gato barbieri no yate club de marata

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MÚSICA E CULTURA por Gilson Leão [email protected] Gato Barbieri em Marataízes O show que não aconteceu E ste ano houve uma manifes- tação em prol da recuperação do Yate Clube de Marataízes que deveria ser assumida por toda a so- ciedade capixaba e minei- ra. A importância do Clu- be para os que freqüentaram os bailes de carnaval en- tre as décadas de 60 a 70, e posteriormente aos shows promovidos em seu ginásio na década de 80, é incalcu- lável. Eu, particularmente, tenho lembranças muito fra- ternas do Yate, pois meu avô Quincas Leão foi diretor do clube a vida inteira e Tio Adelson – Adelson Morei- ra -, como sempre, um bra- vo lutador pelas obras da re- forma do Clube em meados de 60. Tio Adelson inclusi- ve, com sua afobação e ím- peto realizador, conseguiu dar um mergulho de um an- daime de dois andares, qua- se perdendo a vida em prol do Yate Clube. O Yate porém, não era só carnaval. Promovia no va- randão superior “vesperais dançantes” extremamen- te concorridas, com música comandada por José Rober- to Mignone ao som mecâ- nico e, quando ao vivo, por José Nogueira e seu sexteto. Essas noitadas eram a ale- gria da garotada que vera- neava em Marataízes. Ouví- amos o crèm de la crèm da música que rolava em todo o mundo, enquanto tentáva- mos seduzir o maior núme- ro possível de desavisadas que participavam das nem tão inocentes dancinhas no escurinho do varandão. Era bem melhor que nos Caça- dores onde qualquer ousadia era punida por João Rubim, que ascendia todas as lu- zes do Clube e pegava mui- ta gente de calças curtas. Ou com “porta-bandeira” haste- ado, como se dizia na época. Além disso, o Yate pro- movia Jogos de Verão que tiveram enorme importância para o esporte sulino. Sem falar na piscina olímpica que era a alegria dos bebuns depois dos bailes das terças- feiras de carnaval. Quando o sol raiava, já na quarta-fei- ra de cinzas, Seu Elcio man- dava abrir as portas do salão e nós empurrávamos para a água, todos os incautos que ousavam se aventurar nas imediações de suas raias. Principalmente os foliões “mauricinhos” que trajavam bermudas de linho e meias três-quartos, e que não per- tenciam ao bloco dos ára- bes, nosso traje carnavales- co de todos os carnavais. Falar do Yate sem citar Elcio Sá é um contra-sen- so, pois em todos os anos da existência do Clube, ele sempre foi o baluarte da organização. O clube era tão completo que chegou a montar uma enfermaria mé- dica para atender a aos “co- matosos” do carnaval. Lem- bro-me que certa vez eu e Zobé – Carlos Alberto Bo- cht -, nos passando por estu- dantes de medicina, atende- mos a uma linda mineirinha que estava em coma alcoóli- ca, com interesses puramen- te libidinosos de colocar as mãos na menina... Devido a este atendimento interessei- ro e erótico, posteriormen- te descoberto por minha namorada na época, foi que descobri minha voca- ção para Direito. Principal- mente porque sempre tive a mórbida sensação que a moça morreu logo depois... de vergonha! O assunto do Yate Clube de Marataízes surgiu hoje em virtude do maior show promovido por Elcio Sá, que... não aconteceu. No verão de 72 foi anuncia- do pelo Yate o show de Gato Barbieri, intitulado “maior sa- xofonista do mundo”. Gato, com toda essa pre- sunção, não poderia deixar de ser “argentino”. Além de contra rótulos de “maiores do mundo”, não tínhamos noção da real importância musical INFORMATIVO A Boutique Sapeka informa aos seus amigos e clientes que se encontra em período de reforma, e o funcionamento está acontecendo na loja ao lado, no mesmo endereço: Rua: Dom Fernando, Nº 5, Independência. Agradecemos a todos pela compreensão! de Gato Barbieri. A gente era fã de um disco da Rá- dio Cachoeiro em que ele destroçava “El dia em que me Quieras”, mas daí até a ser o maior do mundo ha- via uma longa concorrên- cia. Contra um time for- mado por Coltrane, Sonny Rollins, Lester Young, Stan Getz e outros americanos praticamente imbatíveis. Mas que o cara era bom de- mais, não se discutia. Ficamos aguardando an- siosamente o dia do show, mas infelizmente Gato deve ter se enturmado com Tim Maia ou com alguns desses anti-heróis da contra-cultura e não compareceu ao show promovido por Elcio Sá. Ficamos tão bravos que acabei comprando, para de- sespero da vizinhança, um saxofone, e aprendendo a to- car “El dia em que me quie- ras”... sem sotaque portenho. Nascido em 1934 em Ro- sário, Gato projetou-se no cenário jazzístico com a banda de Lalo Schi- frin. Na década de 60, ca- sou-se com uma italiana e foi para a Euro- pa, onde integrou o famo- so grupo de Don Cherry. Este gru- po era o mais van- guardista que exis- tia no ce- nário do Jazz. Logo em seguida, em 1972, Gato compôs a trilha so- nora do controvertido fil- me de Bertolucci, Último Tango em Paris. O disco ganhou o Grammy e Gato virou uma celebridade. Talvez tenha sido poris- so que ele perdeu a opor- tunidade de se apresentar no Yate Clube de Marata- ízes. Depois disso assinou contrato com a RCA Vi- tor, que resultou em uma série de lançamentos de pop/jazz de gosto du- vidoso. Com ex- ceção do álbum ao vivo Gato para los amigos, grava- do sob os cuidados do produ- tor de Mi- les Davis, Teo Ma- cero. Re- comen- damos no entanto os seus últimos álbuns “Que Pasa” e Che Corazon, que apesar de não terem o mesmo tom passional de seus traba- lhos iniciais, ainda são um bom exemplo de seu so- pro vigoroso e encorpado. Gato Barbieri

