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    Introduo

    Histria mundial

    contempornea(1776-1991)

    Da independncia dos Estados Unidosao colapso da Unio Sovitica

    Manual do Candidato

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    Histria mundial

    contempornea (1776-1991)MINISTRIO DAS RELAES EXTERIORES

    Ministro de EstadoEmbaixador Antonio de Aguiar Patriota

    Secretrio-GeralEmbaixador Ruy Nunes Pinto Nogueira

    PresidenteEmbaixador Jos Vicente de S Pimentel

    Instituto de Pesquisa de Relaes Internacionais

    Centro de Histria e Documentao Diplomtica

    DiretorEmbaixador Maurcio E. Cortes Costa

    A Fundao Alexandre de Gusmo, instituda em 1971, uma undao pblica vinculada aoMinistrio das Relaes Exteriores e tem a nalidade de levar sociedade civil inormaessobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomtica brasileira. Sua misso promover a sensibilizao da opinio pblica nacional para os temas de relaes interna-cionais e para a poltica externa brasileira.

    Ministrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo, Sala 170170-900 - Braslia - DFTeleones: (61) 2030-6033/6034/6847Fax: (61) 2030-9125Site: www.unag.gov.br

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    Introduo

    3 edio revista e atualizada

    Fundao Alexandre de Gusmo

    Paulo Fagundes VisentiniAnalcia Danilevicz Pereira

    Histria mundialcontempornea(1776-1991)

    Da independncia dos Estados Unidosao colapso da Unio Sovitica

    Braslia, 2012

    Manual do Candidato

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    Histria mundial

    contempornea (1776-1991)Direitos reservados Fundao Alexandre de GusmoMinistrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo, Sala 170170-900 Braslia - DFTeleones: (61) 2030-6033/6034Fax: (61) 2030-9125

    Site: www.unag.gov.brE-mail: [email protected]

    Equipe Tcnica:Eliane Miranda PaivaFernanda Antunes SiqueiraGabriela Del Rio de RezendeJess Nbrega CardosoRaael Ramos da LuzWellington Solon de Sousa Lima de Arajo

    Projeto Grco:

    Wagner Alves

    Programao Visual e Diagramao:Grca e Editora Ideal

    Fotograas das capas:Capa: recorte de Estudo para o painel PAZ, de Candido Portinari, leo sobre tela, 160 x 120 cm, 1952.Quarta capa: recorte de Estudo para o painel GUERRA, de Candido Portinari, leo sobre tela, 160 x 120 cm, 1952.Acervo do Ministrio das Relaes Exteriores

    Impresso no Brasil 2012

    V829

    VISENTINI, Paulo Fagundes.Manual do candidato : histria mundial contempornea (1776-1991) : da

    independncia dos Estados Unidos ao colapso da Unio Sovitica / PauloFagundes Visentini; Analcia Danilevicz Pereira; apresentao do EmbaixadorGeorges Lamazire. 3. ed. rev. atual. Braslia : FUNAG, 2012.

    283 p.; 29 cm. (Manual do candidato).

    Inclui bibliograia.

    ISBN: 978-85-7631-418-9

    1. Histria mundial. 2. Manual do candidato. I. Fundao Alexandre deGusmo. II. Instituto Rio Branco. III. Manual do candidato.

    CDU: 94(100)1776/1991

    Ficha catalogrica elaborada pela bibliotecria Talita Daemon James CRB-7/6078Depsito Legal na Fundao Biblioteca Nacional conorme Lei n 10.994, de 14/12/2004.

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    Introduo

    A Histria contempornea um assunto perigoso de tratar.Est repleta de material explosivo. Muita da inormaoessencial no ser conhecida seno muitos anos mais tarde [...].As paixes e o partidarismo podem escurecer o juzo objetivo.Quem tentar escrever a histria contempornea numa ormamais duradoura do que um simples artigo de jornal arriscar--se- a pr a cabea ao alcance do cutelo do carrasco.

    R. Palme Dutt, Problemas da histria contempornea.

    Agradeo ao CNPq, cuja Bolsa de Produtividade me

    permite desenvolver pesquisa sobre a histria das relaesinternacionais, da qual este livro constitui um dos resultados.

