juruna km 17

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1 EIA/RIMA AHE BELO MONTE ESTUDO SOCIOAMBIENTAL COMPONENTE INDÍGENA GRUPO JURUNA DO KM 17 Maria Elisa Guedes Vieira (Coordenadora) Claudio Emidio Silva Flávia Pires Nogueira Lima Jaime Ribeiro Carvalho Jr. Noara Modesto Pimentel Brasília, março/2009 Grafismo: Águas do Xingu – Sheila Juruna

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Este relatório tem como objetivo apresentar os Estudos Socioambientais doComponente Indígena, referentes à Área Indígena Juruna do Km 17, conformeTermo de Referência elaborado pela Fundação Nacional do Índio – Funai,relacionados aos Estudos de Impacto Ambiental – EIA-RIMA, do Projeto deAproveitamento Hidrelétrico (AHE) Belo Monte.Este grupo Juruna habita uma área localizada às margens da rodovia ErnestoAccioly (PA-415), no município de Vitória do Xingu, estado do Pará, fazendo parteda Área de Influência Direta – AID do Meio Socioeconômico, do AHE Belo Monte.Precedendo o primeiro deslocamento a campo da equipe técnica responsável pelosestudos, em junho de 2008 realizaram-se duas reuniões em Brasília para elaboraçãodo Plano de Trabalho, consoante o Termo de Referência supramencionado.Posteriormente, no mês de julho, foram discutidas a metodologia e o planejamentologístico para o início dos trabalhos de campo1.

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    EIA/RIMA AHE BELO MONTE ESTUDO SOCIOAMBIENTAL

    COMPONENTE INDGENA

    GRUPO JURUNA DO KM 17

    Maria Elisa Guedes Vieira (Coordenadora)

    Claudio Emidio Silva

    Flvia Pires Nogueira Lima Jaime Ribeiro Carvalho Jr. Noara Modesto Pimentel

    Braslia, maro/2009

    Grafismo: guas do Xingu Sheila Juruna

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    SUMRIO Pg.

    5.1 Introduo ........................................................................................................................ 5 5.2 Diagnstico SociambientaL............................................................................................ 8 5.2.1 Aspectos Metodolgicos ............................................................................................. 8

    5.2.2 rea Indgena Juruna do Km 17........................................................................ 11 5.2.2.1 Localizao e caracterizao geral ................................................................ 11 5.2.2.2 Histrico da ocupao e situao fundiria.................................................. 13 5.2.2.3 O Entorno da rea Indgena ........................................................................... 15 5.2.3 Os Juruna ............................................................................................................ 18 5.2.3.1 Histrico Juruna .............................................................................................. 18 5.2.3.2 Organizao social, poltica e espacial do grupo Juruna do Km 17........... 24 5.2.3.3 Aspectos culturais e religiosos...................................................................... 28 5.2.3.4 As lideranas do Km 17 e contatos polticos................................................ 33 5.2.3.5 Insero nas Polticas Pblicas ..................................................................... 35

    5.2.3.5.1 A Rede de Relaes Institucionais da Comunidade Juruna do Km 17 35 5.2.3.6 As Polticas Pblicas Federais ................................................................... 40

    5.2.3.7 Polticas Estaduais Relativas aos Povos Indgenas do Par ...................... 56 5.2.3.8 Polticas pblicas do municpio de Vitria do Xingu ................................... 67 5.2.3.9 Organizaes no Governamentais e Movimentos Sociais ........................ 70 5.2.4 Meio Fsico e Bitico .......................................................................................... 77 5.2.4.1 Geomorfologia ................................................................................................. 77 5.2.4.2 Geologia ........................................................................................................... 80 5.2.4.3 Solos ................................................................................................................. 82 5.2.4.4 Recursos Hdricos ........................................................................................... 85 5.2.4.5 Caracterizao vegetal .................................................................................... 88 5.2.4.5.1 Caracterizao fitofisionmica da regio................................................... 88 5.2.4.5.2 Caracterizao Fitofisionmica da rea Indgena Juruna do Km 17....... 93 5.2.4.6 Fauna ................................................................................................................ 96 5.2.4.7 Ictiofauna.......................................................................................................... 99 5.2.4.8 Tipologias ambientais na viso Juruna....................................................... 104 5.2.4.9 Mapeamento/Unidades de Paisagens.......................................................... 109 5.2.4.10 reas de Preservao Permanente............................................................ 113 5.2.4.11 reas degradadas........................................................................................ 114 5.2.5 Uso dos Recursos Naturais e Subsistncia................................................... 116 5.2.5.1 Atividades de Subsistncia .......................................................................... 116 5.2.5.2 Agricultura Juruna......................................................................................... 120 5.2.5.3 Extrativismo Florestal ................................................................................... 122 5.3 Identificao e Avaliao dos Impactos Socioambientais .............................. 128 5.3.1 Conceitos e Termos Adotados........................................................................ 128

  • 3

    5.3.2 Avaliao de impactos do AHE Belo Monte pelos Juruna do Km 17 .......... 134 5.3.3 Avaliao tcnica de impactos socioambientais........................................... 146 5.3.3.1 Mobilizao e participao dos Juruna do Km 17 nas discusses sobre os projetos de implantao das usinas hidreltricas do rio Xingu............................ 148 5.3.3.1.1 Fortalecimento da Comunidade Juruna do Km 17 como Grupo tnico 149 5.3.3.2 Expectativa da comunidade em relao construo de barragens no rio Xingu, desinformao e confuso sobre a implementao do empreendimento ..................................................................................................................... 150 5.3.3.3 Insegurana quanto a Oferta de Trabalho, Capacitao Tcnica e Posicionamentos Polticos ....................................................................................... 151 5.3.3.4 Aumento populacional dos municpios de Altamira e Vitria do Xingu... 151 5.3.3.4.1 Intensificao do Preconceito com Relao aos Indgenas................... 152 5.3.3.4.2 Aumento da Invaso da rea Indgena..................................................... 152 5.3.3.4.3 Concorrncia por Vagas nas Escolas....................................................... 153 5.3.3.4.4 Intensificao da Sobreexplorao dos Recursos Naturais na Regio do Entorno da rea Indgena Juruna do Km 17 ........................................................... 153 5.3.3.4.5 Aumento de Doenas e Introduo de outras Endemias ....................... 156 5.3.3.4.6 Dificuldade de Acesso aos Servios de Sade ....................................... 157 5.3.3.4.7 Aumento do Trfego de Veculos e Pessoas na Rodovia PA 415.......... 157 5.3.3.4.8 Aumento do Risco de Violncia ................................................................ 160 5.3.3.4.9 Diminuio da Oferta Protica Oriunda de Peixes, Carnes de Caa e Tracajs ...................................................................................................................... 160

    5.4 Plano de Mitigao e Compensao Socioambiental Juruna do Km 17 .......... 161 5.4.1 Programa de Integridade e Segurana Territorial ......................................... 165 5.4.1.1 Projeto de Regularizao Fundiria e Proteo Ambiental ....................... 166 5.4.1.2 Projeto de Segurana Territorial .................................................................. 166 5.4.1.3 Projeto de Preveno e Sinalizao da Rodovia PA 415 ........................ 167

    5.4.2 Programa de Fortalecimento da Comunidade Juruna do Km 17......................... 168 5.4.2.1 Projeto de Resgate da Lngua Juruna ................................................................. 169 5.4.2.2 Projeto de Educao para os Juruna .................................................................. 169 5.4.2.3 Projeto de Resgate e Valorizao Cultural Juruna............................................. 170 5.4.3 Programa de Sustentabilidade Econmica da Populao Indgena.................... 171 5.4.3.1 Projeto de Desenvolvimento de Atividades Produtivas .................................... 172 5.4.3.2 Projeto de Capacitao da Populao Indgena para Desenvolvimento de Atividades Produtivas ....................................................................................................... 173 5.4.3.3 Projeto de Recuperao e Reincorporao Produtiva das reas Degradadas174 5.4.4 Programa de Sade Indgena .................................................................................. 174 5.4.4.1 Projeto de Sade dos Juruna do km 17 .............................................................. 175 5.4.5 Programa de Melhoria da Infraestrutura Coletiva da rea Indgena ................... 176 5.4.5.1 Projeto Melhoria de Edificaes e Infraestrutura Coletiva ................................ 177 5.4.5.2 Projeto de Readequao do Sistema de Abastecimento de gua ................... 178 5.4.5.3 Projeto de Esgotamento Sanitrio e Disposio de Resduos ......................... 179 5.4.6 Programa de Interao Social e Comunicao com a Populao Indgena ....... 179

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    5.4.6.1 Projeto de Fortalecimento da Associao Indgena dos Juruna ...................... 181 5.4.6.2 Projeto de Educao Ambiental Indgena ........................................................... 181 5.4.6.3 Projeto de Comunicao para a Populao Indgena ........................................ 182 5.5 Bibliografia ................................................................................................................... 184 5.6. Equipe Tcnica ........................................................................................................... 194

    ANEXOS I. RVORE GENEALGICA

    II. MAPA DE USO DOS RECURSOS NATURAIS E APPs

    III. MAPA FALADO

    IV. MATRIZ DE AVALIAO DE IMPACTOS JURUNA KM 17

    V. MATRIZ DE AVALIAO DE IMPACTOS TCNICA

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    5.1 Introduo

    Este relatrio tem como objetivo apresentar os Estudos Socioambientais do

    Componente Indgena, referentes rea Indgena Juruna do Km 17, conforme

    Termo de Referncia elaborado pela Fundao Nacional do ndio Funai,

    relacionados aos Estudos de Impacto Ambiental EIA-RIMA, do Projeto de

    Aproveitamento Hidreltrico (AHE) Belo Monte.

    Este grupo Juruna habita uma rea localizada s margens da rodovia Ernesto

    Accioly (PA-415), no municpio de Vitria do Xingu, estado do Par, fazendo parte

    da rea de Influncia Direta AID do Meio Socioeconmico, do AHE Belo Monte.

    Precedendo o primeiro deslocamento a campo da equipe tcnica responsvel pelos

    estudos, em junho de 2008 realizaram-se duas reunies em Braslia para elaborao

    do Plano de Trabalho, consoante o Termo de Referncia supramencionado.

    Posteriormente, no ms de julho, foram discutidas a metodologia e o planejamento

    logstico para o incio dos trabalhos de campo1.

    Foram tambm realizadas duas reunies com membros do Ministrio Pblico

    Federal, uma em Belm, em outubro/2008, com o procurador Felcio Pontes2 e outra

    em Altamira, com o procurador Alan Mansour Silva. Ambas as reunies tiveram o

    intuito de apresentar a equipe responsvel por esses estudos, prestar

    esclarecimentos sobre o Plano de Trabalho, mtodos de pesquisa e informar

    brevemente sobre o incio dos estudos.

    Os trabalhos de campo foram realizados nos seguintes perodos: de 26 a 29 de

    agosto de 2008; de 13 a 22 de outubro de 2008; de 16 a 20 de novembro; de 06 a

    10 de fevereiro de 2009. A equipe responsvel pelos estudos, alm de atividades na

    prpria terra indgena, na fase de campo no ms de outubro, fez levantamento de 1 Pontua-se que, inicialmente a equipe tcnica props a realizao do estudo do Componente Indgena, referente aos dois grupos - TI Paquiamba e Km 17 com durao de 10 meses, entretanto, ao longo dos trabalhos foi sinalizada, atravs de relatrio de viagem do primeiro campo e de solicitao via e-mail, a necessidade de ampliao desses prazos, objetivando um tempo mais vivel para a anlise e produo do relatrio final, vindo a possibilitar a apresentao do produto com melhor qualidade. Contudo, em razo dos prazos j estipulados pelo governo federal e rgos relacionados anlise do EIA/RIMA Belo Monte, a prorrogao desses prazos no foi autorizada. 2 Nesta reunio, alm do procurador estavam presentes Maria Elisa, Flvia Lima, Cludio Emdio e Jaime Carvalho.

