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26 | GUITARRAS DE ELITE.com.br | OUTUBRO 2014 GUITARRAS DE ELITE MISSÕES O jeito que você “fraseia uma frase” musical é um dos mais importantes aspectos da música. As notas espe- cíficas que você toca não são tão impor- tantes quanto o jeito em que você está fraseando elas. O fraseado será diferente no Jazz, no Rock, no Country, no Samba e o mais interessante, o seu fraseado será sempre o seu fraseado. Cada um tem seu jeito individual e único de frasear algo. É o seu sotaque naquela linguagem. Nesta Missão, vamos falar um pouco so- bre o fraseado no Bebop, um estilo do Jazz surgido em meados dos anos 40 nos EUA. O fraseado no Bebop veio, quase que em sua totalidade, dos instrumentos de so- pro, especialmente o Sax e o Trompete. Os demais instrumentos procura- ram assimilar a lingua- gem bebop simulando aquela sonoridade, o que naturalmente é um desafio, que cada instrumento possui um idioma particular – são os chamados “idiomatismos”. A articulação característica do Bebop, pro- veniente dos sopros, dá-se basicamente pela diferença entre ligar as notas ou não. Ou seja, o lugar onde você liga uma nota à outra, ou toca ela de forma “separada”, é que dá o “swing”. No caso da guitarra, que é o que nos interessa – já que so- mos “Guitarristas de Elite” –, essa articu- lação se dá por meio dos slides e/ou liga- dos (hammer-on, pull-off, legato). O jeito que você liga as notas, ou palheta elas é crucial para chegar ao som de saxofonis- tas como Charlie Parker, a não ser, é claro, que você seja o Pat Martino. Como não somos, vamos ao trabalho... O braço da guitarra é um touro a ser domado. Nele, há um universo de pos- sibilidades que se apresentam como um desafio para todos nós guitarristas. Pra se ter uma noção real do problema, há, pelo menos, umas cinco maneiras diferentes de se tocar uma mesma frase musical na gui- tarra. Neste cenário, falamos de diversas escolhas possíveis, seja em termos de região no braço, seja em termos de escolha da digitação a ser usada. Não se es- queça da mão direita (ou esquerda pros canho- tos): vai usar palheta? Se sim: a 1ª palhetada será pra cima ou pra baixo? E a direção da frase: “faço essa frase indo em direção ao headstock ou à ponte?”. Acho que você entendeu a ideia: não existe uma opção única e correta. Esta escolha é individual, mas você pode usar seus ouvidos para decidir o que fazer. Pra se ter uma noção real do problema, há, pelo menos, umas cinco maneiras diferentes de se tocar uma mesma frase musical na guitarra”. FRASEADO: BEBOP | PARTE 1 Henrique Filizzola é guitarrista, compositor e arranjador. Em 2013 foi um dos selecionados do “BDMG Jovem Instrumentista” além de ter morado um semestre em NYC estudando na conceituada “The New School for Jazz and contemporary Music”. Está terminando o Bacharelado em Musica Popular da UFMG (DEZ/2014). Atua regularmente como guitarrista freelancer em Belo Horizonte-MG, e atualmente está trabalhando com seu trio de fusion “Trib-Us” e com a cantora norte-americana Kay-Kay Rosmarin. HENRIQUE FILIZZOLA

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26 | GUITARRAS DE ELITE.com.br | OUTUBRO 2014

GUITARRAS DE ELITE CADERNO TÁTICO #01

FOTO DO COLUNISTA

MIS

ES

O jeito que você “fraseia uma frase” musical é um dos mais importantes aspectos da música. As notas espe-

cíficas que você toca não são tão impor-tantes quanto o jeito em que você está fraseando elas. O fraseado será diferente no Jazz, no Rock, no Country, no Samba e o mais interessante, o seu fraseado será sempre o seu fraseado. Cada um tem seu jeito individual e único de frasear algo. É o seu sotaque naquela linguagem.

Nesta Missão, vamos falar um pouco so-bre o fraseado no Bebop, um estilo do Jazz surgido em meados dos anos 40 nos EUA. O fraseado no Bebop veio, quase que em sua totalidade, dos instrumentos de so-pro, especialmente o Sax e o Trompete. Os demais instrumentos procura-ram assimilar a lingua-gem bebop simulando aquela sonoridade, o que naturalmente é um desafio, já que cada instrumento possui um idioma particular – são os chamados “idiomatismos”.

