ms21564 - contra pres cd caso collor

54
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 21.564 — DF (Tribunal Pleno) Relator p/ o acórdão: O Sr. Ministro Carlos Velloso Impetrante: Fernando Affonso Collor de Mello — Impetrado: Presidente da Câmara dos Deputados Constitucional. Impeachment. Processo e julgamento: Senado Federal. Acusação: Admissibilidade: Câmara dos Deputados. Defesa. Provas: Instância onde devem ser requeridas. Voto secreto e voto em aberto. Recepção pela CF/88 da norma inscrita no art. 23 da Lei nº 1.079/50. Revogação de crimes de responsabilidade pela EC 4/61. Repristinação expressa pela EC nº 6/63. CF, art. 5º, LV; art. 51, I; art. 52, I; art. 86, caput, § 1º, II, § 2º; Emenda Constitucional nº 4, de 1961; Emenda Constitucional nº 6, de 1963. Lei nº 1.079/50, art. 14, art. 23. I — Impeachment do Presidente da República: compete ao Senado Federal processar e julgar o Presidente da República nos crimes de responsabilidade (CF, art. 52, I; art. 86, § 1º, II), depois de autorizada, pela Câmara dos Deputados, por dois terços de seus membros, a instauração do processo (CF, art. 51, I), ou admitida a acusação (CF, art. 86). É dizer: o impeachment do Presidente da República será processado e julgado pelo Senado. O Senado e não mais a Câmara dos Deputados formulará a acusação (juízo de pronúncia) e proferirá o julgamento (CF, art. 51, I; art. 52, I; art. 86, § 1º, II, § 2º). II — No regime da Carta de 1988, a Câmara dos Deputados, diante da denúncia oferecida contra o Presidente da República, examina a admissibilidade da acusação (CF, art. 86, caput), podendo, portanto, rejeitar a denúncia oferecida na forma do art. 14 da Lei nº 1.079/50. III — No procedimento de admissibilidade da denúncia, a Câmara dos Deputados profere juízo político. Deve ser concedido ao acusado prazo para defesa, defesa que decorre do princípio inscrito no art. 5º, LV, da Constituição, observadas, entretanto, as limitações do fato de a acusação somente materializar-se com a instauração do processo, no Senado. Neste, é que a denúncia será recebida, ou não, dado que, na Câmara ocorre, apenas, a admissibilidade da acusação, a partir da edição de um juízo político, em que a Câmara verificará se a acusação é consistente, se tem ela base em alegações e fundamentos plausíveis, ou se a notícia do fato reprovável tem razoável procedência, não sendo a acusação simplesmente fruto de quizílias ou desavenças políticas. Por isso, será na esfera institucional do Senado, que processa e julga o Presidente da República, nos crimes de responsabilidade, que este poderá promover as indagações probatórias admissíveis. IV — Recepção, pela CF/88, da norma inscrita no art. 23 da Lei 1.079/50. Votação nominal, assim ostensiva (RI/Câmara dos Deputados, art. 184), ou votação em aberto (RI/Câmara dos Deputados, art. 187, § 1º, VI). V — Admitindo-se a revogação, pela EC nº 4, de 1961, que instituiu o sistema parlamentar de governo, dos crimes de responsabilidade não tipificados no seu artigo 5º, como fizera a CF/46, art. 89, V a VIII, certo é que a EC nº 6, de 1963, que revogou a EC nº 4, de 1961, restabeleceu o sistema presidencial instituído pela CF/46, salvo o disposto no seu art. 61 (EC nº 6/63, art. 1º). É dizer: restabelecido tudo quanto constava da CF/46, no tocante ao sistema presidencial de governo, ocorreu repristinação expressa de todo o sistema. VI — Mandado de Segurança deferido, em parte, para o fim de assegurar ao impetrante o prazo de dez sessões, para apresentação de defesa. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, deferir, em parte, o Mandado de Segurança, ou seja, apenas para manter a medida cautelar que aumentara, de cinco (5) para dez (10) sessões, o prazo para manifestação do impetrante perante a Câmara dos Deputados. Ficaram vencidos, em parte, os Ministros Relator (Octavio Gallotti) e Ilmar Galvão, que deferiram o mandado de segurança, não só para tal fim, mas também para determinar o cumprimento do art. 217, § 1º e seus incisos do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e, também, o Ministro Paulo Brossard, que indeferiu o mandado de segurança. O Ministro Moreira Alves ficou vencido, em maior extensão, pois deferiu o mandado de segurança para os fins referidos nos votos mencionados e, também, para reconhecer o direito do impetrante à votação secreta naquela Casa. Afirmaram suspeição os Ministros Marco Aurélio e Francisco Rezek. Brasília, 23 de setembro de 1992 — Sydney Sanches, Presidente — Carlos Velloso, Relator p/o acórdão. RELATÓRIO O Sr. Ministro Octavio Gallotti: Trata-se de mandado de segurança dirigido ao ato do Senhor Presidente da Câmara dos Deputados que, após dar tramitação a denúncia apresentada por dois cidadãos contra o Impetrante (Presidente da República), resolveu questões de ordem formuladas em torno de matéria, estabelecendo as seguintes regras: «a) é competência da Câmara dos Deputados admitir ou não acusação contra o Presidente da República, dando, em caso positivo, conhecimento ao Senado Federal, para fins de processo e julgamento; b) os dispositivos da Lei nº 1.079, de 1950, são aplicáveis, com exceção dos que traduzem atos típicos do processo, uma vez que a instrução e o julgamento passaram à competência privativa do Senado Federal; c) proferido, o parecer pela comissão especial, no prazo de sete sessões, a matéria irá ao exame do plenário em votação única pelo processo ostensivo nominal, considerando-se admitida a acusação, se nesse sentido se manifestarem 2/3 dos Membros da Casa. Sendo a decisão sobre a admissibilidade ou não da denúncia o ato que autoriza a instauração ou não do

Upload: bleobh

Post on 15-Sep-2015

221 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

MS21564 - Contra Pres CD

TRANSCRIPT

  • MANDADO DE SEGURANA N 21.564 DF (Tribunal Pleno) Relator p/ o acrdo: O Sr. Ministro Carlos Velloso Impetrante: Fernando Affonso Collor de Mello Impetrado: Presidente da Cmara dos Deputados Constitucional. Impeachment. Processo e julgamento: Senado Federal. Acusao: Admissibilidade: Cmara dos Deputados. Defesa. Provas: Instncia onde devem ser requeridas. Voto secreto e voto em aberto. Recepo pela CF/88 da norma inscrita no art. 23 da Lei n 1.079/50. Revogao de crimes de responsabilidade pela EC 4/61. Repristinao expressa pela EC n 6/63. CF, art. 5, LV; art. 51, I; art. 52, I; art. 86, caput, 1, II, 2; Emenda Constitucional n 4, de 1961; Emenda Constitucional n 6, de 1963. Lei n 1.079/50, art. 14, art. 23. I Impeachment do Presidente da Repblica: compete ao Senado Federal processar e julgar o Presidente da Repblica nos crimes de responsabilidade (CF, art. 52, I; art. 86, 1, II), depois de autorizada, pela Cmara dos Deputados, por dois teros de seus membros, a instaurao do processo (CF, art. 51, I), ou admitida a acusao (CF, art. 86). dizer: o impeachment do Presidente da Repblica ser processado e julgado pelo Senado. O Senado e no mais a Cmara dos Deputados formular a acusao (juzo de pronncia) e proferir o julgamento (CF, art. 51, I; art. 52, I; art. 86, 1, II, 2). II No regime da Carta de 1988, a Cmara dos Deputados, diante da denncia oferecida contra o Presidente da Repblica, examina a admissibilidade da acusao (CF, art. 86, caput), podendo, portanto, rejeitar a denncia oferecida na forma do art. 14 da Lei n 1.079/50. III No procedimento de admissibilidade da denncia, a Cmara dos Deputados profere juzo poltico. Deve ser concedido ao acusado prazo para defesa, defesa que decorre do princpio inscrito no art. 5, LV, da Constituio, observadas, entretanto, as limitaes do fato de a acusao somente materializar-se com a instaurao do processo, no Senado. Neste, que a denncia ser recebida, ou no, dado que, na Cmara ocorre, apenas, a admissibilidade da acusao, a partir da edio de um juzo poltico, em que a Cmara verificar se a acusao consistente, se tem ela base em alegaes e fundamentos plausveis, ou se a notcia do fato reprovvel tem razovel procedncia, no sendo a acusao simplesmente fruto de quizlias ou desavenas polticas. Por isso, ser na esfera institucional do Senado, que processa e julga o Presidente da Repblica, nos crimes de responsabilidade, que este poder promover as indagaes probatrias admissveis. IV Recepo, pela CF/88, da norma inscrita no art. 23 da Lei 1.079/50. Votao nominal, assim ostensiva (RI/Cmara dos Deputados, art. 184), ou votao em aberto (RI/Cmara dos Deputados, art. 187, 1, VI). V Admitindo-se a revogao, pela EC n 4, de 1961, que instituiu o sistema parlamentar de governo, dos crimes de responsabilidade no tipificados no seu artigo 5, como fizera a CF/46, art. 89, V a VIII, certo que a EC n 6, de 1963, que revogou a EC n 4, de 1961, restabeleceu o sistema presidencial institudo pela CF/46, salvo o disposto no seu art. 61 (EC n 6/63, art. 1). dizer: restabelecido tudo quanto constava da CF/46, no tocante ao sistema presidencial de governo, ocorreu repristinao expressa de todo o sistema. VI Mandado de Segurana deferido, em parte, para o fim de assegurar ao impetrante o prazo de dez sesses, para apresentao de defesa. ACRDO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sesso Plenria, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrficas, por maioria de votos, deferir, em parte, o Mandado de Segurana, ou seja, apenas para manter a medida cautelar que aumentara, de cinco (5) para dez (10) sesses, o prazo para manifestao do impetrante perante a Cmara dos Deputados. Ficaram vencidos, em parte, os Ministros Relator (Octavio Gallotti) e Ilmar Galvo, que deferiram o mandado de segurana, no s para tal fim, mas tambm para determinar o cumprimento do art. 217, 1 e seus incisos do Regimento Interno da Cmara dos Deputados e, tambm, o Ministro Paulo Brossard, que indeferiu o mandado de segurana. O Ministro Moreira Alves ficou vencido, em maior extenso, pois deferiu o mandado de segurana para os fins referidos nos votos mencionados e, tambm, para reconhecer o direito do impetrante votao secreta naquela Casa. Afirmaram suspeio os Ministros Marco Aurlio e Francisco Rezek. Braslia, 23 de setembro de 1992 Sydney Sanches, Presidente Carlos Velloso, Relator p/o acrdo. RELATRIO O Sr. Ministro Octavio Gallotti: Trata-se de mandado de segurana dirigido ao ato do Senhor Presidente da Cmara dos Deputados que, aps dar tramitao a denncia apresentada por dois cidados contra o Impetrante (Presidente da Repblica), resolveu questes de ordem formuladas em torno de matria, estabelecendo as seguintes regras: a) competncia da Cmara dos Deputados admitir ou no acusao contra o Presidente da Repblica, dando, em caso positivo, conhecimento ao Senado Federal, para fins de processo e julgamento; b) os dispositivos da Lei n 1.079, de 1950, so aplicveis, com exceo dos que traduzem atos tpicos do processo, uma vez que a instruo e o julgamento passaram competncia privativa do Senado Federal; c) proferido, o parecer pela comisso especial, no prazo de sete sesses, a matria ir ao exame do plenrio em votao nica pelo processo ostensivo nominal, considerando-se admitida a acusao, se nesse sentido se manifestarem 2/3 dos Membros da Casa. Sendo a deciso sobre a admissibilidade ou no da denncia o ato que autoriza a instaurao ou no do