  • 6

    dados em Belm, Altamira e Vitria do Xingu, visitando instituies com atividades

    relacionadas s terras e populaes indgenas.

    Em duas oportunidades, durante o trabalho de campo, foram realizadas reunies

    com a comunidade Juruna para prestar esclarecimentos sobre o empreendimento

    ora em avaliao. A primeira ocorreu no dia 17 de novembro, para apresentao do

    projeto do AHE Belo Monte e respectivas etapas de construo, apontando-se

    alguns impactos j identificados pelos tcnicos responsveis pela elaborao do

    EIA-RIMA. Estes esclarecimentos foram prestados pelo gelogo Bruno Payolla, da

    Eletronorte, e pelo socilogo Maurcio Moreira, da LEME Engenharia. A reunio

    contou com a participao da maioria dos membros da comunidade e, em

    decorrncia de dvidas e questionamentos suscitados pelos presentes, foi

    necessrio discorrer tambm sobre o projeto Karara, esclarecendo que o AHE Belo

    Monte no se trata do mesmo empreendimento. A segunda reunio ocorreu no ms

    de fevereiro/2009, e foi mais uma vez necessrio dirimir dvidas que ainda restaram

    quanto diferena entre o projeto Karara e o AHE Belo Monte, com a presena do

    gelogo Bruno Payolla.

  • 7

    FIGURA 1 - Reunio Km 17 esclarecimentos sobre o AHE Belo Monte - (foto 1 e 2: reunio em

    novembro de 2008; Foto 3 e 4: Reunio em fevereiro de 2009).

    O presente relatrio ser apresentado em duas partes, a primeira englobando o

    Diagnstico Socioambiental e subitens aspectos metodolgicos, rea indgena

    Juruna do Km 17, os Juruna, Meio Fsico e Bitico, Usos dos Recursos Naturais e

    Subsistncia, e a segunda englobando a Avaliao de Impactos e Medidas

    Mitigadoras e Compensatrias. Vale lembrar que, de acordo com entendimento

    prvio com a contratante, os itens do Plano de Trabalho referentes aos estudos

    sobre a qualidade da gua, bem como a caracterizao dos efeitos de sinergia

    decorrentes dos barramentos ao longo da bacia hidrogrfica do rio Xingu, no

    ficaram a cargo desta equipe tcnica.

    Pontua-se que desde o incio dos estudos a comunidade sinalizou sua posio

    contrria construo do AHE Belo Monte. Esta, durante todo o processo, destacou

    sua preocupao com relao aos impactos que podero decorrer da

    implementao do projeto, os quais acreditam que podero afetar no apenas o seu

  • 8

    territrio, mas a cidade de Altamira e toda a regio da Volta Grande do Xingu. E que

    se consideram mais vulnerveis que os demais grupos afetados, tanto em relao

    aos aspectos polticos quanto econmicos. Contudo entendem que esses estudos

    tm o objetivo de garantir direitos relacionados populao indgena afetada pelo

    empreendimento, caso o Ibama venha a indicar a viabilidade do mesmo e conceder

    a Licena Prvia para a realizao do Leilo Pblico. Dentro desta perspectiva a

    participao da comunidade foi intensa, tanto na parte de diagnstico quanto na

    avaliao de impactos e proposio de medidas mitigadoras e compensatrias.

    5.2 Diagnstico Sociambiental 5.2.1 Aspectos Metodolgicos

    Inicialmente, com o objetivo de obter a anuncia das comunidades indgenas

    diretamente afetadas pelo AHE Belo Monte, com vistas ao incio dos Estudos

    Socioambientais, foram realizadas apresentaes das equipes tcnicas3 s

    comunidades indgenas, feitas por representante da Coordenao Geral de

    Patrimnio Indgena e Meio Ambiente CGPIMA, da Funai sede, contando tambm

    com representantes da Administrao Executiva Regional da Funai em Altamira, da

    Eletronorte e THEMAG Engenharia. Tais apresentaes ocorreram entre os dias 12

    e 14 de agosto de 2008, na comunidade Juruna do Km 174, Terra Indgena Arara da

    Volta Grande do Xingu5 e Terra Indgena Paquiamba, respectivamente.

    Aps contextualizao sobre as etapas do estudo e do processo de licenciamento

    ambiental pela representante da CGPIMA/Funai, todos os membros da equipe se

    apresentaram e fizeram uma breve explanao da metodologia e durao dos

    estudos. Em todas as apresentaes realizadas, as comunidades presentes deram

    suas respectivas anuncias, tanto para a composio da equipe tcnica quanto para

    o incio dos estudos. Uma vez finalizadas as apresentaes, a representante da

    3 A equipe tcnica responsvel pelos estudos da TI Paquiamba e comunidade Juruna do Km 17 composta por Maria Elisa Guedes Vieira (antroploga/coordenadora); Flvia Pires Nogueira Lima (gegrafa); Cludio Emidio Silva (bilogo), Jaime Ribeiro Carvalho Jr. (pedagogo/etno-ictiologista) e Noara Pimentel (engenheira florestal). 4 Cabe aqui mencionar a presena da imprensa local no caso, a TV Liberal , na reunio de apresentao realizada na comunidade Juruna do Km 17, no dia 12 de agosto. Os jornalistas foram recebidos pela representante da Funai/BSB, que esclareceu a finalidade da reunio e, juntamente com um dos lderes do povo Juruna, no permitiu a realizao de filmagem. 5 Apesar de no fazer parte da equipe tcnica responsvel pelos estudos na TI Arara, fomos tambm apresentados comunidade Arara, para conhecimento, por parte dos indgenas, de todos os tcnicos que estariam realizando pesquisa na regio.

  • 9

    CGPIMA procedeu entrega, s lideranas indgenas, do Plano de Trabalho que iria

    nortear os trabalhos.

    FIGURA 2 - Tcnica da Funai entregando o Plano de Trabalho para os lderes da comunidade

    (Cndida Juruna e Caboclo Juruna).

    O estudo foi essencialmente pautado em pesquisa de campo, com foco na

    observao do cotidiano indgena, bem como na participao da comunidade

    indgena, adotando-se preferencialmente metodologias participativas, em especial o

    Diagnstico Rpido Participativo DRP. Destacaram-se as seguintes ferramentas e

    atividades utilizadas pela equipe tcnica: reunies com a comunidade, entrevistas

    individuais, roteiro semi-estruturado (memria), censo indgena, mapa social da

    aldeia, diagrama de Venn, mapa falado, calendrio sazonal, tnel do tempo, trilha

    acompanhada, censo qualitativo de fauna (mamferos, aves e rpteis), pescarias e

    coletas acompanhadas, rvore de problemas, chuva de idias e matriz de impacto.

    Foi tambm realizado um sobrevo.

    Todos os mtodos foram desenvolvidos com a participao intensa da comunidade,

    sendo que algumas informaes, como por exemplo a quantificao das frutferas, o

    levantamento das espcies de rvores, entre outros, foram coletadas por membros

    da comunidade aps uma breve capacitao.

    No caso especifico do diagnstico da ictiofauna, houve algumas peculiaridades que

    merecem ser esclarecidas. Foi necessrio fazer excurses ao longo do igarap Boa

  • 10

    Vista, at a regio do rio Ponte Nova, j fora da rea indgena. Outra especificidade

    que, para a caracterizao das espcies, foi necessria a realizao de coletas,

    entretanto, aps os procedimentos de medio e observao, os membros da

    comunidade separavam as espcies de interesse alimentar para sua utilizao e

    soltavam o restante dos peixes no mesmo local de coleta. Neste levantamento

    tambm foi realizada dinmica de etnobiologia e educao ambiental com os

    membros da comunidade.

    Com o objetivo de conhecer os locais onde se planeja a construo dos canais e

    respectivo reservatrio do AHE Belo Monte e na tentativa de se obter uma melhor

    compreenso do empreendimento e das repercusses que adviro caso se delibere

    pela sua implementao, foi realizado o deslocamento pelos travesses da

    Transamaznica, juntamente com as lideranas indgenas Sheila Juruna e Caboclo

    Juruna e um representante da comunidade Juruna de Paquiamba.

    Outra atividade de destaque, realizada fora da rea, foi um passeio histrico,

    percorrendo desde Altamira at a rea Indgena Juruna do Km 17, que contou com

    a participao dos indgenas Maria Cndida Juruna, Virglio Juruna e Antnio

    Juruna. Na oportunidade, refez-se o caminho percorrido na dcada de 1950, quando

    o grupo indgena chegou regio, visando a favorecer a rememorao de episdios

    ocorridos que pudessem contribuir para enriquecer o histrico do grupo.

    Subjacente metodologia adotada est o entendimento de que o dilogo com a

    comunidade um elemento primordial para o andamento dos estudos, objetivando

    adequada descrio e ao entendimento de seu modo de vida. Especialmente no

    que se refere relao dos indgenas com seu territrio, ao uso dos recursos

    naturais, relao com o entorno (grupos indgenas, ribeirinhos, fazendeiros,

    instituies, cidades), bem como ao conhecimento e compreenso dos mesmos

    sobre construo e operao do AHE Belo Monte.

    Foi tambm realizada pesquisa bibliogrfica, documental e cartogrfica e visitas a

    vrias instituies com atuao na questo indgena. Em Belm, foi contatada a

  • 11

    Coordenao de Proteo dos Direitos dos Povos Indgenas e Populaes

    Tradicionais da Secretaria de Estado de Justia e Direitos Humanos do Estado do

    Par SEJUDH; a Secretaria de Estado da Agricultura do Estado do Par, mais

    especificamente com o Grupo de Trabalho e Estudo Indgena/Quilombola, da

    Diretoria de Agricultura Familiar DIAFAM/SAGRI, e a Fundao Curro Velho. Em

    Vitria do Xingu, foram feitos contatos com a Prefeitura Municipal, a Secretaria de

    Educao, o Ponto no Xingu/Ponto de Cultura6 e Sala Verde7. Em Altamira, os

    tcnicos visitaram a Administrao Executiva Regional da Funai, o Distrito Sanitrio

    Especial Indgena DSEI/Funasa, a Secretaria de Educao do municpio, o Ibama,

    a Procuradoria da Repblica, o Conselho Indigenista Missionrio CIMI/Regio

    Norte II e a Fundao Viver, Produzir e Preservar FVPP.

    5.2.2 rea Indgena Juruna do Km 17 5.2.2.1 Localizao e caracterizao geral

    A rea Indgena Juruna do Km 178, localiza-se no municpio de Vitria do Xingu,

    margem da rodovia Ernesto Accioly (PA-415), no seu Km 17, sentido Altamira -

    Vitria do Xingu. A rea indgena faz limite com uma fazenda e, apenas na sua

    poro leste com a rodovia PA-415. A pequena micro-bacia da rea, denominada

    igarap Boa Vista, homnima ao ncleo familiar indgena, contribuinte do igarap

    Ponte Nova, afluente do rio Joa, que desgua no rio Xingu.

