fad retrospectiva
TRANSCRIPT
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 1/91
RETROSPECTIVA
I NCEN TI VO PAT ROC NIO RE ALIZ AÇÃO
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 2/91
Sumário
FAD
ENTRE RUÍDOS E MEMÓRIAS,OU PRIMEIRAS NOTAS PARA UMA
HISTÓRIA AUDIOVISUAL DE BHZ
PATRICIA MORAN
TADEUS MUCELLI
ROBOT 04 - DIGITAL PATHS INTO
MUSIC AND ART
FRANCESCO SALIZZONI
GRUPO POÉTICAS DIGITAIS:
PROJETOS #AZUL, PEDRALUMEN E DESLUZ
GILBERTTO PRADO GRUPO POÉTICAS DIGITAIS
(ECA-USP/CNPq)
O FESTIVAL DE ARTE DIGITAL EM IMAGENS
PERFORMANCE AUDIOVISUAL EM
MEIOS DIGITAISE ANALÓGICOS
ERIC MARKE
TUDO É MOVIMENTO: DA CINÉTICA DOS
AUTÔMATOS ÀS VANGUARDAS CINÉTICAS DO
SÉCULO XX
MARINA GAZIRE LEMOS
ENSAIOS
MAGIA ALÉM DA IGNORÂNCIA:
VIRTUALIZANDO A CAIXA-PRETA
ANA PAULA BALTAZAR,
JOSÉ DOS SANTOS CABRAL FILHO
OS VÍDEOS ABERTOS DA AMÉRICA LATINA
NACHO DURÁN
ARTE, TECNOLOGIA E CIÊNCIA:
INTELIGÊNCIA E EMOÇÃO.
CHICO MARINHO
CÓDIGOS DIGITAIS E ALGORITMOS COMO
INSTRUMENTOS DE DESIGNERS E ARTISTAS
ROMERO TORI
PERMEABILIDADES ENTRE HOMEM
E MÁQUINA DIGITAL
SANDRO CANAVEZZI
ENSAIO PARA TODOS E PARA NINGUÉM
DANIELA KUTSCHAT
UMA REFLEXÃO LATERAL: DA ARTE
CONTEMPORÂNEA PARA O DIGITAl
SONIA LABOURIAU
NOTAS DIVERSAS: O TEMPO PRESENTE
E O LOCAL
EDUARDO DE JESUS,
06
76
09
11
88
14
102
116
32
2010
2011
2012
130
146
38
46
58
62
68
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 3/91
Todas as ilustrações deste livro foram criadas a partir de u
código gerado através da linguagem de programação de
código aberto Processing (www.processing.org).
• Cd f repreen um e d lvr,
end dreçã ncl defnd pel n (2010
e 2011/2012);
• undde de crcere d nme d ur
defne epeur d f;
• undde de crcere d e defne
eenã d f;
• undde de crcere d ul defne
pn de nc;
• dreçã e cr d f mudm empre
ue um g epecfcd e preene n e
(e.: re, dgl)
O código está disponível gratuitamente para download no
site www.festivaldeartedigital.com.br.
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 4/91
6 7
de eventos com a marca da fusão entre arte e tecnologia,
o FAD traz ao país trabalhos nunca antes aqui exibidos, ao
mesmo tempo em que mostra ao público mineiro obras de
realizadores locais que foram exibidas em outros estados e
no exterior, mas nunca em Minas. O público responde com
um crescente interesse à produção digital cuja linguagem,
mesmo que não ligada diretamente ao seu repertório e
tradição culturais, já faz parte do seu cotidiano, através de
plataformas hoje popularizadas como celulares, TV,
internet ou tablets.
Pioneiro do gênero em Minas Gerais, o FAD cumpre o
papel de gerador de programas de conteúdos culturais
diversos, promove o acesso da população a novastendências e manifestações artísticas, além de divulgar e
contribuir para a formação de novos talentos e conceitos.
O festival também tem como meta primordial a questão
da acessibilidade à informação e ao conhecimento. Se
por um lado isso é cada vez mais facilitado pelas novas
tecnologias, globalização e velocidade na transmissão de
dados, por outro, fatores sociais e financeiros, bem como
o desconhecimento do potencial das novas tecnologias
e de seus criadores, impedem parte da população de se
beneficiar das tecnologias digitais.
A complexidade da questão passa pela popularização
não apenas dos suportes, mas de seus conteúdos,
códigos e linguagens.
O festival possibilita, ainda, a integração entre profissionais
de diversas áreas como músicos, diretores, produtores,
diretores de fotografia, designers, estudantes de
comunicação, empresas prestadoras de serviços nas áreas
de tecnologia, vídeo e cinema, e desses profissionais com
o público.
O Festival de Arte Digital – FAD é um projeto sobre a
exploração inventiva de novas tecnologias no campo da arte
e da comunicação. Um dos eixos do festival é a exibição
de instalações audiovisuais, performances e demais
apresentações, que privilegiam a arte eletrônica produzida
por máquinas e softwares por meio de mídia digital. O
festival também contribui para a formação de jovens
criadores através de simpósios, workshops e palestras,
ministrados por artistas nacionais e internacionais.
Ações como as do FAD vêm promovendo o crescimento
da criação e exibição no Brasil – ainda incipientes – de
trabalhos experimentais de arte criados a partir de
tecnologia digital.
A produção de arte eletrônica e mídia digital contemporânea
encontra no festival um de seus mais importantes canais de
divulgação. Desde 2007, o FAD oferece ao público o melhor
da produção brasileira e internacional, contribuindo para o
incentivo à exibição e propondo uma reflexão sobre a nova
produção de arte eletrônica em Minas Gerais, no Brasil e no
mundo.
Especificamente no estado e em sua capital, o festival
desempenha um papel fudamental no desenvolvimento
do cenário de novas mídias. Ao ampliar a agenda nacional
Festival deArte Digital
por HENRIQUE ROSCOEe TADEUS MUCELLI(diretores e curadores)
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 5/91
8 9
TadeusMucelli
Diretor - FAD
O Festival de Arte Digital de Belo Horizonte (FAD), ao longo
do tempo e de maneira involuntária, se internacionalizou.
A presença de artistas estrangeiros no edital público, e com
a efetiva presença de trabalhos no festival em suas diversas
atividades, tem colocado a proposta de curadoria e direção
do festival em situação privilegiada para a definição das
diretrizes e horizontes. O recorte das linguagens apresenta-
das no FAD tem sido amplo, o que vem caracterizando ainda
mais o posicionamento no cenário de festivais de linguagem
eletrônica através de novas mídias.
Seja em performances, instalações, oficinas, simpósio, a
permissão de várias técnicas e conceitos interagindo entresi, indo além da estética puramente digital ao notarmos que
a diversidade, ainda que intrínseca no “fazer digital” pelo
processo e não pelo resultado final, possa parecer limita-
dora, em verdade gera um campo de riqueza de discussão
com maiores possibilidades de difusão.
Diante disso, o projeto como um todo prevê o crescimento
da arte por meio de mídia em todo o mundo, com passos
mais aproximados e característicos da arte contemporânea
em sua forma mais ampla e moderna.
Nesse ponto há possíveis questionamentos e divergências
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 6/91
10 11
por FRANCESCO SALIZZONIDezembro 2011
O roBOt é um festival de música eletrônica e arte digital
que acontecerá entre 28 de setembro e 1º de outubro em
Bologna, na Itália.
Diversas são as razões que levaram o roBOt Festival a
vir para Belo Horizonte e o FAD a participar do roBOt de
Bolonha, que acontece daqui a algumas semanas.
O roBOt Festival, como o FAD, busca novas formas de arte, de
experimentação e de entretenimento, procurando interpretar,
por meio da arte, a renovação social, estética e ideal
decorrente do contínuo processo de inovação tecnológica.
O tema do festival deste ano é o Do it yourself, revolutionnow, que considera como revolução o conjunto de processos
históricos que tornaram a inovação tecnológica algo ao alcance
de todos, desligada do controle individual. Estas dinâmicas a
transformaram, por meio da web, no quadro negro em que a
humanidade redesenhará a própria existência.
Assim como no FAD, a arte digital e a música são os
dois focos do saber para os quais o roBOt dirige sua
atenção. Os dois festivais compartilham o mesmo objeto
de estudo e, por esta razão, estão empreendendo um
projeto de colaboração plurianual, procedendo por etapas,
fortalecendo, a cada ano, o envolvimento dos dois eventos.
conceituais entre o meio, o material e a proposta, porém
ainda sim estaremos tratando e falando de Arte, mesmo
que esta cada vez mais tenha se apropriado das diversas
técnicas, muitas vezes não tão usuais para os padrões mais
conservadores, pelo menos no enorme universo tratado por
festivais como o FAD. Podemos citar a engenharia computa-
cional, a engenharia de informação e conteúdo, a bioarte, os
games, a gambiologia, a arquitetura e o urbanismo em um
universo mais recente, os músicos digitais, os operadores
de tecnologias eletrônicas, entre muitos outros e outras que
convergem em resultados melhores na maioria das vezes,
ao prevalecer o “fazer artístico” quando aplicado à retórica
mais ampla da arte contemporânea.
O Festival, que até a sua edição 2010 não havia recebido
uma temática anual, passou a receber, em 2011, um norte,
com o intuito de ampliar a aplicação das técnicas eletrônicas
e sua linguagem digital a paisagens e desdobramentos artís-
ticos mais distantes do que o seu próprio meio.
Os rumos que levam o FAD a refletir o presente e o futuro,
tentando incansavelmente decodificar e sintetizar todo o
universo digital, têm sido um desafio constante. A certeza,
talvez a única, é que a cada ano nossa proposta torna-se
mais didática e mais informativa. Não somente pelo prazer
do conceitual, mas também pela importância da transcrição
desse mundo para a integração das gerações de ontem, de
hoje e do amanhã. Uma espécie de corrida frenética, a tempo
de conectar mundos distantes de um mesmo povo, de uma
mesma população. A compreensão do fato de que vivemos
uma polarização provocada entre gerações muito adaptadas a
essas tecnologias e outras não tanto, faz com que possamos
pensar e planejar ações e atividades que façam essa con-
versão ocorrer com mais frequência e naturalidade.
Que a nossa bússola nos leve impreterivelmente ao com-
partilhamento da informação através da arte, com todos a
nossa volta.
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 7/91
12 13
Estimulados por esta afinidade de perspectivas e pela
mesma forma de atuar – o global thinking –, surge a
vontade, aliás, a necessidade recíproca de se abrirem
para a realidade de quem opera em contextos territoriais
diferentes, mas que trabalha para realizar os mesmos
objetivos. Confrontar-se significa, sobretudo, trocar ideias e
opiniões sobre a própria atuação, inspirar-se com o trabalho
do outro; em poucas palavras, melhorar-se.
Além disso, fazer um festival não significa apenas criar
propostas, mas também imaginar um centro de divulgação
cultural, uma oportunidade para jovens artistas emergentes
difundirem as próprias ideias em novos contextos, assim
como um ponto de referência no território para os amantesdo gênero. A arte e a música não têm moradia, são
universais; sendo assim, os eventos que fazem da pesquisa
sobre arte e música suas razões de ser não podem deixar
de fazer networking.
Para que a colaboração não se limite a um simples ato de
visibilidade ou de troca de artistas, roBOt e FAD decidiram
criar um workshop, uma atividade interativa caracterizada
por um alto grau de operosidade: a melhor maneira para
que as duas organizações e o público compartilhem sua
bagagem de conhecimento. Este é o primeiro passo, a
primeira atividade de um projeto concreto, o primeiro nó
de uma rede que FAD e roBOt começam agora a tecer.
Estamos cientes do fato de que a troca é um importante
meio para se crescer. Uma nova conquista que será a base
dos próximos futuros. O FAD e o roBOt querem se tornar
referência nacional e internacional para a música eletrônica
e para as artes digitais, e, por isso,outras colaborações se
somarão nos anos a seguir.
Sendo que a web oferece a i ncrível oportunidade de se
multiplicar a atividade de networking, roBOt e FAD não
querem somente colaborar, mas se comprometem em
fazer com que outros festivais se tornem novos nós da
rede, pontos do que um dia poderá se tornar o novo mapa
global da arte digital e da cultura.
FAD e roBOt ano zero é o começo de uma longa viagem
que tornará a Itália e o Brasil um pouco mais próximos:
Bologna e Belo Horizonte ligadas por uma ponte virtual
acessível a todos os interessados.
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 8/91
14 15
O FESTIVAL DEARTE DIGITAL
em imagens
FOTOS POR BRUNA FINELLI
MIKKAEL (ROBOT - ITALIA)
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 9/91
16 17 NOSAJ THING (AV SHOW - EUA / JAPÃO) NOSAJ THING (AV SHOW - EUA / JAPÃO)
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 10/91
18 19 ERASER (THE WAR IS WAR - GRÉCIA) ERASER (THE WAR IS WAR - GRÉCIA)
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 11/91
20 21 ERASER (THE WAR IS WAR - GRÉCIA) FAD LABORATÓRIO
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 12/91
22 23 FAD LABORATÓRIO FAD SIMPOSIO - 2011
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 13/91
24 25 FAD LABORATÓRIO FAD LABORATÓRIO
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 14/91
26 27 FAD LABORATÓRIO GRIVO (BRASIL)
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 15/91
28 29 KARINA SMIGLA (ALEMANHA)
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 16/91
30 31
ENSAIOS
[Q.N.S.N.S]2 (BRASIL)
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 17/91
32 33
consequente desencantamento do mundo, o que nos
sobrou do universo da magia foi a mágica, em seu sentido
atual de ilusionismo e entretenimento, que cultivamos como
jogo inocente – como um truque que brinca com o universo
das relações de causa e efeito.
Com o surgimento das tecnologias digitais, a conexão
entre mágica e tecnologia passa a ser invocada com muita
frequência, devido ao fato de que a funcionalidade dos
aparatos digitais cada vez mais desafia a compreensão
do observador comum, tanto pela escala minúscula de
seus componentes quanto por sua capacidade de alterar
a percepção espaço-temporal. Aceleração e compressão
viraram jargões de otimização tecnológica, acenando com
a possibilidade fictícia de apressar o tempo ou diminuir oespaço, como se detivéssemos poderes mágicos bem ao
estilo “Harry Potter”. E não é sem ra zão que essas tecnologias
são chamadas de “novas tec nologias”, já que desa fiam todo o
conhecimento da já citada relação de causa e efeito à qual a
técnica tradicional até então nos havia habituado. Assim, nos
postamos diante destas novas tecnologias como o homem
primitivo diante do mundo pré-científico: frente aos processos
que não compreendemos, recorremos à ideia de mágica.
Este cenário de novas e mágicas tecnologias vai impactar
também o campo da arte, com o surgimento da chamada
“arte digital”. A relação entre mágica e arte é também
antiga, remontando aos exemplos mais arcaicos das
pinturas parietais de cavernas pré-históricas. Há claras
evidências de que estas eram ligadas a rituais, certamente
de magia. De qualquer forma a arte, desde suas origens
mais remotas, tem como característica o processo de
invenção e criação que, de alguma maneira, mimetiza um
processo criativo divino – neste sentido verdadeiramente
mágico, capaz de criar um mundo a partir do nada.
Sob essa ótica, a arte digital seria duplamente mágica:
por ser arte e, portanto, invenção do inexistente, e por ter
como suporte uma técnica de aspectos mágicos (truque).
No entanto, quando observamos a maioria dos exemplos
de artes digitais, elas estão menos ligadas à magia nosentido arcaico (a magia da experiência) e mais à mágica
como recreação, baseadas no ilusionismo decorrente da
ignorância do que é programado.
Mas sabemos que não há mágica no mundo do programa,
apenas uma certa opacidade de seu funcionamento. A
ignorância do processo programático, “tecnológico”, pode
parecer mágica no sentido do truque, mas a magia que nos
interessa reside na fruição, na experiência do espectador.
Um exemplo interessante de como o truque é irrelevante
na elaboração artística são os quadros de Vermeer, que até
Magia além da ignorância:
virtualizando
a caixa-pretaANA PAULA BALTAZAR eJOSÉ DOS SANTOS CABRAL FILHO
A magia tem longa presença na história da humanidade,
e fomos habituados a ver explicações mágicas como fruto
da ignorância: na incapacidade de explicar os fenômenos
da natureza, os homens primitivos recorriam a explicações
mágicas – o que chamamos explicações sobrenaturais –
para indicar seu caráter não científico. Em contraponto
à explicação mágica, sobrenatural, temos o universo da
técnica, que lida de forma racional com os fenômenos
naturais. A mágica trabalharia com o encantamento baseado
no figurativismo, cujas relações de causa e efeito dos
processos se dão por correspondência da aparência.
Já a técnica buscaria um desencantamento das aparências,
vendo os processos de causa e efeito com fundamentos
mecânicos e matemáticos.
Mas essa oposição entre mágica e técnica é, na verdade,
mais complexa do que parece, e podemos dizer que ambas
têm objetivos similares: buscam entender as interconexões
entre os fenômenos da natureza e também interferir no
andamento habitual desses processos; buscam viabilizar
a existência humana em uma natureza sem significado
e, de alguma forma, inóspita. A magia buscando mais
a significação da experiência; a técnica, a resolução de
problemas pragmáticos (a funcionalidade da experiência).
Em suma, ambas são formas de lidar com nossa ignorância
do mundo. Com o desenvolvimento tecnológico e o
2010
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 18/91
34 35
fato de oferecer possibilidades técnicas para interação não
significa ser virtual. Por outro lado, os trabalhos de Lygia
Clark, por exemplo, oferecem interação analógica e podem
ser considerados virtuais. Tanto interatividade digital quanto
analógica podem ser classificadas segundo sua virtualidade,
numa escala que varia de interatividade “não-interativa”
a interatividade “interativa”. Nessa escala, uma caixa de
música, por exemplo, estaria próxima da interatividade
“não-interativa”, pois a interação se dá com a interface e
não com o conteúdo. Acionamos a manivela (interface) e a
música tocada (conteúdo) está totalmente predeterminada.
Já o piano, por exemplo, encontra-se do outro lado
da escala, próximo da interatividade “interativa”, pois
interagimos com o conteúdo através da i nterface: a música
não está pretederminada, é criada a partir da interação comas teclas. Certamente, uma interface nunca é neutra, já
que seu grau de prescrição afeta a escala de interatividade,
como demonstram os exemplos acima.
O virtual, que preserva a mágica da experiência por engajar
o usuário na criação de situações, sempre opera com a
possibilidade de interação não prescrita (interatividade
“interativa”). A Máscara com Espelhos (1967) de Lygia
Clark, por exemplo, celebra essa interatividade colocando
pequenos espelhos manipuláveis em frente dos olhos do
usuário, fragmentando e sobrepondo imagens do entorno
às do próprio usuário. A artista não disponibiliza um produto
pronto e acabado a ser usado, mas uma interface analógica
que induz e canaliza experiências únicas. Esse trabalho
só ganha existência efetiva temporariamente, quando
da interação do usuário. No extremo oposto estaria a
chamada realidade virtual de imersão, em que o espectador
experimenta uma simulação, uma reprodução prescrita a
priori, que é sempre digital, mas dificilmente virtual.
Ambiente virtual de imersão produzido pelo LAGEAR usando a
espacialização de imagens interativas por meio de gestos
recentemente foram considerados como uma aplicação
das técnicas de perspectiva, o que seria bem típico de
sua época. No entanto, Steadman demonstrou que o
processo adotado teria sido na verdade a câmera escura,
o que alguns críticos, indignados, veem como um truque.
Mas, na verdade, não faz diferença para a experiência
artística o processo usado por Vermeer. O que interessa é a
delicadeza das cenas criadas pelas mulheres retratadas em
seus afazeres do cotidiano, ou seja, a magia da experiência
e não a mágica do truque.
Uma forma de lidar com a ignorância dos processos sem
recorrer à ideia de mágica e sem recorrer ao processo de
desmistificação (retirada do mistério) da técnica surgiu mais
recentemente com a adoção do conceito de caixa-pretapela Cibernética. Esse conceito, desenvolvido por Ashby,
propõe que tratemos metaforicamente como caixa-preta
os fenômenos dos quais desconhecemos o mecanismo de
funcionamento e que apenas sabemos o input e o output
resultante. É importante salientar que a caixa-preta é um
constructo conceitual e não um objeto físico. A despeito
disso, muitos artistas tomam a ideia literalmente e acabam
criando caixas físicas, que, ainda que apresentem algum
mecanismo de interação, seduzem o espectador pela
ignorância dos mecanismos operativos e não pela magia
da experiência.
Se quisermos desenvolver caixas-pretas verdadeiramente
interativas, que propiciem a magia da experiência (e não a
magia pela ignorância dos processos), deveremos recorrer
ao virtual que não é o meramente digital. No lugar do
“branqueamento” da caixa-preta (que torna a experiência
previsível e predeterminada, pois o truque é revelado ao
espectador ou usuário, que perde, assim, o interesse na
interação), propomos a discussão de processos que não
sejam caixas (nem pretas nem brancas), mas interfaces
virtuais, eventos-latentes, com os quais as pessoas
possam se engajar e dar continuidade nos designs.
Essa seria a virtualização da caixa-preta, partindo da
abertura do design aos outros – um design responsável,
como trabalhado por Flusser.
Para Flusser, todo objeto de design tem por intuito remover
um obstáculo (um problema), e, para isso, cria um novo
obstáculo (objeto). A questão que se coloca é sobre como
ser o menos obstacularizante possível, abrindo o design
para o Outro. Entendemos que o virtual ajuda a caminhar
nessa direção.
O virtual não é sinônimo de digital e o digital geralmente
não é virtual. Digital é uma tecnologia distinta da analógica,
baseada em inputs de 0 e 1, que pode oferecer uma gama
quase infinita de combinações para interação. Contudo, o
Nota H d M (1995) B d o f d Bl k llO i t l t i i t l t t d ti t t ib t é i ã di it à i ã
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 19/91
36 37
Nota:
E dcuõe m
nfrmd peu
e rblh ue em
elbrd n LaGEaR
(Lbrór Grfc
pr Epermençã
aruenc / UFMG):
www.r.ufmg.br/lger
REFERêNCias BiBLioGRáFiCas:
Blzr d s n, a. P. (2007). twrd vrul rchecure:
he mbly f eence nd he ‘pen n hnd’ n he prducn-
cnumpn f pce, Prceedng f he inernnl
Cnference archecure nd Phenmenlgy. irel: Hf.
Fluer, V. (1999). Degn: bcle fr/ he remvl f bcle.
n: Fluer, V. (Ed.), the hpe f hng: phlphy f degn.
Lndn: Rekn. pp. 58–61.
Glnvlle, R. (.d.), “secnd rder cybernec”, <hp://hmepge.
mc.cm/Webobjec/Fleshrng.w/w/deful?uer=rnulph&e
mplefn=Fleshrng1.hml&mlfn=tKDcumen.1.ml&efn=R
se.ml&ff=cnumer&cy=Us&lng=en>.
Hedegger, M. (1995). Beng nd me. ofrd: Blckwell.
Lekey, R. (1994). the rgn f humnknd. Lndn: Wedenfeld &
Ncln.
Lvy, P. (1996). o ue v rul? sã Pul: Ed. 34.
ohff, s. (1997). “Lyg Clrk nd Hl occ: legcy f
nercvy nd prcpn fr elemc fuure”. in: Lenrd:
jurnl fr he nernnl cey fr he r, cence nd
echnlgy. Cmbrdge: Mit Pre. Vl. 30, N. 4, augu, pp.
279–89. <hp://www.lenrd.nf//pec.prjec/hff/
hff.hml>.
sedmn, P. (2002). Vermeer’ cmer: uncverng he ruh behnd
he merpece. ofrd: ofrd Unvery Pre.
thm, K. (1971). Relgn nd he declne f mgc: ude n
ppulr belef n eenh nd eveneenh cenury Englnd.
Lndn: Pengun.
O virtual caracteriza-se, assim, como um evento latente,
ainda não manifesto, e embora seja atualizável pela
interação das pessoas com uma interface, tal interação não
é prescrita na interface. Recorrendo a Heidegger, podemos
dizer que o virtual difere de uma pedra que está “presente
à mão”, e, embora tenha propriedades, não tem atributos;
difere, ain da, de um martelo, que es tá “pronto à mão”, com
propriedades e atributos previamente definidos. O virtual
extrapola essas categorias de Heidegger e aponta para o
que podemos chama r de “aberto à mão”, cujos atrib utos
são temporariamente definidos pelos usuários durante a
interação. Embora as propriedades de uma interface (sua
substância potencial ou real, para usar os termos de Lévy)
sempre limitem suas possibilidades de atualização, para que
seja de fato virtual, esse limite deve ser o menor possível,dando prioridade ao evento, à experiência não prescrita na
elaboração da interface.
Todo design leva o evento em consideração, ainda que
na maioria das vezes busque apenas antecipar e cristalizar
as possibilidades de uso ou fruição. Um objeto ou interface
virtual, ao contrário, considera o evento em seu estado
latente e não prescritivo. A Máscara com Espelhos,
por exemplo, não tem atributos prévios ao seu uso.
Obviamente, a artista não criou uma interface neutra,
totalmente desprovida de intenção. Contudo, a intenção
da artista, ou atributo prévio, não diz respeito à prescrição
do evento, mas à abertura de novas possibilidades de
percepção de seus usuários, configurando-se assim como
um evento-latente (virtual e atualizável), e não como um
objeto meramente baseado na substância (potencial ou real).
Assim, a consideração do evento em seu estado latente,
ou seja, sem prescrever os atributos que resultarão da
interação das pessoas, é fundamental para a elaboração de
interfaces virtuais. Isso, contudo, não tem sido o foco do
desenvolvimento da arte digital em geral, que, apesar de
resultar em inúmeros produtos para interação do usuário,
acaba prescrevendo tal interação. Isso acontece tanto
nos objetos e imagens digitais que respondem de forma
predeterminada à interação dos usuários, quanto nas artesgenerativas, em que o usuário desencadeia um processo
pré-programado, do qual não tem consciência nem controle,
gerando um produto que, ainda que dinâmico, não é virtual
por não propiciar uma experiência mágica, apenas o fascínio
devido à ignorância do processo. Em suma, uma das formas
de usufruir do que há de melhor da mágica, que é a magia da
experiência, seria a virtualização da caixa-preta, ou seja, sua
transformação em uma verdadeira interface aberta ao Outro.
aLGoRitMo E LÓGiCa ou modificadas durante sua execução – e a dispositivos
Códi di it iare e Engenhr puem rgem
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 20/91
38 39
aLGoRitMo E LÓGiCaDE PRoGRaMaÇÃo
Algoritmo pode ser definido como “um conjunto de
passos que definem a forma como uma tarefa é executada”
(Brookshear, 2000). Qualquer atividade que possa ser
planejada e que vise a atingir um objetivo bem definido
exige, para ser realizada, uma sequência de passos – seja
a fabricação de um automóvel ou uma viagem de férias.
Mas, para ser considerada algoritmo, essa sequência
deve atender ainda aos seguintes requisitos: cada passo
deve definir de forma inequívoca a ação a ser executada;
para situações iniciais idênticas, uma ação deve produzir
sempre o mesmo resultado; e o processo deve chegar a
um termo. A sequência de comandos “passo 1: se a portaestiver aberta, feche-a; passo 2: se a porta estiver fechada,
abra-a; passo 3: retorne ao passo 1” atende a todos esses
requisitos, exceto ao de finitude, não sendo, portanto, um
exemplo de algor itmo. Já uma “recei ta de bolo”, se bem
escrita, de forma a não dar margem a dúvidas, pode ser
classificada como algoritmo.
Algoritmo é conceito fundamental em computação.
Programas são conjuntos de algoritmos associados a
estruturas de dados (conjunto de informações estruturadas
e armazenadas na memória do computador) – geradas e/
ou modificadas durante sua execução –, e a dispositivos
de entrada e saída – através dos quais os programas
se comunicam com o mundo exterior ao computador.
Todo algoritmo se baseia em lógica de programação,
constituindo-se numa “codificação do raciocínio necessário
à resolução do problema” (Brookshear, 2000). Para
que o programa possa ser executado pelo computador,
precisa estar escrito em “linguagem de máquina”, uma
sequência de bits (dígitos binários, 0 ou 1) que definem as
instruçõ es que o hardware, a “máqui na”, deve executar.
Como essa linguagem, apesar de simples, gera sequências
extremamente longas e complexas de 0’s e 1’s, totalmente
inviáveis de manipulação pelos seres humanos, foram
criadas linguagens de programação, como Java e C, que
oferecem comandos de “alto nível” (a linguagem demáquina é conhecida como linguagem de “baixo nível”, por
estar muito próxima ao hardware). Os programas escritos
em linguagem de programação – os chamados “programas
fonte” – são convertidos para “progra mas executávei s”, em
linguagem de máquina, por outro programa (que pode ser
um compilador ou um interpretador). Essas li nguagens são
destinadas ao desenvolvimento de sistemas complexos,
como os programas gráficos usados pelos designers, o
browser de navegação na internet ou o próprio sistema
operacional sobre o qual são executados. Por esse
motivo, tais linguagens são destinadas a profissionais da
Códigos digitaise algoritmos
como instrumentos
de designers eartistas
ROMERO TORI
are e Engenhr puem rgemcmum, nd ue enhm e dncd lng d cul. Felzmene, cm pervvdde d ecnlg cmpucnle d md dg, um vem endredecber pel ur e rblhndem cperçã n rede de cmpencdemndd pel prmr re d degn.De f, “ cnvergnc ecnlógc emprvcd mr dlg enre dferenere d cnhecmen” (Celh, 2008).Cnfrme C (2010), “ dluçõed lme frm múlpl, (...) mem ncmp m ‘dur’ d cnc e,
blóg c e ecnlógc”.
Os projetos de engenharia já não precisam ignorar a
estética, o design não precisa se contrapor à arte, nem
tampouco artistas e designers devem fugir da tecnologia.
Focando neste segundo aspecto, este artigo discute a
importância da apropriação dos códigos digitais por parte
de profissionais da criação, mostrando o potencial e a
facilidade oferecidos pelas ferramentas de programação,
bem como alguns exemplos de resultados que podem ser
obtidos por designers e artistas que as dominam.
2010
coordenar o desenvolvimento de protótipos ou simulações uso de diversas linguagens residentes na maioria dascomputação. No entanto, a lógica de programação é um FRoNtEiRas ENtRE aRtE, DEsiGN
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 21/91
40 41
coordenar o desenvolvimento de protótipos ou simulações
que testem e demonstrem suas idéias. A partir da prova
de conceito, o bastão deve ser passado aos profissionais
competentes para o desenvolvimento do sistema ou
produto definitivo – sempre, claro, sob supervisão e
acompanhamento do primeiro. Alguns artistas e designers
tentam ultrapassar essas fronteiras, buscando dominar
também o desenvolvimento do software e hardware. Em
alguns casos, essa abordagem pode dar certo, mas um
risco que esse profissional corre é o de ficar preso a uma
determinada tecnologia, em cujo domínio investiu tempo
e recursos, ou não dar conta de se tornar especialista em
cada nova tecnologia que surge. A l iberdade de poder
descartar uma solução em prol de outra mais vantajosa
é crucial para a qualidade do projeto. Por isso, é maisimportante que se conheçam os potenciais e limitações do
maior número possível de tecnologias do que dominar, em
nível profissional, apenas algumas delas.
Conhecer uma linguagem de script é um grande passo para
o designer ou artista automatizar algumas etapas de seu
processo criativo e desenvolver provas de conceito. Essas
linguagens são fáceis de aprender e usar, sendo que muitas
delas seguem sintaxe similar à da popular Java Script, que
não deve ser confundida com a quase homônima Java.
Após dominar uma delas, fica fácil compreender e fazer
uso de diversas linguagens residentes na maioria das
ferramentas utilizadas por designers e artistas, e ignoradas
por muitos deles, como editores gráficos – sistemas CAD
e software de tratamento de imagem. Essas linguagens
permitem, por exemplo, automatizar processos braçais
e repetitivos ou criar filtros de imagem sob medida para
atender determinada necessidade. Algumas linguagens
são tão poderosas que permitem a criação de programas
executáveis, ainda que com algumas limitações, tornando-
se ideais para prototipagem.
a LiNGUaGEM PRoCEssiNG
A linguagem Processing3 reúne todo o poder da linguagemJava, com a facilidade de aprendizado e programação
das linguagens de script – ainda que não seja uma delas,
e, sim, uma completa li nguagem de programação de
alto nível. Sua grande amigabilidade reside no fato de
que algumas “burocracias” e complexidades da Java
são pré-programadas e ficam ocultas ao usuário até que
este desenvolva competência para administrá-las. Dessa
forma, o programador consegue ter resultados imediatos
com algumas linhas de código, sem aquele susto que
aflige os programadores iniciantes de Java que, somente
após atravessarem muitas barreiras e se confrontarem
computação. No entanto, a lógica de programação é um
conceito bem mais simples, que não pode ser confundido
com a complexidade dessas linguagens profissionais.
Qualquer pessoa pode facilmente dominar os conceitos
básicos de algoritmos e lógica de programação, sendo
que muitos os utilizam até de forma intuitiva na solução
de problemas em suas áreas de atuação. Os maiores
obstáculos para que o computador possa ser utilizado por
não especialistas de uma forma mais flexível são os códigos
binários e as linguagens de alto nível. Com o crescimento
da interdisciplinaridade (Gontijo, 2008) aumentou a
demanda por facilitar o uso de recursos de programação
por profissionais de outras áreas – como designers de
games, por exemplo. Para atendê-los, foram criadas aschamadas “lin guagens de scr ipt”, como LUA1 e Python2.
Essas linguagens são limitadas e menos eficientes que as
utilizadas por engenheiros e cientistas da computação para
o desenvolvimento de sistemas e aplicativos, mas abrem
grandes perspectivas e possibilidades de uso para todas as
demais áreas, em especial artes e design.
FRoNtEiRas ENtRE aRtE, DEsiGNE CoMPUtaÇÃo
O design é cada vez mais importante para a computação.
Com a transformação da tecnologia em commodity, a
qualidade do design de produto é um importante diferencial
para o hardware. Na área de software, o design de interface é
a chave para o sucesso ou para o fracasso de equipamentos
e serviços. No sentido oposto, as ferramentas digitais, tais
como editores de imagem e modeladores 3D, já são parte
do cotidiano de designers e artistas. Mas essa cooperação
pode – e deve – ser incrementada. Para que ela ocorra de
forma adequada, é importante que os profissionais consigam
compreender os fundamentos, necessidades e potencial
das disciplinas fora de sua competência, de forma a viabilizardiálogo e colaboração.
Igualmente importante é que cada um conheça os limites
de sua atuação. No caso dos designers e artistas em
relação a engenheiros e cientistas da computação, essa
fronteira reside na “prova de conceito”. O profissional da
criação deve conhecer a fundo seu público-alvo, suas
necessidades e os objetivos a atingir com seu projeto. Deve
conhecer, ou pesquisar quando necessário, as possíveis
soluções tecnológicas e, eventualmente contando com
o apoio de profissionais especializados, desenvolver ou
com muito código, conseguem colocar na tela um sem perder o poder de uma verdadeira linguagem de
REFR.ACTION.
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 22/91
42 43
prosaico e sem graça “Hello world”. A amigabilidade
prossegue com um help bem feito e uma enorme lista de
programas-exemplo, que a um simples clique têm seus
códigos incluídos no editor de programa e podem ser
imediatamente executados e/ou modificados e explorados,
facilit ando o processo de “aprender fazendo”. Outro
ponto forte do Processing é a facilidade que o mesmo
oferece para geração de saídas gráficas, em duas ou três
dimensões. Além disso, por trabalhar com a linguagem
Java, os códigos desenvolvidos em Processing podem
facilmente migrar para Java e vice-versa. Quem aprende
essa linguagem também não tem muita dificuldade em
passar a programar em Java, C ou linguagens de script,
tornando-a uma excelente opção para ser a primeiralinguagem a ser ensinada em cursos de lógica de
programação para designers.
A linguagem Processing foi criada em 2001 por Ben Fry
e Casey Reas, quando então eram alunos de graduação
no MIT, sob orientação do prof. John Maeda, criador da
linguagem Design by Numbers, inspiradora e ponto de
partida dessa nova linguagem (Greenberg, 2007). O prof.
John Maeda é engenheiro e designer, o que facilitou na
criação de um produto complexo por dentro e simples por
fora, e que atendesse as demandas de designers e artistas
programação profissional. Rapidamente, Processing passou
a ser usada por artistas, designers e profissionais de criação
em geral. Acompanhando o sucesso dessa linguagem de
código aberto, inúmeros acessórios e extensões foram
sendo criados, em sua maioria disponíveis no próprio
site oficial. Há extensões para visão computacional,
realidade aumentada e kits de hardware que possibilitam a
montagem de instalações artísticas interativas, robôs, etc.
ExEMPLos PRátiCos
O livro “Processing: Creative Coding and Computational
Art” (Greenberg, 2007) oferece mais de 800 páginas deótimos exemplos do uso de linguagem computacional na
área artística. No site oficial da Processing4 há galerias,
links e rico material para consulta e download. Na página
do Interlab5, disponibilizamos trabalhos desenvolvidos
por nossos alunos dos cursos de Design (FAU/USP) e
Engenharia de Computação (POLI/USP), alguns deles
envolvendo alunos dos dois cursos. Há desde um jogo de
corrida – que pode ter como cenário qualquer cidade do
planeta, executado sobre imagens e dados capturados
diretamente do servidor do Google Maps – a colagens
de imagens geradas de acordo com os assuntos mais
Trabalho de Conclusão, de autoria de Luciano
de Castro Ferrarezi e Fellipe Matheus Vergani
Rodrigues, alunos do Curso de Bacharelado em
Design – Habilitação Interface Digital, do Centro
Universitário Senac, sob a orientação do Prof Dr
Fernando Fiogliano. Junho de 2010
Jner: Edr PUC R/ Edr Nv id. 280p.comentados no Twitter. Em meu blog6, costumo publicar mais recentemente, com a poderosa linguagem visual e
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 23/91
44 45
Costa, C. Z. (2010). alm d Frm: inrduçã Penmen
Cnemprâne n Degn, n are e n arueur. sã Pul:
annblume. 232p.
GoNtiJo, L. a. (2008). Cmpledde e Degn: inerdcplnr-
dde n Prje de inerfce. in: DE MoRaEs, D; KRUCKEN, L.