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    Introduo

    Paulo Fagundes VisentiniProessor Titular de Relaes Internacionais na UFRGSPesquisador do CNPq, do Ncleo Brasileiro de Estratgia e RelaesInternacionais do ILEA/UFRGS e Coordenador do Centro Brasileiro deEstudos Aricanos CEBRAFRICA/UFRGSGraduado em Histria e Mestre em Cincia Poltica pela UFRGS,Especialista em Integrao Europeia pela Comunidade Europeia/Colgio de Mxico, Doutor em Histria Econmica pela USP e Ps--Doutorado em Relaes Internacionais pela London School o

    Economics.Foi Proessor Visitante no NUPRI/ USP, na Leiden University, ePesquisador Visitante no International Institute or Asian Studies e noArika Studie Centrum/ Holanda.

    E-mail: [email protected]

    Analcia Danilevicz PereiraProessora de Relaes Internacionais na UFRGSPesquisadora do Ncleo Brasileiro de Estratgia e RelaesInternacionais do ILEA/UFRGS e do Centro Brasileiro de Estudos

    Aricanos CEBRAFRICA/UFRGSGraduada em Histria pela PUC-RS, Especialista em Integrao pelaLeiden University/Holanda, Mestre e Doutora em Histria pela UFRGS.

    E-mail: [email protected]

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    Embaixador Georges Lamazire

    Diretor do Instituto Rio Branco

    A Fundao Alexandre de Gusmo (Funag) retoma, em importante iniciativa, a

    publicao da srie de livros Manual do Candidato, que comporta diversas obras dedicadas

    a matrias tradicionalmente exigidas no Concurso de Admisso Carreira de Diplomata.

    O primeiro Manual do Candidato (Manual do Candidato: Portugus) oi publicado em 1995, e

    desde ento tem acompanhado diversas geraes de candidatos na busca por uma das vagas

    oerecidas anualmente.O Concurso de Admisso Carreira de Diplomata, cumpre ressaltar, relete de maneira

    inequvoca o peril do proissional que o Itamaraty busca recrutar. Reiro-me, em particular,

    sntese entre o conhecimento abrangente e multiacetado e a capacidade de demonstrar

    conhecimento especico ao lidar com temas particulares. E assim deve ser o proissional que

    se dedica diplomacia. Basta lembrar que, em nosso Servio Exterior, ao longo de uma carreira

    tpica, o diplomata viver em diversos pases dierentes, exercendo em cada um deles unes

    distintas, o que exigir do diplomata no apenas uma viso de conjunto e entendimento amplo

    da poltica externa e dos interesses nacionais, mas tambm a lexibilidade de compreender

    como esses interesses podem ser avanados da melhor maneira em um contexto regional

    especico.

    Nesse sentido, podemos indicar outro elemento importante que se encontra

    sempre presente nas avaliaes sobre o CACD: a diversidade. O Itamaraty tem preerncia

    pela diversidade em seus quadros, e entende que esse enriquecimento condio para

    uma expresso externa eetiva e que aa jus amplitude de interesses dispersos pelo pas.

    A Chancelaria brasileira , em certo sentido, um microcosmo da sociedade, expressa na

    mirade de dierentes divises encarregadas de temas especicos, os quais ormam uma

    composio dos temas prioritrios para a ao externa do Governo brasileiro. So temas que

    vo da Economia e Finanas Cultura e Educao, passando ainda por assuntos polticos,

    jurdicos, sobre Energia, Direitos Humanos, ou ainda tareas especicas como Protocolo e

    Assistncia aos brasileiros no exterior, entre tantas outras. Essa diversidade de tareas ser tanto

    melhor cumprida quanto maior or a diversidade de quadros no Itamaraty, seja ela de natureza

    acadmica, regional ou ainda tnico-racial. O CACD , em razo disso, um concurso de carter

    excepcional, dada a grande quantidade de provas de dierentes reas do conhecimentoacadmico, buscando com isso o proissional que demonstre o per il aqui esboado.

    No entanto, o peril multidisciplinar do Concurso de Admisso Carreira de Diplomata

    pode representar um desaio para o candidato, que dever desenvolver sua prpria estratgia

    de preparao, baseado na sua experincia acadmica. Em razo disso, o Instituto Rio Branco e a

    Funag empenham-se em disponibilizar algumas erramentas que podero auxiliar o candidato

    Apresentao

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    nesse processo. O IRBr disponibiliza, anualmente, seu Guia

    de Estudos, ao passo que a Funag publica a srie Manual

    do Candidato. Cabe destacar, a esse propsito, que as

    publicaes se complementam e, juntas, permitem ao

    candidato iniciar sua preparao e delimitar os contedos

    mais importantes. O Guia de Estudos encontra-se

    disponvel, sem custos, no stio eletrnico do Instituto

    Rio Branco e constitudo de coletneas das questes

    do concurso do ano anterior, com as melhores respostas

    selecionadas pelas respectivas Bancas.