    6 Projeto apoiado pelo Ministrio da Cultura. 7 Projeto apoiado pelo Ministrio do Meio Ambiente. 8

    Segundo a classificao adotada no EIA/RIMA para caracterizao da AID do Meio Socioeconmico, a comunidade Juruna do Km 17 localiza-se na Subrea Rural Jusante (Subrea 3), a qual est relacionada com a rea de jusante da Casa de Fora Principal do AHE Belo Monte, abrangendo a poro do municpio de Vitria do Xingu acima da rodovia Transamaznica e parte do municpio de Senador Jos Porfrio (EIA/RIMA AHE Belo Monte, vol. 17, p.28).

  • 12

    FIGURA 3 - Localizao da rea Indgena Km 17.

    Esta rea ainda no passou pelos trmites legais com vistas sua regularizao

    fundiria como terra indgena e tambm no possui nenhum tipo de titulao. O

    documento que a comunidade possui a Autorizao de Ocupao 4.01.82.1/2758,

    expedida no ano de 1974, pelo Instituto Nacional de Reforma Agrria Incra, em

    Altamira PA. Nesta autorizao citado que a rea possui aproximadamente 50

    hectares.

    Nos levantamentos de campo para elaborao deste estudo foi feita medio da

    rea atual, utilizando GPS, acompanhando a cerca que delimita o terreno. Com esta

    atividade, ficou demonstrado que a rea atualmente tem aproximadamente 36

    hectares.

    A comunidade habita uma nica aldeia, que possui seis casas dispersas, uma

    escola, casa de farinha, um quiosque com cobertura de palha e um campo de

    rea Indgena Juruna do km 17

  • 13

    futebol. A comunidade possui energia eltrica. A instalao da estrutura para

    abastecimento de gua foi iniciada pela prefeitura, mas ainda no foi finalizada.

    FIGURA 4 - casas e quiosque da comunidade Juruna km 17.

    5.2.2.2 Histrico da ocupao e situao fundiria Resgatando o histrico de ocupao, verifica-se que a famlia extensa de Francisca

    de Oliveira Lemos Juruna, falecida em 2001, mora neste local desde o ano de 1951.

    Anteriormente morava no barraco denominado Iucat, situado no alto Iriri. Sendo

    que, devido crise da borracha e a dvidas junto aos regates, migraram para

    Altamira e compraram um terreno de 1.500 hectares, onde hoje vive a comunidade

    do Km 17.

    Neste terreno, viviam da criao de animais e da agricultura. O filho mais velho,

    Olimpio Juruna, montou uma serraria e utilizava a madeira do local para a confeco

    de tbuas. Aps a morte do marido de Francisca Juruna, em 1957, a maior parte da

    terra foi vendida por Olimpio Juruna, sem o conhecimento da famlia, ao mesmo

  • 14

    tempo em que foi desativada a serraria. Na ocasio, um dos compradores chegou a

    avanar um pouco mais pelos fundos (16 tarefas, ou seja, aproximadamente 5

    hectares), e a rea, que foi comprada por um fazendeiro, atual proprietrio,

    permanecendo com este erro de limite. Assim, a rea Juruna sofreu mais esta

    reduo. Uma outra parte foi doada a amigos de D. Francisca, os quais

    posteriormente a venderam a terceiros.

    Em 1974 foi expedida pelo Incra uma autorizao de ocupao, onde consta que a

    rea possui 50 hectares. A famlia afirma que o Incra chegou a demarcar as laterais

    do terreno, mas no os fundos.

    Um dos membros da comunidade, o Sr. Antnio Juruna, possui um terreno

    localizado do outro lado da rodovia, defronte comunidade, medindo 22 hectares,

    que utiliza para suas atividades agrcolas. Ele deu entrada ao processo de

    regularizao fundiria junto ao Incra, mas ainda no possui a escritura.

    A partir do movimento de reivindicao da comunidade por seu reconhecimento

    enquanto grupo tnico diferenciado, desde o ano de 2000, foi encaminhada Funai

    solicitao de regularizao fundiria da rea Indgena Juruna do Km 17.

    Em 2005, a partir de questionamento feito pelo Ministrio Pblico ao rgo

    indigenista acerca dos procedimentos visando ao reconhecimento do grupo Juruna,

    foi organizada uma visita instituio de 6 ndios Juruna oriundos do Parque

    Indgena do Xingu - PIX, com o objetivo de confirmarem a descendncia Juruna do

    grupo habitante do Km 17. Aps este encontro, os representantes Juruna do PIX encaminharam Administrao Executiva Regional em Altamira e sede da Funai

    um documento confirmando a identidade indgena do grupo Juruna do Km 17 e

    tambm solicitando a regularizao fundiria de sua terra. Entretanto at a presente

    data o rgo indigenista no respondeu a esta demanda.

  • 15

    5.2.2.3 O Entorno da rea Indgena No entorno da rea Indgena Juruna do Km 17 predominam grandes fazendas de

    criao de gado e pastos. No municpio de Vitria do Xingu, a atividade pecuria

    praticada principalmente em mdios e grandes estabelecimentos, enquanto que a

    produo de mandioca predomina nos pequenos estabelecimentos. A mo-de-obra

    utilizada para a lavoura , em grande medida, a familiar. No entanto, quando se faz

    necessria a utilizao de mo-de-obra extra, so contratados trabalhadores para a

    limpeza da terra e plantio, com pagamento de dirias no valor de cerca de R$15,009.

    FIGURA 5 - Paisagem do entorno da comunidade Juruna do Km17.

    A rea rodeada por uma fazenda, cuja principal atividade a pecuria. Esta

    propriedade possui um fragmento de floresta, ao longo do igarap Boa Vista, que se

    conecta com o remanescente florestal do lote da comunidade Juruna.

    O igarap Boa Vista, que nasce na terra dos Juruna do Km 17, foi barrado para

    formao de uma aude, que terminou por alagar uma poro da terra Juruna. No

    tendo os Juruna em momento algum sido consultados sobre a construo deste

    aude. Por relao de amizade e respeito, os ndios no o utilizam para as suas

    atividades de sobrevivncia, somente eventualmente para lazer. Em termos gerais,

    observa-se uma boa relao de vizinhana com o proprietrio da fazenda vizinha,

    Sr. Maurcio Bastazin, no entanto, reclamam da cerca eletrificada colocada, bem

    como de proibies e restries relacionadas caa no fragmento florestal e

    pesca no aude.

    9

    EIA/RIMA AHE Belo Monte, vol. 17, p.163.

  • 16

    A rodovia Ernesto Accioly (PA-415), localizada no limite leste da rea indgena, liga

    a cidade de Altamira de Vitria do Xingu, e interliga-se Rodovia Transamaznica

    (BR-230), na regio que os Juruna denominam Lama Preta. Pela rodovia os

    passageiros e cargas da regio chegam ao Porto de Vitria do Xingu, que o nico

    acesso comunidade Juruna. Recentemente foi pavimentada, sendo integrante do

    Programa Caminhos das Parcerias, por meio do qual recebeu um investimento de

    R$25 milhes, via financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico

    e Social BNDES. As obras de pavimentao duraram cerca de seis meses,

    segundo informado pelos Juruna, e foram concludas em abril de 2008.

    Figura 6 - Rodovia PA-415 Figura 7 - Placa informativa da pavimentao

    da rodovia PA-415

    A pavimentao da rodovia PA-415 trouxe alguns benefcios para os Juruna do Km

    17, pois tornou o acesso melhor e mais rpido s cidades de Altamira e Vitria do

    Xingu, alm de ter reduzido a poeira que era levantada com o trnsito de veculos.

    Por outro lado, o trfego e o nmero de acidentes de trnsito foram intensificados, a

    velocidade dos veculos aumentou e a comunidade est se sentindo mais exposta,

    pois vive beira da estrada, vulnervel entrada de estranhos.

  • 17

    Figura 8 - Trfego da rodovia PA-415. Figura 9 - Riscos de acidentes na rodovia PA-415.

    Em virtude da proximidade, da oferta de servios e da grande quantidade de

    parentes, so realizados freqentes deslocamentos para a cidade de Altamira. A

    comunidade est a 17 Km da cidade de Altamira e a cerca de 30 km de Vitria do

    Xingu.

    Ao longo da rodovia PA-415 localizam-se vrias estradas vicinais, que so

    denominadas de ramais, tais como o Ramal do Cco, o Ramal da Floresta, o Ramal

    do Bananal, o Ramal Boa Vista. Alm de pastagens - algumas com gado, outras

    abandonadas existem alguns stios e sedes de fazendas. Tambm h dois ncleos

    populacionais, sendo um deles o de Michila, localizado no km 13, com escola,

    campo de futebol, algumas casas, um bar e uma pequena capela. O outro ncleo

    localiza-se no km 20 da rodovia, contando-se a partir da cidade de Vitria do Xingu,

    onde as crianas residentes na comunidade frequentam as aulas. Na PA-415, no

    municpio de Altamira, e tambm no de Michila, h um frigorfico na altura do km 11.

    Figura 10 - Entrada para o Ramal do Bananal. Figura 11 - Localidade do Michila, km13 da rodovia

    PA-415.

  • 18

    5.2.3 Os Juruna 5.2.3.1 Histrico Juruna O nome Juruna provm da lngua geral, e seu significado boca preta (yuru

    boca, una preta) refere-se a uma tatuagem facial, de cor preta, que os Juruna

    usavam at meados de 1843. Ela consiste de uma linha vertical preta, de 2 a 4 cm

    de largura, que descia do centro do rosto, a partir da raiz dos cabelos, passando

    pelo nariz, contornando a boca e terminando no queixo (Nimuendaju, 1948;

    Adalberto da Prssia, 1977). Juruna , portanto, o termo empregado por outros

    ndios e pelos brancos. A autodenominao do grupo, ou seja, o nome com que os

    prprios Juruna se identificam, Yudj. Termo este que, segundo pesquisa

    realizada pela lingista Fargetti (1997), significa dono do rio, refletindo a imagem

    de exmios canoeiros e excelentes pescadores.

    Segundo dados da historiografia Juruna, a primeira notcia de sua localizao data

    de 1625, nas proximidades da foz do rio Xingu, feita por Bento Maciel Parente.

    Apesar dos escassos registros desses indgenas, no sculo XVII so expressas

    idias e tentativas de subordinao e agrupamentos forados, pelas entradas

    paulistas, expedies lusas e/ou por missionrios (cf. Oliveira, 1970:16). Por volta

    de 1750, o padre alemo Roque Hunderptfundt, da Companhia de Jesus, informa

    que subindo da boca deste rio Xingu acima em distncia de trinta lguas, est a

    nao dos ndios Juruna, situada em quatro pequenas aldeias que tem nas ilhas do

    mesmo rio (cf. Oliveira, 1970:22).

