fonseca - 2015 - estado planejamento e gestao publica no brasil contemporaneo

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Organizadores José Celso Cardoso Jr. Eugênio A. Vilela dos Santos Pensamento Estratégico, Planejamento Governamental & Desenvolvimento no Brasil Contemporâneo 2 LIVRO PPA 2012-2015 EXPERIMENTALISMO INSTITUCIONAL E RESISTÊNCIA BUROCRÁTICA

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  • Organizadores Jos Celso Cardoso Jr.Eugnio A. Vilela dos Santos

    Pensamento Estratgico, Planejamento Governamental & Desenvolvimento

    no Brasil Contemporneo 2LIVRO

    PPA

    2012

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    PPA 2012-2015 EXPERIMENTALISMO INSTITUCIONAL

    E RESISTNCIA BUROCRTICA

  • No momento em que o Ipea completa e comemora os seus 50 anos de existncia, nada mais emblemtico para todos ns que dar materialidade e signi-ficado a esta coleo coordenada pela Diretoria de Estudos e Polticas do Estado, das Instituies e da Democracia (Diest). Recheada de estudos e proposies de colegas do prprio Ipea, servidores pblicos vinculados a inmeras organizaes, acadmicos e pesquisadores nacionais e estrangeiros, sem dvida se trata de uma coleo que nasce e crescer sob influncia da pluralidade e da diversidade que esto na raiz de nossa instituio.

    Entre tantos significados, a coleo Pensamento estratgico, planejamento governamental & desenvolvimento no Brasil contemporneo vem a pblico em momento mais que oportuno.Do ponto de vista do Ipea, sendo umrgo de Estado no diretamente vinculado a nenhum setor ou rea especfica de governo, goza ele de um privilgio e de um dever. O privilgio de poder se estruturar organizacionalmente e de trabalhar de modo no estritamente setorial; e o dever de considerar e incorporar tantas reas e dimenses de anlise quantas lhe forem possveis para uma compreenso mais qualificada dos complexos e intrincados problemas e processos de polticas pblicas.

    Por sua vez, do ponto de vista do pensamento estratgico nacional, dos pro-blemas ainda por serem enfrentados no campo do planejamento governamental, e do ponto de vista do sentido mais geral do desenvolvimento brasileiro, a que faro referncia os ttulos desta importante coleo, podemos dizer que ela encarna e resume os dilemas e os desafios de nossa poca. Em poucas palavras, fala-se aqui de um sentido de desenvolvimento que compreende, basicamente, as seguintes dimenses: i) insero internacional soberana; ii) macroeconomia para o desen-volvimento: crescimento, estabilidade e emprego; iii) infraestrutura econmica, social e urbana; iv) estrutura tecnoprodutiva avanada e regionalmente integrada; v) sustentabilidade ambiental; vi) proteo social, garantia de direitos e gerao de oportunidades; e vii) fortalecimento do Estado, das instituies e da democracia.

    Nesse sentido, dotado desse mais elevado esprito pblico, conclamamos os colegas ipeanos e a cidadania ativa do pas a participarem deste empreendimento cvico, dando voz e concretude aos nossos reclamos mais profundos por um Brasil melhor.

  • Organizadores Jos Celso Cardoso Jr.Eugnio A. Vilela dos Santos

  • Governo Federal

    Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica Ministro Roberto Mangabeira Unger

    Fundao pbl ica v inculada Secretar ia de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica, o Ipea fornece suporte tcnico e institucional s aes governamentais possibilitando a formulao de inmeras polticas pblicas e programas de desenvolvimento brasi leiro e disponibi l iza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus tcnicos.

    PresidenteSergei Suarez Dillon Soares

    Diretor de Desenvolvimento InstitucionalLuiz Cezar Loureiro de Azeredo

    Diretor de Estudos e Polticas do Estado, das Instituies e da DemocraciaDaniel Ricardo de Castro Cerqueira

    Diretor de Estudos e PolticasMacroeconmicasCludio Hamilton Matos dos Santos

    Diretor de Estudos e Polticas Regionais,Urbanas e AmbientaisRogrio Boueri Miranda

    Diretora de Estudos e Polticas Setoriaisde Inovao, Regulao e InfraestruturaFernanda De Negri

    Diretor de Estudos e Polticas Sociais, SubstitutoCarlos Henrique Leite Corseuil

    Diretor de Estudos e Relaes Econmicas e Polticas InternacionaisRenato Coelho Baumann das Neves

    Chefe de GabineteRuy Silva Pessoa

    Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaoJoo Cludio Garcia Rodrigues Lima

    Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoriaURL: http://www.ipea.gov.br

  • Braslia, 2015

    Organizadores Jos Celso Cardoso Jr.Eugnio A. Vilela dos Santos

  • PPA 2012 - 2015 : experimentalismo institucional e resistncia burocrtica / organizadores: Jos Celso Cardoso Jr., Eugnio A. Vilela dos Santos. Braslia: IPEA, 2015. 308 p. : il., grfs. color. (Pensamento estratgico, planejamento governamental & desenvolvimento no Brasil contemporneo ; Livro 2). Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-7811-243-1

    1. Planos Plurianuais. 2. Planejamento Governamental. 3. Planejamento Estratgico. 4. Administrao Pblica. 5. Polticas Pblicas. 6. Oramento Nacional. 7. Brasil. I. Cardoso Jr., Jos Celso. II. Santos, Eugnio A. Vilela dos. III. Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada.

    CDD 338.981

    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ipea 2015

    As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, no exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ou da Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica.

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reprodues para fins comerciais so proibidas.

  • SUMRIO

    APRESENTAO ........................................................................................7

    AGRADECIMENTOS E DEDICATRIA .......................................................9

    INTRODUO ..........................................................................................11Jos Celso Cardoso Jr.

    CAPTULO 1ESTADO, PLANEJAMENTO E DIREITO PBLICO NO BRASIL CONTEMPORNEO ..................................................................19Gilberto Bercovici

    CAPTULO 2ESTADO, PLANEJAMENTO E GESTO PBLICA NO BRASIL CONTEMPORNEO ..................................................................37Francisco Fonseca

    CAPTULO 3AS INOVAES JURDICAS NO PPA 2012-2015 ..........................................69Eugnio SantosOtvio VenturaRafael Neto

    CAPTULO 4A ESTRATGIA DE MONITORAMENTO DO PPA 2012-2015 .........................93Jos Celso Cardoso Jr.Anderson RochaCludio NavarroEugnio Santos

    CAPTULO 5PPA, LDO E LOA: DISFUNES ENTRE O PLANEJAMENTO, A GESTO, O ORAMENTO E O CONTROLE ..............................................115Eugnio SantosOtvio VenturaRafael Neto

  • CAPTULO 6ASPECTOS INSTITUCIONAIS DE GOVERNANA DO SISTEMA DE PLANEJAMENTO DO PODER EXECUTIVO FEDERAL LUZ DO CONTROLE EXTERNO .........................................................................135Aritan Borges MaiaPatrcia Coimbra Souza Melo

    CAPTULO 7O DESENVOLVIMENTO DO CONTROLE INTERNO NO BRASIL E A ARTICULAO INTERINSTITUCIONAL .................................................161Ronald da Silva Balbe

    CAPTULO 8CONTROLE SOCIAL E TRANSVERSALIDADES: SINAIS DE PARTICIPAO NO PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL BRASILEIRO ................................207Daniel Pitangueira de AvelinoJos Carlos dos Santos

    CAPTULO 9PARTICIPAO SOCIAL E CONTEDO ESTRATGICO NOS PPAS ESTADUAIS ..............................................................................233Lucas Alves Amaral

    CAPTULO 10PPAS ESTADUAIS EM PERSPECTIVA COMPARADA: PROCESSOS, CONTEDOS E MONITORAMENTO .......................................273Ricardo Carneiro

    NOTAS BIOGRFICAS ...........................................................................305

  • APRESENTAO

    O planejamento governamental no Brasil tem conhecido, ao longo das ltimas cinco dcadas, um movimento pendular de retrocessos e avanos. A Constituio Federal de 1988 estabeleceu diretrizes e determinaes para o processo de planejamento que, passados 26 anos, continuam a demandar regulamentaes. A consequncia que mudanas formais so tentadas de tempos em tempos, sem que se afirmem modos superiores de organizar este fundamental instrumento do processo de governar.

    Ao mesmo tempo, a sociedade brasileira se torna mais complexa, mais dife-renciada, mais informada e mais dinmica. Os interesses se multiplicam, as opes se ampliam, o consenso se torna mais tortuoso. O ambiente externo tambm se torna mais complexo, movendo-se a um ritmo mais rpido. As inovaes de todos os tipos se aceleram, as mudanas sociais se fazem mais imprevisveis, o tempo corre em velocidades diferentes para os diferentes atores. Tudo isso passa a demandar governos com capacidades e competncias superiores, com os processos decisrios ganhando caractersticas novas e surpreendentes. Em tal contexto, o planejamento estratgico governamental tem de se mostrar com potncia e sofisticao terica, metodolgica e operacional progressivamente superiores.

    Essas so algumas das preocupaes que orientam essa nova srie de livros do Ipea, intitulada Pensamento Estratgico, Planejamento Governamental & Desenvolvimento no Brasil Contemporneo, sobre o instigante, e sempre desafiador, tema do planejamento estratgico governamental. Neste volume 2, em especial, trata-se de apresentar o Plano Plurianual (PPA) 2012-2015 como parte de uma onda maior de experimentalismos institucionais em curso no pas desde os princpios da dcada de 2000, bem como de discutir alguns constrangimentos de ordem poltica e burocrtica efetivao das respectivas mudanas, mormente no campo do planejamento governamental.

    Mais frente se ver que um dos prximos volumes da srie trar discusses prospectivas acerca do PPA 2016-2019, tendo em vista algumas possibilidades con-cretas para a realizao de novos exerccios de inovao institucional, considerando que algum tipo de transformao poltico-burocrtica ser necessrio no mbito da atual administrao pblica brasileira. Mas isso j assunto para o prximo livro.

    Desejo a todos(as) uma tima leitura e reflexo!

    Sergei Suarez Dillon SoaresPresidente do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea)

  • AGRADECIMENTOS E DEDICATRIA

    Este livro composto por dez trabalhos autorais, cujos contedos so de inteira responsabilidade de seus autores, no refletindo, necessariamente, a viso insti-tucional das organizaes s quais esto vinculados. No obstante, so uma boa amostra do potencial analtico e interpretativo presente nestas instituies.

