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Conceitos-chave de museologia Sob a direção de André DESVALLÉES e François MAIRESSE

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Museologia

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  • Conceitos-chave de Museologia

    Andr Desvalles e Franois Mairesse Editores Bruno Brulon Soares e Marilia Xavier Cury Traduo e comentrios

    So Paulo

    Comit Brasileiro do Conselho Internacional de MuseusConselho Internacional de MuseusPinacoteca do Estado de So PauloSecretaria de Estado da Cultura

    2013

    C744 Conceitos-chave de Museologia/Andr Desvalles e Franois Mairesse, editores; Bruno Brulon Soares e Marlia Xavier Cury, traduo e comentrios. So Paulo: Comit Brasileiro do Conselho Internacional de Museus: Pinacoteca do Estado de So Paulo : Secretaria de Estado da Cultura, 2013.100 p.Com a colaborao de: Philippe Dub, Nicole Gesch-Koning, Andr Gob, Bruno Brulon Soares, Wan Chen Chang, Marlia Xavier Cury, Blondine Desbiolles, Jan Dolak, Jennifer Harris, Francisca Hernndez Hernndez, Diana Lima, Pedro Mendes, Lynn Maranda, Mnica Risnicoff de Gorgas, Anita Shah, Graciela Weisinger, Anna Leshchenko. ISBN 978-85-8256-025-91. Museologia. I. Desvalls, Andr II. Mairesse, Franois. III. Soares, Bruno Brulon. IV. Cury, Marlia Xavier.

  • Conceitos-chave de Museologia

    Andr Desvalles e Franois MairesseEditores

    Bruno Brulon Soares e Marilia Xavier CuryTraduo e comentrios

    2013

  • Com os apoios de

    Muse Royal de Mariemontwww.musee-mariemont.be

    Comit Internacional para Museologia do ICOM

    Comit Nacional Portugus do ICOM

    Fotos da capa:

    Auckland Museum, Nova Zelndia Pinacoteca do Estado de So Paulo (Eugenio Vieira), Brasil National Heritage Board, Singapura Museu da Lngua Portuguesa (Eugenio Vieira), Brasil

    Armand Colin, 2010ISBN: 978-2-200-25396-7 (edio francesa)ISBN: 978-85-8256-025-9 (edio brasileira)

    P O R T U G A L

  • 5CO M I T D E RE D A OFranois Mairesse, Andr Desvalles, Bernard Deloche, Serge

    Chaumier, Martin Schrer, Reymond Montpetit, Yves Bergeron, Nomie Drouguet, Jean Davallon.

    Com a colaborao de:

    Philippe Dub, Nicole Gesch-Koning, Andr Gob, Bruno Brulon Soares, Wan Chen Chang, Marilia Xavier Cury, Blondine Desbiolles, Jan Dolak, Jennifer Harris, Francisca Hernndez Hernndez, Diana Lima, Pedro Mendes, Lynn Maranda, Mnica Risnicoff de Gorgas, Anita Shah, Graciela Weisinger, Anna Leshchenko (que contriburam ativamente com o Simpsio do ICOFOM dedicado a este tema, em 2009, ou leram este documento).

  • 7AP R E S E N T A O

    A Secretaria de Estado da Cultura fica muito honrada em apoiar a publicao Conceitos-chave de Museologia em portugus. Trata-se de uma importante iniciativa do Comit Brasileiro do Conselho Internacional de Museus, que colaborar para o compartilhamento e a comunicao de conhecimento sobre a teoria museolgica para a comunidade museal brasileira.

    O debate no campo museolgico no Brasil e no exterior tem se intensificado extraordinariamente, acompanhando as incessantes transformaes e a visibilidade crescente dos nossos museus. Nesse contexto, muito oportuna a disponibilizao de uma ferramenta de referncia para profissionais de museus e estudantes de museologia, que contribua para a reflexo terica e crtica sobre o mundo dos museus.

    A mobilizao resultante da realizao da 23 Conferncia Geral do ICOM no Rio de Janeiro tambm define um momento apropriado para o lanamento dessa publicao, agora traduzida para o portugus. O excelente trabalho dos tradutores possibilitar no apenas o importante acesso queles que no leem em outras lnguas, mas tambm o referenciamento para o contexto cultural e social brasileiro.

    O Estado de So Paulo um significativo recorte desse diversificado panorama museolgico brasileiro. Alm dos dezoito museus perten-centes Secretaria de Estado da Cultura dentre eles a Pinacoteca do

  • 8Estado de So Paulo, parceira desta iniciativa , o estado abriga mais de quatrocentas instituies museolgicas, pblicas e privadas, distri-budas em quase duzentas cidades paulistas. A diversidade, a riqueza e os desafios que cercam esse patrimnio reiteram a necessidade premente de reflexo sobre os processos museais e a importncia desta publicao.

    Agradecemos, mais uma vez, o convite do ICOM Brasil, a parceria da Pinacoteca do Estado de So Paulo, a dedicao dos tradutores e a todos que estiveram envolvidos nesse significativo processo, que culminou nesta traduo.

    Marcelo Mattos AraujoSecretrio de Estado da Cultura de So Paulo

  • 9MU S E O L O G I A E S E U S C O N C E I T O S N A L N G U A PO RT U G U E S A

    O Comit Brasileiro do ICOM, em parceria com o ICOM Portugal, tem buscado traduzir para o portugus importantes edies do ICOM e de seus comits internacionais, visando a ampliar o acesso de leitores de lngua portuguesa a contedos de interesse no campo da museologia.

    A ideia de viabilizar a edio em portugus de Conceitos-chave de Museologia, publicado originalmente em outros idiomas pelo ICOFOM, ganhou fora a partir da definio do Brasil como sede da 23 Conferncia Geral do ICOM, realizada em 2013, no Rio de Janeiro. O ento presidente do ICOM Brasil, Carlos Roberto Brando, convidou Bruno Brulon Soares e Marilia Xavier Cury dois muselogos brasileiros que atuam junto ao ICOFOM e que haviam participado de processos relacionados edio original do livro , que logo aceitaram o desafio de traduzir o texto para o portugus, voluntariamente. Agradecemos portanto aos colegas brasileiros pelo rduo trabalho realizado, que certamente muito contribuir para a disseminao desse contedo para toda a comunidade museolgica lusfona.

    Como em outras ocasies, contamos com a ativa participao do ICOM Portugal, por meio das colegas Marta Loureno, Graa Filipe e Paula Menino Homem, o que possibilitou a realizao de uma edio adequada aos vrios pases de lngua portuguesa. Assim, a traduo proposta pelos colegas brasileiros ganhou incluses de novos termos

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    especficos e exaustivas revises, tanto no Brasil como em Portugal, salvaguardando as nuances e regras gramaticais prprias dos pases envolvidos. Somos gratos portanto ao ICOM Portugal pela parceria nesta edio e aos colegas portugueses que a ela se dedicaram.

    Registramos um agradecimento muito especial vice-presidente do ICOM Brasil, Adriana Mortara Almeida, que coordenou esta publicao em portugus e orquestrou todos os contatos bilaterais entre os colegas brasileiros e portugueses, assim como as demais tratativas institucionais e editoriais necessrias para sua viabilizao.

    Destacamos ainda o apoio da Secretaria da Cultura do Estado de So Paulo, por meio de sua Unidade de Preservao do Patrimnio Museolgico, bem como Pinacoteca do Estado, por tornarem vivel este projeto editorial. Este livro integra o conjunto de aes de apoio do Governo do Estado de So Paulo ao ICOM Brasil, por ocasio da 23 Conferncia Geral do ICOM, que abrangeu ainda a realizao, em So Paulo, do importante seminrio ps-conferncia o Dilogo Sul-Sul de Museus e do intenso programa de estgios de colegas africanos e latino-americanos em museus paulistas. Agradecemos ao Secretrio da Cultura Marcelo Arajo, s equipes da Secretaria de Cultura do Estado de So Paulo e Pinacoteca do Estado por esse significativo apoio.

    Maria Ignez Mantovani FrancoPresidente do ICOM Brasil

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    PR L O G O

    O desenvolvimento de normas profissionais um dos objetivos centrais do ICOM, particularmente no que concerne ao avano, ao compartilhamento1 e comunicao de conhecimento para a ampla comunidade museal do mundo, mas tambm para aqueles que desenvolvem polticas em relao ao trabalho em museus, aos responsveis pelos aspectos legais e sociais da profisso, bem como para aqueles aos quais o museu dirigido e dos quais se espera que participem e se beneficiem do trabalho realizado nestas instituies. Lanado em 1993, sob a superviso de Andr Desvalles, e com a colaborao de Franois Mairesse a partir de 2005, o Dicionrio de Museologia um trabalho monumental, que resulta de muitos anos de pesquisa, interrogao, anlise, reviso e debate realizados pelo Comit Internacional de Museologia do ICOM (ICOFOM), que se dedica particularmente ao processo de desenvolvimento de nossa compreenso da prtica e da teoria dos museus e do trabalho realizado por essas instituies diariamente.

    O papel, o desenvolvimento e a gesto dos museus modifica-ram-se enormemente nas ltimas dcadas. As instituies museais centraram-se cada vez mais nos visitantes, e alguns dos grandes museus esto-se voltando, com mais frequncia, para os modelos de gesto empresarial em suas operaes cotidianas. A profisso museal e seu meio transformaram-se inevitavelmente. Pases como a China

    1 Em Portugal, partilha.

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    conheceram um aumento sem precedentes da presena de museus, mas h mudanas igualmente importantes acontecendo em espaos mais restritos, como, por exemplo, nos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (PEID). Estas transformaes apaixonantes desencadeiam discrepncias crescentes nas especificidades do trabalho em museus e nos cursos de formao entre diferentes culturas. Neste contexto, uma ferramenta de referncia para profissionais de museus e estudantes de museologia ainda mais essencial. Enquanto a publicao do ICOM e da UNESCO Como Gerir um Museu: Manual Prtico forneceu aos profissionais de museus um manual bsico para a atual prtica museal, o Dicionrio de Museologia deve ser visto como uma publicao correlata, fornecendo uma perspectiva complementar sobre a teoria museolgica.

    Ao mesmo tempo em que o ritmo de trabalho cotidiano impede a capacidade do campo museal de parar para refletir sobre seus fundamentos, h uma necessidade crescente de que os profissionais de todos os nveis forneam respostas claras e compreensveis queles que questionam a relevncia do museu para a sociedade e seus cidados. A tarefa essencial do ICOFOM, integrada no seio do projeto do Dicionrio Enciclopdico, oferece, assim, uma desconstruo e destilao estruturadas do conjunto de conceitos fundamentais que hoje sustentam nosso trabalho. Embora o Dicionrio apresente uma viso predominantemente francfona da museologia, por razes de coerncia lingustica, as terminologias nele condensadas so compre-endidas e/ou utilizadas por muselogos em diferentes culturas. A publicao, ainda que no exaustiva, sintetiza dcadas do desenvol-vimento do conhecimento a partir de uma investigao sistemtica, tanto da epistemologia quanto da etimologia do museu, e oferece uma apresentao aprofundada dos conceitos primrios da museologia atual, com uma viso pragmtica elegante, que considera tanto as redundncias histricas quanto as controvrsias atuais, investindo no crescimento e na expanso da profisso. O ICOFOM, os editores do Dicionrio e seus autores trataram com sensibilidade, rigor, perspiccia e equilbrio este trabalho de definio e de explicao

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    da instituio e de sua prtica.Como uma verso preliminar do Dicionrio Enciclopdico

    completo2, esta publicao foi produzida para oferecer ao maior pblico possvel o acesso s transformaes e evoluo dos vrios termos que compem a nossa linguagem museal, considerando a sua histria e o seu sentido atual. De acordo com o esprito do ICOM, visando a promover a diversidade e a ampla incluso, antecipa-se que, assim como ocorreu com o seu Cdigo de tica para Museus, esta publicao ir estimular um extenso debate e a colaborao para sua continuada reviso e atualizao, ao invs de ser deixada nas estantes. A 22 Conferncia Geral do ICOM3, em Xangai, na China, marca, portanto, um incio apropriado para esta valiosa ferramenta de referncia em museologia. A reunio de profissionais de museus de todas as nacionalidades constitui precisamente o tipo de ocasio que d origem a novas normas e instrumentos de referncia como este, tanto para as geraes atuais quanto para as do futuro.

