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  • 8/12/2019 JESSOP Althusser Poulantzas Buci Glucksmann Conceito Gramsciano Estado Integral

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    Althusser, Poulantzas, Buci-Glucksmann: desenvolvimentos ulteriores do conceito... 97

    Althusser,Poulantzas,Buci-Glucksmann:desenvolvimentosulteriores doconceito gramscianode Estado integral*BOB JESSOP **

    Este artigo explora alguns dos modos pelos quais as anlises do Estado integrale da hegemonia feitas por Gramsci nosCadernos do crcere(1929-35) foraminterpretadas, criticadas e desenvolvidas nas dcadas de 1960 e 1970 por dois

    marxistas franceses e um marxista grego radicado na Frana: Louis Althusser,Christine Buci-Glucksmann e Nicos Poulantzas. Embora os trs tenham sido li-dos essencialmente como marxistas estruturalistas, suas apropriaes de Gramsciforam marcadamente distintas e, na verdade, antagnicas. Aqui no tenho es- pao para apresentar o trabalho de Gramsci como ponto de referncia para esseexerccio, mesmo que uma leitura inocente fosse possvel. Assim, inicio com arecepo, em geral crtica, que Althusser fez da filosofia da prxis de Gramsci esua viso alternativa da ideologia e dos Aparelhos Ideolgicos de Estado (AIE).Em seguida, retomarei trs momentos na recepo mais positiva de Gramsci por

    parte de Poulantzas, notadamente no que se refere especificidade histrica daluta burguesa pela hegemonia nacional-popular e o papel que o Estado capitalista

    * Artigo publicado originalmente sob o ttulo de Althusser, Poulantzas, Buci-Glucksmann: Weiter-entwicklung von Gramscis Konzept des integralen Staats. Sonja Buckel e Andreas Fischer-Lescano(Orgs.).Hegemonie Gepanzert mit Zwang. Zivilgesellschaft und Politik im Staats-verstndnis AntonioGramscis . Baden-Baden: Nomos, 2007, p.43-65. Traduzido do ingls por Marcos Soares. Revisotcnica de Andria Galvo.

    ** Professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Lancaster. Devido variao das datasda primeira publicao de materiais at ento no publicados e de suas tradues subsequentes,as datas so dadas primeiro pela edio empregada, seguida da data de redao do manuscrito ouprimeira data de sua publicao. (N.A.)

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    desempenha para assegurar a dominao de classe burguesa. Enfim, terminareicom a releitura filosfica que Buci-Glucksmann faz das notas de Gramsci sobre ahegemonia e ointegraler Staat( stato integrale) nos termos de seu novo conceitode erweiterter Staat( stato allargato).

    Dos Aparelhos Ideolgicos de Estado ao materialismo aleatrioAlthusser retornou com regularidade ao tema do Estado e da poltica desde a

    publicao de Politics and History. Montesquieu, Rousseau, Marx (1972) e emdiversas ocasies desenvolveu sua teorizao sobre o Estado, estabelecendo umdilogo com Maquiavel, Rousseau, Marx, Lenin e Gramsci. Suas contribuiesmais significativas tratam da contradio e da sobredeterminao em conjunturasrevolucionrias; do papel do Estado na reproduo da classe dominante, comnfase especial nos papis dos Aparelhos Repressivos de Estado e nos AparelhosIdeolgicos de Estado; da ideologia e da sujeio; do Estado como um aparelho,uma mquina e um grupo de homens armados; e das condies conducentes a umaforma durvel de governo. Embora Althusser tenha, por diversas vezes, elogiadoa abordagem materialista histrica do Estado desenvolvida por Gramsci, ele nolevou adiante uma leitura sintomtica do trabalho do escritor sardenho sobre oassunto. No mximo, ele citou a distino que Gramsci estabelece entre a sociedadecivil e a sociedade poltica e a importncia das instituies e das organizaescivis para a reproduo da dominao de classe nos campos econmico, polticoe ideolgico. No outro extremo, acusou Gramsci de um historicismo absoluto

    e, em uma ocasio importante, rejeitou na ntegra a discusso de Gramsci sobrea hegemonia e sua recepo no ps-guerra (ver a seguir). Isso sugere que, emvez de ler os argumentos de Althusser sobre o Estado como se eles tivessem sidoderivados de Gramsci, seria melhor l-los como uma alternativa direta e crtica aele. Na verdade, embora haja algumas semelhanas superficiais e insignificantes,suas diferenas so profundas e fundamentais.

    Para nossos propsitos, o comentrio mais positivo de Althusser sobreGramsci est em A favor de Marx, onde ele argumenta que ainda faltava ao mar-xismo uma teoria adequada sobre a especificidade e a eficcia das superestruturas

    e que, depois de Marx e de Lenin, apenas Gramsci haviarealmenteelaborado esseaspecto, antes do prprio Althusser.1 Ele tambm comenta favoravelmente o con-ceito ampliado de Gramsci do intelectual2 e argumenta que, para uma compreensoreal da sobredeterminao dos fatores econmicos, era necessrio desenvolverateoria da eficcia especfica das superestruturas e de outras circunstncias, baseando-se na elaborao dateoria da essncia peculiar dos elementos espe-

    1 Louis Althusser.For Marx . Londres: New Left Books, 1969 [1965], p.114. 2 Ibidem, ver nota p.105. Cf. tambm Louis Althusser e Etienne Balibar.Reading Capital . Londres:

    New Left Books, 1970 [1968], p.128.

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    cficos da superestrutura.3 Uma nota de pesquisa sobre a ideologia e os AIEs,escrita em 1969 como parte de seu trabalho mais extenso sobre a reproduo,amplia o comentrio anterior:

    Ao que eu saiba, Gramsci a nica pessoa que avanou na direo que decidi tomar.Ele teve a ideia singular de que o Estado no poderia ser reduzido aos aparelhosestatais (repressivos), mas inclua, como ele mesmo disse, um certo nmero deinstituies da sociedade civil: a igreja, escolas, sindicatos etc. Infelizmente,Gramsci no sistematizou suas intuies, que permaneceram na forma de notas penetrantes, mas parciais.4

    Em outra ocasio, Althusser incluiu Gramsci entre os poucos marxistas que,como ele prprio, reconhecera que a classe trabalhadora precisa da filosofia naluta de classes.5 E ainda, em dois ensaios posteriores sobre Maquiavel, ele notouque Gramsci havia interpretado corretamente a exigncia do florentino por umnovo prncipe num novo principado para unificar a Itlia sob um estado nacionalrepublicano.6

    A despeito desses elogios s reflexes de Gramsci sobre o materialismo his-trico e a luta de classes e sua contribuio para a filosofia, Althusser as retomaapenas gestualmente ao desenvolver sua prpria teoria sobre os aparelhos deEstado, a ideologia e a luta de classes. Isso se deve provavelmente a sua viso deGramsci como algum que desempenhara um papel importante na esquerda no quese refere ao desenvolvimento de um historicismo e humanismo revolucionrios,sendo, portanto, um antagonista da afirmao de Althusser de que o marxismodeveria ser anti-humanista e anti-historicista.7 Embora ele tenha sido cuidadosoao distinguir entre, de um lado, sua crtica s falhas de Gramsci no emprego domaterialismo dialtico e, de outro, o reconhecimento de suas grandes contribui-es ao materialismo histrico,8 Althusser acaba concluindo que Gramsci tendea fazer com que a teoria da histria e o materialismo dialtico coincidam com omaterialismo histrico, embora elas constituam duas disciplinas distintas.9 Se-gundo sua viso, Gramsci confunde o desenvolvimento da filosofia e da histria

    3 Louis Althusser. Theory, Theoretical Practice and Theoretical Formation: Ideology and IdeologicalStruggle.Philosophy and the Spontaneous Philosophy of the Scientists, and other Essays. Londres,Verso, 1990 [1965], p.113-4, em itlico no original.

    4 Idem. Ideology and Ideological State Apparatuses.Lenin and Philosophy and Other Essays. Londres:NLB, 1977 [1970], nota p.281, traduzido do alemo por Jessop. Cf. tambm Louis Althusser. TheTransformation of Philosophy.Philosophy and the Spontaneous Philosophy of the Scientists, andother Essays. Londres, Verso, 1990 [1976], p.257; e Louis Althusser. Marx in his Limits. Althusser,Louis.The Philosophy of the Encounter . Londres, Verso, 2006 [1978].

