caderno gestao democratica participativa

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  • 5/27/2018 Caderno Gestao Democratica Participativa

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    GESTODEMOCRTICAEPARTICIPATIVA

    2012

    2 edio

    Helena da Motta Salles

    Ministrio da Educao MEC

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior CAPES

    Diretoria de Educao a Distncia DEDUniversidade Aberta do Brasil UAB

    Programa Nacional de Formao em Administrao Pblica PNAP

    Especializao em Gesto Pblica Municipal

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    2012. Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Todos os direitos reservados.

    A responsabilidade pelo contedo e imagens desta obra do(s) respectivo(s) autor(es). O contedo desta obra foi licenciado temporria e

    gratuitamente para utilizao no mbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil, atravs da UFSC. O leitor se compromete a utilizar o

    contedo desta obra para aprendizado pessoal, sendo que a reproduo e distribuio ficaro limitadas ao mbito interno dos cursos.A citao desta obra em trabalhos acadmicos e/ou profissionais poder ser feita com indicao da fonte. A cpia desta obra sem autorizao

    expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sanes previstas no Cdigo Penal, artigo 184, Pargrafos

    1 ao 3, sem prejuzo das sanes cveis cabveis espcie.

    1 edio 2010

    S168g Salles, Helena da MottaGesto democrtica e participativa / Helena da Motta Salles. 2. ed. reimp. Florianpolis:

    Departamento de Cincias da Administrao / UFSC; [Braslia] : CAPES : UAB, 2012.

    108p. : il.

    Inclui bibliografiaEspecializao em Gesto Pblica MunicipalISBN: 978-85-7988-067-4

    1. Administrao Pblica. 2. Gesto democrtica. 3. Planejamento Participativo.4. Participao Poltica. 5. Educao a distncia. I. Coordenao de Aperfeioamento dePessoal de Nvel Superior (Brasil). II. Universidade Aberta do Brasil. III. Ttulo.

    CDU: 35

    Catalogao na publicao por: Onlia Silva Guimares CRB-14/071

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    DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS DIDTICOSUniversidade Federal de Santa Catarina

    METODOLOGIA PARA EDUCAO A DISTNCIAUniversidade Federal de Mato Grosso

    AUTORA DO CONTEDOSandra Ins Baraglio Granja

    PRESIDNCIA DA REPBLICA

    MINISTRIO DA EDUCAO

    COORDENAO DE APERFEIOAMENTO DE PESSOAL DE NVEL SUPERIOR CAPES

    DIRETORIA DE EDUCAO A DISTNCIA

    EQUIPE TCNICACoordenador do Projeto Alexandre Marino Costa

    Coordenao de Produo de Recursos Didticos Denise Aparecida Bunn

    Capa Alexandre Noronha

    Ilustrao Adriano S. Reibnitz

    Projeto Grfico e Editorao Annye Cristiny Tessaro

    Reviso Textual Barbara da Silveira Vieira

    Claudia Leal Estevo Brites Ramos

    Crditos da imagem da capa: extrada do banco de imagens Stock.xchng sob direitos livres para uso de imagem.

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    SUMRIO

    Apresentao.................................................................................................... 7

    Unidade 1 O Municpio e a Democracia Participativa

    Introduo.......................................................................................................11

    O Municpio: local do exerccio da Democracia......................................................13

    O que Gera Descrdito em Relao ao Legislativo Municipal?.................................24

    A Judicializao da Poltica........ ..... ..... ..... ..... ..... .... .... ..... .... ..... ..... ..... ..... ...27

    A Importncia da Reabil itao da Poltica........ ......... ........ ......... ........ ......... ......29

    A Democracia Participativa: complemento da Democracia Representat iva....... .34

    A Constituio de 1988 e a Democracia Semidireta.... ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... ..... ...40

    Instrumentos da Democracia Direta Criados pela Constituio de 1988............40Os Conselhos Municipais..............................................................................43

    Unidade 2 O Planejamento como Instrumento da Democracia/Os ControlesOficiais

    Introduo.......................................................................................................61

    O Planejamento como Antdoto Contra Oscilaes Populistas/Voluntaristas..........63

    A Importncia da Participao Social no Planejamento........ .... ..... .... .... .... .... ....67

    O que Distingue o Planejamento Democrtico do Tecnocrtico........................74

    A Part icipao no Planejamento do Oramento......... .... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ...80

    Os Instrumentos de Gesto Oramentria: PPA, LDO, LOA...................81

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    Gesto Democrtica e Participativa

    6Especializao em Gesto Pblica Municipal

    O Oramento Participativo (OP)......................................................................87

    Os rgos Oficiais e a Transferncia na Gesto.....................................................92

    O Ministrio Pblico, Defensor da Sociedade..........................................92

    O Tribunal de Contas: transparncia na gesto financeira.......................95

    Consideraes Finais...............................................................................101

    Referncias Bibliogrficas................................................................................103

    Minicurrculo........................................................................................................108

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    Apresenta

    7Mdulo Especfico em Gesto Pblica Municipal

    APRESENTAO

    Caro estudante,

    Seja bem-vindo discipl ina Gesto Democrtica eParticipativa!

    Em um curso cujo objetivo a formao de gestores pblicosmunicipais, indispensvel discutirmos os fundamentos e osprincpios, assim como os instrumentos de uma gesto democrticae participativa. O aprimoramento da Democracia em nosso passupe a boa prtica, tanto dos procedimentos como das relaesdemocrticas no mbito do municpio, lugar de nosso cotidiano, e,portanto, do efetivo exerccio da cidadania por todos ns. ADemocracia est ainda em processo de consolidao no Pas,desaf iando nosso passado autoritrio e mazelas como omandonismo local, o clientelismo, o populismo.

    A reflexo que desenvolveremos nesta disciplina permitirque voc exera melhor sua funo, seja ela a de servidor municipalou no, e que compreenda como deve ser a prtica dos que atuamde uma maneira ou de outra na gesto municipal, se voc quiserque nossas cidades sejam um lugar para todos os que nelas vivem,sem exceo.

    Para tanto, nosso primeiro passo ser, na Unidade 1,compreender a importncia da participao social na gesto domunicpio, pois a representao dos cidados, por meio da Cmarade Vereadores, muito importante, mas no suficiente para que defato se concretize a Democracia no mbito local. E, na Unidade 2,analisar como essa participao pode e deve ser articulada com oplanejamento, sobretudo do oramento, e com os organismos decontrole oficial, o Ministrio Pblico e o Tribunal de Contas.

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    Gesto Democrtica e Participativa

    8Especializao em Gesto Pblica Municipal

    Com o estudo desses temas, esperamos que voc identifiqueos instrumentos e as prticas democrticas criados no Pas a partir

    da Constituio de 1988 e que compreenda como realizada aDemocracia no seu municpio.

    Para que os conhecimentos desenvolvidos nesta disciplinasejam compreendidos, vamos relacion-los com fatos e experinciasde nossa histria poltica e provocar voc a observar o que ocorreno seu municpio.

    Alm disso, vamos chamar sua ateno para os elos entreesta disciplina e os contedos de outras disciplinas deste curso,como Gesto do Plano Diretor Municipal e Gesto Tributria,

    visando a obter uma integrao dos conhecimentos.

    Ao final de cada Unidade, voc dever realizar uma atividadede aprendizagem, mas ao longo do texto solicitaremos que presteateno ao que acontece no seu municpio para relacionar os fatoscom o contedo da disciplina. Por exemplo: quantos conselhosmunicipais existem na sua cidade? Voc sabe se eles esto realmentefuncionando?

    Ao final deste livro-texto, voc encontrar uma lista comreferncias bibliogrficas que contribuiro para voc aprofundarseus conhecimentos, pois no temos a inteno de esgotar o assunto

    com o que foi exposto. Na internet, voc pode tambm obterimportantes informaes, por exemplo, no site do Ministrio dasCidades, disponvel em , entre outras coisas,

    voc encontra dados do Conselho das Cidades, o Concidades; e odo Instituto Polis , disponvel em , alm deoutros que oportunamente sero citados.

    Por fim, o mais importante que voc desenvolva umapostura participativa e, com base nas orientaes aqui adquiridas,lance-se na pesquisa de como se constri uma Gesto Democrticae Participativa.

    Bom estudo!Professora Helena da Motta Salles

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    Apresenta

    Mdulo Especfico em Gesto Pblica Municipal

    Unidade 1 O Municpio e a Democracia Participativ

    9Mdulo Especfico em Gesto Pblica Municipal

    UNIDADE 1

    O MUNICPIOEADEMOCRACIA PARTICIPATIVA

    OBJETIVOSESPECFICOSDEAPRENDIZAGEM

    Ao finalizar esta Unidade, voc dever ser capaz de:

    Compreender o papel fundamental do municpio na Federao

    brasileira, tal como ela foi estruturada a partir da Constituio

    de 1988;

    Entender como a participao poltica dos cidados crucial naDemocracia e complementa o sistema representativo; e

    Verificar que os novos instrumentos criados em 1988 permitem

    a participao dos cidados na poltica do municpio e do Pas,

    com destaque para o Conselhos Municipais.

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    10Especializao em Gesto Pblica Municipal

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    Unidade 1 O Municpio e a Democracia Participativ

    11Mdulo Especfico em Gesto Pblica Municipal

    INTRODUO

    Caro estudante,

    Estamos iniciando a primeira Unidade de estudo, na qual

    discutiremos as grandes mudanas que o Brasil passou nas

    ltimas dcadas, a partir da redemocratizao. Voc j parou

    para analisar como h a preocupao crescente com a

    maneira como as decises so tomadas? Se elas caem como

    pacotes sobre os cidados ou se foram amplamentedebatidas? Isso tem a ver com o novo Brasil que rejeita

    enfaticamente os procedimentos autoritrios.

