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Artigo de Revisão Bibliográfica
Mestrado Integrado em Medicina
EFEITOS COGNITIVOS DA QUIMIOTERAPIA
Ana Sofia Machado Costa
Orientadora
Doutora Margarida Sara Salazar Mendes Moreira
Porto 2011
1
Ana Sofia Machado Costa
EFEITOS COGNITIVOS DA QUIMIOTERAPIA
Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto
1
Índice
Summary 2
Introdução 3
Alterações Cognivitas Associadas à Quimioterapia 4
Principais Estudos 4
Mecanismos 8
Áreas Afectadas 13
Alterações Cerebrais Funcionais e Estruturais 13
Factores de Risco e Factores Confundidores 14
Percepção das Limitações e Alteração na Qualidade de Vida 16
Testes Diagnósticos 16
Diagnóstico Diferencial 19
Prevenção e Tratamento 20
Conclusão 22
Referências 24
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
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Summary
Since the 1970’s there has been growing interest in the possible association
between chemotherapy and the cognitive impairment noticed by cancer patients treated
with this technique.
This paper aims to gather the information available about the chemotherapy-
related cognitive impairment, in order to understand what cognitive functions are affected,
what are the mechanisms that lead to this impairment, what factors intervene in this
phenomenon and what treatments are available.
The cognitive areas most affected are attention, memory, information processing
velocity and visuospacial skills. These patients complain about memory changes, inability
to focus attention and inability to perform multitasking, all those interfering with their daily
social and professional activities. These complaints appear to be influenced by anxiety
and depression, as there isn’t correspondence between the intensity of the patient’s
complaints and the cognitive impairment objectively measured. There are a number of
factors that could also participate in the appearance of cognitive deficits after
chemotherapy – age, fatigue, impact of surgery, hormonal treatment, menopause,
medications, genetic predisposition, comorbidities and paraneoplastic phenomenon. The
proposed mechanisms for chemotherapy-induced cognitive impairment are direct
neurotoxicity, secondary inflammatory response and microvascular damage. Imaging
studies, like Magnetic Resonance Imaging and Positron Emission Tomography, show
reduction of gray matter and cortical/subcortical white matter. The therapeutic measures
available consist of cognitive rehabilitation strategies and psychosocial support.
Symptomatic treatment with methylphenidate and modafinil has been employed, such as
neuroprotective treatment with ginkgo biloba, donepezil and antioxidants, but still with no
proven efficacy.
In spite of the number of studies that have been done in this area, the knowledge
about the chemotherapy-related cognitive impairment is still incomplete. More studies with
different methods are needed to further understand this subject.
Palavras-chave: cancro, quimioterapia, alterações cognitivas, chemobrain, chemofog
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
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Introdução
As funções cognitivas constituem um conjunto de funções integradas que nos
permitem comunicar através de símbolos, fazer representações mentais daquilo que nos
rodeia; apreender, processar, guardar e transmitir informação, criar, tomar decisões, ter
consciência de nós próprios, falar e ensinar. Delas fazem parte a linguagem, a memória,
a orientação, a atenção e a concentração (1).
A quimioterapia constitui um elemento essencial no tratamento e na paliação das
doenças oncológicas. À sua aplicação estão associados diversos efeitos secundários,
entre os quais náuseas, perda de apetite, perda de cabelo, neutropenia, fadiga e
neurotoxicidade (2,3). A neurotoxicidade associada à quimioterapia pode manifestar-se
através de encefalopatia aguda ou crónica, episódios semelhantes ao Acidente Vascular
Cerebral, síndrome cerebeloso, mielopatia transversa e neuropatia (3).
Apenas nos anos 70 começou a ser dada importância a um outro efeito
neurotóxico da quimioterapia – a alteração das funções cognitivas dos doentes sujeitos a
este tipo de tratamento (4). A investigação de uma possível associação entre a
quimioterapia e as alterações cognitivas observadas nos sobreviventes de cancro teve
início apenas nos anos 90 (4). Portanto, a atribuição destas alterações cognitivas,
também designadas por chemobrain ou chemofog, aos efeitos da quimioterapia tem,
ainda, uma história muito recente. Até à realização dos primeiros estudos que
associavam estas alterações à quimioterapia em si, pensava-se que elas estariam
relacionadas com factores psicológicos, como a depressão e a ansiedade, ou a outros
efeitos laterais da quimioterapia, como a fadiga (4).
As alterações cognitivas associadas à quimioterapia são definidas como a
alteração da memória, da aprendizagem, da concentração, do raciocínio, da função
executiva, da atenção e das capacidades visuoespaciais dos doentes, durante e após o
término da quimioterapia (5). São um efeito adverso relativamene comum dos agentes
quimioterápicos usados no tratamento de tumores sólidos, principalmente, no cancro da
mama, no cancro do pulmão, no cancro da próstata e no cancro do ovário (5). Estas
alterações são, na maioria dos casos, de natureza subtil, mas de intensidade suficiente
para interferirem na qualidade de vida destes doentes (5).
Com o crescente desenvolvimento dos tratamentos e com o surgimento de novos
fármacos usados no tratamento das doenças neoplásicas, é cada vez maior o número de
sobreviventes e a importância dada à sua qualidade de vida (6).
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
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Alterações Cognivitas Associadas à Quimioterapia
A incidência de alterações cognitivas relacionadas com a quimioterapia é de 16%
a 75% (5,7). Este é um efeito agudo comum durante a quimioterapia, mantendo-se como
alteração a longo prazo em 17% a 35% dos doentes (4,8).
A maioria dos estudos sobre este assunto é realizada em mulheres com cancro da
mama, uma vez que estas constituem o maior grupo de sobreviventes de cancro (9).
Não obstante, as alterações cognitivas secundárias à quimioterapia surgem, também,
associadas a outros tipos de tumores, como o cancro do pulmão (10), o cancro do ovário
(11), o cancro testicular (12) e os cancros hematológicos (9).
A disfunção cognitiva, como efeito lateral da neurotoxicidade da quimioterapia, é
um achado comum e com um importante impacto na qualidade de vida dos doentes (13).
Principais Estudos
Apesar do interesse científico neste assunto ser, como já foi referido
anteriormente, ainda muito recente – os primeiros relatos de disfunção cognitiva em
relação com a quimioterapia apareceram em 1974 (14), vários estudos foram já
realizados.