    5 Idem. Essays in Self-Criticism . Londres: Verso. 1976 [1973], p.37. 6 Idem. Machiavelli and us . Londres, Verso, 2002 [1972-86]. 7 Althusser e Balibar, op. cit., p.119-20. 8 Ibidem, p.126. 9 Ibidem, p.130.

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    real, no consegue fazer a distino entre ideologia e cincia (tratando a teoriamarxista, portanto, como apenas outra viso de mundo), trata o marxismo comoexpresso direta de um perodo histrico particular e, logo, como parte da su- perestrutura, dissolvendo, portanto, a prtica terica na prtica em geral.10 Esseataque insensato e errneo tpico da rejeio altiva de Althusser de quase todasas escolas do marxismo que diferem de sua prpria verso, qualquer que seja aque ele adote de tempos em tempos.11 Isso significa que Althusser precisava de-senvolver uma teoria do Estado, da ideologia e do Aparelho Ideolgico de Estadoem sua prpria abordagem do materialismo dialtico, para no se contaminar como historicismo absoluto que ele identificava em Gramsci.12 Assim, ao comentarsobre as aparentes semelhanas entre a teoria da hegemonia de Gramsci e suas prprias anlises dos AIEs, ele escreveu:

    Pareceu [aos meus crticos] que aquilo que eu sugeria j havia sido dito, e de modomuito melhor, por Gramsci (que realmente levantou a questo da infraestruturamaterial das ideologias, mas dando a elas uma resposta mecnica e economicista).A ideia que prevalecia era a de que eu estava discutindo a mesma coisa, no mesmoregistro. Na realidade, parece-me que o trabalho de Gramsci no tem em vista omesmo objeto... Gramscinunca fala sobre os Aparelhos Ideolgicos de Estado; seutermo aparelhos hegemnicos. Isso deixa uma questo por responder: o que produziria, nos aparelhos de Gramsci, o que ele chama de efeito de hegemonia?Em resumo, Gramsci define seus aparelhos nos termos de seu efeito ou resultado,a hegemonia, que tambm muito mal definida. Da minha parte, procurei definir

    os AIEs nos termos de suas causas motoras: a ideologia. Alm disso, Gramsciafirma que os aparelhos hegemnicos so parte da sociedade civil (que constituitodo o conjunto deles, ao contrrio da sociedade civil tradicional, que formada pela sociedademenos o Estado), sob o pretexto de que eles so privados.13

    A teorizao sobre o Estado que Althusser prope como alternativa14 parte dasinadequaes da metfora base-superestrutura. Gramsci tambm havia adotadouma posio fortemente crtica em relao ao economicismo, tanto em suas formastericas quanto polticas; mas Althusser props outra soluo, adotando o estru-

    turalismo contra o humanismo e o economicismo.15 Ele identificou trs regiesrelativamente autnomas do modo de produo capitalista a econmica, a poltica

    10 Ibidem, p.130-7. 11 Gregory Elliott.Althusser: the Detour of Theory . Londres. Verso, 1987, p.41-5, 131; para uma rejeio

    bem-humorada do epteto de historicista usado contra Gramsci, ver Christine Buci-Glucksmann. Gramsci and the State.Londres: Lawrence & Wishart, 1980 [1975], p.15-6, 49 e passim.

    12 Para uma leitura alternativa de seu historicismo, ver Esteve Morera.Gramscis Historicism: a RealistInterpretation. Londres: Routledge, 1990.

    13 Louis Althusser. Marx in his Limits, op.cit, p.138-9, em itlico no original. 14 Idem. Ideology and Ideological State Apparatuses , op. cit. 15 Cf. Elliott, op. cit, p.60-3.

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    e a ideolgica e props que seus respectivos papis e interaes assimtricaseram determinadas em ltima instncia pelo econmico. As regies polticas eideolgicas adquiriam, assim, uma efetividade distinta tanto em relao regioeconmica quanto formao social capitalista como um todo. Na verdade, preci-samente porque a economia no pode determinar todo o restante como uma causasem causa, a reproduo total das relaes de produo nas formaes sociaiscapitalistas depende da interveno de um conjunto da superestrutura formado pelo Aparelho Repressivo de Estado (ARE) e diversos Aparelhos Ideolgicos deEstado (AIEs) relativamente autnomos. O alcance e importncia dos AIEsindicam que toda a sociedade atravessada por relaes de classe, submetidas aum poder de classe que exercido por um conjunto de instituies, incluindo asentidades privadas, como a Igreja, os partidos, os sindicatos, a famlia e as asso-ciaes culturais. Esse conjunto desempenha um papel crucial na manuteno dadominao burguesa e deve, por isso, ser tratado como parte do Estado e no, comoem Gramsci, como parte da sociedade civil. Essa ltima noo rejeitada com base no fato de que a distino entre pblico e privado interna ao direito burgus e, complementada por seus reflexos na ideologia jurdico-poltica, ajudaa manter a ditadura de classe burguesa.16

    A coerncia dessa combinao de regies relativamente autnomas dependede certa configurao poltica... imposta e mantida pela fora material (exercida pelo Estado) e pelo poder moral (exercido pelas ideologias).17 Em contraposio,o aspecto econmico da luta de classes obedece lgica do suplemento: as relaes

    de produo/explorao que determinam, em ltima instncia, a unidade complexado Estado dependem, para sua sobrevivncia, do Estado que delas derivado;em outras palavras, dependem das relaes de dominao poltica e ideolgicasuplementares que garantem sua reproduo. TantoSobre a reproduoquanto Marx dans ses limites, apontam o paradoxo do Estado capitalista. Para darfim explorao, primeiro necessrio desmontar o Estado que, gerado por ela,a preside constituindo o centro da ditadura que sustenta o regime econmicocapitalista.18

    Partindo dessas ideias, Althusser argumenta que, enquanto o Marxismo havia

    desenvolvido, com Marx, Lenin e, talvez, Gramsci, uma importantedescrio doEstado como instrumento da dominao de classe, essa descrio havia perma-necido num estgio essencialmente pr-terico de desenvolvimento. Sua missointelectual era a de dar a essa discusso uma forma terica. Assim, ele prope as

    16 Cf. Althusser e Balibar, op. cit., nota p.162; o ensaio sobre os AIEs emLenin and Philosophy andother Essays . Londres: New Left Books, 1971 (ver nota de rodap p.142, 144); e Jacques Bidet, Enguise dintroduction: une invitation relire Althusser. Louis Althusser.Sur la reproduction. Paris:Presses Universitaires de France, 1995, p.11.

    17 Althusser e Balibar, op. cit. 18 Goshgarian, G. M. Translators Introduction. Louis Althusser.Philosophy of the Encounter. Londres,

    Verso, 2006, p.xxxvii.

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    seguintes teses: (1) o centro do Estado seu aparelho repressivo; (2) o Estadotambm inclui uma variedade de aparelhos ideolgicos de Estado; (3) cada umdos AIEs tem sua ideologia e lgica prprias; (4) o Estado desempenha um pa- pel vital na reproduo das relaes de produo e faz intervenes em todas asreas que influenciam a reproduo dessas ltimas; e (5) enquanto a exploraode classe econmica for constitutiva das fundaes da sociedade, o Estado deveser mudado antes que a base econmica possa ser radicalmente reorganizada. Eledesenvolve essas teses bsicas de diversos modos acentuadamente formalistas(por exemplo, nos termos das funes ideolgicas secundrias dos AREs, dasfunes repressivas secundrias dos AIEs e das possibilidades de reverses nasfunes primrias de instituies especficas), mas diz pouco sobre ideologias particulares ou sobre os mecanismos de hegemonia, e ainda menos sobre situaeshistricas especficas em que a hegemonia foi mantida ou entrou em crise. O queele oferece uma anlise formal e institucionalista com tons funcionalistas, que nooferece explicao a respeito de como diferentes campos polticos e ideolgicosso articulados, muito menos unificados, com exceo da afirmao, igualmenteformal, de que um dos AIEs ser dominante (atualmente o sistema escolar em- bora Debray19 e Poulantzas20 mais tarde defendam a posio de que agora so osmeios de comunicao de massas que detm esse papel).