    Vamos ampliar essa discusso?

    Em uma cidade da regio Sudeste, com cerca de 500 milhabitantes, em abril de 2008 uma notcia caiu sobre toda apopulao como uma bomba: o prefeito havia sido preso pela PolciaFederal, cujas investigaes o apontavam como responsvel porfraude, desvio de recursos pblicos, conluio*com empresrios aoestabelecer contratos da prefeitura, entre outras irregularidades.Logo a notcia se espalhou, inclusive pela mdia de alcancenacional; as fotos do prefeito preso estavam estampadas nos jornais,na tev e na internet.

    O que chamou a ateno nessa histria que as pessoas dacidade ficaram surpresas com o fato de a Polcia Federal ter agido,mas no com as acusaes em si. A reao mais comum dessaspessoas era a de questionarem o porqu de isso ter demorado tantoa acontecer ou de se admirarem da interveno da Polcia Federal,

    como se ningum mais esperasse por isso. Ou seja, havia noscomentrios, nas piadas, nas conversas nos bares, nas filas etc. osentimento de que finalmente algo havia sido feito, j que eraconsiderado bvio que o prefeito vinha agindo de modo corrupto.

    *Conluio cump lici dadpara prejudicar terceiro(s

    Fonte: Houaiss (2009).

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    Mas a iniciativa de ao foi da Polcia Federal, sem a mobilizaoda sociedade.

    Algumas perguntas so suscitadas pela situao: se era claropara todos que o prefeito era corrupto, por que a cidade se calou?Por que os Conselhos Municipais se calaram? No papel dosConselhos Municipais acompanhar a utilizao dos recursosoriundos do Fundo de Participao dos Municpios (FPM)? E odesvio de tais recursos no era uma das acusaes feitas contra oprefeito? Por que a Cmara Municipal se calou? Por que osmovimentos sociais se calaram? Por que o Ministrio Pblico secalou? O Tribunal de Contas? Calcula-se que o desvio dos recursospblicos foi da ordem de R$ 200 milhes. O monitoramento

    cuidadoso da populao em relao Administrao Municipalpoderia ter evitado tal descalabro?

    No apenas por meio da improbidade administrativa queo interesse pblico pode ser lesado, embora essa seja a forma maisgrave, sem dvida. As prioridades da prefeitura podem no coincidircom as da populao, as escolhas feitas pela equipe de governopodem no ser as melhores aos olhos da maioria da populao dacidade. Por isso, o acompanhamento por parte de todos fundamental, afinal aquelas pessoas somente esto ocupando cargosna prefeitura porque o mandatrio que as nomeou foi sufragadopelos eleitores.

    Diante desse contexto, muitos se perguntam: adianta mesmoa mobilizao popular? Alm de permitir que os cidados expressemsua indignao, ela tem resultados prticos? E como exercer tal

    vigilncia? Que instrumentos a viabilizam? Que caminhos o cidadocomum deve percorrer para entender o que se passa na

    Administrao Municipal e, principalmente, para nela interferir?

    Todas essas questes envolvem a temtica de nossa primeiraUnidade, e, de certa forma, respond-las um de nossos propsitos.

    Afinal, a gesto democrtica e participativa agrega valores mesmo j conhecida Democracia Representativa? Alm do aspectosimblico, os Conselhos Municipais tm efetividade?

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    Unidade 1 O Municpio e a Democracia Participativ

    13Mdulo Especfico em Gesto Pblica Municipal

    O MUNICPIO: LOCALDOEXERCCIODADEMOCRACIA

    Para falar sobre municpio, inevitvel comearmos fazendo

    referncia a um marco da histria recente do Pas: o movimentopela redemocratizao na dcada de 1980, que resultou naAssembleia Constituinte e na elaborao da Constituio Federal,de 5 de outubro de 1988. poca, o Pas se ressentia do perodo deum quarto de sculo sob o regime autoritrio inaugurado no ano de1964. Se somarmos esses anos aos oito do Estado Novo (1937-1945) e aos 41 da Repblica Velha, a Repblica dos Coronis(1889-1930), concluiremos que no sculo XX tivemos parcosresultados quanto efetivao da Democracia no Brasil.

    Talvez voc j tenha observado como no Brasil foi criada

    uma cultura de valorizao do Poder Executivo como aquele queresolve mesmo, do qual devemos esperar solues e h algumtempo at mesmo a ideia de que um governo autoritrio aqueleque iria tirar o Pas do abismo. Essa fragilidade da Democracia eas sequelas da ditadura aumentaram os desafios a serem enfrentadosno processo de reconstruoinstitucional iniciado na dcada de1980, durante a redemocratizao.

    A confluncia entre, de umlado, o esgotamento do modelo de

    crescimento econmico adotadodurante o perodo conhecido comomilagre econmico brasileiro, quehavia funcionado como fonte de

    Milagre econmico brasileiro

    Perodo de acelerao do crescimento econmico bra-

    sileiro entre os anos de 1968 e de 1973, tido como

    resultado tardio das reformas realizadas pelo Go-verno de Castello Branco (1964-1967) e em grande

    medida associado ao Programa de Ao Econmica

    do Governo. Fonte: . Acesso em: 2 ago. 2010.

    Saiba mais

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    legitimao para o projeto militar e, de outro lado, a nsia dasociedade pelo retorno normalidade democrtica, fizeram dos

    anos de 1980 um perodo frtil em avanos polticos. A distensolenta, gradual e segura do perodo do presidente Geisel (1974-1978) foi intensificada por fora das presses da sociedade, queobrigaram o processo de abertura a avanar alm das intenesiniciais dos militares. Desde a segunda metade da dcada de 1970avolumara-se a vida associativa e a formulao de reivindicaesdos setores sociais, das mais variadas naturezas e amplitudes. Umalvo comum unia a todos: o retorno inst i tucional idadedemocrt ica, e tal movimentao resul tou na AssembleiaConstituinte de 1987.

    A Constituio de 1988, apelidadade Constituio Cidad por UlyssesGuimarespor ter consolidado os direitosdos cidados, possibilitou entre outrosresultados a restaurao dofederalismocom o reconhecimento dos municpioscomo entes federativos, ao lado da Unioe dos Estados-membros. No novo textoconstitucional, o princpio da descentra-lizao administrativa e poltica tambmincluiu os municpios, como vemos em seuartigo 18:

    A organizao poltico-administrativa da Repbli-ca Federativa do Brasil compreende a Unio, osEstados, o Distrito Federal e os Municpios, todosautnomos, nos termos desta constituio. (BRA-SIL, 1988).

    Portanto, rompendo com umatradio oriunda do Perodo Colonial, aConstituio de 1988 fez dos municpios

    entes autnomos, equiparando-os Unio e aos Estados. Ao mesmo

    Ulysses Guimares

    Um dos maiores polt icos

    brasileiros, formou-se em

    advocacia pela Universida-

    de de So Paulo (USP), em

    1940. Antes de ingressar na

    polt ica, foi secretrio da

    Federao Paulista de Fu-

    tebol. Elegeu-se deputado

    estadual em 1947, pelo Partido Social Demo-

    crtico (PSD). Trs anos depois, passou a ser

    deputado federal, funo que exerceu durante

    11 mandatos consecutivos. Foi presidente do

    MDB e PMDB durante vrios anos e seu presi-

    dente de honra. Em 1987, o parlamentar coman-

    dou a Assembleia Constituinte. Candidato pre-

    sidncia em 1989, no obteve sucesso, mas mar-

    cou a histria do Pas. Fonte: . Acesso em: 2 ago. 2010.

    Saiba mais

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    tempo, instituiu nova repartio tributria, que acarretou ganhossignificativos para os municpios. Somadas as receitas tributrias

    prprias dos municpios s transferncias constitucionais, aparticipao desses no bolo tributrio cresceu de 10,8%, em 1988,para 16,9% em 2000 (ANDRADE, 2007).

    Naquela conjuntura, alm da mobilizao da sociedade pelaredemocratizao, o Pas estava s voltas com a crise fiscal, tendoo ciclo virtuoso de desenvolvimento sido interrompido desde o finalda dcada de 1970. O tema da distribuio das competnciastributrias (quais impostos ficariam a cargo de cada unidade daFederao) e da participao dos entes federativos no bolo tributrioentraram na pauta poltica tambm em razo da crise. O que

    impulsionou a descentralizao na conjuntura da constituinte foram,sobretudo, razes polticas promover a Democracia. Mas no finalda dcada de 1990 o aprofundamento da municipalizao resultoude iniciativas do Governo Federal no sentido de transformar osgovernos locais nos principais responsveis pelos servios universaisde sade e de educao fundamental e pelos seus gastoscorrespondentes.

    A esse respeito encontramos com frequncia duas confuses:a ideia de que descentralizao poltico-administrativa e federalismoso indissociveis e a ideia de que descentralizao e Democraciatambm so inseparveis.

    No primeiro equvoco, o exemplo norte-americano desmentetal afirmativa, porque o federalismo nos EUA surgiu com a finalidadede centralizar um poder antes disperso; o texto constitucionalamericano enunciou os poderes do governo central necessrios aoatendimento das demandas da Federao, e aos Estados-Membrosrestaram os poderes ditos residuais. A conveno de 1787 procurouconcentrar o poder em um novo governo central, mas tambmbuscou manter os poderes dos Estados-membros, e o poder residual

    passou a ser visto como sinnimo de fora poltica.Quanto ao segundo equvoco, o principal argumento em

    favor da descentralizao como promotora da Democracia consistiano seguinte: mais fcil controlar o prefeito e a Cmara de

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    Vereadores do que autoridades maisdistantes da esfera local; no municpio

    mais fcil garantir a accountability.Schedler (1999) identif ica trs

    formas bsicas de prevenir o abuso dopoder:

    sujeitar o poder ao exerccio das san-es;

    obrigar que esse poder seja exercidode forma transparente; e

    forar que os atos dos governantessejam justificados.