    No sculo seguinte, e segundo dados de viagem do prncipe Adalberto da Prssia,

    que explorou a regio em 1842, h meno de que os Juruna viviam acima da Volta

    Grande do Xingu, onde os jesutas haviam estabelecido a misso chamada

    Tavaqura, Tauaquara ou Tauaqura10. poca, a populao Juruna foi estimada

    em cerca de 2.000 ndios, espalhados por nove aldeias, situadas entre Tavaqura e

    um local distante uma hora de Piranhaqura, rio acima (cf. Adalbert, 1977). No ano

    de 1859, foi calculado em 235 o nmero de indgenas Juruna, distribudos em 3

    aldeias, enquanto que, em 1863, h referncia no sentido de que um total de 250

    10 Regio onde hoje se encontra a cidade de Altamira.

  • 19

    ndios Juruna habitavam as ilhas acima das cachoeiras do Xingu11, como estratgia

    de defesa aos ataques de ndios inimigos (cf. Brusque, 1863, apud Oliveira,

    1970:28). Neste caso, especialmente os Kayap, os Asurini, os Arara, os Peapaia e

    os Tacunyap so citados como grupos em constante conflito com os Juruna,

    enquanto que com os Munduruku, Kuruya e Xipya haveria relaes mais

    amistosas.

    Os Xipya so mencionados como grupo com o qual os Juruna teriam vivido

    alternadamente em paz e em guerra, e com os quais em certo momento teria sido

    realizada uma aliana mais duradoura. Narrativa do informante e chefe Bibina

    Juruna, em estudo da antroploga Adlia de Oliveira, entre 1965-1967, no Parque

    Indgena do Xingu - PIX, vem confirmar o intercmbio de mulheres entre os dois

    grupos: Um chefe Juruna muito duro pediu para Juruna no brigar mais com

    Xipya. Xipya era igual Juruna, era melhor no brigar. A tudo ficou amigo. Juruna

    casou mulher Xipaya e Xipaya casou mulher Juruna (Oliveira, 1970:23). Sabe-se

    ainda que estes dois grupos compartilham a mesma famlia lingstica, havendo

    grande semelhana entre as duas lnguas.

    Em 1896, Henri Coudreau, viajante francs que, partindo de Belm em

    direo ao rio Xingu, percorreu a foz deste rio at a Pedra Seca regio no alto

    Xingu, com seus escritos despretensiosos vem tambm contribuir para a etnografia

    Juruna, de forma bem pontual:

    11 No especificam quais cachoeiras seriam estas, mas deduz-se que se referem regio acima das cachoeiras do Jurucu.

  • 20

    Os Jurunas estendem-se da Praia Grande Pedra Seca. Foram outrora numerosos. H uns vinte anos distribuam-se por pelo menos umas 18 malocas, cujos tuxauas eram Damaso, Muratu12, Nunes, Curamb, Canc, Tariend, Tababacu, Acad, Turi, Paxaricu. Seu nmero hoje reduziu-se: pode-se avali-los em no mximo uns 150, entre mansos, civilizados e errantes (Coudreau, 1977: 37).

    Figura 12 - ndios Juruna encontrados por Coudreau em 1896.

    Destes tuxauas mencionados por Coudreau, Muratu faz parte da memria dos

    Juruna que hoje vivem na Volta Grande do Xingu, na rea Indgena do Km 17 e

    mesmo dos Juruna habitantes da cidade de Altamira. Cndida Juruna e Joaquina

    Juruna, ambas contadoras de histrias de seu povo, confirmam a descendncia de

    Clotilde Juruna, sua av e tia, respectivamente, como do grupo de Muratu, o ltimo

    grande chefe Juruna da Volta Grande do Xingu, muito embora no soubessem

    precisar se Muratu fora tio ou primo de Clotilde Juruna. Impreciso que se deve,

    provavelmente, ao longo tempo transcorrido desde que a famlia de Clotilde Juruna

    se separou do grupo de Muratu e migrou para o alto Iriri.

    12

    Alterao indgena da palavra portuguesa mulato, que para os ndios tanto se pode aplicar a um verdadeiro mulato quanto a algum ndio de cor escura (N. do T., cf Coudreau, 1977: 121).

  • 21

    Ademais, Nimuendaju (1993:151), numa de suas Cartas de Belm, datada de julho

    de 1920, enviada ao diretor do antigo SPI, tambm menciona Muratu como

    referncia da etnia Juruna habitante da Volta Grande do Xingu: Um outro

    bandozinho, a famlia do tuxaua Murat, umas 12 pessoas, conservou-se, protegido

    pelas terrveis cachoeiras da Volta do Xingu, no Salto Jurucu, pouco abaixo da

    boca do Pacaj13.

    Em funo dos sucessivos contatos intertnicos, parte desses ndios abandonou

    suas aldeias e, na tentativa de se proteger, foi em direo s cabeceiras do Xingu. O

    grupo que continuou em direo rio acima se refugiou, no incio do sculo XX, entre

    a cachoeira Von Martius e o rio Manitsau14, no alto curso do Xingu e,

    posteriormente, na dcada de 60, foi incorporado populao do Parque Indgena

    do Xingu. Como resultado desta estratgia de fuga, conseguiu preservar sua cultura

    e sua lngua, totalizando hoje cerca de 362 falantes da lngua Juruna15 (cf. Oliveira,

    1970).

    Quanto aos que permaneceram no baixo e mdio Xingu, dispersaram-se,

    principalmente pela Volta Grande do Xingu, tendo se miscigenado com ndios de

    outras etnias e tambm com no-ndios. Ressalta-se a regio do baixo e mdio

    Xingu, desde o incio do sculo XX, caracterizada por ser uma rea comumente

    invadida por frentes extrativistas, que inicialmente se dedicaram explorao da

    borracha e da castanha, com maior intensidade na dcada de 40. Chegando aos

    dias atuais, com a explorao desenfreada da madeira, de metais preciosos,

    especialmente o ouro, e com a descoberta do valor comercial internacional da pesca

    ornamental. Desde ento considerada uma das mais violentas reas de conflito

    entre ndios e frentes de penetrao nacional, situao agravada por interesses do

    setor agropecurio, com o aumento do nmero de fazendas, e ainda por projetos

    governamentais de assentamentos agrcolas, construes de estradas e

    hidreltricas.

    13 Esta a se referindo no ao rio Pacaja e sim ao rio Bacaja, em razo da localizao indicada acima da cachoeira do Jurucu. 14 Afluente da margem esquerda do Xingu. 15 Lngua Juruna, que pertence ao Tronco Tupi.

  • 22

    Ou seja, toda populao indgena desta regio herdeira do processo de

    colonizao da Amaznia, com enfoque na economia seringalista, quando as

    famlias indgenas dispersas pelos beirades e ilhas do rio Xingu, e especificamente

    da Volta Grande do Xingu, foram inseridas como mo-de-obra barata na coleta do

    ltex da seringueira. Ao mesmo tempo, houve o processo de contato de vrios

    grupos indgenas que at ento estavam intocados, isolados pelas cabeceiras dos

    rios e igaraps afluentes do rio Xingu. Para isso, foram utilizados os prstimos dos

    ndios j contatados, que atuavam como mateiros e pegadores dos ndios brabos,

    visando a limpar o terreno e excluir o que se considerava como sendo empecilhos

    para a expanso dos seringais.

    Especialmente a famlia de Clodilde Juruna, que hoje habita o Km 17 (PA - 415),

    viveu toda esta histria de insero na economia nacional, atuando seus membros

    como extrativistas, em um primeiro momento, com foco na explorao da seringa e

    castanha, e depois como caadores de gato e garimpeiros em perodo posterior.

    Neste contexto, desde o tempo da gerao de Clotilde Juruna, j no havia

    educao na lngua e acerca das tradies Juruna. A filha, Francisca Juruna,

    algumas netas e a sobrinha de Clotilde16 chegaram a ouvi-la falar utilizando a lngua

    materna, e inclusive recordam-se de algumas palavras e frases curtas. Contudo isso

    no foi o bastante para que mantivessem a fluncia na lngua e pudessem

    posteriormente vir a transmitir esse conhecimento aos seus filhos e netos.

    Clotilde Juruna, bem como sua filha, Francisca Juruna, casaram-se com

    seringueiros e viveram na regio do mdio Xingu, alto Iriri, denominada Lucat. Na

    realidade, conforme memria de Cndida Juruna, seu pai, Placido Machado,

    maranhense, era dono dos ento chamados barraces, locais onde se armazenava

    toda a borracha coletada pelos seringueiros da regio para em seguida ser

    comercializada e enviada aos grandes centros.

    Cndida e seus irmos mais velhos cresceram nesta localidade e contam sobre o

    cotidiano do barraco e da necessidade da figura do segurana, denominado

    16 As netas: Candida Juruna e Geraldina Juruna, e a sobrinha, Joaquina Juruna.

  • 23

    barraqueiro, em razo dos constantes ataques e saques dos chamados ndios

    brabos da regio. Norberto Alfredo Arara, originrio da Volta Grande do Xingu e

    parente de Lencio Arara (da Terra Indgena Arara da Volta Grande do Xingu), era o

    homem de confiana e barraqueiro de Placido.

    No incio da dcada de 1950, prossegue o relato, a famlia de Francisca Juruna teria

    percebido que no mais poderia viver em Lucat, tendo em vista a falncia do

    barraco, em razo da queda da demanda pela borracha na economia nacional e de

    dvidas junto aos regates. Assim, toda a famlia, incluindo Norberto Arara, mudou-

    se para Altamira, adquirindo um terreno s margens da estrada Altamira - Vitria do

    Xingu. Alguns anos depois, em 1957, Placido veio a falecer e, passados trs anos

    de sua morte, Francisca Juruna casou-se com Norberto Arara, com quem teve mais

    3 filhos.

    De acordo com as informaes prestadas por Virglio Juruna, Antnio Juruna e

    Cndida Juruna, os filho mais velhos de Francisca Juruna, na dcada de 1950 teve

    incio a construo da estrada Altamira - Vitria do Xingu, em outro local da cidade,

    uma vez que, ao invs de se atravessar o igarap Altamira, atravessou-se o igarap

    Amb, seguindo o caminho a cavalo em torno das matas onde hoje se encontra o

    quartel do Exrcito, deste ponto prosseguindo at o terreno do km 17. Afirmam que esta regio era totalmente coberta de vegetao, havendo apenas duas aberturas,

    que seriam a localidade do Michila e de Ponte Nova.

    Figura 13 - Estrada Altamira - Vitria do Xingu (dcada de 50).

    O terreno do km 17, que nesta poca era maior, e um outro terreno, localizado onde

    hoje se encontra o stio Capixaba, situado no km 11, e que tambm foi comprado

  • 24

    pela famlia, foram a terceira e quarta aberturas desta estrada. Hoje em dia

    percebido o desmatamento em praticamente toda a rea localizada entre as

    margens esquerda e direita da estrada Altamira - Vitria do Xingu, assim como se

    nota a existncia de um povoamento no-indgena s margens da mesma,

    composto majoritariamente por fazendas de gado.

    5.2.3.2 Organizao social, poltica e espacial do grupo Juruna do Km 17

    A rea em que vive o grupo Juruna do Km 17 da aldeia Boa Vista localiza-se no km

    17 da rodovia PA - 415 - estrada Ernesto Acioly, sentido Altamira - Vitria do Xingu,

    no municpio de Vitria do Xingu.

    A aldeia Boa Vista formada por seis casas dispersas, sendo que duas delas se

    encontram fechadas17. H uma escola construda pela prefeitura de Vitria do Xingu,

    um quiosque aberto com cobertura de palha e um campo de futebol que ficam

    prximos margem da rodovia. A casa de farinha e outras moradias se localizam

    mais ao fundo do terreno e so rodeadas por rvores frutferas e criaes de

    animais domsticos.