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O SHOW QUE NÃO ACONTECEU

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Page 1: GATO BARBIERI NO YATE CLUB DE MARATA

MÚSICA E CULTURA

por Gilson Leão

[email protected]

Gato Barbieri em MarataízesO show que não aconteceu

Este ano houve uma manifes-tação em prol da recuperação do Yate Clube

de Marataízes que deveria ser assumida por toda a so-ciedade capixaba e minei-ra. A importância do Clu-be para os que freqüentaram os bailes de carnaval en-tre as décadas de 60 a 70, e posteriormente aos shows promovidos em seu ginásio na década de 80, é incalcu-lável. Eu, particularmente, tenho lembranças muito fra-ternas do Yate, pois meu avô Quincas Leão foi diretor do clube a vida inteira e Tio Adelson – Adelson Morei-ra -, como sempre, um bra-vo lutador pelas obras da re-forma do Clube em meados de 60. Tio Adelson inclusi-ve, com sua afobação e ím-peto realizador, conseguiu dar um mergulho de um an-daime de dois andares, qua-se perdendo a vida em prol do Yate Clube.

O Yate porém, não era só carnaval. Promovia no va-randão superior “vesperais dançantes” extremamen-te concorridas, com música comandada por José Rober-to Mignone ao som mecâ-nico e, quando ao vivo, por José Nogueira e seu sexteto. Essas noitadas eram a ale-gria da garotada que vera-

neava em Marataízes. Ouví-amos o crèm de la crèm da música que rolava em todo o mundo, enquanto tentáva-mos seduzir o maior núme-ro possível de desavisadas que participavam das nem tão inocentes dancinhas no escurinho do varandão. Era bem melhor que nos Caça-dores onde qualquer ousadia era punida por João Rubim, que ascendia todas as lu-zes do Clube e pegava mui-ta gente de calças curtas. Ou com “porta-bandeira” haste-ado, como se dizia na época.

