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Historicidade do Tecido Urbano O Homem Contemporâneo e a sua Competência de Edificar Maria João Barbosa Fonseca Dissertação para a obtenção de Grau de Mestre em Arquitectura Júri Presidente: Professora Doutora Ana Tostões Orientadora: Dr.ª Bárbara Coutinho Vogais: Arq.º Luís Santiago Baptista Junho 2008

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Historicidade do Tecido Urbano

O Homem Contemporâneo e a sua Competência de Edificar

Maria João Barbosa Fonseca

Dissertação para a obtenção de Grau de Mestre em

Arquitectura

Júri

Presidente: Professora Doutora Ana Tostões

Orientadora: Dr.ª Bárbara Coutinho

Vogais: Arq.º Luís Santiago Baptista

Junho 2008

3

4

RESUMO ANALÍTICO

O tema deste trabalho centra-se na redescoberta dos caminhos do significado e significação

dentro da cidade habitada pelo Homem Contemporâneo. Neste sentido, propusemo-nos

esclarecer a ligação entre Património e Sociedade bem como explorar o impacto da

transformação dos espaços de relação na capacidade do indivíduo contemporâneo produzir

cidade enquanto um lugar antropológico.

Assumidamente, o trabalho manteve-se no campo teórico, utilizando a investigação a

documentação produzida nos últimos 50 anos como base de partida para esclarecer e

enquadrar os três conceitos no centro desta discussão, são eles: Património, Cultura e Cidade.

Procurou-se assim clarificar os seus princípios fundamentais e as suas transformações na

relação com o indivíduo, face à conjuntura contemporânea.

Na análise e relação destes três conceitos demonstra-se pois a necessidade de um novo

modelo de projecto urbano, com uma abordagem mais democrática da cidade, procurando

estimular o contributo individual e a interacção social. Neste sentido, através de uma lógica de

sedução, deve-se procurar envolver a população no processo de produção do espaço urbano,

de forma a esta espelhar os seus interesses e expectativas na cidade. Só assim poderemos

promover a interacção entre os seus diferentes agentes fomentando a criação de uma

identidade colectiva e um sentido de pertença, essenciais a uma estrutura social coesa e

sustentável. O Homem Contemporâneo tem então a necessidade de se reconciliar com a sua

competência de edificar, garantindo a historicidade do tecido urbano e a manutenção da

identidade Humana.

Palavras-chave | Identidade, Historicidade, Cidade, Património, Cultura

5

ABSTRACT

The theme of this dissertation focuses on the rediscovery of the meaning and meaningful within

the city inhabited by the Contemporary Man. In this sense, we propose to clarify the connection

between Heritage and Society and to explore the impact of the transformation of urban places

for relationships on the individual’s ability to construct the contemporary city as an

anthropological space.

The essay has evolved at a theoretical level, using the documentation produced over the last

50 years as a basis from which to shed some light over the three concepts at the heart of this

discussion: Heritage, Culture and the City. We have thus attempted to establish the

fundamental principles underlying the three concepts and their transformations on the

relationship with the individual when facing the contemporary framework.

From the analysis and relation of these three concepts became evident the need for a new

urban project model, which proposes a more democratic approach to the city

by stimulating individual participation and social interaction.

As a consequence, by making use of a seduction strategy, the population should be involved in

the production process of the urban space so that it may respond to the interests and

expectations the citizens lay upon the city. Only in this way will we be able to promote the sense

of collective identity and belonging, essential to the cohesion and sustainability of the social

structure.

The Contemporary Man feels therefore the necessity to reconcile with his mission to build and

construct, ensuring the historicity of the urban fabric and the conservation of the sense of

Human Identity.

Key-Words | Identity, Historicity, City, Heritage and Culture

6

7

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................... 8

PATRIMÓNIO ......................................................................................................................... 10

Origem Etimológica ........................................................................................................................... 11

Monumento vs Monumento Histórico ................................................................................................. 12

Contextualização Histórica do Conceito de Património ....................................................................... 13

Património Hoje: Identidade, Integridade e Sustentabilidade............................................................... 15

CULTURA .............................................................................................................................. 19

O Acto Comunicativo......................................................................................................................... 20

O Corpo como Linguagem Universal ................................................................................................ 23

Processo de Globalização: Hardware e Software ............................................................................... 25

Veículos de Comunicação ................................................................................................................. 27

Transfiguração dos Espaços de Relação ........................................................................................... 30

CIDADE .................................................................................................................................. 36

Mindscape+Landscape: O Texto Urbano ........................................................................................... 37

Reorganização Estratégica ................................................................................................................ 38

Hipermercado de Modos de Vida ....................................................................................................... 42

Intertextualidade Urbana ................................................................................................................... 44

Consumo Cidade .............................................................................................................................. 45

Cidade Dual ...................................................................................................................................... 46

Papel Estratégico da Cidade ............................................................................................................. 50

Projecto Urbano ................................................................................................................................ 51

HISTORICIDADE DO TECIDO ............................................................................................... 56

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................... 60

8

O presente trabalho surge no âmbito da cadeira de Projecto Final do 2º ciclo de Mestrado

Integrado de Arquitectura do Instituto Superior Técnico – Universidade Técnica de Lisboa e

visa esclarecer os principais conceitos na base das opções de projecto tomadas em resposta

ao enunciado proposto no ano lectivo 2006-2007. O desafio lançado aos alunos consistiu no

desenho de uma proposta de intervenção que, a pretexto de unir o metro da Baixa-Chiado ao

Castelo de S. Jorge por meio de um percurso assistido, fomentasse o desenvolvimento

socioeconómico, colmatando as deficiências locais e melhorando as condições de vida gerais.

Estando a intervir no centro da cidade de Lisboa, fomos desde logo confrontados com o

paradoxo de actuar sobre uma malha histórica que deve, ao mesmo tempo, ser preservada

intacta e integrar uma estrutura de suporte ao estilo de vida actual. De facto, o seu gradual

esvaziamento e consequente perda de função, é sintomático da incapacidade da presente

sociedade se integrar neste tipo de tecido urbano. O tema desta dissertação parte exactamente

daqui, da necessidade de esclarecer o valor real do Património e a sua relação com o Homem

contemporâneo, procurando uma abordagem legítima sobre a cidade.

Com este intuito, no planeamento base, propusemos começar por entender teoricamente os

três conceitos centrais na discussão deste tema, sendo eles: o Património, a Cultura e a

Cidade. De seguida, passaríamos à análise de três políticas patrimoniais bastante distintas

aplicadas nas cidades de Barcelona, Amesterdão e Los Angeles. Daqui esperaríamos retirar os

critérios para avaliar a adequação e melhorar a proposta realizada na cadeira de Projecto Final.

Contudo, iniciada a investigação e deparando-nos com a riqueza e diversidade da reflexão

produzida durante os últimos 50 anos em torno deste tema, tornou-se impossível tratá-lo de

forma superficial sendo necessário encontrar respostas às dúvidas suscitadas. O trabalho

mantém-se assim assumidamente no plano teórico insistindo, contudo, na resposta ao

objectivo inicial, que ganha corpo em torno da questão: Terá o Homem contemporâneo

competência de edificar?

Neste sentido, procurámos definir as novas formas de relação entre individuo e cidade, bem

como determinar qual a real ligação entre o património e a sociedade contemporânea, tentando

encontrar um modelo de produção do espaço urbano adequado às especificidades actuais.

Começaremos então por contextualizar o conceito de Património, estabelecendo a sua origem

e os seus princípios de relação. De seguida, caracterizaremos também os conceitos de

monumento e monumento histórico que, embora muitas vezes sobrepostos, estabelecem-se

9

com base em relações bastante distintas com o sujeito. Neste sentido, contextualizaremos

historicamente estes dois conceitos, na tentativa de compreender quais as transformações de

valor que proporcionaram o afastamento entre eles. Contudo, tratando-se de um trabalho

referenciado ao presente, focaremos ainda a nossa atenção nas políticas e convenções

actuais, procurando compreender quais os critérios e valores aplicados à intervenção nos bens

patrimoniais.

Após esclarecer o papel do Património dentro da estrutura social, passaremos à análise do

conceito de Cultura, tentando compreender quais as transformações de fundo no campo das

relações humanas, bem como determinar as suas origens e seus efeitos. Para tal,

procuraremos estabelecer a importância da comunicação na constituição da identidade e

narrativas, individuais e colectivas. Neste sentido, exploraremos também o impacto cultural das

novas tecnologias digitais e de mobilidade, tentando definir as transformações dos espaços de

relação e das interacções humanas com o espaço envolvente.

Com base nas conclusões dos capítulos anteriores, estaremos então em condições de nos

aproximar do tema Cidade, procurando estabelecer uma relação entre a sua componente física

e humana. Assim, num primeiro momento, pretenderemos determinar a relação entre malha

urbana e os indivíduos que a habitam, estudando as sinergias geradas entre a actividade

humana e o espaço físico. Desta forma, procuraremos compreender o impacto dos vários

agentes transformantes na reorganização do espaço urbano e da vida das suas populações,

determinando consequências e benefícios. Só assim estaremos em condições de reflectir

sobre o modelo de actuação a aplicar aquando da produção do espaço público e tendo em

vista a resposta às necessidades sociais.

Definido o plano de investigação, começaremos pois o desenvolvimento do corpo do trabalho.

10

PATRIMÓNIO

Património, s. Do latim, (…) “ bens de

família, património”, II Qualquer espécie de

bens, materiais ou morais, pertencentes a

alguém ou a alguma instituição ou

colectividade

Pátrio, adj. Do latim, (…) “ relativo a pai

(como chefe de família), paternal; relativo aos

pais, transmitido de pais para filhos”1

1 José Pedro MACHADO – Dicionário Etimológico da língua portuguesa. 3ªEdição, Lisboa: Livros Horizonte, 1977

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11

A complexidade do conceito de Património tem aumentado exponencialmente ao longo dos

últimos séculos, mas especialmente durante os últimos 50 anos. De facto, de um objecto físico

datado no tempo a qualquer forma de expressão de uma determinada cultura, a mudança

deste conceito tem subjacente uma transformação dos valores socioculturais, coincidindo com

uma profunda alteração na relação do Homem com o meio envolvente.

Pela sua origem etimológica, Património encontra-se sempre ligado à ideia de um bem

transmitido de um para outro indivíduo2. Dependendo da escala de abordagem, o indivíduo

pode ser uma pessoa, uma família, uma comunidade, uma nação ou a Humanidade, e

consequentemente, o Património assume contornos distintos. Torna-se então necessário

esclarecer primeiro qual a categoria de Património na base desta discussão. De facto, o tema

proposto incide sobre a sociedade contemporânea e a sua relação com o legado cultural a

transmitir às gerações futuras. Como tal e sendo que devido ao fenómeno da Globalização a

sociedade funciona à escala planetária, o conjunto de bens culturais produzido deve ser visto

como uma representação da identidade e memória colectiva da civilização, ou seja, como um

Património Civilizacional.

Émile Durkheim defende, em relação ao indivíduo e ao seu processo de socialização, “a

sociedade encontra-se, a cada nova geração, na presença de uma tábua rasa sobre a qual é

necessário construir novamente”3. A sociedade é pois preexistente ao sujeito individual, uma

entidade que sintetiza o passado e nos transmite os códigos de valores, éticos, morais,

religiosos ou comportamentais, comuns a um determinado grupo e que nos permitem sentir e

ser integrados. Este fenómeno de integração, ao qual se dá o nome de aculturação, coloca-nos

numa plataforma comum, criando o sentimento de comunidade e de pertença num grupo.

Qualquer sujeito individual é, por conseguinte, um produto social, pois relaciona-se com o

mundo tendo por base os códigos do grupo onde se integra. Contudo, seria impossível negar

que cada pessoa se relaciona com a envolvente de forma única e irrepetível, e é nessas

nossas diferenças que se cria uma dinâmica de transformação. Parafraseando Marc Augé, “o

social começa no individuo” acrescentando, “as representações da alteridade íntima (…) situam

a sua necessidade no próprio coração da individualidade, proibindo no mesmo lance que se

dissocie a questão da identidade colectiva da identidade individual”4.

2 Indivíduo “ (…) META. 1. Ser concreto cujas as partes são solidárias e não podem ser separadas sem que esse deixe se ser o que é.(…) SOC. 2. A unidade da qual se compõe uma sociedade (…)”, Armand CUVILLIER – Vocabulário de Filosofia, 2ªedição. Lisboa: Livros Horizonte, 1960. 3 SVHOONG - Emile Durkheim – O criador da sociologia da educação (17/ 08 /2007). Disponível em: http://pt.shvoong.com/social-sciences/education/elementary-childhood-education/1650797-emile-durkheim -criador-da-sociologia/ [16/ 10/ 2007] 4 O autor constata que a ideia do “outro” é a única forma de nos referenciarmos e nos posicionarmos dentro de uma cultura. Este posicionamento relativo de um “nós” em relação ao um “outro” é o que possibilita criar uma identidade, ou seja, é pela alteridade dos outros que encontramos as características

12

Estabelecendo a ponte entre o passado e o futuro, as gerações do presente recebem o legado

patrimonial dos seus antepassados, reinterpretam-no à luz do seu contexto e transmitem-no.

Nesta partilha e capacidade de transmissão de um discurso comum entre gerações é onde se

gera a sensação de coerência com o mundo envolvente, ou seja, cria-se a ideia de sentido

social. Nesta sociedade caracterizada pelo “excesso” de acontecimentos5 aos quais é difícil dar

sentido, poderíamos então colocar uma nova questão: O que realmente possui um valor

representativo da e para a sociedade contemporânea?

A ideia de pertença e identificação é uma constante nos discursos ligados ao Património.

Contudo, tal como Augé sugere, os proclamados lugares de memória ligados à função

protésica do monumento histórico são sítios nos quais a função de identificação da sociedade

contemporânea desaparece e nos definimos pela diferenciação de um “outro”6. Por oposição

ao lugar de memória surge o lugar antropológico definido, segundo o mesmo autor, como uma

construção representativa das estruturas sociais, mas também um local no qual o Homem do

presente se pode referenciar. A estes lugares estão associados o “princípio de sentido” (de

onde viemos; onde estamos; onde vamos) e o “princípio de inteligibilidade” (comunicação com

o meio) devendo ser “identitários, relacionais e históricos”7. É neste sentido de pertença que

Choay opõe o conceito de Monumento ao de Monumento Histórico. A autora atribui ao

monumento uma “função antropológica” que consiste na relação estabelecida entre o espaço e

tempo e esclarece “neste sentido chamar-se-á monumento a qualquer artefacto edificado por

uma comunidade de indivíduos para se recordarem, ou fazer recordar a outras gerações

pessoas, acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças. (…) Não só ele a trabalha [a memória],

como também a mobiliza pela mediação da afectividade, de forma a recordar o passado,

fazendo-o vibrar a maneira do presente”8. O Monumento Histórico por sua vez, tal como a

mesma autora o define, mantém uma relação distinta com a comunidade, sendo concebido

como um objecto de saber e integrado numa concepção linear do tempo, remete a um passado

finalizado, assumindo uma “função de memória”9.

específicas definidoras um determinado grupo. Marc AUGÉ – Não Lugares: Introdução a uma Antropologia da Sobremodernidade. Lisboa: Editora 90º, Setembro de 2006, pp. 20-21. 5 “Esta necessidade de dar sentido ao presente, senão ao passado, é a contrapartida da superabundância de acontecimentos (…) Porque este tempo sobrecarregado de acontecimentos é o que cada uma de nós emprega ou julga empregar (…) só pode reforçar a nossa busca de sentido.” Idem, Ibidem, pp. 28-29. 6 “ Este lugar [antropológico] construído por antepassados (…) que os mortos presentes povoam de sinais que é necessário saber esconjurar ou interpretar, cujas potências tutelares um calendário ritual preciso desperta a reactiva a intervalos regulares, está nos antípodas dos “lugares de memória” dos quais Pierre Nora escreve, (…) que neles apreendemos essencialmente a nossa diferença, a imagem do que já não somos.” Idem. Ibidem, p. 48. 7 Idem, Ibidem, pp. 46-48. 8 Françoise CHOAY – A Alegoria do Património. Lisboa: Edições 70, 2000, p. 16. 9 “O monumento tem por finalidade fazer reviver no presente um passado engolido pelo tempo. O monumento histórico mantém uma relação diferente com a memória viva e com a duração. Ou é simplesmente constituído em objecto de saber ou integrado numa concepção linear do tempo e, nesse caso, o seu valor cognitivo relega-o para a História em geral.” Idem, Ibidem, p.22.

13

A origem destes conceitos é também bem distinta. O Monumento enquanto lugar

antropológico, tal como Choay sugere, é uma constante desde os primórdios da Humanidade

até ao presente pela necessidade de socialização que caracteriza o Homem. A este propósito,

Stonehenge, as Pirâmides de Gizé, o Partenon, a Basílica de S.Pedro, a Torre Eiffel, a Estátua

da Liberdade, independente do local ou época onde se integram, são símbolos do quadro de

valores específicos da sociedade que os edificaram. Em oposição, encontramos no

Monumento Histórico uma “invenção, bem datada, do Ocidente”10 que surge como uma

cristalização de um quadro de valores já desaparecidos.

A discussão em torno do tema Património surge no coração europeu, com o início do projecto

Humanista do Quattrocento quando se inicia a reflexão sobre a concepção linear do tempo e se

acredita numa ideia de progresso, ou seja, acredita-se na ideia de uma evolução progressiva

da sociedade. Estabelecendo uma comparação entre os valores do seu tempo contíguo e da

época clássica, os pensadores humanistas estão pois conscientes de uma diferença de

conjuntura entre estes dois períodos. Fica então subjacente uma capacidade de

distanciamento entre o passado e o contemporâneo, sendo este último entendido como uma

continuidade do primeiro, possibilitando uma alteridade em relação à realidade presente.

Assim, o passado ganha uma identidade própria podendo ser analisado como um objecto. Os

monumentos, enquanto concretização de uma acção, ganham um carácter de testemunhos de

um passado acabado, ou seja, adquirem um valor documental, histórico e didáctico que

autentifica, legitima e confirma o presente.

Uma outra modificação fundamental do quadro ideológico da sociedade do Quattrocento é a

mudança de atitude em relação à criação artística. Os artistas ou artífices ganham a

capacidade de descontextualizar a peça em relação ao presente, referenciando-a a uma

determinada e particular realidade passada. Mais do que a mensagem simbólica à qual o

objecto se refere, este é valorizado pelas suas características formais também elas

comunicativas da realidade onde se constituiu. Encontra-se assim o valor artístico das peças e

reúnem-se então as condições para a formulação do actual conceito de Monumento Histórico.

Durante os séculos seguintes, especialmente com o Iluminismo e as suas correntes filosóficas,

cada vez mais analíticas e críticas, os valores histórico e artístico ganham novos contornos.

Com o aprofundamento do conceito de tempo linear e a exaltação do método científico gera-se

um fosso entre a ciência histórica e a filosofia estética, ou seja, distingue-se de forma assertiva

a informação histórica da experiência vivida, caracterizando-se em cada momento o significado

documental do objecto sem se fazer referência ao seu valor formal e artístico. Nesta

10 Françoise CHOAY- op.cit. p. 21.

14

perspectiva, o património histórico perde o seu papel de comunicador de valores sociais ao seu

tempo contíguo sendo apenas um testemunho de um tempo passado.

Por oposição a esta postura historicista, surgem novas formas de contacto com a arte que se

torna uma expressão da reflexão sobre o tempo presente, sobrelevando-se à mimesis clássica.

Numa era onde a razão impera, a arte então assume um carácter evocativo e de originalidade

própria da criação humana desempenhando um papel chave na representação dos valores

sociais vigentes11.

Com a Revolução Francesa chega então a institucionalização de Património e a completa

transformação do Monumento como símbolo do “ideal de memória” e não apenas de “beleza”12.