    A comunidade possui energia eltrica, fornecida pela Centrais Eltricas do Par S.A.

    Celpa, e viabilizada pelo Programa Razes, nos dois grupos familiares de Antnio

    Juruna e Francisco Bernardino. No ncleo familiar de Virglio Juruna, a energia

    puxada do fazendeiro vizinho. Foram iniciados a construo de poo artesiano e o

    provimento de servio de gua encanada para as moradias, viabilizados por aquela

    prefeitura e financiados pela Funasa, contudo, encontram-se ainda inacabadas. As

    moradias no possuem banheiro e so construdas utilizando-se madeira e pau-a-

    pique, telhado de cavaco ou telha de amianto.

    Apesar de a rea indgena se localizar no municpio de Vitria do Xingu, os

    deslocamentos feitos pelos indgenas so direcionados, na maior parte das vezes,

    ao municpio de Altamira, em virtude da sua proximidade, estando a apenas 17 km 17 As moradias fechadas pertencem s famlias que atualmente no moram no KM 17, mas que visitam frequentemente a comunidade. Uma se refere a casa de Oswaldina (filha de Francisca Juruna), atualmente vivendo no garimpo do Itata, na Volta Grande do Xingu. A outra se refere a casa de Rosangela (filha de Antonio Juruna), que vive na fazenda vizinha em funo de seu marido ser funcionrio do fazendeiro.

  • 25

    da mesma, enquanto que a distncia com relao a Vitria do Xingu de

    praticamente o dobro 30 km.

    Assim, caracterstico dessa populao um movimento constante para a cidade de

    Altamira, seja para estudos, trabalho, tratamento de sade, compras de

    mercadorias, servios bancrios, reunies e visitas aos parentes.

    Percebe-se, ainda, o fluxo constante de parentes que visitam a comunidade, alguns

    dos quais chegam e retornam no mesmo dia, enquanto outros pernoitam na

    comunidade por alguns dias ou semanas. A genealogia deste grupo permite apontar

    que so inmeras as famlias moradoras dos arredores e que continuam mantendo

    laos de parentesco e relaes de amizade entre si.

    O grupo, descendente da matriarca Francisca Juruna, na realidade bem maior.

    Levando em conta outros membros da comunidade que vivem em um movimento

    pendular entre as cidades prximas (especialmente Altamira e Vitria do Xingu), o

    entorno (travesses, ramais da Transamaznica, Volta Grande do Xingu e fazendas

    da regio) e a comunidade, amplia-se consideravelmente a populao relacionada a

    este povo.

    Figura 14 - A matriarca, Francisca Juruna, falecida em 2002.

    Pode-se, assim, considerar um total aproximado de 226 pessoas formadoras da

    famlia extensa de Clotilde Juruna. Deste numero, 188 indgenas moram fora do km

  • 26

    17, dispersos entre Altamira, Vitoria do Xingu, ramal Boa Vista, Rurpolis/PA,

    Medicilndia/PA, garimpo Itat/VGX, fazendas do entorno, Goinia/GO, Natal/RN,

    Belo Horizonte/MG, Boa Vista/RR e Curitiba/PR. Este levantamento das famlias

    dispersas foi feito no ano 2000, pelo Movimento das Famlias Indgenas Moradores

    da Cidade de Altamira, com a participao de Cndida Juruna.

    A famlia extensa o elemento central na organizao social, poltica e econmica

    dos Juruna, tendo a famlia nuclear como foco principal no desenrolar da dinmica

    social do grupo, o espao de definies das atividades cotidianas e controle dos

    espaos polticos e territoriais.

    O crescimento desta famlia extensa se deu a partir dos casamentos intertnicos,

    majoritariamente entre ndios Juruna com no-ndios. O segundo marido de

    Francisca Juruna era Arara (Norberto Arara, que era filho de Arara com no-ndio),

    com parentesco com o grupo Arara da Volta Grande do Xingu. Deste casamento

    nasceram trs filhos, que por sua vez so Juruna-Arara. Contudo, a relao

    existente entre esses dois grupos demonstrou ser mais poltica, intensificando-se

    com a questo Belo Monte e menos por laos de parentesco.

    Recentemente, a partir da visita de alguns ndios Juruna do PIX, foi selado um

    parentesco entre os dois grupos, com o nascimento de Kaire, filho de Sheila Juruna

    e Tamarik Juruna, da aldeia Tuba-Tuba do PIX, ao mesmo tempo em que Sheila

    Juruna recebeu um outro nome indgena Iakarepi Juruna

    .

  • 27

    Figura 15 - rvore genealgica (para melhor visualizao ver o ANEXO I

  • 27

    Os quadros a seguir apresentam as famlias nucleares do grupo Juruna do Km 17

    por casa, sexo, idade, data de nascimento, parentesco e etnia. Totalizam 04 casas

    residenciais, 10 famlias nucleares e uma populao de 38 indivduos.

    Populao Juruna do Km 17 2008 Casa 1

    Nome Sexo Idade Data de Nascimento

    Parentesco Etnia

    Francisco Bernardino Oliveira de Paula Juruna

    M 49 30/12/58 ego18 Juruna-Arara

    Maria Cndida Juruna F 64 13/03/1944 Irm Juruna Sheila Juruna F 34 26/05/1974 sobrinha Juruna Bernardina Ferreira Machado Juruna

    F 54 23/01/54 Irm Juruna

    Amanda Thamara Machado F 16 18/04/92 sobrinha Juruna Rodrigo M 14 05/03/1994 irmo

    adotivo No ndio

    Cndida Juruna e Sheila Juruna, pela intensidade da freqncia de visitas comunidade, esto sendo consideradas como moradoras do Km 17, apesar de permanecerem parte da semana em Altamira. Os dois filhos de Sheila Juruna esto indicados na rvore genealgica como moradores de Altamira, por freqentarem a escola deste municpio. Casa 2 Nome Sexo Idade Data de

    NascimentoParentesco Etnia

    Antonio Ferreira Machado Juruna

    M 59 23/03/1949 Ego Juruna

    Zuleide Matos da Silva F 49 12/03/1959 Esposa No ndia Rosalia Silva Machado Juruna

    F 30 24/06/1978 Filha Juruna

    Rosilda S.M. Juruna F 28 24/08/1980 Filha Juruna Geovani Matos Machado Juruna

    M 19 09/07/1989 Filho Juruna

    Leandro M.M. Juruna M 17 13/10/1991 Filho Juruna rika F 17 1991 Nora No ndia Genilda M. M. Juurna F 18 20/09/1990 Filha Juruna Danilo M. M. Juruna M 15 29/01/1993 Filho Juruna Jason M. M. Juruna M 12 14/03/1996 Filho Juruna Andressa F 14 29/06/1994 Filha Juruna Murilo M 11 24/08/1997 Neto Juruna Mauricio M 10 04/06/1998 Neto Juruna Ana Carla F 08 07/08/2000 Neta Juruna

    18 Ego o eu a partir do qual se estabelece a rede de parentesco.

  • 28

    Casa 3 Nome Sexo Idade Data da

    NascimentoParentesco Etnia

    Virglio M 68 26/06/1940 Ego Juruna Oswaldina F 54 21/07/1954 Esposa Juruna Marlene F 22 20/11/1986 Filha Juruna Elivelton M - Genro No ndio Lvia F 13/07/2006 Neta Juruna Guilherme M 14/05/2008 Neto Juruna Francisca F 28 07/08/1980 Filha Juruna Marcelo M - Genro No ndio Inara Camila F 1998 Neta Juruna Maria Eduarda F Neta Juruna Larissa F 09/02/2004 Neta Juruna Polianna F 17 16/08/1991 Filha Juruna Paulo Henrique F 28/01/2007 Neto Juruna Virglio Junior M Filho Juruna Casa 4 Nome Sexo Idade Data da

    NascimentoParentesco Etnia

    Simeo M 26 01/12/1981 Ego Juruna Walquiria F 26/07/1984 Esposa No ndia Vitria F 28/07/2008 Filha Juruna Catarino M Agregado No ndio

    5.2.3.3 Aspectos culturais e religiosos A famlia extensa de Francisca Juruna apresenta-se como uma famlia que segue a

    religio catlica, herdeira das expedies dos missionrios que visitaram a regio

    desde o sculo XVIII. comum entre os ndios mais velhos de Altamira lembrar do

    tempo em que eram considerados bichos caso no fossem batizados, ao mesmo

    tempo em que eram impedidos de falar a lngua materna, praticar seus rituais e

    realizar as festas tradicionais, uma vez que representavam elementos de uma

    cultura considerada inferior.

  • 29

    Hoje, ao contrrio, percebem a importncia de resgatar a lngua materna, bem como

    os cantos e danas Juruna, que venham a simbolizar aspectos da cultura de seus

    ancestrais e a confirmar a particularidade deste grupo tnico.

    Em diversos momentos em que ocorrem encontros do grupo, tais como festas

    familiares, reunies polticas, recepes para visitantes e mesmo durante a missa

    celebrada na comunidade, membros do grupo cantam e danam o Kari.

    Significando festa na lngua Juruna, vem sendo representado como o ponto alto da

    identidade indgena mostrada ao pblico. Cantam msicas tanto em portugus como

    em Juruna, e a cada dia o repertrio vem aumentando, seja com msicas e letras

    tradicionais, seja com aquelas criadas por Cndida Juruna. Os cantos Juruna foram

    repassados por Francisca Juruna e por alguns ndios Juruna do PIX que visitaram a

    comunidade em 2005 e 2008.

    Figura 16 - Kari Juruna abrindo reunio do componente indgena.

    Nestas apresentaes os indgenas utilizam-se tambm de alguns adereos

    indgenas saias, colares, cocares, alm de se pintarem com jenipapo. A pintora

    oficial Sheila Juruna, que vem resgatando diversos grafismos indgenas, como por

    exemplo, a pintura das ondas das guas, o rabo da preguia, entre outros.

  • 30

    Figura 17 - Grafismo Juruna pintado por Sheila Juruna.

    Tambm, h mais de 20 anos, ocorre anualmente uma festa no dia 04 de outubro,

    dia de So Francisco de Assis, na casa de Virgilio Juruna, quando se comemora a

    graa recebida referente cura de uma doena que acometia o filho mais velho, que

    j estava desenganado pelos mdicos. H expressiva participao de parentes e

    regionais, com momentos de celebrao de missa, dana do Kari e forr. O

    anfitrio oferece a comida, geralmente churrasco de gado abatido para este fim.

    A identidade Juruna tambm reafirmada em algumas falas e poesias,

    especialmente de Maria Cndida Juruna e Joaquina Juruna, que trazem a

    cosmologia Juruna a partir dos versos de cordel, partes destes j registrados em um

    folhetim editado pelo CIMI em 2003. Neste folhetim narrada parte da trajetria de

    vida da famlia de Cndida Juruna19 e mitos deste povo20 que trazem na memria.

    Alguns desses registros e outros versos de autoria de Cndida Juruna sero

    publicados em abril de 2009 pela Fundao Curro Velho/PA.

    Desta forma, vo passando sua verso do passado Juruna, percepes do presente

    e perspectivas de futuro. De acordo com os estudos em questo, levando em

    considerao a possibilidade da construo do AHE Belo Monte, focamos neste

    momento nos sentimentos e mensagens do grupo com relao importncia das

    guas e do rio Xingu na vida dos Juruna.