  • processo, a regncia de ordem legal e no regimental, por efeito da aplicao do art. 85, pargrafo nico, da Constituio Federal; d) considera inaplicvel o art. 188 do Regimento Interno, inclusive porque conflitante com o art. 218 do mesmo regimento; Lei 1.079, de 1950; art. 23 combinado com o art. 184, caput e 187, pargrafo 1, inciso VI do Regimento Interno (doc. 5). (Fls. 8/9). Em conseqncia, foi o Impetrante instado a manifestar-se sobre a denncia, no perodo correspondente a cinco sesses, at s 19:00 horas do dia 15 do corrente ms. (Fl. 10). No intuito de afastar eventual objeo de que as questes suscitadas envolvessem matria poltica, ou assunto interna corporis do Legislativo, o Impetrante sustenta inicialmente, o cabimento do writ. Esclarece postular o controle jurisdicional de atos de outro Poder, somente para verificar se determinado processo, instaurado contra o Presidente da Repblica, observou, ou no, as formalidades exigidas pelas normas constitucionais, legais ou regimentais, nos seus respectivos mbitos de validade. (Fl. 6) Em abono da tese, so citadas decises do Supremo Tribunal nos Mandados de Segurana n 20.257, n 20.452 e n 20.941. No mrito, o Requerente considera de todo inadmissveis e ilegtimas as normas adredemente baixadas pelo ilustre Presidente da Cmara dos Deputados, por no respeitarem a Constituio, o Regimento Interno, a Lei n 1.079/50 e as mais comezinhas garantias contidas na clusula do due process of law. (Fl. 10) Aludindo opinio de certo parlamentar, diz o Requerente que nem deveria a denncia ser dirigida ao Presidente da Cmara, como aqui ocorreu, pois cabe, ao Senado Federal, processar e julgar eventuais crimes de responsabilidade do Presidente da Repblica (art. 52, I), aps satisfeita a prvia e indispensvel condio de procedibilidade da autorizao da Cmara.(Fls.10/11). Citando e comentando os artigos 102, I, b; 52, I; 51, I e 86, caput, todos da Constituio, conclui que a autorizao, pela Cmara dos Deputados configura inafastvel pressuposto ou condio de procedibilidade contra o Presidente da Repblica, quer nos crimes comuns, quer nos de responsabilidade (expresses grifadas na petio inicial, fl. 15). Alega impor-se, para a tomada dessa autorizao, o escrutnio secreto, conforme precisa estipulao do art. 188, II, do Regimento da Cmara, a cujo respeito observa: 33. Essa norma regimental , sem a menor dvida, sedes materiae, porque a Constituio, ao cuidar da autorizao para instaurar qualquer processo contra o Presidente da Repblica (art. 51, n. I), no disps sobre a forma de votao, se ostensiva ou secreta, razo por que tal matria ficou relegada ao direito regimental e, efetivamente, foi regulada nos arts. 217 e 188, n. II, do Regimento Interno da Cmara. (Fls. 15/16). Transcreve, a propsito, o magistrio constante de pareceres dos Professores Raul Machado Horta, Manoel Gonalves Ferreira Filho e Jos Alfredo de Oliveira Baracho, todos no sentido da exigncia do escrutnio secreto. O Impetrante detm-se na anlise de dois acrdos deste Tribunal, no Mandado de Segurana n 20.941 (Relator originrio o eminente Ministro Aldir Passarinho) e na Queixa-Crime n 427 (Relator o eminente Ministro Moreira Alves). De ambos extrai a assertiva de que o processo, tanto por crime comum, como por crime de responsabilidade, est sempre a depender da condio de procedibilidade de prvia autorizao da Cmara, por dois teros de seus membros. Reportando-se aos termos de questo de ordem formulada Mesa da Cmara, pelo Deputado Humberto Souto, a inicial considera haver ficado bem demonstrado que: ... que a autorizao para processar o Presidente da Repblica, seja por crime comum, seja por crime de responsabilidade, deve ser resolvida apenas luz do art. 51, n. I, da Constituio, e do Regimento Interno da Cmara (arts. 217 e 188, n. II), razo por que no h fugir concluso de que tal autorizao deve ser concedida por dois teros dos membros da Casa, em votao por escrutnio secreto, aps observadas as formalidades previstas no citado art. 217. (Fl. 32) A inicial reputa ocioso o art. 218 do Regimento Interno que remete o processo, nos crimes de responsabilidade, s disposies da legislao especial em vigor e, admitindo, para argumentar, que houvesse ele revigorado a Lei n 1.079/50, entende que, no poderia, em tal hiptese, o Presidente da Cmara ter deixado, ento, de assegurar, defesa, o prazo de vinte dias e a dilao probatria previstos no art. 22 do diploma legal citado, tampouco abandonado a forma de votao por escrutnio secreto, expressamente prevista no art. 188, II, do Regimento (se este pudesse, por si s, revigorar a lei, tambm teria podido livremente estatuir a forma da votao). Preconiza, por analogia ou fora de compreenso, a aplicao, aos casos de crime de responsabilidade das normas que o art. 217 do mesmo Regimento estabeleceu em termos meramente literais, apenas para as infraes comuns. Remete, ainda, o Impetrante, ao parecer do ilustre Professor Manoel Gonalves Ferreira Filho, onde se faz cabal demonstrao de que parte das normas de direito substantivo da Lei n 1.079/50 tipificadoras de crime de responsabilidade foi revogada pelo art. 5 da Emenda Constitucional que instituiu o regime parlamentarista de governo (EC n. 4, de 2-9-61) refere-se aos incisos V, VI, VII e VIII do art. 89 da Constituio de 1946. (Fl. 34). Seguem-se a concluso e os pedidos, que, para maior fidelidade exponho mediante transcrio da inicial: 75. Depreende-se das longas consideraes acima expendidas que o ato impugnado no pode subsistir por estar eivado de evidente inconstitucionalidade, j que no respeitou sequer o devido processo legal e o sagrado direito de defesa com todos os meios e recursos a ela inerentes (CF, art. 5, n LV), quando instaurou contra o impetrante virtual processo de impeachment, sem satisfazer previamente a indispensvel condio de procedibilidade da autorizao da Cmara, que s pode ser concedida por dois teros de seus membros (CF, art. 51, n I) em votao por escrutnio de baixadas pela ilustre

  • autoridade coatora prevejam voto aberto e constituam, por isso mesmo, outra ameaa de violao ao direito que tem o impetrante de ser submetido a um julgamento ditado pela liberdade da conscincia dos ilustres Deputados, que no seja resultado da coao que sobre eles venha a ser exercida. 76. Liminar. Os dois requisitos da medida fumus boni juris e periculum in mora esto presentes, a toda evidncia, nesta causa, que, sem a liminar postulada, no ter qualquer eficcia para impedir que um procedimento excepcionalmente clere, arbitrrio, sumrio e ilegal produza a aberrante conseqncia do afastamento do Presidente da Repblica da alta funo em que foi investido pelo voto popular. 77. Aos impostergveis direitos individuais que est o impetrante defendendo nesta impetrao, acrescem, pois, as graves repercusses sociais, econmicas e polticas do afastamento provisrio ou definitivo do titular da primeira magistratura da Repblica, que devem ser evitadas em nome do superior interesse pblico. 78. Apesar de a liminar, ora pleiteada, competir, em carter monocrtico, ao eminente Ministro-Relator do presente mandado de segurana, a matria aqui discutida de tal magnitude que convm, para a estabilidade do regime e das prprias instituies democrticas, que ela seja submetida a julgamento originrio do Plenrio da Corte Suprema, que haver de conced-la: a) ou para simplesmente determinar a sustao do procedimento de impeachment, j virtualmente instaurado na Cmara dos Deputados, at o final do writ; b) ou para que, com menor amplitude, se faculte ilustre autoridade coatora, desde logo, submeter Cmara a denncia apenas para os efeitos do art. 51, n I, ou do art. 86, caput, da Constituio Federal, contanto que o faa em procedimento que assegure ao acusado defender-se nos termos do art. 217 do Regimento Interno ou do art. 22 da Lei n 1.079/50 e seja a deliberao cameral tomada por escrutnio secreto (Reg., art. 188, n II). 79. Petitum. Notificada a ilustre autoridade coatora, vista da segunda via desta impetrao e dos respectivos documentos, prestadas as informaes que entender cabveis e ouvido o Ministrio Pblico Federal, o impetrante pede e espera a confirmao da liminar eventualmente deferida ou a concesso definitiva da segurana, a fim de que, declarada a nulidade do ato impugnado, seja determinado ao ilustre Presidente da Cmara dos Deputados que se entender de submeter a denncia recebida deliberao da Cmara dos Deputados, para os efeitos da autorizao prevista nos arts. 51, n I, e 86, caput, da Constituio observe o devido processo legal contido no art. 217 do Regimento e a votao por escrutnio secreto, de acordo com o art. 188, n II. (Fls. 36/8). Em sesso de 10 do corrente ms, o Tribunal, por maioria de votos (vencido o eminente Ministro Paulo Brossard), deferiu, em parte, o requerimento de medida liminar, para assegurar ao Impetrante, em substituio do lapso de cinco sesses (que lhe fora concedido pelo Impetrado), o prazo de dez sesses, previsto no item I do 1 do art. 217 do Regimento Interno da Cmara dos Deputados. Com brevidade, vieram as informaes de fl. 6, onde o ilustre Presidente da Cmara dos Deputados, aps descrever os fatos em causa, considera que a Constituio de 1988 adelgaou, como acentua o Ministro Paulo Brossard, a competncia da Cmara dos Deputados no tocante matria; os dispositivos da Lei n 1.079, de 1950, ho de ser lidos atravs dos novos mandamentos constitucionais (grifos do original, fl. 6). A essa nova competncia da Cmara, para autorizar a instaurao do processo pelo Senado Federal, as informaes, utilizando j agora as palavras do Ministro Clio Borja, qualificam de discricionria autorizao como simples condio de procedibilidade judicial e, no mais, juzo de procedncia da acusao. (Grifos do original, fl. 7), para da concluir: 15. Considerando que a Constituio defere Cmara dos Deputados, no dizer do Ministro Celso de Mello, a competncia para proferir julgamento sobre a processabilidade da acusao, com excluso de qualquer outro rgo do Estado, a fase na Cmara dos Deputados, embora no seja o processo propriamente dito, que da competncia do Senado, deve revestir-se de formalidades procedimentais, que so as estatudas na Lei n 1.079/50, naquilo que no contrariar a Constituio expurgada toda a parte estritamente processual (Fl. 493). Nessa linha, assevera o Impetrante que s podem estar contidas, na lei mencionada pelo pargrafo nico do art. 85 da Constituio, as normas disciplinadoras do oferecimento da denncia e as relativas s normas de procedibilidade, no mbito da Cmara dos Deputados (artigos 14 a 18 da Lei n 1.079/50). Quanto aos dispositivos subseqentes, observa: 18. Considerando que os artigos 19 a 22 (primeira parte), da Lei 1.079/50, dispem sobre a tramitao inicial do pedido na Cmara dos Deputados e que se destinavam formao de um juzo prvio sobre a admissibilidade da denncia, as etapas previstas devem ser entendidas luz do novo comando constitucional, razo pela qual, falta de norma legal expressa, de se recorrer subsidiariamente ao Regimento Interno da Cmara dos Deputados. 19. Considerando a alterao constitucional aludida, mas para no desatender, a um outro princpio, que o da ampla defesa assegurada aos acusados em geral (art. 5, LV, da Constituio Federal) e, ainda, em ateno a que a pea vestibular encerra uma denncia de cidado que, como tal, na tramitao de projeto, tem regime prioritrio na Cmara dos Deputados, (art. 151, II, a do RI), foram aplicadas, em carter subsidirio, as normas disciplinares do Regimento Interno da Casa. 20. Considerando que o prazo previsto para as Comisses examinarem proposies, quando se tratar de matria em regime de tramitao com prioridade, de cinco sesses, podendo ser prorrogado at a metade, nos termos do art. 52, II, do

