrospublicadosem1908:Le ranocchie turchinedeCavacchiolieaantologiaEnquête internationale sur le vers libre.Alémdisso,Marinettimandaraimprimir,emfinaisdessemesmoano,milharesfolhasvolantescomosseuspontospro-gramáticos,impressasaazul,comumatiragememitalianoeoutraemfrancês.Prepara,entretanto,asuapublicaçãononúmerodarevistaPoesiadeDezembrode 1908-Janeiro 1909, onde acabará por não sair, em circunstâncias que seprendemcomoterramotodeMessina.Masapartirdomomentoemqueosmanifestoscomeçamaserdistribuídos,nofinaldeJaneiro,logoéreferidoepublicado,integralouparcialmente,emváriosjornaisitalianos,comdestaqueparaaediçãointegralquedeleéfeitaporLa Gazetta d’Emilia,deBolonha,a5deFevereiro.Vd.GiovanniLista,“GenesieanalisidelManifesto del FuturismodiFilippoTommasoMarinetti,1908-1909”, inFuturismo Avanguardia Avan-guardie,acuradiDidierOttinger,Parigi,CentreGeorgesPompidou,Milano,5ContinentsÉditions,2009,pp.78-83.

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Salientodoisaspectosque,nãosendopropriamentenovi-dade,nemsempremereceramodevidorelevo,poisassinalampercursosdeinvestigaçãoque,emtantasdassuasvertentes,aguardamserexplorados.Oprimeiro,dizrespeitoaoreco-nhecimento do Futurismo italiano como vanguarda queserviudereferência,deumaformaoudeoutra,atodososmovimentosdevanguardaqueselheseguiram.Osegundo,dizrespeitoàescaladasuairradiação,queémúltipla,numaabrangência dotada de contornos planetários. O própriofactodesetratardaprimeiravanguardahistóricapotenciouessaprojecçãoporlatitudeselongitudessubstancialmentediferenciadas,oqueimplicasubstratosliterários,culturaiseartísticosmuitovários,numapropostaderenovaçãoglobaldecostumeseexperiênciasdevida.Avastidãodessaarti-culaçãodefactores,comassuasvariáveis,nãopodedeixardeserdirectamenteproporcionalàmultiplicidadedosresul-tadosdecorrentesdasuarecepção.

Aliás,adivulgaçãodoFuturismoeratambémpropiciadapelodinamismoepelotalentopublicitáriodeMarinetti,queviajavapelosquatrocantosdomundo.NascidoemAlexan-driadoEgipto,formadoemFrançaeemItália,residenteemMilãoedepoisemRoma,eraumcosmopolita,facetadaqualsoubetiraromelhorpartidoparadaraconheceromovimento.

Possuíaplenaconsciênciadopotencialcontidonaarticula-çãoentreocaráctermatricialdavanguardaquelideravaeaautonomiadosváriosmovimentos futuristas.EmAl di là del comunismo,de1920,escreveemletrasonante2

TuttiiFuturismidelmondosonofiglidelFuturismoitaliano,creatodanoiaMilanododiciannifa.Tuttiimovimentifutu-ristisonoperòautonomi.Ognipopoloavevaohaancoraunsuopassatismodarovesciare.

2 Al di là del comunismo(1920),F.T.Marinetti,Teoria e invenzione futurista,prefazionediAldoPalazzeschi,introduzione,testoenotediLucianoDeMaria,Milano,Mondadori,1968[1.ªed.],p.413;vd.tambémanotadap.CVII.

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Opotencialdestaarticulaçãonemsempremereceurelevo,noplanocrítico-literário.Al di là del comunismoforaorigi-nariamenteescritonaprisãodeSanVittore,ondeMarinettiestiveraencarcerado,em1919,juntamentecomMussoliniecomoutrosparticipantesnomovimentoarmadoquecon-testaraavitóriaeleitoral socialista.Odireccionamentodasualeituraemsentidoideológicodeixounasombra,porém,muitosaspectosdohorizonteinternacionalvisadoporummanifestoquetempor incipit,Ai futuristi francesi, spagnoli, russi, ungheresi, rumeni, giapponesi.