    Os livros da srie Manual do Candidato, por sua

    vez, so compilaes mais abrangentes do contedo

    de cada matria, escritos por especialistas como Bertha

    Becker (Geograia), Paulo Visentini (Histria Mundial

    Contempornea), Evanildo Bechara (Portugus), entre

    outros. So obras que permitem ao candidato a imerso na

    matria estudada com o nvel de proundidade e relexo

    crtica que sero exigidos no curso do processo seletivo.

    Dessa orma, a adequada preparao do candidato, ainda

    que longe de se esgotar na leitura das publicaes da

    Funag e do IRBr, deve idealmente passar por elas.

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    Introduo

    Introduo 15

    Parte IA Pax Britannica e a ordem mundial liberal (1776-1890)

    1. A hegemonia britnica num mundo conservador / 1776-1848 23

    1.1 A industrializao inglesa e as Revolues Americana e Francesa (1776-1815) 23 As Revolues liberal e industrial inglesas 24 A Revoluo Americana e a ruptura colonial 30 A Revoluo Francesa e o desao napolenico 35

    1.2 Restaurao europeia e livre comrcio mundial (1815-1848) 44 O Congresso de Viena e a reorganizao da Europa 45 A diuso do liberalismo poltico e comercial 51 As ideologias do sculo XIX e as revolues de 1848 58

    1.3 A ormao das naes e a insero internacional das Amricas no sculo XIX 64 A expanso e o desenvolvimento dos Estados Unidos 64 A independncia das colnias ibero-americanas 71 Consolidao e evoluo das naes ibero-americanas 77

    2. Industrializao e construo de naes na Europa / 1848-1890 83

    2.1 Capitalismo e construo de naes na Europa Continental (1848-1870) 84 A transormao europeia: industrializao e movimento operrio 84 Do Segundo Imprio rancs s unicaes italiana e alem 86

    2.2 A emergncia de potncias desaadoras (1870-1890) 93 A Segunda Revoluo Industrial e seus impactos 93 Os novos desaos Pax Britannica 95

    2.3 Subordinao e reaes da sia ao Sistema Mundial no sculo XIX 98 A Questo do Oriente, a ndia e o sudeste asitico 98 O Imprio chins e os Tratados Desiguais 105

    A Revoluo Meiji e a industrializao japonesa 108

    Sumrio

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    Histria mundial

    contempornea (1776-1991)

    Parte IIO declnio do predomnio europeu: rivalidades e transio

    (1890-1945)

    3. A crise do sistema e a emergncia das rivalidades (1890-1914) 113

    3.1 O imperialismo e a partilha aro-asitica (1890-1904) 115

    Os novos imprios e suas rivalidades 115

    O imperialismo e a expanso colonial 117

    A emergncia dos EUA e a Amrica Latina 121

    3.2 A Paz Armada e a ormao dos blocos (1904-1914) 123

    As massas na poltica: nacionalismo e socialismo 123

    A geopoltica e os projetos estratgicos 126

    Os blocos militares e as crises diplomticas 128

    4. As disputas com os novos projetos estratgicos (1914-1945) 133

    4.1 A Primeira Guerra Mundial e o Sistema de Versalhes-Washington (1914-1931) 134

    A Primeira Guerra Mundial e suas rupturas 134

    Os Tratados de Paz e o prosseguimento dos conitos 140

    Do precrio equilbrio dos anos 1920 crise de 1929 144

    4.2 O colapso da LDN e a Segunda Guerra Mundial (1931-1945) 154

    A Grande Depresso e a ascenso do ascismo 154

    Os projetos em conito nos anos 1930 160

    A Segunda Guerra Mundial e suas consequncias 171

    Parte IIIA Pax Americana e a ordem mundial bipolar

    (1945-1991)