  • Regimento Interno, entendeu-se satisfeito o princpio constitucional da ampla defesa, dando-se ao denunciante prazo de cinco sesses dentro das sete reservadas Comisso, que corresponde ao mximo com prorrogao. (Fls. 494/5). As informaes repelem a afirmao da inicial, de que teria sido virtualmente instaurado o processo, e repisam caber, Cmara, um juzo nico de admissibilidade da acusao, mediante procedimento fundamentalmente obediente Lei n 1.079/50, que tem supremacia sobre o Regimento da Cmara dos Deputados, cuja aplicao apenas supletiva ou subsidiria, quando necessria adaptao da nova sistemtica constitucional. O Impetrado tem como respeitado o princpio constitucional do contraditrio (art. 5, LV), na medida em que, ainda nesta fase procedimental, ao denunciado foi concedido prazo para manifestar-se sobre a denncia. O mesmo assere a propsito do direito ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, assim entendidos os adequados, aplicveis elucidao do caso concreto, insistindo ento: 36. Repitamos: o processo e o julgamento do Senhor Presidente da Repblica ocorrero ou no no Senado Federal. Na Cmara dos Deputados, desenvolve-se procedimento a apurar se deve ser concedida autorizao para o citado processo. esta a limitao inafastvel , face ao que se deve decidir nesta Casa. 37. Note-se que a limitao ampla defesa decorre da prpria essncia da deciso a ser tomada pela Cmara dos Deputados, deriva ela da prpria natureza poltica do instituto do impeachment. No surge de qualquer motivao autoritria, no atinge qualquer direito individual: nasce essa limitao com o prprio objeto sobre o qual se deve deliberar. 38. Assim, o procedimento seguido por esta Casa assegura e assegurar, sem tergiversaes, que o Senhor Presidente da Repblica exera seu direito de ampla defesa, e que lance mo dos meios e recursos inerentes e adequados. 39. certo que a autorizao para o processo contra o Presidente da Repblica j traz consigo importantes conseqncias. Elas, porm, no podem ser afastadas, nem cabe discuti-las aqui, pois decorrem do prprio texto constitucional em vigor. E, justamente por serem srias as conseqncias, exige a Constituio Federal que a autorizao seja concedida apenas quando se atinja quorum mais elevado que o necessrio para a aprovao da emenda constitucional! Este preceito, por si s, j uma garantia do espectro que tem a defesa, ainda nesta fase procedimental: ningum ser temerrio a ponto de afirmar que dois teros dos representantes do povo brasileiro autorizariam o processo contra o Presidente da Repblica, por mero capricho ou paixo poltica. (Fls. 500/1). Prosseguindo, o Informante rejeita a aplicao do art. 217 do Regimento, mesmo por analogia, alm daquela j determinada pelo Supremo Tribunal, nica e to-somente em relao ao prazo para a apresentao da defesa do Presidente da Repblica. Baseia-se, para tanto, na distino entre os crimes comuns de um lado, e os de responsabilidade, de outro: 40. Consideramos que no se aplica matria em exame o artigo 217 da Cmara dos Deputados. Tal fato resulta da distino feita pelo prprio Regimento, que cuida dos aspectos procedimentais relativos autorizao de processo contra o Presidente da Repblica, quando este for acusado por crime comum no art. 217, e concede tratamento inteiramente diverso ao cuidar da autorizao para o processo por crime de responsabilidade. 41. Verifique-se que a distino, em verdade, origina-se da prpria Constituio, pois esta remete o julgamento dos crimes comuns ao Supremo Tribunal Federal, e o dos crimes de responsabilidade ao Senado. E no o faz sem motivo: a razo da distino encontra-se na prpria natureza dos ilcitos. Num caso, cuida-se de aspectos regulados pelo Direito Penal, preponderando a a interpretao restritiva, e onde se tem por princpio basilar a necessidade da prova cabal da autoria do crime. J no caso de crime de responsabilidade, o espectro estende-se at o campo da moral. E, aqui, torna-se particularmente importante a apreciao poltica do caso concreto (quando, no crime comum, prepondera a abordagem jurdica). (Fls. 501/2). O Impetrado reafirma haver-se decidido pela votao ostensiva nominal, ao levar em considerao os seguintes fatores: 45. A questo constitucional. A atual Constituio brasileira adotou como regra geral o princpio da votao ostensiva e nominal. Naqueles casos em que o constituinte julgou conveniente a utilizao do voto secreto, ele o indicou expressamente, a ttulo de exceo. As hipteses contempladas pela Constituio com a indicao de que a elas se deve aplicar o voto secreto no podem ser ampliadas pelo intrprete, sob pena de agredir-se o sistema por ela adotado. 46. No tendo a Constituio Federal apontado a forma da votao, para que se conceda ou no a licena para o processo contra o Presidente da Repblica, deve-se aplicar, ento, a regra geral que a do voto nominal. 47. Convm, aqui, relembrar distino singela, mas que vem sendo convenientemente esquecida por alguns: o princpio do voto secreto aplica-se ao representado, isto , ao eleitor que escolhe o seu representante junto ao Parlamento: a este representante, at pelo dever moral que tem ele de prestar contas de suas aes aos representados, aplica-se a regra geral do voto ostensivo e nominal para que o povo possa saber com exatido qual o sentido da atuao do parlamentar exceto nos casos, repita-se, em que o constituinte julgou conveniente excepcionar a regra geral. 48. Considerou-se, a par disso, que a Constituinte, ao elaborar as normas da nova Carta Magna, no o fez a partir do nada. F-lo tendo por arcabouo o ordenamento jurdico pr-existente, e onde julgou conveniente implementar modificaes ele o fez. Exemplo elucidativo o do processo e julgamento do Presidente da Repblica, onde a CF de 1988 inovou, rompendo com longa tradio do direito ptrio, retirando parte das atribuies que a Cmara detinha anteriormente, mas silenciando sobre a modalidade da votao. 49. Ainda que se considerasse no estar a questo resolvida a partir do sistema adotado pela CF, necessariamente ter-se-ia de procurar a soluo na lei. E, ainda que se considere no ter sido a Lei 1.079/50 recepcionada pela nova constituio,

  • naqueles dispositivos que tratam de atos tpicos de processo, no h como consider-la derrogada, no tocante modalidade da votao. 50. Pois que esta, em verdade, no se prende a ato processual; vincula-se ela apurao do convencimento a que chegaram os deputados, em razo de atos transcorridos ao longo do procedimento adotado anteriormente votao. Esta apenas exterioriza o resultado a que se chegou tenha este origem em processo ou em procedimento. 51. Prosseguindo no raciocnio que me levou deciso tomada, admitamos, por hiptese, que a Lei n 1.079/50 estivesse revogada. Teramos, ento, de recorrer ao Regimento Interno da Cmara dos Deputados. 52. Note-se que, ento, estaramos em sede onde a interpretao das normas regimentais questo incontroversamente interna corporis. 53. Relembra-se este fato, para que se aponte a resoluo do conflito existente entre as normas do artigo 188, II, e do artigo 186, I. 54. Nesta hiptese (retenha-se que consideramos ter esta questo sido resolvida pela Lei 1.079/50 e ento no caberia procurar a soluo no Regimento Interno desta Casa) no haveria como escapar concluso de que a disposio do artigo 188, II, inconstitucional, alm de chocar-se frontalmente com o artigo 218, que remete a questo do procedimento relativo aos crimes de responsabilidade do Presidente da Repblica lei em vigor (tendo nele o vocbulo processo sido utilizado de maneira evidentemente atcnica) sendo evidente que tal Lei a 1.079/50, ou, ao menos, assim julgaram os deputados que aprovaram a Resoluo que trouxe nosso Regimento Interno ao universo jurdico. 55. Assim, ou sendo o artigo 188, II, inconstitucional (o que remeteria a soluo CF), ou no podendo ele prevalecer sobre o artigo 218 (que remeteria a soluo para a Lei n 1.079/50) o resultado a que se chega sempre o mesmo: a votao, no caso em tela, ostensiva e nominal, procedimento regimental adotado, como regra, quando se trata de votao de matria com quorum qualificado (art. 186, I). (Fls. 503/5). Para assinalar a necessidade de construo do direito na espcie, as informaes reproduzem tpicos de quatro dos votos proferidos no Mandado de Segurana n 20.941 (trs entre os vencidos, e um entre os vencedores). Passam depois a refutar o argumento da parcial revogao das normas substantivas da Lei n 1.079/50, pela Emenda Constitucional n 4, de 1961. Para tanto, sustentam a ndole exemplificativa da enumerao contida naquela emenda parlamentarista Constituio de 1946, que teria, destarte, mantido ntegra a Lei n 1.079/50. E quando assim no fosse, haveria sido ela repristinada pela Emenda n 6, que restabeleceu o sistema presidencial de governo, anteriormente existente. Culminam, ento, as informaes que procurei, at aqui, resumir: 78. Cumpre-me informar a Vossa Excelncia, que decidi franquear a palavra ao Impetrante, ou ao seu defensor, na sesso em que se discutir e decidir da autorizao prevista no art. 51, I, da Constituio Federal. 79. Esclareo, ainda, que, pendendo recurso de meu ato, em tramitao na Comisso de Constituio e Justia e de Redao, voltarei presena de Vossa Excelncia para Complementar as informaes, se antes do julgamento nessa Corte ocorrer a deciso do Plenrio. (Fls. 514/5). Em informaes complementares, esclareceu-se ter havido desistncia do recurso a que se refere o item 79, acima transcrito. Tambm com celeridade, foi emitido douto parecer do ilustre Vice-Procurador-Geral Moacir Antnio Machado da Silva, subscrito pelo eminente Procurador-Geral da Repblica. O parecer contm o sumrio dos fatos e das razes das partes. Fez percuciente histrico do quadro constitucional, para arrematar que se o Senado Federal no dispe do poder de admitir ou no a acusao, porque o juzo sobre sua admissibilidade constitui prerrogativa constitucional exclusiva da Cmara dos Deputados (Constituio, art. 86), a denncia por crime de responsabilidade s pode ser oferecida perante esta, e no junto Cmara Alta. (Fl. 559). No tocante impugnao do prazo para defesa, o parecer d razo ao Impetrante: 54. O prazo de cinco sesses foi fixado com fundamento nos arts. 51, II, a, e 52, II, do Regimento Interno da Cmara dos Deputados, normas essas que se referem tramitao, em regime de prioridade, dos projetos e proposies de iniciativa dos Poderes Executivo e Judicirio, do Ministrio Pblico, da Mesa, de Comisso Permanente ou Especial, do Senado Federal ou dos cidados. 55. Na impossibilidade de aplicao dos arts. 21, segunda parte, e 22 e seu 1 da Lei n 1.079, de 1950, regras pertinentes defesa e instruo processual, que, em face das inovaes introduzidas pela Constituio vigente, dizem respeito ao juzo da causa (judicium causae), na esfera do Senado Federal, e no mais ao juzo de acusao (judicium accusationis), no mbito da Cmara dos Deputados, deveria esta, em obedincia ao disposto no art. 5, LV, da Constituio Federal, fixar prazo para a defesa com fundamento em outra norma pertinente do direito positivo. 56. Na ausncia de norma especfica, caberia o recurso analogia, por meio do qual se conclui que, na hiptese, s poderia ser aplicada a regra do art. 217, 1, I, do Regimento Interno, que, tratando da autorizao para a instaurao do processo, nas infraes penais comuns, contra o Presidente da Repblica, dispe: Art. 217 . .................................. 1 .............................................. I perante a Comisso, o acusado ou seu defensor ter o prazo de dez sesses para apresentar defesa escrita e indicar provas.