    Por isso, em conjunto, os autores deste livro agradecem a todos os seus respectivos colegas que ajudaram, com crticas, comentrios e sugestes, a devida finalizao dos dez captulos, alm da introduo, tal qual vm agora a pblico.

    Os autores tambm agradecem, de modo muito especial, a maneira como a obra foi aceita pelas diversas instituies envolvidas. Sendo parte de um processo contnuo, coletivo e cumulativo de aprendizado pessoal, profissional e mesmo institucional, este livro deve ser lido no como ponto de chegada, mas sim como ponto de partida para novas reflexes e aperfeioamentos necessrios aos desafios tecnopolticos de nosso tempo.

    Dessa maneira, ele dedicado, em especial, aos colegas e servidores do Ipea; do Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto (MP); da Secretaria-Geral (SG) da Presidncia da Repblica (PR), assim como do Tribunal de Contas da Unio (TCU); da Controladoria-Geral da Unio (CGU); e das faculdades e universidades de origem de alguns dos autores.

    Desejamos a todos(as) boa leitura e reflexo!

    Comit Editorial

  • INTRODUOJos Celso Cardoso Jr.1

    Este livro, como tambm todos os demais desta srie, intitulada Pensamento Estratgico, Planejamento Governamental & Desenvolvimento no Brasil Contemporneo, identifica e mobiliza elementos para uma economia poltica do planejamento pblico brasileiro no sculo XXI. Esta tarefa, entretanto, apenas se faz possvel com inovao institucional e certo tipo de revoluo administrativa (temas que sero objeto de outros volumes desta srie). Este volume 2 trata, basicamente, de alguns poucos (mas significativos!) exerccios de experimentalismo institucional e da correspondente resistncia burocrtica inovao no seio da administrao pblica brasileira.

    O Plano Plurianual (PPA) relativo ao quadrinio 2012-2015, como ser visto neste livro, buscou inovar no apenas no redesenho de concepo geral do plano suas categorias conceituais, seus atributos formais e a prpria forma de estruturao geral do mesmo , assim como tentou criar comandos mais simples, claros, diretos e flexveis para a prpria gesto e operacionalizao das polticas pblicas, isto feito por meio dos seus normativos tradicionais: a lei do PPA, o decreto de gesto e as portarias ministeriais especficas. Sem desconsiderar alguns problemas de ordem conceitual ou mesmo dificuldades intrnsecas no campo das relaes inter e intrainstitucionais para fins de gesto e operacionalizao prtica e cotidiana das novas categorias organizativas do plano, este PPA buscou conferir maior peso formulao estratgica dos agora chamados programas temticos, fazendo com que estes explicitassem por meio dos seus respectivos objetivos e metas (quantitativas e qualitativas) os diversos compromissos setoriais e territoriais ou federativos do novo governo que ento se iniciava.

    No obstante, foram poucas as inovaes experimentais que conseguiram ganhar densidade institucional suficiente para se viabilizarem como novidades reais na conduo dos processos de governo, tpicos das polticas pblicas em curso hoje no pas. Isto, devido, sobretudo, baixa centralidade institucional da funo planejamento, de modo geral, e do PPA, em particular, dentro da ossatura institucional atual do governo federal brasileiro, bem como a outros fatores de peso, alguns dos quais tratados ao longo dos captulos deste livro.

    Por esses motivos que se fala, aqui, em experimentalismo institucional e resistncia burocrtica como categorias teis e necessrias investigao das razes pelas quais determinadas tentativas de mudanas inovativas no seio da

    1. Tcnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea e coordenador desta coleo.

  • 12 PPA 2012-2015: experimentalismo institucional e resistncia burocrtica

    administrao pblica encontram obstculos incrustrados sua efetivao, que apenas em pequena monta se podem atribuir a incompreenses conceituais ou a dificuldades prticas de assimilao de comandos e novas rotinas burocrticas derivadas das inovaes sugeridas pelo novo PPA. Obstculos estes, portanto, que se devem muito mais a resistncias tipicamente burocrticas, sejam de ordem organizativa e/ou processual dos contextos de trabalho suscitados pela nova modelagem de planejamento, sejam de ordem cultural, isto , ligadas cultura organizacional arraigada de formas muito distintas nos diversos ministrios, secretarias e demais rgos e instncias governamentais no Brasil.

    Tal como sugere Roberto Mangabeira Unger,

    uma das teses emergentes durante a nossa discusso que a democratizao do acesso a essas prticas vanguardistas e experimentais no ocorrer espontaneamente pela sua mera expanso horizontal e vegetativa. S ocorrer por ao do prprio Estado. No, porm, por ao do Estado que existe, mas de um Estado ainda a construir. Um Estado que no esteja nas mos do taylorismo e do fordismo. Um Estado que assimile, ele mesmo, esses mtodos experimentais que ele quer ver disseminados na sociedade toda. (SAE, 2009, p. 203).

    Em outras palavras: experimentalismo institucional como mtodo de governo, nica forma possvel de se reinventar, na prtica e cotidianamente, os modos de ser e de fazer da administrao pblica brasileira.

    Isso porque, com o fracasso da agenda de reformas do Consenso de Washington em promover o desenvolvimento, o sculo XXI se iniciou sob um novo ciclo de ativismo estatal, mas agora sob a vigncia das instituies democrticas estabeleci-das pela Constituio Federal de 1988. Muitas reas de polticas pblicas (social, infraestrutura, industrial etc.) comeam a implementar programas e projetos transformadores de larga escala. No entanto, quais iniciativas esto sendo adotadas no mbito da administrao pblica com vistas a dotar o aparelho administrativo do Estado das capacidades necessrias para os desafios que se colocam? possvel identificar um projeto ou uma nova plataforma de referncia para as transformaes em curso na administrao pblica brasileira, de carter ps-gerencialista?2

    No bojo da atual ausncia ou precariedade de reflexo estratgica do governo sobre a natureza especfica do Estado e da administrao pblica federal no Brasil, o que tem se verificado, na realidade, um pragmatismo acentuado como mtodo de gesto e de reestruturao da administrao pblica na conduo cotidiana das aes governamentais ainda preponderantemente focada, por exemplo, no

    2. A rigor, em prol do benefcio da dvida, pode-se citar ao menos cinco documentos oficiais do governo federal brasileiro (Brasil, 2003, 2007, 2011, 2013a e 2013b), nos quais um esboo acerca da viso estratgica, ou de qual modelo de desenvolvimento estaria em montagem ou perseguio no pas nesta dcada sob escrutnio. Mas qual administrao pblica necessria para conduzir esta estratgia ainda uma questo em aberto no debate poltico corrente, conforme sugerem Cardoso Jr. e Gomide (2014).

  • 13Introduo

    crescimento do produto interno bruto (PIB) a qualquer custo, em detrimento de outras dimenses hoje to ou mais importantes que a dimenso meramente econmica do desenvolvimento.

    Por pragmatismo acentuado entende-se um padro de gesto da mquina pblica movida base do binmio pendncia vs. providncia que, embora possa parecer a nica via de curto prazo para a torrente de problemas sempre emergenciais de governo, acaba por explicitar as contradies histricas e a heterogeneidade da formao do Estado e da administrao pblica no Brasil, alm de impor flego curto aos resultados de uma gesto pblica pretensamente progressista (ou ps-gerencialista). Entre tais contradies histricas, destaquem-se as seguintes: i) a convivncia entre nepotismo, clientelismo e meritocracia; ii) o insulamento burocrtico nas organizaes; iii) a modernizao de cima para baixo; iv) a fragilidade da gesto pblica em diversas reas estratgicas, em particular em reas de contato direto com a populao; e v) a alta centralizao decisria ou deficit democrtico nos processos de alto interesse etc. (Cardoso Jr. e Gomide, 2014).

    Dessa forma, embora haja alguns elementos positivos e inovadores imple-mentados de forma incremental no perodo recente,3 o fato que no h clareza acerca da natureza e da direo das aes em curso desde 2003, assim como sua conformao a um projeto democrtico e desenvolvimentista. Como regra geral, parece vigorar a mxima segundo a qual reina certo burocratismo disfuncional para a conduo de processos formais de governo e, ao mesmo tempo, grande informalismo e decises ad hoc para processos reais. Por exemplo, o PPA, a Lei de Diretrizes Oramentrias (LDO) e a Lei Oramentria Anual (LOA) seguem rotinas burocrticas pouco aderentes dinmica real de formulao, de oramentao e de implementao de polticas pblicas. Enquanto programas setoriais diversos, embora caream de previso legal ou sejam, em grande medida, informais, costumam pautar de modo mais efetivo as aes concretas dos ministrios envolvidos. E isso se v amplificado frente ao chamado paradoxo da abundncia, por meio do qual as dotaes oramentrias anuais so, em geral, grandes e crescentes (ao menos para as reas programticas mais importantes de atuao corrente do Estado), enquanto os nveis de execuo financeira dos oramentos so pfios em vrios casos, ou no mnimo aqum das possibilidades de realizao na maioria deles.

    3. Tais como: i) a criao do Regime Diferenciado de Contratao (RDC) para minimizar os problemas decorrentes, sobretudo, da Lei no 8.666/1993; ii) os aperfeioamentos no Cadastro nico (Cadnico) dos programas sociais, bem como no seu uso e gerenciamento das condicionalidades exigidas dos beneficirios do programa Bolsa Famlia; iii) a reduo substantiva das filas no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por meio da modernizao e da informatizao da estrutura e dos procedimentos da Previdncia Social; iv) a criao e o fortalecimento de rgos e instncias de governo voltados promoo de direitos e de polticas inclusivas; v) as inovaes no planejamento governamental e seus instrumentos legais (PPA, LDO e LOA), bem como o ressurgimento de planos setoriais e territoriais/regionais de desenvolvimento, alm de novas empresas pblicas de planejamento, tais como a Empresa de Planejamento Energtico (EPE) e a Empresa de Planejamento e Logstica (EPL), entre outras; vi) o fortalecimento da Controladoria-Geral da Unio (CGU); vii) a implementao da Lei de Acesso Informao (LAI); viii) os novos mecanismos de participao da sociedade civil, entre os quais se destacam as conferncias nacionais, os conselhos de polticas pblicas, as ouvidorias e as audincias pblicas; e ix) os aperfeioamentos do Governo Eletrnico Brasileiro (E-Gov): compras governamentais, gerenciamento e monitoramento de grandes empreendimentos inscritos no Programa de Acelerao do Crescimento (PAC), porto digital etc.