Wieneke and Dienst, em 1995, usaram testes neuropsicológicos para avaliar o
funcionamento neuropsicológico de vinte e oito mulheres com cancro da mama em
estádio I e II, três a dezoito meses após concluída a quimioterapia, predominantemente
com ciclofosfamida, metotrexato e 5-fluorouracilo (15). Compararam estes resultados
com dados normativos publicados (15). Em 75% das mulheres, foram encontradas
alterações cognitivas (15). As doentes tinham uma pontuação abaixo do normal
estabelecido de acordo com a idade, a educação e o género (15). As prinicpais áreas
afectadas eram a memória verbal e visual, a flexibilidade mental, a velocidade de
processamento da informação, a atenção, a concentração, a capacidade visuoespacial e
a função motora (15). Estes resultados não estavam relacionados com o regime de
quimioterapia, o tempo decorrido desde o tratamento e a presença de depressão (15).
Foi, no entanto, encontrada relação entre uma maior duração da quimioterapia e um
maior agravamento das alterações cognitivas (15).
Em 1998, van Dam et al. compararam doentes com cancro da mama com
gânglios linfáticos positivos randomizadas para receber a dose standard de quimioterapia
com 5-fluorouracilo, epirubicina e ciclofosfamida mais tamoxifeno (n=34) ou quimioterapia
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
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em alta dose mais tamoxifeno (n=36) com um grupo controlo com doença em estádio I
que não recebeu quimioterapia (n=34) (16). Estas doentes realizaram uma bateria de
testes neuropsicológicos, cerca de dois anos após a quimioterapia (16). Em 32% das
doentes submetidas a quimioterapia em altas doses foram encontradas alterações
cognitivas, o mesmo aconteceu em 17% das doentes que receberam a quimioterapia em
doses standard e em 9% dos controlos (16). Não foram encontradas diferenças nos
domínios específicos das funções cognitivas (16). Este estudo foi importante na medida
em que apresentou uma nova metodologia – randomização das doentes e uso de um
grupo controlo – e encontrou uma possível relação entre a dose de quimioterapia e o
surgimento de alterações cognitivas (16).
Schagen et al., em 1999, compararam os défices cognitivos observados em
mulheres com cancro da mama submetidas a quimioterapia pós-cirurgia (n=39) com os
défices observados nas submetidas a radioterapia pós-cirurgia (n=19) (17). Em 28% do
grupo que recebeu quimioterapia foi verificada a existência de alterações cognitivas e em
12% do grupo controlo (17). Estes achados eram independentes da existência de
ansiedade, depressão, fadiga e do tempo desde o tratamento (17). As áreas afectadas
consistiam na atenção, na flexibilidade mental, na velocidade de processamento da
informação, na memória visual e na função motora (17).
No seguimento das doentes intervenientes nos dois estudos anteriores, foi
encontrada uma melhoria na função cognitiva de todos os grupos submetidos a
quimioterapia e um ligeiro declínio no grupo controlo, quatro anos depois do tratamento
(18).
Brezden et al., em 2000, conduziram um estudo que incluiu mulheres com cancro
da mama em quimioterapia adjuvante (n=31), mulheres com cancro da mama submetidas
a quimioterapia dois anos antes (n=40) e controlos saudáveis (n=36) (19). As doentes
tratadas com quimioterapia obtiveram resultados inferiores aos dos controlos nos testes
cognitivos, principalmente na avaliação da memória e da linguagem (19).
Sobreviventes de cancro da mama e de linfoma, tratados com quimioterapia ou
apenas com tratamento local, foram comparados por Ahles et al. (2002), no mínimo cinco
anos após o tratamento (20). Foram encontradas alterações cognitivas em 39% dos
doentes tratados com quimioterapia e em 14% dos tratados com abordagens locais (20).
Estes achados consistiam em alterações subtis, essencialmente na memória visual e nas
funções executivas (20).
Tchen et al., em 2003, publicaram um estudo que avaliava a função cognitiva, a
fadiga e os sintomas menopáusicos em mulheres em quimioterapia para tratamento de
cancro da mama (21). Este estudo incluia cem doentes em tratamento com quimioterapia
e cem controlos saudáveis (21).Em 16% das doentes foram observados défices
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
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cognitivos moderados a severos, enquanto no grupo de controlo esta percentagem foi de
4% (21).
Em 2004, Castellon et al. compararam doentes com cancro da mama, tratadas
com quimioterapia (ciclofosfamida, metotrexato e 5-fluorouracilo ou um regime baseado
na doxorrubicina), com doentes tratadas com quimioterapia e tamoxifeno, com doentes
não tratadas com quimioterapia e com controlos saudáveis (22). As doentes tratadas com
quimioterapia apresentavam um desempenho inferior ao das não tratadas nos testes
neuropsicológicos (22). No entanto, os resultados obtidos não eram significativamente
diferentes daqueles encontrados nos controlos saudáveis (22). As queixas subjectivas
foram associadas a fadiga e a angústia psicológica, não havendo correlação entre estas
e os défices objectivamente medidos (22).
O primeiro estudo longitudinal foi conduzido por Wefel et al. (2004) e incluía
mulheres com cancro da mama que tinham recebido quimioterapia adjuvante em doses
standard (23). As doentes foram avaliadas em três tempos diferentes – antes de inicar a
quimioterapia, três semanas depois e um ano depois de terem iniciado a quimoterapia
(23). No primeiro, aproximadamente um terço das doentes apresentava algum grau de
défice cognitivo, 61% experimentava um declínio das funções cognitivas três semanas
após o início da quimioterapia e, na avaliação final, 50% das doentes que apresentaram
alterações nos tempos anteriores tinham melhorado, enquanto 50% tinham estabilizado
(23). A atenção, a velocidade de aprendizagem e a velocidade de processamento de
informação foram os domínios cognitivos primariamente afectados (23). Não foi
encontrada associação entre o declínio cognitivo e a idade, o nível de educação, o estado
menopáusico, o recurso a radioterapia, o uso de Terapia Hormonal de Substituição e o
estádio tumoral, nos dois primeiros momentos de avaliação (23). Em nenhum dos três
tempos de avaliação foi estabelecida uma relação entre a função cognitiva e a presença
de ansiedade ou de depressão (23).
O estudo observacional longitudinal de Schilling et al., de 2005, incluiu cinquenta
doentes com cancro da mama em estádio incial tratadas com quimioterapia e quarenta e
três controlos saudáveis (24). A função cognitiva do primeiro grupo foi avaliada antes do
inicío da quimioterapia e quatro semanas após o seu término (24). O grupo controlo foi
avaliado duas vezes, a segunda seis meses depois da primeira (24). Na primeira
avaliação, o grupo de controlo obteve resultados superiores aos do grupo de doentes nos
testes neuropsicológicos (24). Foi encontrado declínio das funções cognitivas em 34%
das doentes e em 18,6% dos controlos(24). Não foi observada relação entre os
problemas de memória reportados pelos intervenientes no estudo e um declínio cognitivo
mensurável através dos testes neuropsicológicos (24).