Além disso, o Yate pro-movia Jogos de Verão que tiveram enorme importância para o esporte sulino. Sem falar na piscina olímpica que era a alegria dos bebuns depois dos bailes das terças-feiras de carnaval. Quando o sol raiava, já na quarta-fei-ra de cinzas, Seu Elcio man-dava abrir as portas do salão e nós empurrávamos para a água, todos os incautos que ousavam se aventurar nas imediações de suas raias. Principalmente os foliões “mauricinhos” que trajavam bermudas de linho e meias três-quartos, e que não per-tenciam ao bloco dos ára-bes, nosso traje carnavales-co de todos os carnavais.

Falar do Yate sem citar Elcio Sá é um contra-sen-so, pois em todos os anos

da existência do Clube, ele sempre foi o baluarte da organização. O clube era tão completo que chegou a montar uma enfermaria mé-dica para atender a aos “co-matosos” do carnaval. Lem-bro-me que certa vez eu e Zobé – Carlos Alberto Bo-cht -, nos passando por estu-dantes de medicina, atende-mos a uma linda mineirinha que estava em coma alcoóli-ca, com interesses puramen-te libidinosos de colocar as mãos na menina... Devido a este atendimento interessei-ro e erótico, posteriormen-te descoberto por minha namorada na época, foi que descobri minha voca-ção para Direito. Principal-mente porque sempre tive a mórbida sensação que a moça morreu logo depois... de vergonha!

O assunto do Yate Clube de Marataízes surgiu hoje em virtude do maior show promovido por Elcio Sá, que... não aconteceu.

No verão de 72 foi anuncia-do pelo Yate o show de Gato Barbieri, intitulado “maior sa-xofonista do mundo”.

Gato, com toda essa pre-sunção, não poderia deixar de ser “argentino”.

Além de contra rótulos de “maiores do mundo”, não tínhamos noção da real importância musical

informativo

A Boutique Sapeka informa aos seus amigos e clientes que se encontra em período de reforma, e o funcionamento

está acontecendo na loja ao lado, no mesmo endereço: Rua: Dom Fernando, Nº 5, Independência.Agradecemos a todos pela compreensão!

de Gato Barbieri. A gente era fã de um disco da Rá-dio Cachoeiro em que ele destroçava “El dia em que me Quieras”, mas daí até a ser o maior do mundo ha-via uma longa concorrên-cia. Contra um time for-mado por Coltrane, Sonny Rollins, Lester Young, Stan Getz e outros americanos praticamente imbatíveis. Mas que o cara era bom de-mais, não se discutia.

Ficamos aguardando an-siosamente o dia do show, mas infelizmente Gato deve ter se enturmado com Tim Maia ou com alguns desses anti-heróis da contra-cultura e não compareceu ao show promovido por Elcio Sá.

Ficamos tão bravos que acabei comprando, para de-sespero da vizinhança, um saxofone, e aprendendo a to-car “El dia em que me quie-ras”... sem sotaque portenho.

Nascido em 1934 em Ro-sário, Gato projetou-se no cenário jazzístico com a banda de Lalo Schi-frin. Na década de 60, ca-sou-se com uma italiana e foi para a Euro-pa, onde integrou o famo-so grupo de Don C h e r r y . Este gru-po era o mais van-guardista que exis-tia no ce-n á r i o do Jazz. Logo em seguida, em 1972, Gato compôs a trilha so-nora do controvertido fil-me de Bertolucci, Último Tango em Paris. O disco ganhou o Grammy e Gato virou uma celebridade. Talvez tenha sido poris-so que ele perdeu a opor-

tunidade de se apresentar no Yate Clube de Marata-ízes. Depois disso assinou contrato com a RCA Vi-tor, que resultou em uma série de lançamentos de

pop/jazz de gosto du-v i d o s o . Com ex-ceção do álbum ao vivo Gato para los a m i g o s , g r a v a -do sob os cuidados do produ-tor de Mi-les Davis, Teo Ma-cero. Re-c o m e n -damos no

entanto os seus últimos álbuns “Que Pasa” e Che Corazon, que apesar de não terem o mesmo tom passional de seus traba-lhos iniciais, ainda são um bom exemplo de seu so-pro vigoroso e encorpado.

Gato Barbieri