    Althusser diz pouco sobre a ideologia em geral ou sobre ideologias particularese enfatiza sua realizao atravs do mecanismo ideolgico da interpelao e suamaterializao nos AIEs.21 Na verdade, seus comentrios sobre ideologia so na

    maior parte descritivos, afirmando que[n]uma sociedade de classes, a ideologia serve no apenas para ajudar as pessoasa viverem suas prprias condies de existncia e realizarem suas tarefas, mastambm para suportarem sua condio seja a pobreza da explorao da qualso as vtimas, ou o privilgio exorbitante do poder e da riqueza do qual so os beneficirios.22

    Ou, novamente, que enquanto a ideologia est situada na superestrutura e temsua efetividade em relao ao direito e ao Estado, ela tambm deve ser pensadacomo algo que invade todas as partes do edifcio e considerada um tipo particularde cimento que assegura o ajuste e a coeso entre os homens e seus papis, suas

    19 Rgis Debray. Teachers, Writers, Celebrities: the Intellectuals of Modern France . Londres: Verso,1981 [1979].

    20 Nicos Poulantzas. State, Power, Socialism . Londres: Verso, 1978. 21 Cf. Paul Ricoeur. Lectures on Ideology and Utopia. Nova York: Columbia University Press, 1986. 22 Louis Althusser. Theory, Theoretical Practice and Theoretical Formation: Ideology and Ideological

    Struggle.Philosophy and the Spontaneous Philosophy of the Scientists, and other Essays . Londres:Verso, 1990 [1965], p.25.

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    antinomias de Gramsci29 e adicionando seus prprios comentrios, ele argumentouque, sem perceber, Gramsci fora contraditrio em sua teorizao do Estado, tentandoexplicar tudo sobre a poltica por meio da permuta entre apenas quatro conceitos:hegemonia, fora, sociedade poltica e sociedade civil. Pior ainda, a hegemonia figu-rava trs vezes nessa anlise, a saber: como hegemonia, como aparelho hegemnicoe como efeito hegemnico da sociedade poltica combinada com a sociedade civil.Alm do mais, Gramsci tratou a infraestrutura econmica e o Estado como neutros,reduzindo a ideologia cultura e escondendo a questo da natureza material damquina estatal por trs de uma evocao alusiva da Hegemonia.30 O resultado finalseria uma anlise confusa e contraditria que, de modo indiscriminado, mistura asrealidades concretas da luta de classes no mbito econmico, poltico e ideolgico,esvaziando a hegemonia de qualquer poder terico ou poltico.31

    Tais reflexes incitaram a um retorno a outro terico poltico clssico. A an-lise de Althusser em Machiavel et nous procurou teorizar o Estado e a polticasem recorrer ao esquema determinstico de base-superestrutura do materialismohistrico desenvolvido por Marx e, conforme ele alega, por Gramsci. Sua proposta baseia-se num materialismo aleatrio que enfatiza o devir histrico, lastreando-sena primazia do evento ou de encontros aleatrios que excluem, em princpio, arealidade ontolgica de cada lei estrutural ou progresso necessria na Histria.32 Althusser afirma que Maquiavel levanta a questo crucial a respeito de comoum Estado politicamente estvel surgeex nihilo e fornece uma interpretao do papel do prncipe que difere radicalmente da viso de Gramsci sobre o moder-

    no prncipe. Ele ainda argumenta que, ao mesmo tempo que o prncipe funda oEstado moderno, este s pode atingir estabilidade mediante uma mudana de um principado desptico para uma repblica baseada nas regras da lei como forma ade-quada do Estado moderno. Apenas essa forma de domnio poltico pode assegurara reproduo da reproduo como um todo. Essa abordagem marca uma quebraepistemolgica radical com a anlise funcionalista da reproduo das relaesde produo em seus textos sobre os AIEs, localizando tal reproduo no desen-volvimento histrico contingente e aleatrio e na sucesso de formas de Estado,em oposio natureza necessria, sobredeterminada e eterna da reproduo no

    ensaio sobre os AIEs.33

    Alm do mais, enquanto o povo era um sujeito passivoa ser interpelado e mobilizado pelos AIEs, agora o povo se torna o principalfoco de resistncia e recusa diante dos poderes reprodutivos da represso polticae da subjetivao ideolgica. A despeito dessas acomodaes tericas, Gramsciainda desempenha um papel limitado na teorizao de Althusser sobre o Estado.

    29 Perry Anderson. The Antinomies of Gramsci.New Left Review , 100, 1976, p.5-78. 30 Louis Althusser. Marx in his Limits, op. cit, p.148. 31 Ibidem, p.139-50. 32 Miguel Vatter. Machiavelli after Marx: the Self-Overcoming of Marxism in the Late Althusser.Theory

    and Event , 2004, disponvel online. 33 Ibidem.

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    Do historicismo centralidade das lutas hegemnicas

    Poulantzas chegou a Gramsci por seu interesse mais geral pelo marxismoitaliano incluindo a epistemologia da Escola de Della Volpe e trabalhos sobre asociedade civil. Tratava-se de um perodo de transio no qual ele se movia de

    uma anlise existencial-marxista sartreana acerca da lei e da filosofia do direito para uma anlise estrutural marxista da regio do poltico nas formaes sociaiscapitalistas , um perodo no qual Poulantzas no apenas escreveu sobre a filo-sofia do direito e sobre aspectos jurdico-polticos do Estado, mas tambm sobreo estruturalismo marxista de Althusser, sobre a noo gramsciana de hegemoniae sobre o marxismo historicista de tericos britnicos como Anderson e Nairn.Durante essa transio, Althusser forneceu-lhe os meios filosficos para quebrarcom o sobreontologismo34 do existencialismo de Sartre, e, assim, ultrapassar umaexplicao humanista e historicista do Estado capitalista; enquanto Gramsci, por

    outro lado, forneceu-lhe os conceitos substantivosque lhe permitiram situar suasideias sobre a lei e o Estado num contexto mais amplo das sociedades capitalistas.Poulantzas tinha reservas sobre os mritos do trabalho de Gramsci quando

    entrou em contato com ele em 1964-68. Pois Gramsci era frequentemente vistona Itlia e na Frana como um marxista ocidental que enfatizava a luta de classesem detrimento das circunstncias materiais e limitaes estruturais. Ecoando essaopinio (presente sobretudo na formulao de Althusser), Poulantzas apontou queas anlises polticas de Gramsci eram frequentemente prejudicadas pelo histo-ricismo de Croce e Labriola e deviam ser usadas com cuidado.35 Assim, embora

    elogiasse suas contribuies para a anlise da hegemonia, Poulantzas tentou sedistanciar do historicismo ao enfatizar as fundaes estruturais do poder de classee as diferentes modalidades e possveis disjunes entre nveis da luta de classes.36 Ele continuou a manter uma distncia saudvel de Gramsci a partir da embora asrazes de Poulantzas tenham mudado, conforme o autor modificava suas prprias posies tericas e polticas.

    Entretanto, desde seu primeiro encontro com os escritos de Gramsci, elese interessou por sua abordagem da ideologia e da hegemonia como exercciode liderana poltica, intelectual e moral. Poulantzas sugeriu que a lideranahegemnica era o trao central que definia o poder de classe nas sociedades ca- pitalistas avanadas, que, em sua opinio, eram baseadas economicamente num

    34 Sur-ontologisme o termo usado por Poulantzas em Nature des choses et droit: essai sur ladialectique du fait et de la valeur (Paris: R. Pichon e R. Durand-Avzias, 1965) para identificar umanfase exagerada em questes ontolgicas a expensas da pesquisa concreta. Poulantzas argumentaque h uma ambiguidade no trabalho de Sartre, considerando que a anlise ontolgica constante-mente sobrepe-se anlise econmico-social (Cf. Bob Jessop. Nicos Poulantzas Marxist Theoryand Political Strategy , 1985, especialmente Cap. 2, Existentialism, Marxism, and Law).

    35 Nicos Poulantzas. Political Power and Social Classes . Londres: NLB, 1973 [1968], p.39, 138-9,194-7, 200-1; e Marxist Political Theory in Great Britain.New Left Review , 43, 1967 [1966], p.68.