    Alissandra CumminsPresidente4

    Conselho Internacional de Museus (ICOM)

    2 , Andr; , Franois (Dir.). Dictionnaire encyclopdique de musologie. Paris: Armand Colin, 2011.

    3 Realizada em 2010.4 Presidente do ICOM na gesto 2004-2010.

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    PR E F C I O

    Desde as suas origens, em 1977, o ICOFOM, seguindo as linhas de pensamento do ICOM, considera que o seu principal objetivo aponta para a transformao da museologia em uma disciplina cientfica e acadmica destinada ao desenvolvimento dos museus e da profisso museolgica, por meio da investigao, do estudo e da difuso das principais correntes museolgicas.

    Surgiu assim, no seio do ICOFOM, um grupo de trabalho multidisciplinar, concentrado na anlise crtica da terminologia museolgica, que localiza as suas reflexes nos conceitos fundamentais da museologia. Durante quase vinte anos, este grupo, denominado de Thesaurus, produziu notveis trabalhos cientficos de investigao e sntese.

    Convencidos hoje da necessidade de oferecer ao pblico um registro5 de termos museolgicos que constitua um verdadeiro material de referncia, decidimos, com o apoio do Conselho Interna-cional de Museus, tornar conhecida, em Xangai, durante a 22 Conferncia Geral do ICOM, a presente publicao que inclui vinte e um artigos como uma verso preliminar da publicao do Dicionrio de Museologia.

    Gostaramos de destacar que esta publicao, fase introdutria de uma obra muito mais ampla, no pretende ser exaustiva, mas apenas possibilitar ao leitor distinguir entre os diferentes conceitos a que

    5 Em Portugal, registo.

  • 15

    cada termo se refere, descobrindo novas conotaes e suas relaes com o campo museolgico como um todo.

    Hoje compreendemos que o Dr. Vino Sofka no trabalhava em vo quando, no incio do ICOFOM, lutava para transformar este Comit Internacional em uma tribuna de reflexo e de debate, capaz de alicerar as bases tericas de nossa disciplina. A bibliografia internacional resultante retrata fielmente a evoluo do pensamento museolgico no mundo h mais de trinta anos.

    A partir da leitura dos artigos da presente publicao, fica evidente a necessidade de se renovar a reflexo sobre os fundamentos tericos da museologia a partir de uma perspectiva plural e integradora, ancorada na riqueza conceitual de cada palavra. Os termos apresentados inicialmente constituem um exemplo claro do trabalho contnuo de um grupo de especialistas que foram capazes de compreender e valorizar a estrutura da linguagem patrimnio6 cultural imaterial por excelncia e o alcance da terminologia museolgica, que nos permite reconhecer at que ponto a teoria e a prtica se encontram indissoluvelmente ligadas.

    Com o objetivo de afastar-se de caminhos j muito transitados, cada autor introduziu suas observaes onde julgou necessrio chamar a ateno sobre a caracterstica especfica de um termo. No se trata de construir pontes nem de reconstru-las, mas de encontrar outras concepes mais precisas, na busca de novos significados culturais que permitam enriquecer uma disciplina to ampla como a museologia, destinada a afirmar o papel do museu e dos profissionais de museus no mundo inteiro.

    para mim uma honra e uma grande satisfao, como presidente do ICOFOM, apresentar esta publicao como uma verso preliminar do Dicionrio de Museologia, obra que constituir um marco na extensa bibliografia museolgica produzida por membros do ICOFOM de diversas origens geogrficas e disciplinares, unidos por um ideal comum.

    Gostaria de expressar o meu mais sincero reconhecimento queles

    6 Em Portugal, patrimnio.

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    que colaboraram generosamente, a partir de suas diferentes instncias, tornando possvel a realizao destas obras fundamentais, que nos enchem de orgulho:

    - ao ICOM, nosso organismo diretor, por ter entendido, por meio da sensibilidade de Julien Anfruns, seu Diretor Geral, a importncia de um projeto que foi gerido silenciosamente atravs do tempo e que hoje pde ser concretizado graas sua interveno;

    - ao conselheiro permanente do ICOFOM, Andr Desvalles, mestre dos mestres, iniciador, artfice e fora motora de um projeto que alcanou uma magnitude inesperada e merecida;

    - a Franois Mairesse, que em plena juventude iniciou a sua trajetria no ICOFOM, aportando o seu talento como investigador e estudioso da museologia, enquanto coordenava com xito as atividades do grupo Thesaurus e que, juntamente com Andr Desvalles, foi responsvel pela presente publicao e pela preparao da primeira edio do Dicionrio de Museologia;

    - aos autores dos diferentes artigos, reconhecidos internacio-nalmente como especialistas em museologia e em suas respectivas disciplinas.

    A todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, contriburam para a concretizao de um sonho que hoje comea a se converter em realidade, nosso mais sincero e respeitoso agradecimento.

    Nelly DecarolisPresidente do ICOFOM7

    7 Gesto 2007-2010.

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    IN T R O D U O

    O que um museu? Como definir uma coleo? O que uma instituio? O que abarca o termo patrimnio? Os profissionais de museus desenvolveram inevitavelmente, em funo de seus conheci-mentos e de sua experincia, respostas a estas questes centrais sua atividade. necessrio retom-las? Ns acreditamos que sim. O trabalho museal consiste em uma via de mo dupla entre a prtica e a teoria, esta ltima sendo constantemente sacrificada s mil e uma solicitaes do trabalho dirio. Todavia, no se pode ignorar o fato de que a reflexo constitui um exerccio estimulante, mas tambm fundamental para o desenvolvimento tanto pessoal quanto do mundo dos museus.

    O objetivo do ICOM, em nvel internacional e nas associaes de museus nacionais ou regionais, , justamente, o de desenvolver padres e melhorar a qualidade da reflexo e dos servios que o mundo museal oferece sociedade, a partir do encontro entre profis-sionais. Mais de trinta comits internacionais trabalham, cada um em seu setor, para esta reflexo coletiva, que tem como testemunhos as notveis publicaes. Mas como se articula este rico conjunto de reflexes sobre a conservao, as novas tecnologias, a educao, as casas histricas, a gesto, as profisses, etc.? Como se organiza o setor dos museus ou, de maneira mais geral, como se organiza aquele que podemos chamar de campo museal? a este tipo de questes que o Comit de Museologia do ICOM (ICOFOM) se dedica, desde a

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    sua criao em 1977, especialmente pelas suas publicaes (ICOFOM Study Series ISS8) que esto destinadas a inventariar e sintetizar a diversidade das opinies em matria de museologia. neste contexto que o projeto de estabelecer um compndio de Conceitos-chave de Museologia, sob a coordenao de Andr Desvalles, foi proposto em 1993 por Martin R. Schrer, ento presidente do ICOFOM. A este aderiram, oito anos mais tarde, Norma Rusconi9 (que infelizmente faleceu em 2007) e Franois Mairesse. Ao longo dos anos, foi estabe-lecido um consenso para tentar apresentar, em cerca de vinte termos, um panorama da paisagem variada que oferece o campo museal. Este trabalho de reflexo adquiriu certa acelerao nos ltimos anos. Diversas verses preliminares dos artigos foram redigidas (nos ISS e na revista Publics et muses, que depois se tornou Culture et muses). O que se prope aqui um resumo de cada um desses termos, apresentando de maneira condensada diferentes aspectos de cada um desses conceitos. Estes sero de fato abordados, de maneira claramente mais aprofundada, nos artigos que tero entre dez a trinta pginas cada um, em um dicionrio de aproximadamente 400 termos, a ser publicado como Dictionnaire de musologie.

    Este trabalho se baseia em uma viso internacional do museu, mantido por numerosas trocas no seio do ICOFOM. Por razes de coerncia lingustica, os autores vm de pases francfonos: Blgica, Canad, Frana, Sua. Eles so Yves Bergeron, Serge Chaumier, Jean Davallon, Bernard Deloche, Andr Desvalles, Nomie Drouguet, Franois Mairesse, Raymond Montpetit e Martin R. Schrer. Uma primeira verso deste trabalho foi apresentada e amplamente debatida durante o 32o simpsio anual do ICOFOM, em Lige e Mariemont, em 2009.

    Dois pontos merecem ser rapidamente discutidos aqui: a composio do Comit de Redao e a escolha dos vinte e um termos.

    8 Disponveis em: http://network.icom.museum/icofom/publications/our-publications/.9 A Profa. Norma Teresa Rusconi de Meyer foi diretora do Museu de Histria e Cincias Natu-

    rais, Bahia Blanca, Argentina, e ativa participante do ICOFOM e ICOFOM LAM. Sua contribui-o encontra-se nas publicaes desses comits.

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    A francofonia museal no concerto do ICOM

    Por que razo se escolheu um comit composto quase exclusi-vamente por francfonos? Muitas razes, que no so apenas prticas, explicam tal escolha. Sabemos que a ideia de um trabalho coletivo, internacional e perfeitamente harmonioso representa uma utopia, uma vez que nem todos compartilham de uma lngua comum (cientfica ou no). Os comits internacionais do ICOM conhecem bem essa situao, que, para evitar o risco de uma Babel, leva-os geralmente a privilegiar uma lngua o ingls, atualmente reconhecido como a lingua franca mundial. Naturalmente, essa escolha do menor denominador comum se opera para o benefcio de alguns que a dominam perfeitamente, e, com frequncia, em detrimento de muitos outros menos familiarizados com a lngua de Shakespeare, que so forados a se apresentar exclusivamente por meio de uma verso caricatural de seu pensamento. O uso de uma das trs lnguas oficiais do ICOM (o ingls, o francs ou o espanhol) se provaria inevitvel, mas, ento, qual delas escolher? A nacionalidade dos primeiros colaboradores, reunidos em torno de Andr Desvalles (que trabalhou durante um longo perodo com Georges Henri Rivire, primeiro diretor do ICOM), levou rapidamente seleo do francs, mas outros argumentos colaboraram igualmente para tal escolha. A maior parte dos autores l ao menos duas das lnguas do ICOM, ainda que no as domine com perfeio. Embora se reconhea a riqueza das contribuies anglo-americanas para o campo museal, preciso sublinhar o fato de que a maior parte de seus autores com algumas excees notrias, como as figuras emblemticas de Patrick Boylan ou de Peter Davis no leem nem o espanhol, nem o francs. A escolha do francs, ligada, como esperamos, a um bom conhecimento da literatura estrangeira, nos permite adotar, se no todas as contri-buies no setor de museus, ao menos alguns de seus aspectos que, em geral, no so explorados, mas que so de extrema importncia para o ICOM. Somos, entretanto, muito conscientes dos limites de nossas pesquisas e esperamos que este trabalho d a outras equipes a ideia de apresentar, em sua prpria lngua (o alemo ou o italiano, entre outras), um olhar diferente sobre o campo museal.