    Alm disso, os cidados seinteressam mais pelos problemas que lhesdizem respeito mais de perto. Aindissociabilidade entre descentralizaoe Democracia tem sido questionada nal i teratura, em razo de fenmenos

    observveis em nossa realidade. Podemos lembrar alguns exemplos:se a descentralizao de competncias ocorre sem distino para

    todos os municpios e entre esses h muitas disparidades de recursosmateriais e humanos, tal procedimento aumentar ainda mais taisdesnveis, inclusive entre as respectivas populaes. Se h adescentralizao de recursos, mas o poder decisrio continuaconcentrado no nvel federal, pouco ou nada ter avanado nademocratizao. Se o clientelismo permanece em algumaslocalidades, assim como a baixa renovao de sua elite poltica, aDemocracia no municpio ficar comprometida, ainda que haja adescentralizao. Ou seja, a descentralizao por si s no garantea Democracia.

    Melo (1996) analisa a confluncia de fatores que levaramao enaltecimento do princpio da descentralizao no contexto daredemocratizao no Brasil. Em seguida revela alguns efeitosperversos observveis aps uma dcada de experimentos

    Accountability

    Termo com origem na Cincia Polt ica norte-americana que comporta distintos significados

    e nfases. Um de seus significados est relaci-

    onado determinao de que as decises to-

    madas pelos Executivos Municipais devam ser

    compreendidas pela populao. Por exemplo:

    como calculada a tarifa dos nibus urbanos?

    Como so justificados os seus aumentos? essa

    prestao de contas populao que denomi-

    namos de accountability. De acordo com Schedler

    (1999), existem pelo menos duas conotaes

    bsicas para o termo, uma a capacidade de

    resposta dos governos, isto , a obrigao dos

    funcionrios pblicos de informarem e expli-

    carem seus atos, outra a capacidade de im-

    por sanes e perda de poder para os que in-

    fringiram os deveres pblicos. Fonte: Elabo-

    rado pela autora.

    Saiba mais

    Gestao democratica participativa GPM Miolo Grafica 2 edicao.pmd 17/09/2012, 15:0116

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    descentralizantes. Por ironia da histria, houveuma convergncia entre o pensamento dos

    setores de esquerda e o pensamento liberal deoposio ao regime militar quanto defesa dadescentralizao na dcada de 1980. Oposio central izao prpria do autoritarismoburocrtico de um lado e influncia da voganeoliberal de outro. Com isso, a descen-tralizao passou a ser vista como elementoeficiente da engenharia poltico-institucional daDemocracia emergente, o que contribuiu paraa cultura poltica fortemente municipalista da

    dcada de 1980.O tempo revelou, no entanto, alguns

    efeitos perversos da descentralizao, como o hobbesianismomunicipal, expresso entre outras coisas, na disputa das localidadespor investimentos industriais, deslegitimando as prioridades sociaisem favor dos benefcios fiscais e isenes tributrias.

    Diante desse cenrio, houve grande proliferao demunicpios, pois a Const i tuio de 1988 transferiu aresponsabilidade legal pela definio dos critrios de criao denovos municpios, que era prerrogativa federal, para o mbitoestadual. Entre 1988 e 1996, quando afinal foi aprovada a lei quedificulta a criao de novos municpios, surgiram mais de 1.300municpios, a maioria com menos de 10.000 habitantes (COSTA,2007).

    A mult ipl icao de municpios suscitou diversos

    questionamentos, dentre os quais podemos destacar o seu

    impacto fiscal (multiplicao de estruturas administrativas e

    instncias poltico-institucionais) e maior dificuldade decoordenao federativa no Pas. Mas qual a justificativa para

    essas questes?

    Thomas Hobbes (1588-1679)

    Filsofo ingls que em sua obra Leviatteorizou sobre a necessidade de um Es-

    tado forte para impedir que os homens

    permanecessem na situao de guerra de

    todos contra todos, de competio des-

    medida, prpria do estado de natureza.

    A expresso hobbesianismo municipal

    refere-se a essa competio por recur-

    sos, ou por investimentos industriais,

    que os municpios estabelecem entre si.

    Fonte: Elaborado pela autora.

    Saiba mais

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    18Especializao em Gesto Pblica Municipal

    Tal crtica justificada mais nos casos de emancipao dedistritos muito pobres e de dimenses muito reduzidas, porm [...]

    esse ponto exige minucioso levantamento emprico para quegeneralizaes mais amplas possam ser feitas (MELO, 1996,p. 16). Enfim, enquanto na dcada de 1980 a descentralizaoapresenta-se como ideia importante, na dcada de 1990 ela passaa ser vista com mais cautela, j sendo conhecidos seus resultados,dentre os quais destacamos a guerra fiscal. Nessa nova conjunturahouve at um movimento no sentido da reconcentrao por partedo Governo central. No entanto, a experincia descentralizantetrouxe consigo um aprendizado social ainda no de todocompreendido e analisado.

    As consequncias das tendncias descentralizantes derivamtambm de dois aspectos importantes: as dimenses continentais eas profundas disparidades territoriais, funcionais, econmicas esociais const i tut ivas da sociedade brasi leira. H enormeheterogeneidade socioeconmica e demogrfica entre os cerca de5.561 municpios brasi leiros, o que acarretou impactosdiferenciados das sucessivas polticas de descentralizao. Almdas grandes diferenas entre as cinco regies, h tambmdisparidades dentro de cada regio e de cada Estado federado, oque implica a necessidade de considerar a importncia dessa varivelno ordenamento jurdico poltico do Estado brasileiro.

    Por outro lado, apesar da alternncia ao longo da histriado Pas entre perodos de maior e menor centralizao poltica, acultura poltica brasileira predominantemente centralizadora. Essetrao foi exacerbado nos perodos autoritrios e, assim, o municpiono ocupou ao longo da histria brasileira lugar de destaque napartilha do poder na Federao brasileira. Por esse motivo, a

    valorizao do poder e do governo local nesse final de milniopropiciado pelos avanos da Constituio de 1988, embora

    contenha efeitos indesejveis, concorreu para o fortalecimento domunicpio. Isso porque ele foi reconhecido como parte constitutivado Estado federado e detentor de parcela da competncia nacional,ao mesmo tempo em que a forma federal do Estado foi includaentre os dispositivos que no podem ser modificados por emendasconstitucionais (NEVES, 2000).

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    Dessa forma, a Carta Magna de 1988 ampliou a suaautonomia ao atribuir ao municpio a condio de [...] entidade

    estatal, poltico-administrativa, com personalidade jurdica, governoprprio e competncia normativa (MEIRELLES, 1993, p. 116).Nos termos dos ar tigos 29 a 31 da Constituio, essa autonomia seexpressa pelo menos quatro dimenses: poltica, administrativa,financeira e legislativa (NEVES, 2000).

    No mbito da autonomia poltica, est a capacidade deautogoverno, por meio da eleio direta de seu prefeito, vice-prefeitoe vereadores; e de auto-organizao, por meio da elaborao daprpria Lei Orgnica Municipal.

    No que concerne autonomia administrativa est

    prevista a capacidade de organizar suas atividades, criar seusquadros de servidores, gerir e prestar os servios de suacompetncia, podendo executar os servios diretamente ouindiretamente por intermdio de terceiros.

    A autonomia financeira refere-se capacidade parainstituir e arrecadar seus prprios tributos, como o Imposto Prediale Territorial Urbano (IPTU), o Imposto sobre Servios (ISS) e tambmoutras fontes de rendimentos (aluguel de imveis, venda de bensetc.), alm da autonomia para definir suas formas de aplicao(embora exista alguma restr io const i tucional, como as

    vinculaes relativas ao ensino e as limitaes referentes aos gastoscom pessoal e com o Legislativo).

    Est includa nesse mbito a autoridade para elaborar,aprovar e executar seu prprio oramento. Para alm dessesaspectos, o grande reforo dado pela Constituio de 1988 aomunicpio foi atribuir-lhe um volume de recursos financeiros maisexpressivo por meio das transferncias constitucionais, tanto daUnio como dos Estados-membros. No caso da Unio, por meiodo Fundo de Participao dos Municpios (FPM) e no caso dos

    Estados-membros, por meio da cota-parte do Imposto sobreCirculao de Mercadorias (ICM).

    Alm dessas transferncias consti tucionais, os governoslocais recebem tambm recursos para o desenvolvimento de polticassociais universais. Com essa redefinio fiscal, os municpiosv

    Composto de recursos d

    Imposto de Renda (IR)

    do Imposto sobr

    Produto

    Industrializados (IPI

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    passaram a contar com recursos financeiros como nunca haviaacontecido antes.

    Por seu turno, a autonomia Legislativaest fundada tantona capacidade para [...] legislar sobre assuntos de interesse local[...] como na de [...] suplementar as legislaes federal e estadualno que couber [...] (BRASIL, 1988, Art. 30, Incisos I e II).

    Sobre esse passagem relativa autonomia legislativa valeressaltar a pouca clareza quanto ao exato significado, limite dasduas expresses: assuntos de interesse local e atribuiosuplementar da construo no que couber, o que amplia a margemde ambiguidade e de indefinio entre os entes federados no queconcerne dimenso legislativa (NEVES, 2000).

    Em suma, retornando ao tema da descentralizao, importante frisarmos que o fortalecimento do municpio em razoda redefinio da distribuio dos recursos tributrios promovidopela Constituio de 1988 resultou em maior municipalizao dareceita, ainda que de forma no adequadamente planejada. Comoconsequncias desse processo esto as apontadas anteriormentepor Melo (1996) e, sobretudo, o fato de a Constituio de 1988 terproduzido um processo desordenado de descentralizao deencargos, com claro desequilbrio entre as responsabilidades e osnus, por um lado, e os recursos transferidos para suport-los, poroutro (AFONSO; ARAUJO, 2000).