    36 Ver especialmente Political Power...

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    individualismo possessivo e, politicamente, na cidadania individual em um Es-tado nacional. Ele tambm chamou a ateno para a nfase de Gramsci no papelcrucial do Estado (entendido em termos gerais) na mediao e na organizao dahegemonia do bloco no poder, assim como na desorganizao das classes subal-ternas. Ele apresentou essas ideias pela primeira vez em Prliminaires ltudede lhgemonie dans ltat.37 Um segundo passo foi iniciado com a integraodessas ideias em sua anlise marxista mais estrutural em Poder poltico e classes sociais. Essas ideias ainda influenciaram teoricamente o terceiro estgio de seudesenvolvimento, quando ele fez uma mudana significativa em seu trabalho so- bre o Estado capitalista, mas tiveram um papel bem menor em suas ideias sobreestratgias polticas revolucionrias.

    Em suas Observaes preliminares, Poulantzas empregou Gramsci paracriticar a abordagem instrumental-voluntarista do marxismo ortodoxo. Ele insistiuno fato de que o Estado deve ser tratado como um conjunto estrutural especficoque acarreta efeitos prprios sobre a reproduo de uma sociedade dividida emclasses e de que as classes no tm uma conscincia abstrata e unificada, mas soconstitudas como foras polticas pelo prprio Estado.38 Enquanto as relaes capi-talistas de produo criam o espao institucional para um tipo de Estado e polticasdiferentes daquelas caractersticas do feudalismo, o papel historicamente nicoda hegemonia como princpio organizador do Estado capitalista que determinasuas formas e funes especficas. Enquanto nas relaes sociais pr-capitalistasainda faltava uma separao clara entre as esferas econmicas, polticas ou sociais,

    o capitalismo se assenta em uma separao institucional entre a esfera privada dasociedade civil (a esfera da troca econmica) e a esfera pblica da poltica. Isso criauma oposio entre os interesses privados dos produtores tomados individualmentena esfera econmica e seus interesses polticos comuns em um quadro ordenadoque possibilite as relaes de troca. A organizao da vida econmica em termosda produo de mais-valia e de trocas mediadas pelo mercado permite um mododistintivo, sui generis, de dominao poltica de classe que no se restringe a ummonoplio formal do poder poltico. Os Estados econmico-corporativos dassociedades escravocratas ou feudais eram baseados no princpio monrquico ou

    no direito divino e excluam abertamente as classes exploradas da participaoefetiva na esfera poltica. Eles dependiam assim como os Estados burguesesem perodos excepcionais da fora para impor os interesses econmicos priva-dos imediatos da classe dominante. De outro lado, o Estado capitalista normal compatvel com o poder popular e pode delegar a responsabilidade secular doEstado ao seu povo. O povo participa na poltica, pelo sufrgio universal,comocidados formalmente livres e iguais, mais do que conforme sua capacidade

    37 Nicos Poulantzas. Prliminaires ltude de lhgemonie dans ltat. Les Temps Modernes , p.234-5,862-96, 1048-69, 1965.

    38 Ibidem, p.866-9.

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    de produtores. O Estado burgus hegemnico deve, portanto, garantir (pelomenos de maneira formal e abstrata) o interesse universal e geral de todos os seuscidados como condio de sua legitimidade. Ele faz isso pela mediao entre osinteresses privados que competem entre si e seu interesse geral e pblico.39 O embate poltico est orientado para o controle dessa instncia universalizante erequer que a classe dominante apresente seus interesses especficos como aquelesda nao como um todo. Assim, a poltica constituda como o campo da hege-monia nacional-popular mais do que de confronto de classes.40

    Para Poulantzas, seguindo Gramsci, o Estado moderno no pode servir de modoinequvoco aos interesses econmicos imediatos da(s) classes(s) dominante(s).Enquanto os interesses de classes conflitantes no Estado pr-moderno estavamsujeitos, no melhor dos casos, a compromissos marginais e mecnicos e o poder poltico era fragmentado, o Estado capitalista deve ter um aparelho unitrio eautnomo para organizar a hegemonia. S ento ele pode impor sacrifcios econ-micos de curto prazo para as classes dominantes a fim de assegurar sua dominao poltica de longo prazo. Os intelectuais e a luta de classes ideolgica so cruciaisaqui, pois todas as relaes sociais nas sociedades capitalistas aparecem comorelaes de consentimento sustentadas, caso necessrio, pelo recurso violnciaconstitucionalizada e legtima.41 Isso vale no apenas para as relaes polticasentre a classe dominante e a dominada, mas tambm para aquelas entre as diferen-tes fraes da classe dominante. A diversidade de seus interesses requer que elessejam unificados num bloco no poder ( Block an der Macht ) atravs da hegemonia

    de uma frao especfica do capital. O Estado de tipo capitalista desempenha um papel central na organizao desse bloco e na garantia do consentimento ativodas classes subalternas.42

    A anlise poulantziana da ideologia deve muito a Gramsci e Althusser. Elecriticou trs vises comuns: primeiro, a viso de que o poder estatal a expressoimediata da conscincia de classe da classe politicamente dominantequasujeito daHistria; segundo, que a unidade de uma formao social um efeito da imposiode uma viso de mundo especfica de um sujeito da classe hegemnica; e terceiro,que as ideias dominantes de uma poca so as ideias da classe dominante, cuja

    unidade tomadaa priori.43

    Tais argumentos devem ser rejeitados, porque negamqualquer autonomia intrnseca superestrutura poltica na qualidade de um nvelespecfico da formao social.44 Como indicado acima, a alternativa de Poulantzasera enfatizar o significado do bloco no poder como uma unidade contraditria

    39 Ibidem, p.870-6. 40 Ibidem, p.880-2. 41 Ibidem, p.882-93. 42 Ibidem, p.1061-6. 43 Ibidem, p.864, 868, 870-1; Marxist Political Theory, op. cit, p.62-4; cf. Althusser, Louis. Marx in

    his Limits, op. cit., p.136-7. 44 Political Power..., op. cit, p.42, 199-200.

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    de vrias classes e fraes de classe e insistir nas mediaes institucionais e or-ganizacionais cruciais envolvidas para assegurar a coeso e a hegemonia desse Block an der Macht . Ele tambm enfatiza as possibilidades de disjuno entreas diferentes formas de dominao de classe (econmica, poltica e ideolgica)e/ou entre o contedo de classe aparente da ideologia dominante e seu papelobjetivo em assegurar ideologicamente a dominao de classe.45 A disjuno ea correspondncia entre diferentes nveis devem ambas estar relacionadas a suaarticulao numa complexa estrutura com dominante, analisada por Althusser, eao papel da ideologia dominante de cimentar a formao social, como indicado por Gramsci e, num contexto diferente, por Althusser (ver acima).

    Esses resumos mostram que temas centrais da teoria de Poulantzas sobre oEstado tm origem direta em Gramsci e antecedem sua adoo de certas posiesdo marxismo estruturalista, diretamente inspiradas pela releitura sintomtica de

    Althusser dos textos econmicos, polticos e filosficos de Marx, Lenin e Gramsci.Entretanto, o encontro entre Poulantzas e Althusser levou o primeiro a rejeitardois temas de sua problemtica inicial gramsciana. Primeiro, numa mudanaque, na verdade, o trouxe mais prximo prpria posio de Gramsci, rejeitousua distino anterior entre a sociedade civil e o Estado como a base para teo-rizar a distino entre interesses particulares e universais, porque tal distinoapontava que as bases da sociedade civil eram a troca e a circulao, mais doque a produo. E, segundo, Poulantzas se tornou mais ambivalente a respeitodo conceito de Grasmci de hegemonia devido a sua suposta contaminao pelo

    historicismo e procurou purific-lo ao fundar sua necessidade, de maneira aindamais firme, na especificidade histrica do modo de produo capitalista e suasdistintas formas de Estado.