O Património, documento do passado, transforma-se agora numa arma politica poderosa

tornando-se uma imagem do Estado. Num primeiro momento, a Revolução Francesa, à

semelhança de outras convulsões ocorridas durante a história, é iconoclasta, destruindo todos

os sinais do presente que fossem representativos da ideologia anterior, repudiada. O

vandalismo ideológico, ou seja, a destruição de todos os símbolos contrários à ideologia

revolucionária, torna-se uma prática corrente. Como reacção a esta atitude de destruição,

surge uma corrente protectora dos bens associados ao Antigo Regime, segundo a qual se

afirma que apesar de simbolizarem as ideas repudiadas no presente, estes monumentos

deveriam ser encarados como um testemunho da história da Nação. Nesta perspectiva,

preservando os opulentos monumentos associados ao Clero e aos Aristocratas, mantém-se

presente a lembrança de um poder déspota do passado, justificando a ideia de uma República,

em si mesmo mais democrática. Recordando, uma vez mais, Marc Augé e as suas

considerações sobre alteridade, estes lugares de memória permitem à Nação definir-se no

presente, por oposição a “outros” momentos da sua história.

Os monumentos e as respectivas memórias são conservados num movimento dialéctico que os

integra num novo estrato semântico. Assim funcionam como fundamentação para a identidade

da estrutura social vigente ganhado por isso um valor nacional. Um outro aspecto que se torna

explícito por esta altura é que o conceito de conservação patrimonial tem sempre subjacente

uma avaliação, uma escolha e uma decisão política que, muitas vezes, acarreta a preservação

ou a destruição de um determinado elemento. Compreende-se também por esta a altura que

Património pode ser fonte de riqueza, ou seja, pela sua capacidade de gerar receita,

transforma-se num estratégico recurso ganhando um valor económico.

A hegemonia da máquina e do progresso industrial acentuam ainda mais os receios de

filósofos, como Hegel, que vaticinam o fim das potências criativas da sensibilidade e do

11 Françoise CHOAY – op.cit. pp. 69-73 12 Idem, ibidem, p.18

15

instinto, talvez pressentindo já a radical transformação do contexto espacio-temporal a ocorrer

nas décadas seguintes. Assim, reagindo contra um destino maquinicista, dá-se a chegada do

Romantismo o qual acentua a valorização da componente vivencial do objecto, atribuindo uma

maior importância à sensibilidade evocativa

Partilhando esta linha de pensamento, John Ruskin dedica no seu livro Seven lamps of

Architecture um capítulo à lâmpada da memória, afirma preferir a memória afectiva à memória

objectiva, pois entende o monumento como a formalização de uma memória viva, evocadora

da devoção dos Homens que o edificaram13. No capítulo dedicado ao valor de devoção, Choay

cita Ruskin: “Nós podemos viver sem [a arquitectura], adorar o Deus sem ela, mas sem ela não

podemos recordar”14. Para este autor, a vontade de Deus, criador do Homem na sua

verdadeira essência, expressa-se em todos os actos humanos e cristaliza-se nas suas

construções. Como tal, toda a construção produzida pelo Homem deve ser valorizada, quer

seja um nobre palácio ou um simples casebre, ambos evocam a vontade divina expressa

através do Homem e contribuem para que este conheça a sua verdadeira essência.

À parte das considerações religiosas este pensamento de Ruskin tem por base a ideia-chave

que legitima o Património Civilizacional: toda a expressão humana contribui para o

conhecimento de nós mesmos na nossa essência. A memória afectiva remete-nos então para o

valor moral do Monumento Histórico e para o seu valor universal, na medida em que os valores

e significados que evoca devem ser reconhecidos por todos, independente da compreensão do

contexto local, pois embora esteja referenciado a uma cultura específica, todo o Património

acaba por representar a Humanidade e não só uma comunidade particular.

Mais tarde, com o desenvolvimento da sociedade capitalista, a democratização do saber, o

desenvolvimento de novas técnicas e a introdução do conceito de sustentabilidade foi colocado

no centro da discussão patrimonial o seu valor económico. Presentemente a China é um dos

países com mais monumentos na lista de património mundial15, um total de trinta e cinco

paisagens e monumentos protegidos. Estando a falar de uma cultura que tradicionalmente

valoriza o espiritual sobre os aspectos materiais e a paisagem sobre a construção, seríamos

ingénuos se considerássemos como uma mera coincidência a crescente vontade em valorizar

o património construído estar a coincidir com o crescente desenvolvimento da indústria turística

cultural. A China é pois apenas mais um exemplo da importância crescente da indústria do

turismo em cada economia nacional e das repercussões que tem sobre as diferentes áreas,

nomeadamente no Património. Um dos símbolos mais marcantes desta realidade é a recente

eleição das Novas Sete Maravilhas do Mundo. Este evento, à escala planetária, envolveu a

13Françoise CHOAY – op.cit., pp. 158-160 14Idem, ibidem, p.121 15 UNESCO – World Heritage List. Disponível em: http://whc.unesco.org/en/list [17/11/2007]

16

eleição popular de sete entre vinte e um monumentos que, supostamente, representam a

Humanidade. Curiosamente, quatro destes monumentos encontram-se nos países mais

populosos do mundo e (ironicamente) a Europa apenas tem um monumento nessa lista, apesar

de toda a sua riquíssima história. Interessante também o facto de Cristo Redentor, construído

entre 1931 e 1936, como homenagem ao Cristianismo e à hospitalidade do povo brasileiro, ter

sido considerado com maior valor patrimonial do que a Acrópole, a Basílica de Santa Sofia ou a

Ópera de Sidney.

As justificações para estes resultados apenas podem ser especuladas, mas talvez consigamos

encontrar algumas pistas no próprio site promocional16 do evento onde Bernard Weber, seu

fundador, escreve no seu texto de análise da votação que “this new list of 7 Wonders reflects

quite accurately what economists predict as the upcoming economic and industrial regions in

the world in the not-too-distant future: China, India and South America”. De facto, estas

economias em desenvolvimento viram nesta eleição uma oportunidade de “ouro” para a sua

afirmação económica e para a promoção do seu turismo cultural. Note-se, a título de exemplo,

o caso brasileiro. No Brasil organizou-se uma gigantesca campanha intitulada Vote Cristo na

qual se apelava à população por 20 milhões de votos para que o seu monumento fosse eleito.

Mais do que razões de ordem patrimonial, o Presidente Lula da Silva, apresenta razões de

ordem económica. Pode-se ler no site do Ministério do Turismo17 que “Ele é uma maravilha, a

eleição do monumento poderá representar uma injeção anual de US$ 89,43 milhões na

economia do Rio, com o aumento da chegada de turistas estrangeiros. O grupo também prevê

a criação de cerca de 82 mil novos empregos”.

Contrária a este movimento defensor do evento das Novas Sete Maravilhas, esteve a própria

Unesco e o Egipto. A primeira por considerar danoso este tipo de abordagem ao Património,

tanto pelo processo avaliativo como pela sobrecarga de turistas aos locais mais votados, o

segundo por perder o estatuto da última grande maravilha do Mundo Antigo, e com isso ver ser

prejudicada a sua indústria turística.

O Património é então entendido pela classe política e a sociedade como um recurso gerador de

avultadas quantias provenientes de um estrato social (supostamente) instruído que vê no

turismo cultural uma forma de prestígio. Tal como vimos pelos exemplos citados, este tipo de

turismo vive muito da indústria de marketing e da imagem, ao invés de uma interacção real

entre o sujeito e o monumento. A imagem da torre Eiffel é indissociável da cidade de Paris,

recebendo milhares de turistas por ano. Contudo, para além da obrigatória fotografia e da

16 NEW SEVEN WONDERS – Voting analysis. Disponivel em: http://www.new7wonders.com/classic/en/n7w/votinganalysis/ [14/11/2007] 17MINISTÉRIO DA CULTURA DO BRASIL- Cristo Redentor – Maravilha Brasileira (15/06/2007) Disponível em: http://www.cultura.gov.br/noticias/noticias_do_minc/index.php?p=27315&more=1 [16/11/2007]

17

subida até ao topo poderíamos questionar quantas pessoas realmente compreenderão o

impacto da torre no contexto urbano ou qual o seu significado na História da Arquitectura.

Na verdade, o monumento parece não transmitir mais do que a sua forma e uma imagem

criada para preencher o imaginário de cada um, perdendo a sua capacidade comunicativa de

uma mensagem do passado, ou seja, “sem passado chama a atenção, interpela no instante,

trocando o seu antigo estatuto de signo pelo de sinal”18. Assim, o monumento vazio ganha uma

dimensão de satisfação individual, transformando o património num produto de consumo que,

gerido segundo uma visão capitalista, deve apelar ao público em geral sendo facilmente

apreendido por esta sociedade de instantes e de imagens19. A valorização deste produto tem

sido de facto, tal como Choay20 afirma, a palavra de ordem ligada ao património, especialmente

nos últimos 50 anos. Inúmeras operações para a (pretensa) valorização, como a encenação,

iluminação, conservação, restauro, modernização ou animação, muitas das vezes servem

apenas para desfigurar ou mascarar o monumento e não para realçar as suas virtudes. Com o

objectivo de o tornar apelativo ao consumidor, são reescritas as histórias contadas pelos

monumentos, ou seja, uma memória deturpada e selectiva é aplicada sobre o objecto

patrimonial.

Esta forma de degradação, gerada pela exploração económica tem sido alvo de críticas e

reflexões nas últimas décadas. Na Carta sobre o Turismo Cultural (1976)21 e na Carta

Internacional sobre o Turismo Cultural (1999), é reconhecida a necessidade de uma acção

conjunta entre instituições patrimoniais e turísticas como forma de minorar os danos e

maximizar os benefícios22 que advêm deste tipo de exploração económica do Património.

Contudo, é explicitamente afirmado na Carta de Cracóvia de 2000 que “o turismo cultural,

18 Françoise CHOAY – op.cit., p. 18 19 “Por entre as múltiplas operações destinadas a valorizar o monumento histórico, e a transformá-lo eventualmente em produto económico, evocarei, como simples sinais concretos do meu propósito, algumas das que incidiram mais directamente sobre os edifícios e sobre a sua aproximação pelo público.” Françoise CHOAY – op.cit., p.187 20 “Abre-te, Sésamo!” do dispositivo: a valorização: a locução-chave, que se desejaria que resumisse o estatuto de património edificado.” Françoise CHOAY - op.cit, p.186 21 “O turismo é um facto irreversível, de natureza social, humana e ecológica. […] Para ser controlada, esta influência [exercida pelo turismo] deverá ser cuidadosamente estudada e ser objecto, a todos os níveis, de uma politica concertada e efectiva. […] Porém sejam quais forem as suas motivações e os benefícios que ai advenham, o turismo cultural, tal como é actualmente praticado, não pode considerar-se desligado dos efeitos negativos, nocivos ou destruidores, causados pela ocupação massificada e incontrolada, dos monumentos e dos sítios que constituem o seu objecto.” (in: Carta sobre o Turismo Cultural, ICOMOS Bruxelas, 8 e 9 de Novembro de 1976) Flávio LOPES, Miguel Brito CORREIA – Património Arquitectónico e Arqueológico: Cartas, Recomendações e Convenções Internacionais. Lisboa: Livros Horizonte, 2004 pp. 171 – 172 22 “O turismo nacional e internacional foi e continua a ser dos principais veículos de intercâmbio cultural. (…) O turismo pode aproveitar as vantagens económicas do património e utilizá-las para a conservação deste, criando recursos, desenvolvendo a educação e reorientando políticas. (…) O turismo excessivo pode, do mesmo modo que o turismo inexistente ou mal gerido, prejudicar a integridade física e o significado do património.” (in: Carta Internacional sobre o Turismo Cultural, ICOMOS, Cidade do México, Outubro de 1999), Idem, Ibidem. p. 278

18

apesar dos seus aspectos positivos para a economia local, deve ser considerado como um

risco”23.

Acresce que o turismo não é a única forma de exploração económica a actuar de maneira

corrosiva sobre o Património e que, por isso, tem vindo a ser alvo de regulamentação. A

especulação imobiliária, na sua necessidade crescente de introduzir novos elementos

ajustados ao modo de vida contemporâneo e de apagar os sinais do tempo não apelativos ao

consumidor tradicional, transforma o Património num cenário fantasioso, onde o presente se

sobrepõe ao passado, muitas vezes de maneira leviana. Não seríamos justos neste ponto se

omitíssemos que também esta pode trazer benefícios, como por exemplo, a fixação ou

introdução de pessoas na comunidade, mantendo a dinâmica necessária à manutenção do

Património vivo, ou seja, ajuda a dialéctica entre passado e presente, consolidando a cultura da

comunidade24.

Um conflito é então criado entre alguns dos conceitos essenciais ligados ao Património: a

integridade, a identidade e a sustentabilidade. O valor documental que é necessário preservar

choca com o valor de identidade criado pelo usufruto por parte sociedade e com o valor

económico de onde se geram as receitas necessárias para a subsistência da comunidade e do

próprio Património. A resolução deste problema, ideológico, político e económico, tem vindo a

ser continuamente discutida nas últimas décadas por um conjunto cada vez mais abrangente

de países. Através de convenções, cartas e recomendações, tentou-se estabelecer uma base

comum de diálogo para a preservação concertada de um Património que, apesar de se

relacionar localmente com um conjunto determinado de pessoas, é um bem de toda a

Humanidade.

23 Idem. Ibidem, p. 293 24 “ A Reabilitação Integrada constitui um contributo inovador para a perspectivação e vivificação do património cultural das cidades, na vertente do edificado como do tecido social, que o habita e lhe assegura a identidade. (…) Sendo a preservação da identidade dos Núcleos Históricos, expressa no seu património edificado, cultural e social, é indispensável que as operações de reabilitação urbana sejam apoiadas pelas pesquisas histórica e sociológica, perspectivadas numa dialéctica de integração.” (in: Carta de Lisboa sobe a reabilitação Urbana Integrada, 1º Encontro Luso-Brasileiro de Reabilitação Urbana, Lisboa, Outubro de 1995.) Flávio LOPES, Miguel Brito CORREIA – op.cit., pp. 263 – 265.

19

CULTURA (…) 1. Exercício, aperfeiçoamento das faculdades intelectuais. (…) || Conjunto de conhecimentos de alguém; instrução. || Civilização; adiantamento.25

2. La construcción del entorno de la ciudad es un problema cultural, entendiendo la cultura en su sentido más amplio, es decir, aquél en el que intervienen la economía, el arte, la ciencia, el pensamiento, etc. (…)26 Cultura contemporânea (avançada) 1. El la cultura avanzada el objetivo es la calidad de vida de los individuo, visto como ente independiente que participa de lo colectivo. (…) 3. La cultura avanzada surge de la interacción entre todas las actividades del hombre y tecnologías de la información y de la comunicación. (…)27

25 José Pedro MACHADO – Grande dicionário da Língua Portuguesa, volume II : Carl-Exan. Lisboa: Circulo de Leitores, 1991. pp. 324 26 GAUSA, Manuel, [et al.] – Diccionario Metápolis de Arquitectura Avanzada: Ciudad y Tecnología en la Sociedad de Información. Barcelona: Acta, 2001. pp. 140 27 Idem, ibidem, pp. 140

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6-90

CULTURA

20

A sensação de solidão criada pela aparente incomunicabilidade com a envolvente ou o medo

do próximo gerado pela incompreensão das suas atitudes são sentimentos comuns a todos nós

quando chegamos a um lugar desconhecido. Contudo, assistindo aos filmes Babel e Lost in

translation que exploram a tensão criada pela momentânea desadaptação cultural do sujeito

que migra, não conseguimos evitar a estranha sensação de familiaridade entre culturas tão

distantes como a japonesa, americana ou mexicana. Por entre as paisagens específicas,

desenhadas por culturas singulares, facilmente identificamos espaços, atitudes ou códigos

transversais a todas. O bar do Hotel Hyatt, o snack-bar em Tóquio, o hospital em Marrocos ou

a fronteira com o México são espaços que facilmente reconheceríamos a sua função e código

de conduta. Sabendo então que os comportamentos e linguagens são transmitidos pela

comunidade onde nos inserimos e com a qual nos identificamos (cap.1) teremos de nos

questionar se não somos todos parte de uma única comunidade, de uma única cultura glocal?

George Steiner rejeita esta ideia de unidade cultural quando procura encontrar no seu livro A

Ideia de Europa as diferenças culturais específicas do pensamento europeu. Ilustrando esta

ideia de singularidade da cultura ocidental europeia inicia a sua reflexão escrevendo que “a

Europa é feita de cafetarias, de cafés. Não há cafés antigos ou definidores em Moscovo, que é

já um subúrbio da Ásia. Poucos em Inglaterra (…) Nenhuns na América do Norte (…) O café é

o local de entrevistas e conspirações, de debates intelectuais e mexericos (…) Ninguém redige

tomos fenomenológicos à mesa de um bar americano” 28. Nesta simples observação sobre a

utilização e função de um espaço social, o autor demonstra claramente a particularidade da

cultura europeia, distinguindo-a por comparação a outras.

A alteridade do “outro” é de facto essencial para a constituição da nossa própria identidade

sendo através dela que tomamos consciência do limite do “eu” e onde se dá a génese do

“eu”/”nós” por oposição a um “tu”/”vós”. Esta identidade por confrontação não se constrói

apenas na dimensão nacional, como Steiner o faz, mas em todas as escalas de identificação,

colectiva e individual, pois como Marc Augé define, o outro é “todos os outros: o outro exótico,

que se define por referencia a um “nós” (…); o outro dos outros, o outro étnico (…); o outro

social: o outro interior por referência ao qual se institui um sistema de diferenças que começa

pela divisão de sexos, mas que define também em termos familiares, políticos, económicos, os

lugares respectivos uns dos outros, de tal maneira que não é possível falar de uma posição no

sistema (mais velho, mais novo, filho segundo, patrono (…)) sem referência a um certo número

de outros; o outro íntimo (…) presente no coração de todo o pensamento, e cuja

representação, universal, corresponde ao facto de toda a individualidade absoluta ser

28 George STEINER – A Ideia de Europa. 3ª Edição. Lisboa: Gradiva, Janeiro de 2006, p. 26

21

impensável: a hereditariedade, (…) a semelhança, a influência, são outras tantas categorias

através das quais é possível apreender a alteridade complementar (…) constitutiva de toda a

individualidade”29.

O confronto entre o “eu” e o “outro” apenas se pode dar no campo da linguagem pois entendida

como “qualquer sistema de sinais”30 só ela permite a comunicação que nos deixa percepcionar

a essência do outro. O acto de comunicar31, interacção gerada pela troca de mensagens entre

indivíduo, resulta da abertura da consciência individual ao mundo e toma materializa-se em

toda a forma de expressão humana como a arte, o cinema, a arquitectura, a língua, a música, a

tecnologia, a ciência, a moda ou a religião. Neste sentido, a cultura, espaço de todas as

linguagens e súmula de todas a experiências partilhadas, é a condição essencial para a

construção de toda a identidade32.