  • 20

    Por outro lado, certo nmero de consequncias ligadas estruturao do pensamento resulta da escolha de uma lngua como ilustra uma comparao entre as definies do museu pelo ICOM, de 1974 e de 2007, a primeira originalmente pensada em francs, a segunda em ingls. Temos conscincia de que essa obra no seria a mesma se houvesse sido escrita originalmente em espanhol, em ingls ou em alemo, tanto no nvel de sua estrutura e na escolha dos termos, quanto do ponto de vista da perspectiva terica adotada! No surpreende ver que o maior nmero de guias prticos sobre os museus so escritos em ingls (como testemunha o excelente manual dirigido por Patrick Boylan, Como Gerir um Museu: Manual Prtico10), enquanto que estes so muito mais raros na Frana ou nos antigos pases do Leste Europeu, onde privilegiamos o ensaio e a reflexo terica.

    Seria, entretanto, muito caricatural dividir a literatura museal entre uma parte prtica, estritamente anglo-americana, e uma parte terica, mais prxima do pensamento latino: o nmero de ensaios tericos redigidos por pensadores anglo-saxnicos11 no campo museal condena totalmente tal viso. Permanece o fato de que certo nmero de diferenas existe, e diferenas sempre enriquecem o conhecimento e a apreciao. Ns tentamos levar em considerao esta perspectiva.

    Finalmente, importante saudar, pela escolha do francs, a memria do trabalho fundamental de teorizao que foi conduzido por muitos anos pelos dois primeiros diretores franceses do ICOM, Georges Henri Rivire e Hugues de Varine, sem o qual uma grande parte do trabalho museal, tanto na Europa continental quanto na Amrica ou na frica, no poderia ser compreendido. Uma reflexo fundamental sobre o mundo dos museus no pode ignorar a sua histria, do mesmo modo que preciso lembrar que suas origens esto ancoradas no sculo do Iluminismo e que sua transformao (isto , sua institucionalizao) ocorreu no perodo da Revoluo Francesa,

    10 , P. (coord.). Como Gerir um Museu: Manual Prtico. Paris: ICOM/Unesco, 2006. Dis-ponvel em: http://www.icom.org.br/Running%20a%20Museum_trad_pt.pdf. Acesso em: maio de 2012. (Nota dos Autores.)

    11 Em Portugal, anglo-saxnicos.

  • 21

    mas tambm que as fundaes tericas, no contexto europeu, foram elaboradas do outro lado do muro de Berlim, a partir dos anos 1960, no momento em que o mundo ainda estava dividido em blocos antagnicos. Ainda que a ordem geopoltica tenha sido comple-tamente transformada h quase um quarto de sculo, importante que o setor museal no esquea a sua histria o que seria um absurdo no caso de um instrumento transmissor de cultura para os pblicos do presente e para as futuras geraes! Todavia, existe sempre o risco de uma memria curta que, da histria dos museus, preserve apenas a maneira pela qual estas instituies devem ser geridas e os meios de atrair os visitantes.

    Uma estrutura em constante evoluo

    Desde o incio, o objetivo dos autores no foi o de escrever um tratado definitivo sobre o mundo dos museus, um sistema terico ideal separado da realidade. A frmula relativamente modesta de uma lista de vinte e um termos foi escolhida para tentar enfatizar uma reflexo contnua sobre o campo museal, com apenas estes marcos seletos. O leitor no se surpreender ao encontrar aqui alguns termos de uso comum que lhe so familiares, tais como museu, coleo, patrimnio, pblico, etc., nos quais esperamos que ele descubra certo nmero de sentidos ou de reflexes que lhe so menos familiares. Ele se surpreender, possivelmente, ao no encontrar alguns outros termos, como, por exemplo, o vocbulo conservao, que se v inserido no verbete PRESERVAO. Neste termo, entretanto, ns no retomamos todo o investimento feito pelos membros do Comit Internacional de Conservao (ICOM-CC), cujo trabalho se estende para muito alm de nossas pretenses neste campo. Alguns outros termos, mais tericos, parecero, primeira vista, mais exticos para o profissional voltado para a prtica em museus, entre eles: museal, musealizao, museologia, etc. Nosso objetivo era, de certo modo, o de apresentar a viso mais aberta possvel daquilo que se pode observar no mundo dos museus, compreendendo experincias numerosas, mais ou menos incomuns, suscetveis de influenciar

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    consideravelmente o futuro dos museus em longo prazo o que o caso, notadamente, dos conceitos de museu virtual e de cibermuseu.

    Comearemos indicando os limites desse trabalho: trata-se de propor uma reflexo terica e crtica sobre o mundo dos museus em um sentido amplo que est para alm dos museus clssicos. Podemos certamente partir do museu, para tentar defini-lo. Est dito, na definio do ICOM, que se trata de uma instituio a servio da sociedade e de seu desenvolvimento. O que significam estes dois termos fundamentais? Mas, acima de tudo e as definies no respondem a esta pergunta , por que os museus existem? Sabemos que o mundo dos museus est ligado noo de patrimnio, mas vai, ainda, muito alm disto. Como evocar este contexto mais amplo? Pelo conceito de museal (ou de campo museal), que o campo terico responsvel por tratar deste questionamento, do mesmo modo em que a poltica o campo da reflexo poltica. O questionamento crtico e terico do campo museal a museologia, enquanto que o seu aspecto prtico designado como museografia. Para cada um desses termos no existe apenas uma, mas vrias definies que se transformaram com o passar do tempo. As diferentes interpretaes de cada um desses termos so evocadas aqui.

    O mundo dos museus evoluiu amplamente com o tempo, tanto do ponto de vista de suas funes quanto por sua materialidade e a dos principais elementos que sustentam o seu trabalho. Concre-tamente, o museu trabalha com os objetos que formam as colees. O fator humano evidentemente fundamental para se compreender o funcionamento dos museus, tanto no que concerne equipe que atua no seio do museu suas profisses, e sua relao com a tica quanto ao pblico ou aos pblicos aos quais o museu est destinado. Quais so as funes do museu? Ele desenvolve uma atividade que podemos descrever como um processo de musealizao e de visualizao. De maneira mais geral, falamos de funes museais que foram descritas de formas diferentes ao longo do tempo. Baseamo-nos em um dos modelos mais conhecidos, elaborado no final dos anos 1980 pela Reinwardt Academie de Amsterdam, que distingue trs funes: a

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    preservao (que compreende a aquisio, a conservao e a gesto das colees), a pesquisa e a comunicao. A comunicao, ela mesma, compreende a educao e a exposio, duas funes que so, sem dvida, as mais visveis do museu. Neste sentido, parece-nos que a funo educativa cresceu suficientemente nas ltimas dcadas para que o termo mediao lhe seja acrescentado. Uma das maiores diferenas que se pode apontar entre o trabalho realizado anteriormente em museus e o dos ltimos anos reside na importncia que vem sendo dada noo de gesto, de modo que, em razo de suas especificidades, somos levados a trat-la como uma funo do museu. O mesmo se percebe em relao noo de arquitetura de museu, cuja importncia crescente leva a uma transformao do conjunto de outras funes.

    Como definir o museu? Pela abordagem conceitual (museu, patrimnio, instituio, sociedade, tica, museal), por meio da reflexo terica e prtica (museologia, museografia), por seu funcionamento (objeto, coleo, musealizao), pelos seus atores (profissionais, pblico), ou pelas funes que decorrem de sua ao (preservao, pesquisa, comunicao, educao, exposio, mediao, gesto, arquitetura)? Diversos so os pontos de vista possveis, sendo conveniente compar-los na tentativa de melhor compreender um fenmeno em pleno desenvolvimento, cujas transformaes recentes no so indiferentes para ningum.

    No incio dos anos 1980, o mundo dos museus conhecia uma onda de mudanas sem precedentes: por muito tempo considerados como lugares elitistas e distintos, os museus passaram a propr uma espcie de coming out12, evidenciando seu gosto por arquiteturas espetaculares, pelas grandes exposies chamativas e amplamente populares, e com a inteno de se tornarem parte de um determinado tipo de consumo. A popularidade do museu no foi negada, seu nmero pelo menos dobrou no espao de pouco mais de uma gerao, e os novos projetos de construo de Xangai a Abu Dhabi, no limiar das mudanas geopolticas que o futuro pronuncia vm se mostrando ainda mais impressionantes. Com efeito, uma gerao depois, o campo museal

    12 Expresso mantida como no original em francs.

  • 24

    ainda est em vias de se transformar: se o homo turisticus parece ter substitudo o visitante como alvo principal do marketing dos museus, no podemos deixar de nos interrogar, todavia, sobre as perspectivas deste ltimo. O mundo dos museus, como o conhecemos, ainda ter um futuro? A civilizao material, cristalizada pelo museu, no est em vias de conhecer, ela mesma, mudanas radicais? Ns no pretendemos responder aqui a questes deste tipo, mas esperamos que aqueles que se interessam pelo futuro dos museus, ou, de maneira mais prtica, pelo futuro de seu prprio estabelecimento, encontrem nestas pginas alguns elementos capazes de enriquecer a sua reflexo.

    Franois Mairesse e Andr Desvalles

  • 25

    MU S E O L O G I A UM A D I S C I P L I N A, M U I T O S C O N C E I T O S, I N M E R A S

    A P L I C A E SCO N S I D E R A E S S O B R E A T R A D U O D O S

    CO N C E I T O S-C H A V E D E MU S E O L O G I A

    Uma traduo requer ateno e esta deve ser redobrada quando se trata de um texto conceitual com vis acadmico, pois, no plano das ideias, inmeras abordagens so possveis, nos distintos contextos, considerando a origem de um dado artigo, onde a traduo se faz e onde ela deve fazer sentido. Fazer uma traduo , portanto, encontrar o sentido dos termos entre os falantes de uma dada lngua, e, no caso presente, entre os atores de um campo de conhecimento ainda em construo. No caso da traduo dos Conceitos-chave de Museologia, a dificuldade ampliou-se tendo em vista, alm das questes inerentes traduo de textos acadmicos, o fato de a museologia ser uma disciplina em formao, em processo, como tantas vezes mencionado no mbito do ICOFOM e do ICOM.

    A museologia est se construindo como campo de conhecimento em distintas localidades ncleos de formao e pesquisa em vrios pases e instituies museais que constituem o universo de sua aplicao, instituies estas marcadas por seus contextos sociocul-turais. Ela vem ganhando importncia e se renovando como uma (possvel) cincia humana que ainda carece de maior preciso termino-lgica, para assim ser reconhecida nas interfaces com outras cincias e esta uma realidade tanto brasileira, como mundial.