    Essa mudana se reflete na organizao do primeiro livro de Poulantzas sobrea teoria do Estado, Pouvoir politique et classes sociales (1968). Inspirado pelomarxismo estruturalista de Althusser, ele argumentou que um estudo cientfico doEstado de tipo capitalista exige trs desenvolvimentos tericos inter-relacionados:(a) umateoria geral dos modos de produo, das sociedades divididas em clas-ses, dos Estados e da poltica todos vistos isoladamente em relao a modos de produo especficos; (b) umateoria especfica do modo de produo capitalistaque determine o lugar e as funes exatas do Estado e da poltica em sua estruturageral; e que explique porque o Estado difere institucionalmente no prprio capi-talismo; e (c) umateoria regional do Estado e da poltica capitalista.46 Althusserforneceu os conceitos de materialismo dialtico e histrico para o primeiro passoe a teoria inicial sobre a autonomia relativa do Estado e da poltica capitalista nosegundo passo. Por sua vez, a teoria jurdico-poltica (em especial Pashukanis)

    45 Marxist Political Theory, op. cit, p.65; Political Power..., op. cit, p.41, 89-91, 155, 171, 203. 46 Political Power..., op. cit, p.12, 16-8, 142.

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    forneceu conceitos-chave para a identificao da matriz institucional especficado Estado de tipo capitalista que era necessria para completar o segundo passo efazer a ponte para o terceiro. Assim, Poulantzas definiu a forma normal do Estadocapitalista como um territrio soberano baseado nas regras da lei no qual a(s)classe(s) dominante(s) no detinha(m) o monoplio formal do poder de classe. Odireito e a ideologia jurdico-poltica duplicavam, portanto, a fratura da esferaeconmica privada na constituio do pblico como cidados individuais e/ou categorias polticas isoladas umas das outras. Diante disso, o papel do Estado produzir um efeito unificador que compense esse efeito de isolamento nasrelaes econmicas e polticas. Logo, o Estado visto como uma unidade pblicaestritamente poltica (ou seja, no econmica) do povo-nao, tomada como asoma abstrata de sujeitos legais formalmente livres e iguais.47

    ao analisar a forma substantiva dessa coeso e unidade que Poulantzas sevolta novamente a Gramsci, para indicar como essa forma reproduz a dominaode classe. Pois o Estado capitalista executa duas funes complementares, pormcontrastantes. Primeiro, deve impedir qualquer organizao poltica das classesdominadas que possa dar fim a seu isolamento econmico e/ou a sua fragmentaosocial, permitindo que elas lutem como uma fora unida. E, segundo, deve agirsobre as classes ou fraes de classe dominantes para cancelar seu isolamentoeconmico e assegurar a unidade do bloco no poder e sua hegemonia sobre asclasses dominadas.48 Isso ocorre sob a liderana de uma classe especfica, queconsegue apresentar seus interesses polticos gerais como aqueles do povo-nao

    como um todo. Esse processo envolve uma negociao de interesses contnua econflituosa num equilbrio instvel de foras (citando Gramsci) e requer conces-ses materiais reais (embora limitadas) aos interesses econmico-corporativosdas classes subordinadas.49 Esse duplo papel possvel porque a separao formalentre o Estado-nao soberano e a economia capitalista de mercado permite con-cesses econmicas de curto prazo e manobras polticas de longo prazo; e porquesua forma como um Estado democrtico constitucional encoraja as principaisforas polticas a ligarem seus interesses ao nacional-popular (ou universal).50 As concesses efetuadas para manter a coeso social numa sociedade dividida

    em classes tambm ajudam a desorganizar as classes dominadas e a reforar aaparncia de que o Estado democrtico promove o interesse geral. Em resumo,o poder estatal deve ser visto em termos relacionais, ou seja, como fundado numequilbrio instvel entre foras de classe mais do que no monoplio de uma nicaclasse (ou frao).51

    47 Ibidem, p.125, 133-4, 188-9, 213-6, 223-4, 276-9, 288, 291, 310, 348-50. 48 Ibidem, p.136-7, 140-1, 188-9, 284-9. 49 Ibidem, p.137, 190-1. 50 Ibidem, p.190. 51 Ibidem, p.191-3.

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    Em argumentos que remetem fortemente s afirmaes de Gramsci, Poulantzasexamina como o tipo capitalista de Estado funciona como o partido poltico dasclasses dominantes e ajuda na direo-organizao do bloco no poder em face desuas divises internas. Um bloco no poder uma relao orgnica de longo prazoque se estende pelos campos econmico, poltico e ideolgico e sua durabilidadedepende da capacidade de uma classe de transformar seus interesses econmicosnum projeto poltico que faz avanar os interesses comuns de todas as classesdominantes atravs da explorao econmica e da dominao poltica.52 A ex- plicao mais clara da liderana da classe hegemnica pode ser encontrada em Fascismo e ditadura (1970), que mostra como os partidos e/ou os Estados fascistasestabeleceram as precondiesestruturais para ahegemoniado grande capital;e como a ideologia fascista ajudou a assegurar sua liderana poltica, intelectuale moral. Mas Poulantzas no explica como polticas e programas especficosconsolidaram seu apoio e neutralizaram a resistncia durante os vrios estgiosdo perodo fascista. Entretanto, esse se tornaria um tema central em seu trabalhosobre o estatismo autoritrio na dcada de 1970.53

    Poulantzas tambm sugere que a hegemonia nacional-popular e a hegemoniano interior do bloco no poder geralmente se concentram na mesma classe ou frao.Entretanto, enquanto a hegemonia sobre o bloco no poder depende da posio po-ltica ocupada pela classe hegemnica no circuito do capital, a hegemonia populardepende da capacidadeideolgica de definir o interesse geral do povo-nao.54 Mas ele tambm reconhece que essas duas formas de hegemonia podem ser des-

    locadas ou podem se desenvolver de forma desigual. Mas, em todos os casos, a forma geral do Estado ou regime que crucial; pois os laos especficos entreclasses e partidos em conjunturas particulares podem variar consideravelmentesem mudar as relaes polticas fundamentais no interior do bloco no poder e suasdeterminaes atravs da matriz institucional geral do Estado.55 Aqui e em anlisesanteriores, Poulantzas baseia-se enormemente em Gramsci, assim como em Marx,Engels e Lenin, de quem extrai uma variedade ampla de conceitos mobilizadosem sua anlise de lutas polticas concretas no nvel da cena poltica, assim comoos padres estruturais de dominao de classe que os sustentam. Entretanto, em

    comparao com os escritos do prprio Gramsci, pouca ateno real dada ao papel dos intelectuais a esse respeito.Poulantzas escreveu seu primeiro trabalho terico importante sobre o Estado

    antes que Althusser tivesse introduzido os conceitos de Aparelhos Repressivos eAparelhos Ideolgicos de Estado. Ele se referiu a eles pela primeira vez em suacrtica a Miliband56 e, em seguida, integrou-os a sua prpria teoria do Estado em

    52 Ibidem, p.239. 53 Cf. Nicos Poulantzas. State, Power, Socialism ..., op. cit. 54 Political Power ..., op. cit. p.240. 55 Ibidem, p.314-21. 56 Nicos Poulantzas. The Problem of the Capitalist State.New Left Review , 58, 1969, p.67-78.

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    suas anlises do fascismo57 e em seus estudos tericos e empricos posteriores.58 Seguindo Althusser, ele define os AIEs nos termos de sua principal funo ainculcao e a transmisso ideolgica em oposio represso e tambm insisteque eles so parte do sistema estatal. Isso porque ajudam a manter a coeso social(que a funo genrica do Estado) e porque suas operaes dependem do apoioindireto dos AREs. Tambm aponta, com Althusser, que os AIEs tm um graumaior de autonomia entre si e em relao aos AREs do que as diferentes ramifi-caes destes ltimos, cuja autonomia menor. Ainda assim, cada modificaoimportante do Estado afeta no apenas os AREs, mas tambm as relaes entreos AIEs, assim como entre os AIEs e os AREs. Portanto, a transio para o so-cialismo deve no apenas dissolver os AREs, mas tambm transformar os AIEs.59