    19 Por exemplo os registros Histria do povo Juruna; Como vivemos hoje; Biografia do meu pai; Biografia da matriarca e biografia da autora. 20 Como o caso de: Entre eles; Como surgiram as frutas?; Como nasceu o fogo; Mito da Me Dgua; O Acari encantado, O lagarto encantado; O jacar fofoqueiro, entre outros.

  • 31

    Em uma das reunies realizadas pelos tcnicos com a comunidade, em fevereiro de

    2009, Sheila Juruna, filha de Cndida Juruna, fez afirmao no sentido de que um

    dos pontos positivos da expectativa quanto construo do AHE Belo Monte foi a

    percepo da necessidade de se defender o rio Xingu, em prol da continuidade das

    crenas de seu povo e de toda populao regional que tem como referncia de vida

    as guas do Xingu.

    Uma das referncias da cosmologia Juruna a Me Dgua, que habita as guas do

    rio Xingu e enriquece o imaginrio indgena e sua relao com as profundezas

    desse rio. Por ocasio de uma das conversas da equipe tcnica com Joaquina

    Juruna, os tcnicos foram questionados quanto a j terem visto a Me Dgua.

    Diante da resposta negativa, afirma j ter tido esta experincia e repete a narrativa

    publicada no folhetim editado pelo CIMI: Eu, Joaquina, morava numa ilha de serra muito bonita. Tinha muito cco babau. Dunga era minha vizinha, ndia Juruna, minha amiga e parente. Ns andvamos juntas. Assvamos nosso peixe para comer juntas e tudo que arrumava, partilhvamos uma com a outra.

    A ndia Dunga veio na minha casa buscar sabo e prosamos, comendo cane assada e tomando caxiri. Nisso, passou o dia e quando deu quatro horas da tarde, Dunga lembrou de ir embora. Samos para a beira do rio, uma na frente, outra atrs. Quando chegou na beira do rio ela se despediu e colocou o p direito na proa da canoa, pisou bem forte que a canoa baixou, e debaixo da canoa saiu uma linda mulher, que deixou-nos espantada. Ela era morena clara, os cabels eram longos, pretos que cobriam at os ps. E saa da gua em direo ao meio. Dunga ficou com medo de voltar de tarde pra casa, at que virou a ilha e foi embora. E foi embora at sua casa. Eu voltei pra casa espantada, no contei pra ningum. Vrias pessoas viram tambm, acreditamos que era a me dgua (Joaquina, fevereiro/2003).

    Joaquina termina afirmando que a Me Dgua uma mulher muito bonita, protetora

    do rio, mas que sentiu medo ao v-la. Percebe-se que, apesar de o grupo Juruna do

    Km 17 no viver s margens do rio Xingu, toda sua referncia, origem, identidade e

    expectativa de vida est ligada a este rio. Conforme j registrado por Saraiva (2007),

    evidente a associao da identidade Juruna com a questo da preservao do rio

    Xingu e sua paisagem, confirmada tambm nos versos de cordel de Cndida

    Juruna:

    Oh! Meu querido rio Xingu, esta homenagem que te presto

  • 32

    Lamento no poder ajudar Querem acabar tua beleza onde banhei vrias vezes Juntamente com meus pais Com tuas guas potveis me saciaste, bastante s tu o baluarte do paraense importante Quem quer lhe destruir talvez no lhe d valor Vo deixar os teus filhos na orfandade e na dor Vais deixar os xinguanos com bastante saudade Porm Jesus Cristo vai julgar essa impunidade Oh! Coraes maldosos! Dessa gente desalmada Que querem acabar com teus leitos e tuas guas Abenoadas Meu querido rio Xingu, eu queria ter poder ia fazer De tudo para voc no morrer so lgrimas Derramadas de uma ndia guerreira Essa que te conhece desde a margem s cachoeiras bonito Essa tal Eletronorte no quer v Ningum em paz querem acabar com seus rios Causando danos ambientais Fao esses versos aqui recordando triste cena Fica essa homenagem ao nosso saudoso Dema, pois com tuas guas potveis me saciaste, bastante porque se o Xingu falasse tinha muito a reclamar pediria a essa gente pra eles no lhe matar Vai-se carne e a matria sua voz ficou gravada Morreste por defender nossa terra abenoada Descanse em paz meu amigo, fique cercado por Deus. Tiraram sua vida mas no os talentos teus Trabalhei muito na vida agradeo a me amada hoje Eu sou invlida uma ndia aposentada Desculpe esses versos mal rimados, so feitos Com carinho, falando do passado, aqui quem lhe descreve Cndida Juruna Machado.

    Os Juruna do Km 17, particularmente pelas vozes de Cndida Juruna, Sheila Juruna

    e Caboclo Juruna, lderes que tm participao ativa nos encontros indgenas, vm

    afirmando a importncia da conservao do rio Xingu. Assim como expressam o

    desacordo quanto posio do governo, representado nos versos acima pela

    Eletronorte, o qual julgam querer destruir a paisagem xinguana e modificar de forma

    drstica esse corpo hdrico.

  • 33

    5.2.3.4 As lideranas do Km 17 e contatos polticos

    Francisco Bernardino, mais conhecido por Caboclo, reconhecido como o cacique

    da aldeia Boa Vista do Km 17. Contudo, Maria Cndida Juruna considerada a

    grande lder da comunidade, sendo a responsvel pela luta visando ao

    reconhecimento oficial do grupo como indgena e pela busca de apoio poltico para a

    melhoria de qualidade de vida deste. Ao mesmo tempo, sua filha, Sheila Juruna,

    vem se destacando como outra forte lder indgena de Altamira, e tambm em

    mbito nacional, pois hoje protagonista nos encontros indgenas.

    Entre outras representaes ocupadas por Sheila, h a de membro indgena do

    estado do Par na Comisso de Avaliao de Projetos da Carteira Indgena, um

    programa desenvolvido pelo Ministrio do Meio Ambiente e financiado pelo

    Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome. Ela , ainda, a

    representante da regio do Xingu no Frum dos Povos Indgenas do Estado do Par

    e tambm est representando o Par no Fundo Global do Meio Ambiente GEF

    Indgena.

    A partir das entrevistas individuais e ao utilizar a metodologia do diagrama de Venn,

    foram mapeadas as instituies e outros grupos indgenas que se relacionam com o

    grupo Juruna do Km 17. constatada a crescente articulao poltica que a

    comunidade vem realizando desde 2000, ano em que se afirma como grupo tnico

    diferenciado junto ao rgo indigenista, instituies no-governamentais, bem como

    populao regional. Desde ento, em diversas situaes, vem se articulando com

    rgos como a Funai, Funasa, CIMI, FVPP, prefeituras de Altamira e Vitria do

    Xingu, governo estadual SEJUDH, Fundao Curro Velho, Programa Razes (hoje

    extinto), entre outros.

    Neste contexto de organizao poltica do grupo Juruna do Km 17, foi criada a

    Associao dos Povos Indgenas Juruna do Xingu KM 17 APIJUX, em 25 de

    novembro de 2000, com a orientao de tcnicos do Programa Razes e o apoio

    financeiro para a regularizao da associao em cartrio. Essa associao conta

  • 34

    com Maria Cndida Juruna como presidente, Francisco Bernardino Juruna

    Caboclo, como vice-presidente e Antnio Ferreira Machado como tesoureiro.

    Vm ocorrendo tambm dilogos com outros grupos indgenas, especialmente os da

    regio de Altamira Kayap, Arara de Cachoeira Seca, Arara da Volta Grande do

    Xingu, Juruna de Paquiamba, Asurin, Xipya, Kuruya, Parakan e Xikrin de

    Trincheira Bacaj, por meio de encontros para discusso sobre o empreendimento

    do AHE Belo Monte.

    Por ocasio do terceiro trabalho de campo, ocorrido em fevereiro de 2009, indgenas

    do Km 17 foram com a equipe tcnica participar das primeiras reunies na aldeia

    Paquiamba. Esta visita deu-se em funo dos prprios indgenas de Paquiamba

    terem solicitado a presena dos primeiros nas discusses realizadas nessa etapa

    dos estudos.

    Figura 18 - Apresentao do Kari na visita a TI Paquiamba.

    Este encontro, alm de possibilitar algumas discusses relacionadas ao

    empreendimento, foi permeado por apresentaes do Kari feitas pelo grupo do Km

    17, com cantos na lngua Juruna, vindo a estimular a participao de alguns

    indgenas de Paquiamba. Ao mesmo tempo, indgenas do Km 17 se colocaram

    disposio para o ensino dos cantos e da dana apresentados, o que vem fortalecer

    as relaes sociais e o intercmbio entre os dois grupos. Na oportunidade, Sheila

    Juruna, Virglio Juruna, Antonio Juruna, Giovany Juruna e Fernando Juruna

    conheceram o stio Pimental onde ser construda a barragem, e a regio da

    cachoeira do Jurucu, local onde estavam localizadas as antigas aldeias Juruna.

  • 35

    5.2.3.5 Insero nas Polticas Pblicas

    Neste item so abordadas as polticas pblicas com interface com a comunidade

    Juruna do Km 17. Para a identificao das instituies e polticas, indigenistas ou

    no, com aes afetas ao grupo indgena Juruna, bem como sua relao de

    proximidade, foram construdos o diagrama de Venn e a linha do tempo, e esto

    contidos na primeira parte do captulo.

    Em seguida so apresentadas as principais polticas pblicas federais, estaduais,

    e municipais , muitas delas mencionadas pelos Juruna ao longo das atividades de

    campo. Em muitas situaes, apesar de alguns integrantes do grupo indgena

    participarem da discusso, formulao e implementao da poltica indigenista e de

    desenvolvimento sustentvel, ela no se reflete na insero da comunidade Juruna

    do Km 17 como pblico-alvo da sua implantao.

    5.2.3.5.1 A Rede de Relaes Institucionais da Comunidade Juruna do Km 17

    O diagrama de Venn elaborado com a comunidade Juruna do Km17 apresenta as

    diversas instituies responsveis pela implementao das polticas pblicas,

    municipais, estaduais e federais, indigenistas ou no, relacionadas ao grupo e

    facilita a compreenso da rede de relaes institucionais da comunidade.

  • 36

    rea indgena Juruna Km-17

    FUNAI

    Frum dos Povos Indgenas do

    Estado do Par

    Ministrio Pblico Federal (Belm e

    Altamira)

    Pontos de Cultura (MinC)

    MMA / Diretoria de Extrativismo

    Deputado Estadual Domingos Juvenil

    Fundao Curro Velho

    FUNASA

    UFPA

    Eletronorte

    Bolsa Famlia / MDS

    Coordenadoria Indgena

    Carteira Indgena (MDS/MMA)

    Prefeitura Municipal de Vitria do Xingu

    Figura 19 - Diagrama de Venn da comunidade Juruna do Km 17.

    Elas foram identificadas por D. Cndida, Sheila e Caboclo, que tm sido os

    principais articuladores na busca da melhoria das condies de vida da comunidade

    Juruna do Km 17 e tambm dos demais povos indgenas da regio.

  • 37

    Figura 20 - Construo do diagrama de Venn Juruna Km 17.

    As instituies mais prximas dos Juruna do Km 17, inseridas no centro do

    diagrama, so Funai, Ministrio Pblico Federal (em Belm e Altamira), Fundao

    Curro Velho (ligada ao governo do estado do Par), Programa Ponto de Cultura, do

    Ministrio da Cultura MinC, e Ministrio do Meio Ambiente MMA. A descrio da

    atuao dessas instituies, articulada com as polticas pblicas, planos e

    programas, realizada ao longo do captulo.