Foisobreopanodefundodateoriadoscódigosque,apartirdadécadadeSetenta,essaarticulaçãocomeçouaserverdadeiramenteexplorada.FicacondensadanacorrelaçãoentreFuturismo, no singular, eFuturismos, noplural, queservedepontodepartidaaopresenteestudo.Les FuturismesfoitítulodosdoisnúmerosquearevistaEuropededicouaotema,em19753.“Iln’yapasunton,maisdestonalités”,escreveCharlesDobzynskinoeditorial.EssaperspectivafoidepoispotenciadaedocumentadapelaexposiçãonoPalazzoGrassideVeneza,Futurismo e Futurismi,de1986.Avariedadedefolhetos,ediçõeseobrasdeartefuturistasnelacoligidasconfrontouoolhardovisitantecomumacervodocumen-taldedimensõesimpressionantes4.Afecundidadedessalei-

3 Ano53,551,552,1975.Cit.de“Àl’assautdusiècle”,551,p.5.4 Vd.Futurismo e Futurismi. Catalogo della mostra, Venezia, Palazzo Grassi,a

curadiPontusHulten,Milano,Bompiani,1986,1992.AimportânciacríticadessaperspectivamúltiplaeabrangenteacercadoFuturismoéilustradapelasériedeexposiçõesque,dediferentesmodos,nelaserevê,desdeFuturismo e meridione,de1996,noPalazzoRealedeNápoles(catálogo,Futurismo e meridione,acuradiEnricoCrispolti,Napoli,RegioneCampania,Electa,1996),atéàsactuaisFuturismo 1909-2009 Velocità + Arte + Azione,Milão,PalazzoReale(catálogoSkira);Futurismo Avanguardia Avanguardie,Roma,ScuderiedelQuirinale;Paris,CentreGeorgesPompidou;Londres,TateModern(catálogoCentreGeorgesPompidou,5ContinentsÉditions);Il futuro del Futurismo. Dalla “rivoluzione ita-liana” all’arte contemporanea,Bergamo,GAMeC(catálogoElecta)ouItalics. Arte italiana fra tradizione e rivoluzione, 1968-2008,Veneza,PalazzoGrassi(catálogo

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turareafirma-se,naactualidade,enquantofiocondutorqueligaasváriasmanifestaçõesorganizadasemItália,porocasiãodocentenáriofuturista.

AlinhadeleituradoFuturismo/sportuguêsqueapresentopropõe-sedarumavisãodeconjunto,emtraçosnecessaria-mentesintéticos,dasuaprojecção,deformaacontemplarairradiaçãodomovimentoporváriosespaçosgeográficosdePortugal.Naverdade,conhecem-sebemosecosdavan-guardaitalianaemLisboa5.Masestáporesboçarumapers-pectivamaisalargadaearticuladadoFuturismo,queavancepeloespaçogeográficodaliteraturaedarecepçãocrítica,assinalandoamultiplicidadedasuaexpressão,sobreomapa.

Comecemos,pois,peloinício.AnotíciadoManifesto de fundação do Futurismoédada,emprimeiramão,porumjor-naldoPorto,oJornal de Notícias6.AligaçãoentrePariseacidadedoPortotemporelomediadorJoséXavierdeCar-valhoJunior.NascidoemLisboaem1861,desloca-separaoPorto,ondetrabalhacomojornalista,atéque,em1886,parteparaParisnaqualidadedecorrespondentedeváriosjornaisportuguesesebrasileiros,cidadeondemorreem1919.

Oartigo,intitulado“Umanovaescolapoética–oFutu-rismo”,sainoJornal de Notíciasde26deFevereirode1909,ou seja, poucosdias depois deoManifesto de fundação do Futurismotersidopublicado,emfrancês,porLe Figaro,maisprecisamente,a20deFevereiro,emsimultâneocomaediçãoedistribuiçãodepanfletosemitalianoeemfrancês.XavierdeCarvalhoapresentaoFuturismonosseusaspectosgerais.Enquadra-onasucessãode-ismosquevaidoDecadentismo

Electa)e,sucessivamente,Chicago,MuseumofContemporaryArt.Vd.supra,pp.271-275.

5 ValhaportodosoreenvioparaostextosdeNunoJúdiceeTeolindaGer-sãoqueacompanhamareediçãodePortugal Futurista,Lisboa,Contexto,1982.

6 EsteassuntofoitratadoporPedrodaSilveira,quereeditaosdoisartigosdeJoséXavierdeCarvalho,em“Oquesoubemoslogoem1909doFuturismo”,Revista da Biblioteca Nacional,1,1,1981,pp.90-103.