    A teoria de Poulantzas sobre o fascismo elabora e critica essas posies. Eleargumenta que as nicas ideologias so as ideologias de classe e que o conceitode AIEs deve ser relacionado de forma rigorosa luta de classes e, a partir dessecontexto, afirmou que a abordagem de Althusser sobre os AIEs era abstrata eformal. Ele aponta que Althusser derivou a unidade dos AIEs de sua suposta permeabilidade em relao ideologia dominante produzida pela classe quedetm o poder do Estado. Isso inadequado porque equaciona a ideologia domi-nante com os mecanismos da ideologia em geral. Da essa unidade ignorar ascontradies ideolgicas intensas no interior dos AIEs que nascem da luta entreos porta-vozes ideolgicos de diferentes classes e ignorar os deslocamentosem potencial no poder do Estado entre os AREs e os AIEs.60 Poulantzas tambm

    sugere que Althusser no pode estabelecer a autonomia relativa dos AIEs sejaentre eles, seja em relao aos AREs e sugere ele prprio que tal autonomia sefunda diretamente na luta de classes ideolgica que atravessa esses aparelhos.61 Poulantzas tambm nota que quando a classe trabalhadora incapaz de con-quistar os AIEs e os AREs, permite que a burguesia se reconstitua como classedominante atravs de basties entre os AIEs. Isso teria acontecido, por exemplo,na Unio Sovitica.62 De modo mais amplo, Poulantzas argumenta que os AIEsconstituem com frequncia os refgios privilegiados de fraes e classes nohegemnicas, podendo constituir no apenas os ltimos vestgios de poder para

    fraes e classes em declnio, mas tambm as primeiras oportunidades de avano para fraes e classes ascendentes.63 Finalmente, ele nota que as lutas das massas populares repercutem nos AIEs e exercem uma influncia marcante sobre aqueles

    57 Idem. Fascism and Dictatorship , op. cit. 58 Idem. Classes in Contemporary Capitalism . Londres: New Left Books, 1975;State, Power, Socia-

    lism ..., op. cit. 59 Idem. The Problem of the Capitalist State, op. cit, p.76-9; cf. Idem. Sur la Reproduction, p.179-186. 60 Idem. Fascism and Dictatorship , op. cit, notas p.300-1, p.304-5. 61 Ibidem, p.304. 62 Ibidem, p.230-3. 63 Ibidem, p.230-1, 308; cf. State, Power, Socialism ... , op. cit.

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    que como sindicatos e partidos social-democratas buscam a integrao dasmassas.64 Em resumo, levando em conta a luta de classes e a resultante do jogodo poder de classe criado entre os AREs e os AIEs, no se pode postular, comofez Althusser, um mecanismo de ideologia em geral para explicar a operao dosAIEs, nem assumir que os aparelhos de Estado operam de modo unificado.

    Essas ideias so desenvolvidas em O Estado, o poder, o socialismo, em queo argumento que o Estado desempenha um papel central na constituio dasclasses sociais porque recorre represso fsica organizada e tambm intervmna organizao das relaes ideolgicas e da ideologia dominante. De fato, aideologia dominante corporificada nos aparelhos de Estado e constitui um poder essencial da classe dominante. Enquanto os AIEs tm um papel central naelaborao, na doutrinao e na reproduo dessa ideologia, esse papel tambm desempenhado pelos AREs e o Aparelho Econmico de Estado (AEE) que,argumenta-se, distinto dos AREs e dos AIEs.65 Na elaborao desses argumen-tos, entretanto, Poulantzas admite que o par AIE/ARE , no melhor dos casos,descritivo e nominalista, no compreendendo a importncia do AEE no Estadocontemporneo, que constitui o ponto onde grande parte do poder da frao he-gemnica da burguesia se concentra.66

    Poulantzas tambm amplia a ideia do Estado integral, partindo da anlise poltica e ideolgica para as relaes econmicas. Ele estudou as classes sociaisnos termos de sua reproduo ampliada, no lugar da perspectiva econmicaestreita que olha seu lugar na produo, na distribuio e no consumo. Sua

    abordagem abrange as relaes econmicas, polticas e ideolgicas e envolve oEstado e a diviso entre trabalho, intelectual e manual, assim como o circuito docapital e das relaes no capitalistas de produo. De fato, Poulantzas semprecolocou as relaes sociais de produo nesse sentido expandido ou integral nocentro de suas anlises da luta de classes. Ele tambm viria a analisar a reproduosocial nos termos da reproduo das condies inter-relacionadas entre economia, poltica e ideologia que tm impacto sobre a acumulao.67 Isso pode ser visto comouma extenso criativa importante das ideias de Gramsci, remetendo em parte asua reinterpretao do conceito demercado determinadode Ricardo, assim como

    suas notas sobre o Americanismo e o Fordismo e os problemas de transfernciadesse novo modo de crescimento e socializao para a Europa.68

    64 Idem. Fascism and Dictatorship , p.309. 65 Idem. State, Power, Socialism ..., op. cit, p.28. 66 Ibidem, p.33. 67 Idem. Las clases sociales. F. Fernandes et al. Las clasas sociales en America Latina. Mxico: Siglo

    XXI, 1973, p.96-126; idem. Classes in Contemporary Capitalism , op. cit. e especialmente State,Power, Socialism ..., op. cit.

    68 Para uma discusso sobre o assunto, Derek Boothman, Gramsci als konom. Das Argument , 185,1991, p.57-70; Bob Jessop e Ngai-Ling Sum. Gramsci as a Proto-Regulationist and Post-Regulationist.

    Jessop e Sum.Beyond the Regulation Approach: Putting Capitalist Economies in their Place. Chel-tenham: Edward Elgar Publishing, 2006, p.348-73.

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    formulada e que a linha geral da dominao poltica de classe (ou hegemonia?)em geral surge post hoc de uma pletora de microestratgias e tticas mediadas pelo terreno estrategicamente seletivo do Estado. Isso parece colocar em dvidao conceito da liderana hegemnica de classe, dissolvendo-o em favor de uma perspectiva mais foucaultiana do que gramsciana. Poulantzas tambm argumentaque Gramsci no havia dado a devida importncia democracia representativa,ao pluripartidarismo e regra da lei para uma transio para o socialismo demo-crtico. Isso estaria associado com certo panpoliticismo em Gramsci, que sereflete em seu tratamento do conjunto da sociedade civil como essencialmente poltico e sua viso do partido comunista como o centro atravs do qual todas asvrias esferas privadas so coordenadas e subordinadas a uma estratgia polticaglobal. Ao contrrio, Poulantzas v o Estado como um arcabouo institucional quecristaliza as contradies e os conflitos de classe nele mesmo e pode, portanto, serderrotado de dentro. A mesma preocupao emerge na afirmao de Poulantzasde que a estratgia gramsciana da guerra de posio ainda leninista, porquetrata o Estado como uma entidade monoltica a ser cercada. Em oposio a essessupostos problemas em Gramsci, Poulantzas clama uma revoluo copernicanano pensamento poltico socialista.

    Da crtica do economismo ao Estado expandido

    A grande obra de Buci-Glucksmann,Gramsci e o Estado(1975), uma re-construo original da anlise do Estado de Gramsci em torno de um conceito

    novo: o Estado ampliado. H alguma confuso sobre o significado desse novotermo, tanto para Gramsci quanto para Buci-Glucksmann. Como nota de GuidoLiguori, o prprio Gramsci escreve sobrelo stato integrale, o Estado em seusentido inclusivo, em vez do stato allargato(ou Estado ampliado). Mas adicionaque oCaderno 6 , que o texto crucial nessa discusso, apresenta a famosa formu-lao do Estado como sociedade poltica + sociedade civil, como Hegemoniegepanzert mit Zwang, e termos similares de modo a justificar esse novo concei-to.70 Minha opinio, entretanto, que, embora seja errado ver uma convergnciaentre a teoria de Gramsci sobrelo stato integrale e a ideia do stato allargato, este

    ltimo termo til para compreender a especificidade histrica do Estado em um perodo particular. Em outras palavras, enquanto o conceito de stato integrale (o Estado em seu sentido inclusivo) tem um valor metodolgico geral, ao tratar oEstado como um conjunto de relaes sociais que sempre, mesmo que diferen-cialmente, imerso em um conjunto mais amplo de relaes sociais, o conceito de stato allargato tem um valor histrico especfico, ligado a estgios especficosdo desenvolvimento capitalista e/ou a variedades do capitalismo.

    A prpria Buci-Glucksmann parece indicar isso no Prefcio para a traduo

    70 Guido Liguori. Stato-societa civile. Fabio Frosini e Guido Liguori (Orgs.).Le Parole di Gramsci ,Roma: Carocci, p.208.