    O Comit de Redao dos Conceitos-chave de Museologia levou em considerao a diversidade dos contextos culturais nos quais a museologia se faz e suas particularidades, de modo que na Introduo

  • 26

    os autores jogam com palavras usando o termo francofonia ao se referirem fala francesa e francfonos para cercar a origem de seus colaboradores: Blgica, Canad, Frana e Sua. O comit se explica mencionando, o que reconhecemos, a dificuldade de um trabalho desta envergadura com participantes de diversos pases e com diferentes lnguas maternas, mesmo considerando que as lnguas oficiais do ICOM sejam trs: ingls, francs e espanhol. Sem, contudo, conseguir se justificar, o comit adotou um procedimento que, pragmaticamente falando, resultou na obra que ora apresentamos no contexto brasileiro e portugus. Um dos argumentos dos autores que nem todos falam todas as lnguas oficiais do ICOM (nem todos falam espanhol, por exemplo, ou, talvez, nem todos falem francs, como eventualmente gostariam), como se o problema fosse esse e como se a realidade dos atores que compem o ICOM fosse simples. O que queremos dizer que o texto original em francs, que aqui ns traduzimos para o portugus, representa uma francoviso que, na traduo, nos gerou alguns pontos de hesitao, resultantes da distncia cultural que enfrentamos. Dessa forma, gostaramos de registrar13 o nosso mais profundo respeito pelos nossos colegas e pelo rduo trabalho que realizam, do mesmo modo que manifestamos o nosso compromisso com o que realizamos no Brasil h dcadas. Nesse sentido, recorremos muitas vezes a extensas notas de rodap que aqui nos abstivemos de identificar uma a uma como Nota dos Tradutores, pois todas o so, com exceo de uma identificada como Nota dos Autores , com a preocupao de que o leitor fosse informado de que h outras vises e que, no Brasil, construmos uma museologia alicerada e situada cultural e socialmente. Tambm nos preocupamos que esta publicao fosse um referencial para ser usado criticamente, evitando-se meras repeties de termos que, como procuramos dizer, correspondem viso de um outro contexto.

    Dessa forma, convidamos os leitores a uma leitura crtica, refletindo sobre seus museus e sobre a melhor maneira de participar dos processos museais, da mesma forma que queremos estimular os

    13 Em Portugal, registar.

  • 27

    estudantes e pesquisadores a se debruarem sobre a difcil tarefa, mas extremamente necessria, de conceituao e definio de termos que ajudem ao desenvolvimento da museologia.

    Bruno Brulon SoaresMuselogo

    Vice-presidente do ICOFOM

    Marilia Xavier CuryMuseloga

    Docente em Museologia, Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de So Paulo

  • A29

    ARQUITETURA

    s. f. Equivalente em francs: architecture; ingls: architecture; espanhol: arquitectura; ale-mo: Architektur; italiano: architettura.

    A arquitetura (museal) define-se como a arte de conceber, de projetar e de construir um espao destinado a abrigar as funes especficas de um museu e, mais particularmente, as de uma exposio, da conservao pre-ventiva e ativa, do estudo, da gesto e do acolhimento de visitantes.

    Desde a inveno do museu moderno, a partir do final do sculo XVIII e incio do XIX, e, parale-lamente, a partir da reconverso de antigos prdios patrimoniais, desenvolveu-se uma arquitetura especfica que, especialmente pelas suas exposies temporrias ou de longa durao14, vincula-se s con-dies de preservao, de pesquisa e de comunicao das colees. Esta arquitetura ficou evidente tanto nas primeiras construes desse tipo quanto nas mais contemporneas. O vocabulrio arquitetnico condicio-

    nou, ele mesmo, o desenvolvimento da noo de museu. Assim, a forma do templo com cpula e fachada com prtico colunado imps-se ao mesmo tempo em que se imps a da galeria, concebida como um dos principais modelos para os museus de Belas Artes, e que deu origem, por extenso, aos termos galerie, galleria, Galerie e gallery, respectivamente na Frana, na Itlia, na Alemanha e nos pases anglo-americanos.

    Ainda que a forma das constru-es museais tenha, geralmente, se centrado na salvaguarda das cole-es, ela evoluiu na medida em que se desenvolveram novas funes. Deste modo, pela busca de solues para uma melhor iluminao das exposies (Soufflot e Brbion, 1778; J.-B. Le Brun, 178715), para a melhor distribuio das colees pelo edif-cio do museu (Mechel, 1778-1784), e para melhor estruturar o espao de exposies (Leo von Klenze, 1816-1830), tomou-se conscincia, no incio do sculo XX, da necessidade de se reduzir as colees permanen-

    14 No texto original, exposio permanente. Embora ainda usado no Brasil, assim como em Portugal, o termo atualizado exposio de longa durao, para evitar a conotao de permanncia. Adotaremos este termo daqui em diante.

    15 Referncias obtidas no Dictionnaire encyclopdique de musologie (Paris: Armand Colin), 2011: . [1793], Paris, RMN, 1992 (dition et postface par Edouard Pommier).

  • 30

    tes. Com esse objetivo foram criados espaos de reservas tcnicas, fosse sacrificando salas de exposio, fosse utilizando espaos de subsolo, fosse pela construo de novos edifcios. Por outro lado, tentava-se, o mximo possvel, neutralizar o ambiente expositivo, sacrificando-se uma parte ou a totalidade dos elementos de decorao histrica existentes. A inveno da eletricidade facilitou estas melhorias, permitindo que os modos de iluminao fossem com-pletamente repensados.

    Novas funes apareceram durante a segunda metade do sculo XX, conduzindo, especialmente, a modificaes arquiteturais maiores: multiplicao das exposies tempo-rrias, permitindo uma distribuio diferente das colees entre os espa-os de exposio de longa durao e os das reservas tcnicas; desenvolvi-mento de estruturas de acolhimento, espaos de criao (atelis pedag-gicos) e reas de descanso, o que se deu particularmente com a criao de espaos multiuso; e desenvolvi-mento de livrarias e restaurantes, alm da criao de lojas para a venda de produtos derivados. Contudo, paralelamente, a descentralizao por reagrupamento e por subcon-tratao de algumas funes dos museus demandou a construo ou a instalao de espaos especializados autnomos: primeiramente os atelis de restaurao16 e laboratrios, que

    podiam se especializar, colocando-se a servio de vrios museus, depois as reservas tcnicas implantadas fora dos espaos de exposio.

    O arquiteto aquele que concebe e planeja17 um edifcio e dirige a sua execuo; mais amplamente, aquele que produz o envelope em torno das colees, da equipe do museu e do seu pblico. A arquitetura, nesta perspectiva, toca o conjunto dos elementos ligados ao espao e ilu-minao no seio do museu, aspectos aparentemente secundrios, que aca-bam se revelando determinantes para a significao pretendida (ordenao cronolgica, visibilidade para todos, neutralidade do fundo, etc.). Os prdios de museus so, ento, con-cebidos e construdos segundo um programa arquitetural definido pelos responsveis cientficos e administra-tivos do estabelecimento. Entretanto, as decises sobre a definio do pro-grama e dos limites da interveno do arquiteto nem sempre se distri-buem desta maneira. A arquitetura, como arte ou como mtodo para a construo e implantao de um museu, pode ser vista como uma obra completa, que integra todo o meca-nismo do museu. Esta perspectiva, por vezes defendida por arquitetos, pode ser considerada apenas quando o programa arquitetnico leva em conta todas as questes e reflexes museogrficas, o que no costuma ser o caso na maioria das instituies.

    16 Em Portugal, utiliza-se restauro, como tambm no Brasil.17 Em Portugal, planeia (forma pouco adotada no Brasil).

  • 31

    Pode acontecer de os programas dados aos arquitetos inclurem o design interior, atribuindo a estes ltimos se nenhuma distino for feita entre as instalaes gerais e a museografia a possibilidade de uma liberdade criativa que, mui-tas vezes, se d em detrimento do museu. Alguns arquitetos so espe-cializados na realizao de expo-sies e se tornam cengrafos ou expographes18. Raros so aqueles que podem reivindicar o ttulo de musographes19, a menos que sua prtica e sua formao incluam este tipo de competncia.

    As dificuldades atuais da arqui-tetura museal repousam sobre o conflito lgico existente entre, de um lado, os interesses do arquiteto (que hoje valorizado pela visibi-lidade internacional deste tipo de construes), e, de outro, aqueles que esto ligados preservao e

    valorizao da coleo; finalmente, ainda precisa ser levado em conta o conforto dos diferentes visitantes. Esta problemtica j foi ressaltada pelo arquiteto Auguste Perret: Para um navio navegar, este no deve ser projetado de modo muito diferente de uma locomotiva? A especificidade de um edifcio de museu recai sobre o arquiteto, que ser inspirado por sua funo para criar tal rgo (Per-ret, 1931). Um olhar sobre as cria-es arquitetnicas atuais permite perceber que se a maior parte dos arquitetos leva em conta as exign-cias do programa do museu, muitos continuam a privilegiar o objeto belo em detrimento do bom instrumento museolgico.

    DERIVADOS: ARQUITETURA DE INTERIOR, PROGRAMA DE ARQUITETURA.

    )CORRELATOS20: DECORAO, ILUMINAO, EXPOGRAFIA, MUSEOGRAFIA, CENOGRAFIA, PROGRAMA MUSEOGRFICO.

    18 Como no h correspondentes no Brasil e em Portugal, manteremos os termos e musographe como no original em francs. Nesta publicao, aparece, tambm, em e em . Musographe tratado nos verbetes , -

    19 Os autores usam aqui entre aspas. Acreditamos que seja para distinguir enfa-ticamante do musographe amplas que aquela para o desenho de exposies. No Brasil no existem estas duas deno-minaes. O especialista em exposies o designer-conservador e o educador de museu, para citar dois exemplos.

    20 Em Portugal, .

  • C32

    COLEO

    s. f. Equivalente em francs: collection; ingls: collection; espanhol: coleccin; alemo: Sammlung, Kollektion; italiano: collezione, raccolta.

    De modo geral, uma coleo pode ser definida como um conjunto de obje-tos materiais ou imateriais (obras, artefatos, mentefatos, espcimes, documentos arquivsticos, testemu-nhos, etc.) que um indivduo, ou um estabelecimento, se responsabilizou por reunir, classificar, selecionar e conservar em um contexto seguro e que, com frequncia, comunicada a um pblico mais ou menos vasto, seja esta uma coleo pblica ou pri-vada.

    Para se constituir uma verdadeira coleo, necessrio que esses agru-pamentos de objetos formem um conjunto (relativamente) coerente e significativo. importante no con-fundir coleo e fundo, que designa, na terminologia arquivstica, um conjunto de documentos de todas as naturezas reunidos automatica-mente, criados e/ou acumulados, e utilizados por uma pessoa fsica ou por uma famlia em exerccio de suas atividades ou de suas funes. (Bureau Canadien des Archivistes, 1990). No caso de um fundo, con-

    trariamente a uma coleo, no h seleo e raramente h a inteno de se constituir um conjunto coerente.

    Seja ela material ou imaterial, a coleo figura no corao das ativi-dades de um museu. A misso de um museu a de adquirir, preser-var e valorizar suas colees com o objetivo de contribuir para a salva-guarda do patrimnio natural, cul-tural e cientfico (Cdigo de tica do ICOM, 2006). Sem design-la to explicitamente, a definio do museu pelo ICOM permanece essencial-mente ligada a um princpio tal que confirma a opinio j antiga de Louis Rau: Compreendemos que os museus so feitos para as colees e que preciso constru-los, por assim dizer, de dentro para fora, mode-lando aquilo que contm a partir do contedo (Rau, 1908). Essa con-cepo no corresponde, todavia, a certos modelos de museus que no possuem colees ou queles em que a coleo no se situa no corao do seu projeto cientfico. O conceito de coleo est, ainda, entre aqueles que so, no mundo dos museus, os mais facilmente disseminados, mesmo se privilegiamos, como veremos abaixo, a noo de objeto de museu. Entretanto, vamos enumerar trs conotaes possveis para este con-

  • 33

    ceito, que variam, essencialmente, de acordo com dois fatores: por um lado, a natureza institucional da cole-o, e, por outro, a natureza material ou imaterial dos seus suportes.