    O contato com a Funai comeou em 2000, quando os Juruna do Km 17 solicitaram o

    reconhecimento do local onde vive a comunidade como rea indgena. Em 2003, a

    Funai reconheceu a referida comunidade como grupo indgena, ou seja, como grupo

    tnico diferenciado. No entanto, at o presente momento, ainda no houve a

    identificao da rea Indgena Juruna do Km 17 como terra indgena. Os Juruna

    ainda esto aguardando que este processo seja iniciado pelo rgo indigenista.

    Desde o reconhecimento, em 2003, os Juruna esto em contato com representantes

    da Administrao Executiva Regional de Altamira. No escritrio regional possvel

    contatar e mobilizar os outros povos indgenas e as instituies. Isto representa uma

    forma de apoiar a articulao poltica dos ndios Juruna, principalmente D. Cndida e

  • 38

    Sheila, com os demais atores sociais. A relao com a Administrao Executiva

    Regional de Altamira veio se modificando ao longo do tempo, e hoje eles tm um

    bom acesso a esta unidade. Mas ainda no so includos nas polticas pblicas que

    vm sendo implementadas pela instituio, tendo em vista que rea indgena ainda

    no foi regularizada.

    Em 2004, a comunidade teve o seu primeiro contato com representante do Ministrio

    Pblico Federal MPF, por meio do Procurador da Repblica, Sr. Felcio Pontes,

    que j vinha acompanhando o debate acerca das usinas hidreltricas planejadas no

    rio Xingu. O MPF vem dando suporte comunidade com relao ao pleito de

    identificao de sua rea como territrio indgena. D. Cndida Juruna tem muita

    confiana no Sr. Felcio Pontes, e em diversos momentos ela tem solicitado apoio do

    MPF para a resoluo de vrios problemas da comunidade, como por exemplo,

    aqueles relacionados ao abastecimento de gua.

    Foi mencionado tambm o Deputado Estadual Domingos Juvenil, que integra

    atualmente a Assemblia Legislativa do Estado do Par, e est bem prximo dos

    Juruna do Km 17. O Deputado est envolvido com as discusses em torno do

    ordenamento territorial, gesto ambiental e promoo do desenvolvimento

    sustentvel no Par, tais como Plano Amaznia Sustentvel, Plano BR-163

    Sustentvel, ZEE-BR 163, Plano de Desenvolvimento Sustentvel da Regio do

    Xingu.

    No 2 nvel de proximidade da comunidade Juruna do Km 17 esto a UFPA

    (Campus Altamira), Funasa e Eletronorte. A relao da comunidade Juruna do Km

    17 com a UFPA atualmente est focada na constituio de um curso de

    etnodesenvolvimento voltado para os povos indgenas da regio do Xingu.

    J o contato dos Juruna com a Funasa comeou em 2002, quando se iniciou a

    articulao para a instalao do sistema de saneamento na rea indgena. Sendo

    que, uma vez que a rea onde vive a comunidade Juruna do Km 17 no foi

    identificada como terra indgena, a mesma no poderia ser atendida pela

    DSEI/Funasa. A soluo encontrada para que o sistema de abastecimento de gua

    pudesse ser instalado foi a realizao de um convnio entre a Funasa e a Prefeitura

  • 39

    de Vitria do Xingu, que veio a executar as obras de instalao, em 2003. Como o

    sistema de abastecimento de gua no funciona corretamente at hoje, a

    comunidade matem permanentement contato com a Funasa, buscando solucionar o

    problema.

    A Eletronorte foi mencionada em razo do apoio prestado, no mbito das aes de

    responsabilidade social desenvolvidas pelo escritrio de Altamira.

    No 3 nvel de proximidade foi mencionado o Programa Bolsa Famlia, do Ministrio

    do Desenvolvimento Social e Combate Fome - MDS, j que a famlia do Sr.

    Antnio beneficiria. No item do presente diagnstico que trata sobre polticas

    pblicas federais, a seguir, detalha-se um pouco mais a implantao deste programa

    na comunidade Juruna do Km 17.

    O novo rgo criado pelo governo do estado do Par com vistas a responder pela

    questo indgena nesse estado, Coordenao de Proteo dos Direitos dos Povos

    Indgenas e Populaes Tradicionais, mesmo com sua localizao em Belm,

    representantes da comunidade Juruna do Km 17 Juruna tm participado de diversas

    etapas da construo das polticas indigenistas traadas por esta instituio.

    Exemplo disso que Sheila Juruna vem acompanhando a discusso realizada no

    mbito do Frum Estadual Indgena. Na comunidade foi realizada, em julho de 2008,

    a reunio preparatria da regio do Xingu, da Conferncia Estadual. E, ainda,

    diversos membros da comunidade participaram da I Conferncia Estadual de Povos

    Indgenas, ocorrida em agosto de 2008, em Belm. Informaes sobre a

    Coordenao Indgena e a Conferncia so apresentadas com mais detalhes no

    item que trata das polticas pblicas estaduais.

    Em seguida, no prximo nvel do diagrama de Venn, foi listada a Carteira Indgena,

    poltica pblica indigenista que desde 2003 vem sendo implementada pelo MDS e

    MMA. Todavia, a comunidade no est muito prxima da Carteira Indgena, apesar

    de Sheila Juruna integrar a representao indgena na coordenao do projeto.

    A Prefeitura Municipal de Vitria do Xingu, segundo os Juruna, a instituio que

    est mais distante da comunidade do Km 17 no diagrama de Venn. Quase no h

    relao dos Juruna do Km 17 com a sede municipal de Vitria do Xingu, que, alm

  • 40

    de estar mais distante, tem uma oferta bem menor de servios do que a cidade de

    Altamira. No item referente a polticas pblicas municipais, a relao dos Juruna do

    Km 17 com o municpio de Vitria do Xingu abordada com mais detalhes.

    5.2.3.6 As Polticas Pblicas Federais

    Plano Amaznia Sustentvel

    O Plano Amaznia Sustentvel PAS, tem como objetivo principal a promoo do

    desenvolvimento sustentvel da Amaznia brasileira, mediante a implantao de um

    novo modelo, pautado na valorizao do enorme patrimnio natural contido neste

    bioma e no aporte de investimentos em tecnologia e infraestrutura. Investimentos

    estes que devero ser voltados para a viabilizao de atividades econmicas

    dinmicas e inovadoras, com a gerao de emprego e renda, compatvel com o uso

    sustentvel dos recursos naturais e a preservao dos biomas, visando ainda

    elevao do nvel de vida da populao.

    No PAS, o governo federal apresenta as diretrizes estratgicas para promoo do

    desenvolvimento da Amaznia brasileira, que esto organizadas em quatro eixos

    temticos. So eles: (i) Ordenamento Territorial e Gesto Ambiental, (ii) Produo

    Sustentvel com Inovao e Competitividade, (iii) Infraestrutura para o

    Desenvolvimento e (iv) Incluso Social e Cidadania.

    Com relao s terras indgenas, considerando os direitos constitucionais dos povos

    indgenas e as funes essenciais de seus territrios para a conservao ambiental,

    essas constituem parte integrante da estratgia de ordenamento territorial e gesto

    ambiental do PAS, e as principais diretrizes so:

    A regularizao das terras indgenas, com ateno especial para aquelas

    localizadas em reas sob presses de obras de infra-estrutura, de

    movimentos demogrficos e da expanso de atividades econmicas na

    fronteira amaznica;

    Promover a elaborao dos planos de gesto territorial das terras

    indgenas, com forte protagonismo das populaes indgenas, visando

  • 41

    valorizao cultural, conservao dos recursos naturais e melhoria na

    qualidade de vida das mesmas;

    Fortalecer a capacidade institucional da Funai e de organizaes

    comunitrias indgenas para o exerccio de suas respectivas funes na

    gesto das terras indgenas.

    O PAS foi lanado pelo governo federal em maio de 2008, e a sua implementao foi

    delegada, pelo Presidente da Repblica, Secretaria de Assuntos Estratgicos da

    Presidncia, sob a coordenao do Ministro Roberto Mangabeira Unger.

    O PAS no um plano operacional, trata-se de um plano estratgico, contendo um

    elenco de diretrizes gerais e as estratgias recomendveis para a sua

    implementao. Quanto s aes especficas, devem se materializar mediante

    planos operacionais sub-regionais, alguns inclusive j elaborados ou em processo

    de elaborao, como o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentvel para a rea

    de Influncia da Rodovia BR-163 (Cuiab Santarm), o Plano de Desenvolvimento

    Territorial Sustentvel para o Arquiplago do Maraj e o Plano de Desenvolvimento

    Regional Sustentvel do Xingu.

    O Ministro Mangabeira Unger vem promovendo a articulao entre o governo

    federal, os governos estaduais e municipais visando implantao do PAS. Neste

    mbito, foi realizada, em agosto de 2008, na cidade de Altamira, reunio para

    lanamento e apresentao do Plano Amaznia Sustentvel, com a presena do

    Ministro Roberto Mangabeira Unger, da Governadora Ana Jlia Carepa e do

    Deputado Estadual Domingos Juvenil. D. Cndida Juruna participou deste frum de

    discusso de polticas de promoo do desenvolvimento sustentvel da Amaznia.

  • 42

    Figura 21 - Cartaz de agradecimento pelo PAS (Altamira agosto/08).

    Plano BR 163 Sustentvel

    O objetivo geral do Plano BR-163 Sustentvel o de implantar um novo modelo de

    desenvolvimento e organizar a ao de governo na sua rea de abrangncia, com

    base na valorizao do patrimnio sociocultural e natural, na viabilizao de

    atividades econmicas dinmicas e inovadoras e no uso sustentvel dos recursos

    naturais. Todos esses vetores conjugados so capazes de propiciar a melhoria da

    qualidade de vida das populaes da regio e sua maior articulao ao contexto

    socioeconmico nacional. O Plano BR-163 Sustentvel cobre ampla rea que

    sofrer impactos diretos e indiretos da pavimentao da rodovia, buscando impedir

    que a obra produza uma forte degradao ambiental da regio.

    A estratgia do Plano baseia-se na ampliao da presena do Estado, em todas as

    suas instncias e com base numa agenda variada de aes, garantindo maior

    governabilidade na regio. A elaborao e implantao do Plano fruto de uma

    articulao de diversos setores do governo federal, com os governos dos estados do

    Par, Mato Grosso e Amazonas, movimentos sociais, sociedade civil organizada e

    algumas prefeituras municipais.

    O Plano BR163 est divido em trs mesorregies, que so subdividas em sete

    subreas. O municpio de Vitria do Xingu localiza-se na Subrea Transamaznica

  • 43

    Oriental, que tem a cidade de Altamira como plo, e totaliza nove municpios21, com

    diversas terras e povos indgenas inseridos.

    As terras indgenas constituem parte integrante da estratgia de gesto territorial e

    de conservao ambiental do Plano BR-163 Sustentvel, e principalmente para a

    Subrea Transamaznica Oriental. Nesse sentido, sero apoiadas aes prioritrias de identificao, demarcao e homologao de terras indgenas na rea de

    abrangncia do Plano. Como aes complementares, deve apoiar a realizao de

    levantamentos etnoecolgicos, a elaborao de planos de gesto territorial das

    terras indgenas e o fortalecimento da capacidade da Funai e comunidades para

    exercem a vigilncia e proteo das reas. Alm disso, o Plano deve apoiar

    iniciativas de gesto dos recursos naturais em reas de entorno das reas indgenas

    (por exemplo, proteo e recuperao de matas ciliares), inclusive por meio de

    campanhas educativas.

