complexidade narrativa na televisão americana contemporânea
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* Professor associado doAmerican Studies and
Film & Media Culture
no Middlebury College,
Vermont, USA. E-mail:
jmittel [email protected]
1. Publicado originalmentecomo Narrative Complexity
in Contemporary American
Television, por Jason Mittell.In.: Velvet Light Trap
Volume 58, pp.29-40.
Copyright 2006 by the
University of Texas Press.
Direitos reservados.
RESUMOUma nova forma de entretenimento tem surgido nas ltimas duas dcadas conseguindo
sucesso de pblico e crtica na televiso americana. Tal modelo se diferencia por usar
a complexidade narrativa como uma alternativa s formas episdicas e seriadas. O
objetivo deste artigo remontar as caractersticas formais deste modelo de narrao,
o storytelling, explorar as particularidades de seu modo de fruio e de compreenso,
alm de apontar justicativas para sua emergncia nos anos . Para entender estefenmeno, precisamos utilizar a narratologia formal de modo a traar sua estrutura e
suas fronteiras, e ao mesmo tempo incorporar outros mtodos para investigar como
este modelo narrativo se cruza com os campos das indstrias criativas, das inovaes
tecnolgicas, das prticas participatrias e da compreenso dos espectadores.
Palavras-chave:complexidade narrativa, storytelling, televiso, prticas participatrias
ABSTRACTA new form of entertainment in American television has emerged over the past two
decades to both critical and popular acclaim. is model is distinct for its use of nar-
rative complexity as an alternative to the conventional episodic and serial forms. e
purpose of this essay is to chart out the formal attributes of this storytelling mode,
explore its unique pleasures and patterns of comprehension, and suggest a range of
reasons for its emergence in the s. To understand this phenomenon we must use
formal narratology to charts its structure and boundaries while incorporating other
methods to explore how this narrative mode intersects with dimensions of creative in-
dustries, technological innovations, participatory practices and viewer comprehension.
Keywords: narrative complexity, storytelling, television, participatory practices
Complexidade narrativa na televisoamericana contempornea1Narrative complexity in contemporary american Television
J A S O N M I T T E L L *
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exibio de reconstituies dramticas de crimes,das comdias do tipo sitcom e das competies em reality shows que povoam
a programao da televiso americana, uma nova forma de entre-tenimentotem surgido nas ltimas duas dcadas, conseguindo sucesso de pblico e crtica.Tal modelo de storytellingpara televiso se diferencia por usar a complexidadenarrativa como uma alternativa s formas episdicas e seriadas que tm carac-terizado a TV americana desde sua origem. Podemos identicar esse formatonarrativo inovador nos grandes sucessos das ltimas dcadas, de Seinelda Lost,de West Wingae X-Files, como tambm em programas exaltados pela crtica,mas ameaados pela baixa audincia comoArrested Development, Veronica Mars,Boomtown e Firey. A HBO construiu sua reputao e garantiu um nmero
de assinantes com base em programas narrativamente complexos, como eSopranos, Six Feet Under, Curb your Enthusiasm e e Wire. Esses programasoferecem claramente uma alternativa narrativa televisiva convencional oobjetivo deste artigo remontar s caractersticas formais do modelo storytelling,explorar as particularidades de seu modo de fruio e de compreenso, alm deapontar justicativas para sua emergncia nos anos .
Para entender as prticas de storytellingda televiso americana contem-
pornea necessrio considerar a complexidade narrativa como um modelo
de narrao diferenciado, como nos indica a anlise que David Bordwell faz
da narrativa flmica. Para Bordwell (), um modelo narrativo um con-
junto de normas historicamente diferenciado de construo e compreensonarrativa. Ele atravessa gneros, autores especcos e movimentos artsticos
para forjar uma categoria coerente de prticas. O autor recupera modelos es-
peccos do cinema, como o modelo clssico hollywoodiano, o de arte e o do
materialismo histrico, entendendo que cada um deles apresenta estratgias destorytellingdiferentes ainda que faam referncia um ao outro e ainda que se
sustentem tambm com base em outros modelos. Kristin ompson ampliou
a abordagem que Bordwell faz da televiso sugerindo que programas como
Twin Peaks e e Singing Detective possam ser convenientemente tomados
como televiso de arte, j que importam regras do cinema de arte para a tela
pequena (ompson, ). Embora o cinema tenha certamente inuencia-
do muitos aspectos da televiso, especialmente no que diz respeito ao estilo
visual, reluto em mapear um modelo de storytellingassociado a lmes que
sejam restritos em si mesmos para transferir estrutura narrativa contnua
e estendida das sries televisivas. Acredito, assim, que possamos desenvolver
de forma mais produtiva um vocabulrio adequado narrativa televisiva em
termos de seu prprio meio. A complexidade narrativa na televiso baseia-se
em aspectos especcos do storytellingque aparentemente so inadequados
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1. O presente artigo
considera como
entretenimento a
programao composta
por sries roteirizadas
envolvendo situaes
recorrentes e/
ou exclusivamente
personagens; assim, filmes
feitos para televiso,
minissries, comdias
com esquetes, coletneas,
programas de variedades,
programas de notcia,
documentrios e reality
shows, embora tenham
aspectos interessantes e
potencialmente incorporem
traos desses modelos
narrativos, esto excludos
do meu espectro de anlise.
2. Provavelmente muitas
das caractersticas da
complexidade narrativa
so mais comuns em
outros formatos da
televiso nacional e,certamente, a influncia da
televiso britnica sobre
a grade de programao
americana no pode
ser ignorada. Ainda
assim, vlido entender
como a programao da
televiso americana, que
evidentemente satura o
mercado miditico global,
se desenvolveu segundo
seus prprios parmetros.
estrutura seriada que diferencia a televiso do cinema e tambm a distingue
dos modelos convencionais de formatos seriados e episdicos.
A complexidade narrativa j est sucientemente difundida e popularizadaa ponto de podermos considerar o perodo que abrange dos anos at hoje
como a era da complexidade televisiva. A complexidade no tomou o lugar
das formas convencionais na maior parte da programao atual ainda so
exibidos muito mais sitcoms e dramas convencionais do que narrativas comple-xas. Da mesma forma que a Hollywood dos anos lembrada muito mais
pelo trabalho inovador de Altman, Scorsese e Coppola do que pelas tragdias,
romances e comdias baseadas em lugares comuns (e na maioria das vezes
mais populares) que lotaram as salas de cinema, acredito que a televiso dos
ltimos
anos ser lembrada como uma era de experimentao e inovaonarrativa, desaando as regras do que pode ser feito nesse meio. Assim, para
nossa argumentao, interessante investigar como a televiso de hoje redeniuas regras de vrias formas que denomino complexas. Embora esse modelo no
represente a maior parcela da programao televisiva e nem os programas maispopulares (pelo menos dentro do padro falvel dos ndices de Nielsen), um
nmero sucientemente bem difundido de programas opera contra as prticasnarrativas convencionais utilizando um conjunto de tcnicas de narrao que
justicam a presente anlise1.
Obviamente os rtulos convencionale complexo no esto livres de um
julgamento de valor, da mesma forma que termos comoprimitivo e clssicoassinalam pontos de vista analticos nos estudos flmicos. E ainda que eu tenhadefendido a importncia das questes envolvendo juzos de valor nos estudos
de televiso, e esta uma tendncia que as abordagens crticas contemporneasdesconsideram, no armo que tais termos marquem explicitamente um jul-
gamento(Mittell, ). Complexidade e valor no se implicam mutuamente
pessoalmente, prero assistir a programas convencionais de alta qualidade
como e Dick Van Dyke Show e Everybody Loves Raymonddo que a Horas,
que narrativamente complexo mas confuso conceitualmente e logicamente
enlouquecedor. No entanto, a complexidade narrativa oferece uma gama de
oportunidades criativas e uma perspectiva de retorno do pblico que so nicasno meio televisivo. Ela deve ser estudada e entendida como um passo chave
na histria das formas narrativas televisivas2. Podemos pensar que a fruio
proporcionada por narrativas complexas so mais ricas e mais multifacetadas
do que aquela oferecida pela programao convencional. No entanto, os juzos
de valor devem estar associados a programas especcos mais do que a exaltar
a superioridade de todo um modelo ou gnero narrativo. Assim, mesmo sem
nos furtarmos aos aspectos de julgamento das transformaes ocorridas na
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narrativa, o objetivo da anlise no defender que a televiso contempornea
seja de alguma forma melhor do que ela era nos anos . Exploramos como
e por que as estratgias narrativas mudaram e observamos as implicaes cul-turais mais abrangentes deste deslocamento.
