essencia do evangelho de paulo

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  • 7/29/2019 Essencia Do Evangelho de Paulo

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    A essncia do Evangelho

    de Paulo

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    Marcos Granconato

    A essncia do Evangelho

    de Paulo

    So Paulo / 2009

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    Dados Internacionais de Catalogao na PublicaoCIP-Brasil. Catalogao na fonte

    G7624e Granconato, MarcosA essncia do evangelho de Paulo/Marcos Granconato

    So Paulo: Arte Editorial, 2008160 p.: 14X21 cm

    ISBN: 978-85-98172-38-5

    1. Evangelho 2. Carta de Paulo I. Titulo

    226 CDD

    Copyright 2009 por Ar te Editorial. Todos os direitos reservados.

    Coordenao editorial e projeto grfico: Magno PaganelliReviso: Marcelo Smeets1 Edio: janeiro / 2009

    Publicado no Brasil por Arte Editorial

    Todas as citaes bblicas foramextradas da Nova Verso Internacional(NVI), 2001, publicada pela EditoraVida, salvo indicao em contrrio.

    Rua Parapu, 574 - Itaberaba02831-000 - So Paulo - [email protected]

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    Prefcio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

    Aspectos Introdutrios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11Autoria, data e destinatrios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11Ocasio e propsito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .12

    Contribuio para a doutrina crist. . . . . . . . . . . . . . . . . .14

    1 - O EVANGELHO VERDADEIROE SUA SINGULARIDADE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

    Saudaes iniciais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17A ameaa de um outro evangelho. . . . . . . . . . . 20A origem divina do evangelho. . . . . . . . . . . . . . . 25

    2 - O EVANGELHO VERDADEIRO ESUA INDEPENDNCIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

    A unidade apostlica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35A simulao de Pedro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .42

    3 - O EVANGELHO VERDADEIRO E SEU PODER. . . . . . 49A inutilidade do zelo legalista. . . . . . . . . . . . . . . . 49A bno que vem da f. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55A maldio da lei. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

    A harmonia entre a promessa e a lei. . . . . . . . . . 63

    SUMRIO

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    6 A ESSNCIA DO EVANGELHO DE PAULO

    4 - O EVANGELHO VERDADEIRO E A LIBERDADE. . . . . . . . 73

    O fim da escravido. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73O perigo de uma nova escravido. . . . . . . . . . . . . . . . 78Apelos, lembranas e anseios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81O contraste entre Sara e Hagar. . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

    5 - O EVANGELHO VERDADEIRO E ASVIRTUDES ESPIRITUAIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .99

    Prejuzos do legalismo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

    Uma corrida interrompida. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106O amor o cumprimento da lei. . . . . . . . . . . . . . . . . . 113A vida sob o controle do Esprito. . . . . . . . . . . . . . . 115

    6 - O EVANGELHO VERDADEIRO E OSDEVERES CRISTOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129

    Cuidando dos outros e de si mesmo. . . . . . . . . . . 129A colheita futura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133O que realmente importa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137

    APNDICE - O CURSO POSTERIOR DOLEGALISMO JUDAICO-CRISTO. . . . . . . . . . 143

    NOTAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151

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    Senhor Deus nico, Deus Trindade, o quedisse nestes livros, de teu, reconheam-noos teus; o que neles disse de meu, perdoa-me Senhor, e perdoem-me os teus. Amm.

    (Agostinho de Hipona.De Trinitate)

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    Quando comecei a estudar teologia, quatro dcadas atrs,um livro foi muito importante para mim. Tratava-se docomentrio de Merrill C. Tenney sobre a carta de Paulo aosGlatas. Alm de trazer uma significativa contribuio defesada suficincia e exclusividade da graa, Tenney ensinava seus

    leitores, mesmo os mais inexperientes e desavisados, comoeu, a ler a Bblia com mtodo e objetividade.

    Quarenta anos depois, percebo que a Igreja no aproveitouo suficiente daquela histrica publicao. Legalismos dediversos matizes e matrizes ameaam roubar igreja brasileiraa singeleza de sua f, oferecendo outros (e falsos) evangelhos,apelando mesma insensatez que atacou os glatas de outrora.

    Tenho, em tal situao, a alegria e a honra de apresentar

    Igreja brasileira um novo comentrio sobre a carta aosGlatas. O que me influenciou, trazia a marca de algum quefez da ctedra um plpito; o que apresento, A Essncia doEvangelho de Paulo, traz a marca de algum que faz do plpitouma ctedra que, como eu, ainda acredita que uma igrejaforte tem um plpito onde o ensino da Palavra filtra e corrigeas cosmovises oferecidas igreja pela mdia secular e,infelizmente, por alguns que mercadejam a Palavra de Deus

    por todos os meios que a (ps-) modernidade oferece.

    prefcio

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    10 A ESSNCIA DO EVANGELHO DE PAULO

    Marcos Granconato refuta tais idias de maneira persuasiva

    e simples, sem deixar de lado a erudio. Professores e pastoresusaro com proveito este livro, tanto em seu preparo para aaula quanto para o sermo. Opinies divergentes tero de lidarcom os argumentos apresentados neste livro, sob pena deignorarem evidncia relevante e parecerem, assim,preconceituosos.

    A Essncia do Evangelho de Paulo desafia o leitor adesfrutar da aventura da graa aventura que, embora no

    isenta de perigos, oferece eterna segurana com base exclusivae suficiente nos mritos de Jesus Cristo, nosso grande Deus eSalvador, cuja vinda a bendita esperana da Igreja.

    Carlos Osvaldo Cardoso PintoProfessor, autor, e telogo

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    AUTORIA, DATA E DESTINATRIOS

    A Epstola aos Glatas foi escrita pelo apstolo Paulo. Aindaque um pequeno grupo de crticos tenha levantado objeescontra a origem paulina, as evidncias internas apontam

    claramente para Paulo como o autor dessa carta (Cf. 1.1). Naverdade, o calor e a autoridade com que a epstola trata doproblema dos falsos mestres, considerando-os uma terrvelameaa contra o evangelho e contra a prpria igreja, socaractersticas prprias de um missionrio e lder zeloso, quese v no dever de cuidar daqueles que so fruto de seutrabalho, o que refora o argumento em prol de Paulo. Frise-se ainda que uma poro proporcionalmente grande da carta

    autobiogrfica (1.132.13), o que logicamente esvazia depropsito a autoria de outra pessoa qualquer.

    Paulo escreveu aos glatas no ano 48 d.C., um pouco antesdo Conclio de Jerusalm, ocorrido no mesmo ano (At 15). Afalta de meno das decises do conclio, as quais seriam toteis aos propsitos da epstola, prova cabal em favor dadata mencionada, ainda que haja quem situe a composioem 57 ou 58 d.C, entendendo que, em 2.1-10, Paulo faz aluso

    s concluses conciliares de Atos 15.1

    Aspectos Introdutrios

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    12 A ESSNCIA DO EVANGELHO DE PAULO

    A data mais antiga, se aceita, coloca a composio da carta,

    num perodo aps o fim da primeira viagem missionria dePaulo (At 13-14), depois dele e Barnab terem visitado pelasegunda vez o sul da Galcia (At 14.21-23).2 O local em quePaulo escreveu difcil, seno impossvel, de precisar.

    Quanto aos destinatrios, muita tinta tem sido gasta nadefesa de duas opinies distintas. A primeira entende quePaulo escreveu aos glatas tnicos que viviam no norte daprovncia. Porm, parece certo que o apstolo jamais visitou

    essa regio. A segundo opinio, aparentemente melhorfundamentada, entende que os destinatrios eram pessoasde vrias raas que ocupavam a regio sul da Galcia, visitadapor Paulo em sua primeira viagem missionria (At 13-14).3

    Paulo, portanto, teria escrito sua carta aos crentes deAntioquia da Pisdia (prxima fronteira da Galcia), Listra,Icnio e Derbe. As igrejas dessas cidades, conforme veremos,estavam sofrendo influncia de mestres judaizantes (6.12-

    13) que, para obterem sucesso em seus objetivos, tentavamdesacreditar o apstolo Paulo (4.17). Conforme se depreendeda epstola, os glatas se tornaram vulnerveis a essesataques (3.1), revelando forte atrao por um sistema religiosocuja essncia no ultrapassava o dever de cumprimento demeras exigncias externas (4.10-11; 5.2).

    OCASIO E PROPSITO

    O que foi dito acima acerca dos destinatrios fornece oselementos do cenrio que motivou Paulo a escrever suaepstola. De fato, fica claro em toda a carta que os crentes daGalcia estavam acolhendo os ensinos de mestres judaizantesque afirmavam a necessidade dos cristos se submeterem lei judaica. Mesmo sendo provavelmente em sua maioriagentios (Cf. At 13.46-52), aqueles crentes viram certo atrativo

    na mensagem dos mestres legalistas.

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    ASPECTOS INTRODUTRIOS 13

    Quem eram, afinal, aqueles mestres? Tudo indica que eram

    cristos judeus com uma compreenso defeituosa do evangelho,confundindo-o com um judasmo alterado por certosacrscimos. Pelo modo como Paulo se refere a eles, parece queno pertenciam s igrejas destinatrias, sendo procedentes defora (veja 1.7, 9; 4.17; 5.10). Talvez viessem da Judia, ondeencontramos judeus cristos com uma compreenso doevangelho que parece idntica dos falsos mestres sobre quemPaulo escreve (At 11.1-3; 15.5). Em Atos 15.1 vemos que alguns

    desses cristos judeus eram propagadores ativos do evangelholegalista, visitando crentes gentios de outras cidades a fim deconvenc-los a se submeter Lei Mosaica (veja tb. At 15.23-24). Parece certo, portanto, que Paulo se refere a essas pessoasquando escreve aos glatas.

    Os discursos dos mestres judaizantes, conforme sedepreende da epstola, abrangiam ataques contra aautoridade apostlica de Paulo, levando-o a se defender

    (1.1,11-12; 2.6-9,11). Esses ataques tambm eram dirigidoscontra a mensagem paulina, acusando-a de incentivadora deuma vida desregrada. Alis, possvel que alguns crentes daGalcia tenham de fato visto a mensagem do evangelho dagraa como uma licena para a libertinagem (5.13, 19-21; 6.8).Ademais, os mestres judaizantes acusavam Paulo deapresentar uma mensagem vacilante que pregava acircunciso quando isso era conveniente (1.10; 5.11).

    Tambm em seus discursos os mestres do evangelholegalista insistiam na necessidade da circunciso (5.2-6; 6.12-13), bem como na guarda da Lei Mosaica (4.10,21). Segundoeles, a justificao no seria possvel caso, alm da f emCristo, os preceitos mosaicos no fossem rigidamenteobservados (5.4). Para Paulo, tudo isso descaracterizava oevangelho a tal ponto que seu produto no podia, de modoalgum, ser chamado de evangelho (1.6-7). Para ele, segundo

    parece, os proponentes dessa soteriologia legalista, sequer

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    14 A ESSNCIA DO EVANGELHO DE PAULO

    deveriam ser considerados crentes, posto que eram dignos de

    ser amaldioados (1.8-9).A partir da observao do contexto que subjaz e d motivo

    composio da carta, fica fcil concluir que o propsito dePaulo nessa epstola protestar contra a distoro doevangelho em seu ponto essencial, a saber, a justificaounicamente pela f, defendendo assim a mensagem e aliberdade crists diante dos ataques do legalismo.