  • 57. Justifica ainda a incidncia dessa regra o teor do art. 38 da Lei n 1.079, de 1950, por fora do qual so subsidirias no processo e julgamento do Presidente da Repblica, no que lhes forem aplicveis, as normas do Regimento Interno da Cmara dos Deputados. 58. Nesse sentido, a deciso plenria do Supremo Tribunal Federal, deferindo, em parte, a medida cautelar, para assegurar ao impetrante o prazo de dez sesses, em substituio ao de cinco sesses, j em curso, para apresentao de defesa perante a Cmara dos Deputados, por aplicao analgica do art. 217, 1, n. I, do Regimento Interno. 59. Merece deferimento, portanto, nessa parte o mandado de segurana. (Fls. 562/3) O mesmo no sucede, entretanto, quanto forma de votao, onde o parecer confere predominncia regra do art. 23 da Lei n 1.079/50. Eis a argumentao do Ministrio Pblico Federal em torno dessa questo: 60. Relativamente modalidade de votao, h regra prpria e especfica para o caso, a do art. 23, da Lei n 1.079, de 1950, que dispe: Art. 23. Encerrada a discusso do parecer, ser o mesmo submetido a votao nominal, no sendo permitidos, ento, questo de ordem, nem encaminhamento de votao. 61. A disposio transcrita refere-se ao juzo a respeito da procedncia ou improcedncia da acusao, ou seja, ao juzo acerca de sua admissibilidade. 62. verdade que o art. 188, n II, do Regimento Interno da Cmara dos Deputados prev a votao por escrutnio secreto no caso de autorizao para instaurao do processo nas infraes penais comuns ou nos crimes de responsabilidade contra o Presidente da Repblica. 63. No que se refere aos crimes de responsabilidade do Presidente da Repblica, porm, regra aplicvel a do art. 23 da Lei n 1.079, de 1950, recebida como norma da lei especial, a que se refere o pargrafo nico do art. 85 da Constituio Federal. 64. Ressalte-se, a propsito, que o fundamento de validade e eficcia do art. 23, assim como de outras normas da Lei n 1.079, de 1950, deriva diretamente do disposto no art. 85, pargrafo nico, da Lei Maior, prevalecendo, por isso mesmo, sobre normas regimentais em sentido contrrio. Na parte em que dispe sobre a forma de votao, no tocante aos crimes de responsabilidade, o art. 188, n II, do Regimento Interno, incompatvel com a Lei n 1.079, de 1950, e, portanto, com o art. 85, pargrafo nico, da Lei Fundamental. 65. J o art. 218 do Regimento Interno, por fora do qual o processo nos crimes de responsabilidade do Presidente da Repblica obedecer s disposies da legislao especial em vigor, no acrescenta nenhum plus de fora vinculativa s regras especiais da Lei n 1.079, de 1950. 66. O pargrafo nico do art. 85 da Constituio de 1988 reproduz literalmente as regras constantes de textos constitucionais anteriores, a partir da Carta de 1946, em que foi editada a Lei n 1.079, de 1950 (CF/46, art. 89, par. nico; CF/67, art. 84, par. nico; EC n 1/69, art. 82, par. nico), no deixando dvidas quanto ao fundamento de validade do citado diploma legal. 67. Acrescente-se que o conceito de votao nominal se contrape ao de escrutnio secreto: o Regimento Interno de 15-9-36, no art. 250, na linha de normas regimentais anteriores, estabelecia como processos de votao o simblico (n. I), o nominal (n. II) e o de escrutnio secreto; o Regimento Interno de 1947, no art. 119, acrescentava a essas trs modalidades, o processo de votao automtica; o Regimento Interno de 19-8-49, no art. 134, referia-se aos trs primeiros processos, como modalidades distintas. Essa regra do art. 134 do Regimento de 1949 foi reproduzida nos textos regimentais posteriores (RI de 1-7-55, art. 139; RI de 10-3-59, art. 140; RI de 12-1-64, art. 155; RI de 31-10-72, art. 177; RI de 13-1-78, art. 175; e RI de 25-11-82, art. 175). E o prprio Regimento Interno da Assemblia Constituinte de 1946 (Resoluo n 1, de 12-3-46), no art. 65, referia-se aos trs processos de votao o simblico, o nominal e o de escrutnio secreto como conceitos distintos. 68. Por ltimo, o Regimento Interno de 21-9-89, em vigor, na mesma linha de distino, dispe no art. 184: Art. 184 . A votao poder ser ostensiva, adotando-se o processo simblico ou o nominal, e secreta, por meio de sistema eletrnico ou de cdulas. 69. No h dvidas, portanto, de que a votao nominal, a que se refere o art. 23 da Lei n 1.079, de 1950, a ostensiva nominal, que se ope votao secreta ou por escrutnio secreto. (Fls. 563/5). Passa, ento, o parecer, a refutar a alegao relativa revogao de parte das normas de direito substantivo da Lei n 1.079 pela Emenda Constitucional n 4, de 1961, sustentando, ao invs, que mudana temporria do sistema de governo no interferiu na descrio legal das infraes correspondentes. De tudo, conclui, afinal, a douta Procuradoria-Geral da Repblica: a) no nulo o ato do Presidente da Cmara dos Deputados que determina a instaurao do processo por supostos crimes de responsabilidade contra o impetrante; b) procede o mandado de segurana, na parte em que argi nulidade do prazo fixado para a defesa, mas ele improcedente quanto ao pedido de observncia do procedimento previsto no art. 217 do Regimento Interno, estabelecido para a autorizao da instaurao de processo por crime comum, e do art. 188, n. II, que se refere votao por escrutnio secreto; c) os arts. 9, 10 e 12 da Lei n 1.079, de 1950, encontram-se em vigor, no tendo sido revogados pela EC n 4, de 1961, que instituiu o sistema parlamentarista de governo no Pas.

  • 81. Em face do exposto, o parecer no sentido do deferimento parcial do mandado de segurana, tornando definitiva a deciso concessiva da liminar. (Fls. 569/70). o relatrio. VOTO O Sr. Ministro Octavio Gallotti (Relator): H um, entre os argumentos da bem lanada petio inicial, que, embora no figurando entre as assertivas a denotar maior significado no conjunto da fundamentao, nem tendo merecido algum realce na formulao conclusiva do pedido final do Impetrante, est, ainda assim, a preceder, logicamente, o exame de todos os demais argumentos. Refiro-me sustentao de que estaria, a Lei n 1.079, de 1950, revogada, em parte de sua proviso substantiva, pela Emenda Constitucional n 4, de 1961, que instituiu o regime parlamentarista de governo e, no art. 5, enumerou os crimes funcionais do Presidente da Repblica, como omisso aos atos que atentassem contra a probidade na administrao, a lei oramentria e o cumprimento das decises judicirias. A enumerao , porm, no mais que exemplificativa (confirmam-no a conjuno e o advrbio e especialmente). Mesmo porque, ao comando constitucional, cabe no caso, apenas traar a moldura para a tipificao dos crimes, a cargo da legislao ordinria. No tipific-los, ela prpria. Alm disso, a Emenda n 6, de 1963, no viria a limitar-se a declarar revogada a Emenda de n 4, de 1961, mas tambm, e expressamente, declarou restabelecido o sistema presidencial de governo institudo pela Constituio de 1946, salvo o disposto no seu art. 61. Ora, precisamente dessa temporria abolio do regime presidencialista, que havia resultado a mais acanhada exemplificao das figuras de crimes funcionais (ou de responsabilidade), atribuveis ao Presidente da Repblica. Teria bastado, portanto, o restabelecimento do presidencialismo de 1946, ditado pelo poder constituinte (Emenda n 6), como solar repristinao da norma supostamente revogada, se necessrio fosse recorrer ao argumento; pois revogao, como disse, no entendo que chegara a ocorrer. No tocante aos crimes de responsabilidade do Presidente da Repblica, no demais recordar que, sob a regncia das anteriores Constituies, competia, Cmara dos Deputados, a prolao de um juzo de procedncia da acusao, agora substitudo, no regime da Constituio de 1988, por um voto de autorizao da Cmara (art. 51, I) ou de admisso (art. 86) da denncia, para que venha a ser instaurado o processo, pelo Senado Federal. A este, confirmou a Constituio, a competncia para julgar o Presidente, deixando agora explcito, competir-lhe, igualmente o processo correspondente (art. 52, I). Dessa alterao, nascem todas as questes suscitadas em torno da compatibilidade da Lei n 1.079, de 1950, com o ordenamento constitucional em vigor, a comear pela identificao da casa do Congresso Nacional, perante a qual pode ou deve ser apresentada a denncia. Penso ser, nesse ponto, irrecusvel, que a Cmara dos Deputados, onde se desenrola a fase do juzo prvio de admissibilidade da denncia, o rgo naturalmente indicado para originariamente acolh-la. S aps receber a autorizao, que se desencadeia a competncia do Senado Federal, como deixa claro, alis, o seu Regimento Interno, no art. 380. Se essa considerao vem poupar, na Lei n 1.079/50, a validade do art. 14 (que permite a qualquer cidado oferecer a denncia, perante a Cmara), o mesmo no continua a suceder, na vigncia da Constituio de 1988, com as normas daquela mesma lei, referentes ao exerccio do direito de defesa. Mostra-se, nesse particular, irretocvel a observao, antecipada pelo eminente Ministro Moreira Alves; quando do exame da medida liminar requerida neste mandado de segurana (sesso de 10-9-92), no sentido de que no foram tais regras (as que dizem respeito ao direito de defesa), recebidas pela atual Constituio, pois disciplinavam um processo, hoje suplantado, que culminava em julgamento de pronncia, ou impronncia. Persevero, por isso, na convico de que, falta de lei vigente, impe-se, para a regncia do exerccio do direito de defesa, o recurso subsidirio ao Regimento Interno da Cmara e, no bojo deste, ao art. 217, cujo item I, pertinente ao direito de defesa, j foi liminarmente aplicado neste feito, pelo Supremo Tribunal. Pelas mesmas razes de analogia, julgo impor-se a adoo do rito estabelecido nos demais incisos do caput do art. 217, citado, ante a ausncia de outro procedimento previsto, no Regimento da Cmara, para hiptese assemelhvel presente. Veja-se que, tanto no caso dos crimes comuns (explcito objeto do art. 217), como nos de responsabilidade, agora cogitados, a instruo para julgamento feita, no Supremo Tribunal ou no Senado, aps a autorizao dos Deputados, o que no dispensa a previso de algum rito processual consubstanciado em regras prvias e abstratas ainda na Cmara, como reconheceu, alis, o Regimento, ao disciplinar a autorizao para o processo por crime comum (art. 217). certo que as doutas informaes anotam a diversidade de natureza, entre os crimes de responsabilidade, de que ora se trata, e os comuns, a que literalmente se dirige o art. 217, citado, e apelam para o uso do prazo do art. 52, II, do mesmo Regimento Interno, destinado ao exame, pelas Comisses congressuais, das proposies em regime de prioridade, entre as quais se inscrevem os projetos de iniciativa dos cidados (art. 151, II, a), assim considerada a denncia apresentada Cmara. Mas, entre um prazo de observncia interna assinado s Comisses para o exame de projetos e outro, concedido no prprio Regimento, para a defesa do Presidente da Repblica (mesmo em caso de crime comum), parece evidente recair, sobre este

  • ltimo (o prazo de defesa do art. 217), a maior proximidade de situaes, requerida para a aplicao da analogia. E, na mesma linha de raciocnio (semelhana de situaes), cabe a aplicao do restante do rito do 1 do art. 217 do Regimento da Cmara. Assim definida a utilizao daquele Regimento para a disciplina do exerccio da defesa, mantido, e ampliado, nesse ponto, o juzo liminar anteriormente emitido, cabe ingressar na controvrsia ensejada pelo indisfarvel conflito entre as normas do art. 23 da Lei n 1.079/50 e do art. 188, II, do Regimento Interno da Cmara, uma e outra abaixo reproduzidas: Lei n 1.079 Art. 23 Encerrada a discusso do parecer, ser o mesmo submetido a votao nominal, no sendo permitidas, ento, questes de ordem, nem encaminhamento de votao. Regimento Interno Art. 188 A votao por escrutnio secreto far-se- pelo sistema eletrnico, nos termos do artigo precedente, apurando-se apenas os nomes dos votantes e o resultado final, nos seguintes casos: ...............................................................