  • 14 PPA 2012-2015: experimentalismo institucional e resistncia burocrtica

    Tal constatao se v reforada pelo fato de que o arcabouo institucional-legal do Estado brasileiro obstaculiza diretrizes e aes de ativao potencialmente transformadoras de governos com vis desenvolvimentista. Arcabouo este de teor majoritariamente liberal e amplificado nos anos 1990, como nos atestam, entre outros, os seguintes institutos jurdicos ainda em vigncia: Lei Orgnica do Tribunal de Contas da Unio (TCU), de 1992; Lei de Licitaes, de 1993; Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000; e Lei 10.180, de 2001, que deveria estabelecer os sistemas de planejamento e oramento, de administrao financeira, de contabilidade e de controle interno do Poder Executivo Federal, mas sem organicidade clara nem especificao de atribuies e responsabilidades exclusivas; entre outros exemplos.

    Em que pese a ampliao da representao poltica de diversas demandas da sociedade e o fortalecimento dos grupos de interesses legtimos dentro do aparelho do Estado, proporcionados pela Constituio Cidad, a partir dos anos 1990 houve um fortalecimento das organizaes de controle burocrtico do Estado (corregedorias e controladorias) e vetos por rgos ambientalistas, tribunais de contas, promotorias e procuradorias em face do desmonte das estruturas de planejamento e da perda da capacidade de implementao de polticas e programas pelo Executivo.

    No que tange ao circuito de funes intrnsecas do Estado brasileiro para a capacidade de governar, vige grande desequilbrio (em termos de importncia estratgica dentro do prprio governo e grau de institucionalizao ou maturidade institucional constituda) entre as atividades de arrecadao, formulao, oramen-tao, execuo, controles burocrticos e participao social. Como resultado se tem, em realidade, um Estado com desenho institucional de tipo hbrido e atuao muitas vezes contraditria. Arranjo institucional hbrido porque se combinam elementos patrimonialistas, racionais-legais, gerencialistas e societais, tanto nos diversos desenhos especficos de polticas pblicas, como principalmente em seus respectivos modus operandi. Atuao de tipo contraditria porque ora se busca atender a diretrizes republicanas, democrticas e desenvolvimentistas de natureza estratgica mais geral, ora se v capturado por interesses e decises de carter particularista, autoritrio e imediatista.

    A sobreposio de competncias e de regimes jurdicos distintos, as diversas iniciativas setoriais de planejamento, a atuao das empresas estatais remanescen-tes e o fracasso do modelo das agncias reguladoras autnomas, exemplificam os problemas citados e sinalizam para grande desperdcio de recursos pblicos, no apenas oramentrios, mas principalmente humanos, organizacionais, de gesto e de logstica.

    Em suma, o acima elencado apenas uma pequena parte, entre outros exemplos e situaes, que aqui se agrupa em torno da ideia de resistncia buro-crtica s mudanas, s inovaes e aos experimentalismos institucionais possveis

  • 15Introduo

    dentro da realidade atual no campo da administrao pblica brasileira. Avanar, portanto, na explicitao, na compreenso e na superao positiva desses problemas condio primordial para, de fato, poder-se destravar o potencial intrnseco s capacidades estatais e aos instrumentos governamentais disposio do Estado contemporneo, com vistas a uma ampla e estratgica atuao da sociedade para o desenvolvimento nacional.

    PLANO DE ORGANIZAO DO LIVRO

    Ao longo deste livro, os captulos foram agrupados com o intuito de explicitarem o movimento recente de atualizao e ressignificao do debate sobre o planejamento governamental e a gesto pblica no Brasil. Os temas foram dispostos de forma a se interconectarem, objetivando, explicitamente, demonstrar que as diversas dimenses de anlise formam, na verdade, um continuum de situaes que tm, na capacidade do Estado brasileiro de formular, implementar e executar polticas pblicas em determinada direo, o centro nevrlgico de sua atuao na contemporaneidade.

    O captulo 1, intitulado Estado, planejamento e direito pblico no Brasil contemporneo, formado por contribuio do professor Gilberto Bercovici, da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo (USP), busca estabelecer alguns dos parmetros gerais que, sobretudo do ponto de vista jurdico, ajudam na compreenso dos problemas e tambm das possibilidades do planejamento governamental no Brasil, a partir da sua determinao constitucional como funo essencial e indelegvel do Estado para a consecuo dos objetivos fundamentais da Repblica.

    No captulo seguinte Estado, planejamento e gesto pblica no Brasil contemporneo , de autoria do professor Francisco Fonseca, da Fundao Getlio Vargas (FGV) de So Paulo, a relao entre planejamento governa-mental e gesto pblica tratada a partir dos constrangimentos advindos do modelo de acumulao capitalista e do sistema poltico brasileiro quanto efetivao de reformas transformadoras, bem como do poder de veto da mdia e de outros atores relevantes no circuito de polticas pblicas federais.

    De outro lado, escrito pelos analistas de Planejamento e Oramento Eugnio Santos, Otvio Ventura e Rafael Neto, dada ateno, no captulo 3 As inovaes jurdicas no PPA 2012-2015 , s inovaes jurdicas trazidas pelo Plano Plurianual (PPA) 2012-2015 que ajudam a operacionalizar as polticas pblicas por meio de uma nfase conferida aos momentos de implementao e execuo das mesmas no contexto de alargamento das funes e formas de atuao do Poder Executivo Federal brasileiro.

    A relao entre gesto pblica e monitoramento governamental tratada no captulo seguinte, intitulado A estratgia de monitoramento do PPA 2012-2015,

  • 16 PPA 2012-2015: experimentalismo institucional e resistncia burocrtica

    por meio de contribuio formulada pelos analistas de Planejamento e Oramento Anderson Rocha, Cludio Navarro, Eugnio Santos e Jos Celso Cardoso Jr., sendo este ltimo tcnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea. Em particular, tomando como referncia a realidade do PPA 2012-2015, feita a apresentao e a anlise da chamada estratgia de monitoramento dos programas temticos, nos quais se cravam conceitos relativamente novos em termos de uma concepo de monitoramento como aprendizado da realidade nacional e das suas respectivas polticas pblicas, bem como das condies necessrias para efetiv-lo no seio da administrao pblica federal, de modo contnuo, coletivo e cumulativo.

    Na sequncia, novamente Eugnio Santos, Otvio Ventura e Rafael Neto abordam, no captulo 5 PPA, LDO e LOA: disfunes entre o planejamento, a gesto, o oramento e o controle , de forma bastante concreta, disfunes e novas possibilidades de articulao entre o planejamento, a gesto, o oramento e o controle, por meio de anlise feita em torno dos instrumentos constitucionais (PPA, LDO e LOA) que operacionalizam as polticas pblicas brasileiras desde a Constituio Federal de 1988.

    Uma nfase adicional aos temas do controle estatal de polticas pblicas dada nos captulos seguintes. No captulo 6 Aspectos institucionais de governana do sistema de planejamento do Poder Executivo Federal luz do controle externo , que conta com a participao dos auditores federais de Controle Externo do TCU, Aritan Borges Maia e Patrcia Coimbra Souza Melo, so abordados aspectos institucionais de governana do sistema de planejamento do Poder Executivo Federal, luz das principais lacunas identificadas pelo trabalho sistemtico de acompanhamento e fiscalizao do TCU.

    J no captulo 7, intitulado O desenvolvimento do controle interno no Brasil e a articulao interinstitucional, de autoria do analista de Finanas e Controle, atual diretor de Planejamento e Coordenao das Aes de Controle da Secretaria Federal de Controle Interno (SFC) da CGU, Ronald Balbe, trazido tona o desenvolvimento do controle interno no Brasil, com nfase especial s necessidades e s possibilidades de articulao interinstitucional entre a CGU e os demais rgos e instncias de governo, tanto no plano federativo como em mbito horizontal.

    No captulo seguinte Controle social e transversalidades: sinais de participao no planejamento governamental brasileiro , por sua vez, escrito pelos colegas em atuao na Presidncia da Repblica (PR), Daniel Avelino e Jos Carlos dos Santos, feito um balano geral dos encontros e desencontros ainda presentes na relao entre planejamento e democracia no Brasil, com nfase experincia recente do Frum Interconselhos, instncia criada no mbito do PPA 2012-2015 para orga-nizar e viabilizar momentos de aproximao entre a sociedade civil, representada por meio de alguns de seus respectivos conselhos de polticas pblicas, e o governo

  • 17Introduo

    federal, notadamente o Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto (MP), responsvel formal pela coordenao das aes necessrias a viabilizar as polticas e os programas contidos no referido PPA.

    Por fim, nos dois ltimos captulos do livro, intitulados Participao social e contedo estratgico nos PPAs estaduais e PPAs estaduais em perspectiva comparada: processos, contedos e monitoramento, compostos por trabalhos de Lucas Amaral e do professor Ricardo Carneiro, da Fundao Joo Pinheiro (FJP) em Minas Gerais, respectivamente, se exploram as experincias recentes de participao social na construo, na execuo, no acompanhamento, na avaliao e no controle pblico dos PPAs estaduais no Brasil, a partir de pesquisa indita concluda em 2013 no mbito das atividades do Ipea. Em ambos os casos, procede-se a um balano com-parativo e crtico-propositivo acerca dos problemas atuais e algumas possibilidades de melhorias concernentes aos processos de formulao, de monitoramento, de avaliao e de engajamento social das populaes residentes nas Unidades da Federao brasileira em torno do planejamento plurianual de abrangncia estadual.

    Em suma, essas so algumas das preocupaes que orientaram este volume 2 da nova srie de livros do Ipea sobre o instigante, e sempre desafiador, tema do planejamento estratgico governamental. Neste volume, em especial, trata-se de apresentar o PPA 2012-2015 como parte de uma onda maior de experimentalismos institucionais em curso no pas desde princpios da dcada de 2000, bem como de discutir alguns constrangimentos de ordem poltica e burocrtica efetivao das respectivas mudanas, mormente no campo do planejamento governamental.