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
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Donovan et al., em 2005, publicaram um estudo comparando doentes com cancro
da mama em estádio inicial, tratadas com quimioterapia e com radioterapia, com doentes
tratadas apenas com radioterapia, seis meses depois do tratamento (25). Não foi
encontrada diferença estatisticamente significativa no desempenho dos dois grupos nos
testes neuropsicológicos (25).
No estudo longitudinal prospectivo de Bender et al. (2006), foram comparados três
grupos de mulheres com cancro da mama (26). Um com doença em estádio I ou II que
recebeu apenas quimioterapia adjuvante (n=19), outro com doença nos mesmos
estádios, mas que recebeu tamoxifeno para além da quimoterapia (n=15) e um terceiro
grupo composto por mulheres com carcinoma ductal in situ que não foram submetidas a
nenhum dos tratamentos referidos anteriormente (n=12) (26). A função cognitiva foi
avaliada em três alturas diferentes, no período de um ano – após a cirurgia e antes do
início da quimioterapia, uma semana depois do término da quimioterapia e um ano após
o segundo tempo (26). As doentes inseridas no primeiro grupo mostravam deterioração
da memória de trabalho no terceiro período de avaliação, as doentes pertencentes ao
segundo grupo exibiam, também, declínio na memória verbal e visual e o grupo controlo
demonstrou melhoria dos seus resultados nos testes de função cognitiva (26).
Hurria et al., em 2006, avaliaram vinte e oito mulheres com idade igual ou superior
a sessenta e cinco anos com cancro da mama em estádios I ou II, antes e seis meses
depois de serem tratadas com quimioterapia adjuvante (27). Em 50% não foram
encontradas alterações nas funções cognitivas, em 39% houve um declínio e em 11%
uma melhoria (27). As áreas afectadas foram a memória visual, a função psicomotora e
a atenção (27).
Em 2006, Scherwath et al., conduziram um estudo para determinar a persistência
do declínio cognitivo encontrado nos doentes após a quimioterapia (28). Deste modo, um
grupo de vinte e quatro doentes, submetidas a quimioterapia em altas doses cinco anos
antes, e um grupo de vinte e três, sujeitas a doses standard cinco anos antes, foram
comparados com um grupo de vinte e nove doentes com cancro da mama em estádio
inicial, correspondentes para idade, educação e tempo decorrido desde o tratamento
(28). Foi encontrado défice cognitivo, particularmente na memória verbal e na atenção,
em 8% das doentes do primeiro grupo, 13% das do segundo e 3% dos controlos (28).
O estudo longitudinal de Jenkins et al., de 2006, incluiu cento e vinte e oito
doentes com cancro da mama em estádio inical, oitenta e cinco tratadas com
quimoterapia e quarenta e nove controlos saudáveis (29). A função cognitiva dos
participantes foi avaliada no início do estudo, quatro semanas após a quimioterapia (seis
meses para os outros grupos) e doze meses após a quimioterapia (dezoito meses para
os outros grupos) (29). Apenas uma minoria das doentes tratadas com quimioterapia
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
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demonstrou declínio na função cognitiva após o tratamento, não havendo diferença
estatisticamente significativa entre os diferentes grupos – 20% nas que receberam
quimioterapia, 26% nas doentes não tratadas com quimioterapia e 18% no grupo controlo
aos seis meses e 18%, 14% e 11%, respectivamente, aos dezoito meses (29). Nas
mulheres com menopausa induzida pela quimoterapia verificou-se uma maior propensão
para a ocorrência de declínio cognitivo, aos seis meses (29). Não foi encontrada
associação entre a função cognitiva objectiva e as queixas das intervenientes no estudo,
a qualidade de vida e a angústia psicológica (29).
Na maioria destes estudos, foi encontrada uma relação negativa entre a utilização
da quimioterapia e o aparecimento de declínio das funções cognitivas dos doentes a ela
submetidos.
Mecanismos
O sucesso no tratamento das doenças neoplásicas, assenta, em muitos casos,
numa abordagem terapêutica agressiva(30). A quimioterapia, sendo, geralmente,
inespecífica para as células cancerígenas, coloca os tecidos e os órgãos normais em
risco (30). Apesar da barreira hemato-encefálica constituir uma protecção do encéfalo,
tem sido demonstrado que muitos dos agentes usados na quimioterapia podem causar
dano da função cerebral indirecta ou directamente (30,31).
O conhecimento do mecanismo que origina o aparecimento dos défices cognitivos
relacionados com a quimioterapia proporcionaria múltiplos benefícios, como direccionar o
tratamento e melhorar a qualidade dos cuidados do sobrevivente (31).
A etiologia das alterações cognitivas secundárias à quimioterapia permanece
desconhecida. No entanto, são vários os mecanismos prospostos para explicar este
fenómeno. São três as principais hipóteses – neurotoxicidade cerebral directa, incluindo a
microglia, os oligodendrócitos e os axónios, produzindo desmielinização; resposta
inflamatória secundária, incluindo uma reacção de hipersensibilidade e vasculite
autoimune; dano microvascular com consequente obstrucção de vasos de pequeno e
médio calibre, trombose espontânea, isquemia/enfarte e necrose do parênquima cerebral
(32).
Tem sido considerado que a maioria dos agentes quimioterápicos não atravessa a
barreira hemato-encefálica, com excepção do metotrexato e do 5-fluorouracilo (4).
Porém, quase todos os agentes usados frequentemente podem causar distúrbios do
Sistema Nervoso Central (SNC) – encefalopatia, leucoencefalopatia, ototoxicidade e
sintomas cerebelares (4,32).
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
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Através da Tomografia por Emissão de Positrões foram demonstrados, no
encéfalo, níveis detectáveis de cisplatina, carmustina e paclitaxel, após administração
intravenosa (4). Apesar de serem concentrações reduzidas, não se sabe se as doses que
poderão afectar o funcionamento cerebral são inferiores às necessárias para actuar sobre
as células malignas (4). Num estudo de Dietrich et al., foram administrados
sistemicamente carmustina, cisplatina e citarabina a ratinhos, em doses inferiores às
necessárias para causar a morte de células tumorais (4). Foi verificado um aumento da
morte celular e uma diminição da divisão celular na zona subventricular, no giro dentado
do hipocampo e no corpo caloso dos animais que receberam tratamento (4). Em alguns,
estes achados persistiram por várias semanas após a descontinuação do tratamento (4).
Foi demonstrado que as células progenitoras neuronais e os oligodendrócitos eram
particularmente vulneráveis a este efeito (4).
A variabilidade genética dos transportadores presentes na barreira hemato-
encefálica é um factor que pode influenciar a dose de quimioterapia que atinge o SNC
(4). Polimorfismos no gene MDR1 (multidrug resistance 1), que codifica uma proteína – p-
glicoproteína – responsável pelo transporte de agentes tóxicos para fora das células e
que é expressa pelo endotélio capilar a nível cerebral, podem ter um efeito na
concentração de agentes quimioterápicos que atinge o SNC (4).