    1. Em razo da banalizao do uso do termo coleo, tentativas frequentes vm sendo feitas para diferenciar uma coleo de museu de outros tipos de coleo. De maneira geral (j que este no o caso para todos os estabelecimentos), a coleo ou as colees do museu se apre-senta(m) tanto como a fonte quanto como a finalidade das atividades do museu percebido como instituio. As colees podem, assim, ser defi-nidas como os objetos coletados do museu, adquiridos e preservados em razo de seu valor de exemplaridade, de referncia, ou como objetos de importncia esttica ou educativa (Burcaw, 1997). nesta perspectiva que podemos evocar, por vezes, o museu como a institucionalizao da coleo privada. preciso notar, entretanto, que mesmo quando o

    conservateur21 ou a equipe do museu no so colecionadores, estes ltimos sempre estabeleceram laos estreitos com os conservateurs. O museu deve normalmente desenvolver uma pol-tica de aquisio o que sublinha o ICOM, que prev o mesmo para a poltica de coleta. Ele seleciona, com-pra, coleta, recebe doaes. O verbo colecionar pouco utilizado, por-que est muito diretamente ligado ao gesto do colecionador privado e seus derivados (Baudrillard, 1968) isto , o colecionismo e a acumu-lao, chamados pejorativamente de collectionnite22 , no contexto francs. Nesta perspectiva, a coleo concebida simultaneamente como o resultado e como a fonte de um programa cientfico visando aqui-sio e pesquisa, a partir de tes-temunhos materiais e imateriais do homem e de seu meio. Este ltimo critrio, entretanto, no permite distinguir o museu da coleo pri-vada, na medida em que esta ltima pode ser reunida com um objetivo

    21 Mantivemos o termo em francs conservateur, como no original, pois este pode apresentar -nadas situaes o seu uso se assemelha ao do muselogo no Brasil. Em Portugal usa-se o termo conservador, embora em determinadas situaes o seu uso tambm se assemelhe ao de muselogo. Na verso em ingls deste trecho encontramos conservateur como cura-tor, o que poderia nos levar a traduzir o termo como curador. No entanto, h, no Brasil, diferentes concepes de curadoria e, consequentemente, de curador. Uma delas entende curadoria como pesquisa de coleo e curador como o pesquisador de coleo e, em con- curadoria como o processo que integra todas as aes em torno da coleo ou do objeto museolgico: aquisio, pesquisa, conservao, documentao, comunicao (exposio e educao). Nesse sentido, todos aqueles inseridos nesse processo so curadores. No Dictionnaire encyclopdique de musologie (Paris: Armand Colin), 2011, p. 581, Andr Des-valles e Franois Mairesse apresentam o termo curador (Curator com o verbete -) como o pesquisador de coleo que poder assumir posio diretiva na instituio.

    22 Optamos por no traduzir.

  • 34

    perfeitamente cientfico, do mesmo modo que, por vezes, o museu chega a adquirir colees privadas desen-volvidas, eventualmente, com uma inteno pouco cientfica. , ento, o carter institucional do museu que prevalece para circunscrever o termo. Segundo Jean Davallon, num museu os objetos so sempre elementos de sistemas ou de catego-rias (Davallon, 1992). Logo, entre os sistemas ligados a uma coleo, alm do inventrio escrito, que a exigncia primordial de uma coleo museal, outra obrigao essencial a da adoo de um sistema de classifi-cao que permita descrever e locali-zar rapidamente qualquer item entre os milhares ou milhes de objetos (a taxonomia, por exemplo, a cin-cia que classifica organismos vivos). Os usos modernos da classificao foram amplamente influenciados pela informtica, mas a documen-tao de colees permanece uma atividade que requer um saber espe-cfico e rigoroso, fundado na cons-tituio de um thesaurus capaz de descrever as relaes entre diversas categorias de objetos.

    2. A definio da coleo pode igualmente ser vista segundo uma perspectiva mais geral, que inclui tanto as colees privadas quanto os museus, mas que toma como ponto de partida a sua suposta materiali-dade. Partindo do princpio de que a coleo constitui-se essencialmente de objetos materiais como era o caso, muito recentemente, para a

    definio de museus do ICOM , ela est circunscrita no local em que se encontra. Krysztof Pomian define a coleo como todo conjunto de objetos naturais ou artificiais, man-tidos temporariamente ou definitiva-mente fora do circuito de atividades econmicas, submetido a uma pro-teo especial em um lugar fechado, mantido com este propsito, e exposto ao olhar (Pomian, 1987). Pomian define, assim, a coleo por seu valor simblico, na medida em que o objeto perde a sua utilidade ou o seu valor de troca para se tornar portador de sentido (semiforo ou portador de significado) (ver OBJETO).

    3. A evoluo recente do museu e, especialmente, a tomada de cons-cincia sobre o patrimnio imaterial atribuiu um novo valor ao carter mais geral da coleo, fazendo com que aparecessem novos desafios. As colees mais evidentemente ima-teriais (de conhecimentos locais, de rituais e mitos na etnologia, bem como de performances, gestos e ins-talaes efmeras em arte contem-pornea) incitam o desenvolvimento de novos dispositivos de aquisio. Por vezes, a mera composio mate-rial dos objetos torna-se secundria, e a documentao do processo de coleta23 que sempre foi importante na arqueologia e na etnologia agora se torna a informao de maior importncia, a qual acompanhar no apenas a pesquisa, mas tambm os dispositivos de comunicao com

    23 Em Portugal, recolha.

  • 35

    o pblico. A coleo do museu sem-pre teve de ser definida em relao documentao que a acompanha e pelo trabalho que resultou dela, para ter a sua relevncia reconhecida. Esta evoluo levou a uma acepo mais ampla da coleo, como uma reunio de objetos que conservam sua individualidade e reunidos de maneira intencional, segundo uma lgica especfica. Esta ltima acep-o, a mais aberta das que foram cita-das, engloba tanto as colees mais especficas quanto as colees tra-dicionais dos museus, mas tambm colees de testemunhos da histria oral, de memrias ou de experimen-tos cientficos.

    DERIVADOS: COLETA (BR), RECOLHA (PT), COLECIONAR, COLECIONADOR, COLECIONISMO.24

    )CORRELATOS: AQUISIO, ESTUDO, PRESERVAO, CATALOGAO, DOCUMENTAO, PESQUISA, CONSERVAO, RESTAURAO, EXPOSIO, GESTO DE COLEES, VALORIZAO DE COLEES, ALIENAO, RESTITUIO.25

    COMUNICAOs. f. Equivalente em francs: communication; ingls: communication; espanhol: comunicacin; alemo: Kommunikation; italiano: communica-zione.

    A comunicao (C) a ao de se vei-cular uma informao entre um ou vrios emissores (E) e um ou vrios receptores (R), por meio de um canal

    (segundo o modelo ECR de Lasswell, 1948). Esse conceito to geral que no est restrito aos processos huma-nos portadores de informao de carter semntico, mas encontra-se tambm nas mquinas, tanto quanto no mundo animal ou na vida social (Wiener, 1948). O termo possui duas acepes usuais, que encontramos em diferentes nveis nos museus, que variam se o fenmeno for recproco (ECR) ou no (ECR). No pri-meiro caso, a comunicao dita interativa, no segundo ela unilate-ral e dissipada no tempo. Quando a comunicao unilateral e opera no tempo, e no apenas no espao, chamada de transmisso (Debray, 2000).

    No contexto dos museus, a comu-nicao aparece simultaneamente como a apresentao dos resultados da pesquisa efetuada sobre as cole-es (catlogos, artigos, confern-cias, exposies) e como o acesso aos objetos que compem as cole-es (exposies de longa durao e informaes associadas). Esta pers-pectiva v a exposio no apenas como parte integrante do processo de pesquisa, mas, tambm, como ele-mento de um sistema de comunica-o mais geral, compreendendo, por exemplo, as publicaes cientficas. Esta a lgica que prevaleceu no sis-tema PPC (Preservao Pesquisa Comunicao)26 proposto pela

    24 No Brasil e em Portugal, outro derivado.25 No Brasil e em Portugal, encontramos outros correlatos como , ,

    , , , .26 Em francs, PRC (Prservation Recherche Communication); em ingls, PRC (Preservation

    Research Communication).

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    Reinwardt Academie de Amsterdam, que inclui no processo de comuni-cao as funes de exposio, de publicao e de educao exercidas pelo museu.

    1. A aplicao do termo comu-nicao aos museus no bvia, apesar do uso que o ICOM faz dela em sua definio de museu ado-tada at 2007, que determina que o museu adquire, conserva, estuda, comunica e expe o patrimnio tan-gvel e intangvel da humanidade e de seu meio ambiente, para fins de educao, estudo e lazer. At a segunda metade do sculo XX, a funo principal de um museu era a de preservar as riquezas culturais ou naturais acumuladas, podendo eventualmente exp-las, sem que fosse formulada explicitamente uma inteno de comunicar, isto , de fazer circular uma mensagem ou uma informao a um pblico receptor. Se, nos anos 1990, ns nos perguntvamos se o museu era, de fato, uma mdia27 (Davallon, 1992; Rasse, 1999), porque a funo de comunicao do museu no apa-recia a todos como evidente. Por um lado, a ideia de uma mensagem museal s surgiu muito tarde, espe-cialmente com as exposies temti-cas nas quais prevaleceu, por muito tempo, a inteno didtica; por outro, o receptor permaneceu por muito tempo desconhecido e apenas recentemente se desenvolveram os estudos de visitao e as pesquisas de pblico. Na perspectiva da definio

    do ICOM para os museus, a comuni-cao museal aparecia como a parti-lha, com os diferentes pblicos, dos objetos que fazem parte da coleo, bem como das informaes resultan-tes da pesquisa efetuada sobre esses objetos.

    2. Podemos definir a especifici-dade da comunicao, a partir de como esta praticada pelos museus, em dois pontos: (1) ela geralmente unilateral, isto , sem possibilidade de resposta da parte do pblico receptor, cuja extrema passivi-dade foi fortemente enfatizada por McLuhan, Parker e Barzun (1969), o que no quer dizer que o visitante no deseje se envolver, de maneira interativa ou no, neste modo de comunicao (Hooper-Greenhil, 1995); (2) ela no essencialmente verbal, e no pode ser comparada com a leitura de um texto (Davallon, 1992); diferentemente, ela opera pela apresentao sensvel dos objetos expostos: Como sistema de comu-nicao, o museu depende, ento, da linguagem no verbal dos obje-tos e dos fenmenos observveis. Ele , antes de tudo, uma linguagem visual que pode se tornar uma lin-guagem audvel ou ttil. Seu poder de comunicao to intenso que, eticamente, sua utilizao deve ser uma prioridade para os profissionais de museus (Cameron, 1968).