A articulação característica do Bebop, pro-veniente dos sopros, dá-se basicamente pela diferença entre ligar as notas ou não. Ou seja, o lugar onde você liga uma nota à outra, ou toca ela de forma “separada”, é que dá o “swing”. No caso da guitarra, que é o que nos interessa – já que so-

mos “Guitarristas de Elite” –, essa articu-lação se dá por meio dos slides e/ou liga-dos (hammer-on, pull-off, legato). O jeito que você liga as notas, ou palheta elas é crucial para chegar ao som de saxofonis-tas como Charlie Parker, a não ser, é claro, que você seja o Pat Martino. Como não somos, vamos ao trabalho...

O braço da guitarra é um touro a ser domado. Nele, há um universo de pos-sibilidades que se apresentam como um desafio para todos nós guitarristas. Pra se ter uma noção real do problema, há, pelo menos, umas cinco maneiras diferentes de se tocar uma mesma frase musical na gui-tarra. Neste cenário, falamos de diversas

escolhas possíveis, seja em termos de região no braço, seja em termos de escolha da digitação a ser usada. Não se es-queça da mão direita (ou esquerda pros canho-tos): vai usar palheta?

Se sim: a 1ª palhetada será pra cima ou pra baixo? E a direção da frase: “faço essa frase indo em direção ao headstock ou à ponte?”.

Acho que você entendeu a ideia: não existe uma opção única e correta. Esta escolha é individual, mas você pode usar seus ouvidos para decidir o que fazer.

“Pra se ter uma noção real do problema, há, pelo menos, umas cinco maneiras diferentes de se tocar uma mesma frase musical na guitarra”.

FRASEADO: BEBOP | PARTE 1

Henrique Filizzola é guitarrista, compositor e arranjador. Em 2013 foi um dos selecionados do “BDMG Jovem Instrumentista” além de ter morado um semestre em NYC estudando na conceituada “The New School for Jazz and contemporary Music”. Está terminando o Bacharelado em Musica Popular da UFMG (DEZ/2014). Atua regularmente como guitarrista freelancer em Belo Horizonte-MG, e atualmente está trabalhando com seu trio de fusion “Trib-Us” e com a cantora norte-americana Kay-Kay Rosmarin.

HENRIQUE FILIZZOLA

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GUITARRAS DE ELITE CADERNO TÁTICO #01

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ESEu priorizo sempre o “som” antes de qual-quer coisa, mas tudo tem um limite, vez que há situações em que aquele som es-pecífico fica quase impossível de executar; e então a gente precisa achar uma alter-nativa no meio do caminho!

Vamos aos exemplos! No Ex. 01, eu lhes apresento 3 maneiras diferentes de tocar uma mesma frase. Repare que as notas são exatamente as mesmas, mas cada uma tem uma execução diferente com o

objetivo de ter a mesma sonoridade, ou quase isso. No primeiro compasso, o desa-fio é conseguir esse ligado entre os dedos 3 e 2 da mão esquerda. Esses dedos não costumam trabalhar bem juntos, mas com um pouco de suor você conseguirá. Já no segundo compasso, a dificuldade está em se fazer o slide com o dedo 4, que tam-bém deve ser fortalecido. Treine-as sepa-radamente; elas serão muito importantes nas próximas ideias musicais.

Exemplo 01 | 01 frase, 03 formas de tocar | AUDIO TRACK: 13

Exemplo 02a | AUDIO TRACK: 14

Já no Ex. 02a, eu peguei uma escala cromática começando na nota Dó e desci duas oitavas, usando a articulação mais parecida com a que um sopro faria no Bebop. Repare que o som não é o mes-mo que simplesmente palhetar todas as

notas, usando-se como um exercício de palhetada alternada. Pelas características da guitarra, ora eu optei por usar ligado, ora por slide com o dedo 4, ora por slide com o dedo 1. Em seguida, faça o Ex. 02b, que é o contrario do anterior.

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GUITARRAS DE ELITE CADERNO TÁTICO #01M

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ES Exemplo 02b | AUDIO TRACK: 15

Exemplos 03a, 03b, 03c e 03d | AUDIOs TRACKs: 16, 17, 18 e 19

No Ex. 03 (a, b, c, d) temos 4 diferentes maneiras de se chegar a uma nota – neste caso, a nota Lá. Eu não conseguiria enfa-tizar o quanto esses fragmentos são im-portantes! Não fui eu quem os inventou; na realidade, eu “tirei” cada um desses exemplos de inúmeros solos de Jazz, des-de gravações do Charlie Parker, de 70 anos atrás, até gravações modernas de guitar-ristas como Pat Metheny ou Mike Stern. Esses exemplos são excelentes inícios ou conclusões de frases.