    No se pode, porm, dizer que esse propsito era a meta

    final e nica que o apstolo tinha em mente ao escrever suaprimeira epstola. Na verdade, a meta teolgica supramencionada era tambm um instrumento para a consecuode um alvo vivencial. De fato, Paulo afirma a liberdade docrente em relao Lei no somente para realar a justificaounicamente pela f, mas tambm, e talvez principalmente, paraensinar que a maturidade crist autntica no pode serconstruda atravs da obedincia mecnica a um conjunto de

    regras (Gl 3.3). Antes alcanada por meio da obra do EspritoSanto na vida de quem foi redimido pela f. Sob a esfera,influncia e controle do Esprito, o homem justificado capacitado a viver aquela real santidade que o simples esforopessoal, ainda que sincero, jamais ser capaz de produzir (Gl5.16-18, 22-26). Assim um segundo propsito igualmenteimportante em Glatas desmascarar o falso conceito quereduz a vida crist mera obedincia estril de normas

    exteriores, demonstrando que o aperfeioamento do carterdo crente s ocorre por obra do Esprito Santo na vida daquelesque, salvos pela f, submetem-se ao seu domnio.

    CONTRIBUIO PARA A DOUTRINA CRIST

    Glatas resume a essncia do evangelho pregado por Pauloaos gentios, mostrando que o homem, por seu esforo pessoal,no pode jamais resolver o problema da culpa que lhe foi

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    ASPECTOS INTRODUTRIOS 15

    imposta e que o separa de Deus, restando-lhe apenas a f em

    Cristo como meio de justificao (2.16).Alm disso, Glatas mostra que essa f que justifica, no

    apenas leva o crente a desfrutar de um novo status diante deDeus, mas tambm o livra do viver vazio e corrupto prpriodos homens deste mundo (1.4) e o capacita a andar sob ainfluncia e controle do Senhor que agora habita nele (2.20).

    Assim a tica crist tambm recebe forte contribuio daCarta aos Glatas. Nela aprendemos que a liberdade do crente

    no liberdade sem fronteiras, mas sim, uma liberdadelimitada pelo amor (5.13) e pela influncia do Esprito Santo(5.16-26).

    Finalmente, no se pode deixar passar em branco acontribuio de 3.13 para a compreenso dos limites da mortesubstitutiva de Cristo. Ele nos substituiu at o ponto de sefazer maldio em nosso lugar, o que aponta para o estadodeplorvel em que nos encontrvamos antes de conhecer a

    salvao, alm de mostrar a profundidade do abismo a queCristo desceu para nos buscar.

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    Aps se apresentar como apstolo de Cristo, Paulo repudiavigorosamente qualquer evangelho que no se harmonize como que tem pregado, realando que o aprendera do prprioCristo, sem mediao de ningum, nem mesmo dos apstolosde Jerusalm.

    SAUDAES INICIAISGLATAS 1.1-5

    1. Paulo, apstolo enviado, no da parte de homens nempor meio de pessoa alguma, mas por Jesus Cristo e porDeus Pai, que o ressuscitou dos mortos,

    2. e todos os irmos que esto comigo, s igrejas da Galcia:

    3. A vocs, graa e paz da parte de Deus nosso Pai e doSenhor Jesus Cristo,

    4. que se entregou a si mesmo por nossos pecados a fim denos resgatar desta presente era perversa, segundo a vontadede nosso Deus e Pai,

    5. a quem seja a glria para todo o sempre. Amm.

    O autor da carta, Paulo, apresenta-se logo no incio comoapstolo enviado, no da parte de homens nem por meio depessoa alguma, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai... (1).

    o evangelho verdadeiro e

    sua singularidade1.

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    18 A ESSNCIA DO EVANGELHO DE PAULO

    Conforme visto no estudo sobre os aspectos introdutrios, Paulo

    vinha sofrendo ataques de falsos mestres que, atuando entreas igrejas da Galcia, diziam que ele no tinha a mesma posioe autoridade dos apstolos de Jerusalm. Por isso, a fim de quesua epstola no fosse recebida como uma carta qualquer, vaziade credibilidade e poder e, assim, fosse de pronto desprezada,Paulo, de antemo, enfatiza aos seus leitores que o que tm emmos so ensinos procedentes de um apstolo verdadeiro;algum que recebeu essa funo do Filho de Deus e do prprio

    Pai. Nisto, entre outras coisas, ele se diferenciava daqueles que,j em seu tempo, se autodenominavam apstolos, movidosapenas pelo desejo de se destacar entre os crentes comuns e,assim, engan-los (2Co 11.13; Ap 2.2).

    No v. 1, Deus Pai mencionado como aquele que ressuscitouJesus dentre os mortos. A meno da ressurreio de Cristo importante aqui porque foi o Cristo ressurreto quemdiretamente investiu Paulo no ofcio apostlico (Rm 1.5).

    Ademais, a nfase na ressurreio era sempre convenientenuma poca em que os homens estavam to familiarizadoscom o pensamento grego que, em algumas de suasmanifestaes, considerava a matria m, a ponto de mais tarde,dentro de uma roupagem crist, negar a encarnao do Filho(1Jo 4.2; Hb 2.14) e a ressurreio fsica (1Co 15.12; 2Tm 2.18).

    Ao escrever a Carta aos Glatas, Paulo estava na companhiade um grupo de irmos. No sabemos onde o Apstolo estava

    quando escreveu essa epstola e, portanto, nem de que cidadeeram os irmos que tinha em sua companhia. Seja como for,Paulo faz aluso a eles como se fossem participantes dacomposio da carta (2). Sem dvida o objetivo disso erasensibilizar os destinatrios ao mostrar-lhes que os apelosali constantes no eram fruto das preocupaes de uma menteisolada, mas que essas preocupaes eram compartilhadaspor irmos na f sinceros, que se uniam a Paulo em suas

    exortaes, fazendo com ele um coro.

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    O EVANGELHO VERDADEIRO E SUA SINGULARIDADE 19

    Eis aqui uma forma produtiva de como a igreja deve

    demonstrar unidade: aliando-se aos ministros em seus apelose exortaes, dando assim maior fora s suas mensagens emostrando aos que esto no erro a reprovao unnime dopovo de Deus. De fato, nada encoraja mais os rebeldes do quea conscincia de que h crentes que no concordam com asreprovaes que lhes so dirigidas.

    Como seu costume, Paulo deseja que seus destinatriosdesfrutem da graa e da paz que vem de Deus Pai e do Senhor

    Jesus Cristo (3). A graa o favor de Deus ministrado aoshomens quando estes nada fizeram para merec-lo. A paz aausncia de intrigas nas relaes entre as pessoas e tambma serenidade interior experimentada por quem desfruta desade e do suprimento das necessidades em geral. A fonte detudo isso, para Paulo, Deus.

    Se, por um lado, o Pai foi descrito como quem ressuscitouJesus dentre os mortos (1), no v. 4, ao mencionar novamente

    as duas Pessoas, Paulo focaliza Cristo, apontando-o comoaquele que se entregou a si mesmo por nossos pecados. Amorte voluntria de Cristo afirmada aqui (Jo 10.17-18), bemcomo o seu sentido teolgico, ou seja, o fato de sua morte ser asatisfao pelos nossos pecados (1Jo 2.2; 4.10). Para os glatas,fascinados com a idia de que a observncia da Lei Mosaicapoderia salv-los, era crucial que Paulo frisasse que somente amorte de Cristo pde satisfazer as exigncias de Deus. Buscar

    satisfazer a justia divina atravs de obras humanas seria omesmo que afirmar a insuficincia da cruz (Gl 2.21).

    Ao sofrer a morte que era a punio pelos nossos pecados,Cristo no somente teve como alvo nos substituir no castigoa ns devido. Ao tirar-nos dentre os condenados morte, eleconseqentemente nos resgatou desta presente era perversa(4). O verbo traduzido como resgatar exairewe tambmsignifica livrar ou libertar do poder de outra pessoa. H aqui

    um breve lampejo do tema liberdade crist, presente em toda

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    20 A ESSNCIA DO EVANGELHO DE PAULO

    a epstola. A presente era da qual Cristo nos resgatou o

    atual sistema cultural com seus valores, crenas e apelos.Trata-se de um sistema que rejeita Deus e, por isso, perversoe merecedor de justo castigo.

    Cristo sofreu a nossa condenao e, assim, nos libertou destemundo condenado. No somos mais participantes do seudestino e tambm no devemos mais ser participantes de suasprticas e modo de pensar. Fomos tirados de uma Sodoma queem breve conhecer o fogo do juzo e, no sendo mais seus

    cidados, no devermos adotar seu estilo de vida (Rm 12.1-2).Paulo conclui dizendo que todo esse livramento aconteceu

    pela vontade do Pai (Ef 1.5; Tg 1.18). A origem da salvao estsempre em Deus. ele quem parte em busca do homem (Gn 3.9;Os 11.1-2; Lc 19.10). O contrrio nunca acontece (Jo 5.40; Rm3.11). Por isso natural que a seo termine com o apstoloatribuindo e ele a glria para todo o sempre. Amm. (5).

    A AMEAA DE UM OUTRO EVANGELHOGLATAS 1.6-10

    6. Admiro-me de que vocs estejam abandonando torapidamente aquele que os chamou pela graa de Cristo,para seguirem outro evangelho

    7. que, na realidade, no o evangelho. O que ocorre quealgumas pessoas os esto perturbando, querendo pervertero evangelho de Cristo.

    8. Mas ainda que ns ou um anjo dos cus pregue umevangelho diferente daquele que lhes pregamos, que sejaamaldioado!

    9. Como j dissemos, agora repito: Se algum lhes anunciaum evangelho diferente daquele que j receberam, que sejaamaldioado!

    10. Acaso busco eu agora a aprovao dos homens ou a deDeus? Ou estou tentando agradar a homens? Se eu aindaestivesse procurando agradar a homens, no seria servo

    de Cristo.

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    O EVANGELHO VERDADEIRO E SUA SINGULARIDADE 21

    Depois das palavras iniciais de saudao, Paulo entra

    diretamente no assunto principal que o motivou a escrever aepstola: o desvio dos crentes da Galcia para as sendas doevangelho legalista, isto , a crena de que para ser salvo eprosseguir na vida como um cristo modelo necessrio serum bom proslito do judasmo, guardando a Lei Mosaica emtodos os seus aspectos.

    Paulo demonstra-se admirado com o desvio to rpido dosglatas (6). De fato, como j vimos, a carta em anlise foi

    escrita entre o fim da Primeira Viagem Missionria, quandoPaulo visitou a Galcia (At 1314) e o Conclio de Jerusalm(At 15). Assim, os glatas comearam a abandonar o verdadeiroevangelho to logo Paulo os deixou. Isso causava espanto noapstolo. Lembremos que o problema na Galcia no diziarespeito ao desvio relativamente comum de alguns novosconvertidos que com certa freqncia retornam para o mundo(Mt 13.1-23). Paulo trata aqui da apostasia de, pelo menos,

    quatro igrejas, ocorrido quando mal ele virara as costas.No v. 6 o apstolo demonstra que abandonar o evangelhoequivale a abandonar o prprio Deus. Isso se torna aindamais grave quando lembramos que Deus aquele que oschamou pela graa de Cristo. Mais uma vez a origem dasalvao colocada em Deus (Veja v. 4). Nota-se aqui que ele quem chama (tb. v. 15), sendo essa uma convocao cujoatendimento implica ser resgatado (Rm 8.30; 1Ts 2.12; 2Ts

    2.13-14; 1Pe 2.9). Esse chamamento viabilizado pela graade Cristo (2Tm 1.9-10a). Deus chama o pecador porque, pelagraa de Cristo dada a ns desde os tempos eternos e reveladaem sua manifestao, possvel agora ter acesso ao Pai (2Co5.18-19; Ef 2.17-18; 3.11-12; Hb 10.19-20). Os glatas, aoabandonarem o evangelho, estavam dando as costas para oDeus que havia realizado tudo isso em seu favor.