    Voc pode estar se perguntando: como a questo das finanas

    pblicas locais incide sobre o tema gesto democrtica e

    participativa?

    A questo das finanas pbl icas locais incide de vriasmaneiras sobre o tema. Por exemplo, a distribuio muito desigualde recursos entre os entes da Federao comprometeria e muito aDemocracia dentro das localidades mais depauperadas e, no planonacional, pelo desequilbrio entre as unidades da Federao.

    A guerra fiscal, quando estabelecida entre Estados e/ou entremunicpios, tem o mesmo efeito.

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    De forma sinttica podemos dizer que a descentralizaode recursos sem a descentralizao do poder decisrio

    no garante a Democracia no nvel local; adescentralizao de recursos sem o poderde deciso pouco adianta. Um aspectoimportante relacionado a isso e queprecisamos destacar quanto oformato das relaes entre o GovernoFederal e os nveis subnacionais qualifica aDemocracia. Nesse sentido, ns como cidados temos questesfundamentais a refletir, quais sejam: o prefeito tem de implorar,com pires na mo, os recursos federais e estaduais? Para a

    liberao de recursos por parte da Unio e do Estado-membro, soexigidas contrapartidas dos governos locais sob a forma deapresentao de resultados? Tal liberao ocorre segundo regrasclaras e universais?

    Essas questes revelam a importncia da poltica nessesaspectos, sob a forma da regulao institucionalenvolvida nasrelaes estabelecidas entre os entes da Federao. Afinal, quandofalamos em Democracia estamos falando em distribuio derecursos, materiais ou simblicos, o que implica a diviso do poder.Tanto no que diz respeito aos cidados como no que tange aosentes da Federao, importa saber quanto o poder est ou noconcentrado ou distribudo e de que maneira.

    A estruturao do poder no plano federativo repercutir naspossibilidades maiores ou menores de participao dos cidadosno plano local. O que significa dizer que o mundo da vida e dasrelaes humanas e, por conseguinte, das relaes sociopolticasse do fundamentalmente no municpio. Nesse sentido, os podereslocais possuem um papel de interface do cidado com as esferasestadual e federal de governo. Porm, para a maioria dos brasileiros,

    a forma como os governos municipais, estaduais e a Unioestabelecem relaes entre si pouco clara. O formato dessasrelaes intergovernamentais denominado de pacto federativo.

    Trs princpios bsicos regem as relaes entre governos,quais sejam:

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    o princpio da subsidiariedade;

    o princpio dofederalismo; e

    o princpio da autonomia.

    O primeiro princpio diz respeito proteo da autonomiada pessoa humana e das comunidades intermedirias (famlias,associaes, sindicatos etc.), tendo como ponto de partida aliberdade e a responsabilidade dos sujeitos tanto no plano individualcomo no coletivo. Em relao s instituies pblicas, essa proteose consubstancia no preceito de que elas devem atuar quando, esomente quando, so chamadas para tanto. Da decorre que, emum contexto federativo e democrtico, a sociedade pode convocar

    os poderes pblicos diante de sua incapacidade de responderadequadamente s questes de interesse comum. Assim, quandosolicitados, os poderes pblicos devem corresponder vontadepblica oferecendo subsdios, em primeiro lugar, por meio domunicpio, em segundo, por meio dos Estados-membros e, esgotadasas possibilidades de ambos, em terceiro lugar entra em cena aUnio. Desse princpio resul ta que as tarefas pol t ico-administrativas devem estar simultaneamente articuladas entre sipara que possam resultar em um modelo federativo de tipocooperativo (CARNEIRO, 2000). Exemplos disso seriam osconvnios firmados entre prefeituras e governos de Estado ouGoverno Federal para a aquisio de equipamentos comoambulncias, a instalao de creches etc.; os programas que visama suplementar os recursos do municpio na rea de educao(Fundeb ou alimentao escolar) ou na rea social (Bolsa Famlia);enf im, as iniciat ivas em que essa cooperao no constitucionalmente determinada.

    Ademais, vale ressal tar que no princpio dasubsidiariedade que est ancorada, nas sociedades democrticas,

    a base para a convocao de representantes do povo para ocuparos cargos eletivos institudos nas distintas esferas de governo, pormeio de eleies diretas e universais. No caso do Brasil, aConst i tuio de 1988 def iniu tambm a possibi l idade de

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    part icipao direta do cidado nos poderes const i tudos(CARNEIRO, 2000).

    Exemplo dessa possibilidade de participao do cidado soos Conselhos Municipais, um assunto a ser retomado adiante.Os Conselhos Municipais foram criados pela Constituio de 1988e sua existncia (alguns so obrigatrios, outros no) afetadiretamente o exerccio da participao no municpio ao mesmotempo que cria espaos de legitimao e responsabilizao diretado cidado nos mbitos governamental e fiscalizador.

    O princpio federativoestabelece a forma de distribuiodo poder e das competncias entre a Unio e as unidades Estadose municpios que compem a nao.

    Por sua vez, o princpio da autonomia est claramentearticulado com o princpio federativo e exercido na dinmicaperene das relaes entre as esferas governamentais. Ou seja, estancorado em estruturas de proteo e integrao razoavelmenteestveis, definidas constitucionalmente, as quais dizem respeito distribuio de competncias polticas, legislativas, administrativase tributrias. Quanto mais claras so essas definies, mais fcil setorna o exerccio da autonomia. No Brasil, no entanto, percebemosque no foram traados limites claros entre as esferas de governosob o ponto de vista de suas responsabilidades. Alm disso, no hregulamentaes especficas sobre como devem ser processadas asrelaes entre as esferas de governo (CARNEIRO, 2000).

    Como o foco do nosso curso o municpio, o tema da gestodemocrtica e participativa est sendo tratado no mbito municipal,sobretudo porque nossa participao como cidados acontece a,mesmo quando voltada para temas nacionais. Por exemplo, vocse lembra da campanha das Diretas j ou da mobilizao peloimpeachment do presidente Fernando Collor? Ou soube que aspasseatas e os comcios sucederam Brasil afora, nas cidades mais

    variadas, mesmo que a repercusso na mdia tenha sido apenas adas manifestaes nos grandes centros?

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    O QUEGERADESCRDITOEMRELAOAOLEGISLATIVOMUNICIPAL?

    A ideia da Democracia na contemporaneidade

    est associada imediatamente ideia de representao,e, portanto, no plano municipal , Cmara deVereadores. Isso porque nas sociedades modernas,complexas, no simples a consulta direta aos cidados

    como algo rotineiro. Mas voc j observou como so frequentes ascrticas ao Poder Legislativo, em todos os seus nveis? Assim comoacontece em relao aos deputados, comum as pessoas dizeremque os vereadores recebem muito para trabalhar pouco, que apenastm olhos para seus prprios interesses e no para as questespblicas, que trocam favores por votos com seus eleitores, que

    apenas se interessam por seu reduto eleitoral de olho na reeleio,mas no pensam na cidade em sua totalidade e por a vai.

    Essa viso negativa a respeito da atividade legislativa decorrede diferentes causas, a saber:

    Da nossa tradio autoritria que criou no imaginriopopular a ideia de que o Poder que importa oExecutivo. Ficou famosa e entrou para nosso folclorepoltico a frase de um antigo poltico mineiro, segundoa qual o poder que vale o que nomeia, demite e

    transfere, prende e manda soltar. Obra-prima deconciso, um raciocnio irrepreensvel do ponto de vistade nossa cultura poltica, pelo menos at recentemente.

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    De algumas distores existentes em nosso sistema derepresentao proporcional. A reforma poltica, que

    inclui vrios itens entre os quais esto o financiamentode campanha, a substituio de listas abertas* decandidatos por listas fechadas* elaboradas pelospart idos. O f im das col igaes nas eleiesproporcionais uma questo que vem sendo adiadaentre outras razes, porque deve ser votada por aquelesque tm seus interesses diretamente afetados por ela,os deputados.

    Quanto a um dos aspectos considerados responsveispelos problemas em nosso sistema eleitoral as regras

    das coligaes proporcionais a distoro apontada que partidos inexpressivos elegem seus candidatospor meio de coligaes com partidos mais forteseleitoralmente, j que para efeito de uma determinadaeleio o quociente eleitoral* calculado para acoligao efetuada e no para cada partido emseparado.

    Assim, o voto de um cidado podebeneficiar um candidato que no de

    seu agrado por ele estar na coligaoque incluiu o partido e/ou os candidatosde sua preferncia. Em consequncia,h os que defendem a supresso dascoligaes nas eleies proporcionais e

    os que defendem que cada partido coligado receba ascadeiras proporcionalmente sua contribuio paraa votao final da coligao. Esse apenas um exemplodas muitas questes envolvidas na representao; imperativo resolv-las para que haja correspondncia

    entre a vontade dos eleitores expressa nas urnas e aconfigurao assumida pelo Poder Legislativo.

    Da falta de compreenso por parte dos cidados a respeitoda funo legislativa. Cabe ao legislador criar normasuniversais que balizaro as aes do Poder Executivo,

    *Lista aberta o qu

    temos atualmente na

    eleies proporciona

    (mandatos legis lativo

    com exceo do senad

    em que a eleio maj

    ritria) no Brasil: o ele

    tor escolhe o candidat

    de sua preferncia ent

    todos os postulantes, d

    todos os partidos. D

    pois de apurados os v

    tos temos a lista do

    mais votados aos m

    nos votados, em geral,

    dentro de cada partid

    Fonte: Elaborado pe

    autora.