O dano do ADN (ácido desoxirribonucleico) através de stress oxidativo é outro dos
possíveis mecanismos para o aparecimento de alterações cognitivas associadas à
quimioterapia (4). O stress oxidativo ocorre através da exposição a toxinas exógenas e,
também, através de mecanismos endógenos secundários ao metabolismo celular normal
(4). Muitos dos agentes usados na quimioterapia, como por exemplo os agentes
alquilantes, obtêm o seu efeito terapêutico danificando o ADN e, desse modo, conduzindo
à apoptose das células tumorais (4). No entanto, o ADN das células normais também é
afectado, surgindo, assim, os efeitos laterais da quimioterapia (4). Por outro lado, a
quimioterapia está associada a níveis aumentados de ferro não ligado a proteínas e de
radicais livres, assim como a uma capacidade anti-oxidante reduzida (4). Todos estes
achados podem aumentar o stress oxidativo e a lesão do ADN (4).
Os processos que conduzem à lesão do sistema nervoso através do dano no ADN
não são conhecidos (4). A vulnerabilidade do SNC ao stress oxidativo pode estar
relacionada com as altas taxas metabólicas e com a produção de espécies reactivas de
oxigénio (4). Estas espécies reactivas de oxigénio conduzem a oxidação de proteínas, a
peroxidação de lípidos e a oxidação do ADN e do ARN (ácido ribonucleico) no cérebro,
com concomitante disfunção e morte neuronal (33). Um mecanismo proposto é a
produção de proteínas defeituosas que, eventualmente, levam à apoptose neuronal (4).
Harrison et al. demonstraram que uma capacidade reduzida de reparar o dano do ADN
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
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mitocondrial está associada a um aumento da apoptose celular em culturas neuronais (4).
O dano no ADN pode, ainda, bloquear a transcrição e causar a perda de produtos
genéticos essenciais (4).
No estudo de Joshi et al., de 2005, que mediu os níveis cerebrais de oxidação
proteica e de peroxidação lipídica in vivo após administração intraperitoneal de
adriamicina, um agente comummente usado no tratamento de neoplasias sólidas, foi
observado um aumento destes níveis nos ratinhos que receberam a adriamicina
comparados com aqueles que foram injectados com uma solução salina (33). Os
resultados mostram, assim, que a adriamicina, in vivo, provoca dano oxidativo no tecido
cerebral (33).
Outro estudo do autor anterior, em 2010, com a administração intraperitonal de
adriamicina em ratinhos, encontrou alterações no metabolismo da glutationa, um agente
antioxidante (34). Foi observada uma diminuição dos níveis de glutationa, bem como um
desequilíbrio na relação entre glutationa oxidada e reduzida nos ratinhos injectados com
adriamicina, relativamente aos injectados com solução salina (34). Estes achados
mostram uma maior vulnerabilidade do tecido cerebral ao stress oxidativo, uma vez que a
adriamicina interferiu com um mecanismo de defesa.
Além da lesão do ADN, o stress oxidativo pode danificar os vasos sanguíneos,
impedindo o fluxo sanguíneo e a perfusão (35). Vasos cerebrais danificados podem
causar hemorragia, formação de coágulos e redução no aporte de oxigénio e de
nutrientes, resultando em Acidente Vascular Isquémico e disrupção cognitiva (35).
A quimioterapia pode, também, conduzir ao aparecimento de alterações cognitivas
através de um efeito no comprimento dos telómeros (4). Schroder et al. reportaram o
encurtamento de telómeros em leucócitos de doentes com cancro da mama tratadas com
quimioterapia em doses standard e em altas doses (4). Do mesmo modo, regimes de
quimioterapia em altas doses, usados nos doentes com neoplasias hematológicas
submetidos a transplante alogénico de células estaminais, estão associados a
encurtamento dos telómeros nessas células hematopoiéticas (4). Apesar da maior parte
das células neuronais ser pós-mitótica, algumas, como as células gliais, mantêm a
capacidade de divisão celular e estão, portanto, sujeitas ao dano causado pelo
encurtamento dos telómeros (4). Assim, a quimioterapia pode actuar como factor
acelerador do envelhecimento neuronal, em consequência da instabilidade genómica
gerada pelo encurtamento telomérico ou da interferência directa na divisão celular, tendo
um efeito a longo prazo nas funções cognitivas (4).
As citocinas, além do seu papel na inflamação, têm um papel importante no
funcionamento do SNC, incluindo a modulação do funcionamento neuronal e glial, a
reparação neural e o metabolismo da dopamina e da serotonina, dois importantes
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
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neurotransmissores para uma função cognitva normal (4). A desregulação da actividade
das citocinas tem sido associada a neurotoxicidade e implicada em vários distúrbios
neurodegenerativos, como a Doença de Alzheimer, a Esclerose Múltipla e a Doença de
Parkinson (4). As citocinas que têm sido estudadas neste contexto são a Interleucina 6
(IL6), a IL1, a IL2, a IL10 e o Factor de Necrose Tumoral alfa (TNF-α) (4). Nos doentes
com neoplasia, a relação entre citocinas e défice cognitivo é observada nas alterações
neuropsicológicas que ocorrem em doentes que receberam imunoterapias, como IL2 ou
interferão-α (4). Estudos longitudinais sobre o tratamento com os agentes referidos
anteriormente demonstram deterioração do desempenho cognitivo, particularmente na
velocidade de processamento da informação, na função executiva, na capacidade
espacial e no tempo de reacção (4).
Existe evidência de que a quimoterapia em doses standard está associada a uma
elevação dos níveis de citocinas (4). Os agentes paclitaxel e docetaxel estão associados
a níveis aumentados de IL6, IL8 e IL10 (4).
Tem sido demonstrado que, nos doentes neoplásicos, existem níveis elevados de
citocinas mesmo antes de serem tratados com quimioterapia (4). Em doentes com cancro
da mama em estádio avançado, os níveis de IL6 e de TNF- α estão aumentados (4).
Meyers et al. estudaram doentes com Leucemia Mielóide Aguda ou Síndrome
Mielodisplásico e encontraram níveis aumentados de IL1, antagonista do receptor de IL1,
IL6, IL8 e TNF- α, antes do tratamento (4). Estes dados sugerem que a desregulação das
citocinas pode estar relacionada, também, com o desenvolvimento de cancro e o
aparecimento de alterações cognitivas antes do tratamento (4).