Contudo, a eficácia do processo comunicativo depende sempre da inteligibilidade da

mensagem33 por parte do receptor. Vejamos por exemplo a dificuldade do público em geral em

compreender a arte contemporânea que tem vindo gradualmente a abandonar as linguagens

artísticas tradicionais, fechando-se na micronarrativa dos seus autores, e tornando-se por isso

indecifrável para o grande público34. A criação de um conjunto de sinais cuja significação

apenas é inteligível pelo próprio autor da mensagem gera a impossibilidade comunicativa,

anula o diálogo e dá lugar ao monólogo. Neste abandono dos códigos do passado, partilhados

por um grupo específico, em detrimento de um código individualizado, dá-se a dispersão na

29 Marc AUGÉ – op. cit., p. 20. 30Armand CUVILLIER – Vocabulário de Filosofia. 2ª Edição, Lisboa: Livros Horizonte, 1960, p. 113 31 “Fenómeno pelo qual as consciências individuais, em lugar da se manterem fechadas e isoladas, simpatizam e comunicam entre si. (…) “Não creio na transmigração das almas; não posso, contudo deixar de crer na sua comunicação” (Buffon.)”. Idem, Ibidem, p. 46. 32 “ Não é simplesmente pelo facto de a representação do indivíduo ser uma construção social que interessa a antropologia, mas também pelo facto de toda a representação do indivíduo ser necessariamente uma representação do laço social, que lhe é consubstancial.” Marc AUGÉ – op.cit., p. 21 33 Segundo o filósofo Carlos Mourão Bizarro a partir da mensagem discursiva pode ser feita a “(…) discriminação da sua mensagem denotada – matéria de gramática, de dicionário, de sintaxe, – e também da sua respectiva mensagem conotativa – trabalho de decifração das suas componentes ideológica, psicológica, sociológica, enfim, cultural (…)”. Contudo, se analisarmos um objecto estético encontraremos outro tipo de mensagem denotada que se relaciona com a organização formal e cujo “ (…) sentido (…)só pode ser apreendido no contexto de uma relação afectiva com a forma do objecto, pois só ela é constituinte do momento estético.” Esta mensagem estética tem uma tradução mais difícil pois à forma não corresponde a interpretação de “um código pré-dado” mas de um “sentimento, sem conceitos determinantes, e na base de uma faculdade de sentir (Kant).” Carlos Mourão BIZARRO – Arte e significação: Acerca da Fenomenologia Dufrenniana da Significação do Objecto Estético. Revista Portuguesa de Filosofia, Braga, Tomo XLVIII, fasc. 3, 1992. pp.434-435 34 “En el contexto artístico, uno de los indicadores del postmodernismo, está asociado al olvido y abandono por parte del artista, de todo y cualquier marco tradicional instituido, desvalorizando las materias y materiales, desde siempre interpretados como medios y no fines en sí, inviabilizando su transmisión, creando una disfunción de los elementos básicos del lenguaje plástico, reconocibles e identificados como pertenecientes al campo de las artes plásticas, confrontándolos con la aparente incomunicabilidad generada en una micronarrativa de la manera individualizada, que surge como un mundo cerrado a la significación.” Hugo FERRÃO - Trilogía: Tradición, modernidad y postmodernidad: dispersión en la multiplicidad, aspectos tecnológicos y artísticos, Fabrikart, Bilbao, N. 2, 2002, pp.93

22

multiplicidade de micronarrativas, perdendo-se as narrativas de conjunto (metanarrativas) e

dificultando a capacidade comunicativa entre os indivíduos.

Augé recorre à expressão “narrativas do espaço”, Certeau quer falar ao mesmo tempo das

narrativas que “atravessam” e “organizam” lugares (“Toda a narrativa é uma narrativa de

viagem…” (…)) e do lugar que a escrita da narrativa constitui (“a leitura do espaço produzido

pela prática do lugar constituído por um sistema de signos – uma narrativa” (…))”35. O autor

remete-nos então para a existência de dois tipos de narrativa: a narrativa da viagem (ou

trajecto) e a narrativa do discurso. A primeira resulta da interacção directa com o mundo

envolvente, absorve os factos observados na ordem em que se apresentam e constitui o

conhecimento efectivo da experiência. Já a narrativa discursiva é produto da interpretação e

reorganização da experiência vivida à qual o autor atribui uma significação, derivando portanto

da narrativa de viagem. Tal como Augé observa “(…) o livro é escrito antes de ser lido; passa

por diferentes lugares antes de constituir um lugar (…)”36.

Independentemente da natureza do discurso, este constitui de facto uma reorganização da

realidade a ser vivida, influenciando as narrativas de viagem posteriores a si e criando uma

dinâmica social que relaciona o passado, o presente e o futuro. Neste sentido, Augé opõe-se a

Marcel Mauss e à sua individualidade tipo37 afirmando que “as culturas “trabalham” como a

madeira verde e nunca constituem totalidades acabadas (por razões extrínsecas e intrínsecas);

e os indivíduos, por mais simples que os imaginemos, nunca o são tanto que não se situem por

referência à ordem que lhes atribui o lugar: é só em certa medida que exprimem a totalidade”38.

Ora, nesta era em que as novas tecnologias nos possibilitam a comunicação sem limites

territoriais, as petit histoires misturam-se e podemos então falar de várias parcelas culturais que

interagem entre si gerando uma única cultura global. Tal como Durkheim defende, o produto

social é muito mais do que a simples soma ou justaposição das partes e, como tal, estas

microculturas, entendidas como unidades definíveis por uma identidade própria, têm a

capacidade de estabelecer infinitas relações entre si39. Neste sentido, a cultura global na qual

35 Marc AUGÉ – op.cit., p. 72 36 Idem, ibidem. p. 72 37 Marcel Mauss acredita numa “individualidade tipo”, personificada pelo homem médio “afectado em todo o seu ser pela mais pequena das suas percepções ou pelo mais pequeno choque mental” dificilmente separa a sua identidade da identidade colectiva, sendo no seu total, uma representação social. Por sua vez, Marc Augé, pela à sua postura face à alteridade essencial e complementar do individuo, assume uma posição mais moderada em relação à influência da identidade colectiva e individual. Contudo, Augé admite que “o facto de as reacções das individualidades pretensamente livres poderem ser apreendidas e até mesmo previstas a partir de amostras estatisticamente significativas (…) não nos surpreende. Simplesmente, aprendemos em paralelo a duvidar das identidades absolutas, simples e substanciais, tanto no plano colectivo como individual”. Marc AUGÉ – op.cit., pp. 21-23 38 Ídem, ibidem, pp. 23 39 “Avanzado - (…) La hibridación de las culturas, naturalezas y procesos, conduce a una mayor complejidad de las propuestas y abre nuevas líneas de acción” GAUSA, Manuel, [et al.] – op.cit. pp. 75

23

todos somos chamados a participar é muito mais rica e diversificada do que os cépticos nos

podem fazer crer40.

Um outro argumento contra o cepticismo da inevitável Globalização é a própria história. Por

certo a invasão e colonização pela via da força de certos territórios tiveram resultados

devastadores em algumas culturas mas é inegável que o mundo seria um lugar mais pobre se

não existisse a cultura brasileira, mexicana ou australiana, derivadas da interacção entre os

colonizadores, o meio e as etnias existentes nos territórios ocupados.

A prevalência dos valores ocidentais na maioria das culturas é evidente e tem de ser atribuída

em parte à imposição política e bélica dos países colonizadores. No entanto, não deveremos

subestimar algumas das qualidades do modelo ocidental. A tolerância, o respeito pelo próximo,

a liberdade de expressão são valores universais desenvolvidos e aplicados no seio da cultura

ocidental, em especial na cultura europeia. Na verdade, por mais diferentes que sejamos

devido aos nossos contextos sociais, podemos sempre falar de uma ética partilhada por todos.

Prova desta ética é a Declaração Universal dos Direitos do Homem onde podemos ler, no

artigo 2º, “Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na

presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de

língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de

nascimento ou de qualquer outra situação”41.

O teatro Óbit, posto em cena pela companhia La Fura del Baus em 2004/2005, explora

exactamente esta questão da universalidade da essência humana. A peça inicia-se com uma

selecção aleatória em que cada espectador é introduzido no espaço de uma equipa onde lhe

vestem uma bata branca, desenham uma marca na cara e atribuem-lhe uma tarefa.

Impossibilitados de ver a restantes equipas, durante alguns minutos de espera, somos

invadidos pelo desconforto da incerteza (o que vai acontecer? Porquê que me puseram aqui?

O que terei de fazer?) que termina quando, num ambiente frenético de puro delírio, surge um

speaker que orienta e motiva a equipa a concretizar um determinado objectivo. Por esta altura

compreendemos que em virtude de uma vitória (sobre o quê? qual o benefício?) estamos a

competir com outra equipa. Passados alguns minutos e sem aparente explicação, todas as

40 “ Hoje, a globalização é geralmente tomada como destruidora de povos, arrasadora de empresas, supercalamidade mundial, que pode transformar a nossa vida cómoda num inferno (…) O habitual é ver a palavra “globalização” junta a expressões como “desastre”, “miséria”, “exploração”. Assim é surpreendente, e até um pouco refrescante, ver um livro que considera esse processo como inevitável, natural e, até, saudável (…) O livro pretende demonstrar é que o mundo está a ficar mais igualitário e nivelado, concedendo aos países atrasados mais oportunidades para entrar em áreas onde antes lhes era impossível participar. Nos negócios, mas também na investigação, no desporto, na cultura, a globalização está a tornar o mundo mais justo.” Thomas L. FRIEMAN – O Mundo é Plano: Uma História Breve do Século XXI. 4ª Edição. Lisboa: Actual Editora, Fevereiro de 2006. pp. 9 41 PROCURADORIA GERAL DA REPUBLICA, GABINETE DE DOCUMENTO E DIREITO COMPARADO - Declaração Universal dos direitos do Homem. Disponível em: http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/cidh-dudh.html [26/12/2007]

24

barreiras visuais são desmontadas num ápice e compreendemos aí a impossibilidade de

distinguir uma equipa da outra pois todos vestem uma bata branca igual. Daí em diante a peça

é um retrato da vida humana na sua forma mais pura: o nascimento, a auto-consciência, a

sociabilização, a sexualidade, a morte.

Nesta pequena metáfora encenada em Óbit facilmente reconhecemos as figuras essenciais da

estrutura social: o espaço onde a equipa se reúne retrata o território de influência de um

determinado grupo; o isolamento reporta-nos para o autismo social criado pela falta de

contacto com outras culturas; o speaker personifica a política, organizando e motivando a

grupo de maneira a executar as estratégias e atingir objectivos; O jogo simboliza a

concretização das estratégias que, no modelo capitalista, corresponde à economia; os

espectadores representam-se a si mesmos, os indivíduos inseridos numa lógica de grupo

ocupando um papel na organização político-económica. Anulando-se todo o contexto, o

indivíduo é remetido à sua essência que tem como âncora o corpo, onde existe, com o qual

sente e se exprime. Comum a todos os seres humanos, o corpo é a primeira fonte de

linguagem sendo o espelho da mente do indivíduo e o receptáculo por excelência dos

estímulos do mundo envolvente.

Emotion Needs No Translation é o título da crítica do jornal The New York Times ao filme

Babel. De facto muitas das cenas do filme constrõem-se não pelo discurso mas pela expressão

corporal dos actores: a aflição de Amélia, ama das crianças, ao ser abandonada no deserto; o

desespero de Abdullah quando descobre que foram os seus filhos a disparar a bala sobre a

americana; a revolta de Chieko por sentir a rejeição das pessoas à sua volta. Na análise ao

filme o jornalista comenta “[Mr. González Iñárritu tries to suggest] (…) a common idiom of

emotion present in certain immediately recognizable gestures and expressions. We may not be

able to read minds or decipher words, he suggests, but we can surely decode faces, especially

when we see them at close range and in distress. Loss, fear, pain, anguish — none of these

emotions, it seems, are likely to be lost in translation”42.

Na sequência deste princípio de universalidade da essência humana encontramos a Pirâmide

das Necessidades de Maslow43. Baseada na teoria das necessidades fundamentais do ser

humano, advoga que a motivação surge como consequência da necessidade de bem-estar.

Segundo os seguidores de Maslow estas necessidades podem ser subdivididas em oito níveis

42 THE NEW YORK TIMES – “Emotions needs no translation”. (27/10/2006). Disponível em: http://movies.nytimes.com/2006/10/27/movies/27babe.html [14/12/2007] 43 Abraham Maslow, psicólogo americano do início do séc. XX, definiu primeiramente a pirâmide de necessidades com base em cinco critérios básicos: necessidades fisiológicas, segurança, sociais, estima e auto-realização. Com o desenvolvimento dos estudos em torno da motivação e personalidade esta lista de critérios foi ampliada em 1990, pelos seguidores de Maslow, para oito critérios: fisiológico, segurança, social, estima, cognitivo, estética, auto-realização e transcendência. Este modelo é largamente aplicado no campo da gestão para estabelecer modelos comerciais e aumentar a produtividade.

25

de necessidades: fisiológicas, segurança, socialização, estima, cognitivas, estética, auto-

realização e transcendência. Apenas na suplantação de cada um deles é que o indivíduo evolui

para o nível seguinte, até chegar ao topo da pirâmide atingindo a realização pessoal, o nível

máximo de bem-estar.

Com o corpo como ponto de partida de toda a interacção compreendemos que o prazer bem

como o sofrimento podem ter diversas formas, tanto físicas com psicológicas. Como tal, é

necessário ter sempre em atenção o contexto em que o individuo se insere. A título de exemplo

pensemos num copo de água potável, apesar de ser uma banalidade nas sociedades

desenvolvidas, é um luxo em países como o Quénia. Assim, qualquer que seja o objectivo final,

cada indivíduo procura as melhores ferramentas para obter o maior sucesso dentro do seu

contexto. Ora, este terá sido um dos aspectos mais importantes para a disseminação do

padrão ocidental de valores: a eficácia do modelo económico, político, tecnológico e social na

resposta às necessidades humanas.

O jornalista Thomas L. Friedman no seu livro O Mundo é Plano fala-nos de um mundo mais

justo onde a globalização abre possibilidades iguais para todos, escrevendo: “Como nunca na

história da Humanidade, é agora possível que mais pessoas colaborem e concorram em tempo

real com outras, em muitos mais tipos de trabalho, em muito mais cantos do planeta e em pé

de igualdade – recorrendo a computadores, e-mails, ligações em rede, teleconferências e novo

software”44. Segundo este autor o processo de integração global já conheceu diferentes

propósitos e protagonistas podendo ser dividida em três períodos distintos que apelidou de

Globalização 1.0, 2.0 e 3.0.

A primeira, apelidada de Globalização 1.0 começa com a descoberta do Novo Mundo por

Cristóvão Colombo e estende-se até 1800, caracterizando-se pelo uso e gestão da potência

(muscular, equídea, eólica, vapor) a que cada país tinha acesso. Movidos pela religião ou por

valores imperialistas, os países e governos procuram a melhor forma de beneficiar da parceria

com outros, motivando a interacção global. Já a Globalização 2.0, localizada entre 1800 e

2000, parte da iniciativa privada protagonizada pelas multinacionais que exploravam novos

mercados e colaborações empresariais com o intuito de estabelecer o seu império além

fronteiras. Esta nova fase da Globalização só terá sido possível pelo desenvolvimento daquilo

que o autor designa de hardware suporte desta nova economia. O primeiro passo deu-se

efectivamente com a descoberta da máquina a vapor de onde derivou o progresso dos meios

de transporte de baixo custo, como o comboio ou o barco a vapor, potenciando desta forma a

expansão de mercados mundiais e a propagação das multinacionais. Mais tarde, surgiram as

telecomunicações de baixo custo, como o telégrafo, o telefone ou o computador pessoal

44 Thomas L. FRIEMAN – op.cit., pp. 16

26

dando-se o culminar da verdadeira economia global “no sentido de haver suficiente movimento

de bens e informação de continente para continente para existir um mercado global no âmbito

dos produtos e do mercado de trabalho”45.

Por fim a Globalização 3.0 que, segundo o Friedman, é a fase em que vivemos desde 2000.

Esta tem a particularidade de ser impulsionada pelos indivíduos singulares e, embora tenha por

base o hardware, resulta do desenvolvimento do software aliado a “uma rede global de fibra

óptica que nos tornou a todos vizinhos uns dos outros”46. Reduzindo o nosso mundo a impulsos

eléctricos, perdem-se as distâncias e novas relações podem ser então estabelecidas,

colocando agora a pergunta chave da Globalização no próprio indivíduo: “Onde é que eu me

encaixo nos termos da concorrência global e nas oportunidades imediatas e de que forma

posso, por mim próprio, colaborar com outros a um nível global?”47.

A sobrevalorização do espaço e serviços de algumas cidades, especialmente europeias e

americanas, tem um impacto significativo no custo do produto final. Contudo, devido à

mobilidade de alta velocidade e à liberdade conferida pelo software, este problema pode ser

diluído numa gestão mais eficaz dos recursos humanos e financeiros. Admitindo que qualquer

indivíduo, com a devida preparação, pode desempenhar qualquer tarefa que lhe seja destinada

é possível fazer uma melhor distribuição de serviços, criando oportunidades mais adequadas à

expectativa do mercado de trabalho mundial48. Assim, por razões de custo e eficiência, o

sourcing49 tem sido uma prática cada vez mais comum, fenómeno que origina situações

caricatas como um nativo de Nova Iorque ligar para um call center (serviço de informações)

localizado em Bangalore, na Índia, para saber como chegar a Manhattan. Podemos pois

constatar que se os transportes encurtaram as distâncias mas a cibernética anulou-as sendo

retrato disso mesmo o comentário de Nilekani quando mostra o ecrã gigante da sala de

reuniões da Infosys a Friedman “Podemos sentar aqui alguém de Nova Iorque, Londres,

45 Idem, Ibidem, p. 18 46 Idem, Ibidem, p. 19 47 Thomas L. FRIEMAN – op.cit., p. 19 48 ““Digamos que era um jornalista da Reuters, em Nova Iorque. Sentir-se-ia mais realizado ao transformar press releases em caixas num ecrã, ou ao fazer o trabalho de análise?”, perguntou Glocer. Obviamente, a sua opção é a segunda. Fazer outsourcing de boletins noticiosos para a Índia permite igualmente alargar o espectro do seu campo de análise a empresas de menor dimensão, que antes não tinham interesse de ser acompanhadas pelos seus bem pagos jornalistas de Nova Iorque.” Idem, Ibidem, p.28 49 Sourcing é o acto de uma entidade delegar a outra trabalho que deveria ser de sua competência. No campo da gestão as principais vantagens são a libertação de recursos humanos das tarefas rotineiras no sentido de desenvolver mais o carácter qualitativo do trabalho e a possibilidade usar mão-de-obra mais barata para tarefas de menor importância levando assim à redução de custos de produção. O sourcing pode ser de diferentes tipos como outsourcing se for de uma companhia para outra ou homesourcing que consiste delegar tarefas a pessoas sedeadas nas suas próprias casas. No seu livro o autor dá inúmeros exemplos de outsourcing como por exemplo análises de TAC pedidas dos EUA aos médicos da Índia e Austrália pela falta de radiologistas nos Hospitais americanos durante a noite ou ao fim-de-semana ou o outsourcing a empresas indianas para o preenchimento de declarações fiscais americanas (25 declarações em 2003, 100mil em 2004, 400mil em 2005) libertando desta forma os contabilistas americanos afim de darem um atendimento de maior qualidade aos seus clientes. Idem, Ibidem, pp.21-58.

27

Bóston, São Francisco, todos ao vivo. E pode acontecer que a implantação do projecto seja em

Singapura, e o representante desta cidade poderá estar aqui também ao vivo… É a

Globalização”50.

No entanto, juntar empresários com interesses comuns num mesmo espaço não é condição

suficiente para negociar, é pois essencial que partilhem uma mesma “linguagem” para se

estabelecer a troca de ideias. Assim, conscientes da necessidade e vantagem competitiva, a

aprendizagem de outras linguagens (informáticas, linguísticas, artísticas, cientificas entre

outras) tornou-se uma prática cada da vez mais comum. Note-se, contudo, que o

reconhecimento de um código comunicativo depende sempre da experiência do mesmo,

apenas passível de ocorrer nos espaços de comunicação, ou seja, em espaços onde se

proporcione a interacção entre consciências. Nesta perspectiva compreendemos a importância

dos veículos de comunicação que estabelecem pontes entre indivíduos permitindo a permuta

de informações.