    *Lista fechada um

    das propostas da refo

    ma poltica. Cada part

    do ordena sua lista d

    candidatos; o eleito

    vota no partido e os v

    tos vo sendo distribu

    dos segundo essa lis

    prvia: assim que fore

    completados os voto

    necessrios para elege

    o primeiro da lista com

    a a contagem para

    segundo da lista e assi

    sucessivamente. Font

    Elaborado pela autora

    *Quociente eleitoral

    nmero que resulta d

    diviso do nmero tot

    de votos (eleies pr

    porcionais) dados ao

    partidos e candidato

    em uma eleio pe

    nmero de cadeiras

    serem preenchida

    Fonte: Elaborado pe

    autora.

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    assim como exercer o controle/acompanhamento dasatividades executivas, mas a natureza mais abstrata

    desse trabalho, aliada ao desconhecimento de boaparte da populao, no permite que a funolegislativa seja compreendida.

    Da corrupo de muitos polticos, que fazem de seucargo uma oportunidade para enriquecimento pessoal

    ao apropriarem-se do bem pblicoem prejuzo de milhares (oumilhes) de cidados, contribuindoevidentemente para tal visonegativa. Quando os vereadoresaumentam seus salrios, de formadesproporcional em relao mdiade vencimentos da populao, issotambm causa revolta. O nepotismo outro motivo para o descrditodos polticos.

    Alm dessas causas, se existeincompreenso do papel do PoderLegislativo por parte da populao,

    o mesmo acontece por parte dosprprios legisladores que, com frequncia, agem comodespachantes ou quebra-galhos de seus eleitores. So os queapenas sabem atuar no varejo, nessa troca mida de favores,garantindo no cot idiano a sua reeleio. Eles no estocomprometidos com uma viso abrangente dos problemas dacidade e com o carter pblico de suas atividades, de modo aelaborarem projetos relevantes ao desenvolvimento ou resoluodos problemas que afetam o municpio em sua totalidade.

    Assim, se as pessoas no acreditam na funo do vereador,

    no h porque acompanhar seus trabalhos, comparecer Cmaranas audincias pblicas ou mesmo em suas sesses ordinrias.Os que cercam os vereadores com muita frequncia o fazem parasolicitar algum favor, para si ou para seu bairro ou rua. Ou seja,forma-se um elo esprio entre representante e representado,

    Nepotismo

    Exerccio de cargo em comisso de cnjuge, compa-

    nheiro ou parente de poltico em linha reta, colateral

    ou por afinidade at o terceiro grau, inclusive dosvereadores ou servidor em cargo de direo, chefia e

    assessoramento. Em 21 de agosto de 2008, o Supremo

    Tribunal Federal aprovou a Smula Vinculante n. 13

    sntese dos casos parecidos, decididos da mesma

    maneira e que refora o entendimento do artigo 37

    da Constituio Federal que restringe, quando no

    veda, a contratao de parentes sem concurso pbli-

    co. Muitos municpios esto criando suas leis para

    proibir o nepotismo. Fonte: Elaborado pela autora.

    Saiba mais

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    assentado na incompreenso de ambas as partes sobre o papel dolegislador e nos resultados pragmticos dessa relao, convenientes

    para as duas partes.

    A JUDICIALIZAODAPOLTICA

    Provavelmente voc j ouviu a expresso judicializao dapoltica, difundida nos ltimos tempos no Brasil no apenas noambiente acadmico, mas tambm sob ampla circulao pblica.

    Tal expresso invadiu a literatura da Cincia Social a partir doprojeto de pesquisa de Tate e Vallinder (1995) de comparaoemprica do Poder Judicirio em diferentes pases.

    O significado atribudo expresso no sempre o mesmo;ela pode ser utilizada de modo normativo, o que tem sido maisfrequente, pelo menos na mdia, ou de modo analtico, em textosacadmicos. Para Tate e Vallinder (1995), a judicializao da polticasignifica a adoo de procedimentos prprios da deciso judicialna resoluo de conflitos polticos. Isso pode ser feito por meio daampliao das reas de atuao dos tribunais atribuindo-lhes opoder de reviso judicial de aes executivas e legislativas, comapoio na constitucionalizao de direitos e de mecanismos defreiosecontrapesos*entre os Poderes.

    Outro caminho mais difuso seria pela introduo ouexpanso de st af f judicial ou de procedimentos judiciais noExecutivo (caso de tribunais e/ou juzes administrativos) e noLegislativo (caso das Comisses Parlamentares de Inqurito)(MACIEL; KOERNER, 2002).

    Contudo, como o propsito deste livro no explorar

    profundamente os muitos sentidos atribudos expresso, vamosnos referir de modo geral s principais distines. Quanto aoprimeiro sentido atribudo ao termo judiciao, quando ele adotaconotaes normativas, encontramos os que veem o fenmeno da

    *Freios e contrapeso

    (checks and balances)

    expresso que se refe

    ao equilbrio que devhaver entre os Podere

    Executivo, Legislativo

    Judicirio. Para qu

    cada poder no exced

    suas atribuies, e

    deve ser controlado p

    los outros e vice-vers

    Esse tema ocupo

    Montesquieu em su

    obra Do Esprito das Lei

    no sculo XVIII e foi ret

    mado pelos Federalist

    autores da Constitui

    americana, com grand

    nfase. Fonte: Elabor

    do pela autora.

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    28Especializao em Gesto Pblica Municipal

    judicializao da poltica como sinal negativo, e os que o veemcomo sinal positivo.

    Voc pode estar se perguntando: como assim sinais negativo e

    positivo?

    Negativo, nesse contexto, refere-se ao fato de que atransferncia do poder de deciso dos Poderes Legislativo e/ouExecutivo para o Judicirio seria o resultado de uma insuficinciade desempenho dos dois primeiros: dado que no cumprem suas

    funes de modo satisfatrio, o Judicirio entraria em cenacompensando ou remediando essa situao. Alm do mais, h osque entendem que tais consideraes podem ser aplicadas noapenas aos juzes, mas ao Ministrio Pblico. Nessa tica, oMinistrio Pblico estaria se excedendo em relao s suasatribuies ao levar os conflitos justia ou resolvendo-osextrajudicialmente, tendo a lei e sua posio a seu favor.

    Quanto aos que enxergam no fenmeno um sinal posit ivo,a ideia que a utilizao dos canais da justia pelos cidadossignifica mais uma arena pblica que propicia a formao da

    opinio pbl ica e o acesso a direitos. Experimentando apredominncia do Executivo sobre o Legislativo e o isolamentoparlamentar em relao sociedade civil, o cidado estariatomando a iniciativa de buscar a efetivao de seus direitosconstitucionais, individualmente ou por intermdio de aescoletivas. O Ministrio Pblico visto, nessa tica, como tendo umpapel fundamental de retaguarda para a mobilizao da sociedade.

    A judicializao da poltica parece ter se avolumado maisnos planos estadual e federal, mas no caso dos municpios maiores,ela com certeza tambm um fenmeno em curso. No podemosperder de vista que a maioria dos municpios brasileiros constitudade unidades com menos de 10.000 habitantes, o que significa dizerque nem todos dispem de recursos institucionais para viabilizaraes individuais ou coletivas no sentido de fazer valer seus direitos.

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    A IMPORTNCIADAREABILITAODAPOLTICA

    O pior analfabeto o analfabeto poltico.Ele no ouve, no fala, nem participa dos acontecimentospolticos.Ele no sabe que o custo de vida, os preos do feijo, dopeixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remdio de-pendem das decises polticas.O analfabeto poltico to burro que se orgulha e estufa opeito dizendo que odeia a poltica.

    No sabe o imbecil que da sua ignorncia poltica nasce aprostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os ban-didos que o poltico vigarista, pilantra, o corrupto e la-caio dos exploradores do povo.

    Bertolt Brecht

    Voc j observou que as pessoas frequentemente afirmamque no se interessam por poltica ou, mais do que isso, que detestama poltica? Outras gostam tambm de se denominarem apolticas.

    A expresso mar de lama, amplamente utilizada na crise

    dos anos de 1950 que culminou com o suicdio de Getlio Vargas,em 1954, passou a ser associada com as atividades polticas. Comose uma barreira de assepsia separasse o mundo dos cidadosdignos, aqueles que no se envolvem com a poltica, do mundo da

    vilania e da corrupo do lado de l. Isto , dos cidados versusos polticos que atuam nas prefeituras, cmaras, assembleias, nospalcios de governo ou no Congresso. Essa m reputao da polticacom certeza tem base na realidade.

    Mas pense bem: quem vota nos pol t icos que tantocondenamos? Quem fecha os olhos, para no ter de se

    incomodar, quando circulam rumores sobre falcatruas com o

    dinheiro pblico? Quem acompanha atentamente o que se

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    30Especializao em Gesto Pblica Municipal

    passa nas cmaras e nas secretarias? Ser que o descalabro

    da poltica responsabilidade apenas dos profissionais dessa

    atividade?

    Como dissemos no incio deste livro-texto, o Brasil tem umavasta experincia pol t ica autori tr ia. Para justif ic-la , uma dasalegaes sempre foi a incapacidade (em linguagem jurdica,hipossuficincia) do povo brasileiro. Sem cultura, ignorante,despreparado, o povo precisaria andar com rdeas curtas sob oolhar vigilante de seus guias. O pensamento do alemo BertoldBrecht (1898-1956) retrata bem essa incapacidade.

    Nessa mesma linha de raciocnio, foi criada a ideia dosalvador da ptria, do lder clarividente que viria trazer as soluespara esse povo subdesenvolvido.

    Felizmente isso vem mudando, mas qualquer resqucio dessacultura precisa ser severamente combatido porque a sequncia desastrosa: povo ignorante necessidade de tutela eliminaoda participao poltica eliminao da prpria poltica ameaa Democracia.

    A desqualificao da Poltica tem o efeito de estimular aspessoas a voltarem as costas para a esfera pblica, desinteressando-as dos temas da cidade, o que facilita enormemente a atuao dospolticos que costumam se locupletar da coisa pblica.