    3. De maneira mais geral, a comu-nicao foi-se tornando progressi-vamente, no fim do sculo XX, o princpio motor do funcionamento

    27 Em Portugal, um mdia.

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    do museu. Neste sentido, o museu comunica de maneira especfica, por meio de um mtodo que lhe pr-prio, bem como utilizando todas as outras tcnicas de comunicao, correndo o risco, talvez, de investir menos em suas caractersticas mais especficas. Diversos museus pelo menos os maiores possuem um departamento de relaes pblicas, ou um departamento de progra-mas pblicos, que desenvolve as atividades destinadas a comunicar e a atingir os diversos setores do pblico, que so mais ou menos bem definidos, por meio de atividades clssicas ou inovadoras (eventos, encontros, publicaes, animaes extramuros, etc.). Neste contexto, os importantes investimentos feitos por muitos museus em seus sites na internet constituem uma parte sig-nificativa da lgica comunicacional destas instituies. Como resultado, tm-se as vrias exposies virtuais ou ciberexposies (domnio no qual o museu pode apresentar uma expertise real), os catlogos digitali-zados, os fruns de discusso mais ou menos sofisticados, e as diversas incurses dessas instituies nas redes sociais (YouTube, Twitter, Facebook, etc.).

    4. O debate relativo aos mto-dos de comunicao utilizados pelo museu levanta a questo da transmis-

    so. A falta crnica de interatividade na comunicao nos museus con-duz ao questionamento sobre como tornar o visitante mais ativo, solici-tando a sua participao (McLuhan, Parker e Barzun, 1969). Poderamos, certamente, remover as legendas ou mesmo os contextos narrativos para que o pblico construa, ele mesmo, a sua lgica no percurso de uma exposio, mas isso ainda no torna a comunicao interativa. Os nicos lugares onde certo grau de interati-vidade foi desenvolvido (tais como o Palais de la Dcouverte ou a Cit des Sciences et de lIndustrie, em Paris, ou o Exploratorium de So Francisco, por exemplo)28 tendem a parecer mais com os parques de lazer, que multiplicam as atraes com car-ter ldico. Parece, entretanto, que a verdadeira tarefa do museu a da transmisso, entendida como uma comunicao unilateral no tempo, com o objetivo de permitir a cada um se apropriar da bagagem cultural que assegura a sua humanidade e sua insero na sociedade.

    )CORRELATOS: AO CULTURAL, EXPOSIO, EDUCAO, DIFUSO, MEDIAO, MDIA, MEIO DE COMUNICAO, ACESSO AO PBLICO, TRANSMISSO.29

    -cion-los.

    29 Acrescentaramos derivados em uso no Brasil, tais como: , , . Os correlatos brasileiros e portugueses seriam: , ,

  • E38

    EDUCAO

    s. f. (do latim educatio, educere: guiar, con-duzir para fora de) Equivalente em francs: ducation; ingls: education; espanhol: educa-cin; alemo: Erziehung, Museumspdagogik; italiano: istruzione.

    De uma maneira geral, a educa-o significa a implementao dos meios necessrios para a formao e o desenvolvimento de pessoas e de suas prprias capacidades. A educa-o museal pode ser definida como um conjunto de valores, de concei-tos, de saberes e de prticas que tm como fim o desenvolvimento do visi-tante; como um trabalho de acultura-o, ela apoia-se notadamente sobre a pedagogia, o desenvolvimento, o florescimento e a aprendizagem de novos saberes.

    1. O conceito de educao deve definir-se em funo de outros ter-mos, sendo o primeiro deles a ins-truo, que relativa ao esprito e entendida como os conhecimentos que adquirimos e pelos quais nos tornamos hbeis e sbios (Toraille, 1985). A educao est associada ao mesmo tempo ao corao e ao esprito, e diz respeito aos conheci-mentos que pretendemos atualizar em uma relao que coloca os sabe-res em movimento para desenvolver

    uma apropriao e um reinvesti-mento personalizado. Ela a ao de desenvolver um conjunto de conhe-cimentos e de valores morais, fsicos, intelectuais, cientficos, etc. O saber, o saber-fazer, o ser e o saber-ser for-mam os quatro componentes centrais do domnio da educao. O termo educao vem do latim educere [conduzir para fora de, ou seja, para fora da infncia], o que supe uma dimenso ativa do acompanhamento nos processos educativos de trans-misso. Tem ligao com a noo de despertar, que visa a suscitar a curio-sidade e a conduzir os indivduos interrogao e ao desenvolvimento de reflexes. A educao, particu-larmente a informal, visa, ento, a desenvolver os sentidos e a tomada de conscincia. Ela um processo de desenvolvimento que pressupe mudana e transformao, ao invs de condicionamento ou repetio, noes que ela tende a opor. A for-mao do esprito passa, ento, por uma instruo que transmite saberes teis e uma educao que os torna transformveis e suscetveis de serem reinvestidos pelo indivduo em bene-fcio de sua humanizao.

    2. A educao, em um contexto mais especificamente museolgico, est ligada mobilizao de saberes

  • 39

    relacionados com o museu, visando ao desenvolvimento e ao floresci-mento dos indivduos, principal-mente por meio da integrao desses saberes, bem como pelo desenvolvi-mento de novas sensibilidades e pela realizao de novas experincias. A pedagogia museal um quadro te-rico e metodolgico que est a servio da elaborao, da implementao e da avaliao de atividades educativas em um meio museal, atividades estas que tm como objetivo principal a aprendizagem dos saberes (conheci-mentos, habilidades e atitudes) pelo visitante (Allard e Boucher, 1998). A aprendizagem definida como um ato de percepo, de interao e de integrao de um objeto por um sujeito, o que conduz a uma aqui-sio de conhecimentos ou ao desen-volvimento de habilidades ou de atitudes (Allard e Boucher, 1998). A relao de aprendizagem refere--se maneira prpria do visitante de integrar o objeto de aprendizagem. Cincia da educao ou da formao intelectual, se a pedagogia se refere principalmente infncia, a noo de didtica, por sua vez, pensada como a teoria da difuso de conhecimen-tos, uma maneira de apresentar um saber a um indivduo seja qual for a sua idade. A educao mais ampla e visa autonomia da pessoa.

    Outras noes relacionadas podem

    ser evocadas para criar sutilezas e enriquecer essas abordagens. As noes de animao e de ao cul-tural, bem como a de mediao so correntemente evocadas para carac-terizar o trabalho com os pblicos no ato de transmisso do museu. Eu te ensino, diz um professor; Eu te fao aprender, diz o media-dor (Caillet e Lehalle, 1995) (ver MEDIAO). Essa distino reflete a diferena entre um ato de forma-o e uma tentativa de sensibiliza-o, levando o indivduo a terminar o trabalho pela apropriao que far dos contedos propostos. O pri-meiro subentende uma coao e uma obrigao, enquanto que o contexto museal supe a liberdade (Schouten, 1987). Na Alemanha, fala-se mais em pedagogia, que se chama Pdagogik, e quando se fala em pedagogia no seio dos museus, se diz Museumsp-dagogik. Esta diz respeito a todas as atividades que podem ser propos-tas em um museu, indistintamente da idade, da formao e da origem social do pblico em questo.

    DERIVADOS: CINCIAS DA EDUCAO, EDUCAO CONTINUADA, EDUCAO INFORMAL OU NO FORMAL, EDUCAO MUSEAL, EDUCAO PERMANENTE, EDUCAO POPULAR, SERVIO EDUCATIVO.30

    )CORRELATOS: AO CULTURAL, ANIMAO, APRENDIZAGEM, DESENVOLVIMENTO, DESPERTAR, DIDTICA, ENSINAR, ENSINO, FORMAO, INSTRUO, MEDIAO, PEDAGOGIA, TRANSMISSO.

    30 No Brasil e em Portugal, os derivados seriam, para alm dos referidos: e . Os correlatos so: , , -, , .

  • 40

    TICA

    s. f. (do grego thos: hbito, carter) Equiva-lente em francs: thique; ingls: ethics; espa-nhol: etica; alemo: Ethik; italiano: etica.

    Em geral, a tica uma disciplina filosfica que trata da determina-o de valores que iro guiar a con-duta humana tanto pblica quanto privada. Longe de ser um simples sinnimo, como se tende a acre-ditar atualmente, a tica ope-se moral, na medida em que a escolha dos valores no mais imposta por uma dada ordem, tratando-se, dife-rentemente, de uma livre escolha do sujeito ativo. A distino essencial quanto s suas consequncias para o museu, na medida em que ele uma instituio, isto , um fenmeno con-vencional e sujeito a reviso.

    A tica, no seio do museu, pode ser definida como o processo de dis-cusso que visa a determinar os valo-res e os princpios de base sobre os quais se apoia o trabalho museal. a tica que engendra a redao dos princpios apresentados nos cdigos de deontologia dos museus, como aquele proposto pelo ICOM.

    1. A tica visa a guiar a conduta do museu. Na viso moral do mundo, a realidade submetida a uma ordem que decide o lugar que cada indi-vduo ocupa. Essa ordem constitui uma perfeio que todo ser deve lutar para alcanar, buscando reali-zar perfeitamente a sua funo o que se conhece como virtude (Pla-to, Ccero, etc.). Por outro lado, a viso tica do mundo sustentada

    pela referncia a um mundo catico e desordenado, relegado ao acaso e desprovido de qualquer orienta-o estvel. Diante desta desorga-nizao universal, cada um o juiz daquilo que lhe convm (Nietzsche, Deleuze), e o indivduo que decide por si mesmo aquilo que bom ou mau. Entre essas duas posies radi-cais, que constituem a ordem moral e a desordem tica, uma via inter-mediria concebvel na medida em que possvel que os homens entrem em acordo livremente para reconhe-cer o conjunto de valores comuns (como o princpio do respeito pelo ser humano). Este um ponto de vista tico, e ele que, globalmente, rege a determinao dos valores nas democracias modernas. Essa distin-o fundamental condiciona ainda hoje a diviso entre dois tipos de museus ou dois modos de funcio-namento. Alguns, muito tradicio-nais, como certos museus de Belas Artes, parecem inscrever-se em uma ordem pr-estabelecida: as colees aparecem como sagradas e definem uma conduta modelo por parte de diferentes atores (muselogos e visitantes) e um esprito cruzado na execuo das tarefas. Por outro lado, outros museus, talvez mais atentos vida concreta das pessoas, no se consideram como submetidos a valo-res absolutos e os reexaminam recor-rentemente. Estes podem ser museus mais voltados para a vida concreta, como os museus de antropologia, que buscam apreender uma reali-dade tnica geralmente flutuante, ou

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    os museus ditos de sociedade31, para os quais as interrogaes e as escolhas concretas (polticas ou sociais) vm antes do culto s cole-es.

    2. Se a distino entre tica e moral particularmente clara em francs, em espanhol, e mesmo em portugus, o termo em ingls tende a gerar certa confuso (ethic se traduz por tico, mas tambm por moral). Assim, o cdigo de deontologia do ICOM (2006) (Cdigo de deontologa, em espanhol) traduzido como Code of ethics em ingls32. Trata-se, entre-tanto, de uma viso claramente pres-critiva e normativa que se exprime pelo cdigo (e que encontramos, de maneira idntica, nos cdigos da Museums Association da Gr-Bre-tanha ou da American Association of Museums33). Sua leitura, estrutu-rada em oito captulos, apresenta as medidas de base que permitem um desenvolvimento (supostamente) harmonioso da instituio do museu no seio da sociedade: (1) Os museus preservam, interpretam e promovem o patrimnio natural e cultural da humanidade (recursos, estes, institu-cionais, materiais e financeiros para a abertura de um museu). (2) Os museus mantm acervos em benef-

    cio da sociedade e de seu desenvol-vimento (questo que diz respeito s aquisies e alienao de acervos). (3) Os museus mantm referncias primrias para construir e aprofun-dar conhecimentos (deontologia da pesquisa ou da coleta de testemu-nhos). (4) Os museus criam condi-es para fruio, compreenso e promoo do patrimnio natural e cultural (deontologia da exposio). (5) Os recursos dos museus possibili-tam a prestao de outros servios de interesse pblico (questo de exper-tise). (6) Os museus trabalham em estreita cooperao com as comuni-dades das quais provm seus acervos, assim como com aquelas s quais ser-vem (restituio de bens culturais). (7) Os museus funcionam de acordo com a legislao (referente ao quadro jurdico). (8) Os museus atuam com profissionalismo (referente conduta adequada da equipe de profissionais e aos conflitos de interesse).