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edoSimbolismoaoSatanismo,dandoinformaçõessobreoseulíder,oseunomeeoseuprograma.Nesteâmbito,sãoparafraseadosdoispassosdomanifesto,ondeaguerraéglori-ficadacomoúnicahigienedomundoeseadvogaadestrui-çãodemuseusebibliotecas.Ojornalistaportuguêséparti-cularmentesensívelàquestãodaviolênciaedobelicismo,acompanhandoopulsardeumaEuropaprestesaentraremGuerra.Nãoadere,porém,aoseuprogramagenérico,oquallhemerececríticas,emnomedamoraledosbonscostumes,nemlevaomanifestomuitoasério,classificando-ocomoumrordedisparatesaojeitodeblaguecarnavalesca.

Masomovimentodeviaterassumido,defacto,algumsignificado,paraXavierdeCarvalho,senaediçãodoJornal de Notíciasde6deAbrilde1909voltaaoassuntocomumanotíciasobre“O Rei Bombance–ofiascodapeçadeMari-netti”,aqueassistiuemParis,noThéâtre de l’oeuvre.Trata--sedeumatragédia satíricaemqueaspersonagens,quesãoalegoriasdevícios,comodesesperodafome,serevoltamcontraoReiefazemumbanquetedesmedido,oquelhepermiterecuperaropoder.Apeçamarcaumarupturadeci-siva,nopanoramateatraldeiníciodeséculo,abrindoumafrenteestéticadereconhecidoalcance.Contudo,ojornalistaportuguêspoucomaisneladescortinadoqueumfiasco,umachuchadeira,umdesfiledeexcessosgastronómicossem regras de teatroeumabrincadeira trocista,retomandoumtópicojápre-sentenoartigoqueanteriormenteescrevera.Nessesentido,aocolocaremdestaqueosucesso de escândalodeMarinetti,comporta-secomosefosseoseuespectador ideal,pararetomaraterminologiadeUmbertoEco.NãodeixadeapreciarabelezadoscenáriosdeRanson,ouseja,PaulRanson,umdosmembrosdogrupodavanguardasimbolistaconhecidacomoNabis,quecontestouoimpressionismo,desenvolvendoumestilodecorativodelinhasefigurasgeométricas.

Apesardenãoestaremcondiçõesdecompreenderaati-tudevanguardistaearelaçãoestabelecidacomopúblico,

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JoséXavierdeCarvalhoacompanhaanovidade,dando-aaconheceraosleitoresdoJornal de Notícias.

AnotíciasucessivaacercadoFuturismo,divulgadapelaimprensaportuguesa,sainumjornaleditadoemS.Miguel,oDiário dos Açores,a5deAgostodomesmoano7.Seguecritériosmaisdocumentados,abrindo-secomumanotadeapresentaçãodanova escola literária,aoquesesegueatradu-çãoparcialdoManifesto de fundação do Futurismo,umaentre-vistacomMarinettitiradadarevistaComoediaeumaapre-ciaçãocrítica,sobaepígrafe“Osescritoreseaimprensa”.Destafeita,oseuautor,LuísFranciscoRebeloBicudo,éomediadorda linhaque ligaPontaDelgada aGénova,deondeescreve.Nascidonaquelacidadeaçorianaem1884,noseiodeumafamíliaaristocrata,foiapoiantedaRepúblicaeestudouDireitoemCoimbra,depoisdoquepartiuparaumgrand toureuropeu.

Atraduçãoomiteaparteinicialdomanifesto,abrindo--secomosseusonzepontosprogramáticos.Talvezopassosuprimido,ondesecontaanoitedevigíliasoblâmpadasdemesquitaeodesastredeautomóveldeMarinetti,fossecon-sideradodissuasorouentediante,istocasoLe FigarofosseafontedeBicudo8.Aprópriatraduçãoatenuaalgumasface-tasmaisradicaisdooriginal.Quantoàentrevista,incideemparticularsobreaspectosdeíndoleideológicaededebatedeideias.Trataarelaçãoentreplanoindividualecolectivo,arecepçãoporpartedopúblico,eexplicitaaspropostasessen-ciaisdomovimento,queeraoquemaisdespertavaaatenção,nummomentoemquetinhaacabadodeseranunciado.Napartefinaldoartigo,RebeloBicudotraçaumavisãodesín-tesedotadaderelevantesentidocrítico.Assuaspreocupaçõesdocumentaissãoilustradaspelaconsultaereferenciaçãodefontes,apartirdarevistadeMarinetti,Poesia.Enumeraos