    REFERNCIAS

    BRASIL. Plano Plurianual 2004-2007: projeto de lei. Braslia: MPOG/SPI, 2003.

    ______. Plano Plurianual 2008-2011: projeto de lei. Braslia: MPOG/SPI, 2007.

    ______. Plano Plurianual 2012-2015: projeto de lei. Braslia: MPOG/SPI, 2011.

    ______. Mensagem ao Congresso Nacional. Braslia: Presidncia da Repblica, 2013a.

    ______. Plano Mais Brasil: PPA 2012-2015. Relatrio Anual de Avaliao: ano-base 2012. Braslia: MPOG/SPI, 2013b. v. 1.

    CARDOSO JR., J. C.; GOMIDE, A. Elementos para a reforma do Estado e da administrao pblica no Brasil do sculo XXI: a dcada de 2003-2013 e a economia poltica do desenvolvimento. Braslia, 2014. (Boletim de Anlise Poltico-Institucional, n. 5).

    SAE SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATGICOS. Instituies para inovao: reflexes sobre uma agenda de desenvolvimento para o longo prazo. Braslia: SAE, Presidncia da Repblica, 2009.

  • CAPTULO 1

    ESTADO, PLANEJAMENTO E DIREITO PBLICO NO BRASIL CONTEMPORNEO1

    Gilberto Bercovici2

    1 O PLANEJAMENTO E SUA NATUREZA JURDICA

    Desde as concepes da Comisin Econmica para Amrica Latina (Cepal), entende-se o Estado, por meio do planejamento, como o principal promotor do desenvolvimento. Para desempenhar a funo de condutor do desenvolvimento, o Estado deve ter autonomia frente aos grupos sociais, ampliar suas funes e readequar seus rgos e estrutura. O papel estatal de coordenao d a conscincia da dimenso poltica da superao do subdesenvolvimento. As reformas estruturais so o aspecto essencial da poltica econmica dos pases subdesenvolvidos, condio prvia e necessria da poltica de desenvolvimento. Coordenando as decises pelo planejamento, o Estado deve atuar de forma muito ampla e intensa, tendo como objetivos centrais a modificao das estruturas socioeconmicas, bem como a distribuio e descentralizao da renda, integrando, social e politicamente, a totalidade da populao no processo de desenvolvimento.

    O planejamento coordena, racionaliza e d uma unidade de fins atuao do Estado, diferenciando-se de uma interveno conjuntural ou casustica (Comparato, 1989). O plano a expresso da poltica geral do Estado. mais do que um programa, um ato de direo poltica, pois determina a vontade estatal por meio de um conjunto de medidas coordenadas, no podendo limitar-se mera enumerao de reivindicaes (Souza, 1996; Moncada, 1985). E por ser expresso desta vontade estatal, o plano deve estar de acordo com a ideologia constitucional adotada.

    1. Este captulo corresponde verso ligeiramente modificada do artigo Estado, planejamento e direito pblico, apresentado no XVIII Congresso Internacional sobre Reforma do Estado e da Administrao Pblica do Centro Latino-americano de Administrao para o Desenvolvimento (CLAD), em Montevidu, no Uruguai, entre os dias 29 de outubro e 1o de novembro de 2013. rea temtica cinco: Derecho pblico y garantas jurdicas en la administracin pblica. Painel: Estado, planejamento e desenvolvimento: a experincia brasileira recente e possibilidades a futuro.2. Professor titular de Direito Econmico e Economia Poltica da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo (USP) e professor do Programa de ps-Graduao em Direito Poltico e Econmico (PPGDPE) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). O autor agradece os comentrios e sugestes dos colegas Eugnio Santos analista em Planejamento, Oramento e Gesto na Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratgicos (SPI) do Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto (MP) , e Jos Celso Cardoso Jr. tcnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea , isentando-os pelos erros e omisses remanescentes.

  • 20 PPA 2012-2015: experimentalismo institucional e resistncia burocrtica

    O planejamento est sempre comprometido axiologicamente, tanto pela ideologia constitucional como pela busca da transformao do status quo econmico e social. Quando os interesses dominantes esto ligados manuteno deste status quo, o planejamento e o desenvolvimento so esvaziados. Desta forma, no existe planejamento neutro, pois se trata de uma escolha entre vrias possibilidades, escolha guiada por valores polticos e ideolgicos (Ianni, 1989; Grau, 1978; Souza, 1996; Moncada, 1985; Comparato, 1986), consagrados, no caso brasileiro, no texto constitucional. Desta forma, o planejamento, ainda, deve ser compreendido dentro do contexto de legitimao do Estado pela capacidade de realizar objetivos pr-determinados. O fundamento da ideia de planejamento a perseguio de fins que alterem a situao econmica e social vivida naquele momento. uma atuao do Estado voltada essencialmente para o futuro (Mannheim, 1972; Ianni, 1989; Grau, 1978).

    O planejamento, embora tenha contedo tcnico, um processo poltico, especialmente nas sociedades que buscam a transformao das estruturas econ-micas e sociais. Por meio do planejamento, possvel demonstrar a conexo entre estrutura poltica e estrutura econmica, que so interligadas. O planejamento visa transformao ou consolidao de determinada estrutura econmico-social, portanto, de determinada estrutura poltica. O processo de planejamento comea e termina no mbito das relaes polticas, ainda mais em um regime federativo, como o brasileiro, em que o planejamento pressupe um processo de negociao e deciso polticas entre os vrios membros da Federao e setores sociais (Lafer, 1970; Bckenfrde, 1972).

    Seguindo esta concepo poltica do planejamento, Celso Lafer, embora escrevendo na dcada de 1970, pde identificar trs fases no processo de elaborao de um plano: a deciso de planejar, uma deciso poltica; a implementao do plano, tambm um fenmeno essencialmente poltico, relacionado administrao pblica; e o plano em si, nica fase que pode ser analisada sob enfoque tcnico com exame estrito do documento formal (Lafer, 1970). Portanto, o plano no configura mera pea tcnica, mas um documento comprometido com objetivos polticos e ideolgicos.

    Em termos jurdicos, houve um debate em torno dos autores que defenderam a natureza totalmente vinculativa do plano, como os juristas soviticos, entre eles Petko Stainov e Konstantin Katzarov. O motivo desta nfase estava na prpria natureza da Constituio Sovitica, uma constituio balano (como declaravam os textos constitucionais soviticos de 1918, 1936 e 1977) e na importncia da planificao total da economia e da atuao do Gosplan, o rgo sovitico de planificao central da economia (Pollock, 1971; Katzarov, 1960; Grau, 1978).

  • 21Estado, Planejamento e Direito Pblico no Brasil Contemporneo

    Outros autores entendem o plano simplesmente como uma obrigao de natureza poltica, sem qualquer vinculao juridicamente obrigatria para o Poder Pblico. Defendem esta viso alguns juristas franceses, como Grard Farjat e Georges Burdeau (Grau, 1978). Mas h juristas que, corretamente, buscaram vincular juridicamente o plano, tentando compreender sua natureza jurdica, como Jean Rivero, Georges Vedel, Andr de Laubadre, Juan Gallego Anabitarte, Augustn Gordillo, Ernest-Wolfgang Bckenfrde, Joseph Kaiser, Washington Peluso Albino de Souza, Eros Grau e Fbio Konder Comparato (Grau, 1978).

    A discusso sobre a natureza jurdica do plano se tornou muito semelhante discusso clssica da natureza jurdica do oramento. Esses juristas entendem a lei do plano como uma lei em sentido formal, ou seja, uma lei que aprovada pelo Parlamento. Ao mesmo tempo esta lei tem a natureza de uma norma-obje-tivo, ou seja, uma norma que define os fins, as diretrizes, os objetivos a serem alcanados pelo Estado, no os meios que podem ser alterados de acordo com a conjuntura econmica.

    2 A EXPERINCIA DO PLANEJAMENTO NO BRASIL

    A experincia brasileira de planejamento antes da Constituio de 1988 marcada por trs grandes momentos, dos quais apenas um foi uma experincia bem sucedida. Estes momentos so representados pelo Plano de Metas (1956-1961), pelo Plano Trienal (1962-1963) e pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979).

    O Plano de Metas vai ser elaborado a partir das concluses, semelhantes em muitos aspectos, mas com discordncias essenciais, especialmente no tocante abrangncia do planejamento, de dois grupos de estudos reunidos aproximadamente na mesma poca: a Comisso Mista Brasil-Estados Unidos e o Grupo Misto Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico (BNDE) Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (Cepal). A Comisso Mista Brasil-Estados Unidos defen-dia a ideia do planejamento setorial ou seccional. Esta propunha a transformao dos pontos de estrangulamento em pontos de crescimento, mediante investimentos que irradiassem a expanso econmica para o resto do sistema. Desta maneira, o Estado deveria estabelecer prioridades e concentrar as inverses em programas concretos e detalhados, o que seria mais til do que o planejamento global da economia (Hirschman, 1973; Souza, 1994; Bielschowsky, 1995; Sola, 1998), defendido pela Cepal. J o Grupo Misto BNDE-Cepal, comandado por Celso Furtado, preparou um diagnstico global da economia brasileira, com propostas para um programa de desenvolvimento. No entanto, a grande inovao proposta por este grupo, a ideia do planejamento global da economia, no foi implementada (Rangel, 1980; Ianni, 1989; Souza, 1994; Bielschowsky, 1995; Oliveira, 2003).

  • 22 PPA 2012-2015: experimentalismo institucional e resistncia burocrtica

    Apesar de no ter sido propriamente um plano global, o Plano de Metas foi a primeira experincia efetiva de planejamento no Brasil, dando sentido de unidade a todos os projetos e programas setoriais nele previstos. Os rgos responsveis pela formulao e execuo do Plano de Metas foram superpostos ao sistema adminis-trativo tradicional, o que evitou inmeros desgastes polticos, mas contribuiu para a fragmentao da elaborao e implementao de polticas pblicas. Apesar das falhas, deve-se levar em conta a profundidade de seu impacto e seu valor ideol-gico, ao associar, de modo plenamente exitoso, planejamento e desenvolvimento (Lessa, 1983; Lafer, 1970; Rangel, 1980; Ianni, 1989; Souza, 1994; Sola, 1998).3

    A inadequao da mquina administrativa tornou-se patente com o Plano de Metas. A administrao pblica brasileira, composta por uma estrutura ultrapassada, com superposio de competncias e definio de polticas conflitantes, havia chegado ao seu limite. A criao do Conselho do Desenvolvimento e da chamada Administrao Paralela para a implementao do Plano de Metas demonstra a desconexo existente entre a estrutura da administrao pblica brasileira e o planejamento.