Indiscutivelmente, durante séculos, a oralidade foi o meio privilegiado para a difusão cultural

sendo a escrita e a arte reservadas às elites instruídas. No entanto, devido ao seu carácter

efémero, a mensagem transmitida pela oralidade dependia sempre da interpretação do seu

emissor e exigia a sua presença, tendo por isso um impacto limitado, geográfica e

temporalmente. Apenas no séc. XV com a invenção de Gutenberg se tornou possível

desprender a obra do seu autor. O escritor, materializando de forma perene e imutável o seu

discurso em forma de letras, vê, graças à tecnologia tipográfica, a eficaz multiplicação da sua

mensagem, provocando a sua ampla ressonância junto dos outros. A facilidade na

multiplicação do discurso escrito congelado temporalmente possibilita então a comunicação

entre indivíduos desconectados no espaço e no tempo ajudando à contraposição da

consciência do autor à consciência dos outros51. Ao acesso fácil da informação dactilografada

junta-se o desenvolvimento social gerado pela industrialização que promove a banalização da

aprendizagem da leitura e da escrita, produzindo uma maior habilidade comunicativa entre

indivíduos.

Paralelamente, com a chegada do rigor do espírito científico, desenvolve-se um culto cada vez

maior da imagem em detrimento dos textos romanceados, dando-se então o advento da

todo-poderosa imagem. Atribuindo-lhe um valor de verdade, os estudiosos entre o séc. XVI e o

final do Iluminismo crêem que a imagem é a única “descrição, controlável, logo fiável dos seus

50 Thomas L. FRIEMAN – op.cit, p. 15. 51 “El autor “se petrifica” en la profesionalización, conquista la consciencia de sí y de los otros, también gracias a la tecnología que sirve de vehículo de su discurso, se amplia la resonancia de sus palabras, debido à la mecanicidad que preside las maquinas, aceleradores de la reproducción alcanzando millones de ejemplares”, Hugo FERRÃO - op.cit., pp.88

28

objectos”52, apostando na iconografia como o método mais eficaz para a representação formal.

A imagem ganha então um papel fundamental na sistematização e comparação dos vários

objectos. Durante muito tempo, resumida à pintura e ilustração, a reprodução de imagens era

cara e lenta, mantendo-se por isso limitada aos palácios, aristocratas e museus. Apenas com a

fotografia, no início do séc. XIX, se começa a conseguir uma reprodução de imagens de uma

forma rápida e em série, facilitando o seu acesso a todos. Retrato directo de uma realidade

captada, é mais rigorosa que a ilustração, diminuindo os erros de percepção relativamente à

proporção, a relação volumétrica ou estado material. Para além da possível manipulação a ser

feita pelo fotógrafo, características como a textura, a temperatura, o tempo, a escala, o ruído ou

o contexto continuam a não ser apreendidas fotograficamente mas imputadas pela

interpretação do sujeito. Assim sendo, a fotografia não deixa de ser uma referência

iconográfica, não substituindo a verdadeiramente experiência do objecto ou acção53. A ilusão

de experimentar a acção através da imagem fica então completa quando é introduzida a quarta

dimensão na representação iconográfica. Através da invenção dos irmãos Lumière uma

sequência de imagens cria a ilusão de capturar o tempo de progressão da acção. Outro

aspecto relacionado com o cinema é o facto de muitas vezes o público restringir-se

inconscientemente à visão do realizador, vendo a sua amplitude visual reduzida à lente da

câmara. Comentando este tema, Bruno Zevi escreve que “a cinematografia representará um,

dois três caminhos possíveis do observador no espaço, mas este apreende-se através de

caminhos infinitos. (…) Falta, (…) na representação cinematográfica, esse impulso de

participação completa, esse motivo de vontade e essa consciência de liberdade que sentimos

na experiência directa do espaço”54.

Já em 1819, dá-se a descoberta das propriedades magnéticas de uma corrente eléctrica por

Hans Christian Oersted, assinalando-se o início de uma série de experiências e estudos

responsáveis pelo desenvolvimento do telégrafo, telefone, rádio, televisão e internet. Abrindo

um novo capitulo nas interacções individuais estes novos veículos de comunicação, propagam-

se à velocidade da luz e possibilitam a interacção em tempo real entre indivíduos separados

por largas distâncias. Começando por apenas poder difundir som, rapidamente se juntou a

imagem tornando a mensagem audiovisual facilmente inteligível e de baixo custo, acessível a

todos independentemente do seu contexto socio-económico.

52 Françoise CHOAY – A Alegoria do Património. Lisboa: Edições 70, 2000, p.65. 53 “Se a pintura e a fotografia tiveram ao longo do seu desenvolvimento diversas fases de compromisso com uma certa dimensão de verdade testemunhal, basta relembrar o retrato, a paisagem, a pintura da história, ou a fotografia cientifica e documental, não e menos verdade que essas imagens, resultaram sempre de múltiplos efeitos de manipulação.” David SANTOS – Jeff Wall: Encenações do Real, Arq./A: Arquitectura e Arte. Lisboa, N. 47- 48, Julho - Agosto de 2007, pp.146 – 150 54 Bruno ZEVI – Saber ver a Arquitectura. São Paulo: Martins Fontes, 5ª edição, Setembro de 1996. p. 51.

29

Verifica-se então, tanto através da tipografia como da teletecnologia, a livre circulação de ideias

entre grupos culturais distintos, coadjuvando a emancipação cultural do indivíduo. No entanto,

contrariando a utopia humanista, a industrialização e a capitalização dos mercados de

informação têm gerado sociedades de consciências formatadas que elegem as suas leituras

por entre uma panóplia de livros obrigatórios, de actualidade e best-sellers55. Problema que se

agrava ainda mais nesta era de consumo informativo onde a velocidade alucinante dos

acontecimentos e da informação torna apelativo um conhecimento superficial e formatado,

propagandeado pelos media.

Quer seja a imprensa escrita ou televisiva, os media provaram ser importantes motores de

opinião, tanto pela facilidade de acesso, como pela identificação do indivíduo comum com os

temas tratados. Contudo, a manipulação é passível de ser feita devido à parcialidade

ideológica e ao fraco conhecimento da matéria apresentada. Torna-se evidente, em alguns

casos, uma selecção de factos (no mínimo) incompetente. Muitas histórias são representativas

desta realidade volátil, no entanto, basta recordar o bastante mediático caso Maddie Mccann.

Num curto intervalo de tempo, os pais passaram de pobres vítimas a vis culpados, sendo

julgados na praça pública e nos jornais de todo o mundo56.

Por sua vez, contrapondo-se à ditadura dos media, a Internet tem introduzido uma certa

democracia por entre os veículos de comunicação, deixando que, sem restrições, todo o

indivíduo assuma o papel de autor exprimindo as suas opiniões, experiências e conhecimento

através de blogues, fóruns e sites como o YouTube ou a Wikipédia. Assim, numa sociedade

que se quer mais democrática, tolerante e informada, a Internet mostra-se como um meio de

comunicação completo e apelativo, encontrando todos os temas à distância de um enter. No

entanto, a maior revolução proporcionada pela Internet reside na criação de espaços virtuais de

relação57 como o Messenger, a Second Life ou a Playstation Home, que possibilitam a

55“Utilizando una expresión de Marshall Maculan, la “Galaxia de Gutenberg”, estandarizó, “domesticó” las conciencias de los lectores a través de los libros “obligatorios”, de las “actualidades”, de los “best-sellers” , una producción literaria en suporte de papel que consume anualmente los bosques de los países menos desarrollados, pero también, generalizó el aprendizaje de la lectura y de la escritura, abriendo nuevos mundos a las cada vez mas individualizadas consciencias, por lo que cada hombre se transforma o contiene en sí un autor o un hacedor de mundos.” Hugo FERRÃO - op.cit., pp.88 56 A parcialidade e incoerência que povoa os media é notória, por exemplo, quando fazemos uma pesquisa no site do Jornal THE SUN sobre o tópico Maddie Mccann. A notícia de dia 27 de Outubro de 2007 relata a descrição incriminatória do comportamento de Kate feita pelo especialista de expressão facial José Cabrera na televisão espanhola afirmando “Kate seemed like a poker player. She holds the secret. When people cry, they move muscles in their face and she did not move one single muscle.” Já dois dias depois, The Sun publica o título “Kate’s hurting but isn't suicidal” sugerindo a mãe Mccann como sofredora e vítima de uma perda terrível 57 “Del espacio público hemos pasado al espacio relacional. Un espacio auténticamente colectivo abierto al uso, al disfrute, al estimulo, a la sorpresa: a la actividad. A la indeterminación de lo dinámico, del intercambio entre escenarios activos y paseantes-usuarios-actores activadores. Ya no, pues, un espacio de “arredo urbano”, una mera recreación neomonumentalizadora apoyada en diseños cerrados, es decir, en imágenes “puras” acabadas (…) sino un espacio de nuevos pasajes - o pasajes de pasajes – para la interacción y la apropiación. No ya diseños formalizadores sino dispositivos informalizadores. Dispositivos

30

interacção em tempo real, dispensando por completo o espaço real e consumando a

virtualidade como um espaço público58. O espaço publicitário, da literatura, das imagens, das

artes, do lazer ou da cibernética são de facto novas estruturas comunicativas disseminadas na

nossa sociedade que transformaram a nossa relação com o “outro”, para além de nós próprios.

Contudo, a transfiguração do espaço de interacção só é, em parte, consequência da

transformação dos veículos comunicativos. Quando atravessamos países sem sair da auto-

estrada ou sobrevoamos oceanos sem sentir a maresia, poderíamos falar da subversão da

experiência vivida que, devido à mobilidade acelerada, se torna tão real como o filme no

cinema ou um livro de fotografias.

Paul Virilio advoga que “[a] aceleração dos meios de comunicação que apagam o Atlântico (o

Concorde), reduzem a França a uma quadrado de uma hora e trinta de lado (o Aitbus), ou

ainda, por causa desse TGV que ganha tempo ao tempo, diferentes slogans publicitários que

assinalam perfeitamente a retenção do espaço geográfico”59. Somos pois remetidos para uma

nova concepção espaço-tempo onde o espaço não é medido em metros mas por tempo,

relativizando assim a nossa percepção do mundo geográfico e do real60. Esta subversão da

realidade física61 agrava-se ainda mais quando não temos de sair de um lugar para chegar ao

outro com as ligações em tempo real que levam-nos instantaneamente ao outro lado do mundo

para resolver projectos, à órbita terrestre onde podemos ver o nosso planeta ou a um barco da

Volvo Ocean Race que acaba de dobrar o Cabo Horn, isto tudo sem sair da nossa sala de

– decisiones tácticas – abiertas al cambio y generadoras de acción y mixicidad, capaces de combinar la alegría plástica con la incorporación de instalaciones temporales para el ocio, el deporte, la cultura, el asociacionismo, la intercomunicación, la diversidad, la relación y, en definitiva, la proyección del ciudadano. Pero también para la captación y reformulación de energías – e informaciones- locales y globales. (…) Un espacio colectivo, desinhibido, optimista, distendido – y en muchos aspectos cambiante, mutable, precario y reversible – para una ciudad definitivamente más alegre y excitante que elegante.” GAUSA, Manuel, [et al.] – op.cit., p. 204 58Um exemplo crítico das transformações na concepção do espaço público introduzidas pelas teletecnologias é quando, em Agosto de 2007, a manifestação internacional contra a gigante multinacional IBM é feita não nas ruas das nossas cidades mas no espaço virtual Second Life pelos trabalhadores da companhia virtual com o mesmo nome. 59 Paul VIRILIO – A Velocidade de Libertação. Lisboa: Relógio de Água Editores, Outubro de 2000, p.31 60 Façamos uma comparação objectiva: a companhia aérea Vueling oferece uma oportunidade de viagem Lisboa-Madrid em que pagaremos 40€ e estaremos 1h10m em trânsito; Procurando no ViaMichelin, a ligação de automóvel de Lisboa-Vila Real estima-se na casa dos 55€ e com duração de 4h20m. Assim é mais fácil para um Lisboeta chegar a Madrid que está a 627Km do que a Vila Real a 406Km. Este relativismo gera então distorções do mapa geográfico que coloca Lisboa mais próxima de Madrid do que de algumas zonas de Portugal. 61 “El concepto de realidad es la clave para entender un cambio radical en la manera de re-presentar las nuevas ideas. La realidad virtual interacciona de tal forma en la manera de observar que el antiguo observador de la realidad representada se ha desdoblado en dos: uno interno y otro externo, en donde el observador interno ya no puede distinguir entre los dos fenómenos.(…) Dado que los sensores del observador interno virtual son los efectores del observador externo real, que a su vez se transforman en sensores del observador interno virtual, reconocemos en este circulo la inseparabilidad (…) entre interfaz y observador interno, entre el observador y observado, entre la realidad del observador interno y la ilusión del observador externo. El modelo creado por el ordenador está centrado en el observador.” GAUSA, Manuel, [et al.] – op.cit. p. 499

31

estar. Começamos efectivamente a movermo-nos à velocidade luz62, anulando

progressivamente a dimensão física do espaço de relação.

Aumentando a velocidade63 e consequentemente diminuindo o tempo de trajecto reduz-se a

possibilidade de interacção do indivíduo e assim a sua capacidade de relação com o “outro”.

Restando apenas leves impressões da envolvente, vazias de conteúdo e reorganizadas

segundo uma lógica individual, o sujeito pode caminhar progressivamente para um monólogo,

ao invés de um diálogo com a envolvente64. Neste sentido Augé afirma que “entre o viajante-

espectador e o espaço de viagem (…) [introduz-se] uma ruptura que o impede de ver nele um

lugar, de nele se encontrar plenamente, ainda que tente preencher esse vazio por meio das

informações múltiplas e minuciosas que lhe propõem os guias turísticos”65. Afastado da sua

realidade próxima, não só as narrativas de viagem se vão perdendo. Isolado da realidade

vivida, o indivíduo vê-se confrontado com a dificuldade de reconhecer as referências existentes

nas narrativas de discurso, tornando também estas cada vez mais mudas. Gradualmente o

indivíduo fecha-se nas suas próprias significações perdendo a capacidade de interagir com o

mundo e volvendo-se cada vez mais um mero espectador de si mesmo66. Por isso, Paul Virilio

afirma “ [a] perda da narrativa do trajecto e, pois, da possibilidade de uma qualquer

interpretação, que se desdobraria numa súbita perda de memória, ou antes, no

desenvolvimento de uma paradoxal memória imediata (…)”, ou seja, a dificuldade de interagir

com a envolvente origina a incapacidade definir uma identidade, relação e história do lugar,

62 “Se a perda das lonjuras inacessíveis é acompanhada por uma aproximação mediática que tudo deve à velocidade da luz, muito em breve devemos também acostumarmo-nos aos efeitos e distorções das aparências provocadas pela perspectiva do tempo real das telecomunicações, perspectiva onde a antiga linha do horizonte se encolhe no quadro do ecrã, suplantando a electro-óptica à óptica dos nossos óculos.” Paul VIRILIO – op.cit., p.31 63 V = Vo; X= Xo + Vo ∇T ⇔ Vo= (X - Xo) / ∇T ; V – velocidade; Vo – velocidade inicial; X – posição na ordenada XX; Xo – posição inicial na ordenada XX; ∇T – intervalo de tempo considerado Estas fórmulas surgem da aplicação das leis fundamentais de Newton e descrevem o movimento de um projéctil que se desloca a uma velocidade constante. Aqui podemos comprovar que a velocidade surge da relação do espaço e do tempo. Só em como referência a velocidade da luz no vácuo corresponde à propagação de ondas electromagnéticas é de, aproximadamente, 300 000 Km/s. 64 “A viagem (…) constrói uma relação fictícia entre olhar e paisagem (…) devemos ainda acrescentar que há espaços em que o individuo se experimenta como espectador sem que a natureza do espectáculo para ele conte realmente. Como se a posição do espectador constituísse o essencial do espectáculo, como se, em última análise, o espectador em posição de espectador fosse para si próprio o seu próprio espectáculo.” Marc AUGÉ – op.cit. p. 73 65 Idem, ibidem. pp. 72 66 “(…) reducido a “funcionario de la tecnología” como diría Martin Heidegger, [el hombre pos-moderno] difícilmente es capaz de hacer referencia a la experiencia vivida en contacto con la naturaleza a través de las diversas representaciones, como el arte, está seducido por la performatividad de las tecnologías en campo, ha sido subtilmente obligado a abdicar tanto de sí mismo, que se han transformado en un habitante de um reality show, teniendo por compañeros a actores virtuales (…)”,Hugo FERRÃO - op.cit., p. 92

32

tornando-se impossível reconhecer o passado e futuro67. O Homem contemporâneo tornou-se

assim criador de espaços sem dimensão antropológica, ou seja, produtor de não-lugares68.

A expressão máxima deste fenómeno dá-se ao nível da cibernética onde conferências

(teleconferências), conversas (chatrooms) ou visitas virtuais acontecem em tempo real, num

espaço sem dimensão física, cuja existência momentânea gera a impossibilidade de fixar uma

cronologia e relação de identidade. Aludindo a esta questão Virilio escreve que “REUNIR-SE À

DISTÂNCIA, ou ainda, estar TELEPRESENTE, ao mesmo tempo aqui e ali, este pretenso

“tempo real”, mais não é do que espaço-tempo real, dado que os diferentes acontecimentos

ocorreram de facto, tiveram lugar, mesmo se, no fim das contas, esse lugar é o não-lugar das

técnicas tele-ópticas (interface homem/máquina (…))“69. O Homem contemporâneo já “convive

amigavelmente com os espaços virtuais”70 na ilusão de que experimenta o mundo através dos

simulacros tridimensionais que nele se produzem. Contudo, perdido nesta realidade construída

entre as suas próprias memórias e as memórias circulares de um qualquer software, deixa que

a tecnologia apague a memória dele mesmo71.

Nesta nova concepção de experienciar o espaço, proporcionada pela tecnologia, em especial a

teletecnologia, subverte-se a relação do homem contemporâneo consigo mesmo. Seduzidos

pelas tecnologias e a sua performance, temos vindo a aceitar gradualmente a conaturalidade72

entre máquina e Homem, renunciando o nosso corpo enquanto organismo biológico. Vejamos

a exposição Bodies, entre Maio e Setembro em Portugal, onde os cadáveres humanos são

decompostos como se de uma máquina se tratasse: uma perna separada nas suas várias

componentes, a pele exposta como um invólucro de protecção ou dois pulmões com

67 “Não é surpreendente portanto que seja entre os “viajantes” solitários do século passado (…) os viajantes por humor, pretexto ou ocasião, que estamos em condições de redescobrir a evocação profética de espaços onde nem a identidade, nem a relação, nem a história fazem realmente sentido, em que a solidão se experimenta como superação ou esvaziamento da individualidade, em que só o movimento das imagens deixa entrever por instantes àquele que as vê fugir e que olha a hipótese de um pasado e a possibilidade de um futuro” Marc AUGÉ – op.cit. pp.74 68 “ (…) os não-lugares reais da sobremodernidade, os que tomamos quando entramos numa autoestrada, fazemos compras no supermercado ou esperamos num aeroporto o próximo voo para Londres ou Marselha, têm a particularidade se definirem também pelas palavras ou textos que nos propõem: as suas instruções de uso (…) Instalam-se assim as condições de circulação em espaços onde se considera que os indivíduos interagirão apenas com textos sem outros enunciadores para além das pessoas “morais” ou instituições (aeroportos, companhias de aviação, Ministério dos Transportes, sociedades comerciais, policia de viação, municipalidades) cuja presença se advinha vagamente ou se afirma de modo mais explícito (“o Conselho Geral financia este troço de estrada”) por trás de injunções, dos conselhos, dos comentários, das “mensagens” transmitidos pelos inumeráveis suportes (painéis, ecrãs, cartazes) que fazem parte integrante da paisagem contemporânea.” Ídem, Ibidem, p.81 69 Paul VIRILIO – op.cit., p.32 70 Hugo FERRÃO - op.cit, p. 92 71 “ trás de la muerte de los dioses y del hundimento de las utopias de la razón, talvez el delirio tecnologico de la posmoderniadad nos encamine a la muerte del proprio hombre.” Ídem, pp. 92 72 “ La “naturalización” es tan perfecta que cada vez es más difícil distinguir lo real de la ficción, la entropía avanzada por la Realidad virtual es una tecnología de base informacional, que genera en tempo real simulacros tridimensionales que nos transportan a territorios virtuales en los que podemos encarnar varias personalidades, con varias vidas, organizar guerras, ser un viajante inmóvil como Julio Verne.”, Ídem, Ibidem,p.91

33

manutenções diferentes e as possíveis consequências. Outro exemplo é a medicina que nos

alude cada vez mais para um corpo passível de upgrades com a proliferação do conceito de

Homem biónico: uns dentes novos implantados no maxilar, uma lente colocada directamente

no olho ou um braço robótico controlado pelo cérebro73.