Os estudiosos de televiso normalmente tm evitado realizar anlises
voltadas para a forma narrativa do meio, j que os estudos de televiso sur-
giram do duplo paradigma da comunicao de massa e dos estudos culturais
e de como esses dois tendem a privilegiar os impactos sociais em detrimento
das anlises estticas, ainda que se utilizem de metodologias marcadamen-
te diferentes. As anlises feitas sobre a narrao televisiva convencional so
surpreendentemente limitadas, tendo como trabalhos de peso na rea os de
Horace Newcomb (
), Robert Allen (
), Sarah Kozlo
(
), John Ellis(), e Jane Feuer (). Algumas anlises iniciais sobre estratgias narrativasinovadoras feitas por Newcomb (), Christopher Anderson (), omas
Schatz (), and Marc Dolan () identicam os antecedentes da complexi-dade narrativa contempornea emMagnum, P.I., St. Elsewhere, e Twin Peaks.
Mais recentemente, Steven Johnson () e Jerey Sconce () articularam
suas prprias vises sobre a forma narrativa da televiso contempornea, ofe-
recendo insights a partir dos quais parti; entendo esses escritos como um sinal
de que os crticos de mdia esto voltando sua ateno para questes formais
e estticas que normalmente foram relegadas durante o desenvolvimento das
pesquisas de televiso como um campo de estudo. Circunscrevendo tais fontes,podemos demonstrar, atravs de perspectiva detalhada da forma narratolgicaencontrada na televiso americana contempornea, uma verdadeira inovao
esttica nica em seu meio. Este novo modelo que denomino complexidade
narrativa no to uniforme e no to marcado pela conveno como as
normas episdicas ou seriadas (na verdade, provavelmente sua caracterstica
mais instigante no ser convencional), mas ainda assim consideramos que
seja til recortar um nmero crescente de programas que operam contra as
regras das tradies episdicas e seriadas operando de formas variadas e intri-
gantes. Enquanto alguns estudiosos consideram esse modelo emergente como
uma televiso novelstica, contraponho que ele singular no meio televisivo
apesar das inuncias claras de outros formatos como as novelas, os lmes, os
videogames e as histrias em quadrinhos3.
Ao examinar a complexidade narrativa como um modelo narrativo, estouseguindo um paradigma da potica histrica que situa os progressos formais
dentro de contextos histricos especcos de produo, circulao e recepo4.De acordo com essa abordagem, as inovaes nos formatos miditicos no
so entendidas como uma liberao criativa sob responsabilidade de artistas
3. Ver McGrath (2000)
para a referncia de
uma caracterizao da
televiso novelstica.
4. Ver Bordwel l (1989);
Jenkins (1995b). Mittell
(2004) aplica a potica
histrica televiso via
Dragnete o gnero policial.
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visionrios, mas sim como a combinatria de um conjunto de foras histricasque operam para transformar as normas estabelecidas atravs de uma prtica
criativa. Este tipo de anlise atenta para os elementos formais de qualquer meioque analisa, ao mesmo tempo em que tambm observa os contextos histri-
cos que contriburam para moldar transformaes e perpetuar determinadas
normas em especco. Sendo assim, quais os contextos a serem levados em
considerao que possibilitaram o surgimento da complexidade narrativa?
Algumas transformaes na indstria miditica, nas tecnologias e no compor-tamento do pblico coincidiram com o surgimento da complexidade narrativasem, contudo, operarem como razo principal de tal evoluo formal. Mas
certamente possibilitaram o orescimento de suas estratgias criativas. Embora
consideremos que haja muito mais a ser examinado no desenvolvimento dessescontextos, traando um panorama das principais mudanas ocorridas na prticatelevisiva dos anos , observamos tanto como essas transformaes impac-
taram as prticas criativas e como os aspectos formais sempre se expandem
para alm das fronteiras textuais.
Um dos aspectos centrais para a emergncia da complexidade narrativa nateleviso contempornea a mudana de perspectiva em relao necessidadede legitimidade do meio e o apelo que ele exerce para quem cria. Muitos dos
programas televisivos inovadores dos ltimos anos so obra de realizadoresque comearam suas carreiras trabalhando com lmes, um meio culturalmente
mais distinto: David Lynch (Twin Peaks) e Barry Levinson (Homicide: Life onthe Streete Oz) como diretores, Aaron Sorkin (Sports Nighte West Wing), Joss
Whedon (Buy,Angel, e Firey), Alan Ball (Six Feet Under), e J. J. Abrams (Aliase Lost), como roteiristas. O apelo da televiso vem em parte de sua fama como
um meio repleto de produtores e no qual escritores e realizadores tm mais con-trole sobre sua obra do que no modelo do cinema centrado na gura do diretor.Somado a isso, como a televiso dos reality shows apareceu como alternativa
popular e nanceiramente compensatria em comparao programao rotei-rizada, os escritores dedicados televiso passaram a procurar algo a oferecer desingular na co televisiva; a complexidade narrativa evidencia um dos limitesdos reality shows na medida em que atesta a manipulao cuidadosamente
controlada da trama e das personagens nas formas dramtica e cmica e que
os produtores consideram mais difcil de reproduzir5. Muitos desses escritores
aceitam os grandes desaos e possibilidades criativas nos formatos seriados
longos, j que o aprofundamento na caracterizao das personagens, a conti-
nuidade do enredo e as variaes a cada episdio no so possveis num lme
de duas horas de durao note-se como o lme de Whedon, Serenity, respon-svel por ampliar a narrativa de Firey, condensou a trama de uma temporada
5. No sugiro quefalte complexidade
reality television, mas,
aparentemente, o arco
tpico da maioria dos
reality shows se sustenta
mais pelas personagens
e seus relacionamentos
(como em novelas,
tradicionalmente) do que
pelos eventos e tramas.
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inteira em duas horas, reduzindo a variedade do storytelling, o trabalho com
as personagens e a manuteno do suspense. Enquanto a inovao na narrao
flmica aparece como um modelo raro nos ltimos anos, encontrada em lmesna linha quebra-cabea comoAmnsia eAdaptao, as regras de Hollywood
ainda favorecem espetculos e frmulas apropriadas para um lanamento de
sucesso; em contraste, muitos programas televisivos narrativamente complexosguram entre os mais bem-sucedidos do meio, dando a entender que o mercadodestinado complexidade mais valorizado na televiso do que no cinema.
Certamente as mudanas na indstria televisiva ajudaram a reforar as
estratgias para a complexidade. A lgica tradicional da indstria assumia quea inconstncia do pblico a narrativas seriadas semanalmente e as presses
relacionadas a direitos favoreceram a manuteno de episdios de sitcomsconvencionais e de dramas processuais intercambiveis. Mas conforme o
nmero de canais cresceu e a audincia de qualquer tipo de programa foi
reduzida, as redes de televiso e seus canais acabaram por reconhecer que
para um programa ser economicamente vivel pode ser suciente um pblico
seguidor pequeno, porm dedicado. A audincia de Buye de Veronica Mars,
no geral, no os transformaram em hits, mas atingiram as expectativas de
redes mais novas como a United Paramount Network (UPN) e a WarnerBros
(WB). E, ainda, a adeso em setores demogrcos e culturais atrados por
essa programao encorajou redes televisivas a deixar que tais experimen-
tos reunissem um pblico. Muitos programas complexos apelavam para umpblico reduzido composto por espectadores com maior grau de instruo
e que normalmente evitariam a televiso, exceto por programas como e
West Wing,e Simpsons ee Sopranos no preciso dizer que um pblico
que assiste pouco televiso particularmente valorizado por anunciantes.