7 Vd.ib.,quereeditaoartigo8 Vd.supra,n.1.

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seuscolaboradoresefazumaresenhadaimprensaestrangeirasobreoFuturismo,combaseeminformaçõesnelacontidas9.Bicudopercebeque,paraalémdasimplescondenaçãooudosimplesapoioaoFuturismo,háqueentenderaprofundidadedeummovimentoliterárioqueesconde uma escola filosófica.Porconseguinte,põedeladooscomentáriostrocistas,des-tacandoosintuitosderenovaçãoeavertenteiconoclastadavanguardaitaliana.Oseucosmopolitismoficapatentenoorgulho,traduzidologonoiníciodoartigo,deoDiário dos Açoresserumdosprimeirosjornaisaapresentar,emPortugal,anovaescola.E,aterminar,empenhadoemaproximarouniversoaçorianodavanguardaeuropeia,estimulaospoe-tasdasuaterraaestabeleceremcontactoscomosfuturistas.

ApesardoapelodeBicudo,apassagemdarecepçãodoFuturismo,doplanocrítico,aodarecepçãocriativa,nãofoi,aparentemente,imediata.Ossucessivossinaisdessarecep-çãosãode1913,situam-senoâmbitoprogramático,evêmdeumlongínquoterritóriocolonialportuguês,NovaGoa.OprimeironúmerodaRevista da Índia abre-se comum“Manifesto”,assinadoporPaulinoDias,ondeMarinettiéumareferênciafundamental10.Operiódico,quetemporsub-títuloMensal de Letras e Artes,saiuentreJunhode1913eJulhode1914,tendopordirectoresPaulinoDiaseAdolfoCosta.

9 Nãomenciona,noentanto,ospoetasdelínguaportuguesaquenelapar-ticiparam.PeloquedizrespeitoaopoetabrasileiroMagalhãesdeAzeredo,vd.SílvioCastro,“CarlosMagalhãesdeAzeredoeaEnquête internationale sur le vers libredeMarinetti”,El girador. Studi di letterature iberiche e ibero-americane offerti a Giuseppe Bellini,acuradiGiovanniBattistaDeCesareeSilvanaSerafin,Roma,Bulzoni,1993,vol.1,pp.191-199.TambémcolaboramemPoesiaE.MachadoeAntónioNascimentodeMendonça.

10 Vd.SandraBagno,“IlFuturismoaGoaelaRevista da Índia”,Rosa dos Ventos. Atti del Convegno. Trenta anni di cultura di lingua portoghese a Padova e a Venezia, a cura di Sílvio Castro e Manuel Simões, Padova, Università diPadova,SezionePortoghesedell’IstitutodiLingueeLetteratureRomanze,1994,pp.89-101;e“OFuturismolibertárionaÍndiaportuguesa”,Jornal de Letras, Artes e Ideias,15,640,1995,pp.26-27,quetranscrevelargospassosdo“Manifesto”.

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Osprincípiosprogramáticosdarevista,aoseremtransfe-ridos,dodomíniodoeditorial,paraodomanifesto,enchem--sedeumtomcombativo.PaulinoDiascomeçaporseguirofioemancipadorquevaidaAufklärungatéaoiníciodeséculo,operandoumnivelamentouniversaleutópicoqueabarcaCristo,TolstoieBacunine.EsseeclectismoculminacomumaexaltaçãodaRenascença literária das nacionalidadesquetomaMarinetticomobaluartedaargumentaçãológicado“Manifesto”.Pontocapital,éaenergiadeboxercomqueolíderdavanguardaitalianacombateopassadismodeumpaísantigo,oquemostra,segundoPaulinoDias,queas nações modernas são francamente futuristas.Depoisdepassaremresenha aspectos identitários, tipificados, de vários países,detém-se sobre a especificidade da Índia portuguesa,enquanto possível cruzamento entreOriente eOcidentedondebrotao peito moço da Índia.Emseuentender,tambémomovimentodeconsciêncianacionalqueaíseestáaformaréumareacçãocontraasforças atávicaseomisticismo absurdo.