    Esse abandono de Deus se expressava na disposio para

    seguir outro evangelho que, na realidade, no o evangelho

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    22 A ESSNCIA DO EVANGELHO DE PAULO

    (vv. 6-7). Na busca de agradar a Deus por meio da Lei, os

    crentes da Galcia tinham, na verdade, abandonado o Senhor,seguindo uma mensagem que no era dele, um evangelhoto desfigurado que no podia, de modo algum, ser chamadode evangelho. Daqui se depreende duas preciosas lies.Primeira: quem quer aproximar-se de Deus parte do nicoevangelho acaba por distanciar-se ainda mais dele. Segunda:qualquer acrscimo mensagem de salvao que esvazia aobra de Cristo de suficincia, perverte o evangelho verdadeiro

    e deve ser de pronto rejeitado por ns como mpio e profano.Paulo aponta para a causa daquele desvio to rpido. Diz

    ele: O que ocorre que algumas pessoas os estoperturbando, querendo perverter o evangelho de Cristo. (7). evidente que Paulo est se referindo aos mestres legalistasque, possivelmente vindos de Jerusalm (Veja AspectosIntrodutrios), anunciavam que para ser justificado diantede Deus era necessrio que o cristo fosse circuncidado (5.2-

    6; 6.12-13) e guardasse toda a Lei (2.16; 3.11; 4.10, 21). Talera, de fato, o contedo dominante do outro evangelhocombatido por Paulo na Carta aos Glatas.

    Essa perverso do evangelho trazia perturbao s igrejas.Perturbar aqui significa agitar, promover distrbios,tumultuar ou criar confuso. Em Atos 15.24, onde o mesmoverbo tarasswaparece, aprendemos que essa perturbaoconsistia especificamente em transtornar ou confundir a mente

    dos crentes com discursos herticos. Esse efeito da mentira til aos falsos mestres porque a mente confusa vacilante e,aos poucos, pela insistente proclamao do erro, termina porceder aos apelos da heresia. A mente dos novos crentes, ondea S Doutrina, pelo pouco decurso do tempo, ainda no foidigerida, assimilada e firmemente incorporada, alvo fcildessa estratgia. Os falsos mestres sabiam disso e usaramcom maestria o repugnante artifcio na Galcia, onde as igrejas

    haviam acabado de nascer.

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    Por outro lado, que essa mesma mente vacilante seja

    encontrada em crentes antigos inadmissvel, pois neles seespera que a verdade esteja claramente delineada e solidamentefixada, ao ponto de no poderem mais ficar confusos ouperturbados, cheios de questes e dvidas, quando doutrinasestranhas lhes so propostas (Cl 4.12; 2Pe 1.12).

    O pronunciamento de Paulo em face da atuao dos mestresjudaizantes se constitui num dos mais impetuosos de todo oNovo Testamento. Ele afirma com rigor: Mas ainda que ns

    ou um anjo dos cus pregue um evangelho diferente daqueleque lhes pregamos, que seja amaldioado! (8). Com opronome ns, o apstolo se refere a si prprio. Dessa formaele pretende levar a hiptese ao absurdo a fim de mostrarcom que grau de firmeza o crente deve comprometer-se com oevangelho genuno. Por outro lado, ainda que a hiptese doprprio Paulo pregar um falso evangelho fosse praticamenteimpossvel, havia a real possibilidade de algum ensinar

    mentiras por meio de cartas e assin-las fraudulentamentecom o nome do apstolo. Parece que falsificaes desse tipoaconteceram nessa poca no ministrio de Paulo (2Ts 2.1-2).Tanto que, para frustr-las, ele assinava suas epstolas deprprio punho (2Ts 3.17).1 O que Paulo diz no v. 8, portanto,serviria, inclusive, para prevenir os crentes contra heresiasensinadas em seu nome.

    Ainda no v. 8, o leitor se v diante de uma hiptese ainda

    mais incrvel. Desta vez um anjo celeste que Paulo apresentacomo eventual proponente de um evangelho diferente daqueleque fora pregado aos glatas. A possibilidade de um serangelical maligno apresentar-se como um mensageiro de Deuse, assim, enganar os homens vislumbrada em 2 Corntios11.14, onde Paulo diz que o prprio Satans se disfara deanjo de luz.2 Dificilmente, contudo, Paulo estava receoso dissorealmente acontecer com os crentes da Galcia. Sua intenoera apenas expressar quo fortemente os crentes devem se

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    opor a qualquer pessoa que se aproxima deles com uma

    mensagem que tira da cruz de Cristo a sua suficincia.Diante das duas hipteses levantadas por Paulo no v. 8, a

    reao do crente deve ser uma s: considerar o tal mensageiro,seja ele quem for, maldito. Na prtica isso no significa que ocrente tenha que pronunciar maldies contra o falso mestre.O que Paulo ensina que o cristo deve considerar quemanuncia um evangelho falso como estando debaixo da ira deDeus (Cf. Rm 9.3 e 1Co 16.22, onde esse claramente o sentido

    em que a palavra amaldioado deve ser entendida). Essaorientao tem que sempre estar presente na mente dos crentesde todas as pocas, uma vez que mensageiros mentirososexistem desde os primrdios da igreja (Rm 16.17-18; 2Co 11.3-4) e podem ser encontrados em qualquer lugar. Se essa posturargida fosse adotada pelos cristos modernos, h muitoveramos nossas igrejas livres do estranho evangelho que pregado em nossos dias.3

    O v. 9 repete o que foi dito no 8, com ligeiras modificaes.Aqui ele no fala de ns ou um anjo vindo dos cus. Antesusa a palavra algum, um termo amplo que lgica epropositalmente inclui os falsos mestres que perturbavam osglatas. Alm disso, Paulo substitui a expresso evangelho...que lhes pregamos por evangelho... que j receberam. Coma primeira frmula Paulo evoca a fonte da mensagem pregadainicialmente na Galcia, ou seja, um apstolo enviado pelo

    prprio Deus (1.11-12). Com a segunda, Paulo traz lembranados seus leitores o compromisso que assumiram com essamesma mensagem. Nos dois casos ele quer estimular as igrejasda Galcia a reafirmar sua fidelidade ao evangelho puro.

    A fora do texto em anlise, contudo, no est em suaspequenas variaes. a repetio que naturalmente d nfaseao que dito. Por meio da repetio, Paulo reala e assumeplenamente o que afirma, mostrando coragem, convico e

    clareza, ao anular qualquer possibilidade de que s suas

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    palavras seja dada uma interpretao mais branda. De fato,

    ele afirma e repete que o proponente de um outro evangelhodeve ser considerado maldito!

    O v. 10 parece a princpio apresentar uma rpida digresso.Nele Paulo rejeita terminantemente a idia de ser um ministroque no exerccio de suas funes se preocupa em agradar ahomens. O que ocorre aqui, contudo, no propriamente umdesvio do assunto. Na verdade, o que o apstolo diz nos vv.8-9 so uma prova clara de que no tem receio de desagradar

    quem quer que seja. Ademais, possvel que na Galciafermentassem comentrios maldosos (estimulados pelosmestres judaizantes) de que ele pregava a necessidade daguarda da Lei, quando isso lhe era conveniente (Veja-se 5.11).A sensibilidade de Paulo aos escrpulos dos judeus incrdulos,demonstrada muitas vezes na sua prtica evangelstica, podeter servido de base para essas falsas acusaes (1Co 9.20-21). Paulo agora destaca a falsidade delas. Segundo ele, seria

    impossvel ser servo de Cristo e ao mesmo tempo buscar oaplauso humano. Parece que para Paulo uma coisa exclui aoutra e esse fato deveria ser levado em conta por todosquantos se dizem chamados para o ministrio. A tentativa deesvaziar o trabalho de Cristo dessa dimenso incmoda temlevado muitos pastores a abandonar o ensino escritursticopara pregar e fazer o que agrada as mentes carnais.

    A ORIGEM DIVINA DO EVANGELHOGLATAS 1.11-24

    11. Irmos, quero que saibam que o evangelho por mimanunciado no de origem humana.

    12. No o recebi de pessoa alguma nem me foi ele ensinado;ao contrrio, eu o recebi de Jesus Cristo por revelao.

    13. Vocs ouviram qual foi o meu procedimento nojudasmo, como perseguia com violncia a igreja de Deus,

    procurando destru-la.

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    14. No judasmo, eu superava a maioria dos judeus da

    minha idade, e era extremamente zeloso das tradies dosmeus antepassados.

    15. Mas Deus me separou desde o ventre materno e mechamou por sua graa. Quando lhe agradou

    16. revelar o seu Filho em mim para que eu o anunciasseentre os gentios, no consultei pessoa alguma.

    17. Tampouco subi a Jerusalm para ver os que j eramapstolos antes de mim, mas de imediato parti para aArbia, e voltei outra vez a Damasco.

    18. Depois de trs anos, subi a Jerusalm para conhecerPedro pessoalmente, e estive com ele quinze dias.

    19. No vi nenhum dos outros apstolos, a no ser Tiago,irmo do Senhor.

    20. Quanto ao que lhes escrevo, afirmo diante de Deus queno minto.

    21. A seguir, fui para as regies da Sria e da Cilcia.

    22. Eu no era pessoalmente conhecido pelas igrejas daJudia que esto em Cristo.

    23. Apenas ouviam dizer: Aquele que antes nos perseguia,agora est anunciando a f que outrora procurava destruir.

    24. E glorificavam a Deus por minha causa.

    O texto que passamos agora a analisar compe uma grandeseo autobiogrfica em que Paulo narra parte de suatrajetria tanto dentro do judasmo quanto do cristianismo.

    Seu propsito claramente oferecer elementos histricos quecomprovem a sua autoridade apostlica que, como se sabe,estava sendo atacada pelos falsos mestres que atuavam dentrodas igrejas da Galcia.