Num estudo de Tangpong et al. (2007), em que foi administrada adriamicina
intraperintonealmente a ratinhos, foram observados níveis elevados de TNF-α e,
consequentemente, de espécies reactivas de oxigénio e de nitrogénio no cérebro dos
ratinhos (36). Outro estudo dos mesmos autores demonstrou, através de
autofluorescência, que a adrimicina era detectada em áreas cerebrais localizadas fora da
barreira hemato-encefálica, mas a imunorreactividade do TNF-α foi detectada no
hipocampo e no córtex de ratinhos tratados com adriamicina (37).
O aparecimento de alterações cognitivas associadas aos níveis de citocinas está,
provavelmente, associado a mecanismos directos e indirectos (4). Os mecanismos
directos incluem o stress oxidativo e o dano excitotóxico mediado pelo receptor do
glutamato (4). Por sua vez, os mecanismos indirectos incluem a diminuição do apetite
mediada pelas citocinas, levando a deficiência em micronutrientes e a desregulação do
ciclo sono-vigília (4).
A vasculite autoimune e a hipersensibilidade em resposta aos agentes
quimioterápicos podem danificar a função neuronal e levar a disfunção cognitiva (35).
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
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A apolipoproteína E (APOE), uma glicoproteína interveniente no uptake, no
transporte e na distribuição dos lípidos, tem um papel importante na reparação e na
plasticidade neuronal após uma lesão (4). O alelo E4 da APOE está associado a diversos
distúrbios com disfunção cognitiva proeminente, como a doença de Alzheimer (4). O
mecanismo pelo qual o alelo E4 exerce o seu efeito negativo é,ainda, desconhecido (4).
Polimorfismos dos neurotransmissores com efeito na sua actividade podem,
também, estar na origem das alterações cognitivas secundárias à quimioterapia (4). Até
ao momento, um polimorfismo na catecol-o-metiltransferase (COMT) é o único ligado aos
efeitos laterais congitivos da quimioterapia (4). Um polimorfismo funcional comum, que
consiste numa única alteração de um nucleótido na posição 472, faz com que haja uma
substituição de metionina por valina (4). A enzima com esta alteração tem uma actividade
quatro vezes superior à normal (4). A COMT catalisa a metabolização das catecolaminas,
através da metilação da dopamina e da noradrenalina, sendo um importante modulador
da quantidade de dopamina no córtex frontal (4). A dopamina é importante para o
funcionamento da função executiva e da memória mediados pelo córtex frontal (4). A
investigação demonstra que níveis diminuídos de dopamina, juntamente com a
homozigotia para a alteração referida anteriormente da COMT, estão associados a um
pior desempenho em várias medidas da função cognitiva (4).
A redução dos níveis de estrogénio e de testosterona causados pela quimioterapia
pode, também, intervir no aparecimento de alterações cognitivas (4). A menopausa que
ocorre naturalmente está associada a alterações cognitivas; do mesmo modo, a
menopausa induzida pela quimioterapia terá efeitos semelhantes (4). O estrogénio e a
testosterona têm um papel neuroprotector e efeitos antioxidantes. Além disso, o
estrogénio desempenha, ainda, um papel na manutenção do comprimento dos telómeros
(4). Portanto, níveis reduzidos de estrogénio ou de testosterona podem ter um efeito
independente na função cognitiva ou interagir com a quimioterapia através da redução da
capacidade antioxidante ou da capacidade de manutenção do comprimento telomérico
(4).
A anemia induzida pela quimioterapia pode afectar significativamente a função
cognitiva e está associada a um risco aumentado de disfunção cognitiva em doentes com
Alzheimer e com demência vascular (35). Jacobsen et al. (2004), observaram que
declínios nos níveis de hemoglobina durante a quimioterapia estão associados a
alterações adversas na função cognitiva (35).
O giro dentado do hipocampo é um dos locais em que ocorre neurogénese no
SNC de mamíferos adultos (38). Esta neurogénese é essencial para determinados tipos
de memória (39). Estudos usando ratinhos demostram que os agentes tioTEPA
(trietilenotiofosforamida) (38,40), 5-fluorouracilo (39) e metotrexato (41) inibem esta
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
13
proliferação celular no hipocampo, provocando assim alterações na memória. Estes
resultados sugerem a inibição da proliferação celular no hipocampo como mais um dos
possíveis mecanismos geradores de alterações cognitivas relacionadas com a
quimioterapia (38-41).
Áreas Afectadas
Nos diferentes estudos efectuados até à data, foram várias as áreas cognitivas em
que foram encontradas mudanças após o doente se ter submetido à quimioterapia. Deste
modo, as alterações abrangem:
o a memória (7,8,16,23,42,43), verbal (23,44-48) e visual (17,45-48);
o a atenção (7,17,23,42,44,45,48,49);
o a velocidade de processamento da informação (8,17,23,43,46,48,50);
o a aprendizagem (8,23,43,48);
o a capacidade de realização de múltiplas tarefas (8,42,43,45,46,49);
o a capacidade de organização da informação (8,42,43,45,46,49);
o a capacidade visuoespacial (7,8,16,23,49);
o a linguagem (7,8,16,23,49);
o a concentração (45,49);
o a função motora (7,17,42,45).
Os sintomas relatados pelos doentes são perda de memória, dificuldades de
concentração e dificuldades de raciocínio, entre outros (51). Apesar da severidade destes
sintomas variar de doente para doente, a mínima disfunção cognitiva pode ter um efeito
devastador na qualidade de vida destes doentes, interferindo no seu quotidiano (51).
Também os familiares têm de compreender e de se adaptar às alterações cognitivas,
além dos outros efeitos laterais da quimioterapia, apresentados pelos doentes
oncológicos (51).
Alterações Cerebrais Funcionais e Estruturais
O desenvolvimento das técnicas de neuroimagem, principalmente a Ressonância
Magnética (RM) e a Tomografia por Emissão de Positrões (PET – Positron Emission
Tomography), permitiu detectar alterações cerebrais funcionais e estruturais relacionadas
com as alterações cognitivas associadas à quimioterapia.
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
14
Um estudo funcional usando a PET reportou alteração da actividade metabólica
no córtex pré-frontal durante tarefas que utilizam a memória (52). Quando duas gémeas
monozigóticas foram comparadas através de RM funcional, na que recebeu
quimioterapia, devido a cancro da mama, foi detectado um recrutamento de mais áreas
cerebrais para a obtenção de resultados semelhantes no cumprimento das mesmas
tarefas (52). Têm sido, também, demostradas alterações na integridade dos feixes de
substância branca, sugestivas de desmielinização secundária à quimioterapia (4).