Por enquanto, não estamos nos preocu-pando com a harmonia por trás desses fragmentos, pois há inúmeras aplicações, por exemplo: o Ex. 03a seria mais comu-

mente usado em Am7 ou D7, entendendo-se que a nota Lá, nosso alvo, em Am7, é a Tônica e, em D7, é a quinta justa do acorde; a nota Lá também poderia muito bem revelar-se como a segunda maior de um Gmaj7 ou até mesmo como a quinta justa de um Dm7.

Ao longo desta Missão, falaremos sobre mais aplicações em cima de harmonia. Por hora, preocupe-se sempre com o jeito que você irá articular essas notas. Eu escrevi a exata articulação que eu percebo quando ouço os mestres tocando cada um desses fragmentos, mas sinta-se livre para ex-plorar outras formas de execução.

Agora que os fragmentos do Ex. 03 estão “debaixo dos dedos”, pratique os Exs. 04a e 04b, que nada mais são do que a combinação livre de dois fragmentos do Ex. 03. Todos eles podem (e devem!) ser mesclados. Descubra diferentes maneiras de combiná-los:

Exemplo 04a e 04b | AUDIOs TRACKs: 20 e 21

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GUITARRAS DE ELITE CADERNO TÁTICO #01

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Exemplo 05 | AUDIO TRACK: 22

O Ex. 05 é um dos exemplos mais impor-tantes dessa coluna! Nele, eu combinei um dos fragmentos anteriores com um arpejo de tétrade (começando pela sétima) de cada um dos acordes no Campo Harmôni-co de Dó maior. Seriam eles: Cmaj7 - Dm7 - Em7 - Fmaj7 - G7 - Am7 - Bm7(b5).

Repare que todos eles têm como nota-alvo a quinta da respectiva tétrade [T 3 “5” 7]. E existem duas maneiras de chegar até elas. As dicas são:1. quando o intervalo entre a quinta e a sé-

tima do arpejo for de uma terça maior, como nos arpejos do tipo “X”maj7 ou

“X”m7(b5), você usará o Ex. 03d. 2. quando esse intervalo for de uma terça

menor, como nos arpejos de “X”m7 ou “X”7, você usará o Ex. 03a, podendo se estender ao Ex. 03b.

Estude os dois tipos o bastante para que consiga usá-los quando bem entender. Essa ideia eu peguei literalmente do solo do Charlie Parker em “Au Privave” no qual ele usa esse fragmento em Fmaj7 para começar uma super frase. Que tal ouvir o solo e tentar identificar o exato momento em que ele usa esse fragmento? Use ape-nas seus ouvidos como instrumento.

Os Ex. 06 e 07 são frases que eu criei usando tudo que vimos nessa aula. Elas se apli-cam em um II - V - I em Bb maior. Você consegue identificar os fragmentos?

Exemplo 06 | AUDIO TRACK: 23

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GUITARRAS DE ELITE CADERNO TÁTICO #01M

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ES Exemplo 07 | AUDIO TRACK: 24

No Ex. 08, temos uma contribuição de nosso editor, valendo-se das articulações que apresentei até agora: “trata-se de uma adaptação em forma de exercício Psicomotor [os famosos cromáticos 1-2-3-4] só que com um caráter mais musical, com o “sotaque” do bebop que tanto nos interessa. Ele é apresentado na forma descendente (da corda mais aguda para a

mais grave), e se repete 05 vezes utilizan-do-se de todos os pares formados entre cordas adjacentes (e+B, B+G, G+D, D+A, A+E). Como todo Psicomotor, o objetivo fundamental é o de “destravar” os dedos mas, se você é mais aventureiro, incorpo-re-o no seu fraseado (por que não?) como um efeito outside!”.

Exemplo 08 | Psicomotor à moda bebop | AUDIO TRACK: 25

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GUITARRAS DE ELITE CADERNO TÁTICO #01

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ESPor último (mas não menos importante), no Ex. 09 eu deixo aqui uma parte de um solo do John Scofield na música “House of the Rising Sun”, no qual a articulação é

extremamente importante para que a fra-se soe correta. Os exercícios de articula-ção dessa coluna, desde que assimilados, devem lhe ajudar a executar essa frase.

Exemplo 09 | AUDIO TRACK: 26

No próximo encontro, vamos nos aprofundar ainda mais nessa questão e analisar frases de grandes mestres como Charlie Parker, Pat Metheny e Scott Henderson. Até lá! H. F.