Cdern de Eud avnçd em Degn. Cdern 2, vl. 1. Bel
Hrzne: sn Clr: Cenr de Eud ter, Culur e Peu
em Degn / UEMG.
GREENBERG, i. (2007). Prceng: Creve Cdng nd Cmpu-
nl ar. Berkely: apre. 841p.
e discutir interessantes iniciativas envolvendo design,
arte e tecnologia, como no post de 19 de junho de 2010,
“TCC: A Interface ent re o Aprendiz e o Profissio nal”, em
que é apresentado o excelente trabalho de conclusão de
curso, REFR.ACTION, desenvolvido por Luciano de Castro
Ferrarezi e Fellipe Matheus Vergani Rodrigues, alunos do
Curso de Bacharelado em Design - habilitação Interface
Digital, do Centro Universitário Senac, sob orientação do
prof. Dr. Fernando Fiogliano. Nessa instalação artística,
o público interage com uma interface de raios laser.
Conforme os raios são interrompidos, sons e imagens são
gerados, transmutando dança em música. Esse projeto
foi desenvolvido em linguagem Processing, utilizando kits
Arduino7 para rastreamento e controle.
CoNCLUsÃo
Dominar códigos, algoritmos e linguagens de programação
passou a ser um importante diferencial para profissionais
de criação. Os conceitos e técnicas envolvidos, pelo menos
em nível suficiente para a criação de protótipos e provas
de conceito, são muito mais simples do que imaginam
aqueles que tratam a tecnologia como algo distante e
complexo. Com o surgimento de linguagens de script e,
orientada a objetos Processing, ficou ainda mais fácil para o
artista ou designer ter mais autonomia no desenvolvimento
de programas. E o sucesso dessa linguagem só faz
aumentar a oferta de acessórios e recursos que a tornam
ainda mais fácil e interessante. Com a liberdade de criação,
experimentação e protipagem de software e hardware
– aliada à facilidade de aprendizado que oferece –, a
linguagem Processing está contribuindo de forma decisiva
para que códigos digitais e algoritmos sejam incorporados
aos instrumentos de trabalho de designers e artistas.
Notas:
1) hp://www.lu.rg/
2) hp://www.pyhn.rg/ 3) www.prceng.rg
4) www.prceng.rg
5) www.nerlb.pc.pl.up.br
6) rmerr.blgp.cm
7) www.rdun.cc/
REFERêNCias BiBLioGRáFiCas:
BRooKsHEaR, J. G. (2000). Cnc d Cmpuçã: Um Vã
abrngene. Pr alegre: Bkmn. 502p.
CoELHo, L. a. L. (rg.) (2008). Cnce-chve em Degn. R de
(ou como camadas sucessivas de caixas-pretas), de modo a constitui, como se forma, como se inventa. Para que
PermeabilidadesO advento e a disseminação de meios digitais
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 24/91
46 47
entendê-la como um caso pa rticular: uma caix a-preta “digital”.
Para tanto, faremos um recuo teórico para definir o “lugar”
do meio digital, quando este deixa de ser contraponto ou
extensão do humano ao alcançar a condição de constituinte
do humano. Esse reposicionamento do lugar do meio
digital muda a perspectiva sobre as questões que tratam de
determinismo e/ou condicionamento de um meio, ao afastar
da discussão polarizações quanto a uma maquinização do
homem ou humanização da máquina. Pretende-se, assim,
focar no que está entre e mostrar que esse entre faz parte do
tecido daquilo que constitui tanto o homem como a máquina.
Como recurso metodológico, utilizaremos analogias em que
se estabelecem níveis de permeabilidade entre homem emáquina (no caso, entendida como uma caixa-preta): da
impermeabilidade total (superfície reflexiva) à permeabilidade,
atravessando a membrana, misturando corpo e mecanismos.
Entre eles está o nível “transparência”: o homem vê através
da superfície da caixa-preta.
o LUGaR Da téCNiCa
Para entender se um meio digital determina ou condiciona
a criação, é necessário compreender como ele se
possamos acompanhar a construção desse entendimento,
um mapeamento inicial nos mostra que muitas vezes
são gerados antagonismos entre o homem e o meio
digital, ou, de modo contrário, apresenta-se a ênfase nas
semelhanças entre os dois. Ambos indicariam um processo
de hibridiza ção evolutiva ou “involuti va”. No primeiro caso,
o homem se mistura com meio digital e se desenvolve,
evolui. No segundo, o seu contrário: involui na direção
da máquina digital. Como desdobramento da primeira
situação, o antagonismo enfatizaria a contraposição de
essências e naturezas diversas: o homem se desumaniza
ao se relacionar com meio digital, ao se contaminar com
processos maquinais que este meio possui em seu
âmago, isto é, mecanismos de controle, reguladores enormatizantes. Assim, o homem se mecanizaria nessa
relação. Como consequência do segundo caso, o meio
digital é modelado para se parecer com o humano. É a
busca pelo espelho. E é, também, a busca pela substituição
do original pelo espelho: o espelho ocuparia o lugar do
humano, substituindo-o naquilo que antes só o humano
poderia fazer.
No caso da hibridização evolutiva, o homem se transforma,
amplificando-se via meio digital em um nível sem
precedentes (pelo menos como se costuma apregoar
PermeabilidadesEntre o Homem e
a Máquina Digital
SANDRO CANAVEZZI
(computadores, aparelhos de comunicação digital, redes
digitais, etc.) vem influenciado de maneira crescente e
determinante os diversos níveis de nossas vidas. Dentro
desse quadro, o que nos interessa problematizar neste
artigo é o aspecto da criação: qual a abertura para criação
que esses meios proporcionam?
As novas possibilidades apresentadas por plataformas/
softwares de programação, como por exemplo Max5, Pd,
Processing, OpenFrameworks, VVVV, Isadora e Audiomulch,
entre outras, tornam, cada uma à sua maneira, cada vez
mais tênue a separação entre um operador de software e
um programador. Nesse contexto, criar com o meio digital
passou de uma situação em que o operador recombinapossibilidades disponibilizadas por um software para uma
situação em que o operador passa a programar novas
possibilidades. Apresentaremos aqui uma abordagem que
visa a apontar questões e implicações que permeiam essa
passagem de operador para programador1, questionando,
inclusive, a pertinência dessa diferenciação. Tais questões,
em última instância, dizem respeito a fundamentos da
relação entre homem e técnica.
Inicialmente, vamos avançar na formulação dessa
problemática definindo o meio digital como uma caixa-preta
2010
Caixa-PREta natureza. Já as caixas-pretas digitais (mais precisamente
l d di it i i h
entre os entusiastas das “novas mídias”). Nesse sentido,
hib idi ã i i ã d i i
um processo exclusivamente atual (provocado pelo meio
di it l) f t l i t d ã t h
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 25/91
48 49
O conceito “caixa-preta” inicia-se com a cibernética, quando
descreve sistemas com os quais nos relacionamos via
entrada (input) e saída (output) de informação. O interior
dessa caixa-preta só é acessível dessa maneira, isto é,
indiretamente. Modela-se, do exterior, o que poderia estar
acontecendo internamente para explicar (e até mesmo
antecipar) os outputs observados e que foram gerados a
partir de inputs anteriores e de processos internos ativados
por esse input.
Flusser, no livro “Filoso fia da Caixa-Pret a”, mostra que toda
caixa-preta teria internamente sistemas ou mecanismos que
podem se recombinar para gerar outputs. Em alguns casos(principalmente nas caixas-pretas analógicas como máquina
fotográfica, televisão, rádio, etc.) essas recombinações
estão todas previamente estabelecidas, cabendo ao usuário
o esgotamento dessas combinações através de inputs.
Cabe ressaltar aqui que os mecanismos internos podem
ser fechados ou abertos. Quando fechados, o número de
componentes dos mecanismos é estável, não se altera.
E eles se recombinam a partir de condicionantes, isto é,
possuem uma lógica rígida de como se recombinar. De uma
maneira geral, as caixas-pretas analógicas possuem essa
aquelas que possuem camadas digitais, pois nenhuma
caixa-preta pode ser exclusivamente digital) podem ser
fechadas ou abertas. São fechadas quando possuem a rigidez
citada acima, e são abertas quando podemos alterar os
elementos da combinatória, substituindo-os ou acrescendo
novos elementos e, em última instância, alterando inclusive
a lógica dessa recombinação, embora sempre respeitando
a consistência desse sistema (consistência relativa aos
processos maquinais fundamentais como, por exemplo, a
lógica booleana, em um nível mais abstrato, e relações entre
hardware e software coordenados pelo sistema operacional).
Em todos esses casos, cabem algumas questões quanto ao
poder de criação do usuário frente a essas caixas-pretas: seos processos implicam sistemas combinatórios, o processo
de criação seria apenas um processo de seleção entre
possibilidades dadas? E quando acrescentamos elementos
na combinatória, não deveríamos sempre respeitar a lógica,
a consistência do sistema onde eles se inserem? Existiria
então, de antemão, uma predeterminação em relação a
esses novos elementos? Qual o poder do homem nesse
processo? Poderíamos pensar em um determinismo do
meio técnico, isto é, o que pode ser feito já está contido,
pré-determinado no meio técnico? O que seria criar,
então? Selecionar entre as possibilidades e recombiná-las
a hibridização seria uma composição do primeiro com
o segundo caso : o meio digita l é o “outro”, mas torná-lo
semelhante, melhorando sua conexão com o humano,
provocaria uma amplificação deste último. No entanto, ao
mesmo tempo, o homem estaria se maquinizando, pois não
poderia escapar de processos maquinais ao se contaminar
com eles. Essa abordagem indica uma via de mão dupla:
relacionarse com o meio digital é tornar a máquina digital
semelhante ao homem e, ao mesmo tempo, tornar o
homem semelhante ao meio digital. A conexão homem-
máquina via meios digitais, através de tecnologias como
inteligência-artificial, realidades virtuais ou acoplamentos
miniaturizados entre carne e matéria inorgânica organizada é
a busca pela construção da semelhança: humano e máquinaconvergem para poderem se comunicar. Nesse cenário,
modela-se (entende-se) o homem a partir de modelos
matemáticos que se comunicam com outros modelos
matemáticos cristalizados em sistemas cibernéticos.
Entender a ideia de hibridização ou a ideia de humano
amplificado significa entender as possibilidades de se
criar com o meio digital. Mas essa hibridização não se
inicia com a relação do homem com meios digitais. Ela é
anterior: origina-se da relação do homem com a técnica.
Nessa direção, entendemos que a hibridização não seria
digital), com o fortalecimento da conexão entre homem e
máquina digital. Defendemos a ideia da hibridização como
parte fundamental da gênese do humano: o homem se
faz pela técnica. Assim, desloca-se dos polos – ou seja,
da preocupação em definir se o homem se aproxima da
máquina ou se máquina se aproxima do homem – para a
atenção quanto à relação entre homem e máquina. Assim,
revisamos o conceito de híbrido: híbrido não mais apenas
como amplificação de uma capacidade (e a instantânea
amputação de outras, como defenderia McLuhan2 em
seu conceito de “meio”), mas como a própria gênese
dessa capacidade, como visto em Simondon3 e Stiegler4.
Simondon e Stiegler compõem um quadro teórico e
categorias que localizam o lugar da técnica na gênesedo humano. O processo de invenção de técnicas seria
uma via de mão dupla: o homem também se re-inventa
(e não apenas se amplifica ou se estende) ao inventar
uma técnica ou objeto técnico. Muda-se a perspectiva de
humanização da máquina ou maquinização do humano para
processos complementares de gêneses sincronizadas:
gênese do homem e gênese do objeto técnico estariam
imbricadamente correlacionados. O conceito de transdução
(em Simondon e adotado por Stiegler) enfatiza essa relação
como processo fundamental e estruturante.
continuamente? Se a criação é apenas de ordem seletiva, o
que impediria a criação de algo que criasse em nosso lugar
A tradução “em números” (em última instância “zeros” e
“uns”) não é gratuita pois sempre se perde informação ao
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 26/91
50 51
Instalação I/VOID/O, presentada no Emoção Art.ficial 4 - Itaú Cultural
que impediria a criação de algo que criasse em nosso lugar,
isto é, uma máquina5 que recombinasse as possibilidades
até chegar a escolhas mais “apropriadas”?
CoMBiNatÓRia E DiGitaLiZaÇÃo
Independentemente da velocidade de processamento de
um sistema digital, ou se o sistema é binário ou quântico,
ou do nível de complexidade dos cálculos e algoritmos,
sempre haverá a relação de um sistema discreto com
um contínuo/físico (analógico). E essa relação sempre
se dará tendo como base a combinatória. Assim posto,
da digitalização interessa o que poderíamos chamar de“dimensão a rbitrária ” e as formas da sua “apari ção”, isto é, o
mecanismo que efetiva a conversão de entidades analógicas
(físicas) em entidades digitais (numéricas/binárias/elétricas)
e vice-versa: a combinatória.
Em um primeiro momento, esclareceremos como a
combinatória é utilizada como artifício tradutor, atentando
para sua ambivalência: ela é redutora e, ao mesmo tempo,
segundo a hipótese aqui lançada, um motor hibridizante
que, em último caso, poderia ser considerado aliado de um
processo criativo.
uns ) não é gratuita, pois sempre se perde informação ao
se digitalizar algo analógico, uma vez que o mundo físico é
convertido em números a partir de taxas de amostragem:
recortes no tempo e no espaço que convertem o infinito
entre dois pontos em quantias mensuráveis. Intensidades
que variam continuamente são fragmentadas em degraus
abruptos. A quantidade de recortes que se promove no objeto
analógico é o que chamamos de resolução de um sistema.
A determinação de quais sequências de zeros e uns são
utilizadas para representar algo não obedece qualquer
relação causal ou indicial com o que representa: é
puramente simbólica, por contiguidade – enfim, é arbitrária
e, portanto, não há nada que podemos identificar em umasequência binária que nos mostre que ela representa uma
cor ou um som. Uma mesma sequência numérica pode
ser tratada como som ou como imagem pelo sistema. E
aí reside algo sem precedentes na geração de entidades
analógicas: podemos facilmente “ler” uma sequência binária
que foi gerada a partir da conversão de um fragmento
sonoro como sendo uma imagem, traduzindo essa
sequência em variações de cores em uma superfície (o
contrário também é válido: imagem lida como som).
(originalmente opaca, na qual interagimos apenas com seus
inputs e outputs) é querer torná-la transparente para observar
em conjunto com o filósofo e programador Friedrich
Kittler7– não devíamos tomar o côncavo pelo convexo isto
Organizar essas combinações e recombinações, alterando-
as de modo que possam organizar novas cadeias
o interator, ao se confrontar com a instalação-experimento,
passa a recriá-la e segundo a hipótese aqui trabalhada ele
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 27/91
52 53
inputs e outputs) é querer torná la transparente para observar
seus mecanismos e ter maior consciência deles? Torná-la
espelho para poder ver-nos refletido nela? Ou, superando as
duas anteriores, seria a tentativa de “entrar” nela?
Essas hipóteses/analogias submetem-se à intenção de se
entender o papel do homem em processos criativos: criar
seria tornar transparente a caixa para melhor operá-la, operá-
la mais conscientemente? É torná-la espelho pra operar com
mais facilidade? Ou é entrar nela e descobrir que ela seria
uma esfera espelhada internamente, onde a dinâmica dos
nossos reflexos se altera na medida em que inventamos o
nosso corpo/interface que a observa?
Em um primeiro momento, quando a esfera se apresentava
ainda como possibilidade, isto é, quando ainda não existia
como um objeto físico, houve a tentativa de modelá-la no
computador, utilizando sistemas de ray-tracing para simular
o comportamento da luz dentro da esfera. Essas simulações
encontraram o seguinte problema: quantos reflexos seriam
necessários para se chegar próximo aos infinitos reflexos
gerados em uma situação real? Será que essa limitação no
número de reflexos causaria algum impacto no fenômeno
final, ou seja, na observação a partir do centro da esfera?
Como constatado – inclusive por experimentos realizados
Kittler7 , não devíamos tomar o côncavo pelo convexo, isto
é, um sistema de ray-tracing que funciona perfeitamente
para espelhos convexos não seria capaz de esgotar um
fenômeno que não se fecha, que é infinito, formado por dois
espelhos côncavos unidos (a própria esfera).
Partiu-se, então, para um objeto físico: uma esfera de acrílico
espelhada tanto por dentro como por fora. Nesse momento,
surge a vontade de transparência: seria possível tornar essa
esfera transparente de modo que pudéssemos observar
seu interior sem ter que entrar nela? Isso seria possível
se criássemos um contraste entre uma maior iluminação
interna e uma menor iluminação externa, combinado com
a aplicação de um filme especial na superfície da esfera.Mas isso acarretou a seguinte questão: precisaríamos de
um corpo que emitisse luz dentro da esfera. Nesse ponto,
ficou claro que qualquer movimento na direção de revelar
os fenômenos internos da esfera levaria a uma interferência
no objeto observado. Ver através, tornar transparente,
implicaria a transformação dos mecanismos internos dessa
caixa-preta. Ainda assim, não conseguiríamos responder a
questão inicial: o que veríamos a partir do centro da esfera.
Não havia outra saída: tínhamos de entrar na esfera, pensar
meios de atravessar o espelho e passar a “existir” dentro
as de modo que possam organizar novas cadeias
combinatórias (a partir de novos inputs e outputs que
retroalimentariam o sistema) seria o que podemos chamar
de programação. Essa programação, portanto, só pode
ser realizada se houver a possibilidade de alterar a maneira
como elementos da caixa-preta se recombinam. Isso seria
equivalente a dizer que deveríamos poder enxergar dentro
da caixa-preta, examinando seus mecanismos para poder
alterá-los. Essa transparência é um das analogias que
pretendemos utilizar nesse texto e faz parte, como veremos
a seguir, de um conjunto de regimes de permeabilidade.
i-VoiD-o E a Caixa-PREta
Entendida não como uma obra artística e sim como um
experimento cognitivo metalinguístico disponibilizado
na forma de uma instalação interativa, I-VOID-O transita
por questões relativas ao que poderia ser chamado de
paradoxos da observação. Esse conceito aponta para
interpretações encontradas na Mecânica Quântica e
Endofísica em relação ao fenômeno da observação. Para
essas interpretações, observar é interferir profundamente
no objeto observado. Nessa direção, em I-VOID-O6, a
observação é entendida como processo de criação. Assim,
passa a recriá la e, segundo a hipótese aqui trabalhada, ele
próprio se re-inventa. Utilizando-se de algoritmos de visão
computacional, visão estéreo, reconhecimento de padrões
e sistemas de manipulação de vídeo e áudio em tempo real,
o experimento convida os visitantes da instalação a recriar
constantemente um olhar em relação a um espaço só
acessível indiretamente.
Essa recriação nunca é a mesma. Essa heterogeneidade é
alcançada partindo da idéia de emergência, onde padrões
imprevisíveis emergem a partir de um sistema com
estados entrópicos em constante variação (provocada pela
interferência do interator). Esse espaço isolado é uma esfera
de 50 cm de diâmetro (cuja superfície interna e externa éespelhada) onde são introduzidas diversas câmeras. Essas
câmeras elegem pontos de vistas diferenciados desse
espaço. Para alcançar esses pontos, o interator tem de
“aprender” a interagir com a interface, sensibilizar-se com
suas sutilezas e, assim, conseguir provocar mudanças de
estado no sistema. Nesse processo, o interator entra em
contato com universos em que noções e percepções das
dimensões espaço e tempo se desconstroem.
Serão lançadas as “vontades/buscas” de/pela transparência,
reflexão e entrada: relacionar-se com a caixa-preta
modelamos os mecanismos a partir do que se conhece, do
que se vê no espelho. Vemos, assim, que essas hipóteses,
pré-determinadas. Ela se apresentaria como parte de uma
composição em que os pólos são indissociáveis.
da esfera. Por fim, utilizamos uma câmera que, acoplada
a uma haste, tornava possível navegarmos nessa esfera.
(matemático-digital) e real. Daí a antagonização homem x
máquina como reação.
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 28/91
54 55
q p , , q p ,
essas analogias, convergem para o que havíamos chamado
de entrada na esfera – com uma diferença: entrar na esfera
é, alem de observar e redesenhar os mecanismos, a
remodelação daquele que observa. Essa remodelação, por
sua vez, nunca termina, pois guarda sempre aberta a porta
da indeterminação.
Chegamos aqui a um conceito fundamental: a
indeterminação como complemento das possibilidades
pré-determinadas internas ao sistema digital. O universo
digital pertence à categoria do possível, àquilo que
Pierre Levy e Deleuze chamam de “potencial”9. Esse
potencial está pré-determinado em latência, só lhe faltaa existência. Já a relação do potencial com o virtual
(um campo de tendências e não um número discreto e
finito de possibilidades, como é o caso do potencial) é
uma relação de indeterminação. Todo mecanismo que
possua uma dimensão analógica é, pois, dessa natureza.
Essa indeterminação é tudo aquilo que não pode ser
mensurável, ponderável. É o acidental, o incompleto,
enfim, o motor que gera paradoxos e ambiguidades.
Cabe ressaltar que até agora evitamos colocar a
indeterminação como contraponto das possibilidades
p ç q p
A invenção e a criação se situariam entre esses pólos.
Novamente vemos aqui a ênfase no que está entre, no que
se configura como relação: criar é agenciar continuamente
o imponderável e o potencial, e estar dentro e fora
da esfera espelhada simultaneamente. É observar se
observando. O infinitamente pequeno tangenciando o
infinitamente grande, ao deslizar continuamente por
uma fita de moebius. E, ness e deslizar, sempre nos
depararemos com caixas-pretas. Tentaremos torná-las
transparentes e descobriremos que sempre existirá
uma caixa-preta dentro de uma caixa-preta. E acima dela
também. A arbitrariedade que elege os padrões dos
mecanismos, tanto no hardware como no software, émuitas vezes inacessível. Essas supercaixas-pretas e
suas cadeias de programação10 vão além de vontades e
interesses individuais e artísticos. Tais vontades obedecem
a interesses econômicos e corporativos que modelam
essa caixa-preta de maneira a não ser possível torná-la
transparente, e, menos ainda, entrar nela. Partindo dessa
inferência final, perguntamos: é possível programar sem
estar sendo programado?
, p g
Resultados inesperados foram alcançados, o que chamamos
de paradoxos espaciais, tornando muito difícil uma
orientação nesse espaço8.
a PaRtiR DEssa tRaJEtÓRia,EstaBELECEMos os sEGUiNtEsNíVEis DE PERMEaBiLiDaDE:
1 – Tomar o convexo pelo côncavo, tornando a superfície
externa um espelho: ver-me na esfera (aquilo é conhecido);
tornar o lado externo um espelho e achar que o espelho
de dentro é idêntico ao espelho de fora – a busca pelasemelhança: projetar internamente o que se vê fora.
Modelar o conhecido. Simulação.
2 – Tornar transparente/permeável à luz: ver de fora
os mecanismos e a lógica interna. Questão: tornar
transparente implicaria uma transformação dos
mecanismos/fenômenos internos. A transparência
remodela os mecanismos.
3 – Tornar transparente até ver o humano ou a natureza
por trás da caixa é acreditar na sincronia entre modelo
q ç
4 – Torná-la permeável: tornar-se transparente é tornar
a superfície permeável à luz. Mas o que seria tornar a
superfície permeável ao meu corpo (e não apenas aos olhos),
isto é, entrar na esfera e observar tudo a partir de dentro?
Entrar na esfera: o corpo faz parte da interface, pois deve ser
recriado internamente (entrar indiretamente, criando olhos,
ouvidos, luz e som dentro da esfera). Ele “entra” e se dilui.
Ver-se, observando; ver-se parte do sistema. “Observar é
criar o que se ob serva e quem obse rva”.
HiPÓtEsEs GENERaLiZaDas(EM RELaÇÃo a Caixas-PREtas)
Os níveis citados acima poderiam ser generalizados para
os casos da interação entre homem e meio digital? O
exercício a seguir, que propõe essa generalização, analisa
provisoriamente essa possibilidade.
Podemos facilmente inferir que tornar a esfera transparente
acaba sendo uma modalidade de “entrada” na esfera, pois
sempre teríamos de acessar os mecanismos para alterá-
los. Alterar esses mecanismos também está relacionado
ao espelhamento externo da caixa-preta, isto é, sempre
LéVY, P. (1992). o ue Vrul. sã Pul: Edr 34.
_____(1996). a tecnlg d nelgnc. o fuur d penmen
Notas:
1) N referm u à
delhe cnc, vde,
cnule:
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 29/91
56 57
n er d nfrmc. sã Pul: Edr 34.
_____(1999). Cberculur. sã Pul: Edr 34.
McLUHaN, M. (1964). Underndng Med: the eenn f
mn; New Yrk. Ed. McGrw-Hl,.
siMoNDoN, G. (1989). Du mnde d’eence de bje
echnue. Frnce: auber Phlphe.
stiEGLER, B. (1998). technc nd tme, 1. the Ful f Epmeheu.
snfrd: snfrd Unvery Pre.
dferenç cm pen urce
fwre prprer,
prgrmçã em lnh de
códg d-flw, ec.
2) McLUHaN , Mrhll (1964).
Underndng Med: the
eenn f mn. New Yrk:
Ed. McGrw-Hll.
3) Em: siMoNDoN, Glber
(1989). Du mnde d’eence
de bje echnue. Frnce:
auber Phlphe.
4) Em: stiEGLER, Bernrd.technc nd tme, 1. the
Ful f Epmeheu: snfrd
Unvery Pre.
5) Ver br “Pel Fend ”,
ue r rncmene d
md de cnrle de um
preençã de lve mge pr
um “cncnc” munl.
Em: hp://pel-fend.
blgp.cm/
6) Pr m nfrmçõe,
hp://-vd-.blgp.cm/
7) Pr cã de u ul
n semnr fr Medsude,
n Humbld-Unverä em
Berlm, em 2001.
8) Pr m nfrmçõe ver:
hp://-vd-.blgp.cm/
9) DELEUZE , Glle. Dferenç
e Repeçã. 2 edçã, R de
Jner: Grl, 2006. E LéVY,
Perre. o ue é Vrul. sã
Pul: Edr 34,1992.
10) Fluer, Vlm. o unverd mgen cnc. sã
Pul: Ed. ann Blume, 2008.
REFERêNCias BiBLioGRáFiCas:
FLUssER, V. (2008). o unver d mgen cnc. sã Pul:
Ed. ann Blume.
(2009). Flf d C-pre. R de Jner: Edr snerg -
Relume Dumr.
sobreposto a elas; há uma infinidade de outras hipóteses,
e em meio a todas, será que, de fato, nos encontramos
em circuitos, ou até de recortes mais ou menos científicos
ou históricos. Entretanto, eu não gostaria de perseverarEnsaio paraHá décadas, cientistas lançaram ao espaço um disco
interestelar que contém registros e memórias de nossa
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 30/91
58 59
imersos em uma aparente imobilidade perpetrada pelo
“eternamente agora” sem memória, sem interrogação, sem
exclamação, sem pulso?
Por onde andam as forças e fenômenos capazes de alterar
a percepção e, quiçá, a realidade? Estarão relegadas ao
campo das crenças, das sensações vagas, do não científico,
do obscuro? Por onde circulam os expedicionários que,
abertos ao inesperado, constroem elos e conexões entre
imanências, sinais e signos e esmaecem fronteiras entre
ciência e poesia? Onde se ouve a voz de quem fala em
primeira pessoa, de um ponto de vista próprio, pessoal e
intransferível, e que propõe? Quem, hoje, é movido pelaconvicção de que a arte amplia e transforma percepção,
cognição e a própria realidade? Quem acha que a arte é ação
que traz à luz e evidencia sentidos, significados (ou a perda
dos mesmos), e, eventualmente, os afetos?
Talvez seja este o único demarcador que ainda resta entre
a arte e outros campos que convergem e cooperam. Talvez
a magia potencial da arte seja a de colocar em evidência,
destacar algo que estava implícito e, mais radicalmente,
gerar realidades. Esse modo de operar parece estar no cerne
do fazer artístico e independer de ideologias, da inserção
nesta idéia e defendê-la contra todas as possíveis objeções
(para toda tese há sempre diversas contra-teses, e também
neste caso haveria muitas objeções possíveis a esta minha
assertiva); apenas optei por sublinhar este aspecto.
Tenho claro que o palimpsesto que conforma a memória
dinâmica e atualizável de minhas experiências – e elas
mesmas – compõem um espectro referencial que reverbera
na produção: em projetos e na experimentação de materiais,
linguagens e suportes, mídias e tecnologias; no interesse
pelo pensamento e pelos processos empreendidos por
outros artistas; e na busca de reter e não dissipar esses
pensamentos ligados aos fazeres.
Por essa razão, vale pontuar que esses anos entre estudo,
produção e pesquisa têm se forjado como uma expedição
sui generis: um navegar pelos possíveis e imagináveis do
passado e do presente, e um projetar potenciais futuros.
Nasci em São Paulo e cresci, como múltiplos outros, entre
frestas, cheiros e culturas do ouvir, ver, ler, tocar e degustar.
Na mesma cidade estudei artes, em um ambiente no qual
os artistas/professores questionavam conceitualmente
o status quo – também através do uso de materiais,
tecnologias e linguagens midiáticas. Inúmeras iniciativas
p Todos e para
Ninguém1
DANIELA KUTSCHAT
civilização. Buscavam estabelecer um elo de comunicação
com civilizações futuras e projetar uma memória do planeta,
da ciência, de sons, imagens, pensamentos, conhecimentos
e sentimentos humanos.
A ideia de que homens e ob jetos são “mágic os”, dotados
de forças capazes de alterar o mundo, é muito antiga. Em
certas culturas ancestrais, ela era ligada ao sagrado, a
rituais religiosos e à arte. Desde os primórdios do ocidente,
especula-se sobre o diferencial da arte, e cabe lembrar que
hipóteses e estudos advêm de recortes e visões de campos
variados de conhecimento. Vistos isoladamente, cada
um reflete mentalidades e modelos de realidade de umadeterminada cultura e de uma determinada época.
Virtualmente projetados como constructos variáveis
em uma paisagem remodelável a cada toque, esses
discursos compõem um universo pulsante de narrativas
potencialmente combináveis, recombináveis e
articuláveis em uma ecologia dinâmica e fluida. Diante
de tantas possibilidades, hoje tendemos a esquecer
as relações ancestrais e arcaicas da arte com a magia
– ou não conseguimos estabelecê-las. Hipótese para
esse esquecimento é que outros discursos tenham se
2010
gr de nclur nã eã
preene nee merl, ue
cerc de prce e
prcedmen de 12 r:
relçã cm mgem. Um
d nv mgc mur
m mprne em e rnd
de udvul, mprne
estavam ocorrendo em todo o Brasil naquele período e
pouco se sabia sobre elas. Mas, ao longo das últimas
d d l f d D l i i
los como causalidade e etiologia – o que, a meu ver,
caracteriza um certo posicionamento discursivo. Penso que
i di d i i d l
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 31/91
60 61
um pl de um prje m
mpl d regr de dcur
nã nerd em um cne
nucnl.
Crl Fdn Vcene, Crmel
Gr, Edurd Duwe, Ll
Krzynk, Luc Bmbzz,
Luz Duv, Mr Rmr, ov
Dnc, Rchel Rlen,
Ruel Kgn, Rejne Cnn
e Wln sukrk. o recre
de ecur e regrr
dcur de ur r
ue flm d prce de
rblh, de u mvçõe,
d dfculdde e def d
crçã. Em cngrunc cm recre gerl ue nreu
feur, eclh d r
pel, rec bre r
ue, de lgum md, prcpm
d cenr puln; lgun
eã nerd n cne d
peu cdmc, ur
fzem pre de crcu d
dnç, d múc, d cnem,
d re elernc e d re-
ecnlg. Mu ur ue
enre ul ue be
merl d mgem e vvel.
Em ur plvr, rblh
mr rgem memc
d mgem dgl. seu pn
de prd prce de
frmçã d mgem. E pn
de chegd, ul er? i
depende d dpv e d
prp d relzdr. Nee
peuen mpó prpm
reunã de pendre d
cmp d memc, dcmp d re e de r.
Vm dcur e preenr
epernc ue m cm
um de u mgc revelr
u rz, eu prce de
cnuçã.”
2) E de me levu
Penre, 2007-2010 –
dcumenr ue reúne
enrev e refleõe
mner mg. a lng
d hór d repreençã
vul mg e delc,
pdend gnfcr ncluve
p de eu necer. N
rencmen, er n crçã de
um mlr rel ue red
neree, un mr
emelhnç d pnur u d
eculur cm mdel, melhr
er r e br. tr
cul dep, fgrf e
cnem bm pel óc e pelumc um mgem epeculr;
neree d crdr e
delc; bm r pde
fzer rbc, pde nã
repreenr cm e buce
dupl d mund. a mgc
gnh ur lugre; el pde
er cnce, el pde encrnr
um bje velh e lhe c nferr
vd nv. a nv ecnlg
brem pr pr ur
décadas, elas foram resgatadas. De lá para cá, muita coisa
mudou; uma produção focada na tecnologia que durante
décadas se mantivera à margem de um certo circuito das
artes começou a ser reconhecida. Uma série de eventos
e festivais dedicados às mídias eletrônicas e digitais que,
em grande parte, se mantêm até hoje, surgiu a partir da
demanda por subsídio à produção artística e da busca de
parcerias e patrocínios que apoiassem a produção cultural.
Paralelamente, galerias, museus e institutos culturais
promovem mostras, em circuito nacional e internacional.
Nesse sentido, houve uma expansão para além das
fronteiras do local ou regional, além do deslocamento
de uma certa ação à margem. Enquanto isso, novasmanifestações emergem.
Há muito se ouve que os tradicionais recortes entre áreas de
conhecimento estão se desfazendo. Cada vez mais artistas
tendem a incluir, em sua formação e discurso, a metodologia
de pesquisa científica, os conteúdos das ciências, bem
como estudos de teoria e história da arte. Também eu
não estou fora desta tendência de nosso tempo; contudo,
penso que, mesmo no século XXI, ainda prevalece a ênfase
e a motivação muito específica do artista em discriminar
e mostrar processos, mas não necessariamente explicá-
tais discursos de artistas são representativos de amplas
questões que prevalecem neste momento e que contribuem
para uma memória historiográfica do atual contexto2.
Atualmente, acaso, instabilidade, imprevisibilidade e
emergência não só fazem parte do vocabulário corrente,
como também podem ser agentes constituintes de obras
concebidas como sistemas. Ainda hoje, o foco de muitos
artistas é abrir as comportas, subverter, inverter e iludir
percepção e cognição e, eventualmente, gerar mundos e
realidades. O fluxo do eterno presente parece subtrair a
transitoriedade e a morte; mas, de tempos em tempos,
faz-se presente um beber nas raízes arcaicas do ser,um retornar ao concreto e orgânico, ancorado em uma
sensorialidade irredutível.
Notas:
1) Elbre ee e prr
de um emul clcd pr
Prc Mrn em “epçã
d frur: códg, pn
e nerrg çõe”, de 2010:
“Mrr u ecnder cm e
fz mgc nem empre
Arte – dificuldade que se origina do fato de termos
consciência, na atualidade, de que qualquer campo da Arte
contemporânea contém a potencialidade de ser trabalhado
Entre aqueles que refletem sobre o campo específico da
Arte Contemporânea, parece um consenso que o mesmo
processo ocorre no caso de vári os outros campos da Arte
Uma reexãoA questão geral que procuro esboçar neste artigo é como
caracterizar/demarcar o campo estrito da Arte Digital;
pergunto mais especificamente de que maneira se
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 32/91
62 63
contemporânea contém a potencialidade de ser trabalhado
como aquilo que a teórica Rosalind Krauss nomeou
Campo Expandido, ou Campo Ampliado (KRAUSS,
1984, p. 93). Em Artes Plásticas, o conceito de Campo
Expandido ficou definido, segundo Krauss, como uma
operação entre Termos Culturais (ou seja, de dois ou mais
campos de atividade cultural e suas respectivas estruturas
axiomáticas); ao jogar com aquelas características
essenciais de cada um dos Termos Culturais, criam-
se, segundo Krauss, novos Termos, novos campos de
atuação com propriedades bastante diferentes do que
uma mera recombinação superficial de características dos
Termos culturais originais, a partir dos quais se realizou amencionada operação – Krauss utilizou o termo Campo
Expandido para tratar inicialmente do problema específico
da Land Art americana e outras formas de Arte dos anos
1960/70 que, embora utilizassem meios tridimensionais,
dificilmente poderiam ser caracterizadas como Escultura
como se concebia a Escultura na tradição Modernista. Para
a teórica americana, estas obras se estruturavam a partir
de uma operação entre aquilo que se compreendia por
Escultura, por Arquitetura e por Paisagem. Dessa operação
teriam surgido, segundo a autora, novas formas, que hoje
chamaríamos de Instalação ou Intervenção site-specific.
processo ocorre no caso de vári os outros campos da Arte
e de outras atividades culturais: determinados campos
específicos se desdobram em diversos novos campos
através de operações entre termos de outros territórios
vizinhos: Arte x Teatro, Arte x Dança x Arquitetura, Design
x Arte, Teatro x Dança x Circo, Arte x Moda e assim por
diante. Por isso, quando abordamos um meio surgido
justamente nas proximidades dos anos 1960, período em
que se manifesta essa marcada tendência à Expansão
de Campo, torna-se difícil diferenciar aquilo que seria
específico do meio em que surge e quais seriam suas
formas expandidas, uma vez que os novos meios já
emergem expandidos de nascença.
Tomemos como contra-exemplo o meio da Pintura. Por
diversos séculos, a Pintura foi explorada de maneira estrita.
Sabíamos muito bem o que era e o que não era Pintura
até o final do século XVIII. No passado, fazer linhas muito
marcadas numa Pintura, por exemplo, era considerado
inadequado pelos pintores mais acadêmicos, com o
argumento de que linhas explícitas não eram algo próprio
da Pintura, mas do campo da Gráfica (Desenho, Gravura).
Já na Arte Contemporânea, a cena se torna um pouco
mais complexa: uma paisagem pintada com tinta aplicada
lateral: da arte
contemporânea
para o digital
pergunto, mais especificamente, de que maneira se
estabelecem, no presente, as fronteiras do território
da Arte Digital e como se dá o seu regime de trocas
com outros meios artísticos. Proponho uma abordagem
inicial dessas questões, sobretudo a partir do ponto de
vista do meu principal campo de atuação até 2007 – as
Artes Plásticas, suas tradições e seus paradigmas na
contemporaneidade – bem como valendo-me de seus
procedimentos e processos.