    Paulo inicia esclarecendo que o evangelho que pregava noera de origem humana (11). evidente que sua inteno aoalertar os glatas acerca disso era criar em suas mentes umaidia de contraste entre o que lhes anunciara no princpio e o

    que eles estavam agora ouvindo dos mestres judaizantes. H,

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    portanto, aqui a acusao implcita de que a mensagem dos

    legalistas no passava de algo criado por eles mesmos.Do que foi dito acima, facilmente se depreende uma

    caracterstica tpica das falsas religies: suas crenas, ensinos,rituais e prticas so apenas produto da frtil imaginao deseus fundadores e lderes. Em contrapartida, o seguinte fatosobre a verdadeira religio deve enraizar-se fortemente emnosso corao: a religio genuna dada, no construda. Deus quem a revela; no o homem que a inventa. Esse o

    motivo pelo qual no podemos fazer alteraes nocristianismo. No fomos ns que o criamos e, portanto, notemos o direito de alter-lo. Se quisermos receb-lo, temos deaceit-lo como ele .4

    No v. 12, Paulo desenvolve ainda mais o ensino de que oevangelho que pregava no se originou em homens.Primeiramente afirma que no o recebeu de ningum e quenenhuma pessoa o ensinou. Nessas palavras pode-se

    vislumbrar um dos traos do verdadeiro apostolado que Pauloreivindicava de modo to veemente: o apstolo de Cristo noaprendia a mensagem que pregava com outros homens. Essamensagem lhe era dada diretamente pelo Cristo ressurreto (1.1;1Co 11.23ss). Esse um dos principais pontos de distino entreos apstolos de Cristo e os crentes comuns, j que estes recebemou aprendem o evangelho de um outro cristo que se dispe apregar (1Co 15.1,3). Essa tambm uma das razes pelas quais

    podemos afirmar que no existem mais apstolos hoje, umavez que ningum mais pode alegar com s conscincia queaprendeu o evangelho sem a mediao humana.

    Paulo completa o v. 12 com a declarao aberta de que recebeuo evangelho do prprio Jesus Cristo por revelao. Enquantoos glatas tinham recebido o evangelho pela pregao (3.1-2;4.13), Paulo o recebera por meio de uma manifestao especialde Deus, uma revelao (Ef 3.2-4). Assim foi com os demais

    apstolos e profetas do perodo neotestamentrio (Ef 3.5) e

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    Paulo realava essa experincia a fim de defender a sua

    autoridade apostlica (1.15-16; 1Co 2.9-13).O apstolo passa agora a narrar a mudana dramtica que

    se operou em sua vida aps ter conhecido a Cristo. Ele querdemonstrar com a exposio desses fatos o grande impactoque o evangelho que pregava causou em sua prpria histria. evidente que uma transformao to profunda no podiaser procedente de uma mensagem que o prprio apstolohouvesse dolosamente inventado. Para Paulo, ele mesmo era

    a prova viva da origem sobrenatural da mensagem queanunciava. De fato, s uma mensagem oriunda de fontescelestes poderia transformar o mais cruel dos inimigos daigreja no apstolo dos gentios, talvez o maior cristo que jpisou neste mundo.

    No v. 13, Paulo afirma que os glatas ouviram acerca doseu procedimento no judasmo, como perseguia com violnciaa igreja de Deus, procurando destru-la. Algumas informaes

    sobre a ferocidade com que Saulo de Tarso investia contra oscrentes podem ser deduzidas de Atos 8.1-3; 9.1-2, 13-14; 22.4-5; 26.9-11; 1 Corntios 15.9; e 1 Timteo 1.13-16.

    Esses textos, associados ao versculo em anlise, mostramque o objetivo maior dos inimigos da f, entre os quais Pauloum dia foi contado, nitidamente destruir a igreja. Essaverdade deve preocupar os crentes. No por nutrirem medode que a igreja um dia seja aniquilada. sabido, e a prpria

    histria comprova, que isso impossvel (Mt 16.18; 1Pe 5.8-11). Contudo, o anseio de destruir a igreja, tpico dos inimigosde Cristo, deve preocupar o crente no sentido de evitar agirtambm nessa direo. Na verdade, todas as aes dos cristosdevem ser avaliadas luz do tipo de impacto que elasporventura causaro sobre a igreja de Deus. Qualquer aoou omisso que a enfraquea deve causar-nos pavor, umavez que nos torna cooperadores dos adversrios da famlia

    de Deus.

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    Se de um lado Paulo era severo na perseguio do

    cristianismo, de outro era tambm severo no cuidado pelojudasmo (14). Na verdade, Saulo de Tarso, juntamente comas autoridades judaicas e romanas, no via o cristianismocomo uma religio autnoma.5 Para eles, o cristianismo eraapenas o judasmo corrompido pela idia de que Jesus era oMessias prometido nas pginas do AT. A perseguiopromovida por Saulo, portanto, tinha como alvo purgar areligio de seus antepassados dos desvios anunciados pelos

    cristos. Assim, sua perseguio era fruto de zelo religiosoextremado (Fp 3.6). De fato, Saulo amava o judasmo e querialivr-lo de supostas contaminaes (1Tm 1.13).

    A meno desse zelo anterior de Paulo pelo judasmo extremamente til para os seus propsitos na Carta aosGlatas. Isso porque, como se sabe, os falsos mestres queatuavam na Galcia se apresentavam como grandesobservadores da Lei Mosaica6, exigindo que os crentes se

    submetessem ao jugo judaico e acusando Paulo de ter umamente apegada ao desregramento. A fim de expor a loucuraque tudo isso representava, o apstolo mostra que ele simhavia sido um real observador da Lei, no do tipo que tentavaser amigo dos cristos (como os falsos mestres), mas comoalgum indisposto a tolerar qualquer sombra que nublasse ocentro de suas convices religiosas. Paulo afirma que foi umobservador da Lei sem igual entre os judeus de sua idade,zelando extremamente pelas tradies de seus antepassados.7

    O apstolo quer com isso, indiretamente dizer: Eu jpercorri com todo o empenho o caminho no qual vocs e essestais mestres esto agora engatinhando e sei que um caminhointil, incapaz de salvar. Toda a minha trajetria mostra oquanto fui zeloso dessas coisas que hoje atraem tanto vocs.Fui autoridade nisso tudo e agora, como apstolo, souautoridade no caminho novo do evangelho de Cristo. Por isso,creiam-me: no h relao alguma entre o evangelho de Cristo

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    e o legalismo judaico. Conheo muito bem o primeiro e conheci

    muito bem o ltimo. Sei que aquele poderoso para salvar eque o ltimo s escraviza. Uma linha semelhante depensamento pode ser vislumbrada em Filipenses 3.4-9.

    No v. 15, Paulo contrasta a vida que tinha no judasmocom uma nova e gloriosa etapa; uma etapa de servio a Cristo,servio esse marcado por prontido em obedec-lo (16) eindependncia dos lderes de Jerusalm (17). Ao iniciar esseassunto, o apstolo cita apenas de passagem a causa primria

    que o lanou nesse ministrio. Segundo ele, o prprio Deus oseparou desde o ventre materno e o chamou por sua graa.

    A meno desses mistrios muito propcia neste ponto.Evidentemente a meta de Paulo ao mencion-los demonstrara origem sobrenatural de seu chamado e assim neutralizaros ataques que os falsos mestres faziam contra aautenticidade de seu apostolado. De fato, ao dizer que Deus oseparou desde o ventre materno, alm de ensinar num breve

    lampejo a predeterminao divina, tambm eleva seuministrio ao nvel dos mais eminentes servos de Deus doAntigo Testamento (Is 49.1; Jr 1.4-5), o que deveria inspirartemor e honra nos glatas que estavam vacilantes quanto sua opinio acerca de seu pai espiritual (Ver tb. Rm 1.1).

    Ademais, ao dizer que Deus o chamou por sua graa, golpeiao ensino dos falsos mestres no prprio corao, pois est comisso dizendo que seu zelo pela Lei e tradies judaicas, em

    nada influiu na obteno do favor com que foi aquinhoadopelo Senhor. Na verdade, foi unicamente pela graa de Deusque alcanou o privilgio de ser contado entre os ministrosdo evangelho. Resumindo, Deus chamou Paulo por sua graa,no em virtude de seu zelo pregresso na prtica do judasmo.

    Assim, com uma linha apenas, Paulo destri as duasprincipais mentiras que emanavam da boca dos judaizantes:a de que Paulo era um falso apstolo, e a de que a prtica da

    Lei era fundamental para a obteno do favor divino.

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    O v. 16 termina o pensamento que a m diviso dos versculos

    deixou incompleto no verso anterior. Houve um momento que oDeus que separou Paulo antes dele nascer e o chamou por suagraa, tambm lhe revelou seu Filho.8 Tal revelao, conforme sedepreende do texto, foi especialmente feita com o propsito dehabilitar Paulo como pregador aos gentios.

    pouco provvel, portanto, que o apstolo esteja sereferindo aqui sua experincia no caminho de Damasco.Certamente alude a outra ocasio em que o Senhor revelou-

    se a ele de forma visvel e gloriosa, provavelmente nas regiesda Arbia mencionada no v. 17, desvendando-lhe os mistriosque deveria anunciar e escrever (Ver vv. 11-12; 2Co 12.1,7; Ef3.2-3) e incumbindo-o da pregao aos povos de todo o mundo(Rm 1.5, 14).9

    Aqui vemos, pois, um importante processo: O Deus quesepara e chama tambm o Deus que capacita para a obra.Dele o plano ao escolher; dele a voz ao chamar, e dele so

    os recursos ao tornar seu servo pronto para o servio. Alis,essa verdade deve ser gravada de forma indelvel na mentede todo o que trabalha em prol do Reino de Cristo, pois oresultado de sua assimilao ser gratido por ser contadoentre aqueles que o Senhor preparou, prontido por saberque o prprio Deus quem chama, e coragem advinda dacerteza de que o Chefe Onipotente quem nos capacita.

    Tais foram as disposies presentes no apstolo. Tanto que,

    ao ver-se encarregado dos grandes mistrios e deveres dadospor Deus, no consultou pessoa alguma.

    Paulo prossegue afirmando, no v. 17, que ao tempo do seuchamado no subiu a Jerusalm para ver os que j eramapstolos antes dele. Sua inteno aqui reforar ainda maisa alegao de que no aprendeu a mensagem que pregavacom homem algum (cf. vv. 11-12). Nem mesmo os apstolosde Jerusalm lhe haviam transmitido essa mensagem. Nem

    tampouco acrescentaram algo a ela ou tiveram que corrigi-la

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    em algum ponto. Paulo insiste em sua defesa contra os falsos

    mestres alegando que um apstolo genuno, ou seja, algumque recebeu sua mensagem diretamente do Cristo ressurreto,sem qualquer mediao humana.

    Diz ainda o apstolo que, quando da sua vocao, emvez de consultar os lderes de Jerusalm, partiu para a Arbiae depois voltou outra vez para Damasco. A Arbia era o reinode Aretas (2Co 11.32) que abrangia as regies a leste deDamasco, estendendo-se em direo ao sul sobre a

    Transjordnia e abarcando toda a Pennsula do Sinai (4.25)at Suez. Paulo foi para algum lugar dentro desses limites edepois voltou para Damasco. Certamente isolou-se naquelasregies a fim de refletir sobre tudo o que lhe acontecera etambm para receber capacitao de Deus para a pregao.Essa ida de Paulo para as regies da Arbia no mencionada no livro de Atos, mas provvel que se situeentre os versculos 19 e 20 de Atos 9, o que, se for aceito,

    coloca a ida Arbia antes do incio de seu ministrio comopregador.