    5. A Guerra Fria, a ONU e a Pax Americana(1945-1961) 183

    5.1 A Ordem Bipolar, o Sistema das Naes Unidas e seus confitos (1945-1955) 184

    O Sistema das Naes Unidas e a Pax Americana 184

    Da aliana antiascista Guerra Fria 188

    Guerras e revolues na sia e no Magreb-Machrek 194

    5.2 Descolonizao: o Sistema de Westlia no Terceiro Mundo (1955-1961) 202

    Do No Alinhamento Coexistncia Pacca 202

    As independncias da rica e o neocolonialismo 208

    Ibero-Amrica: nacionalismo, Revoluo Cubana e a reao dos EUA 212

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    Introduo

    6. Da Coexistncia Pacfca crise econmica ediplomtica (1961-1979) 217

    6.1 ADtente

    e o desgaste da hegemonia dos EUA (1961-1973) 218 A eroso da hegemonia dos EUA e o equilbrio com a URSS 218

    A ciso do bloco socialista e a aliana sino-americana 220

    6.2 A Diplomacia da Dtente (1973-1979) 222

    A crise econmica: choque petrolero ou reestruturao? 222

    As revolues dos anos 1970 e o desequilbrio estratgico 226

    Os Regimes de Segurana Nacional na Ibero-Amrica 235

    7. Da Nova Guerra Fria desintegrao do blocosovitico (1979-1991) 239

    7.1 A reao estratgica americana e os anos conservadores (1979-1988) 240 O m da dtente e a reao conservadora 240

    Conitos de Baixa Intensidade e a reao no Terceiro Mundo 245

    7.2 Globalizao e reormas: neoliberalismo, Perestroika e via chinesa 251

    Globalizao e neoliberalismo no Ocidente 251

    As reormas socialistas: Perestroika sovitica x via chinesa 254

    7.3 O m da Guerra Fria, a queda do Leste Europeu e a desintegrao daURSS (1988-1991) 260

    A convergncia sovitico-americana e a queda do Leste Europeu 260

    O colapso do regime socialista e do Estado sovitico 262

    O m da bipolaridade e o sistema internacional 270

    Concluso 273

    Reerncias 279

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    A histria mundial contempornea teve incio no ltimo tero do sculo XVIII, com

    a armao da hegemonia anglo-saxnica, aps trs sculos de Revoluo Comercial, ou

    Mercantilismo. Foi uma ase de expanso europeia e de construo da Revoluo Industrial

    inglesa, processo este que representou a emergncia do capitalismo e do sistema mundial.

    Todavia, a historiograa predominante no Brasil e em alguns outros pases est centrada na

    histria europeia, dando menor ateno ao ato de que se trata de uma histria internacio-

    nalizada e de que mesmo os processos europeus so simultaneamente mundializados. Esta

    dimenso, em longo prazo, se torna mais relevante do que a histria europeia, mesmo quando

    a Inglaterra passa a ser a potncia dominante, quando emerge um sistema mundial anglo-

    -saxnico.

    A histria mundial tem sido marcada pela sucesso de sistemas mundiais hegemoniza-

    dos por uma potncia e intercalados por ases de transio e congurao de novas lideran-

    as. Estas, por sua vez, encontram-se apoiadas nos paradigmas econmicos, sociais, polticos,

    culturais e tecnolgicos de cada modelo de produo e padro de acumulao. Durante os

    trezentos anos compreendidos entre o nal do sculo XV e do XVIII, a expanso mercantil

    europeia deu origem ao sistema mundial, em lugar dos anteriores sistemas internacionais de

    dimenso regional.

    Assim, a construo de sistemas internacionais estruturados em escala mundial, dota-

    dos de continuidade histrica e de um carter progressivo, iniciou h quinhentos anos, com

    a revoluo comercial que caracterizou a expanso europeia e a construo do capitalismo.

    Anteriormente, os grandes imprios chegaram a integrar amplas regies, mas seu colapso pro-

    duziu o retrocesso e, mesmo, a interrupo deste enmeno. O imprio mongol, que por voltado sculo XIII construiu a mais vasta unidade poltica geogracamente contgua (dominando

    a maior parte da Eursia), desapareceu bruscamente, quase sem deixar vestgios. Tratava-se, no

    mximo, de sistemas internacionais de mbito regional.

    No sculo XV o mundo ainda era dividido em polos regionais autnomos, quase sem

    contatos entre si. Entre eles podemos mencionar os Astecas, os Maias, os Incas, a cristandade

    Introduo

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    16Histria mundialcontempornea (1776-1991)

    da Europa ocidental, o mundo rabe-islmico, a Prsia, a

    China, o Japo, a ndia e imprios da rica negra, como

    Zimbbue. Seguramente o polo mais desenvolvido, na

    poca, era a China. E importante notar que antes do

    surgimento do capitalismo as crises econmicas, que pro-

    duzem ondas de instabilidade e novas relaes e acomo-

    daes, no possuam qualquer regularidade. Alm disso,

    eram crises de escassez, e no de superproduo, como

    passou a ocorrer desde o sculo XV no sistema capitalista.