Quando me debruço sobre o que é Arte Digital, a questão
colocada mostra, para mim, um perfil parecido com um mito
interativo da Antiguidade clássica, aquela Hidra de Lernaque, a cada tentativa de lhe cortarem a cabeça, gerava, para
o confundido oponente, duas novas faces ameaçadoras.
Caracterizar e demarcar o campo estrito da Arte Digital,
descrever as trocas que se estabelecem em suas interfaces
com outras atividades artísticas é uma questão que se
desdobra, de maneira imediata, em várias outras – que
aumentam o grau de complexidade por diversas razões. Os
motivos principais de dificuldade são dois, a meu ver.
Em primeiro lugar, por uma dificuldade geral de se
demarcar qualquer campo de atividade no âmbito da
SONIA LABOURIAU
2010
a segunda cabeça de nossa Hidra, agora específica do
ambiente digital: os sistemas computacionais operam, entre
outras funções como simuladores de meios analógicos
O problema de demarcação de fronteiras, expansão de
campo e definição de campo específico se apresenta
sempre que nos debruçamos sobre qualquer meio do
sobre o tampo de um banquinho de madeira, por exemplo,
pregado sobre uma tela pintada em que prossegue a
representação da mesma paisagem – que continua por
permanecem como referencial que facilita a c ompreensão
e o mapeamento da produção atual.
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 33/91
64 65
outras funções, como simuladores de meios analógicos
anteriores, tanto na forma das interfaces (simulação
digital da máquina de escrever, do microfone, da câmera
fotográfica ou de cinema em película), quanto nas formas de
entrada (cartão perfurado do tear a vapor, sinais elétricos de
áudio e vídeo) e saída: (projeção da luz sobre uma tela como
no cinema, impressão de imagens em papel fotográfico,
vídeo, reprodução fonográfica, reprodução gráfica, etc.).
Não é fácil um ramo de atividade humana que não envolva,
de alguma maneira, sistemas digitais e/ou computadores –
no campo da Arte ou fora dela. As atividades que se utilizam
dos recursos digitais, tais como a Música, a Fotografia,a Poesia, a Gráfica, consistem em Arte Digital no campo
estrito do termo? E será que isso importa, esta questão é
relevante ou seria uma falsa questão? Interessa saber se
algo é ou não é Arte Digital? Há quem defenda que Arte
Digital, no sentido estrito do termo, seria aquela que é
realizada com a própria programação, uma interferência
ou operação do Artista diretamente onde se estrutura a
linguagem da máquina e/ou na própria máquina, como as
experimentações em Programação, Robótica e Sistemas
Generativos de Live Image, ou Web Art, e outros recursos
da World Wide Web, por exemplo.
sempre que nos debruçamos sobre qualquer meio do
campo da Cultura e da Arte. A respeito dos processos de
Simulação anteriores, poderiam se aplicar os conceitos
relacionados à noção de Midiamorfose que Fidler (1997)
criou para pensar as transformações dos meios de
Comunicação até o mundo digital. Também, como as
atividades de fronteira, nos interstícios, tornaram-se
efervescentes nas últimas décadas, acredito que seja
conveniente tentar compreender o que seria(m) o(s)
núcleo(s) duro(s) do campo daquilo que chamamos de
Arte Digital, desde que esta tentativa não seja utilizada
para excluir, banir ou determinar a qualidade de uma obra,
mas sim para que possamos dispor de referenciais aofalar/pensar sobre o assunto e ao atuar neste campo e
em seus arredores. Haveria um centro ou diversos pontos
de irradiação nuclear em torno dos quais se organizaria o
campo da Arte Digital? Nesse caso, quais seriam eles?
Penso que um dos núcleos do Digital se situa no princípio
da Porta Lógica, ou seja, da deci são do tipo “0” ou “1”,
modus operandi intrínseco de sistemas computacionais a
partir da Análise Simbólica criada por Claude Elwood
Shannon (1938).
representação da mesma paisagem que continua, por
sua vez, sobre a moldura, sobre as paredes e o teto, se
propaga pela roupa de alguém que atua naquele lugar;
podemos, então, indagar onde termina a Pintura e começa
a Instalação, a Performance, o Design de Interiores ou a
Publicidade, o Design de Moda? E se, ao invés de tudo
ser recoberto de tinta, utilizarmos projetores multimídia
para sobrepor a estas mesmas superfícies a imagem
dessa paisagem, ou empregarmos, alternativamente, uma
impressão em silkscreen?
Uma corrente da crítica americana tentou barrar a
tendência à expansão do campo da Pintura, preconizandoque os pintores se concentrassem naquilo que se
constituiria na característica essencial da Pintura, ou seja, o
abstracionismo informal predominante na cena americana
do pós-guerra, nos anos 1950. Essa corrente crí tica,
liderada por Clement Greenberg, foi atropelada pelos
rumos tomados pela Arte que exerceu as possibilidades
de exploração do campo expandido de forma intensa,
demolindo qualquer dique teórico sem piedade. Contudo,
aqueles critérios anteriores oriundos da concepção do
que se entendia tradicionalmente por Pintura, mesmo
que não se apliquem mais à produção contemporânea,
No caso específico da Arte Digital, desde a criação do
recurso tecnológico do computador, o campo se confunde,
como tantos outros, com campos limítrofes – uma vez que,
desde o início, a Arte Digital já se deu através de forma
que alguns descreveriam como de Hibridação, dificultando
dizer o que é (e o que não é) Arte Digital. Tomemos como
exemplo o Vídeo. O meio surgiu com a especificidade do
tubo de raios catódicos e, em seguida, a fita magnética de
videotape. Mas agora, algumas câmeras de Vídeo utilizam
discos digitais, dispensando o meio magnético. Além do
mais, mesmo que gravados inicialmente em fita magnética,
os Vídeos são, quase sempre, editados, já há algum tempo,em ilhas não lineares digitais. Mas será que podemos dizer
que todo Vídeo editado em uma ilha digital ou projetado
com um projetor digital consiste em Arte Digital no sentido
estrito do termo? Ou uma obra de Vídeo deveria, para ser
considerada Digital, incluir características típicas do âmbito
dos recursos computacionais tais como mashing, sampling,
a inclusão de “ruídos” derivados destes e outros recursos
ligados a operações computacionais?
Assim, para tornar as coisas um pouco mais complexas,
surge então, além do problema do Campo Expandido,
Portas lógicas são dispositivos que operam um ou mais
sinais lógicos de entrada para produzir uma e somente
uma saída, dependente da função implementada no
FiDLER, R. F. (1996). Underndng New Med. Pne Frge: thu-
nd ok, 1997.
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 34/91
66 67
u a sa da, depe de te da u ção p e e tada o
circuito eletrônico: as duas possibilidades de ausência ou
presença de sinal elétrico, representadas respectivamente
pelo código binário “0” e “1”. Uma Porta Lógica pode
receber uma entrada e uma saída que podem ser tanto
outra Porta Lógica quanto uma Operação Analógica –
como, por exemplo, ligar ou desligar um potenciômetro
que vá variar a tensão de “0” até “X”.
Minha conjetura é que seria interessante conduzir
experimentos práticos que problematizem esta
situação, utilizando conceitos fundadores dos sistemas
computacionais e que coloquem em questão as estruturas
axiomáticas da Arte Digital, de maneira a tatear os
fundamentos da mesma. Proponho que poderíamos
ter uma vivência e um ponto de vista rico, ao levantar
questões do tipo: “Para haver um sistema Digital, seria
preciso estar sempre envolvido um computador ou um
circuito eletrônico, ou mesmo eletricidade?”
REFERêNCias BiBLioGRáFiCas:
aRCHER, M. (2001). are cnemprâne. Um hór cnc. trd.
alendre Krug; Vler Lell suer. sã Pul: Mrn Fne.
LéVY, Perre. o ue vrul? trd. Pul Neve. sã Pul: 34.
stiLEs, K.; sELtZ, P. (1996). there nd Dcumen f Cnem-
prry ar; a surcebk f ar’ Wrng. Berkley: Unvery f
Clfrn Pre.
<hp://www.lbrrmvel.cm/nde_p.hm>. ace em 08 de
g de 2010.
WiGGiNs, G.; McLEaN, a. Brclge Prgrmmng n he Creve ar.
carregando e redirecionando para o contexto atual questões
como a relação entre arte e vida (agora no domínio da
biopolítica e não mais como nas vanguardas), as tensões
Relacionamo-nos mais diretamente no local resignificando,
rearranjando e negociando os sentidos do global, abrindo
novas possibilidades. Nessa situação, o local não é nem
Notas Diversas:O T P t
Atualmente, além dos riscos das reflexões feitas no
dinamismo do tempo presente, outro desafio em torno
da produção artística de nossa época é conseguir dar
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 35/91
68 69
no espaço institucional (galeria, museu, centro cultural) e o
confronto com o público e o lugar, entre outras.
A segunda formulação se coloca no encalço da primeira.
Toda essa herança está pronta para ser posta em jogo
no campo da reflexão, como diálogos, apropriações e
desdobramentos – que precisam ser potentes o suficiente –
para abrir novas possibilidades de análise em profundidade,
mas nas tramas de relações espaço-temporais de outro tipo,
ligadas a uma espécie de fugacidade do agora e minadas
por um complexo sistema transnacional de comunicação.
Além disso, outro desafio é como podemos pensar
criticamente a produção local, especialmente tendo
em vista as relações entre global e local. Atualmente,
experimentamos uma densidade no local, construída
principalmente pelas relações sociais desenvolvidas,
além dos contatos face a face, nos sistemas mediados
de comunicação pessoal ou coletivo (e mais, todas as
possíveis associações e combinações entre ambos). Esse
sistema de informação que experimentamos e fomentamos
nos traz novos processos de subjetivação, outras formas
de lidar com a tradição, com o real e o entorno imediato.
fechado – ligado exclusivamente à tradição – nem um
espaço onde, sozinho, impera o inimigo, sem resistência
ou rearranjo. Trata-se de assumir a relação entre local e
global como campo de tensão no qual atuam diversas forças
que territorializam, desterritorializam e reterritorializam
a experiência. Esses novos equipamentos coletivos de
subjetivação ainda não nos conduziram à era de uma
singularidade pós-midiática, como queria Guattari, mas,
de toda forma, já reconfiguraram a vida social.
Somente é possível pensar a produção artística local
levando em conta esses desafios e a complexidade das
relações entre vida social e arte. É dentro desse contexto
e assumindo tais desafios que irei comentar algumas
produções artísticas desenvolvidas em Belo Horizonte,
ligadas ao campo da imagem em movimento, e que utilizam
as diversas tecnologias disponíveis.
No EsPaÇo Da CiDaDE
Entre os projetos artísticos desenvolvidos em Belo
Horizonte nos últimos anos, gostaria de destacar três que
O Tempo Presente
e o Local
EDUARDO DE JESUS1
densidade e fluidez para o conhecimento produzido, sem,
com isso, estabelecer promessas, fazer apostas ou inventar
novos e descartáveis conceitos – frágeis o suficiente para
durar até a próxima supermegaexposição.
O desafio talvez seja buscar formas de produzir o
conhecimento em torno da arte, situando-o na velocidade
de uma época marcada pelo chamado capitalismo cognitivo,
uma importante linha de força tanto na constituição
das próprias formas de produção quanto nos modos
de refletir sobre elas. Levando isso em conta, como
perguntam Backstein, Birnbaum e Wallenstein (2008), qual
a possibilidade da arte, como instrumento de reflexão e
produtora de um certo tipo de conhecimento, engajar-se em
nossa condição presente2?
Talvez seja impossível uma resposta a questionamentos
dessa natureza; no entanto, podemos tirar daí duas
importantes formulações: primeiramente, não é possível
articular qualquer resposta sem um conhecimento do que
houve antes, do passado. Antiguidade-modernidade.
O conhecimento de nossa antiguidade pode nos conduzir
até a modernidade. Passamos à contemporaneidade
2010
comunidades e oferecendo formas de produção audiovisual
e visibilidade, o projeto se desdobrou em diversas atividades
que aproximavam fortemente o entorno, as formas de uso
Esses projetos se estruturam em torno das complexidades
do espaço urbano, e cada um, dentro de suas aproximações
com a cidade, promove seu alargamento, da mesma
estabelecem vinculações intensas com o espaço físico e a
própria cidade.
as vidas que o habitam, revelando, como um raio x, um
jogo de interações cotidianas que nos convocam a pensar
as relações entre esses espaços e as imagens. A cidade
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 36/91
70 71
das tecnologias e as plataformas de comunicação.
Outro projeto que toma a cidade como espaço de
reconfiguração, em outra vertente, é o “Reações Visuais”
de Leandro Araújo e Daniel Nunes5. Trata-se de uma
plataforma de trabalho que processa os sons da cidade,
fazendo deles inputs para a geração de imagens. Assim, o
som de determinadas partes da cidade, como a Praça Sete
ou a rua Guaicurus, é convertido em imagens abstratas,
baseadas no próprio som. Nas apresentações, a dupla6
manipula os sons coletados, relacionando-os com as
imagens geradas. Um site7, assim como o “Muros e
Fundos”, demarca uma cartografia, criando uma espécie de
paisagem sonora desses lugares.
Em um dos desdobramentos do projeto, as imagens de
cada um dos lugares passa a ocupar o local destinado
a cartazes publicitários, nos pontos de ônibus da região
central de Belo Horizonte. Tudo é devolvido ao passante
que, perplexo, pode perceber as camadas de informação
que recobrem o espaço urbano. Com isso, a cidade se
desdobra em imagens e sons, ampliando nossas
formas de cartografá-la e percebê-la.
forma como amplia as possibilidades de gerar experiências
estéticas fora dos espaços mais sinalizados e direcionados
para abrigar a arte.
tECNoaNtRoPoFaGia
A subversão das tecnologias sem dúvida é uma das
potentes linhas de força que, ao longo do tempo, vêm
configurando a exploração artística dos dispositivos
e sistemas tecnológicos. A ideia é assumir restos
tecnológicos, seus refugos e tudo aquilo que a
obsolescência programada produz, para desenvolver
trabalhos artísticos. O gesto inicial veio, entre outros, de
Nam June Paik, que, nos anos 60, reconfigurou dispositivos
tecnológicos alterando suas funções originais para trazê-
los ao universo da arte. Nessa perspectiva, gostaria de
comentar os trabalhos de Fernando Rabelo, que desenvolve
obras interativas, frequentemente usando refugos e
sucatas eletrônicas em seus projetos.
Gostaria de destacar seu projeto “Contato-qwerty” (2005).
Trata-se de uma instalação interativa na qual os visitantes
O projeto “Muros e Fundos”3 desenvolvido em 2009 por
AruanML, Elisa Marques e Nian Pissolati, com diversos
convidados e colaboradores, traz as imagens em movimento
para a cidade de uma forma despretenciosa e muito
entranhada nas dinâmicas do espaço público. O grupo
desenvolveu um websi te com uma “interface- mapa”, que
cartografa de forma peculiar os trajetos na cidade, permitindo
ver as diversas intervenções realizadas. O esquema é
low-tech. Um carrinho de feira, desses de metal, com uma
bateria de carro, um projetor de vídeo e um DVD player. Tudo
bem rústico e simples. O carrinho foi deslocado por muitos
pontos da cidade, mas nada de lugares especiais com muita
visibilidade ou que chamem muito a atenção; em foco está
o “lugar-qualquer ”, o lugar ainda com suas signi ficações
restritas aos que usam e habitam seu entorno. Nesses
lugares, as imagens são projetadas.
Não se trata de imagens como as que vemos frequentemente
no circuito midiático; elas são domésticas e pouco produzidas
do ponto de vista formal. Trata-se de um gesto que pode
devolver às imagens esse caráter de proximidade entre
quem as vê e o lugar onde são vistas. Esse movimento
faz com que o espaço urbano e público se dobre sobre
torna-se tela de projeção, e o lugar uma potência para que
as subjetividades se reconectem com outras formas do
imaginário e dos afetos da cidade. O projeto possibilita,
de fato, traçar heterotopias imagéticas que podem
reconfigurar a experiência do espaço urbano.
PRoJEto MURos E FUNDos
Este projeto, de custo e formas de produção pouco
ambiciosos, opera longe do circuito mais tradicional da arte,
e quase se confunde com a própria paisagem da cidade,
expandindo, sutilmente, a experiência estética para alcançar
a atenção distraída dos passantes.
Essa reconfiguração do espaço parece ser também a tônica
de outra plataforma de trabalho que incluía ações educativas,
mobilização social e experiências audiovisuais com uso de
tecnologias de comunicação. O projeto “Ocupar Espaços”4,
da ONG Oficina de Imagens, produziu, entre fevereiro
e setembro de 2006, uma série de ações e formas de
conexão entre comunidades de Belo Horizonte. Produzindo
vídeos, fazendo transmissões que conectavam ao vivo as
experimental e ainda pouco sistematizada. Faltam programas
e espaços que estejam abertos a esse tipo de produção,
assim como espaços expositivos que possam dar novas
colaborativa, aberta e com resultados que são dificeis de
mensurar num primeiro momento.
Os resultados não se traduzem apenas em um produto
podem acionar pequenas seq uências de vídeo ao entrar
em contato com esponjas de metal, dessas usadas
popularmente nas pias das cozinhas e também em antenas
O trabalho de Rabelo frequentemente dialoga com
a história da arte-mídia, com seus pioneiros, e, ao
mesmo tempo, traz o princípio da subversão dos
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 37/91
72 73
possibilidades de enfrentamento entre as obras e o público.
Projetos como o Plug Minas, ligado ao Governo do Estado,
oferecem cursos de jogos digitais para alunos entre 15 e
24 anos que estejam matriculados em escolas públicas de
Belo Horizonte e Sabará. Em parceria com o Plug Minas
está o projeto Oi Kabum!, uma escola de arte e tecnologia
que já funciona em Recife, Rio e Salvador, e que começa
a dar os primeiros passos em Belo Horizonte. Essas ações
podem reverberar e difundir a cultura contemporânea que
inevitavelmente passa pelas mediações tecnológicas.
Uma ação importante no sentido do fomento a produção
é o Marginália+Lab8 que, através das leis de incentivo e
parcerias, conseguiu criar um laboratório para a geração de
diversos trabalhos.
A dinâmica é simples, tímida e desenvolvida com
poucos recursos: são cerca de dez projetos que foram
desenvolvidos em equipe, quase uma espécie de residência
artística local. De tempos em tempos os projetos eram
mostrados para especialistas que comentavam, analisavam
e enriqueciam a pesquisa dos artistas. Tudo de forma
final, mas sim em toda a rede de aproximações
possibilitada pelo projeto.
Nesse sentido, outro interessante projeto que iniciou suas
atividades recentemente na cidade é o JACA – Jardim
Canadá – Centro de Arte e Tecnologia9, uma residência
artística que vai fomentar o desenvolvimento e a troca de
experiências entre artistas locais e estrangeiros que atuam
em diversas áreas e mídias.
Nessa perspectiva, é impossível não l embrar do projeto
pioneiro na cidade que relaciona tecnologia, arte e
arquitetura. Trata-se do Lagear – Laboratório Gráfico para
Experimentação Arquitetônica10, dentro do Departamento
de Projetos da Escola de Arquitetura da UFMG. O Lagear
desenvolve pesquisas, propõe atividades, forma pessoas e
dá apoio ao desenvolvimento da disciplina Atelier Integrado,
de onde saem despretensiosos projetos interativos que
funcionam como um ponto de partida para inserir os
estudantes no universo da tecnologia.
Toda essa movimentação, apesar de ainda pequena,
conecta-se com aqueles movimentos ocorridos em décadas
internas para melhorar a transmissão de sinal da televisão. Os
cabos suspensos na sala, com as esponjas na ponta, estão
ligados à estrutura de um teclado desmontado. O visitante,
ao pegar duas esponjas, fecha com seu corpo o canal de
conexão entre as “esponjas-teclas” e aciona as sequências
de vídeo. As imagens trazem pequenas ações do cotidiano,
dessas que realizamos de forma quase mecânica (conectar
e desconectar cabos, ligar e desligar o fogão, carimbar,
buzinar, etc.) diariamente. O som marcado das imagens pode
propor um jogo entre os participantes. Os visitantes podem,
com isso, de alguma forma, reeditar coletivamente os
“balés mecânicos” do nosso cotidiano sempre habitado por
inúmeros dispositivos das mais diversas ordens.
CoNtato-qWERtY (2005)DE FERNaNDo RaBELo
Nesse trabalho, ironicamente Rabelo insere na tecnologia
interativa e digital os dispositivos mecânicos, tanto nas
imagens quanto na forma como os acionamos, fechando o
circuito com o nosso corpo. Aberto-fechado, 0 e 1, traço aqui
que sugere a união dos universos digitais e mecânicos.
dispositivos tecnológicos daquele contexto para o cenário
contemporâneo. Isso fica bastante nítido em outros
projetos, como N amJuneCena (“cena”, aqui, vem do
espanhol: jantar) desenvolvido no workshop “Interactivos”
do Medialab Madrid. A mesa, como de jantar, composta
de telas (monitores) com imagens em RGB – como as
desenvolvidas por Paik e Shuya Abe no “Paik-Abe video
synthesizer”, um dos primeiros processadores eletrônicos
de imagem – mostra pratos cheios de sucata eletrônica e
objetos tecnológicos aos visitantes que se aproximam.
MoDos DE PRoDUÇÃo
São diversos os modos de produção dessas obras, assim
como as fontes de recursos e patrocínios que as tornam
possíveis. Todas louváveis, já que muitas vezes a produção
mais recente vinda dos artistas em início de carreira ou
aqueles projetos que se colocam nas fronteiras entre as
áreas são pouco privilegiados. No caso do desenvolvimento
e exibição de obras com uso de tecnologia, essa situação
se agrava pelo despreparo dos espaços e instituições e
pela ausência de apoio direto à produção artística mais
anteriores, como por exemplo toda a dinâmica em torno da
produção de vídeo nos anos 80 e 90 com o Minasfest e o
ForumBHZvideo, que deram impulso à trajetória de vários
ti t l i T d i i li
plfrm ber, ur
clbrdre e múc
pdem cnlmene negrr
j
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 38/91
74 75
Reações Visuais - Frame da reação visual à paisagem
sonorada Praça 7, no hipercentro de Belo Horizonte
Contato - qwerty (2005) de Fernando Rabelo
artistas locais. Tudo isso serviu para ampliar e renovar as
bases de desenvolvimento da produção artística na cidade.
Certamente, quanto mais estivermos ligados às tramas
da contemporaneidade – com os desafios complexos que
temos pela frente –, mais a arte pode se tornar um campo
fértil para provocar reflexões e para fazer fluir novas situações
de encontro e enfrentamento entre as subjetividades.
Notas:
1) Prfer d Fculdde de
Cmuncçã e are d PUC/MG.
2) trduçã lvre de: Wh wuld
be he pbly fr he r,
nrumen f reflecn nd
prducer f cern ype f
knwledge, engge n ur
preen cndn?
3) www.murefund.cm
4) www.cupr.rg.br/prl
5) a dupl e preen
freuenemene cm nme
de eu prje “Le e L_r”.
6) Cm e r de um
prje.
7) www.lr.l/recevu/
8) www.mrgnlprjec.cm/lb/
9) www.jcre.rg4
10) www.rueur.ufmg.br/
lger/
REFERêNCias BiBLioGRáFiCas:
BaCKstEiN, J.; BiRNBaUM, D.; WaLLENstEiN (sven-olv.2008).
thnkng wrld: n nrducn. in: thnkng wrld – he Mcw
cnference n phlphy, plc nd r. Berlm: seberg Pre.
podemos pensar em um diferencial da produção em Belo
Horizonte, é a maneira doméstica e amadora de se trabalhar
ecoando ainda hoje.
na prática o slogan do movimento punk: do it youself.
Uma cronologia do vídeo independente em Minas
organizada pelo Instituto Imagem Movimento em 1995
recupera a gênese das primeiras produtoras de vídeo
Entre Ruídos eMemórias ou
Nee peuen genelg rrem umeemunh d cen culurl engendrdn nc d n 1980, und mudnçcnc n me de prduçã udvul
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 39/91
76 77
Até meados dos anos 80, quando se inicia a produção do
vídeo como arte, não havia na cidade qualquer tradição
audiovisual sólida. A constante diáspora dos mineiros em
direção ao Rio de Janeiro e São Paulo deixou um cenário
de raras e esporádicas produções cinematográficas sem
filiação com os jovens. A TV local tampouco configurava-se
como alternativa, na programação prevalecia o jornalismo. É
da falta de tradições e de referências, de políticas públicas,
de educação formal e de veículos de comunicação capazes
de gerar empregos ou difundir a produção, que o vídeo
se coloca enquanto campo privilegiado de criação, pois
mais acessível e barato. A psicanálise pode entender o
excesso de faltas institucionais, de escolas e de horizontes
demarcados como espaço potencial de liberdade e da
invenção de antecedentes. Os bares eram um lugar de arte.
Os jovens curiosos da poesia, artes plásticas, performance,
música, fotografia e audiovisual se conheciam e descobriam
afinidades eletivas, apresentavam seus trabalhos em
lançamentos ruidosos. A mistura de campos do fazer
artístico, o hibridismo tão decantado na arte contemporânea
e na criação audiovisual acontecia. Novamente a falta de
tradição e escolas transformavam-se em aliada, prevalecia
recupera a gênese das primeiras produtoras de vídeo
interessadas em desenvolver projetos artísticos e de pontos
de apoio aos realizadores. Em 1985 a Emvideo é criada por
Eder Santos e Marcus Vinicius Nascimento. Marcelo Braga,
Bellini Andrade e Evandro Rogers se tornarão sócios nos
anos seguintes. Em 1986 surgem a Versão Brasileira (VB),
formada inicialmente por Marcos Barros Faria, Emílio Belleti
e Hugo Rodriguez, e a Trincheira Vídeo com Jean Armand,
Claudia Amaral, Beto Magalhães, Carlos Santiago e Letícia
Coura. Por estas três empresas passaram na condição de
funcionários, usuários e estagiários uma geração hoje em
atividade como realizadores e pesquisadores. A VT-3, do
cineasta Helvécio Ratton, de Carlos Alberto Ratton e Dileny
Campos também é inaugurada em 1986, seus interesses
privilegiavam o consolidado cinema narrativo, a esporádica
produção autoral em vídeo veio a reboque dos jovens.
Em 1982 é inaugurado o Sistema Salesiano de Vídeo (SSV),
referência sobre o universo quase inacessível do vídeo de
uma polegada e U-Matic. Com a inauguração em 84 da
TV Minas, o tabuleiro no qual se moveram os realizadores
estava praticamente consolidado. A TV desempenhou o
papel de laboratório na formação de diretores, editores e
Memórias, ou
Primeiras Notas
Para Uma HistóriaAudio Visual
de BHz
PATRICIA MORAN
cnc n me de prduçã udvulprmvem mr ce à ferrmen decrçã. Ne dcd chegvm p me elernc dmc de prduçãde mgen. Em Bel Hrzne, jvenbrçvm ee recur e nvenvm umcen ue puc repercuu n Brl eem fev nerncn. Nme frmprjed e um rdçã lcl nugurd.
Naquele momento o VHS (Video Home System) era a
forma de trabalho mais acessível. A imagem ruidosa
e precária do VHS não fazia do mesmo substituto do
cinema, pois demandava um investimento poético
diferenciado. Experimentava-se outra estética e poética
para o audiovisual, construída vídeo a vídeo, sem qualquer
referência local. Como bem coloca Walter Sebastião, havia
uma espécie de ato de fundação que inventava experiências
inaugurais. Diante da quantidade de problemas estéticos e
políticos engendrados em mais três décadas, priorizamos
neste ensaio o gesto dos realizadores de constituição
de referências, ou seja, de invenção de uma escola. Se
2010
PEqUENos MoViMENtos PaRaa iNVENÇÃo
Na Rua Grão Pará em 1988 a VB e a Emvideo alugam uma
digital já nos anos 80. Álvaro abre em seguida a Ciclope
e se dedica ao desenvolvimento de produtos comerciais
multimídia em CD, DVD, para internet e museus, e claro,
para sua poesia.
produtores. Não oferecia uma estrutura ideal, ao contrário,
era uma escola na qual os estagiários aprendiam e
experimentavam. Pelo programa Agenda passaram Lucas
Bambozzi Rogério Velloso Anna Flávia Dias Beth Miranda
com Harmurt Host, Ingo Petzke e Kristoph Janetzko
alentar am os delírios visua is”. O Festival de Inverno da
UFMG era outra janela para a in-formação em época
anterior à globalização quando o acesso ao mundo era uma
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 40/91
78 79
Na Rua Grão Pará em 1988 a VB e a Emvideo alugam uma
casa em comum. A VB é um caso exemplar da profusão de
soluções técnicas e, claro, de distensões futuras. O mercado
publicitário, a meta de sobrevivência, os trabalhos pessoais,
um alvo construído. Inicialmente a VB tinha dois núcleos:
o de telões e o de foto. Na foto Cao Guimarães e Daniel
Mansur. Nos telões Hugo Mendes, Marcos Faria e Emílio
Belleti, que convidou Álvaro Garcia para ser sócio da VB.
Por que Emilio chamou Álvaro? Porque Álvaro o havia
procurado por querer sua poesia nos telões da VB. Emílio
não dispunha de meios para viabilizar o movimento físico
das palavras. Não se fez de rogado. Solicitou o auxílio de
seu irmão, que desenvolveu uma interface para visualização
de sinal de computador em telão para vídeo. Conseguiu a
façanha com um computador 286. Do experimento com
os poemas de Álvaro, Delfim Afonso Jr., Roberto Barros
e Mário Flexa a VB desenvolveu uma solução técnica
inexistente no país e passou a atender corporações como
a IBM. Do empreendimento demandado pela arte a VB
projeções transformou-se na poderosa ON que fornece
atualmente telões para eventos nacionais e internacionais
de performance audiovisual. A tecnologia propiciava a arte
para sua poesia.
Enquanto isso...
Lucas Bambozzi, amador no sentido guerrilha da palavra,
fazia da câmera da TV Minas uma aliada da noite cultural.
Bambozzi é caso exemplar do slogan punk do it yourself,
lição aprendida em São Sebastião do Paraíso onde cresceu
e aprendeu a usar os inputs e outputs das máquinas a seu
favor. Alinhava os cabeçotes e mixava, não imagens, mas as
fitas de rolo do tape deck de ponta do seu pai. Ali o menino
curioso de cerca de 16 anos experimentou ritmos levados às
imagens quatro anos depois. Do ritmo da música à imagem
musical das primeiras gravações.
Bambozzi sempre esteve próximo de Eder Santos.
Funcionário da VB era emprestado para a Emvideo
em trabalhos que demandavam perícia técnica como
transmissões ao vivo. Esses trabalhos comerciais
despertaram Bambozzi e Santos para performances
audiovisuais em tempo real. O primeiro, já morando em
São Paulo é um dos fundadores do coletivo Feito à Mãos,
FAQ. Originalmente formado por Rodrigo Minelli, André
Bambozzi, Rogério Velloso, Anna Flávia Dias, Beth Miranda,
Chico de Paula, Marcos Barreto, Rodrigo Minelli, Vânia
Catani, Mariana Tavares e muitos outros nomes que até hoje
trabalham com o audiovisual. Estar na TV permitia o acesso
a meios de produção e conferia visibilidade aos realizadores.
Apropriada pelos jovens inquietos, a emissora estatal de TV
chancelava o apoio de produtoras com melhor estrutura e
de patrocinadores. Com Lucas Bambozzi na direção e Vânia
Catani na produção, em 1989 o programa Sexo explícito
especial foi gravado e finalizado no agora acessível SSV: seis
meses de edição no formato de uma polegada. O tempo
de edição não condizia com as exigências da televisão, a
linguagem tampouco. Entre o documentário, o musical
e a arte do vídeo o programa não cabia nos formatos
tradicionais. Sem qualquer sanção ou norma o investimento
dos profissionais/estagiários inventava novos usos para a
TV, e colocavam o ingênuo e irreverente produto local em
circulação nacional.
Para completar a rede de referências da década de 80,
havia o Goethe Institut com mostras temáticas, itinerantes
e oficinas multimídia que, segundo Lucas Bambozzi,
“produziam um sentimento de inclusão (...) e o encontro
anterior à globalização quando o acesso ao mundo era uma
conquista e não um dado. O Festival de Inverno levou a Belo
Horizonte Joan Logue, realizadora de vídeo norte-americana
que apresentou a Eder Santos a nata do vídeo como Nam
June Paik, Jean Cohen, Paul Garin e muitos outros. A partir
deste encontro Santos inicia sua trajetória internacional e
se firma como um dos ícones nacionais do vídeo, enquanto
os demais integrantes da oficina por ela ministrada
passam a realizar seus trabalhos com clara inspiração nos
representantes da vanguarda sediados em Nova Iorque.
A Trincheira Vídeo por seu lado organiza o MinasFest.
Neste primeiro festival de vídeo na Belo Horizonte de 1987
consolidam-se os diálogos nacionais sobre a arte eletrônica,
seguidos em 1991 com FORUMBHZvídeo, festival a fomentar
o debate sobre a arte eletrônica e a trazer curadores e artistas
nacionais e internacionais para mostras e oficinas. Idealizado
por Vânia Catani, Lucas Bambozzi, Rogério Veloso, Adriana
Franca, Anna Flavia Dias e Vanessa Tamietti em suas três
edições, o fórum conferiu visibilidade para a cena emergente,
provou a todos que existia o vídeo como arte.
passaram. O uso de fotos também traz o tempo corrido, o
“isto foi”, segundo Rolan d Barthes. Chico de Paul a com Eu
faço versos como quem morre, de 1992, traz as lembranças
de sua amada para matar a saudade da distância, ela
a grande parte da produção local. Sua criação constante
e vultuosa oscila entre o poético documentário O mundo
de Aron Feldmann de 1988 e o indigesto Paca de telhado,
que traz duras imagens de um gato feito churrasquinho em
Amparo, Cláudio Santos, Chico de Paula e Marcelo Braga
tinha como um dos objetivos de sua Cartilha problematizar
noções de autoria. De sua primeira apresentação no
Festival Internacional de Curta-Metragem de Belo
todo, como bem coloca Philipe Dubois, “podemos opor à
noção cinematográfica de profundidade de campo a noção
videográfica de espessura da imagem” (p. 87), daí resulta a
dificuldade de percebermos seus contornos. Este recurso
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 41/91
80 81
p
estava em Londres. Em 1993 o vídeo Penólope aborda a
tessitura da identidade feminina, também em camadas de
lembranças. Tereza de Kiko Goifman finalizado em 1994
em parceria com Caco Souza também traz intervenções
visuais, mas o tempo do trabalho de Goifman é uma
prisão, é o tempo da prisão, um tempo sem perspectivas,
sem interesse no presente, pois representa a negação da
liberdade. A aposta de Goifman ao longo dos anos é na
temática, sua marca não estão no visível mas na violência.
Sua imagem é seca.
O ruído visual prossegue em Rodolfo Magalhães e seu O
pirotécnico Zacarias de 1991. A deformação da computação
gráfica de Aggêo Simões e Luiz Sander funcionava como
uma luva para o realismo fantástico de Murilo Rubião.
34 x 1 (1994), de Cláudio Santos e Eduardo de Jesus
seguiam a mesma trilha, memória e imagem ruidosa. Estes
realizadores da segunda geração do vídeo miravam-se na
recente tradição.
Fabio Carvalho é um dos realizadores mais intrigantes e
irregular. Distingue-se tanto no percurso quanto em relação
q g g q
animada roda de samba. Fabio continua inquieto, desafina
qualquer coro e provoca seus pares, atitude saudável em
época de adesões fáceis e oportunistas. Em 2008 fez o
vídeo Um filme de Cao Guimarães. A menção ao trabalho
de Guimarães justifica-se pela presença um besouro em um
vidro no vídeo de Fábio.
Cao em pelo menos dois vídeos usa insetos, em Quarta-
feira de cinzas laboriosas formigas levam para casa paetês
ou confetes. Os restos da festa terminada fazem o brilho do
formigueiro. Em Word-World novamente formigas, Cao lhes
entrega o peso da linguagem e do mundo, elas o evitam, por
fim carregam pequenos com as palavras “word” e “world”
para o formigueiro. O peso da cultura a cargo dos insetos.
O vídeo de Fábio Carvalho termina com a destruição de
fitas de VHS jogadas no chão perto de um gato que foge à
agressão do obsoleto objeto, logo pisado e destruído. Fabio
Carvalho não faz apenas imagens ruidosas, é o próprio ruído,
em alguns momentos construtivo em outros...
g
Horizonte com Dziga Vertov, manipulação ao vivo de O
homem da câmera, tem entre suas ações oficinas no
Festival Eletronika, o primeiro em 2001, com a criação do
prêmio Emílio Belleti, no qual jovens realizadores recebiam
apoio para o desenvolvimento de trabalhos. O FAQ leva
para performances o uso do espaço além das telas e da
estimulação multimodal dos sentidos — a tradição da
videoarte tornando-se referência nacional.
Eder Santos já havia realizado suas primeiras performances
multimídia nos inícios dos anos 1990 com Stephen
Vitiello, músico ligado à vanguarda do vídeo sediada em
Nova Iorque. Uma de suas diferenças em relação ao FAQ
está na presença de atores e músicos em quantidade e
no uso do palco. Santos sagrou-se na cena nacional em
1988. Com Mentiras e humilhações vence o VideoBrasil,
e firma sua marca no vídeo ao construir uma imagem
barroca com a sobreposição de camadas borradas sem
definição precisa de contornos, as imagens se somam sem
recorte. São tratadas e maltratadas até deixar à mostra a
matéria da qual são feitas, pontos de luz. Transparentes
e luminosas se misturam sendo percebidas como um
p
gera um efeito onírico; para Heather Barton, Santos cria
uma espécie de mnemotecnia ao contrário, disfarça as
lembranças enquanto se recorda de algo universal, talvez
venha dai a adesão a seus vídeos.