    3. O terceiro impacto do conceito de tica sobre o museu reside na sua contribuio para a definio da museologia como tica museal. Nesta perspectiva, a museologia no seria concebida como uma cincia em construo (Strnsk, 1980), j que o estudo do nascimento e da evoluo

    -tanto, difere do termo museus de sociedade, por ter sido proveniente de uma tradio museolgica distinta da francesa, estando mais diretamente ligado museologia social praticada e debatida no contexto portugus e na Mesa Redonda de Santiago do Chile, em 1972. O termo francs museus de sociedade, por sua vez, foi usado, a partir de meados como museus de arte e que no tinham colees de Belas Artes.

    32 No Brasil denominou-se Cdigo de tica do ICOM. Em Portugal, Cdigo Deontolgico do ICOM.33 Atualmente, American Alliance of Museums.

  • 42

    do museu escapa tanto aos mtodos das cincias humanas quanto aos das cincias naturais, na medida em que o museu uma instituio malevel e passvel de ser reformulada. Todavia, como ferramentas da vida social, os museus demandam que sejam feitas escolhas infinitas para determinar o seu uso. E aqui, precisamente, a esco-lha dos fins aos quais se ir submeter este conjunto de mtodos , em si mesma, uma tica. Nesse sentido, a museologia pode ser definida como tica museal, j que ela que decide aquilo que deve ser um museu e os fins aos quais ele deve estar subme-tido. nesse quadro tico que se faz possvel para o ICOM elaborar um cdigo de deontologia para a gesto de museus sendo a deontologia a tica comum a uma categoria socio-profissional e servindo de quadro metajurdico.

    )CORRELATOS: DEONTOLOGIA, FINS, MORAL, VALORES.

    EXPOSIO

    s. f. (do latim : exposto, explicao) Equivalente em francs: ; ingls: ; espanhol: ; alemo: Austellung; italiano: esposizione, mostra.

    O termo exposio significa tanto o resultado da ao de expor, quanto o conjunto daquilo que exposto e o lugar onde se expe. Partamos de uma definio de exposio empres-tada do exterior e que ns no elabo-ramos. Esse termo bem como a sua

    forma abreviada expo34 designa ao mesmo tempo o ato de expor coi-sas ao pblico, os objetos expostos, e o lugar no qual se passa a exposio (Davallon, 1986). Tendo origem no termo em latim expositio, o termo (que no francs antigo, no incio do sculo XII, era exposicun) possua, a princpio e ao mesmo tempo, o sentido figurado de explicao, de exposto, o sentido literal de uma exposio (de uma criana abando-nada, ainda usado em espanhol no termo expsito), e o sentido geral de exibio. A partir do sculo XVI, a palavra francesa exposition tinha o sentido de apresentao (de merca-dorias) e, depois, no sculo XVII, ela passou a designar abandono, apre-sentao inicial (para explicar uma obra) ou a situao (de um edifcio). No sculo XVIII, na Frana, a pala-vra exhibition, referindo-se a exibi-o de obras de arte, tinha o mesmo sentido em francs e em ingls, mas o uso francs da palavra exhibition para se referir apresentao de arte, mais tarde, seria conferido ao termo exposition. Atualmente, os termos exposition (em francs) e exhibition (em ingls) tm o mesmo sentido do termo em portugus exposio, que possui o mesmo radical do pri-meiro, e aplicam-se tanto ao conjunto de coisas de naturezas variadas e for-mas distintas, expostas ao pblico, quanto s prprias coisas expostas e ao lugar onde acontece essa manifes-tao. Nesta perspectiva, cada uma dessas acepes pode definir conjun-

  • 43

    tos at certo ponto diferentes.1. A exposio, entendida tanto

    como o contedo quanto como o lugar onde se expe (do mesmo modo em que o museu aparece como a funo, mas tambm como o edifcio), no se caracteriza pela arquitetura desse espao, mas pelo lugar em si mesmo, visto de maneira geral. A exposio, quando aparece como uma das caractersticas do museu, constitui assim um campo nitidamente mais vasto, uma vez que ela pode ser desenvolvida por uma instituio lucrativa (mercado, loja, galeria de arte) ou no. Ela pode ser organizada em um lugar fechado, mas tambm a cu aberto (parque ou rua) ou in situ, isto , sem deslocar os objetos (como no caso de stios naturais, arqueolgicos ou histri-cos). O espao de exposio, nesta perspectiva, define-se, ento, no somente pelo contedo ou por seus suportes, mas tambm pelos seus utilizadores visitantes ou membros da equipe de profissionais da institui-o , ou seja, as pessoas que entram nesse espao especfico e participam da experincia geral dos outros visi-tantes da exposio. Logo, o lugar da exposio apresenta-se como um lugar especfico de interaes sociais, em que a ao suscetvel de ser ava-liada. isso que propicia o desen-volvimento de pesquisas de pblico ou de recepo, assim como a cons-tituio de um campo de pesquisa especfico ligado dimenso comu-nicacional do lugar, mas igualmente

    ao conjunto das interaes especfi-cas no seio deste espao, ou, ainda, ao conjunto de representaes que este pode evocar.

    2. Como o resultado da ao de expor, a exposio apresenta-se atualmente como uma das principais funes do museu que, segundo a ltima definio do ICOM, adquire, conserva, estuda, expe e transmite o patrimnio material e imaterial da humanidade. De acordo com o modelo PPC35 (da Reinwardt Aca-demie), a exposio faz parte da fun-o mais geral de comunicao do museu, que compreende igualmente as polticas educativas e de publica-o. A partir deste ponto de vista, a exposio aparece como uma carac-terstica fundamental do museu, na medida em que este desenvolvido como o lugar por excelncia da apre-enso do sensvel pela apresentao dos objetos viso (visualizao), mostrao (o ato de demonstrar como prova), e ostenso (como uma forma de sacralizao de objetos por adorao). Por meio deste processo, o visitante colocado na presena de elementos concretos que podem ser exibidos por sua prpria importn-cia (como no caso de quadros ou rel-quias), ou por evocarem conceitos ou construes mentais (a transubs-tanciao, o exotismo). Se o museu pode ser definido como um lugar de musealizao e de visualizao, a exposio aparece, ento, como a visualizao explicativa de fatos ausentes pelos objetos, assim como

    35 Preservao Pesquisa Comunicao.

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    dos meios de apresentao, utiliza-dos como signos (Shrer, 2003). Suportes como a vitrine ou molduras, que servem como separadores entre o mundo real e o mundo imaginrio do museu, so apenas marcadores de objetividade, que servem para garan-tir a distncia (para criar um dis-tanciamento, como dizia Berthold Brecht sobre o teatro) e para assina-lar que estamos em um outro mundo de artifcio, de imaginao.

    3. A exposio, quando enten-dida como o conjunto de coisas expostas, compreende, assim, tanto as musealia, objetos de museu ou objetos autnticos36 , quanto os substitutos (moldes, rplicas, cpias, fotos, etc.), o material expogrfico acessrio (os suportes de apresen-tao, como as vitrines ou as divi-srias do espao), os suportes de informao (os textos, os filmes ou os multimdias), como a sinaliza-o utilitria. A exposio, nessa perspectiva, funciona como um sistema de comunicao particular (McLuhan, Parker e Barzun, 1969; Cameron, 1968), fundado sobre os objetos autnticos e acompanhado de outros artefatos que permitem ao visitante melhor identificar a sua sig-nificao. Nesse contexto, cada um dos elementos presentes no seio da exposio (objetos de museu, substi-tutos, textos, etc.) podem ser defini-

    dos como expt37. Em tal contexto, no se trata, com efeito, de recons-tituir a realidade, que no pode ser transferida a um museu (um objeto autntico, em um museu, j um substituto da realidade e uma expo-sio tem a funo de abrir e propor imagens anlogas a essa realidade), mas de comunic-la por esse dispo-sitivo. Os expts em uma exposio funcionam como signos (semiologia), e a exposio se apresenta como um processo de comunicao, na maior parte do tempo unilateral, incom-pleto e suscetvel a interpretaes divergentes. O termo exposio, usado nesse sentido, difere do termo apresentao, na medida em que o primeiro corresponde, se no a um discurso fsico e didtico, ento, ao menos, a um amplo complexo de itens colocados vista, enquanto o segundo pode evocar a exibio de bens em um mercado ou loja de departamento, que pode se dar de modo passivo, ainda que em ambos os casos um especialista (cengrafo ou designer de exposies) seja necessrio para se alcanar o nvel de qualidade desejado. Esses dois nveis a apresentao e a exposi-o permitem precisar as diferen-as entre cenografia e expografia. No primeiro caso, o cengrafo parte do espao e tende a utilizar os expts para mobiliar esse espao, enquanto

    36 Coisas verdadeiras. Ver . 37 No Dictionnaire encyclopdique de musologie (Paris: Armand Colin), 2011, p. 601, Andr

    Desvalles e Franois Mairesse apresentam o termo como uma unidade elementar da exposio, a exemplo do usado na lngua inglesa. O termo no tem traduo para portugus e aqui ser mantido em francs. Ver, tambm, o verbete .

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    no segundo, o designer de exposi-es ou muselogo parte dos expts e realiza pesquisas sobre o melhor modo de expresso, a melhor lingua-gem para fazer com que eles falem. Essas diferenas de expresso tive-ram variaes ao longo das diversas pocas, segundo o gosto e a moda, e em funo da importncia respectiva dos agentes que operam no espao (decoradores, designers, cengrafos, muselogos, arquitetos). Tais varia-es se do, ainda, em funo das disciplinas e da finalidade de pes-quisa. O campo muito vasto consti-tudo pelas respostas formuladas questo do mostrar e do comuni-car permite o esboo de uma hist-ria e de uma tipologia de exposies que se pode conceber a partir das mdias utilizadas (objetos, textos, imagens em movimento, ambientes, recursos digitais; exposies mono-miditicas e multimiditicas), a partir do carter lucrativo ou no da exposio (exposio de pesquisa, exposio blockbuster, exposio espetculo, exposio comercial), a partir da concepo geral do musographe (expografia do objeto, da ideia ou do ponto de vista), etc. A toda essa gama de possibilidades ainda possvel acrescentar a impli-cao, cada vez mais marcante, do visitante-observador.