    II autorizao para instaurao de processo, nas infraes penais comuns, ou nos crimes de responsabilidade, contra o Presidente e o Vice-Presidente da Repblica e os Ministros de Estado. Pela aplicao da primeira a norma legal optou a autoridade apontada como coatora (Presidente da Cmara dos Deputados); ao passo que, pela incidncia da segunda a norma regimental bate-se o Impetrante. Ora, a Constituio de 1988, a exemplo do que haviam feito as anteriores, de 1946 a 1967, aps enumerar os crimes de responsabilidade do Presidente da Repblica, ali especialmente considerados, reiterou, no pargrafo nico do seu art. 85: Pargrafo nico Esses crimes sero definidos em lei especial, que estabelecer as normas de processo e julgamento. H, portanto, no caso, uma explcita reserva de lei formal (lei especial), que no seria lcito olvidar, para que se pudesse cuidar de abrir campo de validade aplicao de norma regimental (o art. 188, II), redigida em patente desalinho com a lei. Existe, com efeito, a lei prevista na Constituio ( a Lei n 1.079/50 ) e, no ponto que agora interessa (art. 23, acima transcrito), no vejo como se lhe possa irrogar incompatibilidade com a Carta de 1946 (sob cuja gide foi elaborada), nem com as ulteriores, especialmente a promulgada em 1988. A Constituio de 1946 concentrava, no art. 43 (mediante remisso a outros dispositivos), todos os casos estabelecidos para o voto secreto parlamentar e, entre eles, no se arrolava o processo e julgamento de crimes de responsabilidade. Comentando esse dispositivo, afirmou Pontes de Miranda: 3) Publicidade e voto secreto O voto nas cmaras somente secreto: nas eleies, quaisquer que sejam; tratando-se de licena para processo de membro da cmara; nas escolhas de magistrados, Procurador-Geral da Repblica, Ministros do Tribunal de Contas, Prefeito do Distrito Federal, membros do Conselho Nacional de Economia, chefes de misso diplomtica de carter permanente; na fixao da ajuda de custo dos membros do Congresso Nacional e do subsdio deles e do Presidente e Vice-Presidente da Repblica; na aprovao do projeto vetado; na apreciao da declarao do estado de stio pelo Presidente da Repblica e das medidas adotadas. Ao tempo do Imprio, a Constituio de 1824, art. 24, punha por princpio, como hoje, a publicidade das sesses, mas, em vez de dizer quais as que seriam secretas, deixava-o verificao dos prprios Deputados e Senadores. A tcnica republicana foi diferente. A tese da excepcionalidade da votao secreta, s determinada pela Constituio, foi levantada na Cmara dos Deputados, em 1951. O lder da maioria, deputado Gustavo Capanema e o relator da questo na Comisso de Justia, deputado Antnio Horcio, defenderam-na, energicamente. Disse o relator: A votao pblica constitui a regra geral, o processo costumeiro, nos parlamentos livres; no possvel negar, ou, sequer, atenuar, o imperativo categrico dessa verdade, proclamada, unanimemente, por comentadores, estadistas e socilogos, tanto nacionais, como estrangeiros, Pontes de Miranda escreve: O voto nas cmaras secreto nas eleies e nos demais casos especificados no art. 43 da Constituio. No regime pluripartidrio, em Constituio que mandou atender-se representao dos partidos nas comisses e adotou outras medidas de responsabilizao, difcil explicar-se esse receio de votao aberta. O eleitor que deve votar secretamente; no, o eleito. O voto secreto excepcional. Nenhum dos corpos legislativos pode deliberar que a votao seja secreta: pode, no entanto, fazer secreta a discusso dos projetos, em resoluo in casu. 4) Razo da publicidade O sigilo nas votaes, se, por um lado, atende liberdade de no-emitir o pensamento, a despeito da emisso para efeito de contagem, por outro lado evita que temperamentos menos corajosos se abstenham de votar, ou temperamentos exibicionistas tomem atitudes escandalosas ou insinceras. No regime pluripartidrio, em Constituio que mandou atender-se representao dos partidos nas comisses e adotou outras medidas de responsabilizao, difcil explicar-se esse receio da votao aberta. O eleitor que deve votar secretamente (h razes da tcnica para isso); no, o eleito. As votaes no-secretas, nos casos do art. 43, so nulas: e o controle judicial permitido, para decretao da inconstitucionalidade. Tem-se procurado interpretar o art. 43 como se ele apenas exigisse que, nos casos apontados, o voto seja secreto, deixando-se elaborao de regras jurdicas regimentais o estabelecerem outras espcies em que pode ser secreta a deliberao de qualquer das cmaras. Segundo tal opinio, portanto, os regimentos poderiam ser acordes em fazer secretas as suas respectivas votaes, ou um as fazer e outro no, ou em deixarem, ou um s deixar, que se possa pedir, em cada caso, que a votao seja secreta. Tal interpretao desatende tradio brasileira, que a da publicidade das votaes em qualquer das cmaras. Outrossim, se no existisse, no sistema jurdico constitucional do Brasil, regra jurdica, implcita, que diz: As votaes de qualquer das Cmaras sero pblicas poderiam os regimentos ou um deles estatuir que todas as votaes fossem secretas. Ora, o absurdo ressalta. certo que os regimentos poderiam ser observados, a despeito da

  • inconstitucionalidade, e teramos as votaes das leis sem a incidncia do princpio da publicidade das votaes, mas seria de esperar-se que a apreciao judiciria repeliria tal prtica e tal regra jurdica regimental. (Comentrios Constituio de 1946, 3 ed., 1946, Tomo II, pgs. 403/4). Em torno do mesmo dispositivo, ponderou Carlos Maximiliano: 292 Em um regime democrtico devem os governos agir luz meridiana, expondo todos os seus atos ao estudo e crtica dos interessados e dos competentes. A publicidade ainda mais necessria, em se tratando das palavras e votos de congressistas, que no tm seno a responsabilidade moral e so mandatrios diretos do povo. Quando erram o castigo nico a repulsa geral e a falta de sufrgios quando pleiteiem a reeleio. (Comentrios Constituio Brasileira, 5 ed., 1954, vol. II, pg. 39). Esse mesmo quadro prevalece, na Constituio atual, que, da outra (1946), difere somente no plano da tcnica de sistematizao legislativa, pois as hipteses de votao secreta, ao invs de se agruparem em determinado dispositivo, dispersas passaram a figurar, em razo de cada uma das matrias a ser objeto de deliberao pelas Casas do Congresso. Mas conservando, ainda assim, o signo de uma excepcionalidade que no se dirigia, e no se dirige, ao caso do processo e julgamento dos crimes de responsabilidade, pois no foi ele contemplado em nenhuma das hipteses constitucionais de escrutnio secreto. No vislumbro, portanto, como essa garantia, jamais assegurada pela Constituio, em referncia ao denunciado por crime de responsabilidade, no pudesse haver sido descartada como claramente o foi pela lei especial a que a mesma Constituio reservou a disciplina do processo e julgamento de tal espcie de crime. certo que a Constituio de 1988 como j salientado neste voto sensivelmente alterou o regime pretrito, ao substituir o antigo juzo de procedncia da denncia (freqentemente comparado ao de pronncia, a cargo da Cmara dos Deputados) por um voto de autorizao ou admisso (que tem sido assemelhado a uma licena para o processo). compreensvel que essa modificao repercuta sobre as normas da lei ordinria, referentes ao exerccio do direito de defesa cuja extenso se dever ater finalidade do processo onde se acha inserido esse direito, como tambm j de incio frisei mas no vejo possa o mesmo suceder em relao forma de manifestao da Cmara dos Deputados, ou seja, para vir-se a estabelecer se o voto nominal (como quer a lei) ou secreto (como preferiu o Regimento). Para a escolha da forma da votao (secreta ou ostensiva), que diferena ou peculiaridade se depara, ao intrprete, entre servir a uma certa forma de deliberao com carter de pronncia ou a outra, com o cunho de licena? Penso que nenhuma. Entendo, ainda, que o fato de s vir o processo a instaurar-se no Senado Federal no significa a total excluso de alguma atividade de natureza processual, certamente indispensvel a informar a deliberao, no mbito da Cmara a que continua competindo a emisso do juzo de admissibilidade da denncia. Na disciplina da forma de manifestao da vontade do Plenrio da Cmara (votao secreta ou ostensiva), deve, portanto, prevalecer a norma de lei formal, obediente reserva constitucional (pargrafo nico do art. 85). Ainda que se queira relegar a formalizao daquele ato (o escrutnio) cuja importncia neste feito mesmo realada pela monta dos interesses e direitos em disputa, releg-la (repito) dimenso ou natureza de objeto de preceito meramente procedimental, s poderiam os atos de tal ndole, ditos procedimentais (assim rotulados, ou subestimados) ser disciplinados, pelo Regimento da Cmara, em carter supletivo ou subsidirio. Ou seja, na falta de lei, e no para substitu-la, quando ela exista, como no caso existente e vigora, no ponto que interessa ao escrutnio. Em resumo, so pois concluses deste meu voto: 1) est em pleno vigor, na sua parte substantiva, a Lei n 1.079/50, porque em nada foi revogada pela Emenda n 4, Constituio de 1946, e, caso o houvesse sido, haveria ficado restabelecida, a partir da Emenda n 6; 2) pode a denncia ser originariamente apresentada Cmara dos Deputados, Casa perante a qual est sujeita a juzo prvio de admissibilidade; 3) para a autorizao ou admisso da denncia, pela Cmara dos Deputados, merecem obedincia, por analogia, os prazos e o rito de procedimento contido no 1, e seus incisos, do Regimento daquela Casa do Congresso; 4) no estando a autorizao, para processar o Presidente da Repblica, inscrita entre os casos sujeitos ao escrutnio secreto pela Constituio, e havendo esta (art. 85, pargrafo nico) remetido, lei especial, o processo e julgamento dos crimes de responsabilidade atribudos ao Chefe do Poder Executivo, deve ser nominal a votao, nos expressos termos do art. 23, da Lei 1.079, de 1950. Ante o exposto, defiro, em parte, o pedido, para determinar que se observe o procedimento contido nos incisos do 1 do art. 217 do Regimento Interno da Cmara dos Deputados, aprovado pela Resoluo n 17, de 1989. VOTO O Sr. Ministro Ilmar Galvo: O Supremo Tribunal Federal j afirmou sua competncia para conhecer de leses a direito, partidos do Poder Legislativo, por qualquer de suas Casas, no apenas em funo de ofensa direta Constituio, mas tambm lei e a seus prprios regimentos. Tal aconteceu, entre outras oportunidades, por ocasio do julgamento do MS n 20.941 e, ainda, recentemente, quando da apreciao do pedido de liminar reduzido neste mandado de segurana. O que defeso ao Poder Judicirio nunca demais repetir no apenas no que concerne ao Poder Legislativo, mas, de igual modo, na esfera dos demais Poderes, imiscuir-se nas questes de mrito, de convenincia, de oportunidade, de fundo, sobre as quais tenham eles competncia para pronunciar-se, acerca das quais tenham plena autonomia de ao.