O mesmo recurso encontra-se em Europa em cinco
minutos, Não vou à África porque tenho plantão, Janaúba e
na poética homenagem a Wally Salomão Quando eu vejo o
mar mas não vejo a embarcação, assinado em parceria com
Marcelo Braga. Aqui, nem a consagrada música Vapor barato
sobrevive às intervenções do realizador. A voz de Gal Costa
é ruído, é gemido e grito em eterno retorno, sem letra, ruído
da voz acrescido de ruído de um projetor de cinema sujando
a trilha sonora. O eterno retorno está também na declaração
de Wally: “se me der na veneta eu morro, e vol to pra curtir”.
Curtimos nós, o vídeo feito de alegria e dor pela perda do
poeta tropicalista.
Ruídos e apelo memorialista se repetem na obra de outros
realizadores. Em Love stories (1992), de Bambozzi, a
inscrição do tempo está no negativo queimado feito imagem
e no título do vídeo. Se são histórias de amor foram vividas,
ainda se espantar e deliciar com pequenas aberrações não
percebidas pelos apressados transeuntes da cidade. Seus
quase-documentários, praticamente sem edição, seguem
três vertentes são um convite à observação de pequenas
o animal inquieto funciona como um comentário para a
situação. O homem caminha-cavalga enquanto o cavalo
incomodado quase pensa, o que estará fazendo ali? A não
adesão a esquemas simplistas de sedução e a maneira de
NoVos NoMEs: CoNtiNUiDaDEE RUPtURa
Carlos Magno, Roberto Bellini e Marcellvs L representam
voam. Imagens simples, quase amadoras não fosse sua
firmeza, a certeza em não mostrar qualquer personagem.
Bellini está próximo a uma corporação em Austin, no
Texas, onde fez seu mestrado. Interpelado por um policial
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 42/91
82 83
mudanças produzidas por seu olhar. No já clássico man.
road.river de quase 50 minutos nos revela longa, lenta e
sutil mudança produzida pelo zoom out que acompanha um
homem cruzando o leito caudaloso de uma rua. Ao assistir
o vídeo por primeira vez vê-s e um homem andando no rio
no início do trabalho. O quase imperceptível zoom produz
uma espécie de epifania. Aquela água não é um rio, mas
uma rua alagada, indiferente ao registro o homem passa
ao largo da câmera e segue sua caminhada, indiferente a
tudo recebemos a oportunidade de contemplar. A segunda
vertente de sua poética também se es trutura na revelação
lenta de cenas, as imagens iniciais indefinidas, brilhantese ricas em poesia pelo que sonegam de informação visual.
Trata-se do vídeo Rizoma 0314, no qual uma imagem em
chuvisco é água e o Rizoma 5040 com manchas coloridas
em movimento transformadas em uma cidade à noite. A
terceira vertente tem no vídeo Rizoma 8246 um exemplo
cabal do absurdo do nosso cotidiano. Um homem corre
em uma esteira em uma academia. À mostra pelo vidro na
corrida, sem deslocamento, no interior da academia. Na
rua contígua visualmente, um cavalo sem destino parece
estacionado na porta da academia. A situação é jocosa,
captar o mundo, como bem coloca Cezar Migliorin, remete
às câmeras de vigilância, e reinventa o pan-óptico. Não
se trata de vigiar para punir, mas de observar o ridículo
dos protocolos sobre padrões cotidianos relacionados ao
bem viver. Deste ponto de vista Bellini e Marcellvs L se
aproximam ao nos devolverem o lugar de obser vação e não
de consumidores de um mundo organizado e direto.
Carlo Magno também se alimenta do cotidiano, seu
próprio cotidiano, segundo o título de ensaio de Migliorin
“Carlos Magno: do privado para o político”, penso eu, o
privado como político. Na expiação da subjetividade, ahistória das culturas. A religiosidade de Minas Gerais e
suas promessas de redenção atravessam sua obra. Em
Kalashnikov a presença da religião na família nos auxilia
a entender sua fixação por ícones religiosos. Sua avó
dizia que o pai estava possuído pelo demônio quando
embriagado, segundo Magno por ter apenas cinco anos de
idade na época acreditava nas palavras da avó confirmadas
pelo próprio pai. Pai fantasma da religião, ou, jogo de
palavras fácil e produtivo, a religião como um fantasma a
ser assombrado pela criação.
uma geração a se firmar na virada do século XX. Por
caminhos distintos fazem de sua obra um lugar de
provocação política, de construção do incomodo. Carlos
Magno trabalha com deslocamentos semânticos e choques
entre imagens, sons e palavras, sejam elas escritas, ditas
de maneira direta para a câmera ou apropriadas. Grande
parte dos trabalhos de Bellini é de encontro com fatos da
vida. Seu gesto poético é próximo ao documentário se
colocar com a câmera em estado de provocação. Mesmo
quando há alguma performance previamente preparada, as
intervenções na imagem são raras, os planos têm a duração
do acontecimento visado.
O vídeo How things work (2002) de Bellini produz o
nosso encontro com o corte de uma pele que nos coloca
em contato com uma carne vermelha. A pele não é
humana, a carne é de uma fruta. Bellini fez uma operação
performance. Da carne retira gosmas translúcidas e
moedas. As entranhas do capital rasgadas pelo artistas
levam ao que interessa do interior, ainda o dinheiro. Em
Teoria da Paisagem, de 2004, grava o céu, aviões riscam
de branco o azul, o por do sol se aproxima, pássaros
testemunhamos o encontro através do diálogo entre os
dois. O policial fala sobre potenciais riscos que corre ao
filmar ali, comenta prisões recentes de espiões e sobre
os perigos representados pelas câmeras. Bellini continua
apontando sua arma para o céu, não sem ironia, no seus
contra argumentos externa o desejo de enquadrar a lua,
de filmar os pássaros. A diferença dos dois registros
sonoros, a diferença entre a imagem e o dialogo bem
como a contenção do policial diante da câmera faz deste
vídeo contundente ação sobre a vigilância, sobre a falta de
liberdades civis e o poder das corporações apoiadas pela
repressão. Ele também incursiona por instalações comtrabalhos de sofisticado impacto visual e político sem o uso
deslumbrado da tecnologia. Em Outlines (2005) corpos e
mapas traçam no chão movimentos instáveis para ambos.
Em posição fetal as linhas de luz a formar o corpo aludem
a contorções, quando estáticos remetem a desenhos de
peritos policiais. Independente do suporte e temática o
enfoque político é uma constante em sua obra.
Marcellvs L, espécie de flâneur da urbe, usa a
contemplação para fazer de situações triviais poesia e para
bisavô russo da música eletrônica para se unir à caixinha
de balas Mentos que abriga o Arduíno, programa aberto
à programação para realizar distorções sonoras e visuais.
O sofisticado trabalho visual de 1mpar convida a um
REFERêNCias BiBLioGRáFiCas:
1MPaR. theremen: udvul nrumen ung n ardun
Brd, 2 enr nd Men B. Dpnvel em: <hp://www.
yuube.cm/wch?v=zejyFK8jx>.
O vídeo é o lugar onde ele se organiza, lugar de
expiação ou, segundo Migliorin na revista Cinética, “uma
necessidade”. A religião é um lugar de crítica social, de
crítica à passividade pregada pela igreja. Carlo Magno
o vídeo é sujo, a câmera tremida desenquadra os temas
mal iluminados. A tradição do ruído é assim organizada em
vídeos sobre memórias, em imagens repletas de tempo
para organizar o esquecimento, para promover passagens
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 43/91
84 85
mergulho em paisagens visuais. Tenho escrito sobre este
potente realizador em outros trabalhos. Para esta redação
ouvi depoimento do autor para o evento Live Cinema, no
qual realizou primorosa apresentação e criou belo objeto
semelhante a um tubo de ensaio, onde em vez de fumaça,
temos profusão de luzes acionados pela presença de
interfaces digitais nos belos êmbolos de vidro, outra espécie
de epifania, de interfaces feitas objetos e imagens. No
depoimento 1mpar ele evoca relações humanas e memórias
como para localizar seu potente trabalho, este belo
horizontino de Minas chama lembranças, paisagens visuais
para mergulho do navegar de pontos e ruídos.
Termino este ensaio sem conclusão antes do fim, pois
nesta vida muitas coisas terminam sem fim, antes do
fim. Nenhum fim garante um final feliz e se a estrutura
da poética for não linear, o que é o fim? Terminamos com
lacunas e fraturas de pontos expostos, limpos ou ruidosos
como superfície visível deixam traços sobre suas camadas
mesmo com roupagem opaca.
BaMBoZZi, Luc. El vde eplnd y u frgmen
plnend bre nr. in: BaiGoRRi, Lur. Vde en
Lnmrc: un hr crc. Mdrd: agenc Epñl de
Cpercón inerncnl, 2008.
BaRtoN, Heher. Un lugr en el plc de l memór. in: La
FERLa, Jrge (org.). Cnmncne: del vdere mulmed.
Buen are: Unverdd de Buen are, 1997.
BRasiL, andr. que nd: fe. FF >> Der, n. 12.
Mrcellv L. Dpnvel em: <hp://www2.ecp.rg.br/ec/
vdebrl/up/ruv/200507/20050721_121712_ue_nd__
fe.pdf>.
DUBois, Phllpe. Cnem, vde, Gdrd. trduçã de arlnd
Mchd e Meu arúj slv. sã Pul: Cc Nfy, 2004.
MiGLioRiN Cezr. Lndcpe hery. FF >> Der, n. 21. Rber
Belln. Dpnvel em: <hp://www2.ecp.rg.br/ec/vdebrl/
e/der021/en.p>.
confere assim universalidade e tinta política a uma
problemática presente em sua biografia. Em América
CTRL + S diante do corpo de um indigente aparentemente
morto ouvimos a ácida frase: “é bom que ele morra pois na
próxima encarnação ele nasce rico”.
Desde meados da década de 1990 quando fez seus
primeiros filmes em VHS tem uma trajetória coerente nos
temas e na maneira de abordá-los. Formou-se em artes
plásticas o que aparece no tratamento visual das artes e
gráficos. Cuidadoso na escolha das fontes utiliza cartelas
fixas para criar um quadro dentro do quadro do vídeo. Osre-enquadramentos variam de tamanho e cor, em Chubelrz
o espaço reservado ao vídeo é pequeno e sobre ele temos
textos com fontes diversas e o desenho de um lagarto.
Em América CTRL + S a janela emula televisões antigas,
em Kalashnikov uma faixa branca no topo da tela e outra
embaixo faz da intervenção uma janela 16:9 do cinema.
Com este recurso ele aumenta a autorreferencialidade já
presente, explicita recursos de montagem e organiza a
sujeira do vídeo. Há um movimento em duas direções, as
cartelas, desenhos e colorização limpam o quadro enquanto
pessoais e fundar uma cena coletiva. Dos três, Carlos
Magno é um exemplo que faz a passagem dos anos 80 para
o século XXI.
PoNtos aNtEs Do FiM
Na década de 80 falta lugar de potência. 30 anos depois
o excesso é utilizado pelos artistas para restaurar a época
do excesso de faltas. Aumentam demandas e exigências
cognitivas, os materiais técnicos reivindicados pela arte
retornam a pequenos pontos. Base cognitiva sofisticada,visível sofisticado na simplicidade. Um caminho é a
reinvenção dos objetos banais de uso automatizado.
Fernando Rabelo retira da cozinha esponjas de aço e faz das
mesmas pontos de contato entre imagens. André Mintz
e André Veneroso atualizam a contestação doa anos 60
através de luzes de lanternas que renovam grafites políticos.
Objetos do cotidiano como interfaces. Nesta publicação
Eduardo de Jesus se debruça com mais vagar na leitura
destes trabalhos. 1mpar no projeto HOL chama o Themin,
MiGLioRiN, Cezr. Crl Mgn: d prvd pr plc.
Cnc – Cnem e Crc, nv. 2006. Dpnvel em: <hp://www.
revcnec.cm.br/crlmgn.hm>.
MiGLioRiN C M R d R & D j l d
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 44/91
86 87
Carlos Magno: Marca
Marcellvs L: Rizoma Lucas Bambozzi: Love Stories
Marcellvs L: Man Road River
MiGLioRiN, Cezr. Mn.Rd.Rver & D jnel d meu ur:
epernc ec e medçã munc. Cnrcmp – Rev
de Cnem, n. 67, 2004. Dpnvel em: <hp://www.cnrcmp.
cm.br/67/mnrdrverjnel.hm>.
sEBastiÃo, Wler. Prpecçõe: re n n 80 e 90. in:
RiBEiRo, Mrl andr; siLVa, Fernnd Pedr d (org.). Um
cul de hór d re plc em Bel Hrzne. Bel
Hrzne: C/are; Fundçã Jã Pnher, 1997.
Roberto Bellini: Landscape Theory
Eder santos e Marcelo Braga: Quando Eu Vejo O Mar
visualidade, ou de contemplação, mas carregam também
outras solicitações para experenciá-los. Outras solicitações
de diálogos e de hibridações, em vários níveis e também
com outras referências e saberes, incluindo as máquinas
programáveis e/ou de feedbacks inteligência artificial
Essas dificuldades hoje se diluem, no que diz respeito à
utilização, e se tornam recorrentes no uso cotidiano de
máquinas, interfaces e utilitários, como computadores,
navegadores, DVDs, câmeras digitais, celulares, GPS, caixas
de banco de metrô de ônibus sensores de presença
Grupo PoéticasDigtais: projetos
o Grup Pc Dg f crd em2002 n Deprmen de are Plcd ECa-UsP cm nençã de gerr umnúcle muldcplnr, prmvend deenvlvmen de prje epermen
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 45/91
88 89
programáveis e/ou de feedbacks, inteligência artificial,
estados de imprevisibilidade e de emergência controlados
por sistemas artificiais numa ampliação do campo
perceptivo, oferecendo modos de sentir expandidos, entre
o corpo e as tecnologias, em mesclas do real e do virtual
tecnológico, como um atualizador de poéticas possíveis.
A arte tem se constituído como um lugar de trocas e
de contaminação e, certamente, nunca foi alheia ao
conhecimento científico e técnico. As práticas e processos
artísticos têm a capacidade de ajuste de interferências,
podendo assumir a entrada de variáveis que vêm docontexto sem que isto tenha que supor a extinção de
suas especificidades, mas deve somente aumentar a sua
capacidade de absorção e reorganização. A arte é um
sistema aberto, que também considera a pergunta “e por
que não?”. Porém, entre as dificulda des na realizaçã o e
agenciamento, poderíamos apontar o uso e o entendimento
das estruturas específicas, novas interfaces e dispositivos e
das distintas intervenções poéticas inerentes. Dificuldades
também que muitas vezes se iniciam no estranhamento do
uso de instrumentos digitais e suas lógicas operacionais.
de banco, de metrô, de ônibus, sensores de presença,
portas de banco etc.
Todavia, os trabalhos artísticos vão além de muitas dessas
aparências e páginas de código de programação, além dos
dispositivos e interfaces e eventuais encantamentos e
descobertas. Há também a discussão que eles trazem e a
sutileza que eles incorporam, a necessidade desses novos
olhares, ouvires, tocares e fazeres em outras conjugações.
A tecnologia (assim como a ciência) não é neutra, nem sua
presença, nem o uso que dela fazemos, inerte ou inocente.Mas também não podemos nos esquecer de que vivemos
num mundo cercado de aparatos e interfaces tecnológicas.
Pessoalmente, enquanto artista, vejo o seu uso como uma
opção, uma escolha possível, mas que não poderia ser
substituída por qualquer outra. A tecnologia faz parte do
meu universo de referências e de vivências. Para mim ela
tem um papel fundamental, mas não é ela quem determina
o trabalho ou o processo. A relação é outra, é de parceria.
É o trabalho/questão que aponta o que é necessário, indica
liames, hibridizações, vetores. Cada trabalho é um processo,
g p j
#Azul, Pedralumen
e DesluzGILBERTTO PRADOGRUPO POÉTICAS DIGITAIS(ECA-USP/CNPq)
deenvlvmen de prje epermene refleã bre mpc d nvecnlg n cmp d re. o Grup um dedbrmen d prje wawRwtncd em 1995 pr Glber Prd e emcm prcpne r, peudre,prfere e eudne. o bjev deee preenr lgum epermençõerecene de prje pc ue ulzmpeuen eruur de LED cm#azul, Pedrlumen, de 2008, e Deluz de
2009/2010.
iNtRoDUÇÃo
Muitos dos trabalhos de arte no campo das chamadas
“novas mídias” colocam em evidência seu próprio
funcionamento, seu estatuto, produzindo acontecimentos
e oferecendo processos, se expondo também enquanto
potências e condições de possibilidade. Os trabalhos não
são somente apresentados para fruição em termos de
2011
agentes da construção, colorindo o fluxo do curto-circuito,
em que se confunde audiência, indivíduo e momento
partilhado. A mudança de registro, no mesmo canal, a
tela como espelho, a presença do outro como eu. 0101
probabilístico #azul 0000FF RGB (0 0 255)
os spots #Azul não estão no ar, que continua pulsando,
“autorretrato probabilístico” da audiência, de um “espectador
probabilístico” Eu, sem ser eu, eu indivíduo, mas como parte
de um coletivo, que está na rede. Eu, enquanto 01, enquanto
fluxo enquanto audiência mesmo que eu não esteja A
cada trabalho é um diálogo. Esta é a minha aproximação
como artista, tentar explorar essas possibilidades é de
alguma forma criar zonas de suspensão, abrir hiatos e
sonhar o mundo em que vivemos.
O trabalho consiste na conversão de matizes do pigmento
azul de Yves Klein, em azul numérico disperso em rede. O
#Azul é uma variável que tem por referência o azul marinho
profundo International Klein Blue (IKB) e que se transforma
em função do número de espectadores no momento da sua
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 46/91
90 91
probabilístico, #azul. 0000FF, RGB (0, 0, 255).
Cubo de LEDs #Azul
PEDRaLUMEN
Temos um cubo virtual azul na web com uma pedra de luzes
em sua base. Ao acessá-lo na rede, o interator escreve
uma palavra e escolhe um lugar onde colocá-la. As palavras
fluxo, enquanto audiência, mesmo que eu não esteja. A
dinâmica do sistema depende do retorno que vai ser dado
pelos medidores de audiência interfaceada pelo cubo azul.
Cubo de LEDs #Azul (Poéticas Digitais) e Auto-retrato probabilístico
(Waldemar Cordeiro).
É um diálogo através da cor, em que a presença do outro
é uma nuance de matiz, compartilhada em tempo real.
Desconstrução do 0 e 1 num cubo azul, de luz, onde me
vejo e sou visto, como cor e luz, num autorretrato coletivo,
da presença compartilhada em tempo real. Poéticas da rede
(nas dinâmicas do sistema). Somos não só receptores, mas
O objetivo deste texto é apresentar algumas experimentações
recentes de projetos poéticos que utilizam pequenas
estruturas de LEDs como #Azul, Pedralumen, de 2008,
e Desluz, de 2009/2010.
#aZUL (D’aPRès KLEiN E FoREst)
O trabalho #Azul é um projeto de Gilbertto Prado, com
a colaboração do Grupo Poéticas Digitais inicialmente
pensado para a mostra “Galeria Expandida”, de curadoriade Christine Mello para a Galeria Luciana Brito, em São
Paulo. Apesar de não ter sido realiz ado por uma questão
de mudança de agenda e prazo possível para realização
(o trabalho apresentado acabou sendo o Desluz), foi o
projeto que deu início e norteou uma série de dispositivos/
interfaces com pequenas estruturas de LEDs que foram
sendo desenvolvidas pelo Grupo Poéticas Digitais e
exibidos em diferentes locais e momentos, descritos nos
outros tópicos deste texto.
em função do número de espectadores no momento da sua
transmissão/aparição em tempo real na televisão.
Através do medidor de audiência (Ibope, por exemplo) é
possível estimar o número (e a variação) dos espectadores
naquele instante em determinado canal. O projeto #Azul
consiste na inserção de spots artísticos transmitidos no
espaço televisivo: telas de matizes de azul, variáveis em
tempo real e em função do número de espectadores e em
frente ao próprio espectador que o gera. São 15 segundos
de suspensão, de tela cheia azul, sem som, criando uma
rede efêmera determinada pelos próprios espectadores,como parte da mesma rede que a forma. Uma interação
pontual gerada na partilha e no espalhamento do azul #Azul
em tempo presente, que se compõe e se forma com a
nossa própria presença.
Durante a exposição, na galeria, haverá uma peça, um
“cubo azul probabilístico” formada de LEDs azuis, (8x8x8),
variando com a intensidade e frequência da luz, de acordo
com a audiência em cada instante medido. Esta peça é o
que faz a relação entre o dentro e fora da Galeria, quando
Quando o visitante abandona o site, o LED permanece aceso.
Assim, o cubo se torna cada vez mais luminoso ao longo de
cada exposição. Cabe assinalar que para cada ocasião e local
em que o trabalho foi exibido, o registro de visitantes e o
cubo reinicializado trouxeram situações diferentes.
ficou definido o não apagamento dos LEDs correspondentes
aos visitantes que abandonam o site. Nosso objetivo, com
esta alteração, foi sobrepor as visitas e, cumulativamente,
manter mais LEDs do cubo com brilho cada vez mais
intenso, tornando mais visível o conjunto das intervenções
virtual têm seus pontos brilhando de forma acentuada. De
todas as maneiras, a variação é sutil, podendo ir até 8 níveis
de intensidade de brilho de azul.
podem se sobrepor, ou se compor com outras dispersas e
espalhas pelo cubo virtual. Na galeria, temos um cubo de
LEDs azuis (8x8x8), que responde às intervenções, variando
com a intensidade e frequência da luz, de acordo com as
escolhas e nominações, e também em função da distância
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 47/91
92 93
ç
Site do projeto Pedralumen
Para realizar a comunicação entre o servidor e o cubo,
utilizamos um sketch programado no Processing e que
roda no PC, e um programa que roda na placa Arduino, o
que permite modificações na rotina das apresentações e
mudanças de procedimento para cada local. Por exemplo
(vide locais expostos abaixo), na Macedônia, a cada minuto
era atualizado o registro de visitantes, e, com a saída dos
visitantes, a luz correspondente se apagava. Em Brasília
, j ç
às visitas no site.
O trabalho é sutil e a percepção de mudança de intensidade
dos azuis dos LEDs é delicada. Pedralumen é um trabalho
de contemplação, e o público em contato direto com a peça
não tem como interagir localmente com a obra. No local,
encontra-se somente o cubo de LEDs (e o computador
conectado à Internet e à peça, mas sem o teclado, mouse
ou monitor para o acesso do público). É um trabalho de
reflexão sobre a interação e partilha com o outro; pode-se
visualizar a intervenção de um outro, localmente distantenaquela peça, mas não a da sua própria ação naquele
instante. A sua intervenção no cubo será à distância e em
tempo real, mas para um outro, que lá estiver naquele
instante. Os azuis se acendem e se sobrepõem fazendo a
pedra pulsar com o ritmo das intervenções.
Este trabalho foi apresentado em setembro/outubro de
2008 na mostra “Chain Reaction” no Museum of the City of
Skopje, Macedônia, como parte do 3rd Upgrade! International
Meeting, e na Exposição EM MEIOS, no Museu Nacional
da República, em Brasília, como parte do #7.ART – Encontro
Estrutura do cubo de LEDs do projeto Pedralumen
Montagem do Cubo no Laboratório
ç , ç
do interator na rede e da localização física do cubo.
A web-instalação Pedralumen trata de escolhas, inscrições e
partilha do processo de dar nome às coisas, de colocar marcas
e de escolhas de território, criando espaços partilhados de luz,
provocando ações em cadeia de maneira simbólica e física.
O estado inicial do cubo mostra a forma de uma pedra
em negativo. Isto é, os LEDs que formam a pedra estão
apagados. Os outros LEDs ficam ligados, mas com
um brilho suave. Quando um visitante entra no site doPedralumen, a programação que roda no servidor identifica
a localização geográfica do visitante e acende o LED
correspondente àquela localização geográfica no cubo.
Em relação à distribuição da localização geográfica dos
participantes em função dos pontos do cubo, cada LED
representa um retângulo de 15 x 15 graus de latitude e
longitude. As marcações no cubo começam com o ponto
-180,-90 indo até o ponto 180,90. Quanto mais próximo
geograficamente estiver o interator do cubo, fisicamente
instalado, mais o contorno e as regiões próximas da pedra
nde e epce de lepdóper nã ee, em
end mefórc pr degnr mererze) vem
d greg phln, ue gnfc brlhr, pr gnfcr
ue ee ne, rd à ne pel luz, brlhm
em vl del” (BaRGHiNi, 2008, p. 51).
Internacional de Arte e Tecnologia: para compreender o
momento atual e pensar o contexto futuro da arte.
DEsLUZ
Insetos utilizam a luz da lua e das estrelas como baliza de
localização, mantendo-se em ângulo constante para ir e vir
de seus criadouros. Com a luz artificial das nossas lâmpadas
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 48/91
94 95
[...] lepdóper nurn [enre ele,
mrp] puem um enbldde epecl
à luz, e em lgun f puld enc
de um percepçã epcl n bnd d rdçã
nfrvermelh (CaLLaHaN, 1985), lnçnd
hpóee de ue encl de lgun lepdóper
preenm e enbldde prue ne
freünc de nd emem ferrmn”
(BaRGHiNi, 2008, p. 51) de fre rçã eul,
epecfc pr clmen.
Pregund n pg 71:”Um c eemplr
em dúvd de lgum mrp...” [decreve
cpcdde d mrp de “ver” ferrmn d
prcer n nfrvermelh] “cm frm Cllhn
(1977) “he cndle flme [ ... ] eul mmc f he
cded nfrred wvelengh frm he mh cen”. o
mem ur verfcu e crcerc em ur
epce”. (“ chm d vel [ ...] um mmc
eul d rdçã nfrvermelh cdfcd d dr
d mrp”).(BaRGHiNi, 2008, p. 71),
Ilustração: jornal Folha de S.Paulo, 21/04/09.
Temos no espaço expositivo um cubo de LEDs
transparentes (8x8x8) que emitem luz infravermelha, e
caixas de som, que respondem simultaneamente ao fluxo
de passantes, em um outro lugar, região de casas de luz
vermelha, como atrator, dissimulando um velado jogo de
Pedralumen – Museum of the City of Skopje, Macedônia
O Grupo Poéticas Digitais, no projeto Pedralumen, foi
composto por Gilbertto Prado, Silvia Laurentiz, Andrei
Thomaz, Rodolfo Leão, Sérgio Bonilha, Luis Bueno Geraldo,
Camila Torrano, Clarissa de Almeida, Maurício Taveira, Hélia
Vannucchi, Fabio Oliveira Nunes, Henrique Sobrinho, Luciana
Kawassaki, Soraya Braz, Viviam Schmaichel e Daniel Ferreira.
elétricas, os insetos passam a se confundir, buscando se
aproximar das fontes de luz, voando em círculos, formando
nuvens, atraídos pela luz em voltas sem fim. A luz que os
atrai é a infravermelha, comprimento de onda que nosso
olho humano não enxerga, mas potente atrator sexual
das mariposas. Assim, frequências eletromagnéticas são
veladamente percebidas, através dos tempos, sob a luz da
lua ou elétrica, perpetuando a sobrevivência das espécies.
Em sua tese, Barghini (2008, p. 50-51, 71) descreve as
referências da atração dos insetos pela luz vermelha dasvelas desde a antiguidade até nossos dias, com as luzes
incandescentes de cor alaranjada, e trata da simbologia
da mariposa:
“Pue erm mrp nurn, m mbm
alm, ue mlg clc repreen cm
de um mrp.” E m dne: “ur
erm d zlg, Flen, ulzd pr degnr
brble nurn d fml d Gemerde
(m hje m ulzd, epeclmene n Brl,
Travisani, Lucila Meirelles, Agnus Valente, Nardo Germano,
Daniel Ferreira e Luis Bueno Geraldo.
traem nossos sentidos ocultos e tão aparentes trazendo à luz
nossos desejos na interminável busca de seguir as estrelas.
sedução. A movimentação do fluxo dos passantes na área
da luz vermelha será capturada por uma câmera localizada
no alto de um edifício, registrando uma visão de topo da
área, uma rede, uma malha, que esquadrinha um espaço e
um fluxo de passantes.
expositivo nada se vê ou escuta, mas o corpo percebe essas
outras frequências. As luzes aparentemente continuam
transparentes e sem brilho e as caixas de som, sem emitirem
sons audíveis aos humanos.
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 49/91
96 97
Fig. 9. Desluz – Galeria Luciana Brito, São Paulo
Desluz - Galeria Luciana Brito, São Paulo (Grupo Poéticas Digitais)
O trabalho foi apresentado na Galeria Espaço Piloto de 16 a
30/09/2009, no #8.ART – UnB, e uma nova versão na Galeria
Luciana Brito, em São Paulo, na mostra Galeria Expandida,
com curadoria de Christine Mello, de 5 a 20 de abril de 2010.
O Grupo Poéticas Digitais, neste trabalho, foi composto por
Gilbertto Prado, Silvia Laurentiz, Andrei Thomaz, Rodolfo
Leão, Maurício Taveira, Sérgio Bonilha, Luciana Kawassaki,
Claudio Bueno, Clarissa Ribeiro, Claudia Sandoval, Tatiana
Webcam instalada do projeto Desluz.
As informações adquiridas alimentarão simultaneamente o
sistema instalado na exposição. Este sistema é composto
por um cubo de LEDs que emitem luz infravermelha; uma
placa Arduino que será a responsável pela relação entre
dados analógicos e digitais; e dois computadores que
processarão e gerenciarão todos os dados (input e output).
Desta forma, os dados enviados pela câmera remota externa
irão acendendo e apagando as luzes do cubo da exposição,
gerando movimentos e fluxos. Este processo será dinâmico,
simultâneo e em tempo real. Enquanto isso, no espaço
Assinalamos que as luzes dos LEDs do cubo não estão
no espectro visível de nossa visão, o que exigirá algum
dispositivo adicional para serem vistas. No caso, estamos
contando com as câmeras dos celulares pessoais dos
visitantes da exposição. Basta focar o cubo de LEDs com a
câmera dos celulares que o visitante passará a “enxergar”
toda uma nuvem de movimentações, que representam o
fluxo de passantes nas áreas capturadas remotamente pela
câmera e transmitido em tempo real.
Desluz é uma não luz, como um desejo intenso, que queimamas não ilumina, se sente mas não se vê, como um Ícaro
ofuscado em busca do Sol e as asas se derretendo no
caminho que leva mas não chega. A luz só vai se tornar
visível através das câmeras dos celulares que circularem em
volta do cubo de LEDs transparentes, numa operação de
desnudamento do que o olho não vê.
O trabalho é sobre a descoberta do invisível, nossos lugares
provisórios, nossos fluxos e grades, camadas que se
sobrepõem sutilmente que nos atraem sem que as vejamos e
CoUCHot, Edmnd; HiLLaiRE, Nrber. L’r numrue: cmmen
l echnlge ven u mnde de l’r. Pr: Flmrn, 2003.
CaUqUELiN, anne. Pyge Vruel. Pr: édn D Vr, 1998.
KaC, Edurd. telepreence & B ar: Newrkng Humn, rbb,
nd Rb. Mchgn: Mchgn Pre, 2005.
KWoN, Mwn. one Plce fer anher: se-specfc ar nd
Lcnl ideny. Mchue: Mit Pre, 2004.
aRtELEKU. Y+Y+Y Cenc de l cmplejdd. Dpnvel em:
<hp://www.releku.ne/prgrm-e/y-y-y-cenc-de-l-
cmplejdd>. ace em 12 jn. 2010.
BaRGHiNi, alendr. influnc d ilumnçã rfcl bre
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 50/91
98 99
DoNati, Lu; PRaDo, Glber. arc envrnmen f
elepreence n he wrld wde web. Lenrd, v. 34, n. 5, p. 437-
442. Cmbrdge: Mit Pre, 2001.
DUGUEt, anne-Mre. Djuer l’mge. Crn lecrnue e
numrue. Nîme: Edn Jcuelne Chmbn, 2002.
FoREst, Fred. ar e inerne. Pr: Edn Cercle d’ar, 2008.
FoREst, Fred. Pur un r cuel: l’r à l’heure d’inerne. Pr:
L’Hrmn, 1998.
FLUssER, V. Flf d c-pre. sã Pul: Hucec, 1985.
FRaGoso, Mr Luz (org.). Mr e gul 4D. are cmpucnl
n Brl: refleã e epermençã. Brl: UnB; PPGia, 2005.
GaRCía, iln Hernndez. Mund vrule hbd: epc
elecrónc nercv. Bg: CEJa, 2002.
LEs CaHiERs DU CoLLEGE iCoNiqUE. Cmmuncn e
db, n. xViii, 2004-2005, inhue de Frnce, inu Nnl de
l’udvuel. Pr: iNa, 2006.
MaCHaDo, arlnd (org.). Mde n Brl: r dcd d vde
brler. sã Pul: iú Culurl, 2003.
MaCiEL, K; PaRENtE, andr (org.). Rede enr: re,
cnc e ecnlg. R de Jner: Cnr Cp, 2003.
MaNoViCH, Lev. the lnguge f new med. Mchue: Mit
Pre, 2001.
MEDEiRos, Mr Berz. are e ecnlg n culur
cnemprâne. Brl: Duplgrfc; UnB, 2002.
MELLo, Chrne. Eremdde d vde. sã Pul: senc, 2008.
o’RoURKE, Kren. Cy prr: n eperence n he nercve
rnmn f mgnn. Lenrd, v. 24, n. 2, p. 215-219.
Cmbrdge: Mit Pre, 1991.
Fig. 11. Desluz – fluxo de passantes visto através da câmera do celular
REFERêNCias BiBLioGRáFiCas:
aNDERs, Peer. twrd n archecure f Mnd. in: Caa-staR
sympum: Ereme prmeer. New dmenn f nercvy.
Brceln: Unver ober de Cluny, 2001.
aRaNtEs, Prcl. @re e md: perpecv d ec dgl. sã
Pul: Edr senc, 2005.
vd lvere: cnc pr mnmzr mpc, cm epecl
enfue bre n e. tee de durd. sã Pul: UsP, 2008.
Dpnvel em <hp://www.ee.up.br/ee/dpnve/41/41134/
de-13062008-100639/p-br.php>. ace em 12 jn. 2010.
BaRGHiNi, alendr. ane ue vg-lume depreçm
u influnc d lumnçã rfcl bre mbene. sã Pul:
anblume, 2010.
CaLLaHaN, Phlp s. Mh nd cndle: he cndle flme eul
mmc f he cded nfrred wvelengh frm mh e cen(phermne). appled opc, v. 16, n. 12, Dec., 1977.
CaNCLiNi, Nr Grc. Culur Hbrd. sã Pul: Edup, 1998.
Costa, Mr. inerne e glbln ehue: l’venr de l’r e
de l phlphe à l’pue de reu. Pr: L’Hrmn, 2003.
CoUCHot, Edmnd. a ecnlg n re: d fgrf à reldde
vrul. Pr alegre: Ed. UFRGs, 2003.
PoPPER, Frnk. L’r à l’âge lecrnue. Pr : Hzn, 1993.
PoPPER, Frnk. Frm technlgcl Vrul ar. Cmbrdge:
Lenrd Bk, 2007.
PRaDo Glb a l d â b
saNtaELLa, Luc; aRaNtEs, Prcl. Ec tecnlógc: nv
md de enr. sã Pul: Educ, 2008.
saNtos, Mln. a nurez d epç – cnc e emp. Rzã e
emçã. sã Pul: E DUsP, 2006.
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 51/91
100 101
PRaDo, Glber. are elemc: d nercâmb pnu
mbene vru muluur. sã Pul: iú Culurl, 2003.
PRaDo, Glber. arc epermen n elemc ne: recen
epermen n muluer vrul envrnmen n Brzl. Lenrd.
Cmbrdge, v. 37, n. 4, 2004. p. 297-303.
PRaDo, Glber. are en red: lgun ndgcne bre crecón,
epermencón y rbj cmprd. in: are y plc de
dendd, n. 1, p. 241-250. Murc: Unverdd de Murc, 2009.
PRaDo, Glber. Grup Pc Dg: prje deluz e
mrer. aRs. , v. 8, n. 16. Dpnvel em: <hp://www.ce l.br/
cel.php?crp=c_re &pd=s167853202010000200008&lng=
p&nrm=>. ace em: 5 jul. 2011.
PRaDo, Glber; BUENo, Clud. Lugre prvór . Rev UsP,
n. 86, p. 78-95. sã Pul: UsP, 2010. (D cbercu lur).
saNtaELLa, Luc. Lngugen lud n er d mbldde. sã
Pul: Pulu, 2006.
saNtos, Frncele Flpn d. are cnemprâne em dlg cm
md Dg: cncepçã rc/currl e crc. sn Mr:
Edr Pll, 2009.
sCHWaRZ, Hn-Peer (Ed.). Med-r-hry: med mueum.
Munch; NewYrk: Preel, 1997.
soULaGEs, Frnç. Ehue de l phgrphe. Pr: armnd
Clln 2005.
VENtURELLi, suzee; MaCiEL, Mr. imgem nerv. Brl:
Ed. UnB, 2008.
últimos termos sendo apropriados para várias ocasiões
e propósitos, a proposta deste artigo propõe analisar de
forma “não oficial” a performance da arte corporal.
Como a pichação, a performance foi considerada por vários
anos uma arte de guerrilha A performance na arte foi
Joseph Beuys (artista multidisciplinar) introduziu o conceito
de performance nos anos 1960, pelo grupo Fluxus. Em uma
das primeiras performances, Beuys passou horas sozinho na
Galeria Schmela, em Düsseldorf, com o rosto coberto de mel
e folhas de ouro, carregando nos braços uma lebre morta,
com quem comentava detalhes sobre as obras expostas
PerformanceAudiovisual em
i Di it i
Sempre é bom questionar as fronteiras das novas
tecnologias, assim como o precipício de informações
e linguagens que existe entre homem e máquina, para
podermos evoluir neste mundo, sem demagogia ou saberes
extremo-elitistas. Antes de decorrer sobre a explicação/
detalhamento do significado de performance audiovisual
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 52/91
102 103
anos uma arte de guerrilha. A performance na arte foi
criada para trazer o lado pessoal de um artista, sem que ele
estivesse representando um papel ou personagem. Dentro
de uma modalidade de manifestação artística – assim como
o happening –, a performance permite combinar linguagens
audiovisuais. O performer (nome dado à pessoa que faz
a performance) sempre esta à frente dos movimentos
artísticos populares (arte tradicional, enlatada).