ParacompreenderointeressepeloFuturismoitaliano,emfunçãodestaquestãoidentitária,háqueteremlinhadecontaomovimentodeafirmaçãodaÍndiaportuguesaqueseformaentrefinaisdoséculoXIXeiníciosdoséculoXX.Ojor-nalismoealiteraturaforamduasdassuasgrandesfrentes11.Ora,PaulinoDiasetantosdoscolaboradoresnaRevista da Índia pertenciamaessegrupodeescritoresejornalistasindo--portugueses.Naverdade,aproduçãopoéticacoligidanosváriosnúmeros,degrandeinteresseparaaintersecçãoentreculturaseliteraturas,poucoounadatemdefuturista.Noentanto,avanguardaitalianaeraconhecidademodopró-ximo,apontode,em1913,jásedizerqueomanifestode1909forapublicadoanos atrás.Aliás,opoetaindo-portuguêsAntónioNascimentoMendonçapublicara,nonúmerode

11 Vd.VimaldaDevi,ManueldeSeabra,A literatura indo-portuguesa,Lisboa,JuntadeInvestigaçãodoUltramar,1971,2vols.

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1908-1909dePoesia,umacomposiçãodedicadaaMarinetti,oquemostraexistiremrelaçõesentreavanguardaitalianaeavanguardagoesaquemuitoimportariaestudar.

Nosanosde1916ede1917,háaassinalarapresençadeváriosnúcleosvanguardistas,entreFaro,aFigueiradaFozeCoimbra.Estefervilhardeideiassitua-se,deumaformaoudeoutra,nasendadasiniciativaslevadasacaboemLisboa,alémdomais,comaediçãodeOrpheu,oManifesto Anti-Dantas,asessãofuturistanoTeatroRepública,emqueJosédeAlmadaNegreiros lêoUltimatum futurista às gerações portuguesas do século XX,eonúmeroúnicodePortugal Futurista,de1917.

ComecemosporFaro,ondeumgrupodevanguardistassereuniuemtornodojornalO Heraldoeorganizouumaexposição12.EmMaiode1917,estevepatente,nessamesmacidade,umamostra,cujocatálogoseintitulaFuturismo,naqualparticiparamMirly,ZarnaeRodrigueeCarlosPorfí-rio.Pintordegrandemérito,cujaobrapermaneceráligadaàestéticafuturista,eque,posteriormente,tambémseveioadedicaraocinema.PorfírioeranaturaldeFaro,masestavaligado,àsemelhançadeoutrosmembrosdogrupo,aonúcleodeLisboa,tendosidofundadoredirectordoPortugal Futu-rista.Recorde-seque,naspáginasdeO Heraldo,AlmadapublicouLitoral,FernandoPessoaA casa branca nau preta,poemaquedepoisviriaaseratribuídoaÁlvarodeCampos,eMáriodeSáCarneiro,Além.

A5deNovembrode1916,éinauguradaumanovasecçãodojornal,chamadaGenteNova,ea4deFevereirode1917uma outra, intituladaFuturismo. Ambas se mantêm até àúltimaediçãodoperiódico,quesaiua29deAgostode1917.Os colaboradores assinam sob pseudónimo. Horácio ouO’RacioéJoãoRosado;Nesso,CarlosPorfírio;RaulMar-quesCarneiro,A.Queiroz;Kernok é Leyster Franco, o

12 EmPoesia futurista. Faro 1916/1917,selecçãoeprefáciodeNunoJúdice,Lisboa,ARegradoJogo,1981,estecríticoestudaereeditapartedessaprodução.

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própriodirectordojornal;NaissanceéAntóniodeNasci-mento.Traçospoéticoscomunseremissõesmútuasmostramoespíritodegrupoqueosunia.Asreacçõesquesuscitamsãooportunamenteaproveitadasparaexplicitaredefenderoseuvanguardismo.Numacartadeapoio,comdatade15deJulhode1917,assinadapelosrepresentantes do comité futu-rista,ouseja,AlmadaNegreiroseSantaRita-Pintor,agra-dece-seeexalta-seoseuempenhofuturista.UmamisteriosaMissEdithdirige-se ao jornal,deslumbrada pela incendiária lucilação da grande Arte Futurista.