    A partir de ento, sob o impulso do nascente capita-lismo, os reinos europeus iniciam a expanso comercial. As

    monarquias dinsticas, legitimadas como atores principais

    das relaes internacionais pela Paz de Westlia (1648) e

    apoiadas no capitalismo comercial, protagonizaram a es-

    truturao de um sistema mundial liderado sucessivamen-

    te por Portugal, Espanha, Holanda e Frana. A sucesso de

    cada uma delas pela seguinte era acompanhada por uma

    expanso e aproundamento do sistema.

    Tratava-se de uma globalizao que ocidentalizava

    ou europeizava o mundo. Este sistema era baseado no co-

    mrcio, na ormao de um mercado mundial e no dom-

    nio dos grandes espaos ocenicos, e a queda ou declniode cada uma destas lideranas no produziu o colapso do

    sistema. Pelo contrrio, cada uma delas oi sucedida por

    outra mais capacitada, com o sistema se tornando ainda

    mais complexo e integrado, como assinala Giovani Arrighi.

    O sistema mundial capitalista atingir sua maturidade em

    ns do sculo XVIII, com o advento do mundo industrial,

    da hegemonia inglesa e a estruturao de um novo tipo de

    relaes internacionais, que se consolidou com a derrota

    do desao representado pela Revoluo Francesa e pelo

    Sistema Napolenico.

    A histria mundial contempornea, que iniciou

    no ltimo tero do sculo XVIII, apresenta-se como uma

    sucesso de sistemas mundiais intercalados por ases de

    transio e congurao de novas lideranas. Como oi

    dito antes, elas se undamentam nos paradigmas econ-micos, sociais, polticos, culturais e tecnolgicos de cada

    ormao econmico-social. Assim, de 1776 (ano da inde-

    pendncia dos EUA e da publicao de A riqueza das na-

    es, de Adam Smith) a 1890, a Pax Britanica oi embasada

    na Revoluo Industrial e regulada pelo liberalismo, dando

    incio ao mundo dominado pelas potncias anglo-saxni-

    cas. O Congresso de Viena substituiu o conceito de mo-

    narquia dinstica pela de potncia. Enquanto a potncia

    inglesa dominava o sistema mundial atravs da suprema-

    cia martima e comercial, a Europa continental permanecia

    num sistema de equilbrio de poderes entre Frana, ustria,

    Prssia e Rssia. A Inglaterra era o el dessa balana de po-der e o acesso dos pases europeus ao resto do mundo de-

    pendia, direta ou indiretamente, da boa vontade inglesa.

    Mas o advento da II Revoluo Industrial, desde os

    anos 1870, bem como de novos pases competidores e do

    paradigma ordista, conduziram ao desgaste da hegemo-

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    17 Introduo

    nia inglesa no nal do sculo XIX. A partir de 1890 tem en-

    to incio uma ase de crise e transio, marcada pelo acir-

    ramento do imperialismo, com a partilha do mundo aro-

    -asitico, pela ormao de blocos militares antagnicos,

    por duas guerras mundiais, por uma Grande Depresso de

    alcance planetrio e pela ascenso do naziascismo e do

    comunismo, que de movimento social se transorma em

    regime poltico. Foram mais de cinco dcadas de crise e

    disputa por uma nova liderana entre potncias e projetos

    de ordem mundial e modelos de sociedade. no quadro de superao da grande crise e da

    Segunda Guerra Mundial que o ordismo oi condicionado

    pelo keynesianismo, passando ento a dar suporte a uma

    ordem internacional estvel, liderada pelos EUA: a Guerra

    Fria constituiu uma Pax Americana. Foi este o novo modelo

    econmico que possibilitou a internacionalizao comer-

    cial e nanceira sob a gide dos Estados Unidos. Esta era oi

    dominada pela bipolaridade da Guerra Fria, que constitua

    tanto um conito como um sistema. O Sistema de Yalta,

    que regulou as relaes internacionais desde 1945, intro-

    duziu o conceito de superpotncia, como orma de reduzir

    o papel das potncias coloniais europeias e as derrotadaspotncias do Eixo.