Contudo, a influência das tecnologias na concepção do homem contemporâneo vai muito além

do seu corpo animal. A transmutação do espaço real para o espaço virtual decorrente da

proliferação das novas teletecnologias revolucionou por completo a ideia de corpo terminal74.

Na impossibilidade experimentar a virtualidade, o corpo é condenado à inércia, ficando

dependente das próteses tecnológicas para habitar o espaço virtual. Neste sentido, Virilio

escreve que “de facto, a urbanização do tempo real é antes de mais a urbanização deste corpo

próprio, ramificado em diversos interfaces (…), próteses que fazem de uma pessoa válida,

superequipada, o equivalente de um inválido equipado”75.

Nesta profunda transformação do acto comunicativo, onde o corpo e a presença real do “outro”

são gradualmente dispensados, perdemos a capacidade de nos posicionarmos por confronto

em relação a outro, o que resulta na dificuldade de criarmos uma identidade própria.

Mergulhados num universo da semelhança onde todos somos iguais (a nós mesmos), a

relação de interacção torna-se vazia de conteúdo e a perda da linguagem partilhada é

inevitável levando à dispersão no discurso. Vivemos pois numa solidão76 dissimulada pelo

excesso de informação e pela busca de conhecimento que, essencialmente, não é mais que

uma tentativa de colmatar a aparente falta de sentido do mundo77. Este fenómeno de

isolamento ganha expressão quando viajamos num transporte público ou nos sentamos numa

sala de espera onde, muito embora possam estar repletos de pessoas, o silêncio e a

73 Claudia Mitchell, soldado da marinha americana que perdeu um braço num acidente de moto, sofreu uma cirurgia no final de 2006 onde lhe foi colocada uma prótese robótica que responde aos impulsos eléctricos cerebrais. 74 “ (…) estas radiotécnicas (…) irão amanhã perturbar a natureza do meio ambiente humano, do seu corpo territorial, mas, sobretudo, a natureza do individuo e do seu corpo animal, dado que o ordenamento do território por pesados equipamentos materiais (…) cede hoje em dia o lugar ao controlo imaterial (…) dos meios (satélites, cabos de fibra óptica), controlo que culmina no corpo terminal do homem, desse ser interactivo, ao mesmo tempo emissor e receptor.” Paul VIRILIO – op.cit. p.33 75 Idem, Ibidem, p. 33 76 “Se hizo evidente que la dispersión en la multiplicidad, dissuelve la conciencia unificada a través de las diferentes configuraciones de la transcendencia, algo como un principio superior, “enmarcador” que permite “solidificar” el sentido;(…) trás de la muerte de los dioses y del hundimento de las utopias de la razón, talvez el delirio tecnologico de la posmoderniadad nos encamine a la muerte del proprio hombre.” Hugo FERRÃO - op.cit, pp. 89-92 77 “O que é novo não é que o mundo não tenha sentido (…) é antes que experimentemos a explícita e intensamente a necessidade quotidiana de lhe dar um: dar um sentido ao mundo, e não a certa aldeia ou a certa linhagem.” Marc AUGÉ – op.cit. p. 28

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indiferença pelo próximo são evidentes78. Os nossos vizinhos tornam-se estranhos e os nossos

colegas de trabalho, vozes em telefones e textos em e-mails.

De facto, uma nova perspectiva social tem pautado o tempo contemporâneo, onde a interacção

com a envolvente resulta do cruzamento das diversas narrativas discursivas ao invés da

experiência na primeira pessoa. A este propósito, Augé escreve que “todas as interpelações

que emanam das nossas estradas, dos nossos centros comerciais ou das vanguardas do

sistema bancário nas esquinas das nossas ruas visam simultânea, indiferentemente, cada um

de nós (…)”79. Desta (aparente) democracia gerada na contratualidade dos não-lugares resulta

a desvinculação do indivíduo do seu contexto social, dando-lhe a possibilidade de actuar de

acordo com a sua consciência e consumando-se assim uma liberdade80 individual. Neste

sentido, a ideia de indivíduo como um total social, elemento característico da Modernidade tem

sido gradualmente renunciada em prol do conceito contemporâneo de cada indivíduo ser um

mundo.

A problemática da individualidade não é de facto exclusiva do tempo presente. Várias correntes

filosóficas como o Racionalismo e o Existencialismo reflectem sobre o indivíduo como um ser

autónomo e responsável pela sua auto-formação. Nelas fica sempre subjacente a liberdade e a

responsabilidade individual na formação do “eu”, remetendo-nos, pois, para uma visão do

Homem só e livre no que respeita à contemplação do mundo. A questão essencial da

contemporaneidade reside pois na produção de discurso. Hoje, mais do que alguma vez na

história, os meios de produção multiplicam-se e a independência em relação ao outro

consuma-se. Os espaços de relação constroem-se de forma acelerada e em larga escala,

criando assim a dificuldade temporal de assimilar todos discursos que nos chegam. Neste

sentido o tempo e o espaço esvaziam-se de identidade e inteligibilidade, remetendo-os agora

unicamente para a questão do ego, ou seja, do indivíduo.

Fazendo uso da fábula A biblioteca de Babel de Borges81, tal como os bibliotecários, o

individuo singular procura na relação das diversas narrativas a razão do mundo, estabelecendo

o paralelo entre os discursos encontrados e a sua própria visão do mundo, ou seja, através do

fenómeno de intertextualidade, constrói e completa o conhecimento do mundo numa interacção

indirecta com o outro, congelado na mensagem proferida82. Neste sentido Augé escreve que

78 “ (…) do mesmo modo que os lugares antropológicos criam social orgânico, os não lugares criam contratualidade solitária. Como imaginar a análise durkheimiana de uma sala de espera de Roissy?” Nota: Roissy faz referência do Aeroporto Roissy-Charles-de-Gaulle em Paris. Marc AUGÈ – op.cit., p. 80 79 Idem, Ibidem, p. 84 80 “Duty-free: imediatamente a seguir a ter declinado a sua identidade pessoal (…) o passageiro (…) precipita-se no espaço “livre de taxas”, livre ele próprio do peso das suas bagagens e dos ónus da quotidianidade (…) ” Idem, Ibidem, p.85 81 Jorge Luis BORGES – Ficções. Lisboa: Editorial Teorema, Março de 1998. pp. 67-77. 82 “Este pensador observou que todos os livros, por muito diferentes que sejam, constam de elementos iguais: o espaço, a vírgula, o ponto, as vinte e duas letras do alfabeto. Também acrescentou (…): Não há,

35

“[o individuo] entende interpretar por si e para si as informações que lhe são fornecidas (…)

[sendo que] nunca as histórias individuais foram tão explicitamente implicadas pela história

colectiva, mas nunca também os pontos de referência foram tão flutuantes. A produção

individual de sentido é portanto mais necessária que nunca”83.

na vasta Biblioteca, dois livros idênticos. Destas premissas incontroversas deduziu que a biblioteca é total e que as suas estantes registam todas as possíveis combinações dos vinte e tal símbolos ortográficos (…) ou seja, tudo o que nos é dado exprimir: em todos os idiomas.” Idem, Ibidem, p. 71 83 Marc AUGÉ – op. cit., p. 35

36

CIDADE

CIDADE 1. The city is the great creation of human species, which was managed to convert its needs of protection, services, contact and even beauty into a system of life84. 2. palabra antigua. Ver “m. ciudad” y “multicidad” 85. m. Ciudad o multicidad (…) la ciudad contemporánea expuesta a la inestabilidad de los modos de producción del tardo-capitalismo, no puede mantener la rigidez de una estructura orgánica que articula los fenómenos dentro de la estructura global. (…) Esa “licuefacción” de la estructura urbana desencadena un crecimiento discontinuo e inarticulado86. 3. (…) a cidade como um vasto domínio, sem lugar, simples grelha de interconexão composta por transportes visíveis e por redes de comunicação invisíveis, onde a sociabilidade já não se baseia na proximidade, mas sim no movimento87. 4. “[City is]pluraty, in contrast with the idea of Identity” 88.

84 Antonio FONT [et Al.] – L’explosió de la ciutat: Morfologies, mirades i mocions. Barcelona: COAC, Setembro de 2004. pp. 3 85 GAUSA, Manuel, [et al.] – op.cit, p. 111 86 Idem, Ibidem, p. 399 87 François ASCHER– Metapolis: Acerca do Futuro da Cidade. Oeiras: Celta Editora, 1998. pp.12-13 88 Josep RAMONEDA – “A Philosophical idea of the city: Conference lecture at Yale University” ( 2003) Disponível em: http://urban.cccb.org/urbanLibrary [16/05/2007]

Pip

ilotti

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t, V

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l, 19

97

37

Desde a segunda metade do século passado que vários autores têm vindo a questionar a

aplicabilidade do termo cidade face às novas estruturas urbanas e sociais. Contudo, Richard

Ingersoll continuar a sublinhar que “(…)the city still exists as a form, we still use the word in

reference to places, and we still feel a certain nostalgia for the concepts of civic values and

community that we attached to the phenomena”89. Como tal, focaremos a nossa atenção nas

novas relações entre cultura e morfologia urbana, uma vez que esta dissertação procura novas

formas de dialogar com a cidade, e não encontrar novas terminologias para as actuais

organizações urbanas.

“For him [the Martian], arriving in a city is not the moment of setting foot on the territory but

that of receiving the familiar sensorial message that he identifies with his hometown as he enter

the space now reached by messages transmitted from the city”90, ou seja, para um estranho a

sua relação com a cidade começa a partir do momento que se envolve com a mensagem

cultural emanada por ela. Contudo, poderíamos questionarmo-nos se os empresários e

empregados do call center de Bangalore (Cap 2) têm uma verdadeira experiência de Nova

Iorque por estarem em contacto com os seus habitantes, por outras palavras, será possível

dispensar a componente física da experiência de cidade?

De facto, tal como procurámos argumentar no segundo capítulo, novas formas de interacção e

propagação da mensagem cultural têm surgido como consequência das novas tecnologias e

dos sistemas de mobilidade, sendo que os espaços de relação são cada vez mais transferidos

para a virtualidade, num abandono progressivo do corpo e da presença real do outro. Contudo,

mesmo num cenário da mais pura ficção onde o virtual é levado ao extremo, como o

representado no filme Matriz, a estrutura física para albergar e garantir a sobrevivência dos

corpos tem de continuar a existir. Esta persistência do corpo bem como a irredutibilidade física

de algumas actividades, tornam impossível a completa transposição da experiência humana

para o espaço virtual. Os alojamentos, os espaços para a alimentação ou os cemitérios são

estruturas que, embora possam transformar-se radicalmente tanto espacialmente como em

significação, sempre existiram, e existirão, transversalmente a todas as culturas e épocas. A

necessidade de um suporte físico que sustente a vida corpórea, ou seja, um espaço para

habitar será sempre uma constante. Esta acção de habitar pressupõe pois uma interacção com

a envolvente, e por conseguinte, resulta na produção um facto cultural, testemunho de uma

acção que tem lugar num tempo concreto.

89 Richard INGERSOLL – “The Death of the City and the Survival of Urban Life: Conference lecture at the symposium “Urban Traumas. The City and Disasters”” (7 a 11 de Julho de 2004) Disponível em: http://urban.cccb.org/urbanLibrary [16/05/2007] 90 Josep RAMONEDA – op.cit.

38

Na nossa sociedade sedentária e de relações complexas, a cidade surge como um hipertexto

em constante construção91 que narra a ocupação do território e das actividades ao longo do

tempo92. Expressão máxima da cultura, a cidade é o produto e o palco de toda a interacção,

fazendo parte da sua essência toda e qualquer forma de linguagem93. Como tal, a simplificação

da cidade às mensagens que dela se escapam é redutor na medida em que restringimos o

valor real das narrativas urbanas a uma pequena parcela cultural passível de ser transmitida.

Somos pois remetidos para a necessária correlação da dimensão social (tribos urbanas e todas

as suas actividades) e da dimensão física (todas as estruturas de suporte à vida urbana),

aquilo que Amendola designa por mindscape e cityscape, na constituição da experiência de

cidade94. Desta forma, torna-se evidente a dualidade temporal existente na cidade: a vida

transformante que habita o presente em confronto com a memória cristalizada do passado.

Neste sentido, comentado Ruskin, Choay escreve que “[a cidade] é um verdadeiro monumento

(…) [possuindo] o duplo e maravilhoso poder de enraizar os seus habitantes no espaço e no

tempo”95. Fica assim exposta a função antropológica da cidade (Cap 1) onde a ponte entre o

passado e o presente ainda se concretiza, garantindo o princípio de sentido e de

inteligibilidade. Nesta perspectiva, e face às alterações do paradigma cultural promovidas pelas

transformações no campo da economia, da mobilidade e das tecnologias que modificaram

completamente o modo produção, consumo, gestão, informação e pensamento da sociedade

contemporânea, podemos compreender a profunda transformação da estrutura urbana.

Convivendo num sistema espaço-tempo que anula as distâncias geográficas e viabiliza a

participação de todos num só mercado global, a sociedade e cidade contemporânea vivem

numa contínua intensificação dos fluxos de trocas e, consequentemente, de competição dos

vários agentes económicos. Assim, neste panorama onde a sobrevivência empresarial é

ameaçada por constantes oscilações de mercado, as empresas, pequenas, médias ou

grandes, vêem-se forçadas a desenvolver estratégias como a fragmentação da sua estrutura

organizativa em unidades operativas ou a reformulação das relações de serviço, através de

91 “La cuidad, este hipertexto por decifrar según André Cordoz, está hecha de estratos, muchos ellos ocultos o borrados por procesos, no solo guerras, sino también de destruición planificada y sistemática del tejido histórico, para ser sustituidos por nuevos productos urbanos.” Josep Maria MONTANER – Traumas urbanos: La pérdida de la memoria (Julho de 2004) Diponível em: : http://urban.cccb.org/urbanLibrary [16/05/2007] 92“ (…) qualquer cidade desde o momento em que foi verdadeiramente habitada pelo homem, feita por ele, existe este ritmo fundamental da significação, que é o da oposição, alternância e justaposição de elementos acentuados e não acentuado” Roland BARTHES – “Semiologia e Urbanística”, Arquitectura. Lisboa, N. 105-106, Setembro – Dezembro de 1968, pp. 181 93 “ A cidade é potencialmente o símbolo poderoso de uma sociedade complexa.” Kevin LYNCH – A Imagem da Cidade. Lisboa: Edições 70, Maio de 2002.pp.15 94“Tal como uma obra arquitectónica, a cidade é uma construção no espaço (…)não é apenas um objecto perceptivo (…) mas produto de muitos construtores.” Kevin LYNCH – op. cit., pp. 11-12 95 Françoise CHOAY – op.cit., p.159

39

novas forma de contratação como o outsourcing, homesourcing ou front office/back office, que

permitam uma maior flexibilidade96 e rapidez de resposta comercial.

De acordo com Ascher, esta reorganização da actividade económica, criada na expectativa de

maximizar a relação custo-eficiência, expressa-se no território de acordo com três categorias

de funções: “as funções comerciais (distribuição e marketing)” as funções de investigação,

estudo e investimento, e (…) funções estratégias da gestão e financeira”97. Tal como o autor

refere, factores como o tipo de actividade empresarial, a rede de transportes, o mercado, o

prestígio da empresa, a necessidade de mão-de-obra hiperqualificada, a proximidade com

instituições de educação e cultura ou o grau de autonomia das restantes parcelas são

determinantes na distribuição de cada uma destas funções no território. Contudo, existem

especificidades relativas à localização de cada uma delas.

A função estratégica de gestão e financeira, por exemplo, necessita de ter acesso a

informações muito qualificadas mas que facilmente podem ser transmitidas através das novas

teletecnologias, por isso pode colocar-se numa localização satélite em relação a lugares

privilegiados da actividade económica. Já as suas vertentes de produção e de administração,

caracterizadas como actividades repetitivas e formatadas por procedimentos tipo, ganham

mesmo um grau de autonomia que lhes permite desligar por completo da estrutura empresarial

base deslocando-se para territórios remotos onde as despesas gerais sejam menores ou pode

mesmo ser adjudicada a uma empresa externa diminuindo os riscos financeiros da empresa-

mãe (Cap. 2).

Por sua vez, as funções comerciais e de investigação e desenvolvimento têm a necessidade de

estar próximas de mercados líderes e zonas de emprego altamente qualificado. Não é de todo

incomum que estas funções se localizem na mesma conurbação, assumindo, contudo,

posições internas muito diferentes. Na generalidade das situações a função de investigação e

desenvolvimento encontra-se de forma periférica em relação à cidade enquanto a função

comercial necessita de posicionar-se no coração das conurbações onde se acumulam as

actividades económicas. No entanto, num mercado de produção e venda em fluxo contínuo, as

ligações entre estas duas funções têm de ser cada vez mais estreitas, permitindo o

desenvolvimento de produtos com base na procura e a sua colocação imediata no mercado.

Este reposicionamento estratégico das actividades no território urbano apenas é possível

devido ao desenvolvimento tanto das teletecnologias, que possibilitaram o trabalho à distância

96“Num mercado globalizado onde se multiplicam as variáveis (…) reina uma incerteza crescente que constitui um obstáculo para os investimentos pesados e de longo prazo. (…) A flexibilidade (…) Trata-se de poder adaptar a produção o mais rapidamente possível à s mudanças quantitativas e qualitativas (a “reactividade”) (…)” François ASCHER – op.cit, pp.63-64. 97 Idem, Ibidem, p 36.

40

e anularam em muitos dos casos a necessidade de deslocação e de proximidade98, como da

rede de transportes que tornou atractiva a migração pendular da mão-de-obra e facilitou a

distribuição dos bens. No entanto, Ascher adverte-nos que “(…) à imagem de um líquido que

não se espalha de forma semelhante sobre uma superfície irregular, concentrando-se nas

concavidades, os meios de telecomunicação, que de uma forma abstracta poderiam espalhar-

se de maneira homogénea, localizam-se, de facto, onde estão concentradas as populações e

as riquezas”99. Fica então subjacente a ideia de que as estruturas preexistentes são

determinantes no desenho deste novo território urbano, cada vez mais fluído e aberto, onde a

actividade económica se dispersa. Funcionando como pontos de confluência e articulação,

estes locais do território têm propensão a concentrar actividade humana tanto pela pré-

existência de estruturas de suporte como pela facilidade de acesso, mercado desenvolvido,

contexto histórico ou mão-de-obra qualificada.

Como exemplo emblemático deste dispersar heterogéneo das actividades no território, temos o

recente caso de reestruturação de serviços de urgência em Portugal. Apesar de uma forte

oposição das populações locais, o governo decidiu criar uma nova dinâmica de saúde da qual

irá resultar o encerramento de 14 unidades de urgência. Esta medida foi aplicada pela

convicção de que graças a uma boa rede de comunicações e acessibilidades, a maioria dos

utentes não se encontra a mais de 30 minutos de uma urgência100, sendo por isso possível

para uma unidade de socorro móvel colocar o doente em tempo útil na unidade hospitalar mais

próxima. Do mesmo decreto-lei resultou também a centralização da administração de saúde

por unidades regionais designadas por Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) que terão

a competência de gerir os recursos móveis e imóveis de uma determinada área geográfica.