Num estudo que comparou as RMs de mulheres com cancro da mama tratadas
com quimioterapia (doxorrubicina, ciclofosfamida e paclitaxel ou docetaxel, doxorrubicina
e ciclofosfamida ou doxorrubicina e ciclofosfamida), mulheres com cancro da mama não
tratadas com quimioterapia e controlos saudáveis, foram encontrados resultados
diferentes entre os três grupos e entre os diferentes tempos de avaliação – antes do
tratamento, um mês após a quimioterapia e um ano depois (53). Foi observado um
decréscimo da densidade da substância cinzenta no período pós-quimioterapia imediato
nos lobos frontais, temporais (incluindo o hipocampo e as estruturas adjacentes),no
cerebelo e no tálamo do grupo tratado com quimioterapia (53). Um ano após a
quimioterapia é verificada uma melhoria das alterações detectadas anteriormente, mas
com alterações persistentes (53).
Vários estudos usando técnicas de imagem têm vindo a detectar alterações na
substância branca e na substância cinzenta de doentes que receberam quimioterapia,
quando comparadas com doentes que não são tratados com esta técnica, nos giros
frontais superior, inferior e médio, no giro parahipocampal, no giro cingulado e no
cerebelo (54).
Estas alterações são encontradas em doentes com queixas de défices de
memória, de atenção e de concentração (52-54).
Portanto, os estudos de imagem mostram alterações posteriores à quimioterapia
em zonas cerebrais onde estão sediadas as funções cognitivas e, consequentemente,
essenciais para o seu bom funcionamento.
Factores de Risco e Factores Confundidores
Como já referido anteriormente, a presença do alelo E4 da APOE constitui um
marcador genético para uma possível maior vulnerabilidade ao dano cognitivo causado
pela quimioterapia (4,5).
As características da quimioterapia, como a combinação de agentes usada, a
dose, a intensidade e a duração, também constituem factores de risco aumentado (5,9).
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
15
As associações de agentes quimioterápicos que estão associadas a um maior risco do
doente desenvolver distúrbios cognitivos são ciclofosfamida, metotrexato e 5-
fluorouracilo, bleomicina, etoposido e cisplatina e os regimes que contêm taxanos (5). A
utilização de quimioterapia em altas doses está associada a um maior risco de
desenvolvimento de alterações cognitivas, comparativamente às doses standard,
colocando a hipótese da neurotixicidade como um factor limitante da dose (16,55).
Idade avançada, história passada de trauma craneano, existência de outras
doenças neurológicas, distúrbios do desenvolvimento e envolvimento micrometastático
do SNC constituem outros factores que conferem um maior risco de desenvolvimento de
disfunção cognitiva secundária à quimioterapia (5,9).
A inteligência e um nível educacional elevado constituem possíveis factores
protectores (7). Do mesmo modo, um menor grau de educação é factor de risco para a
ocorrência de declínio cognitivo (56).
A angústia emocional associada ao diagnóstico de uma neoplasia e
à administração de quimioterapia representa uma forte justificação para o aparecimento
de manifestações psicossomáticas em doentes oncológicos (5). Esta angústia manifesta-
se, maioritariamente, por ansiedade e depressão. Estas manifestações estão
relacionadas com a percepção que os doentes têm dos seus défices, tornando-a mais
acentuada que as alterações observadas objectivamente (5).
A fadiga, tal como a angústia emocional, desempenha um papel nas alterações
sentidas pelos sobreviventes de cancro, não estando correlacionada com os resultados
objectivos obtidos através dos testes neuropsicológicos (5).
A terapia hormonal com tamoxifeno, inibidores da aromatase ou androgénos
parece ser o factor confundidor mais relevante nas alterações cognitivas secundárias à
quimioterapia (5,57). A terapia hormonal pode induzir declínio cognitivo nos doentes
oncológicos (5,57). Existem receptores para o estrogénio dispersos no SNC e pensa-se
que níveis reduzidos desta hormona induzem declínio cognitivo (5,57). O tamoxifeno é
um antagonista do receptor de estrogénio do tecido mamário (5,57). O efeito do
tamoxifeno ainda não é claro, havendo estudos que indicam um declínio cognitivo após o
seu uso e outros que contradizem esta hipótese (5,57). Mais estudos são necessários
para clarificar esta hipótese. No que se refere aos inibidores da aromatase, que actuam
inibindo a síntese do estrogénio, a sua associação a um declínio cognitivo ainda não está
estabelecida, havendo evidências contraditórias, tal como para o tamoxifeno (5,57). A
manipulação endócrina com androgénios no tratamento do cancro da próstata parece
estar associada a um declínio cognitivo, principalmente na capacidade visuomotora, no
tempo de reacção, na memória de trabalho, na atenção sustentada e na velocidade de
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
16
reconhecimento (5,57). Assim como para os agentes anteriores, estas conclusões não
são definitivas, sendo necessário continuar a investigação nesta área (5,57).
Desconhece-se se o tratamento com cirurgia (e o uso de opiódes na analgesia), a
radioterapia, o uso de anti-eméticos (incluindo os glucocorticóides, que diminuem a
permeabilidade capilar da barreira hemato-encefálica e o fluxo sanguíneo cerebral) e as
terapêuticas alternativas têm algum impacto, a longo prazo, na função cognitiva destes
doentes (14).
Percepção das Limitações e Alteração na Qualidade de Vida
Os doentes que experimentam alterações cognitivas no contexto do tratamento de
uma doença neoplásica queixam-se, essencialmente, de alterações de atenção e de
problemas de memória (58). Estas queixas têm-se mostrado não correspondentes aos
défices que são medidos objectivamente (58,59). Factores como ansiedade, depressão,
stress e o conhecimento de que a quimioterapia pode afectar as funções cognitivas
podem influenciar negativamente as queixas dos doentes (58,59). No entanto, os
instrumentos utilizados para a objectivação dos défices cognitivos podem não detectar
pequenas alterações que, mesmo sendo subtis, podem ter impacto no quotidiano destes
doentes (58).
Portanto, a vida pessoal e profissional destes doentes pode sofrer alterações
como consequência dos défices cognitivos por eles experimentados (51,60). Estes
doentes relatam os seus sintomas como frustrantes e incomodativos (51). As suas
limitações interferem no seu grau de independência, muitos sentindo-se incapazes de
realizar tarefas banais como tomar decisões, conversar com várias pessoas ao mesmo
tempo e adaptar-se a novos problemas (61). Relativamente à retoma da vida profissioal
depois de concluído o tratamento, muitos referem uma alteração na sua performance –
demoram mais tempo a tomar decisões e a realizar as suas tarefas – e mostram-se com
dúvidas em relação à sua capacidade de voltar a trabalhar (51,61). Também o efeito que
as alterações cognitivas destes doentes tem nas suas famílias afecta a sua autoconfiança
(51,61). Assim, é importante que a família adopte uma postura confiante e de apoio (61).