    Com uma Europa dividida e no mais constituindo

    o centro do sistema internacional, o capitalismo mundial

    passava a ser integrado sob o comando de Washington e

    Nova Iorque, e o bloco sovitico representava apenas um

    polo regional e reativo, com os EUA se tornando o tipo ideal

    ordista-keynesiano e o centro do mundo. Ao mesmo tem-

    po um vigoroso processo de descolonizao expandia o

    sistema westaliano de Estados-nao ao conjunto do pla-

    neta. Entretanto, desde os anos 1970, com a emergncia

    da III Revoluo Industrial e seu paradigma cientco-tec-

    nolgico, iniciou-se o processo de desgaste da hegemonia

    norte-americana e de recorrentes estratgias de rearma-

    o por parte dos Estados Unidos. Este enmeno produ-

    ziu uma prounda reormulao internacional, cujo marcoreerencial oi a desintegrao do campo sovitico.

    Finalmente, o sistema internacional ps-hegem-

    nico, marcado pela globalizao e ormao dos blocos

    regionais, e pela instabilidade estrutural que acompanha

    a competio econmica e o reordenamento poltico in-

    ternacional a partir dos anos 1990, sinalizam o incio de

    uma nova ase de crise e transio, na luta pelo estabele-

    cimento de uma nova ordem mundial. Nela, congura-se

    a emergncia da sia Oriental, particularmente da China,

    como novo polo desaador liderana anglo-saxnica.

    Alm disso, a base deste perodo consiste na busca de

    estruturas que permitam um desenvolvimento estvel, oque passa pelo domnio e acomodao dos paradigmas

    da Revoluo Cientco-Tecnolgica, a qual presentemen-

    te est implodindo as estruturas preexistentes.

    No ltimo sculo, o primeiro desao ordem mun-

    dial anglo-saxnica se deu a partir de dentro do prprio

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    18Histria mundialcontempornea (1776-1991)

    sistema, quando a Alemanha, primeiro isoladamente, e de-

    pois acompanhada pelo Japo e pela Itlia, tentaram obter

    um lugar ao sol dentro da ordem capitalista, resultando em

    duas Guerras Mundiais. Um segundo desao partiu de ora

    do sistema, com o socialismo sovitico tentando criar uma

    alternativa ordem existente, trazendo como consequn-

    cia a Guerra Fria.

    O terceiro desao, atualmente em curso, emergiu na

    sia Oriental, particularmente atravs da China, constituin-

    do um enmeno misto, economicamente dentro da or-dem capitalista, mas politicamente exterior a ela. As recen-

    tes turbulncias nanceiras na sia e a chamada Guerra ao

    Terrorismo representam, neste sentido, o primeiro embate

    do novo conito em torno da ordem mundial, no neces-

    sariamente um choque de civilizaes. Alm disso, a pas-

    sagem do sculo XX ao XXI signicou tambm uma po-

    ca de crise e transio rumo a um novo perodo histrico,

    com o incio do declnio do ciclo de expanso Ocidental,

    iniciado h cinco sculos.

    Esta obra, que representa a atualizao, consolida-

    o e aproundamento de trabalhos anteriores que ve-

    nho desenvolvendo ao longo dos ltimos vinte e cincoanos, constitui uma introduo histria mundial con-

    tempornea, com nase nas relaes internacionais. Tal

    opo decorre no apenas do ato dos leitores buscarem

    a carreira diplomtica, mas de uma perspectiva terico-

    metodolgica que identica neste perodo histrico uma

    dimenso predominantemente mundial, como indicado

    no ttulo.

    O objetivo propiciar a compreenso do processo

    histrico em nvel mundial, de orma a articular leituras

    posteriores mais aproundadas que so necessrias, dado

    tratar-se de um estudo geral e introdutrio. O programa

    do concurso contemplado numa perspectiva cronol-

    gica, para acilitar a compreenso. No nal so indicadas

    tanto as ontes utilizadas como leituras complementares.

    Recomendo, particularmente, a consulta de Atlas histri-cos, uma erramenta indispensvel aos estudiosos da di-

    plomacia.