    No v. 18 o apstolo diz que foi a Jerusalm somente trsanos depois dos eventos narrados. Talvez ele tenha passadotodo esse tempo pregando em Damasco (Veja em At 9.23 aexpresso decorridos muitos dias). Ento, como no pudessemais permanecer ali sem correr grave perigo, fugiu (At 9.23-25; 2Co 11.32-33) e aproveitou a oportunidade para seguir

    at a Palestina, onde poderia finalmente conhecer Pedro.Com a ajuda de Barnab (At 9.26-27), Paulo chegou a Pedroe permaneceu com ele apenas quinze dias, o que seriainsuficiente se tivesse ido ali para receber qualquertreinamento nas funes que desempenhava. Alm disso,acrescenta sob juramento (20) que no viu nenhum dos outrosapstolos, exceto Tiago, irmo do Senhor.10 Assim, mais umavez Paulo destaca que no era um apstolo de segunda

    categoria como diziam seus oponentes. Antes, como ocorrera

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    com os seus colegas de Jerusalm, havia recebido o mnus

    apostlico diretamente de Jesus Cristo ressurreto (1Co 9.1-2).Depois de ter estado em Jerusalm, Paulo foi para a Sria e

    Cilcia (21). A descrio desses fatos encaixa-se na narrativade Atos 9.29-30. Nesse texto aprendemos que em JerusalmPaulo corria perigo e, por isso, foi enviado para a Cilcia(sudeste da atual Turquia), mais especificamente para Tarso,sua cidade natal (At 21.39; 22.3). Foi nessa cidade que, maistarde, Barnab, saindo sua procura, o encontrou. Ele ento

    levou-o at a recm formada igreja de Antioquia que,finalmente, enviou ambos para a Primeira Viagem Missionria(At 11.22-26; 13.1-2).

    O que Paulo diz nos vv. 22-24 mostra que ele no visitouas igrejas da Judia. Seu objetivo dar provas ainda maisfortes de que seu contato com a rea de influncia dosapstolos de Jerusalm foi praticamente inexistente, sendocerto que sua formao apostlica no dependeu de Pedro

    ou de qualquer outro lder influente de Jerusalm.Ao afirmar isso, refere-se s igrejas da Judia como

    estando em Cristo, o que significa estar sob a autoridade esob a esfera de influncia do Senhor ressurreto. Aqui importante destacar que no so todas as igrejas daatualidade que podem ser qualificadas desse modo. Qualquergrupo que se apresente como igreja de Cristo, para que honreesse ttulo deve curvar-se ao senhorio de Jesus, ser sensvel

    sua mensagem proclamada na Escritura, e buscar a suapresena atuante em seu meio. somente com esses traosque uma igreja pode dizer que est em Cristo.

    Paulo destaca que, mesmo no tendo visitado aquelasigrejas, sua fama corria entre elas, de modo que, perplexas,diziam: Aquele que antes nos perseguia, agora estanunciando a f que outrora procurava destruir (23); elouvavam a Deus por causa dele. Assim, o grande apstolo

    mostra como ele, que inspirava terror, passou a inspirar

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    louvor; como ele, que arrancava gemidos de angstia, passou

    a estimular oraes de gratido. Com isso Paulo quer mostrarque mesmo igrejas que no o conheciam pessoalmente, aomenos reconheciam sua converso e trabalho e com isso sealegravam. Quanto mais no deveriam os glatas tambmhonr-lo, j que o conheciam de perto e eram fruto do seuprprio empenho!

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    A mensagem pregada por Paulo, a qual no impunha acircunciso aos crentes gentios, no estava em conflito com amensagem dos demais apstolos. Alis, Paulo repreenderaPedro por haver tratado os crentes gentios com desprezo emAntioquia a fim de agradar os defensores da circunciso vindos

    da igreja de Jerusalm.

    A UNIDADE APOSTLICA

    GLATAS 2.1-101. Catorze anos depois, subi novamente a Jerusalm, dessavez com Barnab, levando tambm Tito comigo.

    2. Fui para l por causa de uma revelao e expus diante

    deles o evangelho que prego entre os gentios, fazendo-o,porm, em particular aos que pareciam mais influentes,para no correr ou ter corrido inutilmente.

    3. Mas nem mesmo Tito, que estava comigo, foi obrigadoa circuncidar-se, apesar de ser grego.

    4. Essa questo foi levantada porque alguns falsos irmosinfiltraram-se em nosso meio para espionar a liberdade quetemos em Cristo Jesus e nos reduzir escravido.

    5. No nos submetemos a eles nem por um instante, para

    que a verdade do evangelho permanecesse com vocs.

    o evangelho verdadeiro e

    sua independncia2.

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    6. Quanto aos que pareciam influentes o que eram ento

    no faz diferena para mim; Deus no julga pela aparnciatais homens influentes no me acrescentaram nada.

    7. Ao contrrio, reconheceram que a mim havia sidoconfiada a pregao do evangelho aos incircuncisos, assimcomo a Pedro, aos circuncisos.

    8. Pois Deus, que operou por meio de Pedro como apstoloaos circuncisos, tambm operou por meu intermdio paracom os gentios.

    9. Reconhecendo a graa que me fora concedida, Tiago,

    Pedro e Joo, tidos como colunas, estenderam a mo direitaa mim e a Barnab em sinal de comunho. Elesconcordaram em que devamos nos dirigir aos gentios, eeles, aos circuncisos.

    10. Somente pediram que nos lembrssemos dos pobres, oque me esforcei por fazer.

    No captulo 2, Paulo continua a narrativa, sempre com opropsito de defender sua autoridade apostlica e a liberdadecrist. O captulo comea com a afirmao que, passadosquatorze anos, ele foi novamente a Jerusalm. difcil detectaro ponto de partida para a contagem desses quatorze anos.Pode-se cont-los tanto a partir de sua primeira visita quelacidade (1.18-20), como a partir de sua converso, sendo estaltima hiptese a mais provvel.

    No v. 1 Paulo diz que foi a Jerusalm acompanhado de

    Barnab. Sabe-se que ambos por esse tempo eram lderes naigreja de Antioquia (Atos 11.25-26; 13.1) e certamente partiramdali para Jerusalm. Paulo diz que Tito, um gentio convertidotambm os acompanhou. O apstolo prossegue dizendo quea visita foi motivada por uma revelao e que, graas a ela,teve a oportunidade de expor o evangelho que pregava aoshomens influentes da principal igreja da Judia (v. 2).

    Esses detalhes se encaixam perfeitamente na narrativa de

    Atos. A revelao de que Paulo fala descrita em Atos 11.27-

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    30 e diz respeito a uma profecia de gabo que predisse uma

    grande fome que assolaria o mundo romano.1 Em virtudedessa revelao, Paulo foi enviado com Barnab a Jerusalma fim de entregar uma oferta levantada em Antioquia para oscrentes da Judia (Veja tb. At 12.25). Como narrado em Glatas,nessa ocasio Paulo no s realizou a entrega da oferta, mastambm aproveitou a oportunidade para expor aos lderes daigreja em Jerusalm a mensagem que pregava aos gentios.

    A fim de manter em mente o lugar que esses episdios

    ocupam na cronologia de Atos, bom lembrar que tudo issoaconteceu antes da Primeira Viagem Missionria a qualredundou na implantao das igrejas da Galcia (At 13-14) eantes do Conclio de Jerusalm (At 15.1-30), ocorrido em 48d.C.

    Paulo reala, ainda no v. 2, que fez a exposio de suamensagem aos que pareciam mais influentes. Alm disso,deixa claro que agiu assim para no correr inutilmente. Isso

    tudo significa que Paulo se preocupava em manter clara aharmonia entre seus ensinos e os dos demais apstolos.2 Issofaria com que seus esforos no fossem inteis, ou seja,evitaria as divises e at apostasias que as disputas entremestres invariavelmente trazem sobre a igreja do Senhor eque tornam o trabalho de alguns uma corrida v.

    O v. 2 mostra, portanto, quo importante que quemtrabalha na obra de Cristo nutra a unidade no s com os

    crentes comuns, mas principalmente com aqueles quedesempenham na igreja uma funo de alta responsabilidade.Ter a aprovao somente dos que no ocupam lugar dedestaque dado por Deus, com desprezo em relao ao parecerdos lderes, dos mestres e dos que so realmente influentesna igreja torna o trabalho uma corrida intil, destinada aofracasso, uma vez que s produzir divises e discrdias.Trabalha, pois, em vo o obreiro que arranca os aplausos do

    povo, mas est em desacordo com os homens que Deus

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    constituiu como colunas na sua igreja. Paulo sabia disso e,

    ainda que no estivesse sob a autoridade dos apstolos deJerusalm, buscou cuidadosamente e para o bem da Causaestar em harmonia com eles.

    Nos vv. 3-5, Paulo mostra que os ataques que estavaenfrentando por parte dos falsos mestres da Galcia no lheeram novidade. Ele narra que em sua segunda visita aJerusalm, Tito3, apesar de ser grego, no foi obrigado acircuncidar-se (3). Esse fato tinha especial importncia para

    o enfraquecimento das acusaes dos mestres judaizantes,pois dava provas de que os apstolos de Jerusalm, aocontrrio do que aqueles falsos mestres diziam, no exigiama circunciso de convertidos gentios4. Paulo, assim, comprovaainda mais a harmonia entre seu evangelho e o dos apstolosda Judia. Isso corrobora a tese de que um verdadeiroapstolo e destri a acusao de que pregava um cristianismomodificado por seus caprichos.

    A questo da necessidade da circunciso de Tito, conformePaulo narra, foi levantada na ocasio por falsos irmos (4).Aqui Paulo diz abertamente que quem defende a justificaopela prtica da Lei no crente. claro que isso atingiadiretamente os mestres judaizantes que estavam ensinandonas igrejas da Galcia. O alvo claro de Paulo em toda essasesso desmascarar esses homens.

    O v. 4 mostra uma das estratgias de Satans no uso de

    seus ministros para destruir a obra de Cristo. Em primeiro lugar,eles se infiltram em nosso meio. Assim, cada crente deve estaralerta para o fato de que nem todos os que esto na igreja soirmos de verdade. comum incrdulos fingirem-se de crentespara cumprirem os desgnios de Satans no meio do povo deDeus. Tais pessoas so, portanto, muito perigosas (2Co 11.26;Fp 3.2-3) e o crente precisa de discernimento para detect-las.

    Uma das formas pelas quais podemos detectar essas pessoas

    encontra-se ainda no v. 4. Paulo deixa claro que os falsos irmos

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    se introduziram na igreja para espionar a liberdade dos

    crentes. Espionar atividade prpria de estrangeiros inimigos.O verbo sugere a idia de espiar um territrio. Assim o espio sempre um inimigo disfarado que procura os pontos fracosdo seu alvo a fim de cooperar com sua destruio. Em Jerusalm,os espies procuravam encontrar dentro da igreja fraquezasna compreenso da liberdade conquistada por Cristo para oscrentes. Fazendo presses sobre esses pontos de maiorfragilidade eles tinham como alvo destruir a liberdade crist e

    tornar os crentes escravos da Lei.5

    Toda essa estratgia usada pelos maus nos ajuda a detectaros inimigos de Cristo infiltrados entre os irmos. Sempre quealgum no meio da igreja milita contra algo que Cristoconquistou para ns na cruz, certamente tal pessoa um servode Satans a servio de seu senhor no meio do povo de Deus.Exemplos do que Cristo conquistou para ns no Calvrio, almda liberdade, so a alegria (Jo 7.38), a comunho pacfica (Ef

    2.14-16), o acesso a Deus (Hb 10.19-20) e o poder para umavida de consagrao (Rm 6.10-11; 2Co 5.15). Sempre quealgum, dentro da igreja, luta contra essas coisas, tal pessoadeve ser olhada com suspeita como um falso irmo infiltradoem nosso meio para destruir a obra do Mestre e, assim,cumprir os planos de Satans.