Testes Diagnósticos
Na maioria dos estudos realizados até à data, têm sido utilizadas baterias de
testes neuropsicológicos para avaliar o estado das funções cognitivas dos intervenientes
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
17
nesses estudos (5). Os testes neuropsicológicos baseiam-se em questionários ou testes
práticos (62). Este método, além de demorado (pode demorar quatro a sete horas (8)),
requer a presença de pessoal com treino específico e, por isso, tem uma aplicabilidade
limitada (5). Existe um sem número de diferentes testes, cada um direcionado para áreas
específicas da função cognitiva. Alguns deles estão exemplificados na tabela que se
segue (63).
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
18
Tabela 1. Testes Neuropsicológicos Usados para Avaliar as Alterações Congitivas Induzidas pela Quimioterapia
Domínio Cognitivo Teste
Atenção e Concentração
Teste D2
Screen Cognitivo de Alta Sensibilidade
Escala de Inteligência para Adultos de
Wechsler
Função Executiva
Screen Cognitivo de Alta Sensibilidade
Teste de Stroop
Escala de Inteligência para Adultos de
Wechsler
Velocidade de Processamento da
Informação
Bateria de Testes Neuropsicológicos
de Halsted-Reitan
Escala de Inteligência para Adultos de
Wechsler
Teste de Fepsy
Linguagem
Teste de Nomeação de Boston
Teste de Inteligência de Groninger
Teste da Sociedade Holandesa de
Afasia
Função Motora
Teste de Fepsy
Screen Cognitivo de Alta Sensibilidade
Bateria de Testes Neuropsicológicos
de Halsted-Reitan
Capacidade Visuoespacial
Screen Cognitivo de Alta Sensibilidade
Escala de Inteligência para Adultos de
Wechsler
Teste Complexo de Figuras de Rey
Memória Verbal
Teste de Aprendizagem Verbal da
Califórnia
Teste de Aprendizagem Verbal de
Hopkins
Escala de Memória de Wechsler
Memória Visual
Teste Complexo de Figuras de Rey
Escala de Memória de Wechsler
Teste de Memória Não Verbal
Selectiva de Buschke
Adaptado de Jansen, 200563
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
19
Ainda não existem guidelines quanto a este assunto, persistindo a dúvida se é
preferível usar uma bateria extensa de testes, que detectam alterações subtis, ou se se
deve optar por um método menos extenso, com o risco de não identificar alterações
ligeiras (5). É recomendado que os testes neuropsicológicos usados se foquem na
atenção, na velocidade de processamento, na memória, nas capacidades de
aprendizagem, na linguagem, na visuopercepção, nas capacidades de construção, nas
capacidades motoras e na função executiva (5).
A bateria de testes ideal para avaliar as alterações cognitivas induzidas pela
quimioterapia deveria avaliar a totalidade da função cognitiva e psicológica, permitir a
comparação com dados demográficos normativos, ser breve e fácil de aplicar e ter o
mínimo efeito de prática na repetição do teste (5,62). Os testes que têm sido
recomendados por diversos autores são a terceira edição da Escala de Inteligência para
Adultos de Wechsler e a Escala de Demência MATTIS (5). Para uma avaliação mais
rápida e global, podem ser usados a Bateria de Avaliação Frontal e o Teste Colorido de
Palavras de Stroop (5). Quando o objectivo é a demonstração de uma alteração cognitiva
numa grande amostra de doentes num ensaio clínico, testes breves, como a Escala de
Tratamento de Cancro-Função Cognitiva, são apropriados (8). Os doentes que mostram
alterações nestes testes mais breves podem, posteriormente, ser encaminhados para
realização das baterias de testes mais extensas (8).
Exemplos de outros testes que podem ser usados são a Escala de Memória
Verbal de Wechsler e o Screen Cogntivo de Alta Sensibilidade (8).
O uso da versão resumida do Mini Mental State Examination é desencorajado (8),
uma vez que tem uma baixa sensibilidade para alterações subtis (5).
Acresce que é importante não esquecer a avaliação de possíveis factores
confundidores, como o estado hormonal, os níveis de citocinas, a presença de anemia e
o estatuto genético, quando se pretende estudar as alterações cognitivas induzidas pela
quimioterapia (8,64).
Diagnóstico Diferencial
Condições que podem causar défices semelhantes ou amplificar os observados
nas alterações cognitivas induzidas pela quimioterapia devem ser excluídos para que
possa ser feito este diagnóstico (9). Estas condições incluem anemia, distúrbios cerebrais
(disfunção cognitiva ligeira, demências, lesões cerebrais, Acidente Vascular Cerebral
prévio, Distúrbio de Hiperactividade com Défice de Atenção e dificuldades de
aprendizagem), distúrbios mentais (depressão e ansiedade), distúrbios hidro-electrolíticos
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
20
(desidratação, hipercalcemia, hiper e hiponatrémia, infecção e sépsis), medicações
(antagonistas H2, opiáceos, esteróides, terapêuticas biológicas como o interferão,
sedativos e tamoxifeno), condições metabólicas (endocrinopatias, especialmente
síndromes paraneoplásicos, distúrbios tiroideus e diabetes, níveis das hormonas
reprodutivas), distúrbios nutricionais (défice de ferro e de vitamina B), dor, fadiga severa e
intoxicações (intoxicação por álcool) (9).
Prevenção e Tratamento
O tratamento farmacológico pode ser usado para neuroprotecção ou para diminuir
os efeitos negativos da quimioterapia em indivíduos vulneráveis (9). A neuroprotecção
pode resultar numa redução das sequelas cognitivas, proporcionar uma melhoria dos
sintomas ou ambos (9).
A eritropoietina (EPO) tem um papel bem estabelecido na abordagem de doentes
oncológicos com anemia sintomática (9). Devido à sua elevada actividade metabólica, o
cérebro é um órgão particularmente vulnerável à isquemia e à hipóxia (9). Parece existir
um sistema de resposta à lesão mediado pela EPO, que tem um papel neuroprotector (9).
Na barreira hemato-encefálica existem receptores para a EPO em abundância e, durante
o stress hipóxico, a permeabilidade da barreira aumenta, o que facillita o atingimento de
níveis terapêuticos de EPO no SNC (9). O uso de EPO tem como efeitos laterais
resistência ao fármaco e hipertensão (9). Desta forma, o seu uso deve ser ponderado
tendo em conta os efeitos secundários e o facto de o seu benefício não estar, ainda,
comprovado (9).