    Vale ressaltar o indiscutvel papel da mdia na formao daopinio pblica, a inclusa a viso a respeito da poltica.

    No caso do municpio, os jornais e os rdios locaisdisseminam diariamente avaliaes arespeito do Legislativo e do Executivo, quecontm premissas, valores, inclusive uma

    viso acerca da atividade pol tica e/ou

    da moralidade poltica.Destacar temas ou minimiz-los, ou

    mesmo ocult- los, so formas de irmodelando com o cuidado do arteso o perfil

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    de cidado desejado. J se tornou lugar comum a afirmao deque vivemos em uma sociedade miditica, da qual decorrem os

    benefcios do acesso informao, mas tambm os males damanipulao que a maioria no percebe, sobretudo em um pascom uma populao de baixa escolaridade.

    O cidado bem informado vital para a Democracia; ainformao que qualifica as pessoas para suas escolhas, e noapenas as eleitorais. O controle insidioso da opinio pblica, noentanto, uma ameaa real, dados os interesses econmicos quemovem os proprietrios dos meios de comunicao, muitas vezesem conluio com o prprio Poder Pblico.

    A Polt ica, por sua prpria natureza, um dos elementos

    constitutivos das sociedades humanas. Voc sabe por qu?

    Por causa das diferenas individuais, quanto aos maisvariados aspectos, inclusive as relacionadas aos interesses prprios,pois os homens sempre entram em conflito entre si. Imaginar umaharmonia permanente e a convivncia baseada apenas em consensosimplicaria que todos fossem iguais, que tivessem os mesmos gostos,

    preferncias e interesses, o que no corresponde realidade.O conflito algo inevitvel nos agrupamentos humanos e precisaser administrado para que a ordem seja mantida e o grupo no

    venha a ser desagregado. Ou os mais for tes vo impor sempre suavontade aos mais fracos ou a negociao entre as partes, quandoemerge o conflito, a condio de possibilidade da vida social.Quanto mais primitiva a sociedade, mais o recurso fora uti l izado; a pol t ica emerge quando j h algum grau dedesenvolvimento econmico e social.

    Os gregos, na Antiguidade Clssica (sculo V a.C.), foramos responsveis pela inveno da Pol t ica. As questesrelacionadas aos habitantes da Poli s, a cidade, deveriam serdebatidas e as melhores solues encontradas a partir da busca desadas mais adequadas coletividade. Os gregos se orgulhavam

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    de dar esse tratamento aos assuntos coletivos, bem diferente doque fazia a Prsia, onde grassava o despotismo*. Distinguir-se

    do primitivismo dos persas era um dos temas dos gregos,responsveis tambm pela descoberta da Razo e da Filosofia.

    Assim, temos o surgimento da noo de Poltica como umamarca da cultura grega, que faz parte do legado greco-romanorecebido pelo Ocidente, nossa referncia sempre retomada, aindano sculo XXI. Essa noo representa um marco do ponto de vistacivilizatrio e dessa maneira que o tema sempre apareceu nahistria, na literatura, nas artes. Abrir mo da Poltica , portanto,um retrocesso civilizatrio, alm das consequncias pragmticasmais imediatas.

    O conflito inevitvel em qualquer sociedade. O papel

    da Poltica precisamente possibilitar a vida em

    sociedade, apesar dos conflitos. Em outras palavras,

    transformar o conflito em cooperao.

    Como a sobrevivncia da sociedade depende da cooperao,o grande papel da Poltica consiste em levar os indivduos a isso,

    sem anular, contudo, a suas diferenas. Por isso, a ideia denegociao sempre esteve intimamente associada da Poltica. Noa negociao no sentido rasteiro que algumas vezes assumiu entrens, do toma l, d c ou do dando que se recebe, mas emum sentido mais nobre, isto , cvico: cada ator poltico distingueos interesses que lhe so prprios, seja como indivduo seja comomembro de um grupo (portanto no necessariamente partilhveispelo conjunto da sociedade), dos interesses que guardam com aqueleconjunto, no obstante as divergncias em relao s outras partes.Nesse ponto, readquire atualidade a ideia grega de que o todo tem

    supremacia sobre as partes. Mas na Antiguidade, no contexto demaior homogeneidade e simplicidade das cidades-estados, conciliaras partes era algo muito menos complexo, se comparado aos desafiospostos hoje a um gestor pblico.

    *Despotismo qualquer

    manifestao de autori-

    dade tendendo tirania e

    opresso. Fonte:

    Houaiss (2009).

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    A teia intrincada das relaes sociais na sociedade modernaexige dos polticos uma habilidade sem limites para que as foras

    centrpetas ou de agregao se sobreponham s centrfugasou de desagregao. Apesar de todas as foras que conduzem desagregao, ao conflito, a tarefa da Poltica produzir a coeso,por meio de denominadores comuns extrados da dimensopblica que cada indivduo ou grupo conseguiu constituir.

    Jean-Jacques Rousseau, no sculo XVIII, ao escrever oContrato Social,afirmou que Quando algum disser dos negciosdo Estado: Que me importa? pode-seestar certo de que o Estado est perdido.Se essa era uma preocupao do filsofo

    h dois sculos , imagine hoje, quando oindividual ismo est bem maisexacerbado!

    Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)

    Escritor, pensador e filsofo iluminista suo nas-cido em Genebra, naturalizado francs, cujas

    ideias polt icas situavam-se contra as injustias

    da poca, defendeu a pequena burguesia e ins-

    pirou os ideais da Revoluo Francesa (1789) Fon-

    te: . Acesso em: 4 ago. 2010.

    Saiba mais

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    A DEMOCRACIAPARTICIPATIVA:COMPLEMENTODADEMOCRACIA

    REPRESENTATIVA

    Os gregos na Antiguidade foram mencionados anteriormentecomo os que esto na origem da noo de Poltica. Deles derivoutambm a noo de Democracia. Dadas as condies em que

    viviam, a Democracia por eles inventada foi a direta, em que oscidados se reuniam na gora, a praa do mercado, paradeliberarem sobre os assuntos da cidade. A ideia de Democraciaavanou para os sculos seguintes associada a essa forma direta,e, j no sculo XVIII, Rousseau ainda a tomava como refernciaem seu Contrato Social.

    A Democracia Represen tati vaganhou fora nos tempos modernos, coma criao dos Estados nacionais, cujasdimenses e maior complexidadeexigiam a intermediao derepresentantes entre o povo e o podercentral. Montesquieu, filsofo francs dosculo XVIII, analisa em sua obra O

    Esprito das Leis a diviso dos poderesbem como os federalistas, autores da

    Const i tuio americana, os quais,apoiando-se em seu pensamento,teorizaram sobre a Repblica moderna,representativa, e os desafios do equilbrio

    Charles-Louis de Secondat (1689-1755)

    Conhecido como Baro de Montesquieu, foi um

    dos grandes fi lsofos polt icos do Iluminismo.

    Definiu trs tipos de governo: republicano,

    monrquico e desptico, e organizou um sistema

    de governo que evitaria o absolutismo, isso , a

    autoridade tirnica de um s governante. Foi ele

    quem idealizou o Estado regido por trs poderes

    separados: o Legislativo, o Executivo e o Judici-rio, o que teve grande impacto na poltica, influ-

    enciando a organizao das naes modernas.

    Fonte: . Acesso em: 4 ago. 2010.

    Saiba mais

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    entre os poderes para superar as ameaas das faces ou dadesagregao da Repblica.

    At a Revoluo Francesa, em 1789, vigorou o chamadomandato imperativo, pelo qual o representante somente podia semanifestar e votar nas questes para as quais tinha autorizaoexpressa dos representados. Ele no tinha autonomia, agia apenascomo enviado, como porta-voz. Essa forma de mandato (queantecede o mandato representativo) assemelha-se ao que vigorano Direito Privado: quando constitumos um advogado ouprocurador, ele deve dizer, em nosso nome, exatamente o que nosconvm ou o que o autorizamos a falar.

    No entanto, houve uma mudana importante na noo da

    representao a part ir da Revoluo Francesa. Como osrevolucionrios estavam empenhados em afirmar o valor universalda cidadania, ou seja, todos sem exceo deveriam ser consideradoscidados; o representante, o deputado tambm deveria exercer suafuno em nome de todos, igualmente. Um dos resultados daRevoluo Francesa foi a afirmao dos direitos iguais dos cidadose do acesso igual de todos ao poder, por intermdio da figura dorepresentante.

    O Brasil, cujo passado autoritrio e centralizador, comomencionamos, evoluiu no final do sculo XX para se transformarem um dos pases com maior nmero de prticas participativas;algumas das quais sero tratadas na sequncia do texto. Tais prticasno substituem a representao, mas vm complement-la.

    Voc j deve ter observado como comum as pessoasreclamarem dos representantes, sejam eles vereadores, deputadosestaduais ou federais. Mas so esses os representantes doscidados nos trs nveis de governo, uma vez que os senadoresrepresentam diante do Poder Executivo os interesses dos Estadospelos quais foram eleitos para o Poder Executivo.

    Existe um desgaste ou uma crise da representao que comum aos vrios pases e que decorre das enormes transformaesem curso. A globalizao, por exemplo, ocasionou certa relativizaodo poder das autoridades nacionais, j que muitas decises so

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    tomadas em instncias supranacionais. A quebra das fronteirasnacionais foi impulsionada pela velocidade das comunicaes; os

    contatos entre as maiores distncias, inclusive as transaesfinanceiras, levam o tempo de um sinal eletrnico.

    Alm disso, a complexidade da intricada rede de relaessociais fez com que a representao que tem como base o territriose tornasse insuficiente. As interaes construdas com base emafinidades perpassadas por temticas diversas, tais como: questesambientais, tnicas, de gnero, entre outras, renem, por intermdiodos meios de comunicao, sobretudo a internet, pessoas de regiesdistantes ou mesmo de pases diferentes em torno do debate e daarticulao dessas temticas.