    Segundo Carlos Lessa (1983), durante o governo Juscelino Kubitschek foi utilizado o velho aparato estatal com ajustes pragmticos parciais, sem nenhuma redefinio global da estrutura do Estado (Lessa, 1983; Souza, 1994; Draibe, 1985).

    As desconexes presentes no quadro instrumental, assinaladas em seo anterior, acentuadas pelo pragmatismo do Plano de Metas, tendiam naturalmente a se tornar cada vez mais visveis, na medida em que se superava a margem jurdica herdada dos decnios anteriores. Forjou-se, do ponto de vista sociolgico, uma nova estrutura institucional, com a presena do Estado desenvolvimentista, sem as correspondentes mudanas no plano jurdico. Viu-se que este Estado se montou na prtica, quase que margem dos textos legais (Lessa, 1983, p. 140).

    Ainda de acordo com Carlos Lessa, o Plano de Metas foi implementado por meio de uma combinao de fundos financeiros com empresas e autarquias governamentais, combinao esta que s obteve xito porque uma instituio, o BNDE, assumiu o papel de coordenao dos programas governamentais. O BNDE caracterizou-se pela vinculao de recursos pblicos especficos, sob a forma de emprstimos, destinados a investimentos nos setores estratgicos da economia nacional. Alm disto, compatibilizou e aprimorou as decises e a execuo dos vrios programas setoriais do Plano de Metas. Administrativamente, o BNDE foi sobreposto estrutura administrativa existente para contornar vetos e barganhas polticas com o Congresso (Lessa, 1983; Venncio Filho, 1968; Souza, 1994; Sola, 1998).

    3. Sobre a implementao e os resultados do Plano de Metas, vide Lessa (1983, p. 34-55); Lafer (1970, p. 160-210); Nunes (1990, p. 191-210).

  • 23Estado, Planejamento e Direito Pblico no Brasil Contemporneo

    A preocupao com o planejamento fez o governo Juscelino Kubitschek criar, logo no seu incio, o Conselho do Desenvolvimento pelo Decreto no 38.744, de 1o de fevereiro de 1956. O Conselho tinha a funo de elaborar, executar, coorde-nar e acompanhar a implementao do Plano de Metas, abrangendo a utilizao de praticamente todos os instrumentos de poltica econmica. Seu propsito era constituir-se no formulador e coordenador da poltica econmica nacional, especial-mente no tocante ao planejamento. No entanto, o Conselho do Desenvolvimento nunca conseguiu cumprir este objetivo, embora tenha obtido enorme sucesso na elaborao de programas setoriais especficos e no acompanhamento da execuo do Plano de Metas (Lessa, 1983; Souza, 1994; Lafer, 1970).

    Outra experincia de grande impacto simblico foi o Plano Trienal, do governo Joo Goulart. O Plano Trienal, elaborado em 1962 por Celso Furtado, pode ser considerado como o primeiro instrumento de orientao da poltica econmica global at ento formulado, com sua proposta de reformas econmicas e de reformas de base. O Plano Trienal ressaltou as barreiras ao desenvolvimento e indicou como super-las. Segundo Octvio Ianni (1989), foi a sntese mais completa de todas as ambies da poltica econmica do Estado no Brasil. A sua inteno era a de completar a converso da economia colonial em economia nacional, com a tomada dos centros de deciso essenciais ao progresso autnomo pelo Estado brasileiro.

    Para o presidente Joo Goulart, o plano serviria como um aglutinador poltico, deveria mobilizar setores estratgicos, obtendo, assim, credibilidade para o seu governo. As resistncias sofridas dentro e fora do governo acabaram por auxiliar a minar a sua eficcia como instrumento geral de planejamento e guia da poltica econmica. A oposio de poderosas foras polticas, conjugada com o momento de instabilidade pelo qual passava o pas, selou a no aplicao do Plano Trienal. Ainda segundo Octvio Ianni (1989), deixou de ser posto em prtica um dos ins-trumentos mais eficazes na constituio do que poderia ser um capitalismo nacional.

    A ltima experincia marcante deu-se no perodo da ditadura militar. O regime jurdico do planejamento, institudo pelo Ato Complementar no 43, de 29 de janeiro de 1969 (com as modificaes introduzidas pelo Ato Complementar no 76, de 21 de outubro de 1969, e pelo Decreto no 71.353, de 9 de novembro de 1972) concebia o plano como o programa de um determinado governo, tanto que a durao do Plano Nacional de Desenvolvimento era igual do mandato do Presidente da Repblica (Artigo 1o do Ato Complementar no 43, com redao modificada pelo Ato Complementar no 76).

    O objetivo central era assegurar o crescimento econmico acelerado, e a partir da os planos nacionais de desenvolvimento foram totalmente impostos pelo Governo Central, desprezando-se a participao e a colaborao dos entes federados. Por sua vez, o Congresso Nacional tinha um papel passivo, pois no

  • 24 PPA 2012-2015: experimentalismo institucional e resistncia burocrtica

    podia votar propostas de planos que no fossem enviadas pelo Poder Executivo, alm de ter seu poder de emenda restringido. O Congresso tinha competncia apenas para formular ressalvas ao plano, que poderiam ser acatadas ou no pelo Executivo, conforme o Artigo 2o do Ato Complementar no 43, sob a alegao de que poderia comprometer o conjunto do plano. Como ltima restrio, passados noventa dias do envio do plano ao Congresso, o plano poderia ser aprovado por decurso de prazo (Grau, 1978; Souza, 1996; Comparato, 1986). Seguindo estes procedimentos, os militares elaboraram dois Planos Nacionais de Desenvolvimento: o I PND, aprovado pela Lei no 5.727, de 4 de novembro de 1971, para o perodo de 1972 a 1974, e o II PND, aprovado pela Lei no 6.151, de 4 de dezembro de 1974, para o perodo de 1975 a 1979.

    O II PND foi um amplo programa de investimentos estatais, com o objetivo de transformar a estrutura produtiva brasileira e superar a barreira do subde-senvolvimento. Buscou-se um novo padro de industrializao, fortalecendo as indstrias de base e o capital nacional, alm de investimentos nas reas de energia e transportes (Lessa, 1998). A distribuio de renda e os problemas sociais, no entanto, foram relegados a segundo plano, com a alegao oficial do regime de que, com o crescimento econmico, a renda da populao aumentaria (Lessa, 1998).

    O II PND desconsiderou, no entanto, a reverso do ciclo de crescimento econmico, o recrudescimento da inflao e as dificuldades externas. O resultado foi o recurso extremo ao financiamento externo, a desacelerao da economia e a desarticulao do plano a partir de 1977, com a crise econmica mundial. De acordo com Carlos Lessa, a estratgia do II PND estava baseada apenas na vontade de seus formuladores em transformar o Brasil em uma potncia emergente, buscando legitimar o regime ditatorial. O resultado da tentativa de implantao do plano de qualquer modo em uma conjuntura econmica desfavorvel, no entanto, foi o incio do descolamento do regime militar de suas bases empresariais de sustentao e a perda do controle sobre os agentes econmicos (Lessa, 1998, p. 11-13, 17-18, 58-60, 77-86; Carneiro, 2002, p. 55-82). O insucesso do II PND marcou a ltima experincia de planejamento ocorrida no Brasil.

    Alm do fracasso do II PND, deixou de existir um regime jurdico do planejamento a partir de 1 de janeiro de 1979, de acordo com a Emenda no 11, de 13 de outubro de 1978, Carta de 1969, que revogou os atos institucionais e complementares, entre os quais o Ato Complementar no 43 (Souza, 1994). Durante a dcada de 1980, o planejamento foi abandonado pelo Estado. A atuao estatal desde ento ficou desprovida de uma diretriz global para o desenvolvimento nacional, a poltica econmica limitou-se gesto de curtssimo prazo dos vrios planos de estabilizao econmica. Deste modo, o Poder Pblico foi incapaz

  • 25Estado, Planejamento e Direito Pblico no Brasil Contemporneo

    de implementar polticas pblicas coerentes, com superposio e implementao apenas parcial de diversos planos ao mesmo tempo (Affonso, 1990).

    Apesar da crise, na Constituio de 1988 foi prevista a obrigao da funo de planejamento para o Estado em seu Artigo 174, caput: Como agente normativo e regulador da atividade econmica, o Estado exercer, na forma da lei, as funes de fiscalizao, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor pblico e indicativo para o setor privado. O Estado brasileiro, portanto, no pode se limitar a fiscalizar e incentivar os agentes econmicos privados, deve tambm planejar (Grau, 2003).

    O modelo de planejamento previsto na Constituio de 1988 visa instituio de um sistema de planejamento com grande participao do Poder Legislativo, nvel elevado de compatibilidade entre plano e oramento, e sua subordinao aos objetivos fundamentais da Repblica, expressos, por exemplo, no Artigo 3o do texto constitucional.4 Na Constituio esto estipuladas as bases para um pla-nejamento democrtico, com aumento da transparncia e controle sobre o gasto pblico, ao exigir coerncia entre o gasto anual do governo e o planejamento de mdio e longo prazos.

    A grande dificuldade situa-se na falta de vontade e/ou condio poltica para implementar novamente o planejamento estatal (Biasoto Junior, 1995; Affonso, 1990). Esta falta de vontade e/ou condio poltica em planejar patente no des-cumprimento da determinao constitucional de estabelecimento de uma legislao sistemtica do planejamento, conforme o Artigo 174, 1o,5 que, at hoje, no foi elaborada de maneira adequada. Ou seja, desde 1979, com a revogao dos atos institucionais e complementares, o Brasil no possui nenhuma lei que regule o planejamento nacional.