    No campo conceitual, preciso esclarecer que, as-

    sim como a histria possui distintas abordagens, as rela-

    es internacionais tambm podem ser analisadas a partir

    de dierentes paradigmas. Jacques Huntzinger1, ao analisar

    os autores clssicos, considera que Carl Von Clausewitz,

    Francisco de Vitria e Karl Marx representam os trs gran-

    des paradigmas das relaes internacionais. As diversas

    correntes reetem problemticas e os momentos hist-

    ricos de sua ormao, reetindo ngulos de abordagemque no so, necessariamente, excludentes. Neste sentido,

    ortodoxia e ecletismo terico so dois extremos a evitar,

    1 HUNTZINGER, Jacques. Introduction aux relations internationales. Paris:ditions du Seuil, 1987.

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    19 Introduo

    bem como o uso poltico prescritivo e normativo das teo-

    rias, as quais constituem, essencialmente, simplicaes

    para a compreenso de uma realidade complexa demais

    para ser apreendida em todas as suas dimenses.

    O general prussiano Clausewitz, junto com

    Tucdides, Maquiavel, Hobbes, Vattel, Hume, os tericos

    do equilbrio europeu, Rousseau, Espinosa e os adeptos

    do nacionalismo europeu do sculo XIX representam o

    paradigma clssico das relaes internacionais (segundo

    a viso rancesa), tambm chamado de realismo (na pers-pectiva anglo-saxnica). Esta corrente considera o sistema

    internacional como total ou parcialmente anrquico, com

    o Estado como ator essencial. Assim, o realismo enatiza

    as relaes de conito e poder. A estes, podemos acrescen-

    tar pensadores realistas do sculo XX como Edward Carr

    (Vinte anos de crise), Raymond Aron (Paz e Guerra entre as

    naes) e Hans Morgenthau (A poltica entre as naes). Esta

    corrente abriga, alm do realismo clssico, o neorrealismo,

    as teorias da estabilidade hegemnica, e a teoria dos jogos.

    O dominicano de Salamanca Francisco de Vitria,

    juntamente com o estoicismo, Ccero, o cristianismo me-

    dieval, o jusnaturalismo do sculo XVI, Kant e o cosmopoli-tismo do sculo XVIII representam um paradigma idealista,

    o qual enatiza a existncia de uma comunidade interna-

    cional da societas inter gentes, ou comunidade universal do

    gnero humano. Esta corrente, no mundo anglo-saxnico,

    tambm chamada de liberalismo, contendo ainda o libe-

    ral institucionalismo (neoliberalismo), uncionalismo, teorias

    da integrao e o construtivismo. Keohane, Klinderberg e

    Joseph Nye so acadmicos contemporneos ligados

    escola do liberalismo/idealismo, a qual tem como base as

    relaes de cooperao e tica, dentro de uma estrutura es-

    sencialmente transnacional.

    Marx e Engels, da mesma orma que os jacobinos,

    Fichte, Hegel, Hobson, Hilerding Lnin e Bukarin, enocam

    as noes de imperialismo econmico, as clivagens norte/

    sul e centro/perieria, bem como a teoria da dependnciae do sistema mundial. Em termos contemporneos e es-

    tritamente acadmicos, podemos acrescentar os nomes

    de Fred Halliday, Giovanni Arrighi, Immanuel Wallerstein,

    Justin Rosenberg e Samir Amin como internacionalistas

    de inspirao marxista. Embora o marxismo no tenha es-

    truturado uma teoria ormal das relaes internacionais, o

    materialismo histrico permite undamentar a noo de

    economia e de dominao no plano internacional, dentro

    de uma perspectiva que enatiza os macroprocessos de

    evoluo, transormao e ruptura, enquanto as correntes

    anteriormente mencionadas priorizam o uncionamento

    do sistema e valorizam a dimenso prescritiva e normativa.

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    Parte IA Pax Britannicae a OrdemMundial Liberal (1776-1890)

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    1.1 A industrializao inglesa e as Revolues Americana e Francesa(1776-1815)

    A Revoluo Industrial, ainda que tenha sido ruto de uma longa transio, iniciou na

    segunda metade do sculo XVIII, originando um novo padro de organizao social, poltica,

    econmica e cultural. Este processo, de grandeza somente comparvel Revoluo Agrcola

    que marcou o nal do perodo neoltico, oi acompanhado por um vigoroso movimento de

    ruptura poltico-ideolgica, a Revoluo Liberal-Burguesa. A Inglaterra oi a pioneira neste pro-

    cesso, seguida dos Estados Unidos e da Frana. A primazia inglesa propiciou a construo de

    uma hegemonia internacional que perdurou at o m do sculo XIX e se transormou, gradati-

    vamente, num sistema mundial liderado pelos anglo-saxes em seu conjunto. Ironicamente, o

    ponto de partida da liderana britnica oi, justamente, o momento em que, logo aps vencer

    a Guerra dos Sete Anos, o pas perdeu as Treze Colnias.