Este modelo de gestão aproxima-se bastante das estruturas organizativas back office / front

office descritas por Ascher101, em que o ACES desempenha a função de back office e os

recursos no terreno, de front office. Articulados apenas por trocas informativas, estes dois

órgãos funcionam autonomamente possibilitando uma gestão mais eficiente dos recursos. O

back office desempenha uma função mais estratégica, fica estático no território, monitorizando

as actividades do front office, que é a parte móvel da estrutura, e como tal desloca-se no

98 “[Ebenezer Howard] asked the fundamental question: Why crowd together in huge cities if crowding is no longer necessary?” Robert FISHMAN – “Beyond utopia: urbanism after the end of cities”. Disponível em:http://urban.cccb.org/urbanLibrary/htmlDocs/urbanLibrary_1024.asp?gIdioma=A&gDoc=undefined&g PDF=undefined [16/05/2007] 99 Fançois ASCHER – op.cit., p.43 100 “para lá de avaliar os recursos existentes em cada um dos estabelecimentos de saúde, determinava inicialmente que um serviço de urgência não deveria estar a mais de 60 minutos do utente. O relatório dos peritos foi mais ambicioso e fixou um critério de 30 minutos de caminho até à urgência e 45 até um serviço polivalente ou com capacidade médico-cirúrgica. Só 10 por cento da população está a mais de 30 minutos.” Eduardo DÂMASO – “Editorial: Urgências”, Diário de Notícias (4 de Outubro de 2006) Disponível em: http://dn.sapo.pt/2006/10/04/editorial/urgencias.html [23/03/2008] 101 François ASCHER – op.cit. p. 40-43

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território para ir de encontro às necessidades da comunidade, invertendo-se assim o tradicional

sedentarismo comercial que era promotor de relações de proximidade102.

Estes modelos organizativos da actividade económica baseados no desmembramento

empresarial e na delegação de tarefas, como o back office / front office ou o outsourcing,

diminuem os riscos financeiros tanto na produção de bens como na gestão de recursos103,

representando assim uma segurança competitiva no actual mundo dos negócios. Contudo, a

esta elasticidade empresarial está associada a dispersão e inconstância na oferta de trabalho,

fenómeno que tem um forte impacto social104. Quando confrontados com as estatísticas

compreendemos que, tal como Ascher afirma, “o trabalho, como comunidade e como lugar de

referência especifica, perde importância (…)”105. De facto, a precariedade dos contratos a

termo certo e os recibos verdes106 bem como as cláusulas contratuais de mobilidade funcional

e geográfica107 à disposição do empregador, propiciam uma grande instabilidade profissional,

enfraquecendo o local de trabalho enquanto espaço de sociabilização e identificação. Ao

contrário das gerações anteriores em que se trabalhava uma vida inteira numa perspectiva de

carreira na mesma empresa, actualmente, graças às altas taxas de rotatividade (turnover), os

trabalhadores têm dificuldade em estabelecer relações a longo prazo com os colegas de

trabalho. Agravando ainda mais esta situação, a dispersão das actividades pelo território e o

afastamento progressivo do local de residência e de trabalho, favorece-se a inércia de

sociabilização entre colegas. Poderíamos então dizer que a mobilidade profissional e a

102 “Os serviços, outrora em larga escala baseados em relações de proximidade e, por isso factor de aglomeração de homens e actividade, vêem-se alargar-se, com transportes rápidos e as comunicações, as suas “zonas de influência comercial”. Neste mesmo movimento, constata-se também frequentemente uma “inversão do nomadismo comercial”: (…) hoje é cada vez mais o fornecedor que se desloca junto do cliente, porque o inverso, supõe um esforço muito importante por parte deste último.” Idem, Ibidem, pp. 40-41 103 “(…) el nuevo sistema tecnológico permite y acentúa el proceso histórico de desagregación del trabajo en base a un nuevo modelo flexible de relaciones laborales. (…) la actual revolución tecnológica se dirige (…) hacia a la individualización de las tareas y la fragmentación del proceso mediante redes de comunicación. Así, los fenómenos de subcontratación, descentralización productiva, aprovisionamiento subsidiario, trabajo parcial y a tiempo parcial, empleo por cuenta propia y consultoría, están teniendo un crecimiento vertiginoso (…) sin embargo, este modelo flexible de relaciones laborales provoca precariedad en empleo, socava el Estado del Bienestar (…) induce una crisis estructural de las instituciones en que está basada, hoy por hoy, la convencía social en la empresa y en la sociedad” Jordi BORJA, Manuel CASTELLS – Local y Global: la gestión de las ciudades en la era de la información. Espanha: Taurus, 7ª Edição, Janeiro de 2004., p.27 104 “The great dependence of global city-regions on international financial flows makes them particularly susceptible to fluctuations in the increasingly volatile global system.”Susan S. FRANSTEIN – “Inequality in global city regions: from A.J. Scott (ed.), Global City-Regions: Trends, Theory, Policy (2001)”. The Global Cities Reader. 2006, p.115 105 François ASCHER – op.cit., p.92 106 “A tendência liberalizadora do mercado é visível nas estatísticas do emprego. Os empregados abrangidos por contratos a termo e em regime de trabalho temporário já ronda os 22%, quando na Zona Euro é de 16%.” DIÁRIO DE NOTÍCIAS – Geração dos 500 euros. (09/07/2007) Disponível em: http://dn.sapo.pt/2007/07/09/economia/geracao_euros_refem_call_centers.html [29/03/2008] 107 Artigos 314º e 315º do Código do Trabalho.

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mobilidade pendular108 têm pois contribuído para a anulação das relações de proximidade no

local de trabalho transformando-o num espaço de produção impessoal109 e de permanência

temporária.

Contudo, Ascher adverte que “nas metrópoles europeias, esta crescente mobilidade

profissional não desencadeia uma forte mobilidade residencial pois é impossível fazer

depender o local de residência de um emprego que muda de localização com tanta frequência”.

Assim, verificamos que a habitação conserva o seu carácter fixo, sendo a partir dela que o

indivíduo estabelece o seu raio de mobilidade, ou seja, o raio de migrações praticáveis para

chegar a um posto de trabalho. Segundo a lei de Zahavi110, este raio migratório é determinado

pela rede de transportes disponível e é tanto maior quanto maior for a velocidade de

deslocação destes, por conseguinte, a localização da habitação individual ganha um carácter

estratégico sendo determinante no acesso a um mercado de trabalho mais vasto.

Paralelamente a este fenómeno de mobilidade profissional, o desenvolvimento das

tecnologias de aprovisionamento (frigorífico, congelador, enlatados, liofilizados), dos novos

urbanismos de consumo (grandes superfícies comerciais, centros comerciais, transacções via

internet) e das novas práticas de lazer baseadas no consumo de serviços, diminui a

necessidade de trocas comerciais e sociais a nível local. Assim, inserido numa nova lógica de

produção, distribuição e consumo, o indivíduo rompe as relações de proximidade e

identificação a nível local, desenvolvendo as suas as actividades de consumo e de lazer, ou a

partir de casa através das novas teletecnologias ou em pontos específicos do território, como

centros comerciais, centros culturais ou áreas de lazer. Esta mobilidade de sociabilidade111, ou

seja, a deslocação das actividades de sociabilização para longe do local de residência, ganha

cada vez mais expressão, rompendo-se progressivamente com as noções de bairro e

comunidade.

108 Note-se, contudo, que a pretexto das migrações pendulares, tanto por razões económicas, ecológicas ou sociabilização, têm surgido fenómenos espontâneos de partilha de transporte entre familiares, colegas de trabalho ou estranhos. Se tivermos em conta o tempo dispendido nestas viagens diariamente, este tipo de fenómeno poderia ser entendido como um novo tipo de relação de proximidade 109 Um síntoma deste fenómeno é a necessidade de que muitas empresas multinacionais têm em promover as relações interpessoais nas empresas e a interiorização dos valores pelos quais se regem, numa tentativa de fidelizar os trabalhadores. Estas políticas são características de empresas com mão-de-obra altamente qualificada, processos de trabalho específicos e cujo o trabalho em equipa é fundamental para a produtividade. 110 “Os pormenores da estrutura das migrações pendulares permitem verificar que o crescimento das metrópoles já não se faz realiza apenas por dilatações concêntricas, mas também pela integração no quotidiano de territórios cada vez mais afastados (…) Pode assim falar-se de uma metropolização “metastásica” (…) corresponderá a um novo traço de metropolização, ou antes, a uma forma de adaptação transitória às mutações socioeconómicas? (…) De qualquer maneira estes migrantes ilustram a constatação (a dita “lei de Zahavi”), que refere que à medida que a velocidade dos transportes aumenta, mais longínqua será a residência dos habitantes da cidade (…)” François ASCHER – op.cit, pp. 11-12 111 François ASCHER – op.cit, pp. 90-91

43

Caracterizada por um novo tipo de nomadismo individual, a sociedade contemporânea sofre

alterações de fundo quanto aos seus estilos de vida urbana, sendo que, hábitos como o não

almoçar em casa, o estabelecer laços de amizade fora do bairro ou o sociabilizar em

restaurantes com gastronomias internacionais, tornam-se cada vez mais banais112. Num

movimento constante, o indivíduo promove o confronto com uma multiplicidade de contextos

culturais com os quais escolhe interagir e a partir dos quais constrói o seu quadro de

referências, criando uma identidade própria113 (Cap 2). Deste fenómeno de multipertença114 do

indivíduo resulta pois a fragmentação das identidades de conjunto e o aumento de

complexidade e diversidade das relações sociais dentro das tribos urbanas115.

Ganhando cada vez mais autonomia116 social e física, o indivíduo constrói o seu próprio ritmo

de vida, independentemente dos outros que o rodeiam. Prova disso mesmo é a cada vez maior

dessincronização das actividades urbanas (turnos, trabalhos noturnos, part-time, pós-laboral,

horário livre) ou a modificação da distribuição espacial das casas, na qual se inverte a

importância dos espaços sociais e individuais. Referindo-se a este tema, Ascher escreve que

“é nesta indiferença possível, mas não necessária, que se constrói a “urbanidade” metapolitana

(…) maximizando a liberdade de cada um, abre a possibilidade a vizinhos partilharem ou não

práticas e opiniões”117. Assim, numa mistura de indiferença e tolerância, os habitantes da

cidade dividem o espaço urbano como estranhos, não tendo necessariamente de partilhar uma

identidade118.

Note-se contudo, a necessidade fundamental da alteridade (Cap.2) para delinear a nossa

própria identidade, sendo por isso, a convivência com o outro, sempre enriquecedora a nível

112 “A multiplicação dos objectos, das práticas, das referencias: a metápole, hipermercado dos modos de vida?” François ASCHER – op.cit, pp. 79-80 113“As palavras-chave da nova identidade, tradicionalmente estável, duradoura e profunda, são temporal, limitada e superficial. O actual cenário mutável e efémero exige que as identidades se possam formar, adquirir e transformar com a mesma rapidez com a qual se muda de roupa. A identidade tem de ser flexível e cambiante. Necessita-se de trocar continuamente a própria identidade para se enfrentar com proveito as diversas cenas e representações da actualidade, podendo falar-se de numa identidade débil e num zapping identitário.” Fernando Castro GONÇALVES - Recensão crítica à obra La ciudad Postmoderna de Giandomenico Amendola. Disponível em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/1496.pdf [26/02/2008] p.10 114 “Cada personalidade joga em registos cada vez mais variados com referências ora à família, ora ao grupo socioprofissional, à categoria etária, à origem geográfica, religiosa, ou qualquer outra afinidade pessoal.” François ASCHER – op.cit. p. 79 115 “Simplicity is no friend to the city which is complex by definition, and any attempt to homogenize a city means creating forms of apartheid and reserves that are incompatible with the idea of the city” Josep RAMONEDA – op.cit. 116 “The city is the domain of the “I” while the community is that of the “we”. (…) each time a shift is made from “I” to the “we”, each time an individual speaks out in the name of “we”, freedom is fractured a little more.” Idem, Ibidem. 117 François ASCHER – op.cit, p.99 118 “It is in fact the definition of the city: The place where strangers live together permanently while keeping their differences and without stopping being strangers (…) you meet hundreds of people who are complete strangers to you and who will remain strangers after your meeting” Zygmunt – “New Frontiers and Universal Values”. (22/03/2004) Disponível em: http://urban.cccb.org/urbanLibrary [16/05/2007]

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pessoal. Neste sentido, Venturi escreve “Main Street is almost all right”119 aludindo à

necessidade de promover a diversidade cultural urbana através da liberdade de utilização do

espaço público. De facto, só no domínio público, quer seja de acesso livre ou contratual, virtual

ou real (Cap.2), é que se estabelece uma relação de equidade que promove a interacção120

entre indivíduos tão diferentes como um mendigo, um artista, uma prostituta ou um empresário,

viabilizando assim a miscigenação cultural.

Fazendo uso das várias referências culturais que constituem a sua identidade, o indivíduo

constrói um discurso que aplica à cidade, conferindo-lhe a sua significação121, ou seja,

interpreta a vida cultural como se fosse “um conjunto de textos em intersecção, produzindo

novas significações e sentidos expressos em novos textos.”122 Desta forma, o indivíduo

interagindo com o espaço urbano, assimila as memórias congeladas da cidade,

reinterpretando-as e transpondo-as do passado para o presente. O sentido de cidade

é produzido pelo individuo na sua experiência quotidiana (Cap.2). O espaço urbano constrói-se,

de facto, através de um sistema operativo aberto123 que sobrepõe “citações”124 provenientes de

discursos culturais muito diversificados, numa espécie de palimpsesto. Neste sentido,

Amendola recusa a visão totalizadora das cidades, ideia bem expressa no seu modelo da

cidade bricolage, onde se parte da premissa da estrutura urbana ser caracterizada pela

indeterminação e ambiguidade, escapando à total compreensão dos seus habitantes e

técnicos. O autor vaticina assim a morte da cidade “fundada em lógicas de centralidade

espacial, simbólica e cultural”125. Em contraposição, propõe uma abordagem fragmentária da

cidade, projectando-a em pequenos troços, num sistema aberto e continuo aproximações e

transformações. Amendola segue pois a mesma base de pensamento da Collage City onde

Rowe propõe a construção da cidade pela sobreposição de utopias sociais e urbanas sobre

fragmentos da cidade preexistente. Neste exercício de reinterpretação, o indivíduo é convidado

119 Fernando Castro GONÇALVES – op.cit.,p.3 120 “São também os “passantes” que, pelas suas actividades e “interacções”, atribuem ao espaço o seu carácter público, nomeadamente através das “micropráticas” feitas de movimentos, de trejeitos e posturas do corpo, de orientações do olhar. Surgem, assim, situações de co-presença que comportam “interacções não focalizadas”, relativamente anónimas, mas que são também formas de trocas, de coexistência activa ou ameaça” François ASCHER – op.cit., p.174 121 “Everybody is not merely an observer, and the prominent features of the spectacle may depend on one’s perspective”. Ulf HANNERZ – “The cultural role of world cities: from transnacional conection(1996)”. The Global Cities Reader. 2006. pp.315 122 Fernando Castro GONÇALVES – op.cit., p.5 123 “Considerar a cidade complexa, e não somente como complicada, implica que ela funciona na base de lógicas e de racionalidades múltiplas (…); que constitui um sistema aberto; que os seus equilíbrios são instáveis; que as variações menores podem engendrar mudanças consideráveis; e que as evoluções são geralmente irreversíveis (…) [o planeamento urbano] já não pode pretender ser previsivo, programático, sistematico, imperativo, devendo antes construir-se com base numa racionalidade limitada em contexto de incerteza (…).” François ASCHER – op.cit., pp. 141-142 124 “A incessante repetição de citações produz a sensação de uma constante possibilidade de recriação do palimpsesto urbano e, ao mesmo tempo, ofuscam a diferença entre o verdadeiro e a imagem.” Fernando Castro GONÇALVES – op.cit., p.6 125 Idem, Ibidem, p.4

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a reescrever a história à luz do presente e, segundo esta perspectiva, assumindo-se assim o

contributo individual na composição da cidade.

Gonçalves comentando o trabalho de Amendola escreve que “se o urbanismo modernista

assumia como parâmetro de referência o Homem, escrito com H maiúsculo, no clima pós-

moderno a referência é a gente com g minúsculo (…) [referindo-se] às pessoas pelo que elas

são e não pelo que elas deviam ser (…) deseja somente ser sensível às histórias locais aos

desejos às necessidades e às fantasias particulares, gerando apenas formas

especializadas”126. Assim, por oposição à cidade funcionalista de Le Corbusier, em que se

aplicavam os princípios taylordistas127 de segregação das funções (circulação, trabalho,

habitação e lazer), surge agora uma nova forma de produzir cidade. A Collage city de Colin

Rowe ou a cidade bricolage de Amendola são pois modelos que se baseiam no conceito de

patchwork city, ou seja, na ideia que a cidade escapa às sequências espaciais compostas para

se tornar um conjunto de fragmentos sem coesão aparente, mas articulados através de redes

de mobilidade que se constroem segundo um projecto de desejos e impulsos individuais128.

Como um palco da expressão livre e da criatividade individual, a cidade torna-se então um

espectáculo onde o indivíduo participa como actor e espectador129, num argumento resultante

da fusão da ficção e realidade130. Como tal, a imagem (Cap.2) torna-se uma arma poderosa no

desenho da cidade, interpelando o imaginário do indivíduo que o remete para o universo da

identificação. À semelhança do que acontece no marketing de produto, onde a imagem deste

tenta criar identificação com consumidor, transformando-o num objecto de desejo (ou repulsa),

a gestão da cidade passa pela manutenção da sua imagem. Seguindo esta lógica do não basta

ser, é preciso parecer, podemos olhar para a parceria da cidade de Nova Iorque com a

companhia de entretenimento Disney que, desde de 1993, gere a imagem de Times Square131.

126 Idem, Ibidem, p.3 127 “Do mesmo modo que Taylor, ele [le Corbusier] decompôs a complexidade da urbe em funções elementares e procurou a eficiência na monofuncionalidade: um gesto uma só função.” François ASCHER – op.cit. p.57 128“del mismo modo que los modernos programas de televisión se determinan por los propios telespectadores, conforme van saltando de un canal para otro, la ciudad moderna hecha a medida, se construye a partir del montaje individual de unos usos y unos usuarios convertidos en instantáneos urbanistas-dada, para desesperación de los urbanista-buscadores-de-orden.” Manuel GAUSA [et al.] – op.cit., pp.462-463 129 “ Os espaços públicos são também espaço do “visível”, o que lhes confere um certo parentesco com os espaços de espectáculo, e mais particularmente, do espaço teatral. (…) Encenaçao e cenografia tornam-se palavras-chave do design urbano, encontrando-se alguns urbanistas (…) próximos do teatro clássico (Bernard Huet(…)),enquanto outros integrando o movimento do automóvel, estão mais identificados com o cinema (Jean Novel (…))”François ASCHER – op.cit., p.174 130“O mundo pós-moderno compõe-se pela pluralidade de agentes criadores de sentidos e significados, cada um dos quais se auto-legitima e auto-limita, precisando o seu âmbito de acção e influência, resultado de uma espécie de especialização cultural.” Fernando Castro GONÇALVES – op.cit. pp.9-10 131 Like the other projects, this one recognizes that Times Square is more than a place. It is a social contract written in form, color, light, rhythm, space and time. Periodically, the contract needs to be rewritten. Movies, ads, plays, magazines all help to renegotiate its terms. Buildings can, too. THE NEW YORK TIMES – Architecture Review: Time to Reset the Clock in Times Square (1/11/1992) Disponível em:

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Tendo desempenhado um papel preponderante na vida comercial e cultural de Nova Iorque

entre os anos 20 e 50, este local é um ícone da cidade. Contudo, já nos anos 80, Times Square

era um lugar híbrido onde a marginalidade convivia com a vida dos teatros e cinemas. Apenas

com a intervenção em 93, baseada na imagem dos seus tempos de glória e nas estratégias de

marketing, conseguiu-se afastar este lugar da imagem decadente e de maus vícios que lhe

estava associada fazendo assim regressar os nova-iorquinos e os turistas. Nesta substituição

da memória real do local por uma memória temática132 poderíamos reconhecer uma lógica de

consumo133 da cidade na qual o consumidor é o indivíduo que a experimenta.