    A Lei no 10.180, de 06 de fevereiro de 2001, embora pretenda organizar sob a forma de sistema as atividades de planejamento, no institui um verdadeiro Sistema Nacional de Planejamento, nos termos do Artigo 174, 1o da Constituio de 1988. Esta lei, em seu Artigo 2o, simplesmente repete as competncias constitucionais da Unio de elaborar os planos nacionais e regionais de ordenao do territrio e de desenvolvimento econmico e social (Artigos 21, IX, 23, 43, 48, II e IV e 165 da Constituio de 1988). As demais disposies tratam da administrao financeira, da contabilidade, do oramento e do controle interno do Poder Executivo Federal.

    Como se pode perceber, h muita distncia de uma legislao sobre a institui-o e funcionamento de um Sistema Nacional de Planejamento. Juntamente a esta

    4. Sobre as questes suscitadas pelo planejamento nas relaes entre governo e parlamento (primado do poltico ou primado da administrao, por exemplo) na Alemanha, vide Bckenfrde (1972, p. 443-458) e Grimm (1994, p. 355-361).5. Artigo 174, 1o da Constituio de 1988: A lei estabelecer as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvi-mento nacional equilibrado, o qual incorporar e compatibilizar os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.

  • 26 PPA 2012-2015: experimentalismo institucional e resistncia burocrtica

    falta de vontade e/ou condio poltica, pode-se, ainda, elencar alguns obstculos estruturais ao planejamento na atual conjuntura histrica: a estrutura administrativa brasileira, agravada com a reforma administrativa dos anos 1990, e a reduo do planejamento ao oramento.

    3 OS OBSTCULOS AO PLANEJAMENTO I: A ESTRUTURA ADMINISTRATIVA

    As formas clssicas do direito administrativo, muitas vezes, so insuficientes para as necessidades prestacionistas do Estado Social. A administrao pblica brasileira est bem longe das exigncias do desenvolvimento. Sua organizao tradicional, com modificaes, geralmente, realizadas de maneira improvisada, mas sem uma transformao fundamental para que o Estado pudesse promover o desenvolvi-mento. A administrao pblica e o direito administrativo esto voltados para o modelo liberal de proteo dos direitos individuais em face do Estado, no para a implementao dos princpios e polticas consagrados na Constituio de 1988.

    O Estado, de acordo com Eduardo Garca de Enterra e Toms-Ramn Fernndez (2011), uma pessoa jurdica nica que realiza mltiplas funes.6 A administrao pblica, consequentemente, deve atuar de modo harmnico, a partir da definio de competncias no texto constitucional e na legislao ordinria. Deste modo, so atribudas aos vrios rgos administrativos competncias especficas, tanto aos integrantes da Administrao Direta quanto aos da Administrao Indireta.

    No plano administrativo, no entanto, a estrutura do Estado brasileiro no nem um pouco unificada e coesa. As divises internas da administrao pblica constituem um srio entrave ao sucesso de uma poltica de desenvolvimento. Cada rgo administrativo representante de interesses polticos distintos, com foras relativas diferenciadas a cada momento. Deste modo, patente, a incapa-cidade dos tcnicos e burocratas estabelecerem a partir da administrao pblica a unidade das polticas econmicas e sociais do Estado.

    Esta unidade de direo determinada pelas foras polticas que sustentam, em um equilbrio instvel, a Presidncia da Repblica. a partir da Presidncia que se supera, minimamente, a fragmentao interna da mquina administrativa, mobilizando-se, ao seu redor, setores tcnicos e burocrticos capazes de dar um sentido atuao estatal. No entanto, mesmo com uma Presidncia forte, como a brasileira, a falta de um rgo planejador e coordenador com poderes efetivos faz com que se perpetuem os conflitos polticos no interior do Estado. Estes confli-tos, embora nem sempre atrapalhem os objetivos das polticas nacionais, sempre conseguem comprometer o ritmo e as escolhas politicamente possveis, a cada

    6. Vrios autores destacam a chamada administrao policntrica (Otero, 2003, p. 148-150, 315-317). Massimo Severo Giannini vai alm e descreveu a desagregao da administrao pblica, entendendo o Estado como um ente administrativo complexo sem centro (Giannini, 2001, p. 78-87).

  • 27Estado, Planejamento e Direito Pblico no Brasil Contemporneo

    momento, das polticas de desenvolvimento, impedindo uma ao coordenada por parte do Poder Pblico (Draibe, 1985).

    E este formato tradicional da Administrao brasileira gerou um dos maiores obstculos a uma estrutura administrativa voltada para o desenvolvimento, que o mito da neutralidade da administrao pblica. Ou seja, a esta entendida como uma organizao apoltica, simplesmente tcnica. O Governo poltico, no a Administrao, gerando um excesso de formalismo sem sentido, em prejuzo da definio e execuo do interesse pblico

    Segundo Nelson Mello e Souza (1994), um dos problemas da compatibili-zao da administrao pblica com o planejamento seria a confuso feita entre plano e planejamento. O planejamento o processo, e o plano a concretizao. A insistncia na elaborao de planos que no so cumpridos deve-se concepo de que o planejamento s se viabiliza com planos determinados, quantificados minuciosamente. Para Nelson Mello e Souza, o planejamento o processo racional de formular decises de poltica econmica e social, cuja exigncia a atuao estatal harmnica e integrada para alcanar fins explcitos, mas no necessariamente quantificados. Seria o planejamento sem plano, que permitiria a instrumentaliza-o coerente das polticas pblicas pela mquina administrativa do Estado (Souza, 1994; Bckenfrde, 1972).

    Toda esta situao agravou-se com a chamada Reforma do Estado dos anos 1990. A regulao da economia (Chang, 1997; Eisner, 2000) virou o tema da moda, com seus defensores se apressando em proclamar um novo direito pblico da economia, em sintonia com as reformas microeconmicas estruturadas a partir do Consenso de Washington (Williamson, 1990). Os objetivos da Reforma Gerencial, segundo um de seus formuladores, o ex-Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, so aumentar a eficincia e a eficcia dos rgos estatais, melhorar a qualidade das decises estratgicas do governo e orientar a Administrao para o cidado-usurio (ou cidado-cliente). A lgica da atuao da administrao pblica deixaria de ser o controle de procedimentos (ou de meios) para ser pautada pelo controle de resultados, buscando a mxima eficincia possvel. Para tanto, um dos pontos-chave da Reforma atribuir ao Administrador Pblico parte da autonomia de que goza o administrador privado, com a criao de rgos independentes (as agncias) da estrutura administrativa tradicional, formados por critrios tcnicos no polticos (Bresser-Pereira, 2002).

    Com a Reforma do Estado, criaram-se duas reas distintas de atuao para o Poder Pblico: de um lado, a administrao pblica centralizada, que formula e planeja as polticas pblicas. De outro, os rgos reguladores (as agncias), que regulam e fiscalizam a prestao dos servios pblicos. Uma das consequncias desta concepo a defesa de que a nica, ou a principal, tarefa do Estado o

  • 28 PPA 2012-2015: experimentalismo institucional e resistncia burocrtica

    controle do funcionamento do mercado (Bresser-Pereira, 2002; Leisner, 2007). Isto contraria o prprio fundamento das polticas pblicas, que a necessidade de concretizao de direitos por meio de prestaes positivas do Estado, ou seja, por meio dos servios pblicos.

    Poltica pblica e servio pblico esto interligados, no podem ser separados, sob pena de serem esvaziados de seu significado. Este modelo de Estado que atua apenas no sentido de garantir a concorrncia e o livre jogo das foras de mercado, abstendo-se da maior parte das polticas pblicas de natureza econmica e social, ficou conhecido no debate europeu como Estado-garantidor (em alemo Gewhrleistungsstaat) (Knauff, 2004; Schuppert, 2005).

    O repasse de atividades estatais para a iniciativa privada visto por muitos autores como uma republicizao do Estado, partindo do pressuposto de que o pblico no , necessariamente, estatal (Bresser-Pereira, 2002). Esta viso est ligada chamada teoria da captura, que entende to ou mais perniciosas que as falhas de mercado (market failures) e as falhas de governo (government failures) provenientes da cooptao do Estado e dos rgos reguladores para fins privados. No Brasil, esta ideia particularmente forte no discurso que buscou legitimar a privatizao das empresas estatais e a criao das agncias. As empresas estatais foram descritas como focos privilegiados de poder e a sua privatizao tornaria pblico o Estado, alm da criao de agncias reguladoras independentes, rgos tcnicos, neutros, livres da ingerncia poltica na sua conduo (Bresser-Pereira, 2002).

    A neutralidade e a tcnica tornaram-se, portanto, fortes argumentos dos defensores das reformas regulatrias, reduzindo o espao decisrio reservado poltica e buscando limitar as atividades estatais a um mnimo. Segundo Michaela Manetti (1994), o fenmeno dos poderes neutros (como as agncias) ocorre especialmente em momentos de crise da poltica, quando diminui a percepo da racionalidade da atuao dos poderes pblicos. Estes poderes neutros tm por caracterstica marcante o fato de no desenvolverem atividades produtivas, mas regularem e controlarem estas atividades. Na realidade, o que ocorre a indepen-dncia da tecnocracia de qualquer forma de controle, justificando isto por sua neutralidade ou imparcialidade. Um crculo restrito de tcnicos captura, desta forma, boa parte da estrutura administrativa. Os rgos pblicos institudos para assegurar a interveno do Estado na esfera econmica tm sua instrumentalidade negada, paradoxalmente, pelos seus prprios dirigentes. A pretenso do argumento da neutralidade a de orientar as escolhas coletivas a partir de clculos de uti-lidade que os indivduos fariam tendo em vista seus prprios interesses, como se no existissem valores sociais, fazendo prevalecer os interesses de mercado sobre a poltica democrtica.

  • 29Estado, Planejamento e Direito Pblico no Brasil Contemporneo

    Nesse contexto, ganha inusitada importncia a famosa anlise custo-benefcio, ultimamente to em voga, ou a interpretao do princpio da eficincia, ou seja, a adequao entre meios e fins, exclusivamente como eficincia econmica, como se a racionalidade de atuao do Estado devesse ser a mesma que a dos agentes econmicos privados no mercado (Leisner, 1994; Leisner, 2007).