    No caso do Brasil, a representao umdos temas da agenda das reformas polticas queesto h muito tempo para serem votadas por meiode propostas como o fim das coligaes naseleies proporcionais e da representaodesigual dos cidados dos Estados da federao.

    A Const ituio de 1988 def iniu para osEstados o nmero mnimo de 8 e mximo de 70deputados para a Cmara Federal e, assim, asdistores permanecem. A discusso tem como

    base a representao populacional e a representao territorial: osEstados menos populosos insistem na representao territorial e osEstados mais populosos preferem a representao proporcional populao. A distribuio das cadeiras na Cmara dos Deputados,que segue o critrio vigente, beneficia, segundo o argumento dasobrerrepresentao, pelo nmero mnimo os Estados menospopulosos. Contudo, se o clculo fosse realizado unicamente emrelao populao, haveria apenas um representante para essesEstados. Assim, os Estados mais populosos acabam "penalizados"

    pelo teto. Trata-se, com efeito, de debate to antigo quanto o debatesobre o prprio federalismo.

    E quanto aos municpios? Como ocorre sua representao?

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    Embora no ocorra da mesma maneira, o problema maisgeral da representao tambm atinge os municpios, dada a

    heterogeneidade entre eles. O fenmeno da insuficincia darepresentao territorial, antes mencionado, tambm ocorre nosmunicpios. A demarcao da cidade em loteamentos eleitorais,que no legal, mas uma prtica ainda costumeira, est emdesacordo com o avano da organizao da sociedade civil,sobretudo em municpios maiores. O vereador do bairro no temestatura para enfrentar os temas que emergem com a complexidadedas relaes sociais. A luta das mulheres contra a violnciadomstica, por exemplo, no obedece geografia eleitoral (oueleitoreira) da cidade. Como pensar o trnsito e o transporte coletivo

    na cidade sem uma viso sistmica do problema, com todas assuas implicaes?

    claro que alguns problemas afligem mais alguns bairrosou regies: os desabamentos de encostas na poca das chuvas, afalta de saneamento ou de calamento etc. Esses continuaro a serdisputados pelos vereadores que gostam de cultivar clientelas pormeio de seus favores. A representao relacionada com temasque agregam os cidados ser retomada adiante ao tratarmos dosConselhos Municipais.

    Assim como ocorre com os deputados, a questo do nmeroadequado de vereadores em relao ao tamanho do eleitoradotambm tem sido abordada no Pas.

    Voc sabe qual deve ser a dimenso da Cmara Municipal

    para a boa prtica da Democracia?

    A Consti tuio Federal, em seu artigo 29, inciso VI, fixadiretrizes para que seja mantida a proporcionalidade entre apopulao do municpio e o nmero de vereadores, mas dentro doslimites estabelecidos, o nmero exato fixado pela Lei Orgnicado Municpio.

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    Essa no uma questo apenas aritmtica, mas poltica.Se os cidados veem com bons olhos o papel dos vereadores, tero

    simpatia pela ideia de aumentar o seu nmero. Afinal, sero maispessoas empenhadas no equacionamento dos problemas da cidade.Se, ao contrrio, os vereadores so vistos como sanguessugas emrelao aos recursos pblicos, para muitos a prpria Cmara seria

    at dispensvel! Mas mesmo que o vereadorno chegue a esse ponto da corrupo,muitas vezes os eleitores se sentem tradosporque as promessas de campanha ficamesquecidas depois das eleies ou o

    vereador altera suas posies polticas em

    relao s antes defendidas. Atrecentemente, antes de surgir a Lei daFidel idade Part idria, os pol t icosmigravam livremente de um partido paraoutro, o que tambm desorientava oseleitores.

    Mas ateno para um aspecto muito relevante! Embora asdistores e os problemas da representao precisem ser conhecidose debatidos para o aprimoramento da Democracia, no apenasporque eles existem que a participao da sociedade torna-seimportante. A participao das organizaes da sociedade importaporque ela complementa a representao, ainda que ela funcionesatisfatoriamente. E por qu? Por algumas razes:

    Nunca ocorre perfeita coincidncia entre os pontos devista do representante e os de todos os representados.A realidade dinmica, e os representados no formamum todo coeso, baseado no consenso. Sobre temascandentes, sobretudo, h sempre algum desencontroentre os dois polos da representao, em razo da

    autonomia do representante.

    As experincias histricas da Democracia direta, comona Antiguidade Clssica, mostraram seu mrito e,embora essa forma sozinha no seja suficiente

    Lei da Fidelidade Partidria

    Em 14 de agosto de 2007 foi aprovado na Cma-

    ra Federal o projeto de Lei Complementar n. 35/

    07 que prev punio com inelegibilidade por

    quatro anos para os detentores de mandato

    que trocarem de partido fora do perodo deter-

    minado para tal mudana: depois de eleito,

    ele ter de esperar 2 anos e 11 meses por uma

    janela de 30 dias, quando poder mudar de

    partido. Fonte: Elaborado pela autora.

    Saiba mais

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    contemporaneamente, com certeza seus mecanismoscontribuem para lanar pontes entre a esfera pblica e

    a sociedade civil.A existncia de mecanismos de participao mantm

    os cidados ativos, atentos, mobilizados nos interstcioseleitorais. A representao, com frequncia, faz comque os cidados deleguem completamente aosrepresentantes o cuidado com a cidade.

    H sempre ngulos de viso novos a respeito dos problemasda cidade que surgem dos debates pblicos seja nasaudincias pblicas, ou nos conselhos, nas assembleias

    etc. A pluralidade da participao enriquece o debatepoltico e isso se perde se os interlocutores ficamrestritos aos representantes eleitos.

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    A CONSTITUIODE1988 EADEMOCRACIASEMIDIRETA

    A cientista poltica Maria Victria Benevides definiu

    nossa Democracia como semidireta porque nossaConstituio inclui mecanismos da Democracia direta,alm de estabelecer o sistema representativo. Como no possvel reunir o povo na gora como nas antigas cidades-estados, a participao direta se d por outros mecanismos,contemporaneamente. Benevides (1991) se debrua sobre

    a complementaridade entre as formas de representao e departicipao; a forma de participao permite o aperfeioamentoda Democracia pelo ingresso direto do povo no exerccio da funolegislativa e na produo de polticas governamentais.

    INSTRUMENTOSDADEMOCRACIADIRETACRIADOSPELA

    CONSTITUIODE1988

    Alguns instrumentos que foram criados em 1988 garantem aparticipao direta do cidado nas deliberaes, nos trs nveis de

    governo: federal, estadual e municipal. So eles: o plebiscito, oreferendo e as leis de iniciativa popular.

    O plebiscito e o referendo no so sinnimos: o artigo 49 daConstituio estabelece que, quanto ao referendo, cabe aoCongresso autorizar e, quanto ao plebiscito, convocar. Alm

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    disso, por meio do referendo a populao aprova ou rejeita umprojeto que j tenha sido aprovado pelo Legislativo; no plebiscito,

    a populao decide pelo voto uma determinada questo. O plebiscito adequado para casos excepcionais e o referendo para ratificarou no atos prvios dos poderes constitudos.

    O plebiscito costuma suscitar questionamentos em razo deprecedentes histricos de sua utilizao por regimes totalitrios ouautoritrios, como os de Hitler, de Franco, de Ferdinando Marcos,de Pinochet e outros. No meio jurdico e pol tico francs, o plebiscito visto como deturpao do referendo, provavelmente emconsequncia de experincias passadas. Contudo, muitas vezes oque est em causa no o mecanismo de consulta popular em si,

    mas sua utilizao e regulamentao.Para Benevides (1991), o que distingue plebiscito de

    referendo a natureza da questoque levou consulta popular se normas jurdicas ou qualquer outro tipo de medida poltica eo momento da convocao. Em relao natureza da causa, oreferendo concerne unicamente a normas legais ou constitucionais,enquanto o plebiscito concerne qualquer questo de interessepblico, no necessariamente normativa inclusive polticasgovernamentais. Quanto ao momento da convocao,

    [...] o referendo convocado sempre aps a edio de atosnormativos para confirmar ou rejeitar normais legais ouconstitucionais em vigor; o plebiscito consiste em umamanifestao popular sobre medidasfuturas, relaciona-das ou no edio de normas jurdicas. (BENEVIDES,1991, p. 133, grifo nosso).

    Decidir que matrias podem ou devem ser objeto de consulta uma importante questo poltica. Benevides (1991) enfatiza doispontos, um de ordem prtica e outro de princpio. O primeiro dizrespeito discusso sobre temas que podem ser objeto de referendoou de plebiscito, dependendo do mbito territorial da consulta(nacional, regional ou local), o que vai interferir na exigncia quanto coleta de assinaturas, ao nmero exigido etc. No plano municipal,

    vPlebiscitos napolenico

    e referendo

    plebiscitrios d

    De Gaull

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    por exemplo, no teria sentido a realizao de referendo/plebiscito sobre temas da grande poltica nacional, assim

    como questes de direitos humanos; enquanto no planonacional no caberiam consultas sobre temas como trnsitourbano, obras pblicas municipais etc. O ar tigo 18, 4 daConstituio estabelece que as regras para A criao, aincorporao, a fuso e o desmembramento de Municpios[...] sero objeto de lei estadual [...] e dependero deconsulta, mediante plebiscito [...] s populaes diretamente

    interessadas. Esse um caso, portanto, de plebiscito a ser realizadono nvel municipal.

    O princpio da soberania popular pressupe a capacidade

    de deciso do povo, assim como a possibilidade de conhecimentoda questo em causa. Nesse caso, a distino entre consultasnacionais e locais importante, sobretudo em pases de grandesdimenses territoriais como o Brasil: no plano local o eleitoradoter melhores condies para conhecer, participar e julgar a questo.