    O v. 5 deixa implcito que os falsos irmos, alm de tentardestruir o que Cristo conquistou para o seu povo tambm tentam

    se impor sobre o rebanho. Paulo d a entender que os legalistasde Jerusalm queriam que ele e todos os crentes se sujeitassems suas idias (o paralelo com os legalistas que estavam naGalcia bvio, cf. 4.17; 6.12-13). , de fato, trao tpico dosfalsos irmos tentar ocupar posies de influncia, de onde seusataques podem ser feitos com maior eficcia (3Jo 9-10). O apstolo,porm, em nenhum momento se sujeitou a eles. Com isso elebuscava preservar a verdade do evangelho. A verdade que o

    apstolo tem em mente aqui a consubstanciada em 3.11.

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    Demonstrar que sua mensagem no lhe fora entregue por

    homem algum, mas sim pelo prprio Cristo, era fundamentalpara Paulo na defesa de seu apostolado (1.11-12). Por issoinsiste em dizer que em sua segunda visita a Jerusalm, osapstolos que ali estavam nada lhe acrescentaram (6). Com aexpresso quanto aos que pareciam influentes, Paulo d aentender que tem em mente outros lderes, pouco conhecidospor ele, alm dos apstolos. Ao mencionar tais homens e suaaparente autoridade, Paulo observa que a grandeza deles

    naquela igreja no o impressionava, pois, conforme lembra,Deus no julga pela aparncia.

    De fato, comum na igreja vermos pessoas se destacando,tornando-se conhecidas e influentes, obtendo um lugar deproeminncia no meio da irmandade, dando a todos aimpresso de que so grandes e cheios de autoridade entreos crentes. Algum assim pode impressionar os homens, masno passar de uma figura desprezvel aos olhos de Deus,

    algum que at mesmo muito o aborrece com seus ares deorgulhoso, com sua preocupao em passar uma falsa imagemde santidade e zelo (Mt 6.16; 2Tm 3.1-5), e com suaincapacidade de aceitar qualquer autoridade sobre si. Paulosabia que muitas vezes as aparncias no correspondem aosfatos. Por isso, no se deixava levar pelo aspecto externo dascoisas, sabendo que o justo Juiz julga de acordo com critriosque vo alm das nossas possibilidades (1Sm 16.6-7; Is 11.1-4), o que tambm deveria nos conduzir a um cuidado maiorcom o que realmente somos e com o modo como tratamos aspessoas (Jo 7.24; Tg 2.1-10).

    Paulo prossegue dizendo que a liderana da igreja emJerusalm reconheceu seu apostolado como estando no mesmonvel do apostolado de Pedro, o apstolo de maior destaqueentre os Doze (7). A diferena entre ambos era apenas notocante ao alvo de cada ministrio. O principal alvo de Pauloera os gentios; o principal alvo de Pedro era os judeus. Isso,

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    evidentemente, no significava que Paulo no deveria pregar

    aos judeus (At 9.15), ou que Pedro no deveria evangelizargentios. Na verdade, os judeus eram os primeiros que Paulotentava conduzir f nas cidades por onde passava (At 13.45-48; 14.1; 18.5-6; 28.16-28), e Pedro foi personagemfundamental no processo de incluso dos gentios na igreja(At 10; 15.7). Aqui, no entanto, -nos ensinado acerca danfase do trabalho de cada um (Rm 11.13; 1Tm 2.7).

    A despeito de atuarem em esferas diferentes, a igualdade

    entre o apostolado de Paulo e o de Pedro estava no fato deque Deus operara da mesma maneira por meio de ambos (8).No havia, pois, razo alguma para que Paulo fosseconsiderado um falso apstolo ou um apstolo de categoriainferior como pretendiam os mestres legalistas. Paulo ensinano v. 8 que nem mesmo o prprio Deus fazia essa distino.

    A operao de Deus por meio de Pedro e Paulo comoapstolos, consistiu em manifestar seu Filho a eles depois de

    ressurreto (Jo 20.19-20; 1Co 9.1), incumbi-los pessoalmente damisso de proclamar o evangelho (Jo 20.21; At 26.15-18; 1Co9.17), dar-lhes singular intrepidez e sabedoria ao pregar (Mt10.17-20; At 4.13; 2Co 10.3-5; 11.23-29), abrir o corao deincrdulos para a sua mensagem (At 2.37-41; 16.14) revelar-lhes verdades doutrinrias at ento desconhecidas (2Co 12.1,7;Ef 3.2-6; 2Pe 3.1-2), e realizar milagres jamais vistos como provade que sua mensagem vinha de Deus (2Co 12.12; Hb 2.3-4).

    Paulo conclui o relato sobre sua segunda visita a Jerusalmfalando que os lderes da igreja ali reconheceram alegitimidade de seu ministrio e estenderam a mo a ele e aBarnab, um sinal de harmonia e amizade, estando em acordoquanto s diferentes esferas de atuao missionria (9). bom ressaltar que os lderes aqui, Tiago, Pedro e Joo, sochamados de colunas, o que lembra o dever dos que esto frente de sustentar a igreja com fora e firmeza inabalvel

    (2Tm 1.7).

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    O v. 10 revela que os lderes de Jerusalm somente pediram

    que Paulo e Barnab se lembrassem dos pobres. Isso faziasentido, considerando que a visita tinha sido motivada pelaprofecia de Atos 11.27-30. Tal pedido, porm, no refletiaqualquer autoridade dos apstolos de Jerusalm sobre Paulo.Mesmo assim, ele se esforou para atend-lo. De fato, o cuidadocom os carentes foi uma marca presente ao longo de todo oministrio de Paulo (Rm 15.25-26; 1Co 16.1-4).

    A SIMULAO DE PEDROGLATAS 2.11-2111. Quando, porm, Pedro veio a Antioquia, enfrentei-o facea face, por sua atitude condenvel.

    12. Pois, antes de chegarem alguns da parte de Tiago, elecomia com os gentios. Quando, porm, eles chegaram,afastou-se e separou-se dos gentios, temendo os que eramda circunciso.

    13. Os demais judeus tambm se uniram a ele nessahipocrisia, de modo que at Barnab se deixou levar.14. Quando vi que no estavam andando de acordo com averdade do evangelho, declarei a Pedro, diante de todos:Voc judeu, mas vive como gentio e no como judeu.Portanto, como pode obrigar gentios a viverem comojudeus?

    15. Ns, judeus de nascimento e no gentios pecadores,

    16. sabemos que ningum justificado pela prtica da Lei,mas mediante a f em Jesus Cristo. Assim, ns tambmcremos em Cristo Jesus para sermos justificados pela f emCristo, e no pela prtica da Lei, porque pela prtica da Leiningum ser justificado.

    17. Se, porm, procurando ser justificados em Cristodescobrimos que ns mesmos somos pecadores, ser Cristoento ministro do pecado? De modo algum!

    18. Se reconstruo o que destru, provo que sou transgressor.

    19. Pois, por meio da Lei eu morri para a Lei, a fim de

    viver para Deus.

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    20. Fui crucificado com Cristo. Assim, j no sou eu quem

    vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo nocorpo, vivo-a pela f no filho de Deus, que me amou e seentregou por mim.

    21. No anulo a graa de Deus; pois, se a justia vem pelaLei, Cristo morreu inutilmente!

    A presente etapa da narrativa de Paulo refere-se a umasevera repreenso que ele dirigiu a Pedro quando este visitouAntioquia. Com a meno desse episdio, Paulo pretendealcanar o propsito de mostrar que no era em nada inferioraos apstolos de Jerusalm (j que repreendeu o maior dentreeles), bem como defender a salvao unicamente pela f, aoreproduzir as palavras que dirigiu a Pedro.

    A seo se inicia com a meno de uma visita de Pedro aAntioquia (11). O Livro de Atos no faz nenhuma refernciaa esse fato. Presume-se, a partir dos eventos narrados emAtos12, que, depois de ter sido milagrosamente libertado dapriso em que Herodes o havia lanado, Pedro foi a Antioquia.Em Atos dito apenas que ele se ausentou indo para outrolugar (At 12.17). Depois disso, Pedro s aparece novamentena narrativa em Atos 15, no Conclio de Jerusalm (At 15.7). possvel, portanto, situar a visita de Pedro a Antioquia entresua extraordinria libertao e o Conclio de Jerusalm.

    Paulo afirma que por aquele tempo teve de enfrent-lo facea face, por sua atitude condenvel. Essa atitude descritano v. 12. Nele aprendemos que Pedro comia com os gentiosat a chegada de uma delegao de crentes judeus, vindos deJerusalm, enviados por Tiago. Porm, com a chegada dessadelegao a Antioquia, ele ficou receoso de ser reprovado peloslegalistas e, para passar-lhes uma boa impresso, afastou-sedos irmos gentios.

    De fato, antes do conclio mencionado em Atos 15, a igreja deJerusalm, predominantemente judaica, tinha em aberto a

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    questo de como receber os gentios em sua comunho. No

    faltavam os que viam o cristianismo como um simples ramo dojudasmo e diziam que a f no era suficiente para que um gentiofosse aceito como irmo, sendo necessria tambm a circuncisoe a guarda da Lei Mosaica (At 15.1, 5). Para esse grupo, erainadmissvel que um judeu comesse com um gentio (At 11.1-3).

    No estando esse problema ainda formalmentesolucionado, Pedro, diante dos irmos judeus, ficou com medode ser reprovado em sua associao com crentes incircuncisos

    e, assim, rompeu a comunho com eles. Com isso eledemonstrou hipocrisia, covardia e desobedincia, uma vez quej havia aprendido do prprio Senhor a no desprezar oscrentes no judeus (At 10.27-28, 34-35; 11.1-17). Ele tambmdemonstrou desprezo pela s doutrina, preocupando-se maiscom a aprovao dos homens do que com a de Deus. Segundoo v. 13, essa conduta vacilante e reprovvel influenciou outroscrentes judeus que a imitaram. Paulo admirou-se do fato de

    que o prprio Barnab, exemplo mximo de piedade (At 4.36-37; 11.22-24), tambm tivesse se deixado levar.

    Evidentemente, tamanha falta no poderia passar embranco e Paulo tomou em suas mos a tarefa de admoestarPedro, o principal responsvel por toda aquela farsa. Pauloentendeu que Pedro e os demais judeus no estavam andandode acordo com a verdade do evangelho (14). De fato, averdade do evangelho, alm de ensinar que a salvao pela

    f somente (16; Rm 3.28), estabelece tambm que em Cristo,no h distino entre judeus e gentios (At 15.8-9; Gl 3.26-28); que em sua morte, o Filho de Deus rompeu a barreira deseparao que estava entre os dois e criou de ambos um novohomem, fazendo a paz (Ef 2.11-19); e que os gentios so co-participantes da graa de Deus dada em Cristo (Ef 3.5-6).Quando Pedro e seus companheiros se afastaram dos irmosgentios, era como se negassem todas essas verdades,passando a andar em desarmonia com elas.

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    A repreenso de Paulo destacou inicialmente a incoerncia

    do procedimento de Pedro: Voc judeu, mas vive como gentioe no como judeu. Portanto, como pode obrigar gentios aviverem como judeus? (14). Com essas palavras, Paulo tocana ferida do farisasmo. Nelas vemos implcitos os dois errosprincipais cometidos por todos os que querem viver sob a Lei.Primeiro, sua conduta exterior uma farsa. Os legalistas tmuma vida dupla: diante dos homens apresentam-se comozelosos da Lei, mas longe dos olhos alheios vivem conformeoutros padres (Mt 23.23-28). Em segundo lugar, os fariseuslegalistas tm o hbito de impor fardos sobre os outros, maseles prprios no se dispem a carregar esses mesmos fardos(Mt 23.4). assustador que Pedro, que viu quo severamenteo Senhor, em seu ministrio terreno, reprovou a condutafarisaica (Mt 23.1-3), tenha incorrido em to grave erro.