  • Conforme percucientemente acentua Celso Bastos, (artigo na Folha de So Paulo, edio de 20-9-92), como o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judicirio no atuam fora dos quadrantes da lei, todo o enquadramento de sua atividade decorre da Constituio, das leis e do regimento. Assim, toda vez que houver violncia a quaisquer desses nveis normativos, cabe ao Poder Judicirio repor a ordem jurdica malferida. As Cmaras Legislativas no esto dispensadas da observncia da Constituio, da lei em geral e do Regimento Interno em especial, adverte Alfredo Buzaid (Do Mandado de Segurana, Saraiva, 89, pg. 130). Mesmo porque, observa Gomes Canotilho (Direito Constitucional, 5 ed. Almeidina, pg. 941), ... o acto normativo que estabelece as normas necessrias organizao e funcionamento da Assemblia da Repblica (no caso, em Portugal), no um regulamento, mas um estatuto, uma lei estatutria. No presente caso, portanto, o que se pe fora do alcance de apreciao do Supremo Tribunal Federal, por tratar-se de matria discricionria, de natureza poltica, o poder, que cabe Cmara dos Deputados, de autorizar, ou de no autorizar, a instalao de processo contra o Presidente da Repblica. Os requisitos de validade da denncia, o modo como ela recebida, sua leitura, a nomeao de Comisso Especial e a deciso do Plenrio, so formalidades que podem estar previstas na Constituio, em leis ou no Regimento Interno. Se a Constituio, a lei ou o Regimento Interno, no espao que lhes est reservado pela Constituio, estabelece um procedimento a ser atendido, no fica a critrio da autoridade, do rgo, ou do Poder, observ-lo. Entendimento em sentido contrrio, valeria pela negao do Estado de Direito e pela instaurao do regime do arbtrio. Assentadas essas diretrizes, veja-se o que se pleiteia neste mandado de segurana e examine-se se o pedido , ou no, insuscetvel de ser apreciado pelo Supremo Tribunal Federal. Impugna o Impetrante o ato da Presidncia da Cmara dos Deputados que, em face de denncia contra ele oferecida Casa Legislativa, por crime de responsabilidade, respondendo a questo de ordem, fixou prazo especial para a defesa, diverso do previsto na Lei n 1.079 e no art. 217 do Regimento Interno, e definiu, como modo de votao da matria, pelo Plenrio, o processo nominal. Invocando o princpio do devido processo legal, postula o Impetrante sejam aplicadas, no que concerne ao rito, por analogia, as regras do mencionado art. 217 do Regimento Interno e, para a votao, a modalidade de escrutnio preconizada no art. 188, n II, do mesmo diploma. A primeira questo, que diz com o direito de defesa, de competncia incontestvel do Poder Judicirio e, especialmente, do Supremo Tribunal Federal, j que se trata de garantia fundamental do indivduo, consagrada na Constituio, de que a Corte foi erigida suprema guardi (art. 102 da CF/88). Nenhuma outra questo se eleva, como essa, na pertinncia que tem com a funo jurisdicional. Negar essa realidade negar todo direito e, conseqentemente, a razo de ser dos prprios tribunais. A segunda, respeitante ao critrio de escrutnio, se no reveste tamanha relevncia, tambm no se mostra imune ao controle judicial. Trata-se, como se percebe, de requisito formal que, em certas circunstncias, regulado pela prpria Constituio, em face de sua transcendncia. Em outras, a prpria lei que o disciplina. Em inmeros casos outros, matria confiada ao Regimento Interno. Por fim, hipteses registram-se em que se trata de disposio reservada discrio da mesa Diretora da Casa Legislativa. Assim sendo, no h que se falar em questo sujeita a exclusivo critrio discricionrio do Presidente da Casa, da Comisso Diretora ou da prpria Cmara, seno na ltima hiptese mencionada, seja, quando a escolha da modalidade de escrutnio de alada de qualquer dos rgos mencionados. Ainda a, entretanto, para que tal declare, em termos definitivos, pode vir a ser requerido o pronunciamento do Poder Judicirio. Se o controle judicial inafastvel, em hiptese tais, mais indeclinvel anda exsurge, nas demais, em que o modelo de votao regulado pela Constituio, pela Lei, ou pelo Regimento, porque quando tal acontece, o procedimento estabelecido de ser observado, sem margem discricionariedade. Resulta, portanto, de exposto, que se est diante de duas questes que no podem ser excludas da apreciao do Supremo Tribunal Federal. Antes de examin-las, cumpre definir o papel que a Constituio de outubro/88 reservou Cmara dos Deputados, nos processos de crime de responsabilidade do Presidente da Repblica. No regime anterior, que remonta Carta de 1946, j que as Constituies de 1967 e de1969, o mantiveram no essencial, cabia Cmara dos Deputados declarar procedente a acusao, remetendo o processo a julgamento do Senado Federal. Tratava-se de procedimento semelhante ao dos processos de competncia do Tribunal do Jri. A lei que o regulamentou a de n 1.079/50 em obedincia ao mandamento contido no pargrafo nico do art. 89, por isso mesmo, no art. 80, conceituou a Cmara dos Deputados como tribunal de pronncia e o Senado Federal, como tribunal de julgamento. E, coerentemente, nos moldes do que ocorre com os processos de competncia do Tribunal do Jri, instituiu, nesse primeiro foro, da Cmara, dois juzos, um de deliberao sobre a denncia, correspondente ao de recebimento, ou no, da aludida pea, e o de precedncia da denncia que equivale ao juzo de pronncia propriamente dito (judicium accusationis). No ficou a a referida lei: regulou, minunciosamente, cada passo do procedimento a ser cumprido em ambas as etapas, a partir do ato de recebimento material da denncia. Admitiu, portanto, como sendo de natureza processual todo o iter procedimental, interpretando, por essa forma, de modo extensivo, a prefalada norma do art. 88, pargrafo nico, que assim dispunha: Art. 88. (...)

  • Pargrafo nico. Esses crimes sero definidos em lei especial, que estabelecer as normas de processo e julgamento. Inovao considervel foi introduzida pela Constituio de 1988, no processo de crime de responsabilidade, no apenas no que concerne distribuio de competncia pelas duas Casas do Poder Legislativo, mas tambm no que tange ao rito. Com efeito, houve supresso da fase relativa pronncia, na Cmara dos Deputados. J no compete a essa Casa Legislativa o exerccio do judicium accusationis, mas to somente o juzo de admissibilidade da denncia, ou, mais propriamente, o juzo de procedibilidade. o que dispe o art. 86 da CF/88, verbis: Art. 86. Admitida a acusao contra o Presidente da Repblica, por dois teros da Cmara dos Deputados, ser ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infraes penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade. certo que a expresso admitida a acusao, por englobar o dispositivo crimes de responsabilidade e crimes comuns, haver de ser entendida, em relao a esses ltimos, como referido to-somente simples aquiescncia, autorizao ou licena que nem por isso perde o carter de juzo de procedibilidade , j que o juzo de deliberao sobre a denncia de competncia privativa do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, b, da mesma Carta). No que concerne, entretanto, aos crimes de responsabilidade, encerra ela os dois juzos: o de procedibilidade e o de deliberao, expressos, finalmente, em caso de serem eles positivos, na autorizao aludida no art. 51 da CF, in verbis: Art. 51. Compete privativamente Cmara dos Deputados: I autorizar, por dois teros de seus membros, a instaurao de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da Repblica... Trata-se, assim, de pronunciamento que, alm da natureza discricionria de que se reveste, no que refere critrios polticos de oportunidades e convenincia, tem irrecusvel contedo jurdico-processual, j que resultante do exerccio de juzo de procedibilidade. Por isso mesmo, h de ser regulado por lei, como entendido pelo legislador de 1950, diante da Carta de 1946, cujo o dispositivo, no particular, liberalmente reproduzido na de 1988, verbis: Art. 86. (...) Pargrafo nico. Esses crimes sero definidos em lei especial, que estabelecer as normas de processo e julgamento. Na verdade, a Lei n 1.079/50, no se limitou a regular a fase processual conducente pronncia, tendo-o feito, igualmente, no que diz respeito ao juzo de deliberao sobre a denncia, o que fez, sem nenhuma dvida, porque persuadido de que no podia desprezar o aspecto jurdico-processual do mencionado juzo. Mantida que restou, como se viu, na competncia da Cmara dos Deputados, a competncia para a edio do aludido ato autorizativo da instaurao do processo por crime de responsabilidade, com praticamente as mesmas caractersticas da primeira fase, do judicium de deliberao sobre a denncia que lhe reservara a Carta de 1946, nada mais compatvel com essa circunstncia, do que a norma do art. 218, do Regimento Interno da Cmara dos Deputados, ao dispor, verbis: Art. 218. O processo nos crimes de responsabilidade do Presidente e do Vice-Presidente e de Ministro de Estado obedecer s disposies da legislao especial em vigor. A remisso no pode ser entedida seno como dirigida citada Lei n 1.079/50, no padecendo dvida de que foi o referido diploma legal recepcionado pela ordem vigente, no que no incompatvel com a nova Carta. Essa incompatibilidade no existe, no que tange modalidade da votao que, tanto para a primeira fase, de deliberao sobre a denncia, ainda da competncia da Cmara, como para a seguinte, de pronncia suprimida est fixada no art. 22, como sendo a votao nominal. certo que o Regimento Interno disps em sentido contrrio, no art. 188, II, ao instituir, expressamente, para o ato, a votao por escrutnio secreto. Ao faz-lo, todavia, laborou em terreno que lhe era vedado, porque reservado lei. No h que se falar, a, em antinomia de normas (art. 218 e 188, II) que, por serem da mesma data e da mesma fonte, desde que inconciliveis, no se haveria de resolver, como preconizado nas informaes, pela simples desconsiderao de uma delas, mas sim, de ambas (interpretao ab-rogante) mas de inconstitucionalidade da norma do art. 188, II, pela razo apontada. J no que concerne ao prazo de defesa, a soluo no a mesma. Efetivamente, no que se refere primeira fase prevista para desenvolver-se perante a Cmara dos Deputados isto , a que acima se convencionou chamar fase de deliberao sobre a denncia, acerca da qual, pelo raciocnio acima desenvolvido, pode-se ter por vigente a Lei n 1.079, no previu o citado diploma legal prazo para defesa do acusado, tendo-o institudo em sistema de defesa concentrada, a verificar-se na segunda fase, da pronncia. Acontece, porm, que, suprimida essa fase pela Constituio, j no h falar-se em prazo de defesa institudo por lei. Assim sendo, agiu corretamente e Impetrado quando, por imperativo contido na prpria lei, art. 38, recorreu subsidiariamente ao Regimento Interno. De efeito, dispe o referido dispositivo: Art. 38. No processo e julgamento do Presidente da Repblica e dos Ministro de Estado, sero subsidirios desta lei naquilo em que lhes forem aplicveis, assim os regimentos internos da Cmara dos Deputados e do Senado Federal, como o Cdigo de Processo Penal. At a agiu irrepreensivelmente o Impetrado.

  • Onde incidiu em ilegalidade, foi no ponto em que, ausncia de disposio regimental especfica para o caso, aplicou, por analogia, prazo que no est estipulado para as partes, mas para as Comisses da Casa, como o do art. 52, II, do Regimento Interno. Com efeito, dispe esse dispositivo textualmente: Art. 52. Excetuados os casos em que este regimento determine de forma diversa, as Comisses devero obedecer aos seguintes prazos para examinar as proposies e sobre elas decidir: ...