Alinguagemplásticadospoemasactualizaarevolução tipo-gráficaadvogadaporMarinetti,comrelevoparaascomposi-çõesassinadasporKernoceCarlosPorfírio,queexploramarelaçãoentreimagemetextoverbalcomparticularelegância.Concomitantemente,ésuperadaavelhasintaxedeHomero,comusorecorrentedoversolivre,deduplasdesubstantivosedatécnicadaspalavrasemliberdade.Osentidodedisper-sãoétrabalhadoapartirdatécnicadofragmentoedojogodesensações,enotratamentodotemadaviagemlêem-seecosdapoesiadeOrpheu.Aestéticadamáquinaeaviolên-cianãosão,porém,eleitasobjectodeexaltação.

Por esses mesmos anos, estuda em Coimbra, onde seformouemDireito,oexóticoepopularFranciscoLevita(1894-1924)13.Conheciabemoprogramafuturistaeencon-trava-se enquadrado na atmosfera coimbrã. O seu nomeficougravadonasmemóriasdeestudanteseasuapoesiadevanguarda teve um impacto tal, que foi parodiada pelasrevistasdacidade.Certaocasião,alugouumautomóveledirigiu-se,comalgunsamigos,paraoPalacedoBussaco,ondeapresençadeestudantesescandalizouumaclientelaseleccionada.Encomendaramumaementadignadeverda-

13 Vd.RitaMarnoto,Francisco Levita, Negreiros-Dantas [….] Coimbra manifesto 1925,Lisboa,Fenda,2009,ondesereproduz,emfacsímile,omanifestode1916eoutrostextosdeLevita.

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deirosfuturistas:galinhacomchocolate,omeletedepêssegoe,aacompanhar,champanhefrancês.Levitatambémdese-nha,adoptandoaquelegeometrismolinearquecedocome-çouaserusadoemCoimbra,nacaricatura.

AlémdolivroI assim… Poemas [.…]seguidos do Elogio do I e da tragédia em 1 acto Amor! Amor!,assinale-seomanifestoNegreiros – Dantas. Uma página para a história da literatura por-tuguesa, ambos de 1916, este último em polémica comAlmadaNegreiros,quetalveztivesseconhecidonasuafugazpassagemporCoimbra.AdesafiarAlmada,foramtantos,adesafiá-locomovanguardista,FranciscoLevitateriasidoumdospoucos.Concluique,alguémquesepreocupacomJúlioDantas,é um Dantas n.º 2.

De Coimbra, passemos à Figueira da Foz, em cujoambienteliterárioeracultivadapoesiasimbolistaedecaden-tista. Fernando Pessoa, em apontamentos onde traça umquadroalargadodosensacionismo,chamaaatençãoparaarevistaO Fauno,comumnúmeroúnicoquesaiunaFigueiraem191714.FoiseudirectorManueldeSousaeseueditorRaimundoEsteves.

Noentanto,umoutrogrupoháaassinalar,noseiodoqualsedestacamAntónioMarianodaCunhaGoulart,LuísJoaquimPintoeAntónioCorreiaPintod’Almeida.Opri-meiroestudouDireitoemCoimbra,nosanosde1915-1916e1916-1917.Pintod’Almeida,queassinouváriasobrascomopseudónimodeAntónioAmargo,escreveu,emcolabo-ração,comGoulart,umlivrodeSonetos mínero-metálicos,de1917,cujoautorseidentificacomoAntónioDoceAmargo15.

14 Vd.GianlucaMiraglia,“OsnovosdaFigueiradaFoz”,Foro das Letras,13-14,2006,pp.99-104.

15 Pensou-sequesetratassedeumúnicopoeta,chamadoAntónio,atépelaformacomoégraficamenterepresentadoonomedoautordosSonetos mínero-metálicos (Coimbra, FrançaAmado, 1917), comuso de uma chaveta,mas adedicatóriadoexemplar existentenaBibliotecaMunicipalPedroFernandesTomás,daFigueiradaFoz,comacota82-1AMA,vemesclarecerestaquestão.

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Reúnedezanovesonetosemquesentimentoseemoçõessãoexpressos atravésde referências amateriaismetálicos,compostos,pedras,oufórmulasquímicas.TemporepígrafeAo Sr. Júlio Dantas, médico em literatura e literato em medicina, ourives mimoso da forma e supremo joalheiro do ritmo.