A formação do performer é característica da segunda
metade do século XX, mas suas origens estão ligadas aosmovimentos de vanguarda (entre o dadaísmo, futurismo
e os princípios da Escola de Bauhaus) do início do século
passado por artistas como John Cage, Tristan Tzara e
Marcel Duchamp.
A performance difere do happening por ser mais
cuidadosamente elaborada e não precisar envolver
necessariamente a participação dos espectadores. Em
geral, segue um “roteiro” previamente definido, podendo
ser reproduzida em outros momentos ou locais.
com quem comentava detalhes sobre as obras expostas.
Os trabalhos a seguir seguem as premissas de
performances A/V por meios eletrônicos e analógicos,
explicando de forma detalhada os processos de criação
feitos por seus realizadores – todos performers
reconhecidos mundialmente por seus projetos artísticos.
MaRCEL.Lí aNtÚNEZ RoCa
Marcel.lí Antúnez Roca (Moià, 1959) é internacionalmente
conhecido por suas performances e instalações de
mecatrônica e robótica. Desde os anos 1980 seu trabalho
tem sido caracterizado por um interesse na condição humana,
os medos e desejos dos seres humanos. Primeiro a partir
do desempenho tribal de La Fura dels Baus (sendo uns dos
fundadores) e depois em carreira-solo através de um tipo de
trabalho proposto por sistemas complexos e muitas vezes
sem categoria. A incorporação e perversão de elementos
técnicos e científicos e sua interpretaç ão particular através
meios Digitais
e AnalógicosERIC MARKE
detalhamento do significado de performance audiovisual
nos meios digitais e analógicos, é preciso primeiro
perguntar-se o significado de performance atualmente.
A palavra é usada para designar outras atividades e
apresentações fora do eixo da arte, como em corrida de
cavalos (performance do animal), testes de combustíveis
(performance de combustão), avaliação feita por um juiz/
técnico esportista (performance do atleta), conjunto
de resultados de avaliação educacional (performance
acadêmica), designer de novos carros (performancede desempenho) e móveis (performance ergométrica),
confundindo ainda mais sua aplicação e explicação nos
meios artísticos. Dentro do eixo da arte, o termo livre
performance começou a ser usado em concertos de
eletroacústica nos anos 1970/80 pela comunidade musical
eletrônica acadêmica mundial como nova expressão e
afirmação artística. Do ano 2000 até agora, VJs (Vídeo-
Jockeys) começaram a chamar suas apresentações de
“performance A/V”, por unir a linguagem de palco com
o clima de uma sessão de cinema. Mesmo estes dois
2011
usuário pode controlar, pelo mouse, a luz, as imagens, os
sons e o corpo do artista.
Epizoo pode ser considerado um dos primeiros exemplos
de aplicação da tecnologia de computador sobre o
corpo humano. Essa performance é, provavelmente, o
de protótipos, deram uma cosmogonia renovada sobre temas
como as emoções, a escatologia de identidade ou a morte.
OBRAS PERFORMÁTICAS
EPiZoo
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 53/91
104 105
corpo humano. Essa performance é, provavelmente, o
primeiro dispositivo que permitiu o controle telemático
do espectador do dispositivo cênico, incluindo o corpo
do performer. Desde seu lançamento, teve um impacto
internacional enorme e tem sido apresentado até agora em
mais de cinquenta cidades na Europa, América e Ásia.
aFasia
Performance que ocorre sobre um palco montado em um
espaço de base retangular truncada, e no fundo com uma
grande tela de projeção traseira (tela voal). A primeira linha dacena é ocupada por quatro robôs inspirados em uma guitarra,
um tambor, uma combinação de gaitas de foles e um violino;
Marcel.lí, único atuante, está equipado com uma interface de
corpo metálico exoesqueleto (DreSkeleton/ExoEskeleton) que
se ajusta à sua anatomia. Este dispositivo ortopédico permite
que o movimento do corpo e o controle de seus parâmetros
sejam traduzidos em comandos ao computador. Com um
software escrito especificamente para este projeto, controla
em tempo real as imagens projetadas na tela, os robôs, a
música e todas as áreas formais que compõem esta peça. Marceli Antunez Roca - Afasia (autor Folxxx)
EPiZoo
A performance Epizoo permite que o telespectador controle
o corpo de Marcel.lí através de um sistema pneumático.
Este sistema consiste de um exoesqueleto de robô – usado
pelo artista –, um computador, um dispositivo de controle
mecânico/pneumático, uma tela de projeção vertical, duas
torres de luz e um equipamento de som.
A ortopedia robótica mantém o corpo através de dois
moldes de metal, cintos de segurança e capacete, nos
quais são montados os mecanismos pneumáticos. Elaspodem mover o nariz, as nádegas, os peitos, a boca
e os ouvidos de Marcel.lí, que fica posicionado em
uma plataforma circular capaz de girar. Mecanismos
pneumáticos são conectados a um sistema de válvulas
solenoides e relés, que por sua vez são acionados via
computador. Este computador tem um programa único em
uma interface gráfica que se assemelha a um videogame.
Os onze ambientes interativos incluem vários gráficos
animados que recriam a figura do artista e indicam os
mecanismos de posição e movimento. Desta forma, o Marceli Antunez Roca - Epizoo (autor Folxxx)
DreSkeletons, a biometria ou a Sistematurgia. Na segunda
parte analisa os temas recorrentes de sua obra. Estas
partes são usadas em uma terceira, em um projeto de
simulação de gravidade zero realizado em uma base aérea
militar na Cidade das Estrelas da Federação Russa. O
resultado do voo em parábola rendeu microperformances
GUto LaCaZ
As produções de Guto Lacaz prestam inigualáveis
contribuições para a arte plástica/gráfica por trazer forte crítica
social (universo da mídia e meios de consumo), sempre
tratado com humor e ironia. Seus trabalhos transitam entre
Afasia, alteração no sentido da linguagem falada ou escrita
ocasionada por lesão no cérebro, é o título que resume
a interpretação original de Marcel.lí da obra Odisseia de
Homero. O argumento deste mito fundador é adaptado
a um conjunto de imagens e sons que Marcel.lí controla
através de sua DreSkeleton em um conjunto de situações
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 54/91
106 107
feitas durante os períodos curtos de gravidade, como o
experimento do bodybot Requiem e as interações entre o
DreSkeleton, o softbot e as imagens interativas. Na última
parte, a teoria Transpermia é definitivamente apresentada,
dando a ação em tom de conferência.
Marcel.lí descreve a Utopia de alguns de seus protótipos,
organizados da seguinte forma:
1) Interface, novos dispositivos de agir e perceber o mundo,2) Os robôs, máquinas como metáforas da vida,
3) Identidades efêmeras, estados transitórios de
personalidade como um quadro de novas experiências e
conhecimentos e,
4) Novas formas de criação, modelos de negócios na Utopia
Transpérmica.
design gráfico, performance, layout etc., reinventando
novas formas e usos de objetos do cotidiano e explorando
as possibilidades tecnológicas na arte. As performances
eletromecânicas, como Espetáculo Máquinas II (1999) ou
Eletro Performance (1984), questionam o poder que as
pessoas têm sobre a necessidade de consumo e uso de
utensílios domésticos de forma desordenada. Em suas
apresentações já participaram a atriz Cristina Mutarelli (1957),
o arquiteto Javier Borracha e Nenê Lacaz – irmão de Guto –,
entre outros.
OBRAS PERFORMÁTICAS
MáqUiNas
A arte é uma forma de recuperar o sonho perdido desde a
infância. O que conseguem alguns dos principais artistas é
justamente manter viva essa chama dos primeiros anos de
vida, que nada mais é que um denso elo de conexão com
o mundo circundante, deixado de lado, após a infância, em
função de motivações comerciais. Guto Lacaz, em suas
não verbais que causam uma narrativa descontínua. O verso
original é substituído por um grande dispositivo interativo
que coloca o espectador, frente a, por exemplo, uma ilha
psicodélica da Lotus-Eaters, uma Circe em tom de cartoons
ou sereias consumando um rito orgiástico.
Esta performance tecnológica foi premiada com o Best New
Media de Montreal em 1999, o Prêmio de Artes Parateatrals
Aplaudiment FAD de Barcelona em 2000 e o Prêmio Max às
artes do teatro alternativo da Espanha em 2001.
tRaNsPERMia
Usando o ISS como metáfora, Marcel.lí desenvolve uma
ação híbrida alternando em performance, concerto e
conferência, sendo estruturada em módulos diferentes.
Durante sua apresentação vestido de DreSkeleton
(interface corporal exoesquelética), sua voz e sons
modulados controlam os filmes projetados em dois telões.
Na primeira parte ele apresenta alguns aspectos formais
que caracterizam seu trabalho, como os Fleshbots, os Marceli Antunez Roca - Transpermia (autor Joan)
Temos o dever de dar todos os créditos pela investigação
desta nova forma de performance, por resgatar algo
especial entre as pessoas, com pequenos achados que
reorganizam objetos e situações experimentadas ao longo
de nossa vivência. A tecnologia explorada entre vários atos
da apresentação de Eletroperformance se divide tanto em
otáVio DoNasCi
Paulista, nascido em 1952, mestre em Artes Plásticas,
performer multimídia, diretor de criação, diretor de
espetáculos multimídia. Na década de 1970, Otávio
Donasci trabalhou em teatro como ator, diretor e cenógrafo,
performances da série Máquinas, traz ao primeiro plano
essas questões. Sua forma de tomar os objetos e dar-lhes
novas funções pode ser ligada aos ready-mades de Marcel
Duchamp, mas me parece, muito mais, estar vinculado a
uma forma de ver o mundo com total liberdade.
A questão não é tanto retirar do objeto a sua função
primordial, mas colocá-lo numa nova perspectiva, com outra
aplicação. Furadeiras, máquinas de escrever e guarda-
chuvas ganham assim uma dimensão inesperada.
ELEtRoPERFoRMaNCE
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 55/91
108 109
meios digitais (como o uso do painel de LED, acionado
provavelmente por um PC 186 com porta serial) quanto
analógicos (áudio provido por fita-magnética).
Guto Lacaz - Eletroperformance [crédito Fernando Vianna]
tendo ganhado os prêmios APCA e Mambembe pelo
conjunto de sua obra (em 1984). Na década de 1980 criou
e vem desenvolvendo até hoje uma linha de trabalho
original e inédita através de videoperformances com suas
videocriaturas na maioria dos festivais de vídeo e arte
eletrônica do país e também do exterior (Nova York, Paris,
Berlim, Montreal, Lisboa e Japão, com grande repercussão
na imprensa local), além de participar de três Bienais
Internacionais de São Paulo.
Em 1988 Otávio ganhou o Prêmio Lei Sarney de Arte
Multimídia pelo conjunto de seus trabalhos no qual
sua mais nova criação, chamada de VideoCriaturas,e a
Telepresença teve grande destaque em duas partes do
continente. Graças a isso, uma videocriatura sua atuou
tele presencialmente pela primeira vez comunicando a
Carnegie Mellon University, de Pittsburgh, nos EUA, e
o Museu da Imagem e do Som de São Paulo, no Brasil.
Dois anos depois, Otávio representou o Brasil na mostra
Brasil+500 em Lisboa (Fundação Calouste Gulbenkian).
Uma cadeira pode deixar de exercer a sua função primordial
de assento para ser empurrada por locomotivas de
brinquedo, enquanto um taco de golfe pode empurrar gelo
para dentro de um copo e um aspirador de pó pode ter o
seu jato de ar utilizado para sustentar bolas de isopor.
Guto Lacaz - Maquinas (crédito Edson Kumasaki)
A entrada do termo multimídia na vida de Guto Lacaz
deu mais sentido em devidas proporções quando criou
a Eletroperformance, uma mistura de projeção, áudio,
aparatos eletroeletrônicos e performance. Sua inspiração
se baseia em sua vivência em São Paulo, onde sente a
cidade aberta para criações que o faz produzir, pensar e
repensar a condição humana diante da vida contemporânea
e das dependências (necessidades) tecnológicas.Me sinto
muito bem em São Paulo, pois é onde estou instalado,
onde tenho meu conforto garantido, onde estão meusamigos e familiares. Culturalmente, em São Paulo é onde,
entre parêntesis, acontecem as coisas no país. Acho
que é uma cidade que está sem saída, urbanisticamente
condenada. Conheci São Paulo como sendo um verdadeiro
paraíso. Morava numa casa espaçosa, com quintal, muita
brincadeira e nenhuma violência. Uma cidade rica em
arquitetura, praças e monumentos, que desapareceram.
(LACAZ, 1990).
permite (em particular a que é sua prótese de rosto – uma
máscara eletrônica). O rosto-vídeo ao vivo de outra pessoa
encarnado no corpo de Otávio cria um ser híbrido de tal
modo independente que não os reconhecíamos (criador e
videocriatura) no resultado. Sua videocriatura virava um ser
independente que poderia existir no mundo real enquanto
inusitada de um animal composto com o rosto humano
seria a base dessa performance interativa/intuitiva
verdadeiramente inesperada.
ViDEoCRiatURas DE CoRPo
iNFLáVEL E PENEtRáVEL
Em 2003, representou o Brasil na Bienal de Kyoto (Kyoto
Art Center).
Na década de 1990, criou e dirigiu as Expedições
Experimentais Multimídia, em parceria com Ricardo
Karman. Os espetáculos (Viagem ao Centro da Terra e
de rascunhos verbais e visuais nos quais a sequência de
eventos era esboçada. Estes rascunhos davam origem ao
protótipo de videocriatura (com tipo físico específico: alto,
gordo, duplo rosto, fantoche) e ao esboço de roteiro. No
laboratório de expressão facial gravava-se a face com todas
as possibilidades da linguagem do vídeo. Neste ponto, a
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 56/91
110 111
pudesse nos usar como suporte. Pura ficção.
Este processo fornecia uma irresponsabilidade no
relacionamento com as pessoas que beirava a insanidade
ou a crueldade. “Podíamos nos expor ou ofender quem
quiséss emos porque não éra mos nós – éramos ELE.. .”,
conclui Otávio.
ViDEoCRiatURas aNiMais (o ViDEotaURo)
As pesquisas de mudança dos corpos das videocriaturastornam-se mais radicais quando o suporte deixa de ser
humano. A partir dos vários projetos de colocar uma
máscara eletrônica na cabeça de um cavalo de verdade,
nasce o Videotauro, um centauro-vídeo atrelado a uma
carroça, na qual também ficava o equipamento, e dirigido
por outra videocriatura, encarregada de entregar um
capitalista selvagem no Festival Vídeo Brasil de 1983.
Nesta linha de videocriaturas utilizando corpo de animais,
Otávio concebeu protótipos para cães, porcos e até para
peixes grandes, todos vivos. A reação espontânea e
Através de pesquisas de imagens tridimensionais de rosto,
as videomáscaras são telas em formato de rosto e sopradas
por motores, como se fossem velas de um barco. Projetores
de vídeo especialmente regulados mostravam nestas
telas rostos de três metros de altura que surgiam, devido
ao formato da tela, como tridimensionais. Todo o sistema,
constituído por projetor de vídeo montado verticalmente,
soprador e caixa de som, estava instalado em uma torre
Merlin) são interativos e de alto porte de produção para um
número restrito de participantes (cinquenta performers para
cinquenta pessoas), fundindo performance, teatro, turismo,
vivências e artes plásticas.
BiBLioGRaFia soBRE o tRaBaLHo DE otáVio DoNasCi:
CoHEN, Ren. Perfrmnce cm lngugem: crçã de umemp-epç de epermençã. sã Pul: Perpecv, 1989.
MaCHaDo, arlnd (org.). Mde n Brl: r dcd d vde
brler. sã Pul: iú Culurl, 2003.MaCHaDo, arlnd. a re d vde. 3. ed. sã Pul: Brlene,1990.
MaCHaDo, arlnd. Mun e mgnr: def d pcecnlógc. sã Pul: Edup, 1993.
MENDEs, Cndd. o ue vde. sã Pul: Brlene, 1984.
OBRAS PERFORMÁTICAS
os LaBoRatÓRios DE ViDEotEatRo
Cada performance de videoteatro era planejada sob a forma
direção é muito importante, já que a videocriatura parecerá
impressionantemente viva se o olhar do ator for focado no
lugar certo. A luz que o rosto terá em cena independe da
luz do cenário ou do corpo, já que ele é luminoso.
No laboratório de protótipos a ênfase era no hardware.
Neste eram pesquisadas e construídas/aperfeiçoadas as
“costuras” entre o ator e a cabeça/monitor, baseadas em
projetos técnicos onde o conhecimento de eletrônica,
física, química, ortopedia e figurinos são necessários para osucesso da “costura”. Neste laboratório o performer criava
as expressões corporais dos personagens.
a ViDEoCRiatURa, UM sER HíBRiDo
Performances Audiovisuais por meios eletrônicos e
analógicos > Videocriatura > O Ser Híbrido.
Ao criar e desenvolver as VideoCriaturas (desde a década
de 1980), Otávio Donasci viveu na pele a relação de
alteridade que a performance com próteses eletrônicas
espetáculos nos últimos anos.
Por isso a criatura face a face da figura seria para uma
só pessoa de cada vez. A narrativa cinematográfica
se sobrepõe à linguagem cênica, acrescida ainda da
possibilidade de improviso do performer, enriquecendo o
roteiro do espetáculo feito para um só espectador.
metálica sobre rodas operada por um performer.
O projeto original previa o performer operando a torre e
usando um videocapacete com microcâmara para que o
rosto gigante fosse uma expansão do rosto do ator ao vivo.
O primeiro videoinflável foi o Videobalão, apresentado no X
Vídeo Brasil no SESC Pompeia em São Paulo, em 1994.
de LCD apareceu o casal Alfa e Berta. A diferenciação
estava no posicionamento dos olhos de cristal e sua
maquiagem, que definia o sexo. A microcâmara no nariz
de cada máscara transmitia para uma cabine, onde
performers faziam as bocas ao vivo através de headsets
com microfones, fones de ouvido e microcâmaras, num
túdi d h i it i i
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 57/91
112 113
Apesar disso, pode-se dizer que a visão exterior da dupla
interagindo sem ver as pessoas em volta oferece uma bela
performance, gerando curiosidade e vontade de participar.
A construção da linguagem do vídeo exibido no capacete
virtual passa por conceitos de câmera subjetiva nos quais
os movimentos e relações com os atores seguem um
roteiro sincronizado com os movimentos do performer
e seus toques.
CoNCLUsÕEs “NaDa” FiNais
Tanto a performance A/V analógica quanto a digital seguem
as mesmas raízes, se utilizarmos o termo tecnologia como
ponto de partida, seja ela em sua criação, montagem
ou execução (estando essas áreas fortemente ligadas a
outros saberes científico-acadêmicos, como a mecânica,
a eletrônica, a computação, a elétrica etc.). Para um
entendimento geral, esta última parte vem analisar
ViDEoCRiatURas DE CRistaL
LíqUiDo E PLasMa
Evolução do tubo televisivo, a máscara eletrônica de
cristal líquido foi chamada por Otávio de Cristalmask onde
estava já concebida em primeiros projetos aguardando ser
acessível aos meus recursos no Brasil. Com a máscara
estúdio onde havia monitores para que vissem e ouvissem
as pessoas, com as quais interagiam.
ViDEoCRiatURas DE iMERsÃo
O passo seguinte se deu por influência dos projetos de
realidade virtual que Otávio havia presenciado em Montreal,
em 1995, por ocasião de sua participação na ISEA (Inter-
Society for the Eletronic Arts). Otávio queria levar as
pessoas a uma viagem virtual de imersão do modo mais
simples e barato possível, dando menos ênfase às técnicascomputacionais para realização disso e mais ao binômio do
videoteatro, linguagem vídeo/presença física com toque.
Um sistema simples, pré-gravado, onde fizesse parte do
roteiro a participação física e a interação com o performer
através do toque.
O objetivo era proporcionar a imersão e a intimidade
ou cumplicidade. Mistura multimídia de linguagem
videotecnológica, o pé na estrada da viagem e o toque,
elementos nos quais Otávio vinha trabalhando em meus
A tecnologia por si só empregada nesse tipo de
performance é uma forma de suporte essencial. Tais
mecanismos criam certa ruptura temporal, por estarem
dialogando com as situações presentes no nosso dia a dia.
Um bom exemplo são as performances Máquinas V, de
Guto Lacaz, por darem um segundo significado (e uso) para
os eletrodomésticos e brinquedos ou as VideoCriaturas de
Gu Lcz
te: Mun
D´aMBRosio, ocr. Gu Lcz: legr e przer de brncr.
Dpnvel em hp://www.gulcz.cm.br/re/e/
perfrmnce.pdf. ace em: 13 jul. 2011. Publcd rgnlmene
em e. 2008.
te: Elerperfrmnce
separadamente os termos audiovisual, analógico e digital,
para no fim introduzi-los nas artes corporais performáticas.
aUDioVisUaL (a/V)
Se formos explicar as primeiras experiências audiovisuais,
citaremos como primórdio do termo audiovisual a entrada
e contínua, variando em função do tempo, sem passar por
qualquer decodificação complexa. Para entender o termo
analógico, é útil contrastá-lo com o termo digital.
DiGitaL
Todo sistema que empregue uma informação convertida
para bits pode ser entendido como digital (dados de um
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 58/91
114 115
os eletrodomésticos e brinquedos, ou as VideoCriaturas de
imersão, de Otávio Donasci, por simular uma imersão em
outro ambiente com sensações físicas e toques.
Como já citado no começo deste artigo, o objetivo de
analisar a performance audiovisual da arte corporal nos
meios digitais e analógicos não a torna uma verdade
“oficial”, única e irrefutável. Existem outros artigos, teses,
blogs, textos, sites e depoimentos que podem enriquecer
as discussões sobre essa arte. A Associação BrasilPerformance (BrP), criada no ano passado por associados
de todo o Brasil, traz um importante apoio para essa arte
virar uma profissão, com direito a DRT e verbas oriundas de
incentivos fiscais.
REFERêNCias BiBLioGRáFiCas:
Mrce.l anúnez Rc
hp://www.mrcelnunez.cm/kwk/k-red_rcle.
php?rcleid=1
te: Elerperfrmnce
saia, Luz Henrue. ElerPerfrmnce. Dpnvel em: hp://
www.gulcz.cm.br/re/e/arund.pdf. ace em: 13 jul.
2011. trech d e rgnl publcd n Rev arund, em 1990.
citaremos como primórdio do termo audiovisual a entrada
da trilha sonora no cinema mudo (áudio = trilha sonora,
visual = cinema mudo), em que músicos criavam uma
espécie de narrativa sonora ao acompanhar uma sequência
cinematográfica. Se formos mais anteriormente, uma
exposição fotográfica ambientada por música – seja ela
mecânica ou tocada ao vivo –, caracteriza uma apresentação
audiovisual (também indicada pela abreviação A/V).
Com o passar dos anos, o termo se generalizou, referindo-se a formas de comunicação que combinam som e
imagem – hoje frequentemente usadas em aulas, reuniões,
apresentações e debates –, empregadas para registro,
tratamento e exibição de som e imagem sincronizados.
aNaLÓGiCo
Todo sistema que não empregue uma informação convertida
para bits pode ser entendido como analógico (disco de
vinil, sistemas magnéticos, filmes/fotos em películas, fita
cassete etc.). O sinal analógico se manifesta de forma direta
para bits pode ser entendido como digital (dados de um
CD-ROM, filmes de celulares, fotografia/música digital,
programas de computadores, ambiente da internet etc.).
O sistema digital é um conjunto de dispositivos de
transmissão, processamento ou armazenamento de
sinais digitais contínuos que usam valores exatos (forma
numérica binária representada pelos valores 0-1) de
complexa decodificação.
aRtE CoRPoRaL + aUDioVisUaL+ aNaLÓGiCo oU DiGitaL= PERFoRMaNCE tECNoLÓGiCa
Uma performance A/V analógica ou digital traz estudos
e ciências multidisciplinares, por dentro dos saberes
de ambientes tecnológicos. Como visto anteriormente,
trabalhos de Otávio Donasci, Guto Lacaz e Marce.lí
Antúnez Roca circulam nesta área, trazendo inovação e
questionamento (críticas sociais) em suas apresentações.
BREVíssiMa HistÓRia DaREPREsENtaÇÃo Do MoViMENtoNas aRtEs
Uma das querelas mais antigas sobre a definição da
“realidade” encontra-se na antiguidade, dentro das primeiras
noções sobre as características relativas à natureza cinética
Atualmente, na Física, movimento é a variação da posição
espacial de um objeto ou ponto material no decorrer do
tempo. Já os estudos da Cibernética e da Biologia também
atestam que mesmo os sistemas de aparência estática,
vivos ou não, possuem um movimento interno. Isso significa
que o estado de estática absoluto, atualmente, pertence
apenas aos modelos físicos ou biológicos ideais não
Tudo é movimento: da cinética
dos autômatos
o preene en prcur rçr um brevee uperfcl percur bre preenç dcnem dede Rencmen àvngurd rc d cul xx. o urMr G. Ln, em eu lvr Hór deum, preen um eud hórcbre um, mecnm ue
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 59/91
116 117
noções sobre as características relativas à natureza cinética,
albergada por dois filósofos pré-socráticos. Também
conhecidos como filósofos naturalistas, Parmênides (530
a.C.-460.a.C.) e Heráclito (540 a.C.-470 a.C.) divergiam
em suas propostas sobre a essência da realidade. Para o
primeiro, a realidade era imutável, estática, e sua essência
estava incorporada à individualidade divina de um Ser-
Absoluto, o qual permearia todo o universo. Em oposição,
Heráclito propunha que na realidade tudo era movimento,
e que nada poderia permanecer estático. (CHAUÍ, 2002)
Este devir que permeia todas as coisas é dado por meio da
alternância entre contrários, por exemplo, a noite sucedendo
o dia. A realidade, então, aconteceria não apenas em uma
das alternativas, posto que ambas sejam parte desta, e sim,
na transição entre seus diferentes estados. Indo além desta
espécie de gênese do pensamento ocidental em torno da
cinética como questão filosófica, também pertencem à
antiguidade clássica as primeiras representações artísticas
que emulam o movimento, bem como os primeiros estudos
sobre a natureza do movimento no mundo físico.
apenas aos modelos físicos ou biológicos ideais, não
podendo ser encontrado na natureza. Nesta introdução, a
priori, nos interessa inicialmente abordar algumas facetas do
Cinetismo nas artes por meio de duas técnicas diferentes.
A primeira seria a perspectiva, pela qual passaremos
rapidamente, e a segunda o estudo da mecânica, aplicada
no desenvolvimento não só de máquinas, mas também
dos autômatos e na produção das vanguardas artísticas do
século XX.
Apesar de ter atingido seu desenvolvimento pleno no
período do Renascimento, a perspectiva teve seu início na
Grécia Antiga por meio da técnica do escorço, efeito que
representa os objetos ,que, vistos de frente ou à distância,
parecem menores que o seu tamanho natural. (JANSON e
JANSON, 1996)
A perspectiva foi definida empiricamente no séc. XI, quando
o matemático e filósofo árabe Alhazen (965-1040), em seus
estudos sobre Ótica e Geometria Descritiva, pela primeira
dos autômatos
às vanguardascinéticas do
século XX
MARINA GAZIRE LEMOS
bre um, mecnm ueprduzem mvmen pr própr, eue pr lm d u prgmc, mbmcnuem mun de enreenmen eprecçã rc. a prr de hór,preendem prpr um nvegçãd pc pve denr de ummunm cnc, ue n Vngurdd cul xx reprecer b nv leurn prduçã de dferene mvmen er. Cm , prcurm relr nrnec relçã enre peuecnlógc e peu rc needferene perd hórc.
2011
Podemos encontrar a comprovação dessa confluência nos
antigos manuscritos árabes, não só sobre perspectiva, como
já citamos anteriormente os manuscritos de Alhazen, que
graças ao seu contato com as matemáticas ptolomaica e
euclidiana, desenvolveu não só alguns estudos sobre ótica,
mas também diversos textos sobre mecânica.
desenvolvidos por seus autores. (LOSANO, 1990) Estes
mecanismos tinham finalidades bélicas, hidráulicas, dentre
outras. No entanto, grande parte dos esquemas descritivos
era dedicada à arte dos autômatos.
É importante frisarmos que o presente ensaio tem como
objetivo abordar as diferentes concepções representativas
vez demonstrou que a luz projeta-se de forma cônica no olho
humano. Tal fenômeno foi traduzido para efeito geométrico
e visual do ponto de fuga – ponto de convergência das
linhas que descrevem a profundidade dos objetos – e
a direção para onde o objeto segue se aprofundando.
Comumente atribuem-se a Giotto di Bondone (1266-1337),
as primeiras produções artísticas onde a técnica foi aplicada
encontrado no modelo do quadro renascentista, que garante
um caráter estanque, estático à composição pictórica.
(JANSON e JANSON, 1996)
Em suma, a representação da realidade nas artes passou
a ter veementemente uma noção de verossimilhança que
coincidisse com a noção de realidade proposta daquele
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 60/91
118 119
Desde o início da Idade Média, os povos de cultura árabe
figuravam como exímios detentores de conhecimentos
sobre Astronomia, Arquitetura, Matemática, Música,
Geometria e Artes visuais. Parte da explicação para esse
avançado conhecimento deve-se a invasão da cidade
egípcia de Alexandria realizada no séc. VII. Ali houve o
contato com o conhecimento da antiguidade clássica.
(LOSANO, 1990) São dois os manuscritos árabes, datados
da Idade Média, que tiveram enorme influência na mecânica
moderna: O livro dos mecanismos engenhosos, escrito
pelos irmãos Banu Musá e O livro do conhecimento dos
mecanismos engenhosos escrito por Al Jazari. (LOSANO,
1990) Poderíamos nos aprofundar aqui a respeito de
uma descrição sobre ambos tratados. Mas, a princípio,
enfatizaremos apenas que ambos, além de oferecerem
um conhecimento sobre a descrição do movimento, ou
seja, a cinemática, bem como estudos sobre suas e forças
e causas (a dinâmica), também compartilhavam uma
coleção descritiva de inúmeros mecanismos maquínicos
j pç p
da ideia de cinética nas artes, fazendo um paralelo entre a
arte dos autômatos, com registros desde a Grécia Antiga,
até a apropriação da técnica maquínica e da perspectiva
para efeito cinético pelas vanguardas artísticas do século
XX. Não pretendemos, definitivamente, traçar um percurso
historicista propondo aqui os autômatos como gênese
da arte cinética ou da robótica. Uma nova linguagem
artística não é somente fruto das consequências de
desenvolvimentos tecnológicos ao longo do tempo, mas
principalmente das ideias e conexões sociais de sua
época. Estamos aqui alinhados às proposições de uma
“arqueologia” do cineticismo nas artes, e não a uma
genealogia direta de expressões artísticas. Esta introdução
serve-nos apenas para fundamentar, futuramente, as
diferentes visões sobre a ideia de movimento nas artes dos
autômatos e do cinetismo nas vanguardas.
p p ç p
completamente. (JANSON e JANSON, 1996)
Mas de que maneira a perspectiva pode estar relacionada
à representação do movimento? A resposta está no fato
de que ela possibilitou a representação pela arte de uma
realidade tridimensional em um plano bidimensional. Isso
significa que a representação de uma cena, como a de
Beijo de Judas em um afresco pintado por Giotto, ganhasse
vitalidade. Permitiu ao pintor emular a aglomeração das
figuras e, claro, o movimento de furor destas no instante
em que Jesus é entregue aos romanos, ao mesmo tempo
em que recebe o beijo de arrependimento da traição.
A perspectiva, além de ser um refinamento técnico da
representação da realidade, também estava em consonância
com o espírito do tempo renascentista, onde o humanismo
surgia ocasionando uma noção de realidade que fosse
medida a partir do homem. Porém, ela atribui apenas o
efeito ilusório do movimento à uma cena ou paisagem.
Soma-se a este fator a presença do formato janela,
ç p p q
período histórico. Não por coincidência, uma das definições,
desde a origem do pensamento pré-socrático, para a noção
de vida equivalia à noção de movimento. E representar
a realidade artisticamente era, consequentemente,
representar também o movimento assim como a visão
humana o percebia.
Pertence também a esta época o resgate de um
conhecimento produzido na antiguidade clássica que daria
início a uma série conhecimentos que fundamentariam
não só a ciência moderna, mas também grande parte
da produção artística feita entre os séculos V e XIX. É
indispensável afirmarmos que neste ensaio temos como
pressuposto não separar o conhecimento artístico da
noção de tecnologia, já que tanto a ciência quanto a arte
referem-se à produção de conhecimentos que em comum
implicam no desenvolvimento de pesquisas para produção
de códigos intrínsecos, ou seja, de linguagens. Inclusive,
os termos técnica e arte foram sinônimos no passado.
Desde a Antiguidade clássica, um dos ofícios mais famosos
ligados à arte dos autômatos é a relojoaria. Essa comunhão
entre a relojoaria e máquinas que se moviam remonta às
origens gregas da mecânica e permanece até o século XIX.
Ainda em 1821, colocava-se no mesmo nível a construção
dos relógios e autômatos. (LOSANO, 1990) Alguns dos
mecanismos mais famosos do Renascimento apresentavam
empreg pr ber e hr de fzer lgum
c, e er prun, prpc [...]. Cncebd
egund em plmc, ee relóg
clc terr n cenr d unver e fz ue
grem em rn del sl, Lu e plne.
Pr eu mvmen crre e crdend,
empreg engrengen elpc u cm
BREVíssiMa HistÓRia DosaUtôMatos
Ao longo da história é sabido que tanto o desenvolvimento
das linguagens artísticas quanto o das linguagens científicas
estiveram atrelados. Havia, e ainda há, uma afinidade no
desenvolvimento de técnicas aplicadas nestes campos.
antes de darmos continuidade à contextualização histórica
dessa arte, atentemo-nos à definição usada por Mario G.
Losano em seu livro Histórias de Autômatos (1990), para o
conceito anterior ao do termo contemporâneo:
sã nrumen mecânc preprd de
md ã ul e engenh, egund re
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 61/91
120 121
essa junção entre a técnica mecânica para a construção dos
autômatos e a relojoaria. Exemplo é o Relógio de Dondi,
criado pelo mecânico italiano Giovanni de Dondi (1318-1389)
no século XIV:
E mrvlh mun d emp npr-e
num cncepçã de vd e num rm eencl
ue j nã ã n. é relóg ue mede
emp d r e nã d hmen. Cer,
ndc mbm hr, m pr mv
ubnclmene dver d ue cnduzem
ulmene à frgmençã ulr d d: eu
mrdr em pen pner d hr, l
cm eu rmã e cnemprâne men
cmple, clcd n cmpnr.
quem cnru e uem bervv nh
um end d emp e, prn, d v d,
dver d ul. é um relóg ue nã e u
pr ber ue hr ã. é relóg ue e
dene rregulre. (LosaNo, 1990 p. 55-56)
O Relógio de Dondi é considerado uma espécie de marco
da Idade Média, no que diz respeito tanto à noção do
tempo quanto do entendimento isomórfico do movimento
cósmico. Mas o grande diferencial está no fato de possuir
um mecanismo que o permitia funcionar sem uma fonte
externa. Futuramente, em 1567, o relógio d’água Ctesíbio,
homônimo do matemático e engenheiro grego conhecido
por seus inventos mecânicos no século III a.C., apesar de
ser movido à água, traria ao invés da Terra em seu centro, o
Sol. (LOSANO,1990)
Ao mesmo tempo em que a construção dos autômatos
estava ligada às noções de arte aplicada, a um ofício,
como no caso dos relógios, havia aqueles autômatos,
“figuras antropomorfas animadas, também chamadas de
“andróides” – termo de origem grega que indica autômato
de aparência humana.” Na história dos autômatos há
Porém, até o início do Renascimento, iniciam-se diversas
cisões entre os campos do saber. É neste período também
que o pensamento científico no ocidente ganha força.
A partir de então, as áreas do conhecimento começam
a se tornar especializadas. Também é deste período a
incorporação das artes à Academia, dando a esta o caráter
de disciplina. É no século V, final da Idade Renascentista,
que o termo “belas artes” entra na ordem do dia como
sinônimo de arte acadêmica, separando arte e artesanato,
artistas e mestres de ofícios. Podemos identificar aí também
as origens do concei to de “arte aplicada”. Em suas origens,
as artes aplicadas eram uma produção feita por artesãos,
como a dos mestres mecanicistas, especializados na criação
de mecanismos maquínicos das mais diversas naturezas,
inclusive autômatos.
Atualmente, o conceito de autômato diz respeito a um
sistema reconhecedor de uma determinada linguagem e
serve para modelar uma máquina ou computador. Mas
d gemer, ue e mvem e ndm em
jud de frç eern: M nuel pc
nçã de mun emvene er mu
een. N reldde, ue m urpreend
epecdre – e, prn, pv er
cenr d defnçã – er mr cul ue
mprm mvmen prelh. a cul
pd, fne enrgc er, de md gerl,
prd d mun: gu, ven, cvl,
hmem. am aum mprenv em
prmer lugr pr er um mun em ue
frç mrz pre de mem. Perencem
e cegr d mun ue ã
mvd pr pe u ml, e dã mpreã
de mvmenrem-e znh. servem de
eempl relóg e pe grór.
(PoWERs e BERGiER cd pr LosaNo,
1990, p. 13)
prculrmene ln, u ur c, nã
gnfue enã vl mercenr, bje, vulgr
e órdd”. (BaLDi c d pr LosaNo, 1990 , p.
61-62)
Os autômatos eram considerados máquinas feitas para o
assombro dos espectadores. A noção de brinquedo era
pelo mecanismo no interior dos autômatos, era “real”
demais para aqueles tempos. Os antigos construtores de
autômatos faziam questão de ocultar os mecanismos de
funcionamento, pois isso dava mais realidade ao efeito
cinético obtido. Desta forma, o conjunto de fatores descritos
acima também pode explicar o porquê dessas máquinas
terem incorporado linguagens pertencentes à escultura, e
também aqueles que emulavam animais. Exemplo disso é
o famoso Pato de Vaucanson (1739), criado pelo mecânico
francês Jacques Vaucanson (1709-1790) que imitava todos
os movimentos de um pato real, incluindo o sistema
digestivo, com um complexo sistema mecânico-químico.