    A negao ou a crtica racionalidade da poltica, no entanto, no pode obscurecer o fato de que as decises dos tcnicos so to discutveis quanto as dos polticos. Como ressalta Manetti (1994), para alm de suas competncias especficas, os pressupostos e as valoraes de fundo destes tcnicos continuam subjetivos, embora possam estar formalmente de acordo com o meio ao qual os tcnicos esto vinculados. O rgo tcnico ou neutro , deste modo, um instrumento de representao de grupos restritos de especialistas, cujo espao e importncia foram ampliados custa da esfera democrtica.

    possvel concluir que a chamada Reforma do Estado da dcada de 1990 no reformou, de fato, o Estado brasileiro. Afinal, as agncias independentes, que na realidade no so independentes (Sunstein, 1999), foram simplesmente acrescidas estrutura administrativa brasileira, no modificaram a administrao pblica, ainda configurada pelo Decreto-lei no 200/1967. Essas apenas deram uma aura de modernidade ao tradicional patrimonialismo que caracteriza o Estado nacional. Walter Leisner (2007), por exemplo, enfatiza como ponto central das reformas do Estado dos anos 1990 o objetivo de, finalmente, conseguir a despolitizao do direito, retirando, assim, as decises jurdicas (e polticas e econmicas) das mos dos polticos, devolvendo-as aos cidados.

    Pode-se perceber, portanto, que a reforma regulatria consiste em uma nova forma de captura do fundo pblico, ou seja, a nova regulao nada mais do que um novo patrimonialismo (Massonetto, 2003), com o agravante de se promover a retirada de extensos setores da economia do debate pblico e democrtico no Parlamento e do poder decisrio dos representantes eleitos do povo.

    A fragmentao da administrao pblica se tornou muito mais acentuada com a chamada Reforma do Estado dos anos 1990. Para todo setor de atuao eminentemente pblica criou-se uma vlvula de escape, uma exceo, privilegiando solues margem do direito pblico, quando no margem da prpria legali-dade. Um exemplo a criao de fundaes estatais de direito privado (Projeto de Lei Complementar no 92/2007). A justificativa promover uma gesto dos servios pblicos de sade de forma mais eficiente. Esta proposta demonstra, mais uma vez, a tentativa reiterada de criao de estruturas que visam burlar os princpios do regime jurdico de direito administrativo, especialmente os relativos ao controle da atuao destes novos rgos. O que se costuma esquecer o fato de que, dependendo do servio prestado, o regime jurdico de direito privado

  • 30 PPA 2012-2015: experimentalismo institucional e resistncia burocrtica

    torna-se constitucionalmente invivel. No caso dos servios pblicos de assistncia sade, servios pblicos propriamente ditos (Artigos 198 e 199 da Constituio de 1988), no h possibilidade de utilizao do regime jurdico de direito privado (Weichert, 2009).

    Em um Estado dotado de uma estrutura administrativa desestruturada neste grau, planejar uma tarefa praticamente impossvel. A sobreposio de competn-cias e de regimes jurdicos distintos, os vrios sistemas setoriais de planejamento (poltica de sade, de educao fundamental, de assistncia social etc.), a atuao das empresas estatais remanescentes (Petrobrs, BNDES, Banco do Brasil) e o fracasso das agncias, isto sem entrarmos nas questes de desarticulao federativa, criaram um verdadeiro Estado esquizofrnico no Brasil, com uma atuao marcada muitas vezes pelo desperdcio de recursos pblicos e pela absoluta falta de diretrizes de mdio e longo prazos.

    No bastassem esses problemas de estrutura administrativa e de conduo poltica, ainda h outro obstculo ao planejamento no Brasil: a questo da reduo do planejamento ao oramento.

    4 OS OBSTCULOS AO PLANEJAMENTO II: A REDUO DO PLANEJAMENTO AO ORAMENTO

    A atividade do planejamento est tanto prevista na Constituio (Artigo 174) como submetida ao princpio da legalidade. a condio do plano enquanto lei, debatida e aprovada pelos representantes do povo, que d o carter democrtico ao planejamento (Grau, 1978). Alm disto, os governantes devem atuar obedecendo hierarquia de prioridades e recursos fixada no plano, que, obviamente, pode ser adaptado s novas circunstncias, servindo, assim, como orientao e coordena-o efetiva da poltica governamental, evitando o desvio de poder e o privilgio de interesses particulares na Administrao. Deste modo, o planejamento uma possibilidade de controlar a atuao do Estado, pois deve definir a direo e o ritmo que este ir tomar (Draibe, 1985).

    A grande questo a da vinculao do Poder Pblico ao planejamento por ele realizado. A doutrina consagrou a ideia de que o planejamento impositivo para o Poder Pblico e indicativo para o setor privado (GRAU, 1978),7 princpio hoje positivado no caput do Artigo 174 da Constituio de 1988. Em relao ao setor pblico, o principal modo de controle da atividade planejadora a necessidade de integrao entre plano e oramento, que , segundo Eros Grau (1978), um dado positivo do sistema brasileiro de planejamento. A realizao do plano depende de

    7. O planejamento indicativo para o setor privado, mas no a atividade normativa e reguladora do Estado, previstas no mesmo Artigo 174, caput da Constituio. Alis, no haveria nenhum cabimento na emanao de normas por parte do Estado que tambm no se aplicassem aos agentes privados. Neste sentido, vide Comparato (1991, p. 20).

  • 31Estado, Planejamento e Direito Pblico no Brasil Contemporneo

    sua previso oramentria, ainda que parcial. A implementao dos planos d-se por meio da realizao dos investimentos pblicos que devem estar explicitados nos oramentos, executando de modo imediato ou em curto prazo os objetivos de mdio e longo prazos contidos nos planos.

    Por isso, a preocupao do constituinte de 1987-1988 foi a de modernizar os instrumentos oramentrios, buscando a integrao entre planejamento e oramento a mdio e longo prazos (Biasoto Junior, 1995). Para tanto, a Constituio de 1988 prev trs leis oramentrias: o plano plurianual (PPA), as diretrizes oramentrias e o oramento anual, que devem estar integradas entre si e compatibilizadas com o planejamento global (de acordo com o Artigo 165, 4o).

    O PPA, introduzido pelos Artigos 165, I e 165, 1o da Constituio de 1988, tem por fundamento o encadeamento entre as aes anuais de governo (previstas no oramento anual) com um horizonte de tempo maior, necessrio para um planejamento efetivo. O problema do plano plurianual a sua viabilidade, tendo em vista a inexistncia de preocupao com o planejamento por parte dos governos ps-1988. Alm disto, as suas relaes com os outros planos previstos na Constituio no esto claras, apesar do Artigo 165, 4o determinar a sua compatibilizao com os demais planos nacionais, regionais e setoriais do texto constitucional (Biasoto Junior, 1995).

    A tendncia notria em relao integrao do planejamento ao oramento a reduo do plano ao oramento. Os instrumentos de controle oramentrio do planejamento previstos na Constituio favoreceram a limitao do planejamento ao oramento por meio dos planos plurianuais, cujos exemplos so o Plano Brasil em Ao, do governo Fernando Henrique Cardoso, e os PPAs dos governos de Lus Incio Lula da Silva e de Dilma Rousseff.

    Esses planos se assemelham, estruturalmente, s primeiras experincias de planificao dos gastos estatais no Brasil, desenvolvidas pelo Departamento Admi-nistrativo do Servio Pblico (DASP) durante o Estado Novo (1937-1945), quais sejam: o Plano Especial de Obras Pblicas e Aparelhamento da Defesa Nacional (1939) e o Plano de Obras e Equipamentos (1943). Na concepo destes planos, o oramento era o plano traduzido em dinheiro. Ambos foram limitados proposta oramentria, sem garantir, efetivamente, os recursos para sua execuo e sem fixar objetivos para a atuao do Estado. O plano foi reduzido a disciplinar as inverses pblicas, estabelecendo as dotaes a serem distribudas pelos vrios ministrios (Souza, 1994; Draibe, 1985). O mesmo princpio foi seguido pelo Plano Sade, Alimentao, Transportes e Energia (Salte), no governo de Eurico Gaspar Dutra (1946-1951) e hoje foi retomado pelo Brasil em Ao e pelos PPAs.

    A Lei no 10.180/2001 tem este mesmo entendimento, privilegiando o processo oramentrio em detrimento do planejamento, entendido apenas como uma forma

  • 32 PPA 2012-2015: experimentalismo institucional e resistncia burocrtica

    de elaborar metas e diretrizes a serem incorporadas no projeto de lei do plano plurianual e nas metas e prioridades da Administrao Federal a serem integradas no projeto de lei de diretrizes oramentrias (Artigo 7o da Lei no 10.180/2001). A lgica do planejamento reduzida lgica oramentria de disputa, previso, alocao e implementao de gastos pblicos.

    O planejamento no pode ser reduzido ao oramento por um motivo muito simples: porque perde sua principal caracterstica, a de fixar diretrizes para a atuao do Estado. Diretrizes estas que servem tambm de orientao para os investimen-tos do setor privado. O PPA uma simples previso de gastos, que pode ocorrer ou no, sem qualquer rgo de controle da sua execuo e garantia nenhuma de efetividade. A reduo do plano ao oramento apenas uma forma de coordenar mais racionalmente os gastos pblicos, no um verdadeiro planejamento, voltado ao desenvolvimento, ou seja, transformao das estruturas socioeconmicas do pas.

    Esta limitao da atividade planejadora exclusivamente s dotaes oramen-trias agravada pelas restries impostas, recentemente, atuao do Estado em todos os nveis pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).8 Independentemente do mrito de buscar o controle dos gastos pblicos, impedindo o seu desperdcio, esta lei, visivelmente, impe uma poltica de equilbrio oramentrio a todos os entes da Federao. A nica poltica pblica possvel passa a ser a de controle da gesto fiscal.

    A Constituio no contempla o princpio do equilbrio oramentrio. E no o contempla para no inviabilizar a promoo do desenvolvimento, objetivo da Repblica fixado no seu Artigo 3o, II. A implementao de polticas pblicas exige, s vezes, a conteno de despesas; outras vezes, gera deficit oramentrios. No se pode restringir a atuao do Estado exclusivamente para a obteno de um oramento equilibrado, nos moldes liberais, inclusive em detrimento de investi-mentos na rea social, que o que faz a LRF.

    5 CONSIDERAES FINAIS: A CRISE DO ESTADO BRASILEIRO E A CRISE DO PLANEJAMENTO

    A questo da no retomada do planejamento no Brasil, no entanto, vai alm dos obstculos estruturais acima mencionados. Ela est ligada crise do Estado brasileiro. Sem se repensar o Estado brasileiro, sua reestruturao e quais devem ser os seus objetivos, no h como pensar em planejamento.