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    inglesa deGramsci et ltat (1980). Ela nota que, para o autor, o Estado ampliadose referetanto a uma reorientao na teoria marxista geral do Estadoquanto auma expanso do Estado capitalista em um perodo particular do desenvolvi-mento capitalista.71 De modo consistente com isso, o texto principal se referetanto expanso gramsciana do conceito de Estado como sociedade poltica+ sociedade civil72 quanto expanso profunda do aparelho hegemnico na erado Americanismo e do Fordismo na organizao da produo e nas relaes deconsumo, assim como nos vrios campos da superestrutura.73 Uma ponte possvelentre essas posies sua sugesto de que o Estado integral uma forma distintado Estado capitalista que superou a fase econmico-corporativa da construodo Estado e capaz de governar atravs da hegemonia protegida pela couraada coero.74 Entretanto, esse Estado integral poderia assumir diversas formas,e no apenas aquela tpica do Americanismo e do Fordismo.75 Portanto, parecevlido distinguir entre (a) o Estado em seu sentido inclusivo(sociedade poltica+ sociedade civil) como um conceito terico para a anlise do Estado capitalistaque permitiu a Gramsci contrastar o Estado em seu sentido restrito (o governotoutcourt ) e seu sentido amplo ou integral e, portanto, identificar os limites tericose polticos do instrumentalismo e do voluntarismo, assim como as variaes em- pricas e as complexidades da interveno do Estado durante as crises;76 e (b) oconceito histrico do Estado ampliado como uma articulao particular do Estadoem seu sentido inclusivo. Esse segundo significado , certamente, aquele usado nadiscusso posterior de Buci-Glucksmann e Therborn sobre o Estado de Bem-Estar

    Social social-democrata keynesiano nos trinta anos de expanso econmica do ps-guerra (1982; cf. McEarchen 1990). A importncia dessa distino reforada pelo recente retorno neoliberal do Estado ampliado de maneira que transfor-maram significantemente a articulao entre a sociedade poltica + sociedadecivil, produzindo uma nova forma de Estado capitalista (cf. Poulantzas, 1978,sobre o estatismo autoritrio; Hirsch, 1995, sobre onationale Wettbewerbsstaat ;e Jessop, 2002, sobre os regimes de trabalho schumpeterianos ps-nacionais).

    Nada disso deve nos desviar da importncia da cuidadosa reconstruo econtextualizao que Buci-Glucksmann faz das anlises terica e politicamente

    sofisticadas de Gramsci sobre o poder estatal. Enquanto Althusser o consideravaum idealista incurvel na tradio de Hegel, Croce, Gentille etc., e Poulantzastentou salv-lo de sua contaminao pelo historicismo, Buci-Glucksmann leuGramsci como um terico que procurava uma nova estratgia revolucionria

    71 Christine Buci-Glucksmann. Gramsci and theState, op. cit. Cf. Guido Liguori, op. cit, p.209-10,213-15, 220-221.

    72 Ibidem, op. cit. p.68, 70, 72, 91-2, 111, 273. 73 Ibidem, p. 83-6. 74 Ibidem, p.90-1, 274-5, 280-1, 283-5. 75 Ibidem, p.280, 310-24. 76 Ibidem, p.92-3, 100-10.

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    apropriada para o Ocidente, em uma era de poltica de massas marcada por umacrise do movimento dos trabalhadores em face de sua derrota diante do fascismoe da virada histrica representada pelo Americanismo e pelo Fordismo, e pelaforma de Estado que lhe correspondente. Poderamos descrever tal perodocomo aquele quando o Estado integral comea a crescer, tornando-se, assim, um Estado ampliado. De qualquer modo, a partir de 1924, Gramsci dirigiu todas assuas reflexes polticas para o desenvolvimento da teoria da hegemonia e suasimplicaes tericas e polticas. De acordo com Buci-Glucksmann, ele argu-mentou que a crise do movimento dos trabalhadores era tambm a crise de umacerta forma de marxismo, de uma anlise falsa e unilateral do Estado. Ele foi, portanto, o primeiro marxista a desafiar uma concepo instrumental do Estado baseada numa distino mecanicista e economicista entre a infraestrutura eas superestruturas,77 e fez isso ao desenvolver a ideia da ampliao do Estado(die Erweiterung des Staates) e ao explorar suas implicaes para a estratgiarevolucionria. Em particular, ele introduziu (a) os conceitos inter-relacionadosde hegemonia, intelectuais orgnicos, ideologia orgnica, aparelho da hegemonia, bloco histrico e Estado expandido para discutir as aporias das superestruturas;e (b) uma nova estratgia revolucionria baseada no desenvolvimento mximodo momento superestrutural do poder de classe para criar uma liderana poltica,intelectual e moral antes da resoluo militar final da luta de classes.78

    Discutirei essas duas inovaes em separado, mas, antes, devo apontar queesta seo no poderia resumir o trabalho filolgico importante no qual e pelo qual

    Buci-Glucksmann reconstri o desenvolvimento intelectual e poltico de Gramsci.Este ensaio explora seu uso das ideias de Gramsci (reconstrudas e interpretadas porela) sobre o Estado integral e o Estado ampliado. Sobre a natureza da hegemonia,Buci-Glucksmann retoma, como Poulantzas,79 a distino conhecida que Gramsciestabelece noCaderno 3 entre o Estado medieval e o capitalista:

    No Estado antigo e medieval, tanto a centralizao poltico-territorial quanto asocial (a primeira sendo uma funo da segunda) era mnima. Num certo sentido,o Estado era um bloco mecnico de grupos sociais, frequentemente de raas di-ferentes. Sob a restrio e a presso poltico-militar que pesava sobre eles, e que podia s vezes assumir uma forma aguda, os grupos subalternos mantinham umavida prpria, com instituies especficas.80

    Ainda citando Gramsci, ela diz que o Estado moderno substitui esse blocomecnico de foras sociais, com a subordinao dos grupos subalternos he-

    77 Ibidem, p.x. 78 Ibidem, p.260, 263, 268-70. 79 Nicos Poulantzas. Prliminaires a ltude..., op. cit., e Political Power ..., op. cit. 80 Citado por Buci-Glucksmann, op. cit, p.274.

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    continuou a se basear por algum tempo em uma concepo vanguardista leninistade estratgia revolucionria proletria, Buci-Glucksmann no apenas enfatiza anatureza do Estado integral para a hegemonia burguesa, mas tambm suas im- plicaes para a estratgia revolucionria. Assim, enquanto nem Althusser nemPoulantzas utilizaram a distino entre Oriente e Ocidente ou entre guerrade posio e guerra de manobra, Buci-Glucksmann as considera essencial para uma compreenso exata do Estado integral em sua mudana para o Estadoampliado e,a fortiori, para a estratgia revolucionria. Desse modo, ao comentara Nova Poltica Econmica, ela escreve que:

    a insistncia de Gramsci numa liderana poltica hegemnica de massa, a impor-tncia que ele deu s superestruturas na construo do socialismo e s relaesorgnicas que ele percebeu necessrias entre os lderes e os liderados, sugerem que, para ele, como para Lenin em 1922, o que estava envolvido era acima de tudo umaaliana poltica baseada na organizao do consentimento, a luta por um Estadointegral que mantivesse uma relao forte entre cultura e prtica. O conceito deGramsci de hegemonia no bloco histrico socialista mais amplo que a concepoeconomicista de Bukharin.89

    O proletariado tinha de construir o socialismo baseado em uma unidadeorgnica e no mecnica do movimento dos trabalhadores.90 Desse modo, osCadernos do crcerede Gramsci enfatizavam que o processo revolucionriono Ocidente s pode ser um processo de massa, no curso do qual o ModernoPrncipe, a vanguarda do partido, deve lutar para ganhar as massas e combateras razes do reformismo e do corporativismo, ou seja, deve se engajar em umaguerra de posio antes de avanar para uma resoluo poltico-militar finalatravs de uma guerra de manobra. Esse objetivo estratgico diametralmenteoposto estratgia de revoluo permanente. De fato, uma estratgia de ataquefrontal nas condies das sociedades capitalistas desenvolvidas reproduziria oeconomicismo e estava fadada a ser derrotada.91 Em resumo, Gramsci estabele-ceu ligaes fortes entre a estratgia da guerra de posio e a luta por um novo bloco histrico, mediante as quais o movimento revolucionrio deveria lutar pelaconquista do poder estatal em um sentido integral, em vez de obter apenas uma parcela no exerccio dos poderes governamentais existentes. Isso depende, porsua vez, de uma gnosiologia poltica das superestruturas.92