(LOSANO, 1990). Neste autômato, só uma das asas possuía
mais de 400 peças articuladas.
relegada à noção de ofício. A explicação, enfim, possui
muito mais um cunho social do que de dificuldades de
acesso ao conhecimento, ainda que o contato com os
grandes tratados ficasse restrito a uma minoria detentora
do poder. Losano, citando o tratado que o mecânico italiano
Bernadino Baldi publicou em 1589, explicita como o ofício
dos autômatos era visto naquela época:
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 62/91
122 123
parte integrante da cultura clássica: gregos e latinos não
atribuíam ao brinquedo nenhuma conotação negativa.
(LOSANO, 1990). No entanto, essa noção não poderia
ser aceita sem dúvidas numa sociedade permeada pelo
cristianismo medieval ou renascentista. Muito menos
seria dado a esta técnica a condição de arte. Além disso,
enquanto o efeito da perspectiva ao mesmo tempo servia
para dar ilusão de vivacidade e veracidade à representação
de uma cena sacra em seu modelo estático, possuindo
um efeito moral e educativo, a recíproca não era a mesma
em relação às artes mecânicas aplicadas à construção
de autômatos. Desde a Era Medieval, ela era vista como
um sacrilégio, pois o construtor de autômatos poderia
recorrer “às artes diabólicas e reprovadas, tais como as dos
encantadores, que com ajuda de maus espíritos provocam
confusão”. (BALDI cit ado por LOSANO, 1990).
Em suma, o efeito de verossimilhança simulando a
vida humana ou animal, dado pelo cinetismo provocado
não o contrário.
Para elucidarmos um pouco mais as possibilidades cinéticas
dos autômatos, descreveremos em seguida, avançando
um pouco no percurso histórico, um dos mais famosos
exemplares autômatos, segundo Losano. Os autômatos
de Vaucanson (1709-1782), citado anteriormente, são os
exemplos mais conhecidos. Suas Anatomies Mouvants
conquistaram fama não só entre o povo francês, mas
também entre as monarquias europeias. Além do pato
artificial, que simulava funções fisiológicas com grande
realismo, outros dois trabalhos famosos do mecânico foram
seu Fauno Flautista (1735), inspirado em uma escultura do
artista Antoine Coysevox, e seu Tamborileiro (1738):
o flu em emblne de um j
mencnd eculur de Fun, m eu
mecnm rgnl, ncluve un à eclh
d nrumen: flu rnverl perme
Ao longo da história estes mecanismos foram usados
para fins úteis ou fúteis. Os critérios de avaliação variavam
conforme as culturas e épocas. Os manuscritos de Al
Jazari (1136-1206), um dos textos-referência para a arte
dos Autômatos, traziam a descrição tanto de mecanismos
voltados para o uso medicinal quanto o de relógios movidos
à água. A Renascença redescobriu os originais gregos e
colocou de lado os mediadores islâmicos e medievais.
(LOSANO, 1990). Daí as noções mecânicas de origem
clássica serem transplantadas para um mundo em que o
cristianismo vive o drama da Reforma e da Contra-Reforma.
De um lado, ferve a obra dos humanistas, que recuperam
também o aspecto técnico da cultura clássica; e de outro,
ainda imperava os status e o peso da cultura religiosa.
Talvez isso sirva para explicar o porquê de outras técnicas,
como por exemplo, a perspectiva, terem sido incorporadas
pela arte sacra nas diversas pinturas renascentistas e
maneiristas, e o porquê da arte dos autômatos ter ficado
Embr n mecânc rblh nelecul
prevleç bre rblh fc, uele ue
prcm ã cnderd pe v e
pe de nenhum vlr; rzã, egund
pen, ue, end n mr pe
ue relzm plebe, de epr bje,
mercenr e d nclnd à rddez d
gnh, c pr el rd ã fed,
de cer md, e perdem uel repuçã ue
u perfeçã dever rzer-lhe. sem dúvd,
mecânc e medcn ã cnc nbre, “nã
bne preç ue jun à pe enhm
perdd em pre nurl eplendr, dep
ue cmeçrm mlr-l chrlãe e
ur gene nfme e mercenr, fzend
cm ue plvr mecânc, ue uvd
greg v cm ul hnrd de nvenr e
fbrcne de mun, à pe dee emp,
a ViRaDa Das MáqUiNas
Foi a partir de meados do século XIX, com a Revolução
Industrial, que as máquinas definitivamente passaram a
tomar conta do cotidiano ocidental. A influência do avanço
tecnológico permeou diferentes áreas do conhecimento,
e isso não foi diferente no campo da arte, nesta altura
já b l id di i li C d  l
levd rpdmene, luze elrc, vpr,
ee nv elemen cmbnd prduzrm
um nv frm de percepçã ec d
reldde: mpren crrm um pnur
velz, lumnc, vpr, mnchd, ue cpv
nne. (BRaNDÃo, 2006, p. 43)
Alé d i d ã d lid d d
mdfcr m cnfrme md de pr
lb bre bcl, n lerl d nrumen.
o egund um c um nrumen nd
m cmple: um epce de pfr prvençl,
glub, crcerzd pr er pen r fur.
Pr , n egem grnde vrçã de
preõe pneumc e cnfrmçõe d bc,
escritor alemão Goethe, em 1805, quando visitou a casa de
Bereis, encontrou os autômatos danificados pela umidade
do pavilhão do jardim. Suas primeiras impressões foram
confiadas a uma carta escrita durante a visita: “há apenas o
pato que come e move ainda as asas e o pescoço; mas com
isso esgotam- se suas capacidade s”. (GOETHE citado por
LOSANO, 1990).
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 63/91
124 125
já estabelecido como disciplina. Como destaca Ângela
Brandão em seu artigo “A arte e a imagem das Máquinas”
(2006), embora a pintura do século XIX, em sua vertente
considerada realista, tenha iniciado a representação do
trabalho nas fábricas e a presença das máquinas em
meio aos trabalhadores, o primeiro movimento artístico,
na segunda metade do século XIX, a deixar que as
transformações do industrialismo produzissem não apenas
mudanças temáticas, mas também mudanças estéticas foi
o impressionismo:
Clude Mne (1840-1926) prcuru pnr
grnddde d lcmv e d eçõe de
ren; Cnnn Meuner (1831-1905), pnr e
eculr belg, hv end fr fumç d
fbrc enbrecend fgur d rblhdre.
M velcdde d ren, vã d
pgen ue pm pel jnel em
mvmen, dne d lh de um v jne
Além desta crise da representação da realidade povoada
por máquinas, outro fator a completar esta mudança está
no surgimento de novas linguagens pictóricas incentivadas
pelo aparecimento da tecnologia fotográfica. Se a fotografia
libertou a arte da representação do real por meio de um
caráter idôneo e fidedigno, dando espaço para que a pintura
e outras artes se tornassem livres para expressões de
realidades mais subjetivas, por outro lado ela permitiu ao
homem apreender e escrutinar os fenômenos ligados a
ciência cinética. Exemplo disso são as séries fotográficas
de Eadweard Muybridge (1830-1904), conhecido por seus
experimentos com o uso de múltiplas câmeras para captar
o movimento. Além dos experimentos muybridianos,
tanto a dinâmica quanto a cinética tiveram suas bases
profundamente modificadas pelo aparecimento da Física
newtoniana, que mudou radicalmente o conhecimento
sobre a ideia de movimento. Soma-se a esse conhecimento
sobre a cinética, a influência da Teoria da Relatividade
proposta por Albert Einstein (1879-1955), publicada em
rnnd eremmene cmplcd br d
cnrur. (LosaNo, 1990, p. 79).
De fato, o exemplo citado acima é posterior à Era
Renascentista e elucida a forma como as técnicas
mecânicas, dentre outras, já estavam sendo incorporadas
pela sociedade, sem os preconceitos anteriores. Mesmo
assim a arte dos autômatos continuava relegada ao status
de ofício, e mesmo neste campo, estava ligada a um prazer
exótico, ainda que fizesse certo sucesso entre as cortes
europeias. O exemplo disso está no próprio destino dado
aos autômatos de Jaques de Vaucanson, que morreu pobre
não só por ter gasto a sua pequena fortuna na construção
desses mecanismos, mas também devido às guerras
que assolaram a França durante o período da revolução.
De deleite e divertimento da monarquia, as Anatomies
Mouvants terminaram na casa do alemão Gottfried
Cristoph Bereis (1730-1809), um marchand interessado
em “curiosidade s barrocas”. (LOSANO, 1990) O renomado
Desta breve narrativa podemos tirar algumas conclusões
em torno do uso da cinética como forma de representação
e simulação da vida. Assim como a pintura produzida no
período Renascentista estava imbuída de representar a
realidade tal como o olho humano fisicamente a via, a arte
dos autômatos também se encarregava, mesmo sendo
considerada uma arte menor, de tentar representar figuras
realistas por meio da junção entre a mecânica e a escultura
renascentistas. Com o tempo suas técnicas foram sendo
incorporadas em diferentes áreas, como a cenografia, a
relojoaria, dioramas e maquinaria têxtil. Mas a arte dos
autômatos esteve sempre enquadrada dentro das artes
aplicadas, jamais sendo considerada uma arte maior como a
pintura é, por exemplo.
movimento artístico que elegeu os materiais e elementosderivados da realidade cotidiana, para o uso em obras de
arte. Uma de suas obras mais famosas é a escultura Chariot
MK IV (1966), constituída por um conjunto de rodas e de
engrenagens que reproduzem a estrutura de uma máquina.
Ao contrário dos autômatos, que através da ocultação dos
mecanismos tentavam simular um ser vivente, as esculturas
de Tinguely pretendiam serem inúteis para ridicularizar as
pareceu acontecer com a representação do movimento.Perscrutado por diferentes ciências, assim como a vida
humana, a cinética acabou ganhando novas dimensões na
arte produzida no século XX. O cinetismo, que dava aos
autômatos “o princípio de se u próprio movime nto”, e que
por isso dava a esta arte um caráter sacrílego, é resgatado
pelos vanguardistas. Isso se deu não apenas como forma
de representar mais aproximadamente os fenômenos
1905, tendo como um dos seus pressupostos o fato de sera velocidade do movimento de um objeto sempre relativa ao
ponto de vista do observador.
Essa mudança no pensamento ocidental teve profundo
impacto na arte. Citando novamente Brandão, o Futurismo,
sobretudo em sua vertente italiana, foi a primeira
manifestaçãoartísticaque declaravaabertamentea
Prvvelmene, deenh de al Jzr
mbm nfluencrm pr e v um d
m gnfcv br de re mdern:
Mre me à nu pr e clbre, mme
(Nv depd pr eu celbr, mem),
hje n Merpln Mueum de Nv Yrk, em
ue Mrcel Duchmp rblhu de 1915 e 1923,
und bndnu nã pen Mre m
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 64/91
126 127
de Tinguely pretendiam serem inúteis para ridicularizar as
máquinas às quais a humanidade parecia estar escravizada.
(LOSANO, 1990) Ironicamente, Tinguely parecia retomar por
meio de suas maquinetas as questões filosóficas propostas
pelos Pré-socráticos:
o mvmen ec! o mvmen
ec prue ele únc c muvel,
únc cerez, únc c ue lervel [...].
a únc cerez ue mvmen, mudnç
e memrfe eem. é pr ue
mvmen ec. [...] acrede em
mudnç. Nã e grre nd. tud bre
nó mvmen. tud em rn de nó mud.
(tiNGUELY cd pr stiLEs e sELZ, 1996,
p. 404).
Assim como as imagens foram ganhando um caráter
abstrato ao longo do século XX, o mesmo fenômeno
de representar mais aproximadamente os fenômenos
mediados pela realidade maquínica, mas principalmente
para romper com “os ritmos estáticos; únicos elementos da
arte pictóri ca desde o Renasc imento”. (GABO, 1920 citado
por STILES e SELZ, 1996) Tal premissa foi afirmada pelo
escultor russo Naum Gabo, pioneiro do Construtivismo, em
seu Manifesto Realista escrito em 1920. Este manifesto não
influenciou apenas o Construtivismo brasileiro, mas também
o movimento do Novo realismo, do qual Tinguely fez parte.
Mas não só de máquinas moventes a arte cinética do século
XX foi feita. O pintor e escultor húngaro, Vitor Vasarely
(1908-1997) publicou o Manifesto Amarelo na ocasião
de sua participação, junto a outros artistas como Marcel
Duchamp, Alexander Calder, Jesús Soto e Jean Tinguely,
da exposição Le Mouvement, realizada em Paris no ano
de 1955 que enfatizava a cinética na arte. (OLIVEIRA E
FRANCO, 2010). O manifesto, inspirado pela investigação
dos construtivistas e pioneiros da Bauhaus, postulava que
manifestação artística que declarava abertamente a
exaltação da técnica e de uma nova beleza maquínica.
(BRANDÃO, 2006). Além disso, o surgimento do cinema
também se insere como catalisador das mudanças em torno
da representação do movimento, pois enquanto técnica
resultou de uma busca antiga para se registrar o movimento.
Retomando o tema principal proposto por este ensaio,
tentaremos aqui traçar brevemente um paralelo entre
a poética do cinetismo dos autômatos, amplamente
produzidos entre o Renascimento e o período Romântico,
e as obras de arte produzidas dentro das vanguardas ao
longo do século XX. Uma breve relação entre os autômatos
e algumas experiências estéticas em torno do cinetismo
aconteceram na obra de Marcel Duchamp (1887-1968), em
conjectura Losano diz:
und bndnu nã pen Mre, m
mbm crrer de pnr. Ee rblh bre
vdr – mbm cnhecd cm Lrge Gl
– prpõe rnc cmprçã enre hmem e
mun; m epecl em hór d
re nd debem e r-e relmene de um
mun de al Jzr. (LosaNo, 1990, p. 33),
Duchamp também ficou conhecido pela suas experiências
cinematográficas dadaístas em torno do movimento de
formas geométricas, as Anemic Cinema enfatizavam valores
rítmicos e estéticos e o desprezo pelas estruturas narrativas
convencionais. Antes disso, sua pintura, Nu descendo
a escada (1913), já apontava um misto de linguagens,
mediadas por máquinas, para registrar o movimento como a
fotografia e o cinema.
Outro exemplo são as máquinas de tradição dadaísta
de Jean Tinguely, um dos fundadores do Novo realismo,
digital são algumas das nomenclaturas que se popularizaramnos últimos 40 anos, desde que o guarda-chuva da “arte
e tecnologia” adentrou os circuitos das bienais, ganhando
espaço separado, como se fosse um filho bastardo. Em
suma, tanto a história dos autômatos, como a incorporação
da cinética e suas técnicas ao campo da arte, servem para
pensarmos onde o maquínico pode ser encontrado dentro
das artes ou as artes dentro do maquínico Tal processo é
oLiVEiRa, th Perer de; FRaNCo, Edgr slver. are cnc
e cberre: prp de nervdde. in: VENtURELLi, suzee
(org.). 9º Encnr inerncnl de tecnlg: sem cmple,
nur, rfc e m 2010 Dpnvel em: hp://pr.ufg.br/
deply/prje/9r/nn_r.pdf#pge=428. ace em: 17 jun. 2011.
BaRREt, Cyrl. are cnc. in: staNGos, Nk (org.) Cnce d
are Mdern R de Jner: Jrge Zhr 2000
a cinética visual se baseava na percepção do espectador,jogando com as ilusões ópticas. Vasarely tornou-se um
dos principais representantes da Op Art, termo usado para
descrever uma arte que explora a falibilidade do olho por
meio de ilusões ópticas que dão a sensação de movimento
da imagem a medida que o espectador se move. Essa
característica, de provocar o movimento do espectador,
também poderia ser encontrada em algumas obras do alto
acontecido apenas nos anos 1960 e 1970, embora nesteperíodo tenha havido uma força organizada e alinhada a uma
ideologia estética conhecida como Arte Cinética ou Cinetismo.
Nossa intenção neste ensaio foi abordar a presença da cinética
nas artes do Renascimento até ás vanguardas artísticas do
século XX, seja através dos autômatos, seja através de outros
trabalhos das vanguardas.
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 65/91
128 129
das artes ou as artes dentro do maquínico. Tal processo é
indispensável para identificarmos diferentes poéticas em
uma época onde todas as subjetividades se encontram
cercadas por redes de máquinas das mais diversas.
REFERêNCias BiBLioGRáFiCas:
CHaUí, Mrlen. inrduçã à hór d Flf: d pr-crc
aróele. sã Pul: Cmpnh d Ler, 2002. v.1.
JaNsoN, H. W. & JaNsoN anhny F.. incçã à hór d are.
sã Pul: Mrn Fne, 1988.
LosaNo, Mr G. Hór de um: d Grc ang à Belle
épue. sã Pul: Cmpnh d Ler, 1990.
BéRtoLa, Elen de. El re cnc. Ed. Nuev Vón-Buen
are. 1973
are Mdern. R de Jner: Jrge Zhr, 2000.
tiNGUELY, Jen. Unled semen (1961) in:stiLEs, Krne; sELZ,
Peer. there nd Dcumen f Cnemprry ar: urcebk f
r wrng. Berkeley; L angele, Clfrn Pre, 1996.
MaCHaDo, Jã Crl. Mun mprec: mer, prced-
men e mgnr em prelh mecânc de re. Dpnvel em:
hp://www.lume.ufrg.br/hndle/101 83/7613. ace em 17 jun. 2011.
BRaNDÃo, Ângel. a re e mgem d mun. in: Rev
ecnlg e cedde, Ed. UtFPR, 2006 . Dpnvel em: hp://
www.ppge.c.ufpr.edu.br/rev/ecc/rev02 /rev02_cmple.
pdf#pge=43. ace em: 17 jun. 2011.
também poderia ser encontrada em algumas obras do alto
Renascimento, contemporâneas dos autômatos, como o
quadro Os embaixadores (1533), do alemão Hans Holbein
(1497-1543). Nesta pintura há uma figura deformada pelo
efeito da anamorfose – ilusão óptica de uma imagem ou
uma perspectiva – que requer do espectador o uso de
algum instrumento ou o seu deslocamento para algum outro
ângulo, a fim de reconstituir a imagem. (BERTÓLA, 1973).
Para além do efeito de i lusão imagética, Vasarely propunha
a participação mais ativa do espectador na obra de arte,
imprescindível para o efeito óptico de suas imagens.
Dessa forma, as vanguardas históricas, como o Futurismo, o
Cubismo, o Dadaísmo e o Construtivismo buscaram expressar
o mundo pelo viés do cinetismo, como forma de romper com
outras linguagens artísticas anteriores. Para a introdução do
elemento cinético na arte do século XX, o Construtivismo
russo, por meio de seu manifesto, teve enorme influência.
Aqui rejeitamos a ideia de arte cinética como um movimento
Finalizamos pensando sobre uma das obras brasileiras mais
inquietantes na estética do Cinetismo. O Cinecromático
(1951), de Abraham Palatnik – uma caixa em que são
projetadas formas coloridas em movimento – participou da
primeira Bienal de São Paulo, que aconteceu em 1951. Mas
a obra quase não pode integrar essa primeira Bienal, pois os
organizadores não souberam em que categoria enquadrá-
la. O Cinecromático acabou entrando na categoria pintura/
escultura, recebendo um prêmio especial de pesquisa. Hoje
o Cinetismo se encontra incorporado pela arte de maneira
geral. Porém, a cisão entre as categorias artísticas ainda
permanece em voga. Destacamos a presente separação dos
temos arte e tecnologia. Desde os tempos mais remotos foi
necessário a elaboração de técnicas para qualquer criação
artística. Da perspectiva clássica à máquina fotográfica,
arte e tecnologia são duas faces da mesma moeda, mas
que, por um mal entendido, estão em conflito nos circuitos
da crítica e do mercado. Artemídia, arte eletrônica e arte
do Brasil, na Argentina, na Bolívia, na Colômbia, em Cuba,no México, no Peru e na Venezuela, além de no Canadá e
nos Estados Unidos com as comunidades latino-americanas
de Nova Iorque e Toronto.
O projeto Os Vídeos Abertos da América Latina
dá continuidade a trabalhos anteriores que venho
desenvolvendo desde 2003 que usam como linguagem em
as VEias aBERtas
N cmnhd, perdem dre de
chmrm-n mercn, nd ue
hn e cubn j preceem n
Hór cm pv nv, um cul ne d
peregrn d Myflwer e ebelecerem n
c de Plymuh. agr, amlc , pr
Os VídeosAbertos da
América Latina
Durante cinco anos, percorri quase quinhentos milquilômetros e várias vezes as quinhentas páginas sobre
os quinhentos anos das Veias Abertas, vivas, esburacadas,
entupidas, abafadas, coloridas, exuberantes, quentes,
turbulentas e escorregadias da chamada América Latina,
descritas no livro de Eduardo Galeano, que me levaram
por vias de transporte, rodovias, rios, trilhos, estradas de
terra, rotas aéreas, trilhas nas montanhas e nas matas,
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 66/91
130 131
q g g
comum o micro-cinema, vídeos curtos, às vezes em loop,
normalmente gravados com celular ou câmeras baratas e
feitos para internet: o videoblog <www.telekommando.net/
videoblog>, primeiro feito na América Latina; o diário de
viagem mobileiros <www.telekommando.net/mobileiros>;
as video-correspondências <www.telekommando.net/
video-correspondencias>, video-cartas feitas com celular;
e as oficinas feito.a.mouse <www.telekommando.net/
feitoamouse>, produzindo fragmentos, pequenos recortes
do meu cotidiano e das realidades que formam esse
labirinto dos lugares pelos quais passei.
Pretendo canalizar as experiências artísticas anteriores com
esses vídeos produzidos nas oficinas e outros gravados em
trânsito, para mostrar pontos de vista meus e de outros
colaboradores sobre as questões levantadas no livro a
ve ber d amrc Ln e, idealmente, transformar o
livro em um filme, de forma colaborativa.
y g , , p
mund, nd m d ue Ed Und:
nó hbm, n mm, num ub-amrc,
num amrc de egund cle, de nebul
denfcçã. é amrc Ln, regã d
ve ber. (...) Pr ue cncebem
Hór cm um dpu, r e mr
d amrc Ln ã reuld de eu
frc. Perdem; ur gnhrm. (a ve
ber d amrc Ln)
a Ve aber d amrc Ln
Em abril de 2009, durante a V Cúpula das Américas na
cidade de Port of Spain, em Trinidad e Tobago, o presidente
venezuelano Hugo Chávez se encontra pela primeira vez
com o recém-eleito Barack Obama e, entre o nervosismo do
choque ideológico, Chávez atravessa o formalismo e entrega
a Obama o livro As veias abertas da América Latina, escrito
NACHO DURÁN
, , ,
desertos, mares e lagos... e vias de comunicação, que criam
e mantêm essas redes e rotas independentes, locais e
globais, me levando de um canto para o outro.
Esses percursos, realizando trabalhos de arte e tecnologia,
dando oficinas, fazendo VJing, conhecendo os lugares e
os povos, vivendo, me motivaram e influenciaram a gravar
vídeos e áudios dessas paisagens que visitei, a capturar
fotos panorâmicas — que formam o trabalho Panoramas
del Sur: <www.telekommando.net/panoramasdelsur> —,
a fazer entrevistas sobre a influência das novas tecnologias
na vida das pessoas, e principalmente, realizando as
oficinas feito.a.mouse de Vídeo de Bolso sobre produção
audiovisual para internet e celular, sobre cartografia digital
e VJing, promovendo a inclusão digital e a divulgação do
conhecimento artístico-tecnológico. Essas experiências
aconteceram na América Latina em mostras, festivais,
centros culturais e de inclusão digital em todas as regiões
2012
humn. o md de prduçã e eruur de
cle de cd lugr m d ucevmene
deermnd, de fr, pr u ncrprçã à
engrengem unverl d cplm. a cd
um d-e um funçã, empre em benefc
d deenvlvmen d meróple ernger
d mmen, e cde d dependnc
ucev rn-e nfn, end mu m
linear, geo-localizadamente. Analisando o índice remissivo,onde aparecem os mais destacados personagens e
topônimos, ordenados alfabeticamente e com as referências
para as entradas no texto. Decidia re-ler os trechos que
correspondiam a determinados países (Brasil, Colômbia,
Cuba, México, Peru, Venezuela...) ou regiões (Amazônia,
Andes, Caribe, Minas Gerais...), dependendo dos destinos
que ia visitar.
em 1971 pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano poucoantes do golpe de Estado no Uruguai, que instaurou uma
ditadura cívico-militar pela qual o escritor teve que se exiliar.
O livro foi proibido em vários países do cone sul durante
os períodos das ditaduras, por, como após esse encontro
a Casa Branca declarou, “representar a base da teoria da
dependênc ia da América Latina com os Estados Uni dos”, e
com outro olhar, outro filtro, para poder sentir a impotênciado colonizado, para repensar essa(s) História(s) que me
contaram na escola de um ponto de vista totalmente
eurocêntrico. Representa e resume o que agora entendo
como um pensamento indígena, como “os pesadelos da
longa noite dos quin hentos anos”, uma longa noite que
apenas agora vislumbra uns primeiros raios de sol, justo
quando os maias anunciam o fim de um ciclo...
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 67/91
132 133
de d el, e pr cer mbm nclund,
denr d amrc Ln, preã d p e
peuen pr eu vznh mre e, denr
d frner de cd p, eplrçã ue
grnde cdde e pr eercem bre u
fne nern de vvere e mã de br.
a Ve aber d amrc Ln
Nas VEias
Nestes tempos em que o intercâmbio de arquivos digitais
é tão cotidiano, acabei comprando uma edição em
castelhano da mesma maneira que a teriam comprado
clandestinamente durante as ditaduras, uma cópia pirata em
um beco de La Paz, por não mais de três dólares. Com essa
cópia na mochila passei a re-ler o livro de uma forma não-
Antes de iniciar a viagem para cada região, selecionava
minuciosamente os termos que ia ler, marcando as páginas
e depois, durante a leitura, escolhendo dentro dessas
passagens as frases mais interessantes, pela importância do
conteúdo relatado ou pela sua facilidade para ser substituída
por um videotexto para este projeto, um vídeo que resuma
o conteúdo de um texto, ou que sirva como apoio sensorial
para seu entendimento.
Nã dem dverr ue amzn zn
de mr eenã enre d deer d
plne hbve pel Hmem. o cnrle de
nldde p-e em prc nee grnd
epç vz, pr evr cmpeçã
demgrfc d mu ec brler ue,
em rem rncõe d elv u d plnce
men, vvem e e reprduzem. (...) N
na época, graças à censura, se converteu em um livro de
culto da esquerda latino-americana, que marcou a ideologia
de uma era e influencia até os dias de hoje; uma Bíblia
latino-americana..
Esse gesto de Chávez foi uma declaração de princípios,
ao insistir em que o presidente dos EUA pelo menos
conhecesse os outros pontos de vista, para poder estar na
mesma página da História do continente. Uma História quecontinua cíclica. O livro, que já tinha dezenas de edições
publicadas em vários idiomas, deixou, em horas, de figurar
entre os 60 mil mais vendidos da loja Amazon.com para ficar
nos dez mais vendidos.
Eu o li pela primeira vez ao chegar ao Brasil, devorando as
páginas, pela sua narrativa tão fluida e detalhista, costurada
à base de relatos curtos carregados de muita ironia e
provocação. Foi uma (re)descoberta do continente para mim,
Pesadelos de conflitos étnicos, religiosos, sociais, políticos
e culturais, de explorações (no sentido amplo, da natureza
e das pessoas) e de revoluções, da luta dos nativos contra
os colonizadores, cheio de uma boa dose de vitimismo, mas
também de autocrítica, ao narrar os desastres e o desdém
cometidos pelas elites locais, inimigos dentro do próprio
continente, que, com uma retórica populista, criam mais
desigualdades internas que as que prometem combater.
Dede decbrmen n d, ud
e rnfrmu em cpl eurpeu, u, m
rde, nre-mercn, e cm l em-e
cumuld e e cumul hje n dne
cenr de pder. tud: err, eu fru
e u prfundez, rc em mner,
hmen e u cpcdde de rblh e de
cnum, recur nur e recur
n vz, fr d mrc gerl d ecnm ln-
mercn. é verdde ue h rb brler
nd encerrd n elv, cmundde d
lpln ld pr cmple d mund,
redu de brbre n frner d Venezuel,
m n gerl nd eã ncrprd n
em de prduçã e n mercd de cnum,
embr de frm ndre. Prcpm, cm
lugares diferentes que ao mesmo tempo contêm todosos outros lugares. América não se pode entender sem
essas viagens rizomáticas, por estradas em permanente
movimento que se afunilam ou se multiplicam e às vezes
derivam em becos sem saída, sem fazer essa leitura
não-linear de sua História, que não pode ser dividida em
capítulos por países ou revoluções, mas conetando questões
que ultrapassam as fronteiras. O acesso sob demanda a
amrc Ln m hgnc e efcz mr
guerrlher n úer d ue n err u
n ru. Dver mõe nre-mercn
eerlzrm mlhre de mulhere n amzn,
per de er e zn hbvel m deer
d plne. N mr pre d pe ln-
mercn nã br gene: cnrr, fl.
das montanhas ao deserto, do deserto às cidades, dascidades às periferias, imaginando essas migrações que
não entendem fronteiras desde o olhar de um “pássaro de
ferro”, observando ess a fusão dos climas, do amazô nico ao
andino em poucos minutos, passando por nuvens, vulcões,
cordilheiras, desertos, lagos...
Deerrd em u própr err, cndend
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 68/91
134 135
vm, de um rdem ecnmc e cl nde
deempenhm dur ppel d m eplrd
enre eplrd. Cmprm e vendem b
pre d ec c ue cnmem e
prduzem, em mã de nermedr pder
e vrze ue cbrm mu e pgm puc;
ã dr n plnçõe, mã de br m
br, e ldd n mnnh; gm eu
d rblhnd pr mercd mundl u
lund pr eu vencedre.
a Ve aber d amrc Ln
O livro é sobre História, a história dos povos e dos lugares,
e portanto intimamente ligado à Geografia, com numerosas
cartografias imaginárias que percorrem o continente de
relato em relato. Escrito quase de maneira cronológica,
mantêm essa linha do tempo fixa e cria constantes
deslocamentos que conectam lugares às vezes remotos,
esse conteúdo me permitia ir diretamente aos assuntos
relativos a cada terra que visitava, alcançando um melhor
entendimento de cada cultura e das pessoas de cada lugar.
Visitei lugares citados no livro num outro tipo de
peregrinação daquela que aparece nos guias habituais dos
mochileiros, com um certo sentimento de culpa em fazer
esse turismo de catástrofe, em ir atrás dos estragos da
colonização, a lugares de conflito como as periferias dasgrandes cidades, cadeias, lugares remotos ou as próprias
fronteiras, muitas vezes trabalhando com coletivos de
minorias, sempre experiências enriquecedoras.
a Ve aber d amrc Ln
Pretendo transmitir essas experiências multissensoriais
que tive ao ler os relatos estando no próprio lugar onde se
relatam. Ler esse fragmento anterior, acerca da imensidão
da região amazônica, da sua densidade populacional,
enquanto subia em barco pelo Rio Solimões, à velocidade de
bicicleta, a quinze quilômetros por hora, respirando o bafo
da selva, beirando poucas aldeias e vilarejos a dezenas dequilômetros entre elas, sondando aos locais, intercambiando
anedotas e escutando os ritmos típicos do lugar, vivendo
uma experiência imersiva, observando como escoam
toneladas e toneladas de madeira pelo rio, “montanhas que
se movem”, talvez com um tea tro europeu dent ro, ou com
eletrônicos da zona franca.
Entender o contínuo exílio dos povos andinos, nações
em constante deslocamento, da selva às montanhas,
d eern, ndgen d amrc Ln
frm empurrd pr zn m pbre,
mnnh rd u fund d deer, à
medd ue e eend frner d c vlzçã
dmnne. o nd pdecerm e pdecem
— nee d drm de d amrc Ln
— mldçã de u própr ruez. ocrre
ue un m rc ã e err vrgen
m grve meç ue pende bre u
vd; generdde d nurez cnden à
eplçã e crme.
a Ve aber d amrc Ln
...e quem são e onde estão atualmente esses “primitivos e
naturais sen hores das terra s”.
“a cedde ndgen de n d nã ee
transamazônica, que cortará o Brasil em dois, penetrandoa selva até a fronteira com a Bolívia” é substituída por
um vídeo em loop de dois minutos mostrando as linhas
amarelas tão caraterísticas das estradas do continente
americano, umas linhas tortas, cheias de curvas e de
caminhões. Mesmo que um loop como esse fosse
gravado na Colômbia, ele pode ser usado para representar
significados de outros lugares, o micro dessa imagem da
estruturas de programação de Xurde Durán, desenvolviaté a versão beta 0.8 do trabalho e me aprofundei na
pesquisa sobre ferramentas de baixo custo para produção
audiovisual (estabilizador de câmera, tripés para celular,
lente 360°, lente olho-de-peixe caseiros) e dando oficinas
sobre temas relacionados.
Las VENas – VERsÃo BEta 0.8
os VíDEos aBERtos – atUaLiZaÇÃoDo CoNtEÚDo E Da LiNGUaGEM.
Em tempos de Wikipédia, quando se torna mais acessível, fácil
e necessário revisar e atualizar a História, às vezes quase em
tempo real, o que tende a criar um mundo mais transparente
construído a partir dos consensos, incluindo pensamentos
e minorias até agora excluídas, senti que os relatos do livro
contra os indignos” onde a “a palavra democracia foisequestra da pelos políti cos e os banqueiros”.
Este trabalho chama a atenção para esses ciclos da História,
que, com a ajuda da falta de memória histórica fomentada
pelos poderes, condenam à repetição ao infinito desse loop
de descasos com o homem e com a natureza, sendo o
objetivo encontrar as portas de saída para esses problemas.
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 69/91
136 137
estrada corresponde ao macro do continente.
Cada vez se leem menos livros e a leitura como única forma
de aprendizado está sendo substituída por um aprendizado
multimídia, por um fluxo contínuo de inputs audiovisuais
provenientes de várias mídias, criando esse mundo cada vez
mais transparente e participativo, mas ao mesmo tempo
se abrem brechas tecnológicas que criam novos excluídos
desse mundo digital, do conhecimento, das ferramentas edos intercâmbios. Pretendo com esta intervenção no livro
elevar o alcance do seu conteúdo e através das oficinas
relacionadas diminuir essas brechas.
Essas últimas experiências e pesquisas resultaram na
residência ResTelinha <www.res-telinha.art.br> de arte,
tecnologia e educação que fiz em Palmas (Tocantins) de
abril a junho de 2011, chamada de Experimentos. Durante
um período da residência, com a ajuda na pesquisa e nas
O conteúdo da versão beta, apresentado como uma
página única e sem edição colaborativa, foi pensado a
partir do trabalho em paralelo Las Venas, sobre o mesmo
tema, realizado com a artista Vanessa de Michelis <www.
humanifestation.net>. O ponto de partida é um set de
oito loops provenientes de um video-cenário <www.
telekommando.net/videosabertos/0/8/videocenario/
lasvenas> que foi criado com recortes de uma viagemdesde os Andes até o Caribe colombiano e na periferia
de Caracas, editados em função dos sons propostos por
ela e posteriormente remixados ao vivo na performance
audiovisual Las Venas <www.telekommando.net/
videosabertos/0/8/performance/lasvenas> durante o
Encerramento do Espaço Impróprio em São Paulo, em 2011.
Foram esses loops de áudio e vídeo que dirigiram a escolha
dos fragmentos de texto, de forma que dialogassem com
precisavam de uma atualização, em vários sentidos.
Primeiramente, a atualização do conteúdo aos tempos atuais;
apesar dos quarenta anos de distância com a primeira edição
não serem muito dentro da linha do tempo da História,
muitos dos problemas continuam vigentes, como os direitos
dos povos nativos, a reforma agrária, o capitalismo selvagem,
a segregação racial, a desigualdade social.
O próprio Galeano fez um epílogo titulado “Sete anos
depois”, no qual constata que a situaç ão até tinha piorado.
Proponho então uma revisão que possa destacar os acertos
e erros nas previsões e analisar os fatos desde pontos
de vista atuais, como ele mesmo fez comparecendo
às manifestações de ocupações de praças públicas na
Espanha em 2011, <www.telekommando.net/videosabertos/
referencias/galeano15m>, feliz pelo presente que estava
vivendo mas ainda preocupado pela “luta dos indignados
Alguns acontecimentos e situações denunciados então,
se vistos desde um prisma atual, podem ser considerados
como superados, até como “vencidos” pela sociedade, e
outros cada vez são mais urgentes.
Outra atualização é a da linguagem, do texto ao vídeo,
o que chamo de videotextos, cada elemento textual
com unidade de significado, um processo análogo ao do
roteiro para um filme, para assim facilitar a assimilaçãoda informação a um público mais amplo, com um objetivo
utópico do projeto, algum dia transpor todo o conteúdo
textual do livro ao audiovisual, resultando em um
megadocumentário colaborativo.
Cada elemento textual com unidade de significado, desde
uma palavra, um nome, até um parágrafo ou um capítulo,
pode ser transformado em um conteúdo que enriqueça o
conteúdo original, assim uma frase como “a grande estrada
o vídeo, ou ainda antes de terminar sua reprodução, podem-se abrir outros textos destacados em vermelho e continuar
com a video-leitura.
O processo para editar os textos, incluindo novos vídeo-
textos, é:
• selecionar o link de um vídeo no YouTube;
• i l t íd t t
que percorre as veias aos pixels que percorrem o vídeo,manipulados, remixados, aos bits que percorrem a internet.
VíDEos aBERtos n end de ue vde e edçã
d rblh ã fe de frm clbrv e delclzd,
rnp de um lugr ur d cnnene, frmnd
um mc udvul mcgend cm própr
amrc Ln , cnrud e mdfcd cnnu e
l b
os loops, alguns de uma maneira mais direta, com imagensque representam o conjunto do texto substituído, e outros
em justaposição, colocando os dois elementos, texto e
vídeo lado a lado, para criar um terceiro significado a partir
deles, convidando o visitante a criar suas próprias conexões.