    A Constituio de 1988 tentou estabelecer as bases de um projeto nacio-nal de desenvolvimento. No entanto, a falta de consenso em torno da prpria Constituio impede que se implemente, a partir das bases constitucionais, um

    8. Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000.

  • 33Estado, Planejamento e Direito Pblico no Brasil Contemporneo

    projeto nacional de desenvolvimento. Sem o mnimo consenso constitucional, sem compreender o Estado brasileiro em toda sua especificidade de Estado perifrico (e isto se reveste de maior importncia no caso do Brasil, pois toda reflexo sobre a poltica de desenvolvimento exige que se refira ao Estado) e sem sair do impasse atual, no h como pensar em planejamento.

    A crise do planejamento no Brasil, apesar da Constituio de 1988, s ser superada com a reestruturao (para no dizer a restaurao) do Estado brasileiro, no contexto do to necessrio e adiado projeto nacional de desenvolvimento. Esta reflexo sobre o Estado ainda mais fundamental se for levada em considerao a afirmao do historiador alemo Reinhart Koselleck (2000), de que uma das principais caractersticas do Estado moderno em seu processo de formao foi a de se arrogar o monoplio da dominao do futuro. Um Estado que abre mo de planejar o futuro, desta forma, abre mo de uma das caractersticas fundamentais da sua prpria estatalidade e razo de existncia.

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  • CAPTULO 2

    ESTADO, PLANEJAMENTO E GESTO PBLICA NO BRASIL CONTEMPORNEO1

    Francisco Fonseca2

    1 INTRODUO

    O planejamento governamental, vigente em diversos formatos entre os anos 1930 e 1990, teve um perodo de interregno durante os governos Collor e Fernando Henrique Cardoso (FHC), em que a lgica do mercado se sobreps ao planejamento e gesto do Estado. Nesse contexto, polticas pblicas como aes finalsticas do Estado foram delegadas chamada sociedade civil e intentou-se reforma (do Estado) em uma perspectiva gerencial, por sua vez confluente aos ventos neoliberais de ento. O planejamento foi deixado de lado, uma vez que os capitais, sobretudo o internacional, deveriam ser os protagonistas do desenvolvimento, de acordo com os dirigentes da poca. Ao Estado caberia possibilitar o adequado ambiente de negcios, tendo em vista, alm do mais, a diviso internacional do trabalho em perspectiva mundial, que tornaria obsoleta a luta pela insero soberana no cenrio da intitulada globalizao.

    Nesse contexto, as prticas governamentais e o debate acadmico contempo-rneo tm sido marcados pela predominncia e pela difuso de um conceito amplo, fugidio e pouco fundamentado: polticas pblicas, conceito este que sintetiza tanto a dimenso meio (a gesto) como a dimenso fim do Estado, justamente as polticas pblicas como resposta s demandas contraditrias da sociedade. Interpretada teoricamente de vrias maneiras, por vezes contrastantes, e por isso percebida e apropriada social e politicamente com sentidos (e expectativas) distintos, o conceito de polticas pblicas necessita de reflexo crtica para que se saiba, de fato, do que se est falando e qual seu papel e impacto na sociedade.

    1. Este captulo corresponde verso ligeiramente modificada do artigo Estado, planejamento e gesto pblica, apresen-tado no XVIII Congresso Internacional sobre Reforma do Estado e da Administrao Pblica do Centro Latino-americano de Administrao para o Desenvolvimento (Clad), em Montevidu, no Uruguai, entre os dias 29 de outubro e 1 de novembro de 2013. rea temtica cinco: Derecho pblico y garantas jurdicas en la administracin pblica. Painel: Estado, planejamento e desenvolvimento: a experincia brasileira recente e possibilidades a futuro.2. Professor do Programa de ps-Graduao em Administrao Pblica e Governo da Escola de Administrao de Empresas de So Paulo (EASP) da Fundao Getulio Vargas (FGV).Mestre em Cincia Poltica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e doutor em Histria pela Universidade de So Paulo (USP). O autor agradece os comentrios e sugestes dos colegas Eugnio Santos analista em Planejamento, Oramento e Gesto na Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratgicos (SPI) do Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto (MP) , e Jos Celso Cardoso Jr. tcnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea , isentando-os pelos erros e omisses remanescentes.

  • 38 PPA 2012-2015: experimentalismo institucional e resistncia burocrtica

    Deve-se ressaltar que a difuso sem critrio dessa expresso torna toda e qualquer ao governamental, incluindo as atividades elementares dos governos, associada existncia daquilo que se chama, genericamente, de poltica pblica. Mesmo em termos tericos, uma definio clssica e genrica (como, por exemplo, o governo em ao), mais confunde do que esclarece acerca de seu significado preciso. Afinal, o Estado e, no interior deste, o governo, pode entrar em ao de forma reativa, sem planejamento, e mesmo sem oramento e sem recursos huma-nos, uma vez que os motores das aes governamentais ocorrem por diferentes demandas, razes e circunstncias. Trata-se, portanto, de um processo complexo, multicausal e multidirecional. Alm disso, as polticas e os programas governa-mentais, genericamente intitulados polticas pblicas, inscrevem-se nos stios dos governos e so tidas pela percepo pblica do cidado comum como naturais. Nesse sentido, seriam destitudas de conflitos e vetos, uma vez incrustadas no planejamento governamental e na gesto pblica.

    Tendo como fio condutor o conceito de polticas pblicas como sntese, reitere-se, do planejamento e da gesto , este captulo objetiva refletir criticamente sobre o Estado, o planejamento e a gesto pblica, a partir dos seguintes aspectos: i) as armadilhas de no se ressaltar os conflitos, que so o cerne da lgica do Estado, notadamente quando no interior deste se formulam polticas pblicas; ii) os alcances e os limites das polticas pblicas perante o modelo de acumulao vigente, portanto, luz da lgica do Estado, do planejamento e da gesto; iii) os constrangimentos conferidos pelo sistema poltico ao planejamento, gesto da burocracia e formu-lao e implementao de polticas pblicas; iv) o papel da mdia como ator poltico e ideolgico, notadamente quanto aos vetos que os rgos de comunicao interpem a determinadas polticas pblicas; v) questes conjunturais relativas ao debate poltico em que as polticas pblicas no contexto do planejamento estatal aparecem como protagonistas; vi) as transformaes que vm ocorrendo na gesto pblica brasileira; e, por fim, vii) a predominncia da lgica individualista (notadamente do capital) sobre os direitos coletivos, isto , da sociedade.

    Portanto, este captulo pretende analisar diversos temas, problemas e questes relacionados s polticas pblicas como elemento-sntese dos mbitos meio (gesto) e fim (resposta a demandas diversas e contraditrias) do Estado, partindo-se, alm do mais, do pressuposto de que o planejamento est presente em diversas etapas da vida estatal, excetuando-se o aludido interregno do perodo Collor-FHC. Para tanto, este estudo adota carter ensastico, alm de representar a tentativa de ir alm do enquadramento predominante quando se reflete sobre o Estado, em que as polticas pblicas no aparecem como sntese das polifnicas contradies sociais.

  • 39Estado, Planejamento e Gesto Pblica no Brasil Contemporneo

    2 OCULTAO E NEGAO DOS CONFLITOS: ARMADILHAS COMPREENSO DO ESTADO E DAS POLTICAS PBLICAS

    A expresso polticas pblicas tornou-se de domnio comum nos ltimos anos, sendo frequente nos discursos eleitorais e governamentais, no debate pblico, na academia e nas organizaes politicamente organizadas da sociedade. Definidas de forma minimalista como o governo em ao, s se viabilizam se houver um projeto definido e a mobilizao de recursos oramentrios, humanos, informa-cionais, legais e logsticos, entre outros.

    Tal profuso de espaos em que invocada (Souza, 2006), faz dessa expresso algo com aparncia neutra e consensual, supostamente voltada ao bem pblico e ao bem-estar social. Aparentemente, ningum discordaria de programas das mais variadas ordens cujos objetivos seriam minorar e/ou resolver problemas que afetam um grande nmero de pessoas e, consequentemente, o prprio pas.

    Pois bem, essa imagem generosa das polticas pblicas, em que todos ganham e ningum perde ou delas discorda a referida naturalizao , no apenas falsa, como representa verdadeira armadilha compreenso de seu significado, na medida em que encobre conflitos e disputas de poder.

    O pensamento conservador, representante de majoritrios estratos mdios e superiores da sociedade brasileira, largamente expresso pela grande mdia, tende a se aproveitar desses supostos consensos como forma de imprimir aberta ou sorrateiramente suas demandas estratgicas ao prprio Estado.

    Alm disso, no chamado ciclo das polticas pblicas agenda, formulao, implementao e avaliao , cada etapa permite intervenes distintas dos grupos que se sentem, real ou imaginariamente, atingidos. Isso implica na adoo de vetos, que se do de formas distintas, dependendo da correlao de foras e dos recursos de poder disponveis aos atores em disputa.

    Em outras palavras, no mundo real da poltica, as polticas pblicas expressam uma infindvel teia de interesses, que congregam desde a capacidade tcnica de elaborar e implementar um dado programa, as contendas oramentrias, at as combinaes e recombinaes de interesses em cada etapa do ciclo.3 A imagem e a percepo do cidado comum sobre um determinado projeto, e mesmo sobre um determinado governo , portanto, resultado desse complexo processo, mas que tem na mdia fortemente conservadora e oligopolizada, como ser visto adiante , um ator fundamental em razo de sua capacidade de intermediar relaes sociais, aproveitando-se da zona cinzenta que orbita entre interesses privados, que ela representa, e a esfera pblica, que intenta representar sua maneira.

    3. Mesmo que o enquadramento em forma de ciclo, na anlise das polticas pblicas, seja questionvel, possvel compreender que em cada etapa que no raro se sobrepe a outras ,os perdedores retornam com o firme propsito de minimizar suas perdas.

  • 40 PPA 2012-2015: experimentalismo institucional e resistncia burocrtica

    Tudo somado, h de se ter muita cautela, sobretudo quando grupos pro-gressistas ganham eleies, na medida em que o enfrentamento de problemas de grande ma