Para os canais a cabo como a HBO, programas complexos como e Wire,
Oze Deadwoodpodem no ter o status de um Sopranos, mas seu prestgio
ultrapassa a imagem do prprio canal como mais sosticado do que a televisotradicional e, dessa forma, valem um prmio mensal (e revertem em vendas
de DVD na sequncia). Enquanto muitos programas complexos como Firey,
Boomtown, Wonderfalls, e a mais recente inovao,My So-Called Life nunca
tiveram o tempo para rmar um pblico cativo, todos eles, tendo uma vida
curta, surgiram em DVD na medida em que seus fs dedicados adotaram
a possibilidade de colecionar televiso nesse novo formato, um ramo que a
indstria miditica anseia por capitalizar atravs da criao de programas
com um nvel mximo de reassistncia (rewatchability).
As transformaes tecnolgicas aceleraram esse deslocamento de muitas
maneiras. Durante os primeiros anos, o meio televisivo era essencialmente
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controlado por redes de televiso que ofereciam uma programao restrita,
distribuda em horrios limitados, e sem acesso a contedos. Na medida em que
ele retorna abafado pelos direitos de uso, os programas passaram a ser exibidosfora de ordem, contribuindo para que as narrativas episdicas inclussem umaapresentao em srie quase aleatria. Desde a popularizao da transmisso
a cabo e do equipamento de videocassete no incio dos anos , a balana
pendeu mais para o lado do controle do espectador a proliferao de canais
contribuiu para a repetio rotineira de programas de modo que os espectadorespudessem acompanh-los atravs de reprises veiculadas cronologicamente ou
ainda pudessem ver aqueles que perderam diversas vezes durante a semana. Astecnologias que permitem variao no tempo da exibio, como os videocassetes
e gravadores de vdeo digitais, possibilitam aos espectadores escolherem quandoquerem assistir a um programa. E, um dado mais importante no sentido daconstruo da narrativa, eles podem rever episdios ou partes deles para ana-
lisar momentos complexos. Enquanto sries selecionadas foram vendidas em
tas de vdeo durante anos, o tamanho compacto e a qualidade visual dos DVDslevaram a uma exploso de um novo modelo de como assistir televiso, em queos fs, acompanhando uma temporada por vez de um determinado programa
(como as tentativas muitas vezes relatadas de assistir uma temporada inteira
da srie horas para recuperar seu enquadramento temporal diegtico) so
encorajados a ver mltiplas vezes o que antes era uma forma de entretenimento
essencialmente efmera.As transformaes tecnolgicas distantes da tela da televiso tambm
impactaram a narrativa televisiva. A ubiquidade da internet permitiu que os
fs adotassem uma inteligncia coletiva na busca por informaes, interpreta-
es e discusses de narrativas complexas que convidam participao e ao
engajamento e em programas como Babylon e Veronica Mars, os prprios
criadores participam das discusses e usam fruns como forma de obterfeed-
back sobre a compreenso e a fruio deles6. Outras tecnologias digitais, como
os videogames, os blogs, sites de RPG e sites de fs abriram espaos para que
espectadores ampliem sua participao nesses ricos mundos ccionais para
alm do uxo unilateral da televiso tradicional. So estendidos os metaver-
sos das elaboraes narrativas complexas como a de Sunnydale de Buyou a
Springeld de Simpsons at atingir mbitos completamente interativos e parti-cipativos. Os consumidores e as prticas de criao da cultura de f, entendidospelos estudos culturais como um fenmeno subcultural nos anos , carammais largamente distribudos e mais afeitos participao com a disseminaoda internet, fazendo do comportamento ativo do pblico uma prtica cada
vez mais predominante. Ainda que nenhuma dessas novas tecnologias tenha
6. Ver Jenkins (1995 a:
54), para um exemplo
inicial dessa prtica
tecnolgica; Jenkins
recupera a citao de um fna internet, Voc imagina
o Twin Peaks exibido
antes dos videocassetes
ou sem a internet?
Seria um inferno!
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provocado diretamente o surgimento da complexidade narrativa, o incentivo
e as possibilidades que elas abriram tanto para a indstria miditica quando
para espectadores acabaram por permitir o sucesso de muitos destes programas.O argumento de que os caminhos da programao televisiva so um
reexo direto do gosto do pblico e das prticas institudas trata-se de uma
simplicao. No h dvidas de que muitas das inovaes envolvendo a com-
plexidade narrativa foram barradas por terem sido ativamente abraadas pelosespectadores. Utilizando as novas tecnologias para gravar programas em casa,os DVDs, e a participao online, os espectadores assumiram um papel ativo
no consumo de uma televiso narrativamente complexa, contribuindo para
que ela prospere no seio da indstria miditica. Como sugiro a seguir, este
formato de programao demanda um processo ativo e atento de entendimentocom o objetivo de decodicar tanto histrias complexas quanto os modelos destorytellingoferecidos pela televiso contempornea. O pblico tende a aderir aprogramas complexos de uma forma muito mais apaixonada e comprometida
do que maior parte da programao da televiso convencional. Usam estes
programas como base para uma cultura de f fortalecida e podem dar uma res-posta ativa indstria televisiva (especialmente quando seu programa ameaa
ser cancelado). O surgimento da complexidade narrativa tambm cresceu na
crtica amadora de televiso ao passo em que sites como televisionwithoutpity.
com oferecem comentrios interessantes e bem-humorados sobre os episdios
da programao semanal7. Steven Johnson argumenta que essa forma de com-plexidade proporciona aos espectadores umaginstica cognitiva que contribui
para a habilidade de resolver problemas e para a capacidade de observao sejaeste argumento substanciado empiricamente ou no, certo que este ramo do
storytellingtelevisivo encoraja o pblico a ser mais engajado ativamente e ofereceum espectro mais amplo de recompensas e de fruio que a maior parte da
programao televisiva. Seria difcil atribuir a qualquer um dos processos de
desenvolvimento industrial, criativo, tecnolgico e participativo a causa diretapela emergncia da complexidade narrativa, juntos eles preparam o terreno
para seu desenvolvimento e popularizao.
Mas o que exatamente a complexidade narrativa? Em seu nvel mais
bsico, uma redenio de formas episdicas sob a inuncia da narrao
em srie no necessariamente uma fuso completa dos formatos episdicose seriados, mas um equilbrio voltil. Recusando a necessidade de fechamento
da trama em cada episdio, que caracteriza o formato episdico convencio-
nal, a complexidade narrativa privilegia estrias com continuidade e passandopor diversos gneros. Somado a isso, a complexidade narrativa desvincula o
formato seriado das concepes genricas identicadas nas novelas muitos
7. Este site trata tantodos reality shows quanto
dos dramas roteirizados
(no as sitcoms). Entre
os dramas, a maioria
poderia ser entendida
como narrativamente
complexa; e o grupo de
programas que o site
decidiu no abordar o
dos mais convencionais.
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programas complexos (embora certamente no sejam todos) contam histrias
de maneira seriada ao mesmo tempo em que rejeitam ou desconsideram o
estilo melodramtico. Desconsideram ainda a ateno dada pelas novelas maisaos relacionamentos do que trama, o que tambm distancia os programas
contemporneos das conotaes culturais do referido gnero novelstico8. A
narrao nas novelas certamente pode ser complexa e requer um alto nvel de
postura ativa do pblico para engrenar na rede de relaes e estrias prvias
evocadas em cada virada da trama. Em contrapartida, na programao nar-
rativamente complexa, o desenvolvimento da trama tem posio muito mais
central, possibilitando emergir um relacionamento e um drama associado s
personagens a partir do desenrolar do enredo e, dessa forma, atribui nfase de
maneira reversa s novelas.Historicamente, a mudana em direo complexidade data do nal dos
anos e incio dos anos , quando novelas exibidas em horrio nobre,
como Dallas e Dynasty(bem como as pardias antecedentes Soap e Mary
Hartman, Mary Hartman) eram inovaes com popularidade e eram programascom maior aprovao da crtica (apesar dos ndices de audincia inicialmente
precrios). Como Hill ST. Blues, St. Elsewhere, Cheers importavam o storytellingseriado para programas policiais, dramas mdicos e sitcoms respectivamente9.