A maneira em que está projetada a interação permite que o
visitante faça mixagens personalizadas dos vídeos e áudios
podendo reproduzir vários vídeos simultaneamente, pausar,
l l i d ó i fl di i l
Unverlm cnrucv
Nesta versão beta existem dois modos para o público
interagir com o trabalho:
• No modo de visualização <www.telekommando.net/
videosabertos/0/8>, o visitante pode navegar pelo trabalho e
difi ã b tit i d íd t t
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 70/91
138 139
• opcionalmente, carregar o vídeo para teste;
• opcionalmente, selecionar o segundo em que o vídeo deve
começar a reprodução;
• selecionar o texto que se deseja substituir;
• clicar no botã o “substituir text o por vídeo”.
VíDEos aBERtos
A expressão ‘Vídeos Abertos’ que dá o nome ao projeto pode
ser entendida desde diferentes perspectivas ou camadas:
VíDEos aBERtos no sentido da re-interpretação
contínua dessas veias, que para mim representam os nós,
os recortes das estórias e lendas que se cruzam formando
redes pelo continente, ao transformar ela em uma malha
de vídeos, abertos no mesmo sentido das veias, pulsando,
atualizando-se, carregadas de vida e memória, do sangue
clbrvmene.
VíDEos aBERtos no sentido de o projeto ser de código
aberto, disponibilizado gratuitamente <www.telekommando.
net/videosabertos/0/8/download>, ao priorizar o uso de
linguagens de programação livres, o que está sendo
definido como HTML5 (uma mescla de HTML, CSS, XML e
javascript, que destronará o Adobe Flash como plataforma
de conteúdo multimídia na web) e também por estarconcebido como pura ferramenta, livre, modificável além
do trabalho apresentado aqui, podendo ser usada para a
preparação de roteiros de apresentações, de aulas, ou até
construir um filme a partir de um roteiro escrito. Na versão
beta ainda não está implementada a reprodução dos vídeos
em HTML5.
E VíDEos aBERtos com o sentido de hackear os
processos envolvidos na produção audiovisual, facilitando
mesclar volumes, criando seu próprio fluxo audiovisual.
Essas imagens estão de ponta-cabeça propositalmente,
como foi na performance original, para questionar a
convenção Norte em cima/Sul em baixo presente nos mapas
e que começou com as cartografias da época das colonias
relatadas no livro, e, claro, em homenagem ao também
uruguaio Joaquín Torres García, que em 1941 denunciou no
quadro América Invertida e no texto-manifesto:
Eu fle Ecl d sul; prue n reldde,
n nre sul. Nã devem er nre,
pr nó, enã pr pçã n sul. Pr
gr clcm mp de pn cbeç,
e enã j em ju de de n pçã,
e nã cm uerem n re d mund. a
pn de amrc, dede gr, e prlngnd,
nlz nenemene sul, n nre.
modificar essa versão, substituindo vídeos por textos, mas
sem poder salvar ainda na versão beta. A seleção dos textos
e dos vídeos corresponde ao trabalho Las Venas e inclui
videotextos relacionados a Minas Gerais, produzidos durante
o workshop realizado no FAD 2011, em Belo Horizonte;
• No modo de edição (www.telekommando.net/
videosabertos/0/8/areia) o visitante pode editar à vontade,
salvando a versão localmente, só disponível para ele com ostextos originais e sem os videotextos.
A rotina de visualização do trabalho começar a ler,
clicando nos textos destacados em vermelho para abrir
os videotextos, compostos por uma caixa com o texto
selecionado e o vídeo, fazer um clique no próprio vídeo para
dar play ou um clique duplo para colocar em tela cheia. Um
clique no vídeo faz com que ele se pause e um clique no
texto faz com que o videotexto se feche. Uma vez assistido
os VíDEos aBERtos Da aMéRiCa LatiNa – VERsÃo EM PaPEL
E verã um env de rnpr rblh n web cm eleçã L Ven pr ppel. o vde-e ã
frmd pr um e, um mgem d vde e um qRcde, ue cm um ler de códg e pde crregr vde
crrepndene em um celulr u ble.
O trabalho escravo dos nordestinos está abrindo, agora,
o acesso às técnicas, ferramentas físicas e virtuais,democratizando a criação de produções de qualidade a baixo
custo, uma proposta que considero de máxima importância
para elevar a qualidade da produção independente. Venho
desenvolvendo esses conceitos dentro das oficinas, como a
que realizei no workshop de um dia Vídeos Abertos, durante
o Festival de Arte Digital 2011 no Museu Inimá de Paula,
em Belo Horizonte, onde desenvolvemos um steadycam,
estabilizador de câmera construído por R$5 além de
permissão de editor se poderá acrescentar e modificar oconteúdo, selecionando textos e inserindo novos vídeos que
estejam disponíveis na internet ou no próprio computador, e
salvando as edições no banco de dados do projeto.
Nessa próxima etapa, a grande tarefa será fazer uma
seleção de vídeos dentro dos bancos próprios e dos mais
de quatrocentos vídeos produzidos durante as oficinas,
de gravações de trechos do livro lidos por pessoas do
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 71/91
140 141
a grande estrada transamazônica, que cortará o
Brasil em dois, penetrando a selva até a fronteira
com a Bolívia. O plano implica também um
projeto de colonização agrária para ampliar “as
fronteiras da civilização”: cada ca mponês recebe
dez hectares de superfície, se sobrevive às febres
da floresta tropical.
No Nordeste há seis milhões de camponeses sem terras, enquanto quinze mil pessoas são donas da metade da
superfície total.
A reforma agrária não se realiza nas regiões j á
ocupadas, onde continua sendo sagrado o direito
de propriedade dos latifundiários, mas em plena
selva.
estabilizador de câmera construído por R$5, além de
selecionar trechos do livro que remetiam a Minas Gerais e
produzir os vídeos correspondentes.
Las VENas – VERsÃo BEta 1.0
A versão 1.0 do trabalho será formada por todas as páginas
do livro, com as programações padronizadas em HTML5
e com marcadores nas páginas onde existam videotextos.O visitante poderá navegar por todas as páginas do
livro de maneira cronológica (páginas), via tags ou geo-
localizadamente, onde alguns videotextos estarão atrelados
a uma posição geográfica, mostrando um pequeno mapa do
lado do vídeo e do texto.
A interação continuará sendo abrir e fechar os textos,
onde dentro estarão os videotextos para reproduzir
individualmente ou vários ao mesmo tempo. Com
de gravações de trechos do livro lidos por pessoas do
país envolvido e de outros vídeos com várias linguagens
subidos colaborativamente, para a partir desses recortes
de realidades e imaginários particulares e comuns, pontos
que formam essas linhas imaginárias que representam as
Veias da América Latina, se possa (re)escrever a História do
continente de uma forma participativa, colaborativa e criativa.
NACHO DURÁNGoiânia, abril 2012
www.telekommando.net/nachoduran
e o mau-gosto de forma gritante. Há pouco o governo anunciou com grande estrépito que tinha exterminado oanalfabetismo. Resultado: na passada festa eleitoral, o censo de inscritos lançou um milhão de analfabetos entre os 18 e os
50 anos de idade.
O ilustre Domingo Faustino Sarmiento e outros escritores
liberais viram na montonera camponesa nada
mais do que o símbolo da barbárie, do atraso e
Isto significa que os flagelados do Nordeste abrirão caminho para a expansão do latifúndio sobre novas áreas.
Sem capital, sem meios de trabalho, que
significam dez hectares a dois ou três mil
quilômetros de distância dos centros de
consumo?
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 72/91
142 143
Em 1861, Sarmiento escrevia a Mitre: “Não trate de economizar sangue de gaúchos, é a única coisa que têm de humano.
Este é adubo que é prec iso fazer útil ao pa ís”.
o analfabetismo contra a escola.
da ignorância, do anacronismo das campanhas
pastorais frente à civilização que a cidade
encarnava: o poncho e o chiripá contra a casaca; a
lança e o punhal contra a tropa de linha;
Muito diferentes são, deduz-se, os propósitos reais do governo: proporcionar mão-de-obra aos latifundiários norte-
americanos, que compraram ou usurparam a metade das terras ao norte do rio Negro, e também à Uned se seel Co.,
que recebeu do governo as enormes jazidas de ferro e manganês da Amazônia.
Nas cidades prospera uma tola classe média
com altos salários, que se entope de objetosinservíveis, vive atordoada pela publicidade e
professa a imbecilidade
Tanto desprezo e tanto ódio revelavam uma negação da própria pátria, que tinha, é claro, também uma expressão de políticaeconômica: “
Não somos nem industriais nem navegantes -
afirmava Sarmiento -,
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 73/91
144 145
e
a Europa nos proverá por longos séculos de seus
artefatos em troca de nossas matérias-primas.”
Arte, tecnologiae ciência:
inteligência e
emoção
Arte, tecnologia e ciência: inteligência e emoção.Francisco Carlo de Carvalho Marinho – Professor
Doutor do Departamento de Fotografia, Teatro e
Cinema da escola de Belas Artes de UFMG –
Coordenador do Centro de Pesquisa e Experimentação
em Sistemas Multimodais.
A arte, ciência e filosofia experimentam desde as
revoluções culturais que marcaram o final do século XIX
computadores permitem escritas de simulação queservem à ciência em modelos virtuais de mundos que
podem ser testados e experimentados, mas também
permitem que histórias fantásticas possam ser
experimentadas como nos jogos digitais. A mediação
tecnológica é uma mediação de conhecimento que
aplicada às várias esferas do saber produz uma
expansão em suas possibilidades narrativas. A palavra
narrativa aqui empregada se refere a todos os discursos
(2003). O autor classifica a perspectiva como umacaracterística crítica das narrativas. Para ele, a
perspectiva pode ser emocional (ou cognitiva) e espacial
(ou visual). Observa ainda que o ponto de fuga é um
lugar especial e estranho que identifica a posição do
“leitor” e onde a perspectiva termina. É importante
ressaltar que essa introdução de uma visão tecnológica
da pintura implica uma aproximação emotiva e afetiva do
observador em relação à obra. Fazer o observador se
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 74/91
146 147
emoção.CHICO MARINHO
e começo do século XX, uma mudança estrutural na
sua inter-relação. Elas foram entendidas por muitos
séculos como “campos” do conhecimento, no sentido
de feudos cercados por muros de defesa quase
intransponíveis. São modos de contar história sobre o
mundo cada qual com sua especificidade. Essas
perspectivas e pontos de vista das diferentes narrativas
sobre a realidade apesar de manterem uma visãoparticular, permitem hoje que as diferentes práticas de
dizer sobre o mundo se contaminem. O papel da
tecnologia na articulação dos saberes foi fundamental.
A arte produzida a partir da fotografia, cinema,
televisão, vídeo e computador carregam na sua
linguagem formas de escrita que são diretamente
relacionadas com o entendimento do dispositivo
tecnológico. Nos computadores, por exemplo, a forma
é o código. As características “narrativas” dos
sobre o mundo, independente de suas pressuposições
metodológicas e de suas articulações formais.
Hoje os saberes se hibridizam e se transformam com
extrema facilidade. Essa mudança não se fez do nada.
Já no século XIII os pintores Giotto e seu mestre
Cimabue estudavam o fenômeno da perspectiva nas
ruas de Roma. A noção de perspectiva começou atranspor para o mundo da arte uma mudança de visão
anunciada pela tecnologia da geometrização do mundo
- tecnologias de inteligência. Pontos de vista passaram a
merecer o devido destaque. A perspectiva reconfigura o
relacionamento espacial entre as pessoas e o entorno. A
Igreja de Assis pintada por Giotto é um exemplo. O
contexto espacial informa o espectador sobre as
decisões de sua localização para a melhor fruição,
afetando sua percepção, conforme defende MEADOWS
colocar em uma posição espacial privilegiada de fruição
é uma noção fundamental do que se entende hoje por
interatividade. A ideia de perspectiva para Giotto
também incluía o modo de ver dos personagens
retratados. Mas o que é mais importante ressaltar aqui é
o modo como a tecnologia de linguagem geométrico-
pictórica (perspectiva) implicou a aproximação emotiva e
afetiva entre a obra e o autor relativizando a participaçãode ambos. MEADOWS (op.cit.) se refere ao trabalho da
perspectiva como o começo de um desenho de
interface que permite que parte mais importante da
informação seja apresentada no tempo mais apropriado
e no ângulo mais apropriado. Ou seja, há uma
compressão da informação visando a otimização da
experiência emotiva do obser vado rinterator.
A interação do homem com seu entorno, mediada por
2012
processos estruturados de significação como alinguagem falada e escrita, conduziu a um conceito que
parece indissociável da historia civilizatória: a ideia de
sistema. Sistema de arte, de ciência de filosofia, de
política, enfim, sistemas. Sistemas, a rigor, não são
definidos em sentido claro e distinto. Sistemas podem
ser considerados como uma coleção de elementos,
integrados como um todo consistente, que pode ser
distinguido das outras coisas que formam o mundo ao
É
história é narrada ou construída. O contar uma históriapode ser pensado como encadeamento de
perspectivas que se sucedem no tempo e no espaço
como uma espécie de articulação fractal ou
circularidade metodológica que a cada ponto
privilegiado de uma perspectiva é associado outro
como possibilidade narrativa. Se pensarmos sob o
modelo interativo dos sistemas digitais, a perspectiva
pode ser associada à noção de um hiperlink que é
componente do sistema, talvez outro leitor/escritor(caso das wikis na web) ou mesmo por um programa
residente que altera o conteúdo do link dinamicamente.
A internet é um sistema que tem essas características.
A articulação entre autor - obra/processo/programa
– interator pode ter níveis de envolvimento emocional
ou cognitivo diferenciados. Os níveis de atenção e a
recompensa psicológica podem significar níveis
diferentes de imersão. Assim como a perspectiva como
Nesse sentido, para os intentos da imersão a ideia écolocar fisicamente o observador como se ele
estivesse dentro da obra a ser experimentada. Do
mesmo modo, pode-se dizer que a imersão é
considerada uma experiência na qual há uma
potencialização emotiva e/ou cognitiva, um
engajamento forte do observador/interator com seu
meio. A história dos meios tecnológicos de inteligência
e dos dispositivos tecnológicos para expansão
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 75/91
148 149
seu redor. É um recorte da realidade operado por
processos de análise segundo um determinado
enquadramento escolhido – perspectiva - em função de
uma intencionalidade, ou objetividade, específica.
Sistemas revelam histórias explícitas e escondidas. A
simples escolha de um conjunto destacado do entrono
conduz à ideia de perspectiva como forma de olhar o
mundo, dessa forma constitui-se como uma históriaque diz o mundo de forma ordenada, qualquer que seja
essa ordem. Os sistemas significativos, como a ciência,
a arte e a filosofia, são apoiados em crenças que
estabelecem um ponto a partir do qual toda a estrutura
cognitiva é fundamentada. Mas essa crença da
fundamentação suficiente pode ser questionada ainda
pelos seus significados últimos e uma pergunta sobre o
fundamento do fundamento pode surgir. A perspectiva
pode ser pensada aqui como ponto a partir do qual uma
escolhido ao modo do observador/interator o qual, por
sua vez, age como co-autor da obra/processo. A
recursividade semântica é própria das estruturas
semióticas. HOFSTADTER (2001) questiona a ideia de
interpretação em laços infinitos - voltas estranhas -
como um entrave para a construção cognitiva.
Galileu, Descartes e Bacon foram os primeiros asistematizar a “volta estranha”, como fala Hofstadter,
do pensamento sobre si mesmo: o objeto é o método
científico e a própria ciência simultaneamente, o fim e o
meio. Essa volta estranha é característica dos sistemas
emaranhados de variáveis interdependentes. Se forem
pensadas sob o ponto de vista das narrativas interativas
digitais, as associações que levam de um link a outro
podem ter o caminho contrário diferente, pois o link
anterior pode ter sido modificado por algum outro
geometrização do espaço propiciou uma interação
diferenciada entre obra e espectador, as tecnologias
das novas mídias procuram potencializar a capacidade
de imersão do usuário. Imersão pode ser considerada
um conceito estendido da ideia de Giotto sobre
perspectiva. Imersão pode significar a localização
privilegiada de um observador em um espaço físico
para apreciação de uma obra, como um pontoespecífico na Igreja como a de São Francisco em Assis
pintada por Giotto, ou o interior de uma CAVE, ou uma
sala com projeção 3D circundante, ou um ambiente
multimodal no qual outras experiências sensíveis
podem ser incorporadas como o tato, olfato etc.. Miller
(2004) defende que realidade virtual e ambientes
imersivos são feitos para dar ao observador uma
impressão de realidade convincente, mesmo que seja
sobre um mundo virtual fictício.
cognitivo-emotiva é antiga, ainda que não fosse
conscientemente articulada. A perspectiva, câmara
escura, geometrização do espaço entre outras podem
ser citadas como modos de tecnologias, ou quem sabe
metodologias tecnológicas, para dar verosimilhança à
expressão estética ou mesmo científica. Exemplo de
uma prática que se estabelece como tecnologia de
escrita hipertextual são os comentários (marginálias)feitos pelos escribas da idade média nas margens dos
textos como forma de comunicação entre eles, como
comentário pessoal a um trecho qualquer ou mesmo
como forma de memorização e entendimento do texto.
Essas marginálias podem ser encaradas tanto como
técnicas quanto como tecnologias na medida em que
envolvem processos, regras e ferramentas como a
utilização espacial e material de suporte físico e registro
físico que altera as próprias condições materiais do
mesmo suporte, configurando um espaço de novaspossibilidades de entendimento e comunicação.
Tais hiperescrituras utilizavam o recurso das
marginálias, como uma forma de hipertexto, que tinha
funções variadas como questionar, comentar, registrar
dúvidas e acrescentar conteúdo ao termo que as
marginálias se referiam, em palavras contemporâneas,
essa era um uso do que chamamos
contemporaneamente de link. O texto se volta para si
d di d t di d
movimento puderam ter seu estado futuro previsto porum conjunto de regras universais formuladas por
Newton. Embora os sucessos das ciências
matemáticas e físicas tivessem alcançado, por um
longo tempo até o século XIX, o mundo teórico e
prático, algumas questões sobre modelos da realidade
viriam aflorar mais tarde. O século XIX trouxe à tona
uma gama de problemas, vindos de novas descobertas
e ponderações sobre os modelos existentes. A crise
d t f di i tífi f
métodos analíticos convencionais da ciência naresolução de determinadas questões como, por
exemplo, os problemas físico-matemáticos que
tratavam do problema da estabilidade dinâmica na
interação simultânea de vários corpos. De postulados
gerais e consequências analíticas determinísticas que
podiam prever os estados futuros do mundo, dadas
condições iniciais e leis que governam os estados das
coisas, o homem passou a ver, a partir de Poincaré, que
i t õ b d ã tã i l
O século XIX foi fecundo em várias áreas doconhecimento. Na biologia, Darwin propunha uma nova
forma de pensar o homem com uma explicação sobre a
lógica do funcionamento da vida na terra. Ao modo de
Copérnico, sua revolução colocou o homem em pé de
igualdade com os outros seres enquanto objeto de
evolução cega e resultado biológico de um processo
em contínua mudança. O homem passaria a ser visto,
não mais como centro, mas como ente que está sujeito
à d f d t i l ã à
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 76/91
150 151
mesmo desdizendo-se, contradizendo-se e
modificando-se segundo a ordem do tempo e das
perspectivas individuais dos escritores leitores.
A partir da idade moderna, a era das certezas científicas
produziu avanços significativos. Novas formas de
escrituras surgiram, como a geometria descritiva, o
cálculo infinitesimal e integral entre outras. Umaespécie de otimismo científico foi se consolidando a
partir das descobertas que surgiam uma após a outra.
A linguagem matemática possibilitou que fenômenos
pudessem ser descritos em termos universais e
formais. O sentido equívoco das palavras ligadas às
narrativas não científicas cedeu força ao discurso claro
e distinto de um espaço numérico e coordenado. A
ciência moderna cresce subjugando as outras formas
narrativas de dizer o mundo. Os corpos celestes em
das certezas fez o discurso científico arrefecer seu
poder devorador frente às outras formas de expressão
e saberes. O mundo, que parecia perfeitamente
descritível e previsível por formulações físico-
matemáticas, ruiu diante das anomalias geradas pelas
novas perguntas sobre o próprio discurso físico-
matemático. KUHN (2001: p.78) fala sobre a descoberta
como consciência das anomalias:
“a decber cmeç cm cncnc
d nml, , cm recnhecmen
de ue, de lgum mner, nurez
vlu epecv prdgmc ue
gvernm cnc nrml.”
A anomalia da complexidade vislumbrada por Poincaré,
no final do século XIX, já anunciava a dificuldade dos
as interrogações sobre o mundo não eram tão simples
de serem respondidas. Os enquadramentos da ciência
clássica não abarcavam a grande maioria dos
fenômenos naturais. Os métodos dedutivos e analíticos
aplicados às ciências da natureza limitavam as
possibilidades de resolver os problemas. As
simplificações, baseadas no princípio da navalha lógica
de Ockhan, obnubilaram a complexidade imanente ànatureza e à vida. O princípio da instabilidade dinâmica
(questão fulcral da física) preconizava que talvez fosse
possível a previsão dos estados futuros de sistemas se
as condições iniciais fossem infinitamente precisas nas
suas medidas. Mais tarde, já o século XX a ciência da
complexidade nasceria com uma abordagem bem
diferente: a sensibilidade extrema às condições iniciais
levava a uma dinâmica da instabilidade ou ao “caos”.
às mesmas mudanças fundamentais em relação à
filogenia. A vida não estava mais centrada no animal
racional nem a natureza estava a serviço dele. A busca
científica de Darwin foi literalmente uma aventura
prospectiva de algo que ele não poderia saber ao partir
na expedição do “Beagle”, uma busca às cegas como a
própria natureza. O interesse transdisciplinar de Darwin,
principalmente pela geologia, propiciou-lhe uma visãomuito mais rica sobre os fenômenos da vida do que o
criacionismo, que argumentava a favor da ideia de que
as espécies foram criadas segundo um mesmo “projeto
original”. A ideia de seleção natural de Darwin não só
explicou como mostrou o funcionamento das ideias
evolucionistas de Lamarck. A teoria da evolução viria a
se tornar uma forte candidata à condição de explicação
da vida na proporção epistemológica comparável às
teorias da física.
Na passagem do século XIX para o XX, a introdução demodelos estatísticos vindos das ciências sociais
instituiu novas ferramentas não determinísticas
utilizadas por outros setores do conhecimento como a
física. Gases, populações e inúmeros outros fenômenos
foram abordados pela ótica estatística para resolver
problemas de que a mecânica clássica não dava conta.
Misto de “ignorância” metodológica e ao mesmo
tempo de consciência da falibilidade humana, a
estatística tornou se uma ferramenta eficaz de
trovoadas tornaram-se escuros e turbulentos.Ergueram-se patamares quase intransponíveis, para as
tentativas de lançar a ciência sobre uma base sólida e
absolutamente autossustentada.
A empreitada de Russel e Whitehead de fundamentar a
matemática em termos da lógica foi um
empreendimento de esforço intelectual enorme que
acabou frustrado. As objeções de Gödel sobre os
fundamentos do “Principia Mathematica e de sistemas
a minimização dos erros verificados empiricamentecomo falsificação da conjectura . A mente humana foi o
centro difuso em torno do qual giraram as teorias
científicas, na medida em que estas colocaram em
xeque as certezas de suas construções. O século XX foi
marcado pela consciência das limitações da capacidade
humana de compreender o mundo e a si mesma.
Todavia, essas mesmas limitações puderam ser
gradativamente contornadas, embora novos limites
sempre se interpusessem entre o homem e a sua
perspectivas diferentes. O caos e as incertezas, ou aconvicção do caos, projetou o homem em novos rumos
que pudessem retomar o otimismo, senão divino como
o de Laplace, pelo menos metodologicamente criterioso
e promissor, embora com o estatuto de crença.
Nas artes não poderia ser diferente. A partir das
experiências dos impressionistas, que empregaram o
método analítico na divisão das cores para a
representação pictórica a própria ideia de
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 77/91
152 153
estatística tornou-se uma ferramenta eficaz de
verificação de níveis mais complexos de organização,
que a ciência da complexidade iria tratar mais tarde
como propriedade emergente. Milhões de moléculas de
gases interagindo foram demais para o otimismo
Laplaciano. Curvas de amostragem e probabilidades
substituíram as equações determinísticas que não
podiam prever o estado futuro das moléculas de gás nointerior de um recipiente. Mesmo antes, na época do
determinismo clássico, se as reduções e aproximações
da física não fossem realizadas em prol da resolução de
fenômenos “simples”, nem mesmo o problema do
pêndulo poderia ser tratado matematicamente.
Os céus da matemática clássica e da lógica que
pareciam incontestes, como saberes verdadeiros e
completos em si mesmos, livres de tempestades e
fundamentos do Principia Mathematica e de sistemas
correlatos” formaram uma espécie de limite sistêmico
e epistemológico do entendimento. HOFSTADTER
(2001, p.18) abordou a questão do teorema de Gödel
de forma criativa ao apresentar o problema sob uma
estrutura formal de símbolos tipográficos.
O século vinte pôde ser visto como uma épocademolidora das certezas. Poincaré, Gödel, Turing e
muitos outros apontaram para os limites da inteligência
como um sistema formal simbólico. POPPER (1982)
apresentou questões praticamente incontornáveis de
escopos filosófico, epistemológico e metodológico
sobre a fundamentação do conhecimento e propôs a
ciência como um caminho de tentativas e erros
sucessivos em um processo evolucionário de
conjecturas e refutações. Sobrava da certeza da ciência
sempre se interpusessem entre o homem e a sua
pretendida verdade. O otimismo relativista tomou conta
do pensamento científico e filosófico. A metafísica deu
sinais de convergência com a ciência na medida em
que os limites desta se posicionaram de modo a
confinar as ideias dentro do círculo de conjecturas e
refutações. Episteme e doxa já não tinham limites
indelevelmente demarcados.
Embora a ciência tenha colocado impedimentos e feito
toda a espécie de lista negativa dos seus fundamentos
e mandamentos, floresceu nesse mesmo século uma
ciência do possível, espécie de vingança distorcida de
Protágoras, que postulou a firmação do homem como
medida de todas as coisas . O homem, a inteligência e a
vida, libertos de todas as amarras da religião e da
ciência positivista, puderam ser investigados sob
representação pictórica, a própria ideia de
representação começava a perder fôlego. O que
importava não era mais o mundo como referência
ausente de interpretação aberta, mas antes como este
mesmo mundo poderia ser sob outras bases que não
da representação fidedigna. Movimento após
movimento os artistas tentaram se libertar das amarras
sistêmicas ditadas alhures. Arte é experimentação,assim como na ciência. As verificações empíricas da
ciência tinham seu correlato experimental nas artes. O
deslocamento provocado pela arte conceitual – da obra
ao conceito/processo - presente exemplarmente na
“proposta artística” da “A Fonte” de Duc hamp, mudou
o foco do discurso sobre a objetividade da arte como
obra. Luta contra o realismo e a representação,
libertação dos meios e suportes, politização,
abstracionismo e conceptualismo marcaram os
movimentos modernistas. Improvisação, o ilógico e oabsurdo eram características de vários acontecimentos
artísticos. Embora iconoclastas, questionadoras e
irreverentes, as novas formas de arte estavam prenhas
de um feto racionalista e ordenador - ainda sistemas de
significação. Regras, mesmo que fossem as regras que
impediriam a criação de novas regras, faziam parte do
arsenal de paradoxos provocativos da arte moderna. Os
dadaístas preconizam o fim da arte e falam sobre a
antiarte Nada poderia ser não arte Tudo poderia ser
• Agite suavemente.• Tire em seguida cada pedaço um após o outro.
• Copie conscienciosamente na ordem em que elas
são tiradas do saco.
• O poema se parecerá com você.
• E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma
sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido
do público.
Paul (2008) fala de um aleatório controlado originado
“a epnã d u d ecnlg cmferrmen d re clcu em evdnc
um prfund e prgrev cã enre
epernc rc, crc de re e
ec.”
O impacto das tecnologias imagéticas como a fotografia
e o cinema foi avassalador. A máquina repercute o
ideário futurista. O apego a temáticas como velocidade,
tecnologia violência estavam presentes em ícones
e técnicas artísticas ampliam a percepção e a ação dohomem no fazer artístico. Procedimentos inspirados
nos métodos científicos e nas tecnologias eram fontes
de inspiração, contestação e transgressão por parte dos
artistas modernos. As experimentações da vanguarda,
nas performances, instalações e artes midiáticas
praticadas pelo movimento “Fluxus”, por exemplo,
propunham novos rumos e distanciamentos: o que a
arte não deveria ser. A experimentação como
linguagem “antiarte” originária dos movimentos
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 78/91
154 155
antiarte. Nada poderia ser não arte. Tudo poderia ser
arte. A sucessão de rupturas e manifestos de novas
formas expressivas levou a subsequentes mudanças de
discurso sobre o fazer arte. Os poemas dadaístas eram
um exemplo claro onde ordem e caos conviviam. A
receita algorítmica dadaísta para construção de poemas
é um exemplo da mescla do acaso, como caos, e da
ordem como técnica e tecnologia de produçãode sentido:
• Pegue um jornal.
• Pegue a tesoura.
• Escolha no jornal um artigo do tamanho que você
deseja dar a seu poema.
• Recorte o artigo.
• Recorte em seguida com atenção algumas palavras
que formam esse artigo e meta-as num saco.
Paul (2008) fala de um aleatório controlado originado
nas propostas dos dadaístas que estavam presentes
em trabalhos do grupo OULIPO, em Duchamp e Cage.
Tal aleatório serviria de base para os princípios da arte
digital contemporânea. Não foi a arte que encomendou
à tecnologia novas formas de expressividade, mas foi a
tecnologia que indiretamente permitiu que a arte se
desenvolvesse de outras formas que não aquelasestreitamente ligadas ao fazer manual. A fotografia, o
cinema e, posteriormente, a televisão e o computador
acrescentariam novas possibilidades de linguagem e
expressão artística. GIANNETTI (2006, p. 13) aponta
para essa questão como uma proposição que permeia o
Manifesto Suprematista de Malevich, o qual fala de
uma nova relação entre arte e técnica. A mesma autora
fala ainda dos impactos causados pelo descompasso
seguinte entre tecnologia e arte:
tecnologia, violência estavam presentes em ícones
como o automóvel, o avião e a cidade industrial. O
futurismo foi um fenômeno que ocorreu principalmente
na Itália com algumas repercussões em outros países.
Os modernistas, de um modo geral, pleitearam um
distanciamento com relação ao tradicionalismo das
belas artes e uma aproximação ao experimentalismo denovas linguagens calcadas em técnicas e tecnologias
que potencializavam a capacidade inventiva e
exploratória dos artistas. As novas formas de
abordagem no experimentalismo modernista
reverberaram as mudanças na ordem das ciências e da
política, mediadas pelas possibilidades tecnológicas. A
automatização e a reprodutibilidade das imagens cada
vez mais prescindem da mão humana. As escalas
mental e racional, embutidas nos artefatos tecnológicos
linguagem antiarte , originária dos movimentos
dadaístas, proporcionou uma prática estética
paradoxalmente conservadora (o que importa é
transgredir – essa é a regra). Negação, transgressão e
apropriação foram pilares, portanto categorias
fundamentais, da arte moderna.
Fotografia, cinema, televisão, entre outros, levantaramproblemas emergentes para a conceituação estética
das novas formas de arte do século XX. A inclusão dos
meios e suportes dos objetos e processos artísticos
incluídos como elementos fundamentais do discurso
estético constitui uma expressão típica do século em
que ela se insere– a mídia arte. Os meios de
comunicação televisivos para as grandes massas
passam a ser alvo da arte do vídeo. Vários artistas se
valeram do poder de produção e difusão das imagens
eletrônicas para expressar desde uma luta políticaencarnada na arte até uma poética de imagens
formalmente sutis e sofisticadas. Outra corrente de
videoartistas lançou mão da ajuda de engenheiros e
técnicos para uma nova forma de gerar imagens. Os
tubos de raios catódicos e a eletrônica embutida nos
aparelhos televisivos serviam de matéria para a
organização de uma imagética virtual, sem referências
no mundo. Uma nova forma de pintura com elétrons
surgia nos aparelhos televisivos. As manipulações
Nam June Paik deslocam os aparelhos televisivos doespaço cotidiano das salas das casas dos
telespectadores e os coloca em um contexto de
apreciação que promove o distanciamento do
entendimento do senso comum sobre os aparelhos e
seu uso estético. A interação e participação ativa de
usuários nas performances e happenings inseriram
definitivamente o observador na esfera criativa. RUSH
(op.cit.) fala sobre o uso das tecnologias televisivas e
videográficas como forma de contraposição ao
de tal forma a superpor espectador e obra. Umamudança de perspectiva aconteceu com a arte
tecnológica. O que Giotto concebeu, ainda que sem
perceber o alcance de suas pesquisas, foi a inserção do
espectador como parte do fenômeno de produção
estética. Giotto percebeu as interfaces como parte do
próprio processo artístico. A interface é a perspectiva e
a interatividade é parte de imersão do espectador nos
construtos mentais que dominam a arte
contemporânea. A arte moderna fundamentada e
“ celerçã ã fre e ã generlzdue mem m lgd encnrm-
e, em gru dver, ulrpd pel
mudnç, j ue nngum pde prcpr
vmene d crçã d rnfrmçõe
d cnjun de epecldde cnc,
nem mem egur e rnfrmçõe
de per” .
Da mesma forma que as tecnologias afetam nossa
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 79/91
156 157
g p p ç
técnicas do vídeo feitas por Woody e Steina Vasulka
resultavam em trabalhos que apropriavam estruturas
pictóricas transportadas do suporte tela e tinta para a
materialidade eletrônica processual e etérea do vídeo.
Nos trabalhos realizados com tecnologia eletrônica
analógica, o “acaso”, ou as interferências externas ou
desconhecidas pelo autor/manipulador, passa a fazerparte de todo o processo. O desenvolvimento das
tecnologias da imagem pavimentou o terreno para
pessoas comuns terem acesso aos meios de produção
tecnológicos. RUSH (2006) fala de um novo capítulo na
história da arte quando as filmadoras Portapak da Sony
são lançadas. A videoarte se contrapôs aos meios de
comunicação de massa reinventando o vídeo e
expondo suas vísceras tecnológicas para novas
propostas artísticas. As primeiras videoinstalações de
g p ç
direcionamento político cultural massificador dos
conteúdos mercadológicos das redes televisivas.
Entretanto, a própria televisão acabaria absorvendo as
tecnologias criadas por esses videoartistas.
Ao mesmo tempo em que os experimentos das
instalações de videoarte se aproximavam e secontrapunham às tecnologias de comunicação de
massas da TV, pela utilização dos seus processos e
dispositivos, propunham também distanciamentos e
subversão com a arte de museu e as teorias estéticas
conservadoras na medida em que deslocavam o público
de seu status de espectador para o status de
interventor ou mesmo coautor. Muitos trabalhos de
instalações em videoarte exploraram captação das
imagens dos espectadores colocando-as nos monitores
p
consolidada em linguagens de alta tecnologia se
apropria de elaborações racionais sofisticadas antes
pertencentes somente aos guetos científicos. A ciência,
ao contrário das afirmações de seus fundadores que
viam nas outras áreas um conhecimento baseado
somente em qualidades (diferenças por natureza), no
século XX é subsidiária da arte quantificada e numérica.O fato se intensifica na arte digital do século XXI.
Transformações radicais são sentidas com mais
intensidade e clareza após algum distanciamento histórico
e crítico. Mais do que a percepção da transformação, a
própria velocidade da transformação e a natureza dessa
transformação são sentidas mais. LÈVY (2000, p.28), há
mais de uma década atrás, enfatiza ainda a taxa de
variação da velocidade das transformações, ou seja:
q g
percepção do mundo, a produção artística e o discurso
sobre a arte também é afetado por elas. Entretanto, é
diferente a maneira como as tecnologias afetam a
produção artística e a maneira como essas mesmas
tecnologias afetam a compreensão desses processos.
O descompasso do senso comum e dos artistas de
fronteira é enorme nos dias de hoje. A incompreensãoé tão gritante que confunde até mesmo artistas mais
sintonizados com seu tempo, tal velocidade de
transformação tecnológica e das linguagens de arte que
dela decorrem.
Em meados do século XX, em meio a grande profusão
de propostas artísticas, surge no campo das ciências
um acontecimento importante para compreender a
força dos dispositivos tecnológicos de inteligência
sobre o processo criativo (embora desconhecido pormuitos artistas e críticos de arte até hoje). Conforme
RUSSEL & NORVIG (2004) , em um seminário de dois
meses no Dartmouth College, em 1956, promovido por
John McCarthy (um dos pais da inteligência artificial
como campo transdisciplinar) dois pesquisadores, Allen
Newell e Herbert Simon, roubaram a cena em meio a
vários outros pesquisadores importantes. O programa
de computador apresentado por eles, o “Logic
Theorist”, foi capaz de solucionar e demonstrar a
processo criativo da nossa civilização ocidental. A“inteligência”, ou uma racionalidade maquinal, passa a
colaborar nos procedimentos criativos de artistas,
cientistas e mesmo filósofos.