Outro exemplo paradigmático desta realidade de consumo da cidade é o de Veneza. Nesta

cidade, para além dos investimentos avultados no projecto Moisés com o intuito de prevenir as

permanentes inundações e da reintrodução das tradições de Carnaval numa perspectiva cívica

e comercial, houve mesmo uma tentativa de patentear a imagem da cidade para evitar a sua

reprodução. Réplicas como o casino The Venitian em Las Vegas ou a reprodução à escala do

parque temático Italia in Miniatura remetem-nos para uma experiência da Veneza que muitos

argumentam não poder substituir a original. Contudo, quando a população residente de apenas

65 mil pessoas é esmagada pelos 14 milhões de visitantes por ano que fazem mexer a gigante

máquina turística da cidade, será possível dizer convictamente dizer que a cidade de Veneza já

não é ela própria um parque temático? Comentando este assunto, Ingersoll afirma que “(…) the

city’s economy can only survive by becoming a postcard of its past glory. Althought most of the

fabric is still genuine, the city is quickly becoming a representation of itself (…)”134.

Nesta perspectiva do consumo da cidade, compreendemos que a relação do indivíduo com

o espaço urbano está profundamente condicionada pela sua aptidão de adquirir as imagens

desejadas. Nas suas considerações sobre a cidade nova e a outra cidade135, Amendola avança

que “se a tendência é em direcção ao encantamento e à criação de sonhos experimentáveis, o

http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html?res=9E0CEEDD133EF932A35752C1A964958260&scp=1&sq=Time+to+Reset+the+Clock+in+Times+Square+&st=nyt [2/04/2008] 132 “de esta forma se ha convertido en una parte de ciudad tematizada (…) este proceso de paso de la ciudad de pecado a la ciudad de signo, y este mecanismo urbano pensado para “dejar Times Square listo para Blancanieves” convirtiéndola en (…) un gran cine urbano de limites indeterminados.” Josep Maria MONTANER – “Traumas Urbanos: la pérdida de la memória” (Julho de 2004) Disponível em: http://urban.cccb.org/urbanLibrary [16/05/2007] 133 “But video stores haven't put movie theaters out of business; movies haven't put live performance out of business. And the entertainment industry has gone into the business of public space; the proliferation of theme parks demonstrates that people aren't content to crawl into their basements with a cassette or encapsulate their heads with Walkman earphones.” THE NEW YORK TIMES – Architecture Review: Time to Reset the Clock in Times Square (1/11/1992) Disponível em: http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html ?res=9E0CEEDD133EF932A35752C1A964958260&scp=1&sq=Time+to+Reset+the+Clock+in+Times+Square+&st=nyt [2/04/2008] 134 Richard INGERSOLL – op.cit. 135 “ (…) os lugares de sonho e encantamento não são, obviamente, toda a cidade (…) Ao lado desta cidade está a cidade real, a outra cidade. Escondida mas real, está sempre presente e, mesmo quando não é visível ameaça a cidade dos sonhos. A cidade nova do imaginário e das imagens situa-se ao lado da [cidade] real, frequentemente desagradável.” Fernando Castro GONÇALVES – op.cit., pp. 11

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critério de estratificação é dado pela possibilidade de acesso aos mundos encantados da

cidade nova”136. Neste sentido, o autor divide a sociedade urbana em as que têm possibilidade

e capacidade aquisitiva e as que não a têm, ou seja, entre integrados e marginais.

Esta classificação dual, da qual também parte Ascher137, não se baseia apenas na capacidade

monetária efectiva, mas na capacidade de integração no mercado que deriva directamente do

nível de educação do indivíduo, numa lógica simples de melhor preparação, melhores

oportunidades de trabalho, maior estabilidade económica e social. Seguindo a mesma linha de

pensamento, Borja e Castells propõem então uma classificação dual dividida entre

trabalhadores formais e informais138, em que os primeiros correspondem à mão-de-obra

qualificada e integrada no mercado técnico-económico global com um alto rendimento e os

segundos, aos trabalhadores mal preparados, com postos de trabalhos precários que

sustentam a vida da elite139. Para estes autores, esta polarização social é pois o resultado de

um sistema económico altamente competitivo e excludente de todos aqueles que não tenham

competências para participar dele.

Este modelo dicotómico entre integrados e excluídos dos circuitos económicos globais teve

sempre uma expressão territorial a nível planetário (Europa / África subsariana) ou mesmo a

nível regional (Lisboa e Vale do Tejo / Baixo Alentejo). Contudo, a expressão da polarização

social por segregação económica, no território urbano é um fenómeno relativamente recente

sendo agora possível existirem circuitos de actividade alternativos e sem relação140. Gera-se

assim o efeito clube141 aplicado à cidade, em que os excluídos do circuito da economia global

têm um poder económico menor e, por isso, maior dificuldade em aceder a escolas, serviços

médicos e a instrumentos de trabalho de qualidade, estando sempre em desvantagem

competitiva. Não podemos dizer que a segregação social e espacial seja um fenómeno novo,

veja-se por exemplo a Rua da Judiaria ou a Mouraria em Lisboa, o que é novo são os moldes

136 Fernando Castro GONÇALVES – op.cit., p. 11 137 François ASCHER – op.cit., pp. 81-85 138 Jordi BORJA, Manuel CASTELLS – op.cit., pp. 59-66 139 “Global-city theory associates the widening gap between the (shrinking) middle and the (growing) of the income distribution with the demand by upper-income people for the services of casual, very poorly paid workers and resurgence of sweatshop manufacturing using immigrant labor (…) The studies (…) show that exclusion from the working force is the principal cause of poverty.” ”Susan S. FRANSTEIN – “Inequality in global city regions: from A.J. Scott (ed.), Global City-Regions: Trends, Theory, Policy (2001)”. The Global Cities Reader. 2006, pp.114-115 140 “El aspecto relativamente nuevo es que los procesos de exclusión social más profundos [provocados por el nuevo modelo tecno-económico] se manifiesten en la dualidad intrametropolitana (…) en distintos espacios del mismo sistema metropolitano existen sin articularse y a veces sin verse, las funciones más valorizadas y las más degradadas, los grupos sociales productores de riqueza en contraste con los grupos sociales excluidos y las personas en condición marginal” Jordi BORJA, Manuel CASTELLS – op.cit., p. 60 141 “Estas [redes], enquanto sistemas de interdependência, possuem, com efeito, uma vantagem acrescida para aqueles que a elas pertencem: o que se chama de “efeito clube”, que constitui também uma desvantagem muito grande para os que estão fora da rede, a qual se comporta, de facto, como uma barreira a entrada de um sistema.” François ASCHER – op.cit., p.45

48

em que se pratica. Pelas restrições de mobilidade e a interdependência social de antigamente,

a dispersão no território das actividades humanas era limitada, existindo sempre a necessidade

de partilhar o espaço da cidade. Tornava-se assim inevitável a interacção directa, mesmo que

involuntária, dos diferentes estratos sociais, através daquilo que Ascher designa por

“interacção não focalizada”142. Ora, actualmente, com o desenvolvimento da mobilidade e a

crescente autonomia individual, a população dispersa-se por um território fragmentado em

unidades especializadas143 que podem, potencialmente, interagir entre si, mas cuja existência

também pode ser ignorada. Comentando este assunto, Ascher aponta para o facto deste

fenómeno de especialização do território ter por base vários tipos de critérios que vão muito

para além do custo e disponibilidade das habitações. De facto, os valores de utilização

atribuídos pelo grupo ou indivíduo estão correlacionados com as suas actividades profissionais

e extra-profissionais, o momento de ciclo de vida em que encontram e o simbolismo associado

ao local144. Contudo, para os grupos desfavorecidos, e por isso mais dependentes entre si, este

agrupamento em determinada área geográfica corresponde também a um mecanismo de

sobrevivência, protegendo-se e ajudando-se mutuamente145. Desta forma, num misto de

estratégia e identificação pessoal, a população reposiciona-se no território em grupos

sensivelmente homogéneos, partilhando características como o nível de rendimento,

qualificações, hábitos de sociabilização ou valores morais.

A cada padrão social liga-se então uma imagem urbana com a qual o indivíduo se identifica e

projecta as suas expectativas, que não quer ver defraudadas pela presença de actividades e

elementos dissonantes e indesejados146. Gera-se, pois, uma experiência urbana baseada no

individualismo e comunitarismo147, incompatível com o espírito de colectividade da cidade. A

síndrome NIMBY (Not In My Back Yard) é uma destas demonstrações de falta de sentido

colectivo148. Esta expressão de origem anglo-saxónica é utilizada em referência aos

movimentos de oposição de determinados grupos sociais e à implementação de alguns tipos

de infra-estruturas (ex. aeroportos, bairros sociais, centros comercias, centros de co-

142 Ver nota 37. 143 “Podendo deslocar-se para mais longe e mais facilmente, os grupos sociais e actores económicos escolhem as suas próprias localizações com menos limitações de proximidade imediata” François ASCHER – op.cit., p.95 144 Idem, Ibidem, p.95 145 Jordi BORJA, Manuel CASTELLS – op.cit., pp. 120-121 146 “O medo e a ansiedade são a outra face da cultura contemporânea, continua Amendola. A cidade é objecto de desejo e de repulsa e pode ser simultaneamente percebida como área segura ou de risco.” Fernando Castro GONÇALVES – op.cit., p.13 147 “Onde os liberais vêem a sociedade composta de indivíduos abstractos, os críticos comunitários situam os indivíduos num contexto social e histórico, responsáveis para com as comunidades que se mantêm juntas pelos valores comuns e pelos ideais de uma vida humana boa. A questão dos comunitários é saber onde podem os sujeitos constituídos encontrar os recursos para avaliar criticamente os seus próprios fins.” Maria João SILVEIRINHA – Comunitarismo. Disponível em: http://www.ifl.pt/main/Portals/0/dic/comunitarismo.pdf [13/04/2008] 148 “O “nimbismo” é a expressão de indivíduos que se sentem fora das colectividades, considerando que estas apenas têm obrigação para com eles, mas não direitos” Francois ASCHER – op.cit., p.102.

49

incineração) nas imediações das residências. Muito embora possam reconhecer a sua utilidade

e necessidade para o bem da comunidade em geral, o desconforto que lhes causa

individualmente é o suficiente para a rejeição de tais projectos.

De facto, o abandono do espírito colectivo em benefício de um sentido de bem-estar

individualizado, seja pela escolha ou pela rejeição149 de determinados modos de vida, tem

levado à imergência de alguns comunitarismos de expressão vincada no tecido urbano e,

muitas vezes, já com uma gestão autónoma da restante cidade: é o caso dos condomínios

fechados, das favelas, conjuntos-fortaleza das camadas abastadas brasileiras, dos C.I.D

(Common Interest district), dos B.I.D. (Business Improved District) Americanas ou dos guetos

étnicos. Hannerz, comentando o comportamento de rejeição de certas pessoas à diversidade

urbana, cita uma personagem de Tom Wolfe em The Bonfire of the Vanities que exclama

“you’ve got to insulate, insulate, insulate” contudo, acrescenta mais à frente “Yet as the book

suggests, they are still vulnerable. The diversity of the city can still impinge on their lives

suddenly and dramatically”150.

Explorando no seu texto a inter-relação de duas formas organizativas do fluxo cultural (flow of

meaning and meaningful) que designa por market151 e form-of-life152, Hannerz defende que a

cultura urbana contemporânea encontrou um vasto conjunto de mecanismos catalisadores da

interacção, deixando esta de depender das relações de proximidade. Num primeiro momento, o

autor remete-nos para a importância dos media que, estando de forma densa e ubíqua na

cidade, interpelam a consciência do individuo, expondo-o à diversidade urbana153. Outro

fenómeno apontado como decisivo para a interacção das microculturas urbanas, é a presença

de um mercado criativo que se alimenta da necessidade competitiva de inovação e da

diversidade154 de produtos culturais. Estabelecendo uma sequência crescente de envolvimento

social, o facto cultural passa de uma manifestação espontânea e localizada de uma

microcultura para um bem vendável que atinge um mercado vasto e diversificado155. Assim,

149 “The reaction to diversity on the part of these inhabitants of the world city maybe to shield themselves from it has much as they can by living in their very own neighborhoods, or if affluent enough, in a house with a doorman, and travelling by taxi rather than subway. These are the people of the center wanting the periphery to go away from their doorstep, or at least to show up the only discreetly, to perform essential service.” Ulf HANNERZ – op.cit., p. 315 150 Idem, Ibidem, p. 315 151 “ (…) where people relate to each other in the cultural flow as buyer and seller, and meaning and meaningful form has been commoditized.” Idem, Ibidem, p. 314 152 “(…) where cultural flow occurs simply between fellow human beings in their mingling with another, in a free and reciprocal flow.” Idem, Ibidem, p. 314 153 “(…) the media need also be taken into account as contributing to the wealth of serendipitous experience of the world city. Because of their particularly density and ubiquitous presence there(…), what is not really in its streets may still be impinge on one’s counscieness almost as much as if it was there.” Idem, Ibidem, p. 316 154 “(…) the fact of diversity. Cultural creativity seems to feed on it.” Idem, Ibidem, p. 316 155 “In a first phase, as it were, the items of meaning and meaningful form at issue flow fairly freely within some subcultural community (…) People eat their home cooking and make music together (…) In phase two (…) where it is profitable enough to commoditize subculturally distinctive items for consumption by

50

partindo da premissa de interconexão mercado global, o autor afirma que “the model of how

cultural items move, from within the internally varied form-of-life frameworks, by way of

commoditization in segmented local cultural markets, into a yet wider markets (…)[moves us]

out from local scene, and on to the field of transnacional relationships(…)”156. Compreendemos

então que, cada vez mais, os planos sociais e económicos da cidade são estabelecidos através

de uma sinergia local e global construída sobre uma lógica de individualidade e competição.

Neste sentido, parece contraditória a afirmação de Susan Fainstein de que “the policies that

matter the most for the economic situation of global-city residents are made by their national

governments (…)”157. Esta sua afirmação é decorrente da análise feita sobre as grandes

metrópoles mundiais como Tóquio, Londres ou Nova Iorque, onde a autora constata que as

actuações locais são balizadas pelas políticas estratégicas nacionais, favorecendo ou não o

desenvolvimento social e/ou económico. Contudo, a dúvida persiste: “does (national)

governmental policy create conditions for the development of global cities? Or do global forces

cause governments to act has they do?”158.

Tal como Ascher159 afirma, o conceito de Nação tem vindo a ser progressivamente

desmembrado. Por um lado, face à necessidade de se inserir nas lógicas económicas e sociais

supranacionais, os governos nacionais vêem-se forçados a criar vínculos institucionais com

organizações como o Fundo Monetário Internacional ou a Organização das Nações Unidas,

ficando condicionado pelas estratégias de fundo internacionais. Por outro, com o

desenvolvimento das ideologias neoliberais dos anos 1980, tem-se aplicado cada vez mais o

principio da descentralização com a convicção de que uma gestão local tem uma resposta mais

adequada aos interesses e às necessidades da população, visto estar em contacto directo com

ela. Assim sendo, a administração local tem vindo a ganhar autonomia, absorvendo algumas

das competências da administração central e adquirindo poder decisório. Neste sentido, o autor

escreve “doravante, a nação é cada vez menos a escala donde procedem em primeira e em

última instância os interesses colectivos quer sejam gerais ou comuns.”160.

Surge então uma questão fundamental em torno da gestão de conflitos de interesse entre as

diferentes escalas administrativas (supranacionais, nacionais, regionais e locais) e cuja

resposta deve partir da administração central, a estrutura institucional representativa da “nação

community members as an alternative to the free flow of the form-of-life framework. (…) And so we reach stage three (..) having become more public, they are also more available to the constant scanning for novelties in the wider cultural market-place. The ethnic cuisine is discovered by people on an outing of gastronomic slumming (…)”Idem, Ibidem, p. 317 156 Idem, Ibidem, pp. 316 157 Susan S. FAINSTEIN – op.cit., p. 115 158 Idem, Ibidem, p. 115 159 François ASCHER – op.cit., pp. 103-111 160 François ASCHER – op.cit., p. 108

51

como um todo indivisível”161. Só ela pode, de forma isenta e visando os interesses de todos,

estabelecer um plano estratégico nacional para a organização espacial e temporal das

actividades dentro do seu território. Neste sentido, o governo central desempenha um papel

fundamental no equilíbrio e coesão socioeconómica, evitando a exclusão indiscriminada de

determinadas áreas e classes sociais bem como a sobrecarga excessiva em alguns pontos do

território, ou seja, é um elemento fundamental para a garantia da sustentabilidade162 da

actividade humana dentro do território nacional.

Justifica-se, então que acções de integração e protecção cultural tenham ganho cada vez mais

importância política, constituindo-se como um importante instrumento de poder (Cap.1).

Estando na base de interacção e de entendimento entre as diversas comunidades, o fomento

cultural consiste numa estratégia que visa combater o conflito, a competição e o comunitarismo

dentro do território nacional. Neste contexto, a cultura subscreve-se como o denominador

comum163 da sociedade, desempenhando um papel fulcral na sedimentação e fundamentação

de uma política de conjunto. Contudo, neste contexto de descentralização do poder político

nacional, a implementação desta estratégia no terreno cabe pois à administração local,

devendo esta identificar o património a conservar e as metodologias de actuação164. Neste

sentido, a intervenção urbana torna-se uma operação delicada que deve tomar em

consideração todas as formas de expressão económica e social num regime abrangente de

equidade cultural.

Compreendendo a cidade como um sistema complexo onde as várias partes que a

constituem, desde a parcela unitária até à macro estrutura, se posicionam relativamente entre

si e se influenciam reciprocamente, tomamos consciência da dificuldade de intervir na sua

malha através de um princípio de controlo do desenvolvimento e das mudanças urbanas165. De

facto, uma intervenção urbanística baseada numa racionalidade de previsibilidade torna-se

inoperante pela sua inflexibilidade, estando condenada ao insucesso face ao contexto de

161 “A nação é um todo indivisível; define-se (…) pela sua ambição de transcender a cidadania das pertenças particulares, biológicas (…), históricas, económicas, sociais, religiosas ou culturais, de definir o cidadão como um individuo abstracto, sem identificação e sem qualificação particulares, aquém e para além de todas as determinações concretas” Idem, Ibidem, p. 104 162 “El desarrollo sostenible presenta distintas dimensiones que deben ser tenidas en cuenta en el diseño de las estrategias de desarrollo urbano. El concepto de “desarrollo sostenible” debe enfatizar el desarrollo como incremento de riqueza material, como aumento de la calidad de vida – de definición variable, según la cultura – y la reproducción de las condiciones sociales, materiales e institucionales para seguir el desarrollo.” Jordi BORJA, Manuel, CASTELLS – op.cit., p.195 163 “Sin un denominador cultural común y aglutinador de cada sociedad, ésta se fragmenta en individuos y unidades familiares, que compiten entre ellos y se sitúan de forma fragmentada frente a los flujos globales de poder y riqueza.” Idem, Ibidem, p.16 164 “Cada comunidade, tendo em conta a sua memória colectiva e consciente do seu passado, é responsável, quer pela identificação, quer pela gestão do seu património.” in: Carta de Cracóvia 2000: Princípios para a Conservação e Restauro do Património Construído (26/10/2000). Flávio LOPES, Miguel Brito CORREIA – Património Arquitectónico e Arqueológico: Cartas, Recomendações e Convenções Internacionais. Lisboa: Livros Horizonte, 2004, pp.289 165 François ASCHER – op.cit., p137

52

diversidade e dinamismo da cidade contemporânea. Como tal, surge a necessidade de

repensar as metodologias de actuação, rompendo com os tradicionais cânones do

urbanismo166, de maneira a encontrar uma melhor forma de produzir cidade, mais adequada ao

contexto socioeconómico actual.