Diferente das novelas, essas sries veiculadas no horrio nobre no adotavam
uniformemente a prtica de adiar o desfecho narrativo, j que normalmente
tais programas apresentavam tramas episdicas combinadas a arcos narrativosmultiepisdicos e dramas contnuos de relacionamento. Estes primeiros pro-
gramas tendiam a atrelar estrias episdicas e seriadas a regras genricas tpicas estrias de relacionamento atravessavam episdios, como nas novelas, mas noscasos policial e mdico normalmente a ligao se fazia dentro de um episdio
ou de forma seriada, dividido em duas partes. Assim, diferente das novelas,
episdios isolados eram mais diferenciados em sua identidade e representavammais do que apenas um passo numa jornada narrativa mais ampla. Divises
parecidas a essas entre relacionamentos seriados e tramas episdicas seguiramat programas do nal dos anos comoMoonlighting, thirtysomething, e
Star Trek: e Next Generation, todos tendo incorporado recursos narrativos
que viriam a se tornar mais comuns nos anos .
Os programas, a partir dos anos em diante, basearam-se nas inova-
es dos anos expandindo o papel dos arcos histricos entre episdios e
temporadas. As primeiras tentativas de realizao desse arco narrativo longo
em meados dos anos , notadamente, Wiseguye Crime Story, no cativaramo pblico e nem foram imitados at o momento do sucesso de Twin Peaks no
incio dos anos . Esse hit cult, cuja inuncia foi mais duradoura do que a
8. Ver Allen (1985).
A fruio do gnero
associada s novelas
e complexidade
narrativa um a ssunto
complicado para alm
do alcance deste artigo.
Rapidamente, Warhol
delineia uma fruio
narrativa tr adicionalmente
feminina, que acredito ser
incorporada em gnerosmais masculinos em
estruturas narrativas na
programao complexa.
Assim h uma fruio
mais variada para os
espectadores do que as
novelas convencionais e/
ou os dramas processuais.
9. Thompson (1996)
realiza um estudo das
inovaes da programao
televisiva de nossa era.
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srie em si, detonou uma leva de programas que adotaram as mesmas estratgiasde criao e que ao mesmo tempo deixavam de lado seus excessos estilsticos e
estranhezas temticas. Como um cruzamento bem-sucedido entre um caso demistrio, uma novela e um lme de arte, Twin Peaks proporcionou aos especta-dores e aos executivos da televiso um vislumbrar das prticas narrativas que
as sries iriam desbancar. Twin Peaks era, em ltima anlise, um fracasso de
audincia, mas os comentrios positivos e elogios recebidos abriram as portas
para outros programas que no incio da dcada de tomaram a liberdade
criativa na forma de narrar, mais notadamente Seinelde e X-Files. Ambos
acrescentam aspectos essenciais ao repertrio da complexidade narrativa com
maior sucesso de audincia.
e X-Files exempli
ca o que provavelmente a marca central da comple-xidade narrativa: uma interao entre as demandas da narrao episdica e
seriada. Dramas complexos como e X-Files, Buy the Vampire Slayer,Angel
e e Sopranos frequentemente oscilam entre a narrao com arco alongado
e episdios isolados. Como Sconce aponta, qualquer dos episdios de X-Files
pode se concentrar na mitologia de longo prazo, uma trama conspiratria
contnua, altamente elaborada com soluo indenidamente adiada ou pode
oferecer histrias autnomas trazendo um monstro-da-semana que geralmenteexiste fora do espectro mitolgico. Embora e X-Files apresente uma gama
de inovaes narrativas inuentes, o eventual declnio criativo do programa
e de sua crtica sublinha uma das principais tenses inerentes complexidadenarrativa: equilibrar as exigncias competitivas e de fruio da produo epis-dica e da seriada. De acordo com os espectadores e os crticos, o programa foi
acometido de uma disjuno muito grande entre a mitologia demasiadamente
complexa e insatisfatoriamente distendida e a independncia e desapego dos
episdios do tipo monstro-da-semana , que poderiam contradizer o conheci-
mento acumulado sobre a conspirao. Por exemplo, o episdio largamente
estudado (e bem pardico) Jose Chungs From Outer Space satiriza as cons-
piraes desenvolvidas no programa ao passo que os eventos que apresenta
parecem minar algumas das revelaes da mitologia relacionada presena dealiengenas na Terra. Independente do gosto dos espectadores em desvendar osmistrios por trs da busca incessante do Agente Mulder, este episdio (como
muitos outros) deixa os fs sem saber direito como encaixar consistentemente
os eventos dentro do mundo criado. Os espectadores caram ento divididos
entre aqueles fanticos por conspirao, que entendiam os episdios do tipo
monstro-da-semana, muitas vezes reexivos e com tom divergente, como desvioem relao aos srios mistrios mitolgicos, e aqueles fs que aprenderam a
gostar da coerncia dos episdios isolados luz do arco contraditrio e cada
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vez mais inescrutvel pessoalmente, eu estava no ltimo acampamento antesde abandonar completamente o programa.
BuyeAngelso programas claramente mais aptos a gerenciar a demandadbia por fruio episdica e seriada. Os dois (juntos e cada um deles) apre-
sentam uma mitologia rica, contnua, associada a uma batalha entre as foras
do bem e do mal. Seus enredos se concentram em arcos narrativos abarcando
a temporada e incluem um vilo em particular, ou big bad, no linguajar de
Buy. Numa mesma temporada, quase todos os episdios fazem avanar o arcoda histria ao mesmo tempo em que oferecem coerncia ao episdio e tam-
bm pequenas resolues de conito. Mesmo os episdios mais experimentais
ou mais instantneos equilibram-se nas demandas episdicas e seriadas; por
exemplo, o episdio Hush, de Buy, apresenta literalmente os monstros-da--semana, conhecidos como e Gentlemen, que roubam as vozes da cidade de
Sunnydale, resultando numa narrao impressionante feita quase em silncio.
Apesar de possuir viles nicos e um modo muito incomum de narrar, sem
palavras, ainda assim Hush faz avanar vrios dos arcos narrativos medida
que as personagens revelam segredos essenciais e estreitam seus relaciona-
mentos; muitos outros episdios de Buye de Angelapresentam elementos
episdicos exclusivos perpassados por arcos narrativos. Tais programas tambmentrelaam os arcos narrativos com melodramas de relacionamento e com o
desenvolvimento de personagens como um exemplo de onde isso est melhor
realizado, Buy usa o momentum de adiantamento da trama para estimularreaes emocionais nas personagens e permite que esses relacionamentos levema histria adiante. Como exemplicamos, Hush consegue ao mesmo tempo
dar fechamento ao monstro-da-semana, levar adiante o relacionamento entre
Buy e Riley e acrescentar novos meandros ao arco narrativo da temporada
envolvendo a Iniciativa.
No entanto, a complexidade narrativa no pode ser denida simplesmentecomo uma serialidade de episdios em horrio nobre; levando em conta o mo-delo maior da complexidade, muitos programas atuam contra as regras da sriee ao mesmo tempo adotam estratgias narrativas que vo contra a conveno daconstruo de episdios. Seineld, por exemplo, estabelece um relacionamentomisto entre a trama seriada algumas temporadas apresentam situaes com
continuidade, como aquela sobre o programa piloto Jerry para a NBC, como
o aguardado casamento de George ou como o novo emprego de Elaine. Esses
arcos narrativos curtos funcionam especialmente para construir um pano de
fundo para a insero de piadas e de referncias autoconscientes George sugereuma ideia de histria para um dos episdios da srie que elabora com Jerry
sobre o nada. Tal ideia est baseada na noite em que ambos aguardavam uma
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mesa num restaurante chins, sendo que esta foi realmente a trama de outro
episdio antecedente. Contudo, esses arcos narrativos e essas tramas contnuas
demandam pouco conhecimento explcito levado de um episdio a outro, jque aes e eventos raramente continuam entre episdios especialmente
em virtude da falta de muitas aes ou eventos signicativos num programa
dedicado a fazer crnica a partir de mincias e insignicncias. Certamente a
fruio do mundo ccional do programa aumentada quanto mais se nota as re-ferncias contnuas, como Art Vandelay ou Bob Sacamano, mas a compreensoda narrativa no implica no engajamento em arcos narrativos de longo prazo,
como acontece no caso de e X-Files e Buy. Ainda que Seineldoferea uma
riqueza em termos de complexidade narrativa, muito em funo de sua recusa
em adaptar-se a regras de encerramento episdios, de soluo de con
itos e deorganizar diferentes tramas, muitos de seus episdios relegam suas personagensa situaes insustentveis Kramer preso por ser cafeto, Jerry sai correndo
em direo oresta depois de se tornar um lobisomem, George ca preso
no banheiro de um avio com um assassino em srie. Esses momentos sem
soluo no funcionam como ganchos como nas sries dramticas, mas sim
como tiradas cmicas que no se destinam a serem referenciadas novamente.