    4. Em francs, o termo exposition distingue-se parcialmente do termo exhibition, tendo este ltimo, atu-almente, um sentido pejorativo. Em torno de 1760, o mesmo termo

    (exhibition) podia ser utilizado em francs e em ingls para designar exposies de pintura. Todavia, o sentido da palavra, de certa maneira, degradou-se ao longo do tempo, em francs, e ela passou a designar as atividades que apresentam carter nitidamente ostentatrio (as exibi-es esportivas38, por exemplo) aos olhos da sociedade na qual se desen-volvem as exposies. Este tambm o caso dos derivados exibicionista e exibicionismo, em portugus, que se referem, de maneira ainda mais especfica, a atos indecentes. , ento, nesta perspectiva que a crtica das exposies se faz de forma mais virulenta, j que ela rejeita aquilo que, segundo ela, no advm de uma exposio e, por metonmia, da atividade de um museu mas de um espetculo, com um carter comer-cial muito acentuado.

    5. O desenvolvimento das novas tecnologias e do design por com-putadores popularizou a criao de museus na internet e a realizao de exposies que podem ser visita-das na tela ou por meio de suportes digitais. Mais do que utilizar o termo exposio virtual (que designa, mais precisamente, uma exposio em potncia, isto , uma resposta potencial questo do mostrar), preferimos os termos exposio digital ou ciberexposio para evocar essas exposies particula-res que se desenvolvem na internet. Estas oferecem possibilidades que no permitem exposies clssicas

    38 Em Portugal, desportivas.

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    de objetos materiais (agrupamentos de objetos, novos modos de apresen-tao, de anlise, etc.). Mas se, por enquanto, elas so apenas concor-rentes das exposies com objetos reais nos museus clssicos, no impossvel, por outro lado, que o seu desenvolvimento influencie os mto-dos atualmente empregados no seio desses museus.

    DERIVADOS: CIBEREXPOSIO, DESIGN DE EXPOSIO, EXPT, EXPOGRAFIA, EXPOGRAPHE, EXPOLOGIA, EXPOR.39

    )CORRELATOS: ABERTURA, AFIXAR, APRESENTAO, APRESENTAR, CATLOGO DE EXPOSIO, CENOGRAFIA, CENGRAFO, COMUNICAO, CONCEITO DA EXPOSIO, COORDENADOR DE EXPOSIO, DECORADOR, DEMONSTRAO, DIORAMA, DISPOSITIVO, ESPACIALIZAO, ESPAO, ESPAO SOCIAL, EXPOSITOR, FEIRA, GALERIA, INSTALAO, MEIOS, MENSAGEM, METFORA, MDIA, MOLDURA, MONTAR, MOSTRAO, MOSTRAR, OBJETO DIDTICO, PROJETO EXPOSITIVO, REALIDADE, REALIDADE FICTCIA, REALIZAO, RECONSTITUIO, RECURSOS DE APRESENTAO, REPRESENTAO, SALA DE EXPOSIO, SALO, VISITANTE, VISUALIZAO, VITRINE.40

    39 Como termo derivado, no Brasil, usa-se tambm tal qual . Os correlatos usados no Brasil: , , , , , , , -, . Em Portugal, os termos relacionados so idnticos, exceo de -, que no existe.

    40 Alguns dos correlatos, aceitos no Brasil e em Portugal, so: , -, , , , , , e , , .

  • G47

    GESTO

    s. f. (do latim gerere: encarregar-se de, adminis-trar) Equivalente em francs: gestion; ingls: management; espanhol: gestin; alemo: Verwaltung, Administration; italiano: gestione.

    A gesto museolgica, ou admi-nistrao de museus, definida, atualmente, como a ao de conduzir as tarefas administrativas do museu ou, de forma mais geral, o conjunto de atividades que no esto dire-tamente ligadas s especificidades do museu (preservao, pesquisa e comunicao). Nesse sentido, a gesto museolgica compreende essencialmente as tarefas ligadas aos aspectos financeiros (contabilidade, controle de gesto, finanas) e jurdi-cos do museu, segurana e manu-teno da instituio, organizao da equipe de profissionais do museu, ao marketing, mas tambm aos pro-cessos estratgicos e de planejamento gerais das atividades do museu. O sentido do termo management41, de origem anglo-saxnica, mas tambm utilizado em francs, similar ao de gesto. As linhas diretrizes ou de estilo de gesto traduzem certa concepo do museu particular-mente no que se refere sua relao com o servio para o pblico.

    Tradicionalmente, o termo utili-zado para definir esse tipo de ativi-dade do museu administrao (do latim administratio: servio, ajuda, manejo), mas este se refere, de maneira mais geral, ao conjunto de atividades que permitem o fun-cionamento do museu. O tratado de museologia de George Brown Goode (1896), intitulado Museum Administration, privilegia aspectos ligados ao estudo e apresentao das colees, bem como uma viso geral do museu e sua integrao na sociedade, em detrimento da gesto cotidiana. Legitimamente derivada da lgica da funo pblica, admi-nistrar significa assegurar o funcio-namento de um servio pblico ou privado, assumindo a responsabi-lidade de impulsionar e controlar suas atividades. A noo de servio (pblico) que pode ser vista com a conotao religiosa de um sacerd-cio est estreitamente associada administrao.

    Conhecemos a conotao buro-crtica do termo administrao desde que este foi aproximado dos modos de funcionamento dos pode-res pblicos. No surpreende, ento, que a evoluo geral das teorias eco-

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    nmicas dos ltimos 25 anos, privi-legiando a economia de mercado, tenha resultado no uso recorrente do conceito de gesto, utilizado por muito tempo no seio das organiza-es com fins lucrativos. As noes de comercializao e marketing museolgico, assim como o desen-volvimento de instrumentos comer-ciais pelos museus (na definio de estratgias, na tomada de conheci-mento dos pblicos/consumidores, no desenvolvimento de recursos, etc.) transformaram consideravel-mente o museu. Assim, alguns dos pontos mais conflituosos em matria de organizao da poltica museol-gica so diretamente condicionados pela oposio, no seio do museu, entre uma lgica de mercado e uma lgica mais tradicionalmente regida pelos poderes pblicos. O resul-tado tem sido o desenvolvimento de novas formas de financiamento (diversidade de lojas nos museus, organizao de atividades paralelas, parceiros institucionais, etc.) e par-ticularmente as questes ligadas instaurao da cobrana obrigatria de entrada, at o desenvolvimento de exposies temporrias populares (blockbusters)42 ou a venda de partes do acervo. Cada vez com mais fre-quncia, essas aes inicialmente

    vistas como auxiliares tiveram uma incidncia real sobre o desenvolvi-mento de outras aes do museu, ao ponto de desprezarem, por vezes, as atividades ligadas preservao, pesquisa e at mesmo comunica-o.

    A especificidade da gesto museolgica, estando articulada com as lgicas contraditrias ou hbri-das do mercado, por um lado, e dos poderes pblicos, por outro, arti-cula-se igualmente com a lgica da ddiva (Mauss, 1923), uma vez que ela perpassa a circulao de obje-tos, de dinheiro ou de doaes, bem como as aes das sociedades de ami-gos dos museus. Ainda que doaes e atividades voluntrias sejam consi-deradas frequentemente de maneira implcita, este aspecto vem sendo menos investigado a partir do seu impacto sobre a gesto museolgica em mdio e longo prazos.

    DERIVADOS: GESTO DE COLEES, GESTOR.

    )CORRELATOS: ADMINISTRAO, AMIGOS, AVALIAO, BLOCKBUSTERS, CONSELHO ADMINISTRATIVO, DIREITO DE ENTRADA, DIRETOR, ESTRATGIA, INDICADORES DE EFICINCIA, LEVANTAMENTO DE FUNDOS, MANAGEMENT, MARKETING DE MUSEU, MISSO, MUSEU PBLICO/PRIVADO, ORGANIZAO SEM FINS LUCRATIVOS, PLANIFICAO, PROJETO, RECURSOS HUMANOS, TRUSTEES, VOLUNTARIADO.43

    como temporria massiva, termo tcnico da Comunicao que melhor deter-mina o seu alcance em certos debates.

    43 No contexto brasileiro e portugus, encontramos outros correlatos: , , , , , , ( em Portugal), , , , exceo de , que no tem aplicabilidade no contexto museolgico portugus.

  • I49

    INSTITUIO

    s. f. (do latim institutio: conveno, estabeleci-mento, disposio, arranjo) Equivalente em francs: institution; ingls: institution; espanhol: institucin; alemo: Institution; italiano: istitu-zione.

    De modo geral, a instituio designa uma conveno estabelecida por um acordo mtuo entre os homens, e logo arbitrrio, mas tambm histo-ricamente datado. As instituies constituem elementos diversificados criados pelo Homem para solucio-nar os problemas colocados pelas necessidades naturais vividas em sociedade (Malinowski, 1944). De modo mais especfico, a instituio designa notadamente o organismo pblico ou privado estabelecido pela sociedade para responder a uma determinada necessidade. O museu uma instituio, no sentido em que ele um organismo regido por um sistema jurdico determinado, de direito pblico ou direito pri-vado (ver os verbetes GESTO ou PBLICO). O fato de o museu estar ligado noo de domnio pblico (a partir da Revoluo Francesa) ou quela de public trust44 (no direito

    anglo-saxnico) demonstra que, para alm das divergncias, um acordo mtuo e convencional entre os cida-dos de uma sociedade constitui uma instituio.

    Este termo, uma vez que associado ao qualitativo geral de museal45 (no sentido comum de relativo ao museu), frequentemente utilizado como sinnimo de museu, princi-palmente para evitar a repetio do termo. O conceito de instituio , entretanto, central no que se refere problemtica do museu, na qual se apresentam trs acepes precisas.

    1. Existem dois nveis de ins-tituies, segundo a natureza da necessidade a que satisfazem. Esta necessidade pode ser biolgica e pri-meira (necessidade de se alimentar, de se reproduzir, de dormir, etc.), ou pode ser secundria e resultante de exigncias da vida em sociedade (necessidade de organizao, de defesa, de sade, etc.). A estes dois nveis correspondem dois tipos de instituies que so restritivas de formas diferentes: a refeio, o casa-mento, a habitao, de um lado, o Estado, o exrcito, a escola, o hospi-

    44 Optamos por manter a expresso em ingls, como consta no original em francs.45 No Brasil recorrente o uso de museolgico (como instituio que pratica atividades

    museolgicas).

  • 50

    tal, de outro. Como resposta a uma necessidade social (aquela da relao sensvel com os objetos), o museu pertence segunda categoria.

    2. O ICOM definiu o museu como uma instituio permanente, a ser-vio da sociedade e de seu desenvol-vimento. Nesse sentido, a instituio constitui um conjunto de estrutu-ras criadas pelo Homem no campo museal (ver esse verbete), e organi-zadas com o fim de que este possa estabelecer uma relao sensvel com os objetos. A instituio do museu, criada e mantida pela sociedade, repousa sobre um conjunto de nor-mas e de regras (medidas de conser-vao preventiva, interdio de tocar nos objetos ou de expor substitutos apresentados como originais, etc.), elas mesmas fundadas sobre um sis-tema de valores: a preservao do patrimnio, a exposio de obras--primas e de espcimes nicos, a difuso de conhecimentos cientficos modernos, etc. Sublinhar o carter institucional do museu tambm, portanto, reafirmar seu papel nor-mativo e a autoridade que ele exerce sobre a cincia ou as Belas Artes, por exemplo, ou a ideia de que ele est a servio da sociedade e de seu desen-volvimento.

    3. Ao contrrio do ingls, que no faz distino precisa entre os termos instituio e estabelecimento (e que, de maneira geral, no distingue o seu uso nos diferentes contextos geogrficos), estes no so sinni-mos. O museu, como instituio,

    distingue-se do museu concebido como esta