Uma das primeiras reflexões com aplicações práticas relevantes sobre este tema foi a teoria do

caos urbano. Esta, com origem nas ideologias japonesas e californianas, defende a diversidade

de signos e formas urbanas como uma fonte de riqueza cultural. Como tal, a produção de uma

cidade viva e regenerativa só e possível com a contínua adição167 e transformação de

fragmentos. A malha urbana constrói-se pois segundo um processo de metamorfose constante,

onde todos os elementos aptos ao uso se reajustam e os inúteis se substituem168. Desta forma,

a cidade ganha um carácter orgânico, flexível e instável, não perdendo com isso um sentido de

organização decorrente da ordem intrínseca (ordem escondida169) das actividades humanas170.

Esta abordagem desconstrutivista da cidade e da arquitectura, onde o objecto se constrói

virado para si, focaliza-se na função a albergar, e não no contexto, numa visão mais

fragmentada da estrutura urbana.

Já numa vertente mais tecnocrática que teórica, mas partindo do mesmo princípio da não

intervenção por parte de uma identidade reguladora, sendo a própria actividade a estabelecer

um equilíbrio (principio da mão invisível, Adam Smith), surge o planeamento conduzido pelo

mercado (market lead planning). Este modelo desenvolve-se com base nas lógicas do mercado

de procura e oferta, atribuindo aos agentes económicos o poder de desenvolver os planos de

actuação no território urbano, ficando reservado para os poderes públicos apenas um papel de

acompanhamento, fomento e ajuda destas iniciativas privadas. Designado no Reino Unido por

market lead planning, este tipo de parceria público-privado, foi amplamente aplicada por

Margareth Thatcher, mas fortemente criticada por parte dos promotores privados que não viam

166 “(…) globalmente o urbanismo parte do postulado de que é necessário e possível agir simultaneamente sobre as cidades e sobre a sociedade. (…) Com efeito, por definição, ele pretende que a cidade não se deixe construir espontaneamente (…) [animado por uma ambição] controlar o desenvolvimento urbano através de conhecimentos científicos e acção das técnicas de ordenamento do espaço.” François ASCHER – op.cit., p136 167 “(…) no Ocidente, a concepção espacial, tanto nas casas como nas cidades, faz-se por subtracção segundo um movimento centrípeto; (…) No Japão procede-se de forma inversa: existe uma concepção que ordena o espaço a partir do interior segundo um movimento centrífugo, isto é, por adição.” François ASCHER – op.cit., p138 168 “6. Urbanismo. 6.1 La gran originalidad de la ciudad genérica está en simplemente en abandonar lo que no funciona – lo que ha sobrevivido a su uso (…) La Ciudad Genérica es todo lo que queda de lo que solía ser la ciudad” Rem KOOLHAAS – La Ciudad Genérica. 1ª Edição, Sabadell (Barcelona): Editorial Gustavo Gili, SL, 2006, p.23 169 François ASCHER – op.cit., p138 170 “ 6.15. La Ciudad Genérica presenta la muerte definitiva del planeamiento. (…) el planeamiento no supone diferencia alguna. Los edificios pueden colocarse bien (…) o mal(…). Todos ellos florecen/perecen de manera impredecible. (…) un perpetuo proceso orgánico de ajuste, normas, comportamientos (…) Esta apoteosis de la elección múltiple nunca volverá a ser posible reconstruirse la causa y el efecto. Funcionan, eso es todo. ” Rem KOOLHAAS – op.cit., pp.30-32

53

os seus interesses salvaguardados. De facto, face à falta de enquadramento legal os

investidores britânicos viram-se a braços com um sistema de laissez-faire que levou à falência

do mercado imobiliário britânico. Proporcionando a construção desenfreada e de baixa

qualidade, bem como os fenómenos de exclusão característicos do mercado capitalista, este

modelo de intervenção trouxe à evidência a necessidade de um planeamento mais voluntarista

no intuito de manter o equilíbrio socioeconómico dentro da cidade. Os responsáveis pela

gestão urbana viram-se então com na urgência de desenvolver novas metodologias de

intervenção na cidade que não permitissem a sobreposição dos interesses particulares ao

bem-estar geral, mas mantivessem a flexibilidade e a abertura necessária para assegurar um

certo grau de liberdade interacção das partes integrantes.

Olhada cada vez mais como um ponto de interconexão na rede global de fluxos, a

sobrevivência da vida urbana está intrinsecamente ligada à capacidade da cidade conseguir

fixar actividades e gerir as flutuações socioeconómicas, sem entrar em ruptura. Neste sentido,

semelhante ao discurso empresarial, é necessário desenvolver uma metodologia que

estabeleça uma sinergia positiva entre as tensões externas e internas, tornando a cidade

competitiva ao nível internacional. Entramos assim no domínio da estratégica, onde depois de

analisado o contexto, se desenha uma operação que articula os recursos de forma a

concretizar objectivos gerais. Contudo, o modelo empresarial não pode ser transposto

directamente para a cidade sendo que, na generalidade das vezes, os lucros das acções

urbanas não são quantificáveis, dificultando a avaliação e reajuste da intervenção. Outra

particularidade é a necessidade de fundamentar a legitimidade da acção pois o mandatário da

cidade não é proprietário, representando por vezes interesses contraditórios. Neste sentido, é

necessário assegurar um plano conciso e estruturado com objectivos bem definidos de forma a

garantir alguma flexibilidade ao projecto urbano. Só assim se pode assegurar que a coerência

da acção resista às flutuações de contexto, legitimando a estratégia adoptada.

Aliada a estas duas dificuldades particulares da intervenção urbana estratégica, surge então a

questão burocrática e legal171 que ajuda a promover a inércia e a rigidez do sistema de

actuação. De facto, tendo por base o princípio de igualdade172, o direito é por definição

abstracto e uniforme, não podendo ter em conta o contexto onde se aplica. Mais ainda, o poder

público está condicionado pelos princípios da legalidade e da decisão173, não podendo agir fora

das suas competências e dos quadros legais descritos. Assim, no sentido de minimizar estas

171 “Estas propostas [para organismos operativos] correm o risco de ser consideradas não somente como inaplicáveis, mas também como heréticas do ponto de vista jurídico.” François ASCHER – op.cit., p. 144 172 Art.º 13, da Constituição da República Portuguesa. PORTAL DO GOVERNO – Constituição da República Portuguesa de 1976 (7ª Revisão Constitucional – 2007) Disponível em: http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Portugal/Sistema_Politico/Constituicao/ [15/04/2008] 173 Respectivamente art.º 3 e 9, do Código de Procedimento Administrativo. Código de Procedimento Administrativo, Decreto-lei 442/91, 15 de Novembro. Disponível em: http://www.cne.pt/dl/cpa_2002.pdf [15/04/2008]

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restrições, tem-se delegado no poder local cada vez mais a capacidade decisória em relação

às estratégias a aplicar na cidade. Contudo, a inércia burocrática continua a dificultar o

processo de articulação entre o contexto existente e o plano estabelecido, levando algumas

cidades a ficar a mais no campo do planeamento estratégico do que da gestão estratégica.

Embora estes dois modelos de intervenção partam da mesma ideologia de fundo, o

planeamento estratégico distingue-se pelo facto de ser limitado ao seu tempo de concepção

enquanto a gestão implica um processo contínuo de articulação com o contexto urbano. Neste

sentido, a gestão estratégica consegue integrar-se melhor na realidade urbana ganhando mais

consciência dos interesses comuns presentes e maior capacidade de usufruir das

oportunidades e corrigir os erros. Esta constante aproximação à realidade proporciona, de

facto, uma forte interacção entre os vários agentes, externos e internos, participantes na

cidade, consolidando uma dinâmica de grupo que constrói o projecto da cidade.

Favorecendo-se a dialéctica entre a população e os urbanistas, a comunicação ganha

progressivamente mais importância na produção do espaço público. Somente com a produção

do envolvimento dos vários agentes socioeconómicos por via do debate, da negociação e da

confrontação no desenvolvimento do projecto urbana, os gestores podem estar seguros da

eficácia das suas operações. Por um lado, porque lhes permite avaliar periodicamente o

impacto real das estratégias implementadas frente a diferentes grupos urbanos. Por outro, mais

facilmente se articulam os interesses comuns da população urbana e não os interesses gerais

definidos por grupos técnicos, gerando um sentido de identificação indispensável ao sucesso

de uma estratégia.

As intervenções urbanísticas tornam-se pois pólos de discussão em torno dos quais a

comunidade se reúne, defendendo e articulando os seus interesses face a objectivos de uma

estratégia generalista. Neste sentido, vendo os seus interesses integrados nas operações

realizadas, os agentes socioeconómicos conseguem mais facilmente rever-se no projecto

urbano, facilitando a formação de compromissos. O urbanista passa então a ter um carácter de

mediador tentando chegar a uma base de consenso entre os interesses comuns e os

interesses gerais urbanos.

No entanto, tal como já foi argumentado, a gestão da imagem externa e interna da cidade tem

um papel fundamental na atracção e fixação de certos grupos socioeconómicos. Assim sendo a

comunicação e o marketing urbano, recorrendo a slogans, actividades culturais, design do

mobiliário urbano, websites, outdoors, concursos internacionais de arte e arquitectura, festivais

ou feiras, tornaram-se armas estratégicas para a atracção, motivação e fixação de actores

urbanos. Aqui pode, contudo, surgir alguma ambiguidade aquando da articulação da imagem

interna e externa. De facto, frequentemente a produção de uma imagem de marca da cidade

visando um posicionamento estratégico a nível global não se coaduna com uma reflexão sobre

55

a cultura, património ou mesmo identidade local. Na realidade, as projecções externas e

internas podem chegar mesmo, muitas vezes, a ser inconciliáveis quando destinadas a atingir

públicos com enquadramentos socioeconómicos diferentes174.

Em suma, e tal como Ascher define, a gestão estratégica é um modelo de produção urbana

que “supõe uma lógica [mais] de actor do que administração, pois implica a elaboração e a

adesão a um “projecto de cidade”, uma metodologia “incremental” e “heurística” (isto é, que

progride e se enriquece por aproximações), um urbanismo flexível e integrado, um conjunto de

regras de jogo e regulamentações “eficazes” (que fixam os resultados a obter, mas que não

avaliam previamente os meios) e uma actividade permanente de negociação e de

comunicação”175.

Poderíamos então dizer que, de uma certa forma, a cidade é devolvida aos seus habitantes.

Dando-se espaço a um certo grau de criatividade, flutuação, ambiguidade, contradição,

interacção e imprecisão, assume-se o protagonismo do contributo individual e a importância

das incoerências da própria cidade, na produção de um ambiente dinâmico e equilibrado.

174 “(…) o que podem pensar os habitantes dos bairros em crise face às imagens paradisíacas que as cidades apresentam aos investidores? O que poderão os investidores da informação produzida a respeito das politicas destinadas aos bairros em dificuldade e que sublinham a gravidade da crise numa determinada aglomeração?” François ASCHER – op.cit., p.151 175 Idem, Ibidem,, p.142

56

HISTORICIDADE DO TECIDO

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7

57

A leitura do tempo contemporâneo caracteriza-se pelo confronto de visões muito diferentes

sobre os mesmos fenómenos. Onde uns vêm desvantagens outros vêem oportunidades, onde

uns vêem o fim da história da civilização humana outros o princípio de um novo capítulo.

Contudo, todos concordam que o paradigma actual tem por base profundas alterações da

concepção espácio-temporal promovidas pelo desenvolvimento tecnológico (teletecnologias,

transportes, consumo e produção) e pela revolução dos espaços de relação.

Não podemos com certeza afirmar de onde parte o impulso transformante da conjuntura actual,

se da pressão tecnológica ou da sociedade que exige um suporte aos seus novos hábitos de

vida. Contudo, podemos compreender que a transformação da relação do Homem com o

mundo envolvente e consigo mesmo, acontece apenas na possível dispensa da presença do

outro e do corpo, proporcionada pelo desenvolvimento da técnica.

Libertando o indivíduo das suas próprias limitações físicas e de relação de vizinhança, este

autonomiza-se, ficando livre dos vínculos tradicionais de local e pertença. O sujeito pode então

construir o seu próprio discurso sobre o mundo, emancipando-se culturalmente. No entanto, o

gradual afastamento da relação de proximidade e o abandono da interacção intersomática

promove a subversão da experiência vivida que se move para o campo ambíguo da

intertextualidade e do imago. Por conseguinte, a comunicação esvazia-se de referências reais

deslocando-se para o domínio da ficção, onde o indivíduo perde a capacidade de dialogar com

a envolvente, reinterpretando a realidade à sua imagem e semelhança. Assim, experimentando

o mundo de forma autista, o homem contemporâneo tem encontrado cada vez mais dificuldade

em compreender a alteridade, não conseguindo definir a sua própria identidade ou atribuir um

sentido ao contexto envolvente. Nesta perspectiva, poderíamos então falar de uma perda da

dimensão antropológica do lugar, onde a relação com o outro se demonstra difícil, o vazio

identitário impera e a história deixa de ter significação.

Facto sintomático desta realidade é o crescente fetichismo em relação ao património a partir do

qual a sociedade contemporânea tenta fazer sentido de si mesma. Não é possível negar que

os bens patrimoniais possuem a propriedade de nos fazer compreender a alteridade. Contudo,

a actual abordagem comercial aplicada recusa esta possibilidade de confrontação pois por

definição, a relação de consumo não admite a contradição, sendo o objecto de compra sempre

algo que se deseja, existindo um princípio de sobreposição de identidade. Neste sentido, o

individuo quando se relaciona com os bens patrimoniais retrata-se a si mesmo projectando os

seus valores e expectativas.

Assim, não procurando estabelecer uma interacção real com o património, poderíamos dizer

que a sociedade contemporânea busca não a legitimação da sua identidade mas um espelho

58

reflector de uma imagem do sentido da sociedade humana como um todo. Defende-se assim

da incapacidade de o definir em relação ao mundo actual. Concordamos então com Choay

quando afirma que o património perde a sua função construtiva em benefício de uma função

defensiva assegurando o recolhimento de uma identidade ameaçada.

Num sistema de inventário onde o património passa a ser todo o facto cultural desde o mais

irrisório ao mais significativo sem distinção ou classificação simbólica, gera-se a confusão entre

história e memória. Anulando-se, desta forma, o princípio de afectividade que nos une à nossa

herança cultural, a actual abordagem ao património contribui pois para uma falsa consciência e

a recusa do real, fomentando a ainda mais a ficção individualizada.

Contudo, temos de admitir que as formas discursivas e a comercialização de bens culturais

desempenham um papel fundamental na aproximação e consciencialização de realidades

distintas, influenciando a identidade individual e proporcionando a interacção entre os diversos

contextos culturais. Como tal, à semelhança do que acontece com a “individualidade tipo” de

Marcel Mauss em que somos obrigados a recusar a ideia do individuo como um total social,

também a ideia de individualização radical deve ser rejeitada reconhecendo a impossibilidade

de um total isolamento. De facto, seja qual for o grau de autonomia do indivíduo,

correspondendo no limite à ética e ao próprio corpo orgânico, existe sempre a partilha de um

código de moral e de uma linguagem, permitindo a interacção com a envolvente.

Na realidade o problema da autonomia centra-se na perda da necessidade do outro,

possibilitando o afastamento e a recusa de partilha de interesses entre os vários grupos

sociais, acentuando-se, desta forma, fenómenos como os conflitos, a desintegração social, a

segregação, a exclusão e o medo. A população agrupa-se então em grupos de relação mais ou

menos homogéneos, reduzindo ao mínimo a interacção directa com outras realidades distantes

da sua. Assim, não exercitando a capacidade de distinguir e classificar a diferença, o indivíduo

organiza-a não pelo que é realmente mas através de referências descontextualizadas

suscitadas por uma imagem construída, ou seja, (não tendo medo do conceito) cataloga-a com

base no preconceito. Perante esta falta de vontade e capacidade de estabelecer uma relação

real com os vários grupos culturais, gera-se a desarticulação e a perda de um sentido de

identidade colectiva e consequentemente a fragmentação da cidade. Poderíamos mesmo

chegar a questionarmo-nos quando confrontados com situações extremas como Xangai ou

Bogotá, se as relações de identidade estabelecidas internacionalmente graças às novas

tecnologias, não serão por vezes mais sólidas do que as criadas a nível local ou regional entre

grupos sociais distintos. No entanto, reconhecendo que é importante a estabilidade social para

a criação de um espaço urbano sustentável e tentando inverter esta tendência de

fragmentação, o poder politico tem procurado desenvolver novos modelos de actuação com

base na dialéctica entre a população e a cidade.

59

Recorrendo cada vez mais a uma lógica de atracção, convencimento e sedução para intervir na

cidade, procura-se o envolvimento voluntário por parte da população na produção do espaço

urbano, na expectativa de que esta assuma a cidade como sua, espelhando e absorvendo os

valores a constituem. Promovendo-se desta forma uma interacção contínua com as narrativas

urbanas, a identidade do indivíduo define-se com base em vários textos partilhados por outros

habitantes da cidade, consolidando assim um sentido de pertença e identificação social. Nesta

perspectiva, todas as formas de comunitarismo, especialmente as ligadas ao congelamento

patrimonial, devem ser combatidas pois esterilizam o espaço urbano e condenam-no a ser um

mero produto consumo, esgotável e perecível. Compreendemos então que, mais importante

que o tipo de intervenção (progressista, culturalista, enquadrador, voluntarista), o fundamental

é a forma como se concebe a cidade. Existindo tantas maneiras de desenhar cidade como há

indivíduos, a legitimidade da abordagem produzida advém da capacidade de agrupar e

dinamizar a sociedade, promovendo a interacção e cristalização dos valores que a suportam no

presente, estabelecendo pontes para o futuro. Neste sentido, não há melhores ou piores

modelos de cidades, existem só os mais ou menos adequados ao seu contexto

socioeconómico. A cidade contemporânea tem de ser produzida nesta presunção, aceitando a

diversidade como um facto e a equidade como um objectivo, gera-se na hipótese da

democratização do espaço urbano, deixando sempre em aberto a possibilidade de mudar de

sentido.

Por conseguinte, subscrevendo inteiramente a afirmação de Choay, não temos agora por

objectivo a conservação de um património que, enquanto tal, possui apenas um interesse

relativo e limitado, mas antes a conservação da nossa própria capacidade de lhe dar

continuidade e substituir. O Homem contemporâneo reconcilia-se então com a sua

competência de edificar. Nesta possibilidade do se espelhar no espaço, reescrevendo o

passado à luz do presente e recriando laços de relação e identidade como o meio envolvente

restabelece-se pois a capacidade de gerar novos lugares antropológicos, estabelecendo bases

sólidas para a evolução de um a civilização estruturada e coesa. Garante-se assim a

historicidade do tecido urbano, assegurando-se a autenticidade, manutenção e perpetuação da

identidade colectiva humana.

Neste sentido, visando combater a uniformização e o carácter unívoco de uma cidade técnica,

a arquitectura deve procurar desenvolver estratégias e processos mais eficazes de análise de

contexto, produzindo novos programas mais ajustados às necessidades e expectativas da

população alvo. Só assim será possível criar vínculos reais entre o indivíduo e a cidade, neste

contexto urbano mutante e efémero, criando um testemunho legítimo e autêntico da identidade

colectiva contemporânea.

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