    Buci-Glucksmann e Therborn desenvolveram essas ideias sobre a transforma-o histrica do Estado capitalista em uma importante anlise de diversas formas

    89 Ibidem, p.263 90 Ibidem, p.270. 91 Ibidem, p.270-1. 92 Ibidem, p.281-2.

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    de socialismo e social-democracia na Europa e em outros lugares em seu livro Le Dfi Social-Dmocrate(1981). Partindo de algumas observaes gerais sobrediferentes tradies socialistas, eles aplicam a noo de Estado ampliado aocompromisso institucionalizado e forma estatal do Fordismo atlntico do ps--guerra. Nesse sentido, sua anlise parece dever muito, direta ou indiretamente,s anlises da escola de regulao parisiense.93

    Mais especificamente, eles argumentam que o Estado de Bem-Estar Socialkeynesiano, que corresponde ao regime de acumulao fordista, amplia (erweitert )o campo da poltica e do Estado e,a fortiori, tambm amplia o campo de lutas pela hegemonia.94 O Estado no est situado fora da economia e no intervmdo lado de fora, mas desempenha um papel constitutivo crucial na reproduoexpandida da economia. Alm disso, no lugar de um Estado que assegurou a do-minao poltica pela atomizao das massas na sociedade civil, o Estado agoraas organiza ao aceitar sua presena mais ou menos direta, de maneira mais oumenos corporativista, no interior do Estado. Em resumo, em vez de permanecerdo lado de fora do Estado, as classes dominadas so agora representadas no seuinterior.95 Pois a poltica se insere diretamente no campo do desenvolvimentoeconmico, penetrando a reproduo, a assistncia mdica, a educao, a vidafamiliar etc. Nesse contexto, o local crucial da ampliao do Estado o Esta-do de Bem-Social, reorganizado em linhas fordista-tayloristas, generalizandonormas de consumo de massa e bem-estar trabalhista, desde a fora de trabalhoorganizada at a populao como um todo.96 Isso produz uma mudana radical

    nas relaes entre a classe trabalhadora (outrora estigmatizada como as classes perigosas) e o Estado baseado no fordismo, no taylorismo e no keynesianismo,na negociao coletiva lastreada no sindicalismo responsvel, num compromisso poltico tripartite institucionalizado, em um Estado de Bem-Social expandido ena urbanizao.97 Nesse contexto, os partidos social-democratas se tornam cadavez mais clientelistas, corporativistas, interclassistas e tecnocrticos.98 As fron-teiras entre o pblico e o privado tambm so modificadas com o resultado queo Estado ampliado se torna um local de alianas e compromissos permanentes.Como tal, o Estado de Bem-Estar keynesiano deve ser estudado no apenas nos

    termos Estado/economia, mas tambm nos termos Estado/massas. Isso envolve

    93 Michel Aglietta. A Theory of Capitalist Regulation: the US Experience. Londres, Verso, 1979 [1976];Alex Demirovi. et al. (Orgs.).Hegemonie und Staat: kapitalistische Regulation als Projekt and Proze .Mnster: Westflisches Dampfboot, 1992; Alain Lipietz, Akkumulation, Krisen und Auswege aus derKrise. Einige methodologische Anmerkungen zum Begriff der Regulation.Prokla, 58, 109-000,1985.

    94 Ver: Christine Buci-Glucksmann e Gran Therborn.Le dfi social-dmocrate . Paris: Maspero, 1981,p.118-9.

    95 Ibidem, p.128-30. 96 Ibidem, p.121-5. 97 Ibidem, p.120. 98 Ibidem, p.131.

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    uma conexo necessria entre Estado/capital e Estado/massas atravs do papel queo Estado assume na articulao de um modelo de desenvolvimento econmico ede um modelo hegemnico.99

    Em resumo, os quatro fatores centrais do Estado ampliado so: (1) a polticasalarial fordista baseada em uma negociao coletiva tripartite; (2) uma relao poltica lastreada em acordos mais do que na cidadania individual; (3) as institui-es superestruturais do estatismo de bem-estar social keynesiano; e (4) o empregodo planejamento racional no lugar de um mercado liberal ou de uma economiade comando.100 A crise desse Estado ampliado surge a partir de 1965, se acelerou poltica e culturalmente em 1968-70 e se tornou economicamente grave a partirde 1974, pondo em dvida sua viabilidade organizacional e sua legitimidade.Os autores identificam duas possveis sadas dessa crise orgnica: um retornoao corporativismo liberal (Sucia) ou o crescimento do estatismo autoritrio(Alemanha).101 desnecessrio dizer que a crise do Estado ampliado se intensificoue desenvolveu desde que Buci-Glukcsmann e Therborn finalizaram seu livro e, se, por um lado, a tendncia ao estatismo autoritrio tem certamente aumentado,102 por outro, tambm tem havido transformaes significativas na natureza do Estadocapitalista que afetam suas formas de interveno econmica e social, sua escalae escopo de operaes e suas formas de governo e governabilidade.103

    ConclusesOs trs autores considerados aqui interpretaram o trabalho de Gramsci sobre o

    Estado e a hegemonia de modos bem diferentes. Althusser rejeitou a filosofia da prxis de Gramsci como historicista, mas aprovou certas concluses histrico--materialistas sobre a natureza ideolgica e repressiva do aparelho de Estado.Em seguida, desenvolveu sua prpria anlise estrutural e em parte funcionalista do aparelho de Estado como um mecanismo especial de dominao de classe.Polantzas seguiu Althusser ao discernir certas tendncias historicistas na obra deGramsci, mas buscou descontamin-la ao integrar alguns dos conceitos centraisde Gramsci em uma teoria regional (mais tarde relacional) mais detalhada do tipocapitalista de Estado. Nesse sentido, ele se interessou mais pelos modos atravs

    dos quais o Estado democrtico burgus desorganizou as classes subalternas eorganizou um bloco no poder capitalista ao promover o desenvolvimento de

    99 Ibidem, p.130.100 Ibidem, p.130-6.101 Ibidem, p.149ss.102 Cf. Nicos Poulantzas. State, Power, Socialism , op. cit; Bob Jessop. Vernderte Staatlichkeit: Vernde-

    rungen von Staatlichkeit und Staatsprojekten. Grimm, D. (Ed.).Staatsaufgaben. Frankfurt: Suhrkamp,1996, p.43-74.

    103 Cf. Joachim Hirsch, Bob Jessop e Nicos Poulantzas.Die Zukunft des Staates : Denationalisierung,Internationalisierung, und Renationalisierung . Hamburg: VSA Verlag, 2001; e Bob Jessop.The Futureof the Capitalist State . Cambridge: Polity Press, 2002.

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    uma hegemonia nacional-popular. Ele mostrou pouco interesse explcito pelaanlise de Gramsci sobre a importncia das guerras de posio e de manobra,aderindo de incio a uma posio vanguardista marxista-leninista e, mais tarde,desenvolvendo sua prpria estratgia revolucionria baseada na combinao delutas mantidas a uma distncia do Estado, lutas no interior do aparelho de Estadoe lutas para transformar o aparelho de Estado. Buci-Glucksmann mostrou uminteresse mais detalhado e maior familiaridade com o trabalho de Gramsci, doqual permaneceu bastante prxima. Ela realizou uma atenta leitura filolgica(ou, em termos althusserianos, sintomtica) de seu trabalho antes e depois de1924, data que marcou, a seu ver, uma virada decisiva em suas anlises tericas e polticas. Tambm aplicou os argumentos que se desenvolveram aps essa quebraem termos metodolgicos gerais ao enfatizar a importncia real do Estado em seusentido inclusivo (lo stato integrale) e suas ligaes com o tico-poltico, comos intelectuais orgnicos e com o bloco histrico. Alm disso, atenta a algumasobservaes de Gramsci, ela desenvolveu uma leitura original do Estado am- pliado (lo stato allargato) como produto de uma transformao especfica doEstado capitalista que seguiu a crise do capitalismo liberal e o crescimento doamericanismo e do Fordismo. De modos diferentes, esses textos demonstram quea obra de Gramsci permanece um clssico uma vez que, embora as respostasque ela d aos problemas tericos e polticos por ela identificados no perodoentreguerras no possam mais ser consideradas vlidas, esses problemas aindaso pertinentes e provocativos e merecem estudo e elaborao sria na procura

    de melhores respostas.

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