    II cinco sesses, quando se tratar de matria em regime de prioridade. Ora, no se est, a diante de prazo para a defesa, nem para as partes, mas sim para as Comisses. Se assim , em absoluto, o dispositivo que o estipula no poderia ser aplicado subsidiariamente, como afirmado pelo Impetrado, para regular o prazo que h de ser concedido ao Impetrante. Nem subsidiariamente, nem muito menos por analogia, cumpre afirmar-se, de logo. que a analogia consiste em aplicar a hiptese, no prevista especialmente em lei, disposio relativa a caso semelhante. processo de integrao do sistema jurdico que se baseia no argumento de semelhante a semelhante, na linguagem das Ordenaes. Para que se permita o recurso analogia, exige-se a concorrncia dos trs requisitos ensina, com a clareza e a simplicidade de sempre Washington de Barros Monteiro (Curso, 1 vol., Saraiva, 77, pag. 39): a) preciso que o fato considerado no tenha sido especificamente objetivado pelo legislador; b) este (o legislador), no entanto, regula situao que apresenta ponto de contato, relao de coincidncia ou algo de idntico ou semelhante; c) finalmente, requer-se que esse ponto comum s duas situaes (a prevista e a no prevista), haja sido o elemento determinante ou decisivo na implantao da regra concernente situao considerada pelo julgador. Verificado o simultneo concurso desses requisitos, legitimado est o emprego da analogia, o que no deixa de ser lgico, pois fatos semelhantes exigem regras semelhantes. Considerados esses ensinamentos, chega-se, sem maior esforo de imaginao, concluso de que, como trabalho de Comisso, nada tem a ver com a defesa de acusado, a norma que estipula prazo para a primeira hiptese, jamais poder ter aplicao segunda. Tendo-se presente, entretanto, como teve o Impetrado, que inexiste norma expressa disciplinadora da defesa do acusado, no procedimento tedente ao juzo de admissibilidade do processo de crime de responsabilidade do Presidente da Repblica, e considerando-se, ainda, a inevitabilidade de concesso de oportunidade para esse mister, ponto em que, por igual, conveio o Impetrado, fora de dvida que se enseja tentativa de integrao do Regimento Interno por via da analogia. Ainda sem qualquer dificuldade, perlustrando-se o Regimento Interno da Cmara dos Deputados, verifica-se que regula ele hiptese anloga que se tem em vista, seja, o procedimento para a autorizao de processo por crime comum atribudo ao Presidente da Repblica, perante o Supremo Tribunal Federal (art. 217 do RI). Trata-se de situaes que a prpria Constituio assemelhou, como j foi assinalado, nos arts. 51, I, e 86, caput. O ponto comum que as identifica ressalta evidncia: em ambas as hipteses persegue-se pronunciamento discricionrio da Casa Legislativa, que tem o carter de pressuposto de procedibilidade contra o Presidente da Repblica. Nada mais apropriado ao ensejo da analogia, para suprimento da aparente omisso da lei, e do Regimento, do que a referida norma do art. 217. Afasto, por fim, a alegao, tambm deduzida na inicial, de que a Lei n 1.079/50 est revogada h muito tempo, mais precisamente, desde a edio da EC n 4/61, que suprimiu do ordenamento jurdico brasileiro o crime de responsabilidade do Presidente da Repblica, por entender que a EC n 6/63, ao restabelecer o sistema presidencial de governo institudo pela Constituio Federal de 1946, produziu a repristinao, no apenas das normas integrantes da Constituio, mas tambm de todas as leis que as regulamentavam. Ante o exposto, meu voto no sentido de conceder apenas em parte a segurana, para o fim de anular o ato impugnado, na parte em que fixou, para a defesa do impetrante, e para os atos instrutrios respectivos, ritual diverso do previsto no art. 217, 1, do Regimento Interno da Cmara dos Deputados, institudo pela Resoluo n 17, de 21 de setembro de 1989. VOTO O Sr. Ministro Carlos Velloso: O impeachment, segundo Pedro Lessa, que o visualizou sob a tica da Constituio da 1 Repblica, por sua origem e por sua essncia um instituto poltico ou de ndole constitucional e por seus efeitos e confluncias de ordem penal (voto no HC n 4.091, de 1916, ap. Fabio Comparato, Rev. do Advogado, AASP, suplemento, setembro/1992), instrumento que, segundo o Ministro Paulo Brossard, originrio da Inglaterra e adaptado pelo Estados Unidos, a Constituio consagra para o fim de tornar efetiva a responsabilidade do Poder Executivo, fiel ao princpio de que toda autoridade deve ser responsvel e responsabilizvel (O impeachment, Saraiva, 2 ed., 1992, pgs. 4/5). Tradicional no constitucionalismo brasileiro, interessa-nos, entretanto, neste voto, examin-lo a partir da Constituio de 1946, dado que a Lei n 1.079, de 10-4-1950, foi editada sob o plio dessa Carta Poltica. Assim dispunha a Constituio de 1946 a respeito do impeachment: Art. 88 O Presidente da Repblica, depois que a a cmara dos Deputados, pelo voto da maioria absoluta dos seus membros, declarar procedente a acusao, ser submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal nos crimes comuns, ou perante o Senado Federal nos de responsabilidade.

  • Pargrafo nico. Declarada a procedncia da acusao, ficar o Presidente da Repblica suspenso das suas funes. Art. 89 So crimes de responsabilidade os atos do Presidente da Repblica que atentarem contra a Constituio Federal e, especialmente contra: I a existncia da Unio; II o livre exerccio do Poder Legislativo, do Poder Judicirio e dos Poderes constitucionais dos Estados; III o exerccio dos direitos polticos, individuais e sociais; IV a segurana interna do Pas; V a probidade na administrao; VI a lei oramentria; VII a guarda e o legal emprego dos dinheiros pblicos; VIII o cumprimento das decises judicirias. Pargrafo nico. Esses crimes sero definidos em lei especial, que estabelecer as normas de processo e julgamento. Art. 59 Compete privativamente Cmara dos Deputados: I a declarao, pelo voto da maioria absoluta dos seus membros, da procedncia ou improcedncia da acusao contra o Presidente da Repblica, nos termos do art. 88, e contra os Ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da Repblica. Art.62 Compete privativamente ao Senado Federal: I julgar o Presidente da Repblica nos crimes de responsabilidade e os Ministros de Estado nos crimes da mesma natureza conexos com os daquele. A Constituio de 1967 registra o parecer da Procuradoria-Geral da Repblica, lavrado pelo ilustre Subprocurador-Geral Moacir Antnio Machado da Silva, manteve a mesma disciplina da Carta de 1946, nos arts. 42, I, 44, I, 84 e 85. Estabeleceu, no entanto o quorum de dois teros dos membros da Cmara dos Deputados, em lugar da maioria absoluta, para a declarao de procedncia da acusao contra o Presidente da Repblica, enquanto o 2 do art. 85 fixou o prazo de sessenta dias para o julgamento pelo Senado Federal, findo o qual, se no estivesse concludo, o processo seria arquivado. A EC n 1, de 1969, reproduziu quase literalmente os preceitos da Constituio de 1967 concernentes ao assunto. E chegamos a 1988. Dispe a Constituio promulgada a 5 de outubro daquele ano: Art. 86. Admitida a acusao contra o Presidente da Repblica, por dois teros da Cmara dos Deputados, ser ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infraes penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade. 1 O Presidente ficar suspenso de suas funes: (...) II nos crimes de responsabilidade, aps a instaurao do processo pelo Senado Federal. 2 Se,decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento no estiver concludo, cessar o afastamento do Presidente, sem prejuzo do regular prosseguimento do processo. Art. 51. Compete privativamente Cmara dos Deputados: I autorizar, por dois teros de seus membros, a instaurao de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da Repblica e os Ministros de Estado. Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: I processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da Repblica nos crimes de responsabilidade e os Ministros de Estado nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles. Vejamos o que mudou. A Constituio de 1988, no art. 86, caput, estabelece que, admitida a acusao contra o Presidente da Repblica,... ser ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infraes penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade. Depois, no 1, II, do mesmo artigo 86, est escrito: 1 O Presidente ficar suspenso de suas funes: II nos crimes de responsabilidade, aps a instaurao do processo pelo Senado Federal. No art. 51, I, fala-se em autorizao para instaurao do processo, autorizao que ser concedida pela Cmara dos Deputados. A Constituio de 1946 dispunha, no art. 88, que a Cmara declararia a procedncia da acusao, aps o que o Presidente da Repblica seria submetido a julgamento perante o Senado Federal nos crimes de responsabilidade. No art. 59, I, que Cmara dos Deputados competia, privativamente, a declarao da procedncia ou improcedncia da acusao contra o Presidente da Repblica. Quanto ao Senado, a Constituio de 1988 deixa expresso que a ele, Senado, compete, privativamente, processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da Repblica nos crimes de responsabilidade... (art. 52, I). O art. 86, caput, e inciso II, ratificam o estabelecido no art. 52, I. Na Constituio de 1946, entretanto, competia privativamente ao Senado julgar o Presidente da Repblica nos crimes de responsabilidade (art. 62, I), depois que a Cmara declarasse a procedncia da acusao (arts. 59, I, 88, pargrafo nico). Verifica-se, pois, que, nas Constituies de 1946 e 1967, esta com e sem a EC n 1/69, o Senado Federal constituia-se, apenas, em tribunal de julgamento, j que Cmara dos Deputados cumpria declarar a procedncia ou improcedncia da acusao (CF/1946, art. 88, pargrafo nico; art. 59, I).

  • Uma coisa, entretanto, parece certa no regime da Carta de 1988: a Cmara, diante da denncia oferecida contra o Presidente da Repblica, no deve limitar-se a simplesmente conceder ou no a autorizao. Cabe-lhe, certo, para a concesso ou no da autorizao, examinar a admissibilidade da acusao. Isto est expresso no art. 86, caput, da Constituio vigente. Assim, o art. 51, I, h de ser interpretado em consonncia com o citado art. 86, do que resulta a concluso no sentido de que pode a Cmara dos Deputados rejeitar a denncia, a denncia que, na forma do art. 14 da Lei n 1.079, de 1950, poder ser apresentada por qualquer cidado. Posta assim a questo, fora concluir que o procedimento do impeachment teve incio correto na Cmara dos Deputados. Esto recepcionado pela Constituio de 1988, portanto, est outra concluso a que se chega, os artigos 14 a 18 da Lei n 1.079, de 1950, que estabelecem (l). Da mesma forma o art. 19, inclusive no ponto em que cuida da criao de comisso especial, que dever emitir parecer sobre a denncia e proceder s diligncias que julgar necessrias ao seu esclarecimento (art. 20). Isto, ao que pude apreender dos debates, foi observado. As normas inscritas nos artigos 21 e 22, da Lei n 1.079, de 1950, parecem-me mais adequadas ao processo de julgamento da denncia e no ao procedimento de sua admissibilidade, admissibilidade que tem, no seu cerne, contedo poltico intenso, dada a prpria natureza do impeachment, que um instituto poltico. nesse sentido, alis, a lio do Prof. Miguel Reale, em artigo publicado em O Estado de So Paulo de 15-9-92, a dizer que Cmara cabe editar um juzo poltico quanto admissibilidade da acusao, enquanto que do Senado a competncia exclusiva para o processo e o julgamento do acusado. Acrescenta o eminente mestre que a Cmara limita-se a emitir um juzo poltico sobre a convenincia ou a necessidade de ser apurada a acusao oferecida, em razo de indcios de culpabilidade considerados bastantes. Por isso, registra o Prof. Reale, no h falar em produo de provas, na Cmara. Todavia, tendo em vista as consequncias que advm do juzo de admissibilidade da denncia o Presidente da Repblica, aps a instaurao do processo pelo Senado Federal, ficar suspenso de suas funes (CF, art. 86, 1 II) segue-se a necessidade de ao acusado ser concedido prazo para defesa, defesa que decorre do princpio inscrito no art. 5, LV, da Constituio, observadas, entretanto, as limitaes decorrentes do fato de a acusao somente materializar-se com a instaurao do processo, no Senado. Neste que a denncia ser recebida, ou no. Na Cmara, relembre-se, ocorrer, apenas, a admissibilidade da acusao, a partir da edio de um juzo poltico, em que a Cmara verificar se a acusao consistente, se tem ela base em alegaes e fundamentos plausveis, ou se a notcia do fato reprovvel tem razovel procedncia, no sendo a acusao simplesmente fruto de quizlias ou desavenas polticas. O Presidente da Cmara, conforme vimos, concedeu ao impetrante o prazo de cinco sesses, com fundamento nos arts. 151, II, a e 52, II, do Regimento Interno da Cmara dos Deputados. No ponto, ao que me parece, no procedeu com acerto a autoridade apontada coatora. O Supremo Tribunal, entretanto, corrigiu o erro, a tempo e modo, assegurando ao impetrante o prazo de dez sesses para apresentar defesa escrita, na forma do que dispe o art. 217, 1, I do Regimento Interno da Cmara dos Deputados. Foi nesse sentido, alis, a liminar concedida pela Corte Suprema ao impetrante. A respeito, escreve, com propriedade, o eminente Vice-Procurador-Geral Moacir Antnio Machado da Silva, no parecer que foi subscrito pelo Procurador-Geral Aristides J. Alvarenga: (...) 55. Na impossibilidade de aplicao dos arts. 21, segunda parte, e 22 e seu 1 da Lei n 1.079, de 1950, regras pertinentes defesa e instruo processual, que, em face das inovaes introduzidas pela Constituio vigente, dizem respeito ao juzo da causa (judicium causae), na esfera do Senado Federal, e no mais ao juzo de acusao (judicium accusationis), no mbito da Cmara dos Deputados, deveria esta, em obedincia ao disposto no art. 5, LV, da Constituio Federal, fixar prazo para a defesa com fundamento em outra norma pertinente do direito positivo. 56. Na ausncia de norma especfica, caberia o recurso analogia, por meio da qual se conclui que, na hiptese, s poderia ser aplicada a regra do art. 217, 1 I, do Regimento Interno, que, tratando da autorizao para a instaurao do processo, nas infraes penais comuns, contra o Presidente da Repblica, dispe: Art. 217. (...) 1. (...) I perante a Comisso, o acusado ou seu defensor ter o prazo de dez sesses para apresentar defesa escrita e indicar provas. 57. Justifica ainda a incidncia dessa regra o teor do art. 38 da Lei n 1.079, de 1950, por fora do qual so subsidirias no processo e julgamento do Presidente da Repblica, as normas aplicveis, as normas do Regimento Interno da Cmara dos Deputados. Voltemos inicial do mandado de segurana. L o que se pede o seguinte, quanto liminar: a) ou para simplesmente determinar a sustao do procedimento do impeachment, j virtualmente instaurado na Cmara dos Deputados, at o final julgamento do writ. b) ou para que, com menor amplitude, se faculte ilustre autoridade coatora, desde logo, submeter Cmara a denncia apenas para os efeitos do art. 51, n I, ou do art. 86, caput, da Constituio Federal, contanto que o faa em procedimento que assegure ao acusado defender-se nos termos do art. 217 do Regimento Interno ou do art.22 da Lei n 1.079/50 e seja a deliberao cameral tomada por escrutnio secreto (Reg., art. 188, nII). O pedido, a seu turno, da segurana, foi assim formulado:

  • 79. Petitum. Notificada a ilustre autoridade coatora, vista da segunda via desta impetrao e dos respectivos documentos, prestadas as informaes que entender cabveis e ouvido o Ministrio Pblico Federal, o impetrante pede e espera a confirmao da liminar eventualmente deferida ou a concesso definitiva da segurana, a fim de que, declarada a nulidade do ato impugnado, seja determinado ao ilustre Presidente da Cmara dos Deputados que se entender de submeter a denncia recebida deliberao da Cmara dos Deputados, para os efeitos da autorizao prevista nos arts. 51, n I, e 86, caput, da Constituio observe o devido processo legal contido no art. 217 do Regimento e a votao por escrutnio secreto, de acordo com o art. 188, n II. No que toca primeira parte do pedido, resulta, da exposio feita, que haver ele de ser atendido em parte: no que concerne ao direito de defesa, exatamente como foi deferida a liminar. Passemos, agora, ao exame da segunda parte do pedido, que diz respeito votao, que o impetrante deseja que seja por escrutnio secreto, de acordo com o art.188, II, do Regimento Interno da Cmara dos Deputados. Examinemos as normas constantes do Regimento Interno da Cmara dos Deputados que dispe a respeito do tema, artigos 186, 187, 1, VI, 188, II. O art. 188, II, do Regimento Interno, determina que a votao, no caso, ser por escrutnio secreto. Mas a questo no se resolve com tanta simplicidade. que a Lei n 1.079, de 1950, dispe, no seu art. 23, em sentido contrrio: Art. 23. Encerrada a discurso do parecer, ser o mesmo submetido a votao nominal, no sendo permitidos, ento, questo de ordem, nem encaminhamento de votao. Votao nominal, na forma do Regimento Interno da Cmara dos Deputados, votao ostensiva (RI/Cmara, art. 184), ou votao em aberto (RI/Cmara, art. 187, 1 VI). Ento, na forma do art. 23 da Lei n 1.079, de 1950, a votao seria ostensiva, votao em aberto, A questo est em saber, pois, se o art. 23 da Lei n 1.079, de 1950, foi recepcionado pela Constituio vigente, porque, se isto tiver ocorrido, prevalecer ele sobre a norma regimental. A uma, porque se trata de ato normativo primrio e o Regimento Interno ato normativo secundrio; a duas, porque se trata de lei referida, expressamente na Constituio, como regedora da matria (CF, pargrafo nico do art. 85). certo que sustentamos que o processo do Senado. Na Cmara, teramos, apenas, o procedimento, de admissibilidade da acusao. Normas procedimentais, entretanto, cabem em normas de processo. Assim, as normas de processo da Lei n 1.079/50, que foram recepcionadas pela Constituio, sero aplicveis, no que couber, na Cmara. Estou em que o art. 23 da Lei n 1.079, de 1950, foi recepcionado pela Constituio de 1988, pelo que vigente e eficaz. Ora, cuida ele, o citado art. 23, da forma de votao do parecer da Comisso Especial, pela procedncia ou no da denncia. certo que, no caso, no se trata de parecer pela procedncia ou importncia da denncia, seno de parecer pela admissibilidade ou no da acusao (CF, 1946, art. 88, caput, e seu pargrafo nico; CF, 1988, art. 86). O menor, entretanto, se contm no maior. Registre-se, ademais, em favor da recepo e aplicabilidade do citado art. 23, no caso, que o voto ostensivo o voto responsvel, o voto querido pela Constituio. O voto secreto exceo ao princpio da publicidade. Montesquieu, no sempre atual Esprito das Leis, deixa claro, no captulo II do Livro II, que a publicidade do voto lei fundamental da democracia. o prprio Montesquieu que nos revela que, segundo Ccero, as leis que tornaram secreto o voto constituram a causa da queda da repblica romana (O Esprito das Leis, traduo de Fernando Henrique Cardoso e Lenico Martins Rodrigues, Ed. UnB, 1982, pg. 50). o que registra, alis, o Prof, Paulo Bonavides em parecer que nos foi oferecido. Bem por isso, a comear pelo Poder Judicirio, a Constituio deixou expresso que todos os julgamentos sero pblicos, e fundamentadas todas as decises, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse pblico o exigir, limitar a presena, em determinados atos, s prprias partes e a seus advogados, ou somente a estes. (CF, art. 93, IX). Exceo se faz ao sigilo das votaes no Tribunal do Jri e o segredo de justia na tramitao da ao de impugnao de mandato (CF, art. 5 XXXVIII, b; art. 14, 11). No que toca Administrao Pblica, a Constituio no se importou em incorrer em demasia, ao determinar, no art. 37, que ela, Administrao Pblica, obedecer aos princpios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, alm dos que esto enunciados nos incisos I a XXI do mesmo artigo. Ora, no princpio da legalidade est implcito o da publicidade. Todavia, repito, a Constituio, no se importando em incorrer em demasia, acrescentou, ao lado do princpio da legalidade, o princpio da publicidade. que a publicidade faz transparentes os atos da Administrao Pblica, os atos dos agentes pblicos. Quanto ao Poder Legislativo, a Constituio no teve postura diversa. A demonstrar que o voto secreto exceo, deixou a Constituio expressos os casos em que ele ocorreria: art. 52, III e IV: aprovao da escolha de magistrados, ministros do Tribunal de Contas, governador de Territrio, presidente e diretores do Banco Central, Procurador-Geral da Repblica; art. 52, XI: aprovar a exonerao, de ofcio, do Procurador-Geral da Repblica antes do trmino de seu mandato; art. 53, 3: resolver sobre a priso em flagrante do parlamentar; art. 55, 2: decretao da perda do mandato do parlamentar; art. 66, 4: apreciao do veto presidencial. Sempre, pois que a Constituio quis o voto secreto, ela foi expressa. Isto no aconteceu ao estabelecer a regra do art. 51, I, onde deixou expresso o quorum qualificado, mas no imps o voto secreto. O mesmo pode ser dito em relao ao art. 86, onde exige, tambm, o quorum qualificado, mas no h referncia votao secreta.

  • Tenho, pois, como recepcionada, pela Constituio de 1988, a norma inscrita no art. 23 da Lei n 1.079, de 1950. Esta , tambm, a lio de Miguel Reale (artigo citado), de Celso Antnio Bandeira de Mello (Voto aberto ou secreto, artigo publicado na Folha de So Paulo de 15-9-92), de Antnio Evaristo de Moraes Filho (Questo de transparncia, artigo publicado em O Globo de 18-9-92), de Carlos Ayres Britto, citado por Celso Antnio e do Ministro Evandro Lins e Silva (Voto secreto ou aberto,artigo publicado no Jornal do Brasil de 22-9-92). No preciso dissertar, Senhor Presidente, a respeito da teoria da recepo: apenas as normas infraconstitucionais anteriores Constituio, com esta compatveis, que tm vigncia e eficcia, enquanto as incompatveis so consideradas revogadas. que o direito, segundo Kelsen, no admite a idia de vazio legislativo. Por isso, e tendo em vista os conceitos jurdicos de sistema e ordenamento, construiu-se a doutrina da recepo: a Constituio nova a lio de Pontes de Miranda, de Biscaretti de Ruffia, de Manoel Gonalves Ferreira Filho e de Jorge Miranda, dentre outros constitucionalistas de escol faz cessar a eficcia das norma constitucionais pretritas, o que no ocorre, entrentanto, com as normas infraconstitucionais anteriores, j que, referentemente a estas, somente as incompatveis com a nova Constituio que so consideradas revogadas. A norma que estamos a examinar, contida no art. 23 da Lei n 1.079, de 1950, compatvel com a Constituio de 1988. Sustenta-se, ao cabo, que a Lei n 1.079, de 1950, na parte em que define os crimes de responsabilidade do Presidente da Repblica, teria sido revogada pela Emenda Constitucional n4, de 2-8-61, que instituiu o sistema parlamentar de governo. O argumento este: o art. 5 da citada Emenda n 4, de 1961, no tipificou como crimes de responsabilidade os atos que atentassem contra a probidade da administrao, a lei oramentria, a guarda e o legal emprego dos dinheiros pblicos (este item no foi reproduzido na Constituio de 1988) e o cumprimento das decises judicirias, como fizera a Constituio de 1946 (art. 89, V a VIII). Admitida a procedncia do alegado, no se pode deixar de reconhecer, entretanto, que a Emenda Constitucional n 6, de 23-1-63, que revogou a EC n 4, de 1961, restabeleceu o sistema presidencial de governo institudo pela Constituio Federal de 1946, salvo o disposto no seu art. 61 (EC n 6/63, art. 1). Quer dizer, restabelecido tudo quanto constava da Constituio de 1946, no tocante ao sistema presidencial de governo, ocorreu repristinao expressa de todo o sistema. Do exposto, concedo a segurana apenas na parte em que argida a nulidade do prazo fixado para a defesa, exatamente como foi deferida a medida liminar, que, por isso mesmo, ratifico. Quanto ao mais, indefiro o writ. VOTO O Sr. Ministro Celso de Mello: A anlise dos temas propostos nesta sede mandamental reclama, Senhor Presidente, de minha parte, algumas consideraes introdutrias, que reputo essenciais deciso que vou proferir. O impeachment traduz, em funo dos objetivos que persegue e das formalidades rituais a que necessariamente se sujeita, um dos mais importantes elementos de estabilizao da ordem constitucional, lesada por comportamentos do Presidente da Repblica que, configurando transgresses dos modelos normativos definidores de ilcitos poltico-administrativos, ofendem a integridade dos deveres do cargo e comprometem a dignidade das altas funes em cujo exerccio foi investido. Embora prerrogativa da cidadania posto que a instaurao desse processo de responsabilizao poltica do Chefe do Poder Executivo submete-se ao princpio da livre denunciabilidade popular , o instituto do impeachment tambm, configura - e nessa condio deve ser compreendido e analisado garantia de ndole constitucional destinada a impedir que se concretize, de modo ilegtimo ou arbitrrio, a removal from office and disqualification do Presidente da Repblica. Desse modo, as normas de regncia do impeachment cuja gnese reside no texto da prpria Constituio da Repblica , pertinentes s diversas fases procedimentais em que ele se desenvolve, impe limitaes intransponveis aos poderes do Legislativo na conduo do processo e julgamento do Chefe de Estado. No se pode desconsiderar, sob tal perspectiva, o pronunciamento do saudoso Min. Edgard Costa, que, ao julgar a Rp n 96 (RF 125/93, 147-148) e ao admitir a possibilidade de reviso judicial nessa matria , definiu a estrutura formal do impeachment como instrumento de preservao no s da garantia subjetiva de defesa do Chefe do Governo, como tambm da independncia institucional do Poder Executivo: O impeachment um processo de natureza essencialmente poltica e de razes constitucionais, tendo como objetivo, no a aplicao de uma pena criminal, mas a perda do mandato. Instituindo-o, prescreveu a Constituio Federal as normas que o estruturam, e por forma a ressalvar, assegurando-as, a independncia e a harmonia necessria dos poderes. Essas normas dizem respeito assim aos atos que importem em crimes de responsabilidade como s garantias imprescindveis estabilidade do chefe do Governo mediante formalidades a serem observadas at o seu afastamento, medida extrema, imposta como conveniente a um julgamento desimpedido de bices ou influncias prejudiciais. Com tais garantias e formalidades, com que cercou esse procedimento que atribuiu ao Legislativo, visou a Constituio ressalvar a independncia do Executivo. Na realidade, pois, o processo de