OfactodeGoulartterestudadoDireitoemCoimbra,aatitudedestesvanguardistasperanteJúlioDantaseofascínioporcertasmatériasdavidamoderna,sobreumpanodefundoondeavultaafiguradofilósofofigueirenseJoaquimdeCar-valho,levamacrerqueestesfuturistasdaFigueiradaFozgiravamnaórbitadeFranciscoLevita.

Nadécadade1920,ageografiadoFuturismo/sportuguêsassinaladoisnúcleos,umemÍlhavo,outroemCoimbra,aoqualcabeumimportantepapel,nahistóriadaliteraturapor-tuguesa do séculoXX.Têmpor elo de ligaçãoo artistaplástico,médicoeescritor,JoãoCarlosCelestinoGomes.

Chegaramaténósvagasnotíciasdeumgrupodevan-guardadeÍlhavo,designadocomoplêiade ilhavense16.LevavaàcenaespectáculosnoTeatrodoNovos,nessavila,enoteatrodaVistaAlegre.Noiníciodadécada,CelestinoGomeseditaalgunstextosdepequenadimensão,caracterizadosporumtomexpressionista,turbulentoevital,quecontêm,emgérmen,apaletadaquelequeviriaatraduzirIl trionfo della mortedeGabrieleD’Annunzio.ÉemÍlhavoque,em1924,publicaumpanfletointituladoSobre o atavismo,ondeexpõealeidahereditariedade,masnassuasrepercussõesnegativas,tendoemlinhadecontacomo,poressavia,seperpetuamvíciosetarasqueimpedemaselecçãodosinúteis.Odarwi-nismoerige-se,pois,emvínculoaumpassado,cujoatavismoimpedeaplenitudedofuturo.Estaposiçãopoderásercon-frontadacoma lei de Malthus da sensibilidade,noUltimatum

16 Vd.otestemunhodeGuilherminoRamalheira,novolumeIn memoriam do Dr. João Carlos Celestino Gomes, 1899-1960,Aveiro,Coimbra,ArquivodoDistritodeAveiro,1962,emparticularp.63.

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de Álvaro de Campos publicado em Portugal Futurista,embora a conceptualização e a exposição de CelestinoGomestomemoutrosentido17.Otextoexpositivoobedeceaumaformulaçãolinguísticatradicional.Inicia-se,porém,comumasúmulaescritaemestilofuturista,comosedeumguiãosetratasse,queprescindedenexossintácticoseusasinaismatemáticos.

Porsuavez,“OmovimentofuturistadeCoimbra”éotítulodoartigo,editadopeloDiário de Lisboa,a13deMarçode1925,emqueseanunciaarevolução artísticaqueestáaserpreparadanessacidade18.Ojornalistaapresentaoseulíder,MárioCoutinho,noseuquartodaAlta,rodeadopormani-festoseobrasplásticasdevanguarda,etendosobreamesadetrabalhoummanifestodeMarinetti.Trata-se,pois,deumgrupoqueconhecebemoprogramadosfuturistasitalianos.

UmadaspeçasfundamentaisdasuaactividadedeagitaçãofoiopanfletointituladoCoimbra manifesto 1925,queseini-ciacomduascitaçõesdeMarinetti.Divide-seemquatropartes,cadaumadasquaiséassinadaporumpseudónimo,Óscar,ouseja,MárioCoutinho,naturaldeCaldasdaRai-nha,estudantedeMedicina;PereiraSão-Pedro(Pintor),ojáreferidoJoãoCarlosCelestinoGomes;TristãodeTeive,AbelAlmada,naturaldoFunchal,tambémeleestudantedeMedicina;ePríncipedeJudá,AntóniodeNavarro,oriundo

17 ConformenotaJoséAntónioBandeirinha,enquantoodarwinismoavivaaconsciênciadequeohomemédescendentedomacaco,oFuturismoincita,programaticamente,àfugadessepassadoatravésdavelocidadeedodinamismo:“ohomemapanhacomboiosavapor,depoisagasóleo,depoiseléctricos,depoisaviõesajacto,transportescadavezmaisrápidosparafugiràcondiçãodedes-cendênciadomacaco.Quantomaisrápidoviajar,maisdistanteficaessafatalconstatação,quantomaisrápidosefizertransportar,maislongecaminhounafugadessasorigensemaishonrosassetornamasdiferençasrelativasaessacon-diçãoancestral”,“ViolentiaVeloxVisio.Leiturasemmovimento”,NU,28,2009,p.13.