    A reproduo da repreenso dirigida por Paulo a Pedroprossegue nos vv. 15-16. Nesses versculos Paulo conta tertrazido lembrana de Pedro que mesmo eles, sendo judeusde nascimento, portadores de privilgios e conhecimentosespirituais que os colocavam em vantagem em relao aqualquer pago ignorante (Rm 9.1-5), j haviam descobertoque ningum justificado pela prtica da Lei, mas mediantea f em Jesus Cristo. Esse princpio to resistido pelos homensem todas as eras j havia sido descoberto por judeus agoraconvertidos, os quais outrora tinham tentado ser justificadospela prtica da Lei e haviam falhado. Como ento Pedro,

    algum que, como um desses judeus, j tinha experimentadoa impotncia da Lei, era agora capaz de sutil edissimuladamente impor sua observncia aos gentios? Se, comtodos os privilgios espirituais que tinham, os judeus haviamfalhado e recorrido f, reconhecendo ser esta a nica sada,como poderiam agora impor o fardo da Lei a povos que jamaistiveram privilgio algum? , pois, como se Paulo dissesse:Ns judeus, com todo o favor que recebemos, descobrimos

    ser impossvel algum salvar-se pela Lei. Como podemos

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    esperar agora que os pobres gentios consigam essa

    faanha?.Assim, Paulo conclui o v. 16 realando que, mesmo eles,

    judeus com vantagens sobre todos os povos, tiveram que crerem Cristo para ser justificados, j que pela observncia da Lei,a qual exige uma obedincia perfeita, ningum, nem mesmo opovo da Aliana com todo o seu conhecimento, direitos eprerrogativas, pode ser considerado justo aos olhos de Deus.

    No v. 17, Paulo sugere que se o homem justificado pela f

    em Cristo, porventura ainda buscar a justificao pela Lei, issoser o mesmo que, estando em Cristo, considerar-se ainda presoao pecado. Seria como se dissesse: Mesmo tendo encontradoa justificao pela f em Cristo, isso no me suficiente, poisconsidero-me ainda um pecador no justificado. Ora, issosignificaria que crer em Cristo nos manteria ainda sob o pecado.Nesse caso, o ministrio do Senhor, ou seja, seu ensino e obra,no nos livraria, mas sim manteria nossas almas sob a culpa

    do pecado que no pde remover. Cristo seria assim, umministro que ainda nos deixaria no pecado. Para Paulo, essahiptese absurda. , de fato, repugnante blasfmia atribuirainda que s uma parte da justificao observncia da Lei, jque isso implica afirmar que Cristo no suficiente para salvare que a simples f nele ainda nos mantm enredados em culpae condenao (veja o v. 21).

    O procedimento de Pedro em Antioquia trazia em si todas

    essas horrveis implicaes. Sendo j justificado em Cristo,ele se apresentara diante dos judeus de Jerusalm comoalgum que buscava a justificao pela prtica da Lei e, agindoassim, blasfemava, j que com essa prtica era como sedissesse que o Senhor no o livrara da culpa, mas comoministro do pecado, ainda o mantinha em triste escravido.De fato, era como se dissesse que ainda estava em busca dasalvao, considerando Cristo como algum que o conservara

    preso aos seus pecados.

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    Dando seqncia sua argumentao, Paulo,

    provavelmente ainda reproduzindo sua censura a Pedro, fazuso de uma figura tirada do contexto da construo civil (18).Ele afirma que se reconstruo o que destru, provo que soutransgressor. O significado disso simples: Paulo, Pedro e osdemais crentes judeus, quando creram em Cristo, haviam comoque destrudo sua antiga confiana nas obras da Lei. Elestinham chegado concluso de que a Lei no era capaz defornecer abrigo contra a culpa do pecado e, por isso, tinham

    posto ao cho todas as paredes de confiana que se aliceravamsua observncia. Ento, passaram a viver em outra casa, acasa da f em Cristo, nica edificao que oferece real segurana.Agora, porm, Pedro e seus companheiros estavam agindo comose voltassem a viver sob o teto da Lei. Era como se estivessemedificando novamente as paredes de confiana nas obras queeles prprios haviam destrudo quando creram no Senhor. Ora,isso era o mesmo que reconhecer que erraram quando deixaramde confiar na Lei. Era o mesmo que afirmar que cometeramgrave transgresso quando depositaram somente em Cristo aesperana de justificao.

    No v. 19, ressaltando o absurdo da hiptese prevista no v.18, Paulo mostra quo impossvel era para ele qualquerreconstruo da confiana na Lei. Ele havia morrido para ela,ou seja, havia se libertado totalmente do seu domnio (Rm7.4-6). Isso acontecera por meio da prpria Lei que lhemostrara, quando ainda o tinha sob seu domnio, quoincapaz era de livrar do pecado, posto que to somente orealava e, dada a nossa malcia, at o estimulava ainda mais(Rm 7.7-14). Nesse sentido, foi a prpria Lei que encorajouPaulo a abandonar a confiana nela. Morto para os preceitoslegais e, dessa forma, livre de seus fardos, Paulo passou aviver para Deus.

    O apstolo explica o significado da expresso viver paraDeus no v. 20. Num dos versculos mais tocantes de todo o

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    NT, Paulo diz que morreu para a Lei ao unir-se a Cristo em sua

    crucificao. Essa uma forma viva de dizer que morreu paraa Lei ao apropriar-se dos benefcios da morte de Cristo. Assim,estar crucificado com Cristo prender-se cruz pela f e, assim,morrer para a velha vida com seus padres e crenas vs(6.14). Lembremos que essas palavras provavelmente aindacompem a admoestao dirigida a Pedro que, com seuprocedimento, revelara um modelo diferente de vida.

    Paulo prossegue explicando, ainda no v. 20, o sentido da

    expresso viver para Deus (v. 19). Ele diz que, alm de estarmorto para o antigo estilo de vida baseado na confiana naLei, tem agora seu eu totalmente dominado por Cristo. Jno sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. Aqui reside osegredo de toda a piedade crist. Esta no consiste deobedincia exterior a regras, como ensinavam os mestreslegalistas da Galcia, mas sim de um deixar-se dominartotalmente por Cristo, de tal forma que o indivduo desaparea,

    inundado por uma onda de carter transformado e santo (5.24).Essa vida que implica morte para padres antigos e inteis;essa vida que implica a renncia de si prprio; essa vida queconsiste na construo do viver de Cristo em ns, s possvelpela f no Filho de Deus. No h espao nela para a confiananas obras pessoais. Alis, admitir, como Pedro dera a entender,que a justia vem pela Lei, seria o mesmo que anular a graade Deus e afirmar a inutilidade do sacrifcio de Cristo (21).

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    mediante a f que o homem justificado, e por obra doEsprito Santo que participa das bnos da vida crist, sendoa Lei incapaz de realizar qualquer uma dessas coisas, conformese v no relato bblico acerca de Abrao. De fato, a Lei no foidada para salvar, mas para dar limites ao mal e conduzir opecador a Cristo, em quem desaparecem as barreiras entre os

    homens.

    A INUTILIDADE DO ZELO LEGALISTA

    GLATAS 3.1-51. glatas insensatos! Quem os enfeitiou? No foi diantedos seus olhos que Jesus Cristo foi exposto como crucificado?

    2. Gostaria de saber apenas uma coisa: foi pela prtica daLei que vocs receberam o Esprito, ou pela f naquilo queouviram?

    3. Ser que vocs so to insensatos que, tendo comeadopelo Esprito, querem agora se aperfeioar pelo esforoprprio?

    4. Ser que foi intil sofrerem tantas coisas? Se que foiintil!

    5. Aquele que lhes d o seu Esprito e opera milagres entrevocs realiza essas coisas pela prtica da Lei ou pela f

    com a qual receberam a palavra?

    o evangelho e seu poder

    3.

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    No captulo 3 de Glatas, Paulo passa a tecer diversos

    argumentos em defesa da f como instrumento de justificaoe ao especial de Deus em detrimento da observncia da Lei.

    A seo se inicia com fortes palavras de censura queexpem a triste condio dos glatas. Com elas, Paulo querclaramente despertar seus leitores de forma que tornem sensatez. glatas insensatos! Quem os enfeitiou? (1),escreve o apstolo. Da se depreende em primeiro lugar queabandonar a confiana exclusiva em Cristo e se estribar numa

    justia prpria imaginria, que busca a salvao por meio daobedincia externa a regras, a mais absurda loucura.Tambm um conceito mais amplo de sabedoria advm disso:o homem sbio aquele que reconheceu a impotncia dosseus esforos pessoais e lanou-se pela f, sem reservas, nosbraos do Salvador. H, assim, sabedoria na f. O homem sbio, basicamente, o homem que cr. Sua sabedoria se expressana f em Cristo (2Tm 3.15).

    A partir do v. 1 tambm se deduz que o legalismo exerceum notvel fascnio sobre a natureza humana. como seenfeitiasse o homem, nublando sua mente e impedindo-ode andar luz das verdades mais elementares do evangelho.O homem fica fascinado com a idia de ser capaz de produzirsua prpria justificao; sente-se atrado pela aparncia depiedade que acompanha o zelo pelas tradies e pelas regrasreligiosas; busca cegamente a aprovao e admirao dos

    homens que mostram-se sempre impressionados com areligiosidade exterior; enfim, fica encantado com o que temares de grandeza e seriedade, mas no tem poder para fazero indivduo andar um centmetro sequer no rumo dasantidade (Cl 2.23). Aqui, portanto, Paulo toca num dosfatores que fazem do legalismo uma das mais perigosasarmadilhas: o fato dele fascinar as pessoas e, aps entorpecersuas mentes, conduzi-las apostasia, ao abandono da fna suficincia de Cristo (5.4).

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    A insensatez dos crentes da Galcia ganhava contornos

    ainda mais fortes quando se considerava que o evangelhofora exposto a eles com clareza indescritvel. Paulo lhesapresentara o sacrifcio do Senhor e o significado de sua obracom tamanha vivacidade que era como se eles tivessem sidotestemunhas oculares da crucificao (1Co 1.23; 2.2).1 Asuficincia da obra de Cristo no Calvrio fora apresentada aeles de forma to enftica que nenhum espao restara para aconfiana nas obras da Lei. A despeito disso, aqueles cristos

    deixaram-se levar pelos encantos da doutrina da justificaopelas obras, sendo seduzidos pelos contornos de um sistemareligioso centrado no esforo humano, com seu zeloaparentemente piedoso e glrias transitrias. Isso refora ofato de que o problema dos glatas no fora ingenuidade ouignorncia, mas verdadeira e surpreendente estupidez, o quemostra quo poderosa pode se tornar a influncia de falsosmestres no seio da igreja.

    A fim de despertar os crentes da Galcia do sono da insensatez,Paulo passa, a partir do v. 2, a dirigir-lhes perguntas cujasrespostas so fceis e bvias. Alis, to bvias so asrespostas que tais perguntas requerem que, por meio delas,fica ainda mais patente a insensatez dos glatas.