Seinelde outras comdias narrativamente complexas comoe Simpsons,Malcolm in the Middle, Curb Your Enthusiasm, e Arrested Developmentutili-zam-se do formato televisivo de episdios para driblar a regra de retornar ao
equilbrio e de manter a continuidade das situaes ao mesmo tempo em queadotam a continuidade seriada algumas tramas de fato continuam enquantooutras no so mais recuperadas. Arrested Development uma comdia ex-plicitamente seriada que subverte ainda mais tal conveno, na medida emque a maioria dos episdios termina com a chamada na prxima semana emArrested Development e mostra cenas que do prosseguimento s histriasdo episdio exibido. Contudo, os espectadores habituais logo percebem que osepisdios seguintes no exibem as cenas anunciadas e tais cenas tambm notero de fato acontecido no contexto da continuidade da histria (embora nasegunda temporada o programa mude essa regra e permita que uma parte dessematerial de chamada acontea diegeticamente). Da mesma forma, e Simpsonsgeralmente adota um tom excessivo e at mesmo pardico em sua forma epi-sdica, na medida em que rejeita a continuidade entre os episdios e retorna aum estado de equilbrio indenido no tempo presente, com Bart no quarto anoe uma estase generalizada da famlia desajustada (Mittell, ). Contudo, hexcees a essas regras, como no caso do casamento de Apu e dos cuidados comos ctuplos, o que sugere que ao menos dois anos se passaram no ciclo de vida deSpringeld ainda que ningum tenha envelhecido.e Simpsons, normalmente
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fazendo piadas sobre a necessidade de voltar a um estado de equilbrio, ofereceuma expectativa ambgua com relao a que transformaes sero zeradas aps
cada episdio como, por exemplo, a perda frequente de emprego, a destruioda propriedade e o dano a relacionamentos que sero revitalizados no episdioda semana seguinte. E ainda aquelas que passaram de um a outro de formaseriada como a relao entre as famlias de Apu, de Skinner e de Crabapplee a morte de Maude Flanders. Assim, essas comdias complexas incorporamseletivamente as normas da co seriada costurando alguns eventos em seupano de fundo e, ao mesmo tempo, ambiguamente descartando outros no lugarmais comum das histrias episdicas esquecidas. Espectadores devem deixar essadiferena de lado entendendo-a como uma inconsistncia ou devem assumi-la
como uns traos sosticados da complexidade narrativa registros da atividadedos fs na internet sugerem que essa ltima hiptese mais comum uma vezque o pblico aceita a alterao das regras como um dos aspectos sosticadosda fruio proporcionada por essas comdias complexas.
Seineld caracteriza outra faceta da complexidade narrativa, propor-
cionando um modelo mais autoconsciente de narrao em comparao ao
comum na narrao televisiva convencional (Smith, ). O programa revela
na mecnica de sua trama histrias costuradas para cada personagem apre-
sentadas num determinado episdio atravs de uma coincidncia improvvel,
referncias pardicas com a mdia e uma estrutura circular. Nas narrativas
televisivas convencionais que incluem uma trama A e B, essas duas histriaspodem apresentar paralelos temticos ou podem proporcionar um contrapontouma a outra, mas raramente elas interagem no nvel da ao. A complexidade,
especialmente no caso das comdias, opera contra tais regras na medida em
que altera a relao entre as diversas tramas criando histrias que se entre-
laam e normalmente colidem e coincidem. Seineldnormalmente comea
suas quatro tramas separadamente, deixando por conta da imaginao do
espectador experiente como as histrias vo colidir a partir do desenrolar
inesperado durante a diegese10. Esse entrelaamento de trama foi adotado e
ampliado em Curb your Enthusiasm e emArrested Developnment, ampliando
as coincidncias e colises entre episdios de uma maneira que transforma a
narrativa seriada em piadas internas bem elaboradas s sabendo do encontroentre Larry e Michael, o homem cego da primeira temporada de Curb, faz
sentido seu retorno na quarta temporada. Da mesma forma,Arrestedamplia
o nmero de tramas coincidentes por episdio incluindo normalmente seis oumais linhas de ao tangenciando uma a outra e resultando em coincidncias
improvveis, reviravoltas e repercusses irnicas, algumas das quais podem
no ser evidentes at em episdios ou temporadas subsequentes.
10. Johnson (2005)
debate em profundidade
a trama com mltiplosfios narrativos.
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Esse modelo de narrativa cmica normalmente muito curiosa em seus
prprios termos e, ao mesmo tempo, sugerem uma fruio para o pblico que
usualmente no est disponvel na narrativa televisiva tradicional. Os especta-dores dessas comdias complexas como SeineldeArrested Developmentno seconcentram no mundo diegtico proporcionado pelas sitcoms, mas descobremnos mecanismos criativos e na habilidade dos produtores em garantir essas
estruturas complexas uma maneira de acompanhar que Sconce denomina me-tarreexiva, mas que demanda uma considerao mais detalhada. Esse tipo defruio indica uma noo contundente articulada por Neil Harris quando tratade P.T. Barnum: Harris sugere que as faanhas e truques de Barnum convidavamos espectadores a assumir uma esttica operacionalem que a fruio estava
menos relacionada ao o que vai acontecere mais a o que o motivou a fazer isso?(Harris, ; Gunning, ; Trahair, ) Ao assistir a Seineldesperamos
que os objetivos triviais de cada personagem sejam frustrados no desvendar dafarsa, mas assistimos tambm para ver como os escritores conseguiro acionaros procedimentos narrativos necessrios para reunir as quatro linhas de ao namquina de narrativas cmicas bem calibrada proposta por Rube Goldberg. Hum certo nvel de autoconscincia nesse modelo de trama, ele est no apenas
na reexividade explcita que estes programas articulam (como o programa-
-dentro-do-programa de Seineldou como o erte com o conhecimento das
tcnicas televisivas emArrested Developmentna insero de produtos, uso de
dubls e narrao com voz over) mas tambm a conscincia de que os espec-tadores acompanham programas complexos em parte para saber como vo
fazer. Essa esttica operacional est demonstrada na dissecao feita por fs emfruns na internet das tcnicas utilizadas nas comdias e dramas complexos
para guiar, manipular, iludir e desviar a ateno dos espectadores dando a
entender que a principal fruio desvendar como operam os procedimentos
narrativos11. Vemos esses programas no apenas para sermos inseridos num
mundo narrativo realstico (embora isso possa mesmo acontecer), mas tambmpara ver as engrenagens funcionando, nos maravilhando com a artimanha
necessria para realizar tais pirotecnias narrativas.
A esttica operacional elevada dentro dos programas narrativamente
complexos, em sequncias especcas ou em episdios que podemos considerarprximos a efeitos especiais. Anlises dos efeitos especiais no cinema enfatizamcomo esses momentos de admirao e deslumbramento nos tiram da diegese
e nos convidam a car maravilhados com a tcnica necessria para compor
imagens de viagens interplanetrias, dinossauros realistas ou ainda voos elabo-rados passando sobre o topo das rvores. Esses espetculos frequentemente sorealizados em oposio narrao, remontando s atraes cinematogrcas
11. Estes debates podem
ser encontrados em
diversos dramas como
Alias , 24 Horas, e Lostno
site televisionwithoutpity.
com, The Simpsonsem snpp.com. E sobre
Arrested Development
em the-op.com, embora
haja certamente uma
dezena de outras
discusses na internet
sobre esses programas.