O metilfenidato é um psicoestimulante comummente usado no tratamento do
Distúrbio de Hiperactividade com Défice de Atenção (9,14). Pensa-se que este fármaco
aumenta os níveis extracelulares de dopamina e, possivelmente, os sistemas
neurotransmissores noradrenérgicos e serotoninérgicos (9). Alguns investigadores têm
sugerido que o metilfenidato melhora a concentração, a lentificação psicomotora, a fadiga
e a atenção (9). O metilfenidato tem sido usado com sucesso no tratamento do declínio
cognitivo em crianças com cancro e em doentes com tumores cerebrais (5). Portanto, o
seu uso no tratamento das alterações cognitivas relacionadas com a quimoterapia tem
uma base racional sólida (5). Este fármaco está associado a efeitos laterais ligeiros e
facilmente reversíveis (9). As suas contra-indicações absolutas incluem sensibilidade
prévia a estimulantes, glaucoma, doença cardiovascular sintomática e hipertiroidismo (9).
No entanto, os estudos realizados até à data não mostram um efeito do metilfenidato na
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
21
melhoria dos défices cognitivos associados à quimioterapia, actuando apenas na fadiga
induzida pela quimioterapia (5).
O modafinil, um psicoestimulante, parece ter, também, um efeito benéfico na
função cognitiva em sobreviventes de cancro (5). Todavia, não existe, ainda, evidência
que apoie o seu uso como rotina no tratamento dos défices cognitivos associados à
quimioterapia (5).
Os inibidores da colinesterase, como, por exemplo, o donepezil (9), podem
estabilizar a memória e melhoram a função cognitiva em doentes com Doença de
Alzheimer e em doentes com demências vasculares (9).
O ginkgo biloba, um extrato das folhas de uma planta da família Ginkgoaceae,
aparenta ter propriedades neuroprotectoras, antioxidantes e estabilizadoras de
membrana (9). Pode, também, inibir a perda de receptores colinérgicos, importantes para
a memória e a cognição (9). Esta substância é usada frequentemente na prevenção do
declínio cognitivo nos idosos (5). Este agente parece ter um efeito benéfico na função
cognitiva, no entanto, deve ser usado com precaução, uma vez que pode estimular o
crescimento de vasos sanguíneos e prolongar o tempo de sangramento em doentes a
tomar anticoagulantes ou antiplaquetários (9). Tal como para as outras alternativas
terapêuticas, o uso do ginkgo biloba no tratamento do declínio cognitivo secundário à
quimoterapia não tem eficácia comprovada (5).
Actualmente, não existe nenhum medicamento que efectivamente previna ou trate
as alterações cognitivas associadas à quimioterapia (5). Os antioxidantes,
particularmente a vitamina E, constituem agentes com potencial benefício e que merecem
estudo (5). A suplementação de vitamina E em altas doses, em situações não
cancerígenas, mostrou efeito na prevenção e na melhoria de défices cognitivos (5). Actua
recrutando radicais livres, que podem estar na origem das alterações cognitivas
secundárias à quimioterapia (5).
Intervenções não farmacológicas, como a reabilitação cognitiva e o apoio
psicossocial, constituem, também, possíveis estratégias de abordagem dos défices
cognitivos causados pela quimioterapia (5). A prática de exercício físico, que aumenta o
fluxo sanguíneo cerebral e melhora a oxigenação, pode ter efeitos benéficos nas funções
cognitivas (35). Para contrariar as suas limitações, muitos doentes podem escrever
diários e auxiliares de memória, evitar distrações e organizar a casa ou o local de
trabalho, de forma a facilitar o cumprimento das suas tarefas (45,51).
Algumas sugestões para ajudar na adaptação a este fenómeno são simplificar,
evitar a realização de múltiplas tarefas, diminuir a carga de trabalho, estabelecer uma
rotina, pedir ajuda, sair acompanhado, dormir o suficiente e viver um dia de cada vez (9).
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
22
Conclusão
A existência de um efeito deletério da quimioterapia sobre as funções cognitivas
dos doentes oncológicos tratados com esta técnica, é um assunto ainda envolto em
controvérsia e com questões ainda sem resposta. Apesar da maioria dos estudos
efectuados demonstrar um efeito causal entre a realização de quimioterapia e o
aparecimento de um declínio cognitivo, outros não demostram qualquer efeito. Mehlsen
et al., em 2009, publicaram um estudo que envolveu três grupos diferentes – um
composto por doentes oncológicos tratados com quimioterapia, outro por doentes
hospitalizados por Enfarte Agudo do Miocárdio e um grupo de indivíduos saudáveis (65),
não tendo encontrado diferenças na função cognitiva dos três grupos. Também no estudo
publicado por Debess et al. (2010), não foram encontradas diferenças entre a função
cognitiva de mulheres com cancro da mama tratadas com quimioterapia (ciclofosfamida,
epirrubicina e 5-fluorouracilo durante seis meses) e de mulheres saudáveis (66). No
estudo de Tager et al. (2010), comparando mulheres com cancro da mama submetidas
ou não a quimioterapia relativamente a linguagem, atenção, concentração, função
visuoespacial e memória de trabalho, verbal e visual, não foram detectadas diferenças
antes da quimioterapia, seis meses depois do tratamento e aos seis meses de follow-up
(67).
A falta de certezas no que diz respeito aos efeitos cognitivos da quimioterapia
pode estar relacionada com a falta de uniformidade nos diferentes estudos realizados e
com a própria metodologia desses estudos. No workshop cognitivo realizado em Veneza,
em 2006, foram dadas várias sugestões para o desenho de novos estudos, das quais se
destacam:
incluir baterias de testes neuropsicológicos que avaliem múltiplos domínios
cognitivos;
corrigir os resultados dos testes para idade, educação, género e etnia,
quando apropriado;
preferir uma visão global dos resultados a analisar resultados individuais;
optar, quando possível, por estudos longitudinais;
escolher o grupo de controlo com características que mais se assemelhem
às do grupo experimental (68).
Neste workshop foi, ainda, criado o International Cognition and Cancer Task Force
(ICCTF), que tem como objectivo compreender o impacto do cancro e do seu tratamento
no funcionamento cognitivo e comportamental de adultos com neoplasias, excluindo os
tumores do Sistema Nervoso Central.
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
23
Portanto, os dados existentes sobre o efeito da quimioterapia na função cognitiva
sugerem a existência de um efeito nocivo, afectando um número significativo de doentes,
transitória ou permanentemente. São múltiplas as áreas afectadas, com possível
repercussão na qualidade de vida destes doentes. Tendo em conta estes aspectos,
torna-se pertinente considerar a inclusão da possibilidade de aparecimento de alterações
cognitivas no consentimento informado (69).
A continuação da investigação nesta área, procurando responder às questões
ainda por resolver, é um investimento que deve ser considerado, tendo em conta o
crescente sucesso no tratamento da doença neoplásica e a importância da manutenção
da qualidade de vida.
Efeitos Cognitivos da Quimioterapia
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