    Os Juruna do Km 17 no participaram do processo de elaborao do Plano BR163

    Sustentvel, que realizou duas rodadas de consultas pblicas na regio, a primeira

    em 2004 e a segunda em 2005, na cidade de Altamira. Tambm no tem participado

    das discusses e do projeto desenvolvido pelos movimentos sociais da regio de

    apoio ao fortalecimento da sociedade civil e do controle social no monitoramento da

    implementao das aes do Plano, cuja atuao tem se centrado mais nos

    municpios localizados ao longo da rodovia BR-163, entre eles Santarm, Itaituba,

    Novo Progresso, Lucas do Rio Verde.

    Poltica Nacional de Recursos Hdricos

    As guas brasileiras encontram-se repartidas entre as que integram o domnio da

    Unio e as que pertencem aos estados e ao Distrito Federal. A Unio tem a

    competncia privativa para legislar sobre guas, cabendo aos estados legislar em

    matria de seu poder - dever de zelar pelas guas do seu domnio, assim como a

    competncia comum, juntamente com a Unio, o Distrito Federal e os municpios,

    21 Altamira, Senador Jos Porfrio, Vitria do Xingu, Porto de Moz, Anapu, Brasil Novo, Medicilndia, Placas e Uruar - sendo todos situados no eixo ou sob a influncia da BR-230 (Transamaznica). Sua rea territorial soma 97 mil km e esto excludos desta subrea o extremo sudoeste do municpio de Altamira (localidade de Castelo de Sonhos) e o restante do centro e sul do municpio, incluindo a chamada Terra do Meio e as terras indgenas do limite sul.

  • 44

    para registrar, acompanhar e fiscalizar a explorao de recursos hdricos em seus

    territrios.

    A Lei Federal n. 9433/97 instituiu a Poltica Nacional de Recursos Hdricos,

    baseando-se no reconhecimento da finitude da gua. A gua um recurso natural

    limitado, dotado de valor econmico (Art. 1). Tem como principais objetivos:

    Assegurar atual e s futuras geraes a necessria disponibilidade de

    gua, em padres de qualidade adequados aos respectivos usos;

    Promover a utilizao racional e integrada dos recursos hdricos, incluindo

    o transporte aquavirio, com vistas ao desenvolvimento sustentvel; e

    Efetivar a preveno e a defesa contra eventos hidrolgicos crticos de

    origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos hdricos.

    So instrumentos da Poltica Nacional de Recursos Hdricos: a) Planos de recursos

    hdricos; b) Enquadramento dos corpos de gua; c) Outorga do direito de uso dos

    recursos hdricos; e d) Cobrana pelo uso de recursos hdricos.

    Os planos de recursos hdricos visam a fundamentar e a orientar sua implementao

    e o gerenciamento desses recursos. Os planos de recursos hdricos devem ser

    elaborados em trs nveis: i. Nacional - Plano Nacional de Recursos Hdricos; ii.

    Estadual - Plano Estadual de Recursos Hdricos; e iii. Regional/Bacias Hidrogrficas

    - Plano de Bacia Hidrogrfica. O propsito principal do Plano Nacional de Recursos

    Hdricos PNRH, a construo e implementao conjuntas com a sociedade.

    O enquadramento dos corpos de gua indica as metas de qualidade das guas a

    serem alcanadas em uma bacia hidrogrfica, em determinado perodo temporal, a

    classe que os corpos de gua devem atingir ou em que classe de qualidade de gua

    devero permanecer para atender s necessidades de uso definidas pela sociedade.

    Esse instrumento j vem sendo utilizado no Brasil desde 1986, quando o Conama,

    por intermdio de sua Resoluo n. 2022, identificou as classes de uso em que os

    corpos de gua podem ser enquadrados, com correspondentes parmetros de

    qualidade.

    22 Atual Resoluo Conama n. 357/2005.

  • 45

    O enquadramento dos corpos de gua ocorrer de acordo com as normas e

    procedimentos definidos pelo CNRH e Conselhos Estaduais de Recursos Hdricos e

    ser definido pelos usos preponderantes mais restritivos da gua, atuais ou

    pretendidos. Destaca-se que o rio Xingu no possui enquadramento definido,

    portanto, classificado como classe 02, de acordo com o artigo 42 da Resoluo

    Conama n. 357/05, a saber: [...] enquanto no aprovados os respectivos

    enquadramentos, as guas doces sero consideradas classe 2.

    A outorga do direito de uso dos recursos hdricos assegura o controle quantitativo e

    qualitativo dos usos da gua, superficiais ou subterrneas, e o efetivo exerccio dos

    direitos de acesso gua. o ato administrativo pelo qual o poder outorgante

    concede ao outorgado o direito de uso do recurso hdrico por prazo determinado e

    conforme os termos e as condies expressas no ato.

    No caso da implantao de usinas hidreltricas consideradas de significativo

    impacto ambiental, a outorga preventiva ou a declarao de disponibilidade hdrica

    deve ser apresentada ao rgo ambiental licenciador para obteno da LP23. O

    Ibama estabeleceu em seus procedimentos para o licenciamento que a declarao

    de disponibilidade de gua para a utilizao dos recursos hdricos dever ser

    apresentada24 durante a anlise de viabilidade ambiental do empreendimento, fase

    que antecede a concesso de LP. A ANEEL deve apresentar ao IBAMA a outorga

    preventiva ou declarao de disponibilidade hdrica do rio Xingu, para o AHE Belo

    Monte, com a finalidade de subsidiar a concesso da LP do empreendimento.

    A outorga definitiva de direito de uso de recursos hdricos dever ser apresentada no

    momento do envio do Projeto Bsico Ambiental, e dever subsidiar a concesso da

    LI do empreendimento25.

    A cobrana pelo uso de recursos hdricos tem como objetivo reconhecer a gua

    como bem econmico, incentivar a racionalizao de seu uso e obter recursos

    financeiros para financiamento dos programas e intervenes contemplados nos

    23 Art. 4 da Resoluo CNRH n. 65/06. 24 Art. 18 e 19 da In IBAMA n. 65/05. 25 Art. 18 e 19 da In IBAMA n. 65/05.

  • 46

    planos de recursos hdricos. Sero cobrados os usos de recursos hdricos que forem

    sujeitos outorga, dentre os quais est previsto o aproveitamento dos potenciais

    hidreltricos.

    A bacia hidrogrfica foi estabelecida como unidade territorial para implantao da

    poltica e atuao do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos. A

    gesto dos recursos hdricos dever ser descentralizada e contar com a participao

    de todos poder pblico, setores usurios e sociedade civil.

    O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos foi criado com os

    seguintes objetivos:

    I - Coordenar a gesto integrada das guas;

    II - Arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos

    hdricos;

    III - Implementar a Poltica Nacional de Recursos Hdricos;

    IV - Planejar, regular e controlar o uso, a preservao e a recuperao dos

    recursos hdricos;

    V - Promover a cobrana pelo uso de recursos hdricos.

    Integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos (Art. 33, Lei

    9433/97): o Conselho Nacional de Recursos Hdricos CNRH; a Agncia Nacional

    de guas; os Conselhos de Recursos Hdricos dos Estados e do Distrito Federal; os

    Comits de Bacia Hidrogrfica; os rgos dos poderes pblicos federal, estaduais,

    do Distrito Federal e municipais cujas competncias se relacionem com a gesto de

    recursos hdricos; e as Agncias de gua.

    O CNRH responsvel por estabelecer as diretrizes complementares para

    implementao da Poltica Nacional de Recursos Hdricos, aplicao de seus

    instrumentos e atuao do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos

    Hdricos, entre outras atribuies. Ele composto por representantes dos Ministrios

    e Secretarias da Presidncia da Repblica com atuao no gerenciamento ou no

    uso de recursos hdricos; representantes indicados pelos Conselhos Estaduais de

  • 47

    Recursos Hdricos; representantes dos usurios dos recursos hdricos; e

    representantes das organizaes civis de recursos hdricos.

    O CNRH instituiu a Diviso Hidrogrfica Nacional26, com a finalidade de orientar,

    fundamentar e implantar o PNRH. O rio Xingu foi classificado como uma das bacias

    hidrogrficas que compem a Regio Hidrogrfica Amaznica.

    Os Comits de Bacia Hidrogrfica constituem-se na base do Sistema de

    Gerenciamento, e sua criao formal depende de autorizao do CNRH. Compete

    aos Comits (Art. 38):

    Promover o debate das questes relacionadas a recursos hdricos e

    articular a atuao das entidades intervenientes;

    Arbitrar, em primeira instncia administrativa, os conflitos relacionados aos

    recursos hdricos;

    Aprovar o Plano de Recursos Hdricos da bacia;

    Estabelecer os mecanismos de cobrana pelo uso de recursos hdricos e

    sugerir os valores a serem cobrados.

    Os Comits de Bacia Hidrogrfica tero como rea de atuao a totalidade de uma

    bacia hidrogrfica, a sub-bacia hidrogrfica de tributrio do curso dgua principal ou

    grupo de bacias ou sub-bacias hidrogrficas contguas. Os Comits so rgos

    colegiados que contam com a participao dos usurios, da sociedade civil

    organizada, de representantes de governos municipais, estaduais e federal. No caso

    de Comits cujos territrios abranjam terras indgenas, devem ser includos

    representantes da Funai, como parte da representao da Unio, assim como das

    comunidades indgenas ali residentes ou com interesses na bacia (Art. 39, 3 da Lei

    Federal n. 9.433/97).

    A instituio de Comits de Bacia Hidrogrfica em rios de domnio da Unio

    efetivada por ato do Presidente da Repblica, aps aprovao do CNRH. O rio

    Xingu, classificado como um rio de domnio federal, no conta com Comit de Bacia

    Hidrogrfica institudo.

    26 Resoluo n. 32, de 15 de outubro de 2003.

  • 48

    Conferncia Nacional do Meio Ambiente

    A Conferncia Nacional do Meio Ambiente tem por finalidade construir um espao de

    convergncia social para a formulao de uma agenda nacional do meio ambiente,

    por intermdio da mobilizao, educao e ampliao da participao popular, com

    vistas ao estabelecimento de uma poltica de desenvolvimento sustentvel para o

    Pas.

    A CNMA um instrumento de democracia participativa e de educao ambiental

    orientado pelas quatro diretrizes bsicas do MMA: desenvolvimento sustentvel;

    transversalidade; fortalecimento do Sistema Nacional do Meio Ambiente Sisnama;

    e controle e participao social. Todos os segmentos da sociedade podem deliberar

    de forma participativa, com direito a voz e voto sobre a construo de polticas

    pblicas de meio ambiente. Assim, sempre com vistas ao desenvolvimento

    sustentvel, e sob o lema Vamos Cuidar do Brasil, a conferncia convida a

    sociedade ao debate sobre diversos temas estratgicos para o pas.

    Instituda por meio do Decreto Presidencial de 5 de junho de 2003, a CNMA ocorre a

    cada dois anos. Nas duas primeiras edies, realizadas nos anos de 2003 e 2005,

    os temas em debate foram, respectivam