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que precederam os lmes narrativos. Elas desconsideram o formato da narrativaclssica no cinema que faz sucesso de bilheteria hoje(Ndalianis, ). Esses
efeitos especiais aparecem sim na televiso (embora possamos considerar queo modelo visual predominante na televiso aquele que enfatiza os padres
de beleza excessivos como nos comerciais de cerveja e de Baywatch, mais do
que as pirotecnias da tela grande). No entanto, os programas narrativamente
complexos proporcionam um outro modelo de atrao: o efeito especial nar-
rativo. Esses momentos trazem a esttica operacional para o primeiro plano,
chamando ateno para a natureza construda da narrao e demandando
admirao direcionada a como os escritores conseguiram realiz-la; esses
programas normalmente renunciam ao realismo em favor de uma qualidade
barroca e com conscincia formal pela qual assistimos ao processo de narraocomo uma mquina mais do que nos engajamos em sua diegese.Conforme os programas se estabelecem em suas prprias normas com-
plexas tambm nos admiramos observando at que ponto os criadores podemampliar os limites da complexidade oferecendo variaes barrocas de temas e
normas; esses efeitos narrativos especiais podem ser o clmax dos programas,
assim como quando todas as tramas divergentes de Seineldou deArrested
Developmentcolidem, ou ainda quando a reviravolta numa trama de Lost
ou de Horas nos obriga a reconsiderar tudo o que vimos at ento. Os
espetculos narrativos podem ser variaes sobre um tema Six Feet Under
comea todos os seus episdios com uma morte da semana, mas na segundatemporada os criadores mudaram a apresentao dessas mortes de modo a
desviar a ateno e oferecer articulaes novas para manter os espectadores
ligados mesmo depois de terem entendido as regras intrnsecas do programa.
Um momento de demonstrao narrativa que vale relatar est no episdio
Orientation, de Lost: depois de descobrir o que estava escondido debaixo de
um misterioso alapo, duas personagens veem um lme de treinamento que
relata as origens do lugar onde esto como sendo parte de um instituto de
pesquisa. Depois de terminarem o lme enigmtico e que inclua, com nova
luz, muitos detalhes obscuros sobre eventos da primeira temporada, Locke dizsatisfeito: Vamos ter que assistir de novo! espelhando a reao de milhares
de espectadores dispostos a analisar o lme procurando pistas dos mistrios
diegticos e formais do programa. No se trata da autoconscincia reexiva
encontrada nos desenhos de Tex Avery, que reconhecia sua prpria construoe a tcnica de alguns lmes modernistas de arte e demandava observar sua
construo mantendo uma distncia emocional; a reexividade operacional
nos convida a pensar no ambiente ccional ao mesmo tempo em que apre-
ciamos sua construo.
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Outro nvel de demonstrao narrativa toma episdios inteiros. Buy
provavelmente o programa mais resolvido em termos de episdios narrati-
vamente espetaculares, tendo aqueles isolados e que utilizam como recursosnarrativos parmetros de narrao cruamente limitantes (o silncio de Hush),
a mistura de gneros (o episdio musical Once More with Feeling), mudanas
de perspectiva (contar uma aventura a partir da viso privilegiada de Xander,
normalmente um espectador, em e Zeppo), ou ainda destacar um narrador
incomum (o pseudodocumentrio de Andrew em Storyteller). Cada um dessesepisdios e outros similares em Star Treck: e Next Generation (Frame of
Mind,!e Inner Light), em e X-Files (Monday, Triangle), emAngel(Smile
Time, Spin the Bottle), em Seinfeld(e Betrayal, e Parking Lot), em Scrubs
(His Story, My Screw Up), e em e Simpsons (Trilogy of Error,
Short Filmsabout Springeld) podem causar emoes e risadas diegticas. O tipo de fruiomais distinto nesses programas admirar o desao narrativo apresentado a
partir da violao das regras de narrao de uma maneira espetacular. Atravsda esttica operacional essas narrativas complexas convidam os espectadores ase engajarem no programa assumindo o mesmo patamar de analistas formais,
dissecando as tcnicas utilizadas para transmitir demonstraes espetacu-
lares da arte do storytelling; este modelo de acompanhamento formalmente
consciente altamente encorajado j que sua fruio est associada ao nvel
de conscincia que transcende o foco tradicional na ao diegtica tpica de
muitos espectadores.Episdios isolados podem apresentar a esttica operacional atravs da
demonstrao narrativa, mas tambm programas inteiros podem estar cons-
trudos em cima destas pirotecnias narrativas, na histria que perpetua ou na
sua estrutura inerente. A partir do que foi dito,Alias deixa um forte exemplo
de complexidade narrativa, equilibrando histrias contnuas e episdicas de
espionagem, incluindo arcos de dramas de relacionamento desenhados em
ambas as polticas familiares e de espionagem. Seu momento mais arrojado
de demonstrao narrativa acontece quando na trama acontecem reviravoltas
precisas e imprevistas que fazem o quadro regredir completamente, mudando adinmica prossional e interpessoal de quase todas as personagens. A primeira,e provavelmente, a mais efetiva dessas retomadas ocorre a meio caminho da se-gunda temporada no episdio exibido depois do Super Bowldenominado PhaseOne; no percurso desse episdio todo o quadro de espionagem foi recongurado,havendo mudana de status da personagem principal que passa de agente duploa agente da CIA por completo. Ela persegue o mesmo vlio principal mas com
alianas e motivaes diferentes. Ademais, as relaes entre as personagens
se transforma, a amiga de Sidney, inocente espectadora Francie, substituda
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por uma agente nefasta. Sua paixo por Vaughn longamente cultivada nal-
mente realizada tudo em uma hora! Ao passo que muito da eccia destas
transformaes est em renovar a premissa que estava beira de tornar-semuito repetitiva, foi encontrado um importante modo de fruio a partir da
maneira impressionante com que os produtores conseguiram recongurar
o cenrio de forma diegeticamente consistente (ao menos dentro das regras
chocantes de espionagem tecnolgica e mitolgica do programa). Ela narrati-vamente envolvente, emocionalmente honesta em relao s personagens e seusrelacionamentos. Revises de sries parecidas com essa foram realizadas nas
temporadas seguintes deAlias e tambm em Buy(com a introduo da irm
de Buy, Dawn) eAngel(com os heris dominando o escritrio de advocacia de
seu arqui-inimigo). Em todos esses trs casos o pblico aproveita no somenteas reviravoltas diegticas mas tambm as tcnicas de narrao excepcionais
necessrias para realizar tais maquinaes regozijamo-nos tanto pela histriaque est sendo contada quanto pela forma com que esse contar rompe com as
regras da produo televisiva12.
Uma demonstrao narrativa pode ser includa tambm no centro do cen-rio desses programas Horas frequentemente apontado por sua narrativa
em tempo real. Em termos narrativos, ele iguala o tempo da histria e o tempo
discursivo (sem contar os intervalos comerciais). O que mais interessante
que esta pode ser a nica srie televisiva nomeada com base em sua tcnica de
relato, no em referncia a seu mundo diegtico (o nmero no se refere anada de importante no mundo ccional) mas sim ao nmero de horas (e epi-
sdios) necessrios para transmitir a histria. Outros programas so tambm
notveis pelo discurso de seu relato (como a histria contada) mais do que
pela histria em si Boomtown apresenta histrias policiais bem comuns, mas
quando elas so contadas adotando perspectivas multplices e limitadas de umconjunto de personagens, os casos tm mais nuances e so mais complexos do
que poderiam parecer em princpio.Jack and Bobbyconta a histria comum
de irmos adolescentes, mas com intervalos frequentes de ash-forwardnos
anos , uma histria do futuro emerge e, nela, um dos adolescentes se tornapresidente dos Estados Unidos e os eventos e relacionamentos do futuro ressoamo drama familiar. Reunion apresenta um grupo de amigos de colgio e em cadaepisdio se prope a retratar um ano em suas vidas dentro de um perodo de
anos13. Em todos esses programas o que certamente mais impressionante
e diferenciado no so as histrias que contam, mas as estratgias narrativas
usadas no relato.