    E o segundo ponto est relacionado soberania popular:teoricamente, nenhum tema pode ser excludo da consulta popular.H casos em que os constituintes consideraram que o povo nopode votar, como nas questes tributrias, o que significa que umaparcela do poder passou dos mandantes para os mandatrios, dosoberano para o representante. Isso pode ocorrer legitimamente,mas preciso que a deciso prvia sobre essa delegao de poderesseja aceita e reconhecida pelo povo.

    Nesse sentido, a iniciativa popular legislativa est tambmprevista na Constituio de 1988, nos trs nveis de governo:municipal, estadual e federal. O artigo 29, inciso XIII, institui ainiciativa popular de projetos de lei de interesse especfico domunicpio, da cidade ou de bairros, atravs da manifestao de,pelo menos, cinco por cento do eleitorado.

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    OSCONSELHOSMUNICIPAIS

    A criao dos Conselho s Muni cipa isinscreve-se no mesmo esforo pela consolidaoda Democracia no pas que gerou o movimentopela descentralizao e os instrumentos tratadosno item anterior. Como vimos, a forma federativapossibilita a autonomia administrativa e polticado municpio e que a Administrao Direta e Indireta local sejamconstitudas de forma mais independente. Ela abriu espao parainovaes institucionais, caso dos conselhos, que so incumbidos

    das competncias designadas pela legislao constitucional einfraconstitucional.

    No caso dos conselhos gestores de polticas pblicas, tambmchamados de setoriais, a instituio da gesto local de fundosfederais foi um fator fundamental para sua implementao, poisforam considerados obrigatrios para o repasse de recursos federaispara Estados e municpios e peas centrais no processo dedescentralizao e democratizao das polticas sociais.

    A crena no papel relevante dos conselhos quanto aos dois

    processos descentralizao e democratizao deriva de duasde suas caractersticas: o fato de estarem vinculados ao PoderExecutivo (o que retira desse Poder a exclusividade da deciso,portanto descentraliza) e o fato de neles estarem representados ossetores organizados da sociedade. Mas como se d essarepresentao?

    Nova Forma de Representao

    Conforme abordamos, o sistema representativo contm vrios

    problemas que caracterizam sua crise. Diante disso, einstitucionalizando diversas sugestes de medidas surgidas noprocesso de redemocratizao, emergiram no Pas formas derepresentao no eleitoral, ou representao por afinidade, segundo

    Avritzer (2007), categoria na qual se incluem os Conselhos Municipais.

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    A questo candente hoje como reconstruir a representaode modo a integrar seu elemento eleitoral com as diversas formas

    de advocacia e participao que tm origem extraeleitoral. necessrio pensarmos o contexto no qual convivero arepresentao eleitoral e a representao da sociedade civil, assimcomo entendermos o papel da autorizao na criao delegitimidade nesse novo contexto.

    Avr itzer (2007) destaca a existncia de diversos tipos deautorizao relacionados a trs papis polticos diferentes: o deagente, o de advogado e o de partcipe. Nos trs tipos h o elementodo agir no lugar de.

    O primeiro caso, o de agente escolhido no processo elei-toral, foi anteriormente abordado.

    Quanto ao segundo caso, emergiu nas ltimas dcadasum conceito de advocacia de causas pblicas que pres-cinde da escolha do advogado pelas prprias pesso-as e de suas instrues precisas: organizaes no go-

    vernamentais defendem atores que no as indicarampara tal funo, como no exemplo da Anistia Internaci-onal ou do Greenpeace.

    O terceiro caso o da representao da sociedade ci-vil. Essa tem se tornado muito forte nas reas de pol-ticas pblicas no mundo em desenvolvimento em gerale no Brasil em particular e se d a partir da especiali-zao temtica e da experincia. Organizaes queemergem da sociedade civil, habituadas a tratar de umdeterminado tema, tendem a se apresentar como re-presentantes da sociedade civil em conselhos ou ou-tros organismos encarregados de polticas pblicas.Quando o ator que age por sua prpria conta fala em

    nome de outros atores, no deixa de haver representa-o, que nesse caso se d por identificao ou afini-dade. O grande desafio da representao, em quais-quer de suas modalidades o da legitimidade.

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    45Mdulo Especfico em Gesto Pblica Municipal

    A diferena entre a representao por afinidade e aeleitoral que a primeira se legitima em uma identida-

    de ou solidariedade exercida anteriormente, por umaorganizao, por exemplo; enquanto na eleitoral, oexerccio do mandato que vai conferir ou no legiti-midade ao eleito, como lembra Avritzer (2007).

    A representatividade dos conselhos uma garantia de queas decises por eles tomadas sero legitimadas e, no sentido inverso,a legitimidade reassegurar a representatividade, em um processode retroalimentao.

    A construo da representatividade est fortemente

    associada forma de escolha das entidades no vinculadas aogoverno municipal. As quatro formas mais comuns de escolha so:

    pela lei;

    pelas plenrias das entidades;

    pela escolha do prefeito; e

    pela conjugao de mais de uma forma de escolha.

    No primeiro caso, a lei fixa quais sero as entidadesintegrantes do conselho, o que enrijece muito a sua formao, j

    que qualquer alterao passa a depender de um decreto. Nesse caso,a ampliao da representao no poder ocorrer por escolha doprprio conselho e h o risco de apropriao das cadeiras porparte das entidades pertencentes ao Conselho Municipal, que podemse ater mais aos prprios interesses.

    No segundo caso, o das plenrias, uma via maisdemocrtica, que possibilita o debate, a argumentao, o processode convencimento prprio da atividade poltica. A escolha dosrepresentantes depender da efetiva participao de todos osinteressados.

    O terceiro caso, a indicao pelo prefeito, traz, como claro,o risco de aparelhamento dos conselhos. Na escolha mista, h apossibilidade de o prefeito indicar entidades excludas e h a

    vantagem de se trabalhar caso a caso.

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    46Especializao em Gesto Pblica Municipal

    Mas quantos so os Conselhos Municipais? Voc sabe?

    O nmero varia de cidade para cidade; alm dosobrigatrios, h os que so criados a partir de demandas locais.De acordo com a pesquisa Conselhos Municipais e Polticas Sociais(IBAM, IPEA, COMUNIDADE SOLIDRIA, 1997 apudTATAGIBA,2002) existem trs tipos principais de conselhos:

    Conselhos de Programas: vinculados a programasgovernamentais concretos e em geral associados aaes emergenciais bem delimitadas quanto ao seuescopo e sua clientela, que articulam ou acumulam,em geral, funes executivas no mbito do respectivoprograma. Trabalham mais com a noo de clientelasespecficas, supostamente beneficirias dos programas.Dizem respeito no extenso de direitos ou degarantias sociais, mas a metas incrementais em geral

    vinculadas ao provimento concreto de acesso a bens eservios elementares ou a metas de naturezaeconmica. A participao aqui, alm de acolher aclientela-alvo ou beneficiria, contempla tambm as

    parcerias e sua potncia econmica ou poltica. Porexemplo, os Conselhos Municipais de DesenvolvimentoRural, de Alimentao Escolar, de Habitao, deEmprego, de Distribuio de Alimentos.

    Conselhos de Polticas: ligados s polticas pblicasmais estruturadas ou concretizadas em sistemasnacionais. So em geral previstos em legislaonacional, tendo ou no carter obrigatrio, e soconsiderados parte integrante do sistema nacional, comatribuies legalmente estabelecidas no plano da

    formulao e implementao das pol t icas narespectiva esfera governamental, compondo as prticasde planejamento e de fiscalizao das aes. Sotambm conhecidos como fruns pblicos de captaode demandas e de negociao de interesses especficos

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    dos diferentes grupos sociais e como uma forma deampliar a participao dos segmentos com menos

    acesso ao aparelho de Estado. Nesse grupo estosituados os Conselhos de Sade, de Assistncia Social,de Educao, de Direitos da Criana e do Adolescente.Dizem respeito dimenso da cidadania, universalizao de direitos sociais e garantia aoexerccio desses direitos, zelando pela vigncia dessesdireitos, garantindo sua inscrio ou inspirao naformulao das polt icas e seu respeito na suaexecuo.

    Conselhos Temticos: sem vinculao imediata aum sistema ou legislao nacional, existem na esferamunicipal por iniciativa local ou mesmo por estmuloestadual. Em geral, esto associados a grandesmovimentos de ideias ou temas gerais que, naquelemunicpio, por fora de alguma peculiaridade de perfilpoltico ou social, acolhem ou enfatizam o referidotema em sua agenda. Aqui, mais do que nos outrosdois tipos, os formatos so muito variveis, embora,em geral, tendam a seguir as caractersticas principais

    dos Conselhos de Polticas, ou seja, a participao derepresentaes da sociedade e a assuno deresponsabilidades pblicas. Fazem parte desse grupoos Conselhos Municipais de Direitos da Mulher, deCultura, de Esportes, de Transportes, de PatrimnioCultural, de Urbanismo etc.

    Os conselhos responsveis pela democratizao das polticassociais contriburam para o resgate da dvida social, um doscompromissos da redemocratizao. Entre elas destacamos: a dasade (Lei Orgnica da Sade), a da Assistncia Social (LeiOrgnica da Assistncia Social), a da proteo criana e aoadolescente (Estatuto da Criana e do Adolescente) e, maisrecentemente, a da poltica urbana (Estatuto da Cidade). Em todasessas polticas estava prevista a participao popular, e o modelo

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    48Especializao em Gesto Pblica Municipal

    dos conselhos originais, alguns obrigatrios, foi o adotado nosubsequente processo de criao de outros, sobre as mais variadas

    temticas.Os Conselhos de Sade e