Antes mesmo do “Logic Theorist”, em 1945, Vannevar
Bush (BUSH, 2003 in WARDRIP-FRUIN, NOAH &
MONTFORT) apresenta seu artigo “As We May Think”
que trata de tecnologias multimidiáticas (na época
apenas em conceito) que tornassem acessíveis ao
suficientemente instruído para lidar com o dispositivo.Alan Turing concebeu o computador para ser uma
máquina universal capaz de computar qualquer coisa
computável. Enfim, estava em germe na sua máquina
universal toda uma ciência que procura recriar
inteligência artificialmente, seja nos moldes dos
humanos ou ao modo de uma racionalidade diferente,
própria da máquina. A prova de uma inteligência
artificial ao modo dos humanos deveria fazer o
computador passar por uma arguição de um humano de
teoremas. O Logical Theorist, apresentado por AllenNewell e Herbert Simon, era um programa, segundo
seus autores, capaz de pensar não numericamente. Sua
arquitetura estava construída sobre sistemas simbólicos
de produção baseados em regras. O programa se
articulava como resultado de um texto formado a partir
de algoritmos que produziam novos textos os quais
eram postos à prova. O texto resultante, que surgia da
nova forma de racionalidade híbrida homem e
computador, era produzido pela primeira vez sem a
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 80/91
158 159
maioria dos teoremas do capítulo 2 do livro Principia
Mathematica de Russel e Whitehead, sendo que uma
dessas demonstrações foi mais curta que a contida no
livro. Ao apresentar o trabalho aos editores do “Journal
of Symbolic Logic” o artigo foi recusado. O motivo foi
que o resultado da pesquisa havia sido creditado pelos
próprios autores não só a eles mesmos, mas tambémao programa que eles implementaram. O “Logic
Theorist” foi recusado como coautor do trabalho. Duas
rupturas se fizeram sentir nesse episódio, a primeira faz
referência à inclusão de um dispositivo tecnológico
como autor de um trabalho criativo, a segunda faz
referência à introdução de novas racionalidades
computacionais no processo de produção de
conhecimento. A inteligência artificial, em sentido
amplo, talvez seja o grande divisor de águas no
usuário a possibilidade de: a) inserção (input) de dados
de diversos matizes (texto, fotografias, sons etc.), b) a
manipulação numérica desses dados e c) sua
divulgação (output). A máquina proposta por Bush
viabilizaria o trabalho impossível aos homens de guardar
e recuperar grande massa de dados na memória,
visualizar, imprimir, e articular sequências de buscacomo se fossem um fluxo de imaginação ou um
caminho de construção de sentido, originado na
arquitetura da informação fundamentada no aparato
tecnológico chamado “Memex”. O Memex, nome da
máquina pensada por Bush a partir da ideia de
“memory extended”, foi concebido como um
dispositivo hipermidiático que traça trilhas de links
informacionais que poderiam ser recuperadas a partir
da manipulação/interação de um usuário
tal modo que fosse indistinguível para o arguidor a
diferença de comportamento racional da máquina em
relação ao seu inquiridor. As estruturas simbólicas do
computador permitiriam que esse pudesse dar
respostas criativas para perguntas genéricas. Estamos
longe disso, mas essa é uma questão que ainda está
sob o foco da ciência.
Toda construção cognitiva teórica e prática até meados
do século vinte foi fundamentada na representação
como pilar de estruturas simbólicas. Essa premissa que
adota as estruturas simbólicas como condição de
entendimento e percepção do mundo foi importante
para a construção dos primeiros modelos
computacionais de inteligência que lograram êxito em
vários terrenos, como, por exemplo, na prova de
responsabilidade estritamente humana. Os
computadores executavam tarefas que os homens não
poderiam fazer e vice-versa. A sensação dos autores
em relação ao seu parceiro maquinal foi a de perceber,
ainda que de maneira não totalmente consciente, o
nascimento, de fato, de um novo tipo de racionalidade
diferente da humana. Até então os textos, ideias, livrosimpressos, por exemplo, como representações
simbólicas veiculados em meio material físico
permaneciam imutáveis em sua configuração material.
As páginas dos livros continuavam as mesmas após a
leitura e as palavras escritas também. A textualidade da
produção intelectual da humanidade realizava-se como
veiculo material imutável na sua existência física,
gravado com signos e símbolos que, embora
carregados de sentidos equívocos e abertos a
interpretações, não modificavam a si mesmos. Nunca,
até o aparecimento da computação, um texto simbólico
veiculado em um meio material foi capaz de dar à luz
outro novo texto que não estava presente sob qualquer
circunstância inteligível no primeiro. Foi em uma
espécie de “materialidade formal” e temporária das
memórias dos computadores que armazenam a
informação, que surgiu a interconexão de dados de
diversas ordens, foi a base comum sobre a qual novos
ordenamentos e configurações simbólicas puderam ser
dispositivo não biológico que tenha comportamento
autônomo capaz de agir no mundo e tomar decisões a
partir de si mesmo, mediante contexto variável e
ambiente não previsível. As primeiras concepções de
inteligência artificial tomaram o homem como
parâmetro e medida. As operações maquinais tentavam
reproduzir o que se sabia da inteligência humana. Mas
foi só por volta de 1989 que Christopher Langton
conseguiu o intento de fazer um trecho de código
reproduzir uma cópia de si mesmo. O texto
regras de produção baseadas nas vizinhanças das
células individuais.
A forma inicial fluía de dentro da cápsula e gerava uma
nova configuração que, ao se separar da configuração
inicial, reproduzia a mesma identicamente. Os “loops”
de Langton, chamados de “Adam”, produziam
continuamente gerações de “Qs”. Toda a informação
contida na configuração original era capaz de se
propagar em um tempo determinado, seguindo os
i’m wchng nw. i lk lke wll
l reprduce elf nd i’m hpng
(he) cnrucn rm lng enugh...
the dugher reprduce perfecly, he
cnrucn ky! Ecly he rgh
lengh! the dugher reprduce !!
We’re ff! (Levy, 1993: p.101)
Chris Langton foi criador do grande campo de estudo
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 81/91
160 161
feitas. Uma mesma base simbólica para todo tipo de
informação reduziu os campos do conhecimento com
suas “linguagens” específicas a um substrato formal
binário geral que traduz todas as formas simbólicas
computáveis. Uma espécie de livro adaptativo e
interativo capaz de se comunicar com seus criadores. A
autonomia dos construtos simbólicos engatinhava.Embora esses avanços tivessem lugar já em meados
dos anos 50, o início da computação foi marcado pela
busca de um programa, que aqui pode ser entendido
como um código simbólico, que reproduzisse a si
mesmo. Como Levy relata (LEVY, 1992), os principais
precursores e criadores dos computadores e de
sistemas de computação, Alan Turing e von Neumann,
tinham em mente, desde o início, a idéia de produzir
vida criada a partir de informação. Vida referente a um
computacional, transmutado em um mundo de
símbolos visuais que surgiam na tela e se reproduziam
em formas iguais às originais, parecia reproduzir o
fenômeno da multiplicação celular e levava mais adiante
a idéia de que uma obra com significado poderia
modificar-se a si mesma, dadas as condições genéticas
(um programa fundamental) e ambientais apropriadas.Langton estava interessado na organização formal que
seria capaz de disparar o processo de autoreplicação.
Ele buscou uma essência formal do fenômeno da
replicação. Langton construiu seu modelo de autômato
celular baseado em um estado inicial na forma de um
Q, um quadrado com um pequeno rabo, envolto em
uma cápsula de estados constantes de células do
autômato. No interior dessas cápsulas estavam
configurados os estados futuros das outras, segundo
passos determinados pelas regras incorporadas aos
estados das células e de sua vizinhança. Não havia
interpretação de significados para a produção dos
processos de replicação, simplesmente regras
determinísticas de produção e um estado inicial
específico. Langton percebeu que o que havia feito não
era de fato algo semelhante à vida no seu aspecto físicoe biológico, mas algo que ia ao encontro dos processos
essenciais e informacionais na organização do
fenômeno da vida. Seu próximo passo seria pesquisar
os efeitos da evolução (herança, variação e seleção)
nesses tipos de mecanismos celulares. Levy [1993:
p.101] assinala a passagem que Langton descreveu ao
verificar o processo executado em seu computador.
Uma passagem que lembra o êxtase de Miguelângelo
diante de Moisés – “parla!”. .
que ele denominou Vida Artificial, ou Artificial Life, Alife
por abreviação. Bedau (BEDAU, 2003) define a Alife
como um campo vasto e transdisciplinar que procura
abstrair da vida seus aspectos formais para programar-
los em sistemas computacionais. Essa atitude tem um
viés epistemológico que procura, ao modelar as
dinâmicas da vida, entender a vida como ela é.Entretanto, há outro viés da Alife que procura criar vida
“em silício”, como ela poderia ser. São sistemas que
estabelecem dinâmicas semelhantes em algum
aspecto aos fenômenos da biologia que não são
representações da natureza, mas construtos que têm
características formais de vida não necessariamente
encontradas em animais “naturais”. Enfim, a alife
estuda, por meio de modelagem computacional, a vida
como ela poderia ser. A Alife está intimamente ligada à
inteligência artificial (IA), aos sistemas complexos e aos
sistemas evolucionários. O desenvolvimento dos
sistemas computacionais permitiu que fossem criados,
via código, entidades computacionais conhecidas como
agentes virtuais, ou bots (robôs digitais). O computador
reduziu, com sua linguagem binária universal, as
informações de diversos matizes em estruturas digitais
subsimbólicas. A sopa digital foi o caldo que permitiu a
evolução de várias disciplinas, bem como tornou
difusos seus limites e definições. Os sistemas
i i di i li
nihilo sempre existiu e teve seus expoentes simbólicos
registrados, por exemplo, nas marteladas de
Michelangelo em sua obra Moisés que exigia que sua
estátua falasse. Frankestein é outra narrativa que
exprime o desejo escondido de uma relação emotiva e
afetiva entre criador e criatura. A interface entre
homem e computador tende a desaparecer no limite.
Ao contrário dos modelos científicos de explicação do
mundo baseados em abordagens analíticas top-down,
d i i d Alif d b d
algoritimica de comportamento de bandos para animar
peixes, manadas de búfalo entre outros efeitos
realizados por ele na indústria cinematográfica. Os
boids, assim chamados pelo seu inventor, são robôs
virtuais autônomos, no que se refere ao seu
deslocamento e locomoção auto-orientada em
ambientes com obstáculos. Mais uma vez a mente
humana caminha na direção de conferir autonomia à
sua criação, seja estética ou científica.
F i i l i i
computacionais como modelos de sistemas complexos,
de vários matizes midiáticos, permitem a emergência de
propriedades que não se encontram explicitamente
representadas no próprio texto. Embora os mundos
virtuais, como diz Casti (CASTI, 1997), partam de regras
determinísticas, sua dinâmica é absolutamente
imprevisível. Por propriedade emergente entendemos
um nível de realidade que surge em consequência da
conexão de dois ou mais agentes. Por exemplo, as
propriedades da água emergem da relação entre átomos
d i i hid i i
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 82/91
162 163
computacionais nascem transdisciplinares.
Artistas de fronteira logo foram influenciados sobre o
imenso potencial estético ligado à vida artificial e à
inteligência artificial. Eduardo Kac realizou um trabalho
que conecta ciência da informação, biologia, ciência da
computação, interação dialógica para conceber eproduzir “Genesis” . Sua tradução do trecho do
Gênesis da Bíblia foi codificada em sequências de DNA
e implantada biologicamente em seres vivos. Após
intervenção de usuários via web, que comandavam à
distância luzes que produziam efeitos mutantes nos
seres em vitro, as sequências de DNA foram retiradas
dos organismos e relidas após a mutação genética e
impressas para comparação com o trecho original. A
ideia comum entre cientistas e artistas de criação ex
os mundos virtuais da Alife partem de abordagem
sintética botton-up. Nesse sentido os sistemas
complexos pouco entendidos por metodologias
analíticas foram iluminados com uma metodologia que
permite seu estudo a partir de elementos simples e
conectados uns aos outros, caso típico da ideia do
emaranhamento e da volta estranha de Hofstdter.Modelos como esse são chamados de conexionistas e
são capazes de simular comportamentos coletivos
animais ou sociais, com muito mais propriedade e
eficiência que qualquer outro modelo de sistemática
top-down. Os algoritmos de Craig Reynolds – swarm
behavior – conseguiram modelar o comportamento
complexo de bando a apartir de regras locais simples. O
cinema de animação e de efeitos especiais lança mão
sistematicamente de suas descobertas na decrição
Fenômenos sociais, culturais e econômicos, entre
outros, que tenham um elevado número de entidades
em interação e com alto grau de verossimilhança com as
entidades do dito mundo real são objetos adequados à
modelagem conexionista por agentes autônomos. É
possível estudar sistemas altamente complexos como
trânsito em grandes cidades, bolsa de valores, vida deum formigueiro, etc. Os agentes, instâncias de textos
formalizados em códigos, são capazes de aprender com
a experiência, evoluir aos moldes da seleção natural e
tomar decisões baseadas em sua constituição genética
informacional e no ambiente dinâmico no qual estão
inseridos. Dessa forma estamos diante de um texto com
gramática, sintaxe e semântica definidas, que pode ser
instanciado formalmente em um sistema computacional.
As regras totalmente determinísticas de textos
de oxigênio e hidrogênio sem que estivessem presentes
nos seus constituintes. O sistema, ao contrário de ser
reducionista, é sintético. Outra propriedade interessante
dos mundos virtuais como nova forma de textualidade é
a idéia de experimentação. Para além da interpretação
dos textos convencionais, é possível interagir nos
mundos virtuais baseados em agentes para modificarsuas condições existenciais. Em outras palavras, o texto
pode ser experimentado sensorial e intersubjetivamente.
Estamos diante da emergência de um texto que caminha
em direção à autopoiésis, autonomia e evolução.
Sistemas complexos, formalizados em códigos de
programação, também são largamente usados em
trabalhos de arte computacional como forma de
produzir comportamentos emergentes a partir de vários
agentes simples interagindo entre si. Existem muitos
trabalhos baseados em algoritmos de bando criados por
Craig Reynolds . Instalações como a de Karl Sims e
Ken Rinaldo usaram esse tipo de linguagem artística
baseada em códigos digitais que simulam
comportamentos emergentes. Karl Sims expôs em
1997 uma obra de vida artificial que simula o
crescimento e comportamento de uma população de
animais abstratos, como descreve o autor:
“Glpg n nercve Drwnn
sonoras que manifestam comportamento de bando,
como proposto pelos algoritmos de Reynolds. O
comportamento das esculturas, expresso em sons e
movimentos, é emergente e depende da relação entre
as esculturas entre si e os interatores. O ambiente da
instalação abriga vários braços robóticos que têm
sensores de proximidade dispostos em posições
específicas de modo a perceber a aproximação dos
interatores de acordo com a aproximação cada braço se
movimenta em direção ao usuário próximo. Um
algoritmo de segurança restringe o movimento de
espectador/autor/obra/processo. A computação física
possibilitou um diálogo entre homem e máquina através
de vários modelos de disciplinas que estudam o
comportamento comunicacional entre homem e
máquina – IHC – interação Homem Computador. Um
dos campos em desenvolvimento que promete mudar a
maneira como vemos a nós mesmos e como podemos
nos comunicar com os computadores é a computação
emotiva. As interfaces que conectam mundos, homens
e máquinas em vários níveis, do mais ínfimo dos
processos moleculares até o cosmos foram objeto de
impactos na produção da arte contemporânea, no
campo da filosofia da arte e em outros campos, como
defendem Chritiam Peter e Russel Beale (PETER &
BEALE, 2008), tais como: Fundamentos teóricos
(representação das emoções. Aspectos legais e éticos);
Emoção e afeto como inputs (sensores multimodais,
redes de sensores, análise de dados); Emoção e afeto
como output (aplicações web com agentes, ambientes
inteligentes, dispositivos móveis e robótica);
Usabilidade e experiência do usuário. A computação
afetiva e emotiva conecta em níveis profundos os
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 83/91
164 165
Glpg n nercve Drwnn
evlun f vrul “rgnm.” twelve
cmpuer mule he grwh nd
behvr f ppuln f brc
nmed frm nd dply hem n welve
creen rrnged n n rc. the vewer
prcpe n h ehb by elecng whch
rgnm hey fnd m eheclly
nereng nd ndng n ep enr
n frn f he dply. the eleced
rgnm urvve, me, mue nd
reprduce.
Ken Rinaldo é um artista digital que trabalha com
instalações robóticas entre outras formas de expressão.
Uma de suas instalações é um grupo de esculturas
algoritmo de segurança restringe o movimento de
modo que os braços não toquem o usuário. Por sua
vez, o braço movimentado afeta o comportamento de
outros e assim sucessivamente. Nem os participantes
nem o autor podem descrever para qual estado o
sistema irá caminhar. Os sistemas complexos
programados são completamente determinísticos, masimprevisíveis e mesmo caóticos.
As interfaces e a interatividade entre homens e
máquina foram e continuam sendo para a arte
computacional preocupação de primeira ordem. Mas se
ciência e arte tentaram formalizar outros tipos de vida,
para além da vida em cadeias de carbono, faltou a essa
vida a comunicação de emoções e afetos entre criador
e criatura, intermediados e transformados pelo
processos moleculares até o cosmos foram objeto de
estudo e experimentação por parte dos artistas
computacionais. Interface segundo MEADOWS (2003)
é algo relacionado com engajamento, imersão,
participação, resposta e reação. Quando os termos
engajamento e imersão são colocados em campo de
discussão, as questões psicológicas de atenção, prazere desejo entram em cena. Depois da inteligência
artificial, da vida artificial e dos mecanismos racionais
terem sido implementados em sistemas
computacionais e apropriados pela arte das novas
mídias, a emoção e o afeto começam a despontar
como novas conexões entre humanos e máquinas. O
termo Affective Computing cunhado por Rosalin Picard
do MIT abre as portas para uma nova exploração
conceitual, científica e tecnológica que terá profundos
afetiva e emotiva conecta em níveis profundos os
sistemas computacionais com os usuários coafetivos. É
possível que estes sistemas de racionalidade maquinal
possam saber mais profundamente sobre os estados
emotivos do espectador do que o próprio espectador
em seu nível racional. Não é de se espantar que as
aplicações no campo da pedagogia, cognição,neurociência entre tantos outros venham a se beneficiar
da transdisciplinaridade desse assunto vasto e
importante para a compreensão do que chamamos de
mente. Como destacam (CASTELLANO, KESSOUS
&CARIDAKIS, 2008) o objetivo de vários estudos neste
campo é prover à máquina um envolvimento afetivo
com o usuário desenvolvendo sistemas capazes de
expressar emoção, requisito básico para a comunicação
com os humanos. Interfaces multimodais que
funcionem como dispositivos de aquisição de dados
biométricos como câmeras para reconhecimento facial,
sensores para batimentos cardíacos, galvanômetros,
equipamentos de monitoramento de atividade neural,
sensores de pressão sanguínea entre outros
dispositivos formam um arsenal que pode conectar o
usuário e seus estados emocionais (ainda que
imprecisamente, embora com boa aproximação) com
uma máquina capaz de se modificar para se adequar a
um diálogo mais afetivo e efetivo. PICARD (2004) fala
que o uso dos computadores como modelo metáfora e
Trabalhos como de Paul Ekman sobre a relação entre
as expressões faciais e os estados emotivos são
amplamente usados no campo da animação tradicional
e da animação procedural. Para o autor emoções
determinam a qualidade de nossas vidas. Na mesma
linha autores como Mihaly Csikszentmihalyi buscam
explicações para a relação profunda entre o
comportamento das pessoas e seus sentimentos,
emoções e afetos. Em seu livro FLOW, o autor
descreve os estados de fluxo como estados de extrema
atenção associados a recompensas psicológicas No
as duas extremidades é um desafio grande para os
designers de jogos, os grandes arquitetos da arte
popular contemporânea. A idéia de imersão
característica dos ambientes de realidade virtual, jogos
digitais hoje está estritamente relacionada como o
sentimento de flow – atenção, exitação, controle e
recompensa. A arte não pode virar as costas para as
descobertas nesse campo. Artistas sempre foram
considerados pessoas que têm criatividade e
capacidade de apreensão da realidade muito
sofisticada Cada vez mais as ferramentas tecnológicas
chegue er ulzd. Nee
c rmdlh cne
n d de ue ne de
pder cmpreender uluer
mengem necer
dpr de um mengem
ue dg cm cmpreender
uel mengem; em ur
plvr, h um herru
nfn de nve de mengen
ue mpede ue uluer
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 84/91
166 167
que o uso dos computadores como modelo, metáfora e
ferramenta de modelagem tem sido enfatizado,
privilegiando a abordagem cognitivista informacional,
sem levar em conta o caráter do afeto e da emoção na
produção de conhecimento. Da mesma maneira os
artistas computacionais colocaram o acento na questão
corpórea e na racionalidade maquinal. A computação
afetiva é um campo a ser explorado por teorias
estéticas que até hoje se valem principalmente de
argumentos de ordem filosófica para tentar estabelecer
um estatuto da arte. Conhecer como nós conhecemos
o mundo e nos interessamos por ele é fundamental
para compreender os limites, possibilidades e alcances
de uma atitude criativa. O próprio conceito de
criatividade se expande face aos novos modos de lidar
com sentimentos, afeição, emoções e desejos.
atenção associados a recompensas psicológicas. No
estado de fluxo o sujeito experimenta uma suspensão
de temporalidade e espacialidade. É como se nada
estivesse perto do assunto de sua atenção e como se o
tempo fosse suspenso. Ele caracteriza os estados de
flow (fluxo) como uma região em um espaço
psicológico entre a exitação e o controle. Nos jogos
digitais os game designers utilizam suas teorias em
testes de jogabilidade para tentar equilibrar desafios e
habilidades. Se o desafio é muito maior do que as
habilidades e capacidades do jogador/interator há um
sentimento de frustração e o jogador pode abandonar o
jogo com um sentimento negativo. De maneira análoga,
mas oposta, se o desafio é pequeno para as habilidades
e capacidades do jogador há um sentimento de tédio
que também afasta o jogador. O equilíbrio exato entre
sofisticada. Cada vez mais as ferramentas tecnológicas
colocam aos artistas desafios imaginativos. Cabe a eles
decidirem se haverá “flow” ou não nessa viagem entre
a interação, inteligência e emoção.
Notas
1)“... rmdlh cne n
d de ue ne de ur
um regr necer dpr
de um regr ue dg cm
ur uel regr; em ur
plvr, h um herru
nfn de nve de regr ue
mpede ue uluer regr
ue mpede ue uluer
mengem chegue er
cmpreendd. Cnud, d
nó bem ue ee
prd ã nvld, p
regr ã ulzd e
mengen ã cmpreendd.
Cm pde?” (p.184).
2) the gl f n mmerve
envrnmen, wh VR,
gve uer he mpren h
hey re n phycl pce h
eem rel, hugh , n fc,
rfclly creed. (cp. 19).
.3) “o terem de Gödel
prece cm Prpçã
Vi em eu rblh de 1931
nuld “sbre prpçõe
frmlmene ndecdve
em Prncp Mhemc
e em crr el”. seu
enuncd egune
[...] td frmulçõe
mc cnene d
ter d Númer ncluem
prpçõe ndecdve
humn deve chr mu
deprmene um vgem pel
cul vne. Mu d
reuld m prfund
e bem dcumend d
cnc nee cul frm
frmçõe bre ue nã
e pde ber e ue nã
e pde fzer. Prvvelmene
m fm reuld
lmdr dee p enh
er um prgrm e eu
dd pr ber e ele r prr
n me d prcemen d
dd. M recenemene,
Gregry Chn emnu
nçã gödelenn d
prvbldde prr de
um perpecv d er
d nfrmçã, decbrnd
eempl eplc de
prpçõe rmc mple
nã ã enun nã ã.” (fr.
1, Del). o gnfcd de
ee fm f eclrecd
pel prmer vez pr Plã,
cuj nerpreçã cnnuu
e cnnu merecer crd.
segund Plã, Prgr
preend dzer ue “ c
ngulre ue me precem,
m ã pr mm, e uel
ue e precem, m ã
7)the elemen f cnrlled
rndmne h emerge n
Dd, ouLiPo, nd he wrk
f Duchmp nd Cge pn
ne f he bc prncple
nd m cmmn prdgm
f dgl medum: he cncep
f rndm cce b
fr prceng nd emblng
nfrmn
un cmumene uurpd
pel prpgnd e pel me
de cmuncçã de m
cnvencn.
11) RUssELL, sur &
NoRViG, Peer. inelgnc
arfcl. R de Jner:
Edr Cmpu, 2004
12) VaNNEVaR, Buh n
14) aum celulre
(Ca) ã mdel ue frm
cncebd pr vn Neumnn
e Ulm, pr eudr prce
blógc de u reprduçã.
sã cnud de elemen
dcre, rrnjd em um
grd de epçmen dcre
e regd pr regr ue levm
em cn u vznhnç. o
em evlu em p
e f vlue. WoLFRaM,
sephen. Cellulr aum
smple self-orgnzng syem.
1982. Dpnvel em: <hp://
www.ephenwlfrm.cm/
pdf/Cellulr-aum-self-
orgnzng-syem-sephen-
Wlfrm-arcle.pdf.> ace
em: 08 de g de 2012.
15) Gene rngenc
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 85/91
168 169
p p ç
[...] Cm efe, j br de
gn mple ueã d
lgçã d de d frmçõe
ureferene cm ter
d Númer. a nur ue l
frmçã pd er relzd,
Gödel ev rnpnd
bcul prncpl.
4) Casti (1998) “algum ue
enh d cnmnd pel
de de ue mene humn
lmd em u cpcdde
de dr rep pergun
bre un nur e
p
d terem gödeln d
incmpleude, egund ul
nenhum em de nfernc
deduv cpz de, und
lngugem d em, dr
rep d ueõe
ue pdem er frmuld
bre númer. Em reum,
d em ufcenemene
fre, cnvncene e lógc
ncmple. algun n m
rde turng, demnru um
erçã euvlene cerc de
cmpudre, ue frm nã
hver me emc pr
p p çõe c p e
cuj verdde u fldde nã
pde er cnhecd egund-e
regr deduv de uluer
em lógc.”
5) aBBaGNaNo (1985) fl
bre e eemplr fre d
f: ”Prgr epreu
puld fundmenl d
enn fc n fm
prncp ue ncv br
sbre Verdde:” “o hmem
medd de d c
(chrm), d c ue ã
enun ã e d c ue
ue e p ece , ã
pr ; dd ue hmem u
e hmem eu u; e ue,
prn, denfcv prnc
e ençã, frmnd u
prnc e ençã ã
empre verdder prue “
prnc empre d c
ue ”; , enend-e, pr ee
u uel e hmem ”.
6) Dpnvel em < hp://
p.wkped.rg/wk/
Dd%C3%aDm>. ace
em 01/09/20122
8) GiaNNEtti, Clud. a
Ec Dgl. snp d
are, cnc e tecnlg.
Bel Hrzne: C/are, 2006
9) RUsH, Mchel. Nv
Md n are Cnemprâne.
sã Pul: Mrn Fne,
2006. alm de crcr
elevã, vr d prmer
vder drm
ecnlg d câmer e
crrm me de epreã
nvdre ue erm n
ud pr ur r,
) , u
WaRDRiP-FRUiN, NoaH &
MoNtFoRt, Nck. the New
Med Reder. Usa: Mit
Pre, 2003.
13)“...He h dze n f pbl y
pernen bk nd rcle
n h meme. Fr he run
hrugh n encyclped, fnd
n nereng bu kechy
rcle, leve prjeced. Ne,
n hry, he fnd nher
pernen em, nd e he
w geher. thu, he ge,
buldng rl f mny em.”
e e u e p
dcre. WoLFRaM (1982)
defne um Ca elemenr
cm: an ̀ `elemenry’’
cellulr umn cn f
euence f e crryng
vlue 0 r 1 rrnged n lne.
the vlue ech e evlve
deermnclly wh me
ccrdng e f defne
rule nvlvng he vlue f
nere neghbur. in
generl, he e f cellulr
umn my be rrnged
n ny regulr lce, nd ech
e my ke n ny dcree
15) Gene rngenc
rwrk h eplre he
nrce relnhp beween
blgy, belef yem,
nfrmn echnlgy,
dlgcl nercn, ehc, nd
he inerne. the key elemen f
he wrk n “r’ gen e”,
ynhec gene h w c reed
by Kc by rnlng enence
frm he bblcl bk f
Gene n Mre Cde, nd
cnverng he Mre Cde n
DNa be pr ccrdng
cnvern prncple peclly
develped by he r fr h
wrk. the enence red: “Le
mn hve dmnn ver he
fh f he e, nd ver he
fwl f he r, nd ver every
lvng hng h mve upn he
erh.” i w chen fr wh
mple bu he dubu
nn--dvnely ncned--f
humny’ upremcy ver
nure. Mre cde w chen
becue, he fr emple
hen bck n Englh. the
mun h k plce n he
DNa hd chnged he rgnl
enence frm he Bble. the
mued enence w ped
n he Gene web e. in he
cne f he wrk, he bly
chnge he enence
ymblc geure: men h
we d n ccep menng
n he frm we nhered , nd
Newn. o em mple
ue empre envlvem
um númer de elemen
ndvdu cm nerçõe
relvmene frc enre
ele, u em, cm ge
cmprmd u gl
dne cmp pr um
númer ã grnde de bje
ue pdem empregr
cnc ec pr
cnrle cenrlzd nee
em; nenhum mr,
cmercne u mlcul em
ce ue ur eã
fzend, de frm ue
gene num em cmple
mm u decõe e
ulzm u regr de çã
cm be em nfrmçõe
lc, nv de glb.”
fllw h crrdr, jn h
grup f chrcer...) th
pper dvde mn behvr
n hree level. i wll fcu
n he m ddle level f eerng
behvr, brefly decrbe he
lwer level f lcmn, nd
uch l ghly n he hgher level
f gl eng nd regy.
Dpnvel em < hp://www.
red3d.cm/cwr/pper/1999/
red3d.cm/cwr/ ced em
19 de m de 2011
19)“Glpg n nercve
med nlln h llw
vr “evlve” 3D nmed
frm. i w nlled he iCC
n tky frm 1997 2000, nd
w ehbed he DeCrdv
Mueum n Lncln, M.
pr f Mke Yur Mve:
21) EKMaN, Pul. Emn
Reveled. Recgnzng
Fce nd Feelng imprve
Cmmuncn nd
Emnl Lfe.New Yrk:
tme Bk, 2003.
REFERêNCias BiBLioGRáFiCas.
BEDaU, Mrk. arfcl Lfe. Dpnvel em: < hp://www.
reed.edu/~mb>. ace em 24/02/2003.
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 86/91
170 171
f he ue f rdelegrphy,
repreen he dwn f he
nfrmn ge--he gene
f glbl cmmuncn. the
Gene gene w ncrpred
n bcer, whch were hwn
n he gllery. Prcpn n he
Web culd urn n n ulrvle
lgh n he gllery, cung
rel, blgcl mun n
he bcer. th chnged he
bblcl enence n he bcer.
afer he hw, he DNa f
he bcer w rnled
bck n Mre cde, nd
h new menng emerge
we eek chnge . Dpnvel
em < hp://www.ekc.rg/
gennf2.hml.>. ace em 8
de g de 2012.
16) C [1998, p ]“o
em cmple eã
preene em pdrõe de
rfeg n rede de rnpre
urbn mvmen d
preç n mercd fnncer.
Ele ã fundmenlmene
dferene d em mple
cm mecânc clc de
eudr eu cmprmen.
o em cmple
envlvem um númer
nermedr de gene:
mr, cmercne,
mlcul. N em
cmple gene ã
ue empre nelgene e
dpv, n end de ue
m u decõe de crd
cm vr regr e ã cpze
de mdfcr u própr
regr de uçã cm be em
nfrmçõe nv ue venhm
durr. Nã h ddre nem
17)th pper preen
lun fr ne reuremen
f unmu chrcer
n nmn nd gme: he
bly nvge rund
her wrld n lfe-lke nd
mprvnl mnner. thee
“eerng behvr” re lrgely
ndependen f he prculr
f he chrcer’ men f
lcmn. Cmbnn f
eerng behvr cn be ued
cheve hgher level gl
(Fr emple: ge frm here
here whle vdng bcle,
gdc99eer.pdf>. ace em 08
de g de 2012.
18)“ My nere cener
rund ung prcedurl
mdel (cmpuer prgrm)
mule cmple nurl
phenmenn. thee
mdel cn de cenfc
underndng f he nurl
yem. they l llw
u recree nd cnrl
he phenmenn fr ue n
nmn, gme nd he r”
Dpnvel em hp://www.
inercve Cmpuer ar nd he
Bn Cyberr Fevl 1999”
Dpnvel em hp://www.
krlm.cm/ ced em 19
de m de 2011.
20) the Flck grup f
mucl nercve und
culpure whch ehb
behvr nlgu he
flckng fund n nurl grup
uch brd, chlng fh r
flyng b. Dpnvel em hp://
kenrnld.cm/ ced em
19 de m de 2011
CastELLaNo Gnevr, KEssoUs, Lc & CaRiDaKis,
GEoRGE. Emn Recgnn hrugh Mulple Mdle:
Fce, Bdy, Geure, speech. 2008 n PEtER Chrn &
BEaLE (oRG.) Ruel. affec nd emn n Humn-
Cmpuer inercn. Frm thery applcn. Germny:sprnger, 2008.
Casti, Jhn. Mund Vru – Cm a Cmpuçã E
Mudnd a Frner D Cnc. sã Pul: Revn, 1997.
EKMaN, Pul. Emn Reveled. Recgnzng Fce nd
Feelng imprve Cmmuncn nd Emnl Lfe.New
Yrk: tme Bk, 2003.
FRaNKLiN, sn, Mene arfc. Lb: Relóg
D’águ, 2000.
GiaNNEtti, Clud. a Ec Dgl. snp d are,
cnc e tecnlg. Bel Hrzne: C/are, 2006.
LEVY, seven. arfcl Lfe. New Yrk: Vnge Bk, 1993,
LèVY, Perre. a idegrf Dnâmc. sã Pul: Edçõe
Lyl, 1998.
___ ___ __ a tecnlg d inelgnc: fuur
d penmen n er d nfrmc. R de Jner:
Edr 34, 1993.
PaUL, Chrne. Dgl ar. sngpre: thme & Hudn, 2008.
PEtER Chrn & BEaLE (oRG.) Ruel. affec nd emn
n Humn-Cmpuer inercn. Frm thery applcn.
Germny: sprnger, 2008.
REYNoLDs, Crg. Dpnvel em hp://www.red3d.cm/cwr/
ce em 19 de m de 2011.
RUsH Mchel Nv Md n are Cnemprâne sã
siMs, Krl. Dpnvel em <hp://www.krlm.cm/>.
ace em 19 de m de 2011.
VaNNEVaR, Buh n WaRDRiP-FRUiN, Nh & MoNtFoRt,
Nck. the New Med Reder. Usa: Mit Pre, 2003.
WoLFRaM, sephen. Cellulr aum smple self-
orgnzng syem. 1982. Dpnvel em: <hp://www.
ephenwlfrm.cm/pdf/Cellulr-aum-self-orgnzng-
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 87/91
172 173
GosCiLa, Vcene. Rer pr nv md. D cnem
à md nerv. sã Pul: Edr sENaC, 2008.
GUiMaRÃEs, Ângel M. & Dias, Renlde. ambene de
prendzgem: reengenhr d l de ul. 2003 n Ccrell,
Crl Vn. Nv tecnlg, Nv te, Nv Frm de
Penr (rg.). Bel Hrzne: aunc, 23-42.
KaC Edurd. Dpnvel em hp://www.ekc.rg/kc2.hml
ce 19 de m de 2011.
___ ___ ___ Cberculur. sã Pul : Edr 34, 2000.
MaCHaDo, arlnd. are e Md. R de Jner: Zhr, 2007.
MiLLER, Crlne Hndler. Dgl sryellng. a Crer´
Gude inercve Enernmen. amerdm (ec.):
Fcl Pre, 2004.
MiHaLY, Ckzenmhly. Flw. HrperClln e-bk, 2008.
RUsH, Mchel. Nv Md n are Cnemprâne. sã
Pul: Mrn Fne, 2006.
RUssEL, sur & NoRViG Peer. arfcl inellgence. a
Mdern apprch. New
Jerey: Pern Educn, 2003
saNtaELLa, Lúc. Cberre de a Z. in DoMiNGUEs,
Dn. Crçã e nervdde n Cberre. sã Pul:
epermen, 2002.
syem-sephen-Wlfrm-arcle.pdf.> ace em: 08 de
g de 2012.
Relações Internacionais MIB
Giussi Zamana
Agenciamento Artístico
Agência Filtro
Produção Audiovisual
Tarley Mccartiney
Produção FAD Galeria
Marina Santos
Gestão Financeira
Luciene Eller
Consultoria
Diversas Consultoria Cultural
José Junior de Oliveira Santos
Concepção, Direção - Curadoria
Henrique Roscoe
Tadeus Mucelli
Assistente de Direção
Mariana Duarte
Coordenação do Simpósio
Assessoria de Imprensa
A Dupla Informação, Fábio Gomides, Cristiana Brandão,
Conceição
Redes sociais
Monica Boscarino
Revisão
Melissa Boechat
Marcelo Belico
Henrique Roscoe
Ficha Técnica
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 88/91
174 175
Rodrigo Furtini
Produção FAD Simpósio e Laboratório
Alexandre Milagres
Produção FAD Performance
Licio Daf
Promoção
Romã Midia Livre
Video Cenografia
1mpar
Coordenação do Simpósio
Henrique Roscoe
Tadeus Mucelli
Publicação Livro “FAD - Retrospectiva”
Henrique Roscoe, Tadeus Mucelli, Francesco Salizzoni, Ana
Paula Baltazar, Jose dos Santos Cabral Filho, Romero Tori,Sandro Canavezzi, Daniela Kutschat, Eduardo de Jesus,
Sonia Laboriau, Gilberto Prado, Patricia Moran, Eric Marke,
Marinza Gazire Lemos, Nacho Duran, Chico Marinho
Coordenação Educacional - Monitoria
Alexandre Milagres
Produção Executiva
Larissa Alves, Rodrigo Furtini, Licio Daf, Marina Santos
Projeto Gráfico
Brayhan Hawryliszyn
Sillas Maciel
Fotografia
Bruna Finelli
Site
Inácio Fonseca
Relações Internacionais
Henrique Roscoe , Larissa Alves, Tadeus Mucelli
1) Arte eletrônica
2) Cultural digital
3) Festival de Arte Digital
4) Multimídia interativa
Ficha Catalográfca
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 89/91
176 177
5) Objetos de arte - Exposições - Catálogos I. Roscoe Hen-
rique. II. Mucelli, Tadeus. Título: FAD - Festival de Arte Digital
- Restrospectiva
Índice para catálogo sistemático:
1) Cultura digital na arte 700.285 | 2. Linguagem eletrônica
na arte 700.285
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 90/91
ISBN 978-85-63921-01-7
1. Arte eletrônica 2.Cultural digital 3. Festival de Arte Digital 4.Multimídia interativa
5. Objetos de arte - Exposições - Catálogos I. Roscoe Henrique. II. Mucelli, Tadeus.
7/24/2019 FAD Retrospectiva
http://slidepdf.com/reader/full/fad-retrospectiva 91/91
180
5. Objetos de arte Exposições Catálogos I. Roscoe Henrique. II. Mucelli, Tadeus.
TÌtulo: FAD - Festival de Arte Digital - Retrospectiva
Índice para catálogo sistemático:1. Cultura digital na arte 700.285 | 2. Linguagem eletrônica na arte 700.285