Programas narrativamente complexos tambm se utilizam de um grande
nmero de recursos de storytellingque, ainda que no sejam exclusivos deste
12. Essas retomadas
narrativas tm precedentes
no cinema de arte, como
nos trabalhos de Luis
Buuel e de David Lynch;
contudo, o efeito tem um
impacto muito diferente
nas sries contnuas
e com uma narrativa
que dura vrios anosem contraposio a um
filme individualmente.
13. O plano de Reunion era
concentrar cada temporada
num grupo diferente de
amigos abandonando a
estabilidade de situao e
de personagens tpica das
sries televisivas como
um todo e adotar um
modelo de temporada mais
flexvel como o dos realityshows, conforme novos
competidores e locaes
vo e vm, mas a base do
modelo de apresentao
continua consistente.
O programa no obteve
ndices de audincia
suficientes deixando o
mistrio que o sustentava
sem soluo por conta de
cancelamento no meio
de uma temporada.
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modelo, so usados com tal frequncia e regularidade a ponto de se tornarem
mais a regra do que a exceo. Analepses, ou alteraes cronolgicas, no so
incomuns na televiso convencional. Flashbacks funcionais so usados pararecontar histrias de pano de fundo importantes (enquanto um detetive narra asoluo de um crime) ou para enquadrar toda a ao de um episdio no tempo
passado (como a dramatizao do encontro de Rob e Laura no Dick van Dyke
Show). Da mesma forma, programas convencionais tm usado com frequncia
sequncias fantasiosas ou onricas de modo a explorar as possibilidades de
outros cenrios (como a recuperao feita por Roseanne de uma sitcom dos anos) ou aprofundar a vida interna de uma personagem (o episdio experimentalde St. Elsewhere, Sweet Dreams). Outro recurso encontrado nos episdios de
programas convencionais comoAll in the Familye Dierent Strokes recontara mesma histria usando perspectivas mltiplas, normalmente denominado
efeito Rashomon, a partir do marco representado pelo lme de Kurosawa. A
narrao com voz over no comum na maior parte da programao televisiva,mas programas convencionais como Dragnete e Wonder Years o utilizam
para dar um tom emocional e realizar mudanas de exposio. Todos esses
recursos, que derivam do modelo excessivamente bvio do formato da televisoconvencional e que normalmente amplicam essa obviedade ao apont-las
explicitamente como variaes da norma, seguidas de narrao expositiva
(Eu me lembro bem) ou cenrios articiais (como hipnotizar, depoimento
em tribunal ou rememoraes ao olhar um lbum de fotos) so usados paraevidenciar como um programa est usando convenes no convencionais.
Nos programas narrativamente complexos de hoje estas variaes nas estra-tgias de storytellingso mais comuns e assinaladas de maneira muito mais sutilou adiadas; esses programas so construdos sem medo de causar uma confusotemporria no espectador. Sequencias fantasiosas so abundantes sem seremclaramente demarcadas ou sinalizadas, como em Northern Exposure, Six FeetUnder,e Sopranos, e Buy. Todos apresentam perspectivas sobre eventos queoscilam entre a subjetividade da personagem e a realidade diegtica, jogandocom as fronteiras ambguas com o objetivo de conseguir profundidade de per-sonagem, suspense e efeito cmico. A narrao complexa normalmente rompecom a quarta parede, seja ela representada visualmente numa referncia direta(Malcolm in the Middle,e Bernie Mac Show) ou de maneira mais ambgua com
voz overobscurecendo a separao entre o diegtico e no-diegtico (Scrubs,Arrested Development), chamando a ateno para a prpria quebra de regraque promove. Programas como Lost, Jack and Bobbye Boomtown apresentamanalepses em todos os seus episdios sinalizando-as pouco, enquanto Alias ee West Wingfrequentemente comeam seus episdios com uma chamada a
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partir do clmax da histria e ento voltam o relgio para explicar a situaoconfusa com que o episdio comeou. Em todos esses programas, a falta de
indicaes e sinalizaes explcitas sobre a forma de contar gera momentosde desorientao, implicando que os espectadores tenham que se engajar maisativamente na compreenso da histria e premiando espectadores comuns queconseguiram dominar as regras internas de cada programa narrado comple-xamente. Tais estratgias podem ser similares dimenso formal do cinema dearte, mas nesse caso elas se manifestam em contextos expressamente popularespara uma audincia massiva podemos car temporariamente confusos emalguns momentos de Lostou deAlias, mas esses programas demandam de nsque conemos que a recompensa vir eventualmente no instante da compreenso
complexa, mas coerente, e no a ambiguidade e causalidade questionvel demuitos lmes de arte (Bordwell, ).O episdio Nolde West Wingexemplica o uso complexo dessas estra-
tgias discursivas: o episdio marcado pela sesso de terapia de Josh Lyman
dedicada a processar as reaes de estresse ps-traumtico aps ele ter sido
baleado. Isso permite usar a conveno de incluir repetidosashbacks durantea narrao de Josh. No entanto, os ashbacks so repentinos e nem sempre
indicados numa ordenao clara, com conexes sonoras entre o tempo presenteda terapia e o tempo passado dos eventos, contribuindo para um sentimento
de desorientao que o programa usa para aumentar a tenso e a ansiedade.
Somado a isso, vemos dramatizaes frequentes de Josh enquanto corta sua mono vidro, um acidente que ele diz ter acontecido, mas que sua terapeuta suspeitacorretamente que contada uma mentira para mascarar um ato mais violento;esses ashbacks inclusos no tm uma diferenciao clara de outros eventos
do passado at o nal do episdio, deixando para que o pblico decodique as
contradies e a cronologia confusa. O clmax do episdio inclui uma sequnciade minutos entrelaando som e imagem descompassados retirados de cinco
perodos de tempo diferentes (incluindo um que na verdade nunca aconteceu),editado com ritmo para proporcionar um arco emocional forte um modelo
de apresentao mais comum para o cinema de arte europeu do que para a
televiso americana, mas que em ltima anlise est a servio de uma narrativacoerentemente contnua. Muito da fruio do episdio seriada, pois quanto
mais sabemos de Josh mais nos envolvemos com sua crise; o episdio se destacacomo o retrato dramaticamente cativante de uma personagem (que reverteu
para o ator Bradley Whitford um Emmy), mas s se aceitarmos suas regras
diferentes de contar, uma competncia que aqueles que assistem adquirem como tempo. Programas narrativamente complexos ertam com a desorientao
temporria e com a confuso, possibilitando que os espectadores articulem
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sua habilidade de compreenso atravs do acompanhamento de longo prazo
e do engajamento ativo14.