    Paulo dirige aos seus leitores, no v. 2, a seguinte pergunta:foi pela prtica da Lei que vocs receberam o Esprito, oupela f naquilo que ouviram? Daqui se depreende tanto que

    os glatas haviam recebido o Esprito Santo quanto quetinham plena conscincia disso. Aqui preciso deixar claroque essa conscincia no era decorrente de nenhuma evidnciasobrenatural externa. De fato, os relatos da converso doscrentes da Galcia constantes do Livro de Atos mostram quetais converses no foram acompanhadas de nenhumamanifestao externa de dons espirituais (At 13.43, 48; 14.1,20-21). Portanto, a conscincia de que tinham o Esprito estavapresente nos glatas em virtude de uma obra interna do

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    prprio Esprito em seus coraes, a qual consistira a princpio

    de ench-los com uma alegria especial num ambiente que lhesera hostil (At 13.52) e agora se manifestava num testemunhointerior que lhes dava a certeza de que eram filhos de Deus(Rm 8.15-16).

    Ora, certos de que tinham o Esprito, aqueles crentes noeram ignorantes ao ponto de crer que tal ddiva lhes foraconcedida por meio da observncia da Lei mosaica. Alm disso,o propsito da prpria pergunta do v. 2 realar algo bvio,

    ou seja, que o Esprito de Deus passara a habitar neles apartir do momento em que creram na mensagem anunciadapor Paulo e no pelo fato de terem cumprido a Lei, j que,como se sabe, ningum capaz de cumpri-la de fato.

    O ensino da habitao do Esprito Santo no crente parteintegrante do Novo Testamento (Rm 5.5; 1Co 2.12; 3.16; 6.19;2Co 1.21-22; 5.5), sendo certo que a ausncia do Esprito emalgum, prova de que tal pessoa no salva (Rm 8.9; 1Co

    2.14; Jd 19). Que essa ddiva nos advm pela f em Cristo fato que tambm compe o ensino bblico (Jo 7.37-39; Ef 1.13).Paulo, assim, faz uso dessa verdade para, mais uma vez,mostrar a superioridade da f em relao prtica dolegalismo. Ele mostra dessa forma que somente a f osintroduzira no rol dos homens habitados por Deus, sendo aLei incapaz de conceder-lhes tal privilgio.

    A pergunta que Paulo faz no v. 2 reveste-se de uma

    importncia singular nos dias modernos. Isso porque naatualidade existem igrejas evanglicas que incentivam seusmembros a buscar o batismo do Esprito Santo por meio decertas prticas cultuais ou de zelo religioso. Chegam mesmoa dizer que s recebe o Esprito o crente que durante umperodo indeterminado se dedica a jejuns e oraes,submetendo-se ainda a outras regras impostas pela igreja.Ora, isso equivale a dizer que o Esprito dado por meio das

    obras e no pela f. justamente esse pensamento que o v. 2

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    rejeita. Paulo, desde o incio, havia ensinado aos glatas que

    a justificao pela f, e no pela prtica da Lei (At 13.39).Agora ele os faz lembrar que tambm a habitao de Deus nohomem advm somente da f em Cristo, nada restando Leique faa dela fonte de benefcios espirituais.

    Paulo prossegue demonstrando a insensatez dos crentesda Galcia. Agora, no v. 3, ele mostra quo absurda tolice terem iniciado a carreira crist pela atuao do Esprito Santoe, ento, depois de conhecerem a incomparvel fora

    transformadora dele, se voltarem para si mesmos, crendo queem si encontraro recursos para serem aperfeioados. AquiPaulo deixa claro primeiramente que pela atuaosobrenatural do Esprito de Cristo que nos tornamos cristos. nele que encontramos o incio de toda a nossa carreiraespiritual como filhos de Deus (Jo 16.8; Rm 2.29; 1Co 2.4-5;6.11; Ef 1.13; 2Ts 2.13; 1Pe 1.2). O papel do Esprito, porm,na transformao do homem no pra a. Sua obra no crente

    continua (Rm 5.5; 8.13; 2Co 3.18; Ef 3.16; Fp 1.6) e, sem ela,o cristo que confia meramente em seus esforos pessoais,no progride um centmetro sequer.

    Na Galcia, porm, os crentes no assimilaram essasverdades indo ainda muito alm em seu erro. De fato, estavamconfiando no esforo pessoal legalista no somente para servira Deus, mas tambm para de alguma forma obter o que criamser a justificao completa. Eles acreditavam que pela atuao

    do Esprito neles, a obra de justificao havia apenas seiniciado e que agora dependia deles a concluso dessa obra.Essa crena hertica porque, alm de reduzir a real amplitudeda obra de Deus na salvao humana, no fim das contas colocasobre os ombros do homem a responsabilidade por sua prpriasalvao, como se ele tivesse poderes para obt-la. Portanto,diminuir a obra de Deus e exaltar a obra do homem oresultado final desse desvio doutrinrio. Paulo rejeita tudoisso. Em seu ensino, a consagrao a Deus depende da obra

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    do Esprito (Rm 7.6) e, alm disso, nenhuma confiana pode

    ser depositada no esforo humano para a obteno da justiade Deus (Fp 3.3; Tt 3.5).

    No v. 4, Paulo faz os crentes da Galcia recordarem umpouco de sua histria. Quando eles receberam o evangelhoda salvao pela f, rompendo muitos deles com o antigosistema judaico, essa deciso lhes trouxe inmerosdissabores. Alis, foram precisamente os judeus, homens queconfiavam na justia de Lei que, vendo suas crenas serem

    ameaadas, se insurgiram contra Paulo na Galcia (At 13.49-51; 14.2,4-5,19-20). Evidentemente essa perseguio atingiutambm os que creram na pregao de Paulo (At 14.22). Dessamaneira, foi por terem abraado uma mensagem quedesprezava o legalismo judaico que os crentes da Galciahaviam sofrido tanto. Agora, porm, respondendo aos apelosdos falsos mestres, eles estavam se voltando precisamentepara o legalismo judaico, cuja rejeio lhes havia custado preo

    to alto. Teria sido desnecessrio todo aquele sofrimento?pergunta Paulo. Que terrvel prejuzo ter sofrido por algo que,como pareciam agora crer, no tinha valor algum! Antestivessem permanecido na Lei. Assim receberiam os aplausosdaqueles que os perseguiram e no teriam passado inutilmentepor tantas provas. Ao encerrar o v. 4 com a frase se que foiintil, Paulo faz transparecer que duvida da hiptese quelevantou. como se dissesse: prefiro, contudo, aindaacreditar que vocs no consideram intil tudo pelo quepassaram.

    Com o v. 5, Paulo termina o pargrafo reforando o ensinoj exposto (v. 2) de que a ddiva do Esprito vem pela f e nopela prtica da Lei. A isso ele acrescenta, valendo-se ainda deperguntas inquietantes, que a operao de milagres entre osglatas era resultado da f e no do zelo legalista. No sesabe de que milagres ele fala aqui. Talvez tenha em mente osque ele prprio realizou na Galcia (At 14.3, 8-10), mas

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    possvel que outras manifestaes especiais do Esprito fossem

    testemunhadas por aqueles cristos, considerando que taisoperaes eram muito comuns nos dias apostlicos. Seja comofor, Paulo quer aqui to-somente frisar que a graa operantede Deus resultado da f e no um pagamento pelas obras.Se assim fosse, no poderia mais ser chamada de graa.

    A BNO QUE VEM DA FGLATAS 3.6-9

    6. Considerem o exemplo de Abrao: Ele creu em Deus, eisso lhe foi creditado como justia.

    7. Estejam certos, portanto, de que os que so da f, estes que so filhos de Abrao.

    8. Prevendo a Escritura que Deus justificaria os gentiospela f, anunciou primeiro as boas novas a Abrao: Pormeio de voc todas as naes sero abenoadas.

    9. Assim, os que so da f so abenoados junto com

    Abrao, homem de f.

    Nesse novo pargrafo, Paulo deixa de argumentar a partirda lgica exposta em perguntas retricas e passa a fazer usode argumentos escritursticos. Inmeras citaes do AntigoTestamento so feitas a partir do v. 6. Com elas, Paulo repisaa tese de que a justificao pela f, independentemente dasobras da Lei Mosaica.

    bom destacar que o largo uso de citaes bblicas feitopor Paulo demonstra como o apstolo tinha em alta conta aSagrada Escritura. De fato, quando deseja provar a veracidadede seu ensino, recorre a ela muito mais do que ao raciocniolgico, mostrando que a tinha como palavra final nas questesque estava discutindo. Essa viso da Bblia como fonte ltimade autoridade tem sido abandonada pelos cristos modernos,2

    o que redunda em tristes prejuzos doutrinrios e morais.

    Apelar para o que o texto sagrado diz na hora de dirimir

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    questes de f e conduta prtica que deve ser resgatada

    pelos crentes de hoje.No v. 6, portanto, Paulo, citando Gnesis 15.6, introduz o

    exemplo de Abrao como prova bblica de que a justificao pela f.3 De fato, o texto de Gnesis ensina que foi a f queAbrao teve e no a sujeio a regras4 que o levou a serconsiderado justo diante de Deus. Alis, esse exemplo de Abraofoi citado por Paulo com o mesmo objetivo cerca de nove anosmais tarde, na Epstola aos Romanos. Ali, o apstolo expe de

    modo ainda mais completo o fato do grande patriarca da naojudaica ter sido justificado somente por ter crido em Deus eainda antes de ser circuncidado (Rm 4.1-3, 9-10, 13). Esse fatotinha relevncia especial no combate aos ensinos dos falsosmestres da Galcia que impunham aos crentes a necessidadeda circunciso caso quisessem ser salvos (5.2-6; 6.12-13).

    Entretanto, esse uso reiterado que Paulo faz de Gnesis15.6 pode levantar objees. Isso porque, aparentemente, o

    objeto da f de Abrao no foi idntico ao objeto da f crist.Abrao, mesmo sendo j velho e no tendo nenhum filho,creu na promessa de que Deus faria uma grande nao a partirde um descendente seu (Gn 15.4-6). A f crist, por sua vez,tem um foco distinto. Por ela o crente cr que Jesus Cristo oFilho de Deus que morreu e ressuscitou pelos nossos pecados,depositando nele sua confiana para a vida eterna. Parecem,portanto, bem distintos os contornos que caracterizam a f

    de Abrao e a f dos crentes em Cristo. Como, ento, Paulopde compar-las?

    A resposta a essa questo pode ser obtida observando-seRomanos 4.18-22. Nesse texto, especialmente nos vv. 20-21,Paulo deixa claro de que modo a f de Abrao se identificacom a dos cristos. luz desse texto, o patriarca creu no queDeus prometeu (Hb 11.11) e os cristos fazem o mesmo aocrerem nas promessas que Deus fez em seu Filho (2Tm 1.1;

    Hb 9.15; 10.23; 2Pe 3.13; 1Jo 2.25). Alm disso, Abrao creu

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    que Deus era poderoso para cumprir sua promessa. Ora,

    tambm os cristos, quando crem na promessa de que emCristo recebero o dom da vida eterna no duvidam que Deus poderoso para cumprir sua Palavra (Fp 3.21). Nesse aspecto,a f de Abrao e a dos cristos se harmonizam plenamente,sendo sob esse ngulo que Paulo traa um paralelo entre elas.

    O que no se pode perd