18 RitaMarnoto,cit.,ondeétranscritoesteeoutrostextosrelacionadoscomomovimento,esereproduzomanifestode1925.

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deNelas,quefrequentavaaFaculdadedeDireito.Ofolhetoassociaaartedevanguardaàclarividênciatipográfica.Adivi-sãoemduascolunas,cominterposiçãodebarrasatodaalarguraegarrafais,exigeodomíniodetécnicascompositivasmuitoespecíficas.Aliás,oseugrafismoésemelhanteaodarevistaLacerba.FoitambémorganizadaumaconferêncianoTeatroSousaBastos,proferidaporAntóniodeNavarro,queacaboucomumbanhodeagulheta.Intitulava-seSol,queera,igualmente,otítulodarevistaquesepropunhameditar.Solfoiumapalavra-chaveparaosfuturistasitalianos.Serviadecontrapontoàluaeaoluar,símbolosdopassadismoealvoprimordialdopanfletoUccidiamo il chiaro di luna!,publi-cadodoismesesdepoisdoManifesto de fundação do Futurismo.

OlivrinhoGuarda-sol. Exortação à mocidade futurista prece-dida dum prefácio às frontarias. Abaixo a cor! Bendita a lua!,umoctógonoqueabredaesquerdaparaadireita,publicadoemCoimbranomesmoano,sobopseudónimodeHumsilfer,ededicadoaAlmadaNegreiros,éumaparódiadomanifestodeLevitaedoCoimbra manifesto 1925,oquemostraqueeramsituadosnumalinhadecontinuidade19.Oseuautorserá,noentenderdequemescreve,HumbertodaSilveiraPinto,estudantedeDireitoecolegadeAntóniodeNavarro,queneleéreferido.

AimportânciadomovimentofuturistadeCoimbra,paraahistóriadaliteraturaportuguesadoséculoXX,prende-secomacriaçãodarevistaPresença.Tratou-se,naverdade,dotrampolim que permitiu ultrapassar um impasse, àquelenúcleodeintelectuaisqueprocuravaoutrorumo,masquecareciadeumaforçacanalizadora.Constitui,porisso,umprecedentefundamentaldaPresença.Éemfunçãodoímpetopropulsordessegrupodevanguardaquemelhor sepode

19 Fez-lheumafugazreferência,M.Maiani,Aspectos do futurismo na obra de Fernando Pessoa, tesi di laurea,Università degli Studi diVenezia, Facoltà diLingueeLetteratureStraniere,1991-1992,p.45.

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compreender como, da revistaByzancio, uma publicaçãoligada ao simbolismo e aodecadentismo, eTriptico,maisviradaparaaculturaeuropeiaeparaasartes,sepassaaumainiciativaeditorialcomaaberturainternacionaleolastroartísticodaPresença.

Estepanorama,desenhadoatraçoslargos,dáumaimagemmuitováriaearticuladadoFuturismo/sportuguês.Foramapresentadososseuspontosnodais,mastantosoutroshave-ria,eventualmente,aacrescentar.Mereceriaminvestigaçõesespecíficas,querecuperassemmateriaisquejazemesqueci-dosemarquivospúblicosouemfundosdeparticulares,sobriscodeextravio.

Doquadroaquiexposto,resulta,noseuconjunto,umamalhaabrangente,quedeÍlhavoseestendeàÍndiacolonialportuguesa, passandopelosAçores. Se asmodalidadesderecepçãodoFuturismoserevelambastantediversificadas,articulaçõesdesubstratoehorizontesdeactuaçãoconferemumasignificativavariedadeaosseusresultados.Osmateriaiscoligidosdizemrespeitoaojornalismo,aocomentáriocrí-tico,aoenunciadoprogramático,àcriaçãopoética,àperfor-mance,aoplanodoscostumes,aografismoouàsartes-plás-ticas.OFuturismoéaplataformaapartirdaqualseexprimemaspirações identitárias, reservas evolucionistas ou grandesprojectosculturais,comoéocasodaPresença,numamulti-plicidadedefacetasquerevelabemopotencialdeirradiaçãodomovimentodeMarinetti.