Esta necessidade de adquirir competncias para decodicar histrias emundos diegticos particularmente relevante para uma parte da mdia nomomento. Certamente os videogames pressupem essa habilidade para que seentenda e interaja com uma gama de mundos ccionais e de interfaces quasetodos os jogos contm seus prprios mdulos de treinamento diegtico confor-me os jogadores aprendem a dominar os controles e expectativas desse mundo
virtual em particular. O cinema tambm acompanhou o surgimento de um ciclodelmes quebra-cabea que demandavam do pblico entender suas regras emparticular para poder compreender sua narrativa; lmes como O Sexto Sentido,
Pulp Fiction,Amnsia, Os Suspeitos, Adaptao, Brilho Eterno de uma Mentesem Lembranas e Corra, Lola, Corra, todos incorporaram uma esttica do jogo,convidando o pblico a jogar junto com os criadores e desvendar os cdigosinterpretativos para que as estratgias narrativas complexas zessem sentido15.Mas essencialmente, o objetivo desse tipo de lme no resolver mistrios frente de seu tempo; de outro modo, queremos ser competentes o suciente paraacompanhar suas estratgias narrativas e ainda ter prazer em ter sido manipu-lados de maneira bem-sucedida. Duvido que qualquer um que tenha previsto asreviravoltas destes lmes possa dizer que gostou de ter assistido mais do que oespectador entregue (mas ainda assim ativo) que se envolveu na viagem. Oslmes
do tipo quebra-cabea nos convidam a observar o engenho dos procedimentosnarrativos, at mesmo exibindo-os num programa dedicado demonstraodo relato pense no clmax de O Sexto Sentido, quando a reviravolta reveladaatravs deashbacks mostrando como o lme enganou perfeitamente o especta-dor. Embora poucos programas televisivos tenham seguido totalmente o modelodo quebra-cabea (alguns episdios isolados de Seinfeld, e Simpsons, Scrubse Lostimitaram esses lmes, que so eles mesmos inuenciados pelo programatelevisivo antolgico e Twilight Zone), o que parece ser um objetivo nos vide-ogames, lmes quebra-cabea e seriados televisivos complexos o desejo de sertanto ativamente engajado na histria e manipulado de maneira bem-sucedidapelas maquinaes no modo de relatar. Assim que a esttica operacional tra-balha queremos aproveitar os resultados da mquina ao mesmo tempo em quenos maravilhamos com seu modo de funcionamento.
Dessa forma, a televiso narrativamente complexa encoraja e s vezes at
mesmo precisa de um novo modelo de engajamento do pblico. A cultura
dos fs demonstra engajamento intenso nos mundos ccionais, conferindo a
consistncia das histrias de fundo, a coeso das personagens e a lgica internade programas como Star Trek e Dr. Who; os programas contemporneos se
14. Curiosamente, quando
eu exibi esse episdioem sala de aula, um dos
estudantes que nunca havia
assistido ao programa
o confundiu com um
episdio de recapitulao
presumindo que todos
osflashbacks referiam-se
a eventos que j haviam
sido testemunhados em
episdios anteriores. A
nica gravao j vista
e que foi utilizada so
alguns segundos de
Josh sendo baleado.
15. Estes filmes quebra-
cabea certamente
adotaram muitas tcnicas
dos experimentos
narrativos do cinema de
arte, mas, sem contar
alguns poucosfilmes de
paranoia dos anos 1970
comoA Conversao ,
tais tcnicas e formatos
foram raramente usados.
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concentram numa dissecao detalhada de questes complexas da trama e doseventos alm do mundo ccional e das personagens. Assistimos a Lost, Alias,
Veronica Mars, e X-Files, Desperate Housewives e Twin Peaks ao menos emparte para tentar decodicar os enigmas centrais de cada um veja qualquer
frum de fs na internet para encontrar esses detetives em ao. Mas como em
toda co baseada em mistrio, os espectadores querem ser surpreendidos
e desbancados ao mesmo tempo em que satisfeitos com a lgica interna da
histria. No processamento de tais programas, os espectadores se pegam entre-gues a uma diegese convincente (assim como em todas as histrias ecazes) e
tambm concentrados nos processos discursivos do contar necessrios para quetais programas faam de um grande nmero de espectadores narratologistas
amadores, observando os usos e violaes das regras, recuperando cronologiase evidenciando inconsistncias ou continuidades entre episdios e at entresries. O pblico sempre foi ativo, embora a maioria dos trabalhos acadmicos
sobre esses processos se concentre nas negociaes com o contedo televisivo,
reconciliando com a poltica dos vdeos de Madonna ou come Cosby Show.
A programao narrativamente complexa convida o pblico a se engajar ativa-mente tambm no nvelformal, evidenciando o quanto a televiso tradicional
convencional e explorando as possibilidades de um relato de longo prazo
inovador e de estratgias discursivas criativas entre episdios.
Muito da abertura destes programas exige tal nvel de envolvimento difcil
imaginar como algum pode assistir a LostouArrested Developmentsem notarsuas inovaes formais ou considerar como o uso dos ashbacks e da narraoreexiva muda a perspectiva sobre a ao narrativa. No se pode simplesmenteassistir a esses programas como uma janela imediata dando num mundoccionalrealstico do qual se pode escapar; de outro modo, a televiso narrativamentecomplexa demanda que se preste ateno moldura da janela, pedindo que sereita sobre como o acesso patriarcal diegese est sendo proporcionado e sobrecomo as lminas de vidro distorcem a viso da ao que se desenrola. interes-sante que esse programas possam ser bem populares entre um pblico massivo(Lost, Seinfeld, e X-Files) ou terem um apelo a um pblico mais restrito deespectadores de cultura dispostos a investir no trabalho de decodicao (ArrestedDevelopment, Veronica Mars, Firey) ainda que muitos desses programas cultcertamente tenham narrativas exigentes e que possam parecer inacessveis a umpblico massivo, a contundente popularidade de alguns programas complexossugere que tal pblico pode se envolver e se divertir com relatos bem desaadorese intricados. No digo isso para diminuir a importncia da fruio tradicional doaprofundamento de personagens, soluo clara da trama, consistncia do mundoelaborado, excitao com a ao em curso e humor a complexidade narrativa em
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Complexidade narrativa na televiso americana contempornea
sua forma mais robusta inclui todos estes elementos alm de acrescentar a fruiodo engajamento formal. Certamente o fator principal para a fruio de Lost a
habilidade do programa em criar conexes emocionais sinceras em personagensque esto ilhados e que, at a escrita deste texto, no pode ser classicado comoco cientca, mistrio paranormal, alegoria religiosa, tudo articulado numaestrutura narrativa elaborada, muito mais complexa do que qualquer coisa quese tenha visto antes na televiso americana.
Este estudo sobre a complexidade narrativa sugere que um novo paradigmado relato televisivo emergiu nas ltimas duas dcadas com a reviso conceitualdos formatos episdicos e seriados, um elevado nvel de autoconscincia nos
mecanismos de relatar e demandas por um espectador intenso em seu en-
volvimento e concentrado tanto na fruio diegtica como no conhecimentoformal. Explorando a estrutura formal deste modelo de relato podemos atentarpara as relaes com as preocupaes maiores das indstrias miditica e tec-
nolgica, das tcnicas de criao e das prticas da vida cotidiana, tudo o que
ressoa profundamente as transformaes culturais contemporneas ligadas aosurgimento das mdias digitais e de formas mais interativas de comunicao e
entretenimento. Um ramo muito comum que se manifesta tanto nas narrativastelevisivas quanto em muitos formatos digitais como os videogames e pginas dainternet a necessidade de compreenso dos procedimentos, um reconhecimen-to por parte dos consumidores de que qualquer modo de expresso acompanha
protocolos especcos e que para engajar-se completamente em tais formatosdeve-se dominar seus procedimentos de base. Isto se manifesta explicitamentenos videogames, onde o domnio dos procedimentos um requisito para o su-
cesso, e no uso da internet, de modo que em pouco tempo aprendemos a aceitara linkar, buscar e adicionar aos favoritos como procedimentos naturalizados.
No caso da televiso, as narrativas complexas contemporneas apresentam
as habilidades da compreenso narrativa e da literacidade para a mdia que
muitos espectadores desenvolveram, mas raramente usam alm de uma formarudimentar. Para entender este fenmeno, precisamos utilizar a narratologia
formal de modo a traar sua estrutura e suas fronteiras e, ao mesmo tempo,
incorporar outros mtodos para investigar como este modelo narrativo se
cruza com os campos das indstrias criativas, das inovaes tecnolgicas, das
prticas participatrias e da compreenso dos espectadores. Este modelo de
anlise, adaptado do paradigma da potica histrica, merece um lugar entre asmltiplas metodologias dos estudos de mdia explorando os vnculos entre o
desenvolvimento formal e os destaques nos contextos culturais em que todos
os aspectos das mdias, desde a produo at a recepo, esto vinculados aos
modos complexos pelos quais a televiso conta histrias complexas.
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TRADUZIDODOINGLSPOR ANDREA LIMBERTO
Artigo recebido em de maro e aceito em de maio de .