    Como podemos explicar o incio de um ciclo hegemnico a partir de uma derrota?

    Os colonos americanos triunaram no sobre a nascente Inglaterra capitalista, mas sobre

    a declinante Inglaterra mercantilista e senhorial. A black Englandsobrepujava gradativa-

    mente a green England. Alm disso, 1776 oi tambm o ano da edio de A Riqueza das

    Naes, de Adam Smith, obra clssica do liberalismo econmico. A Revoluo Americana

    e a Revoluo Francesa, por outro lado, contriburam para a consolidao deste mundo

    nascente, que marca o incio da histria contempornea e da hegemonia anglo-saxnica

    do sistema mundial. Este corte temporal, aparentemente menos impactante que a queda

    da Bastilha, possui uma dimenso global mais importante em termos de movimento de

    longa durao, uma vez que a Revoluo Francesa, apesar do impacto direto na indepen-dncia das colnias ibero-americanas, teve uma inluncia mais duradoura no plano da

    ilosoia poltica e no mbito europeu.

    1. A hegemonia britnica nummundo conservador / 1776-1848

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    24Histria mundialcontempornea (1776-1991)

    As Revolues liberal e industrial inglesas

    A precocidade da Revoluo Inglesa de 1640

    A Inglaterra, precocemente, iniciou o ciclo das

    Revolues liberais-burguesas (ou Revolues Atlnticas).

    Seja cada revoluo do tipo liberal-burguesa considerada

    um evento em particular, ou seja, a revoluo liberal-bur-

    guesa considerada um processo nico que possui vrios

    captulos (que seriam cada uma das revolues), essa pas-sagem histrica caracterizada pela ascenso ao poder

    de uma nova classe, a burguesia, cujo poder era legitima-

    do no mais pela terra e pelos ttulos herdados como o

    eram, durante o Antigo Regime, a aristocracia e o clero ,

    mas pela acumulao de capital. Tal acumulao ocorreu

    desde a Revoluo Comercial, e intensicou-se a partir do

    desenvolvimento do capitalismo industrial.

    Socialmente, a revoluo liberal-burguesa e o capi-

    talismo marcaram o m da sociedade estamental (Rei, aris-

    tocracia, clero e povo) e o incio de uma sociedade de clas-

    ses, cujo predomnio era exercido pela burguesia. O prole-

    tariado, constitudo pelo xodo rural e pela decomposiodo artesanato, estava na base da nova pirmide social e,

    entre os dois grupos, existia uma classe mdia urbana, or-

    mada por prossionais liberais e pequenos comerciantes.

    Economicamente, ocorreu a redistribuio da ri-

    queza, que passou a concentrar-se nas mos da burguesia

    emergente. Os operrios, classe ormada por ex-campone-

    ses e seus descendentes passaram a ter salrios que, mes-

    mo pequenos, eram mais signicativos do que os rendi-

    mentos que tinham quando trabalhavam no campo (em-

    bora a qualidade de vida tenha piorado nas ases iniciais

    da industrializao). J a urbanizao trouxe o crescimento

    das prosses liberais e dos servios urbanos, ato que via-

    bilizou o surgimento da classe mdia.

    A revoluo liberal-burguesa mudou, portanto, o

    paradigma social, poltico, econmico e cultural vigente poca, principalmente em relao distribuio do poder

    e da riqueza. A burguesia comeou a ter domnio, em um

    primeiro momento, das atividades econmicas, proces-

    so que levou preponderncia social da reerida classe.

    O prximo passo no caminho da ascenso burguesa oi a

    conquista do poder atravs da revoluo liberal-burguesa,

    da qual a Revoluo Industrial oi um momento essencial.

    No caso especco da Inglaterra, no incio do sculo

    XVII, a Coroa decidiu aumentar os impostos sobre a bur-

    guesia, que pediu ao Parlamento, o qual se reunia espo-

    radicamente, para maniestar-se. A intransigncia da mo-

    narquia precipitou um levante contra o Rei Carlos I, que,mesmo apoiado por oras do Norte e do Oeste britnicos,

    perdeu a guerra civil. Oliver Cromwell assumiu o contro-

    le do pas e instaurou uma ditadura republicana por uma

    dcada, implantando as instituies liberais atravs de

    mecanismos autoritrios e violentos. Os atos que se segui-

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    25 A hegemonia britnica num mundoconservador / 1776-1848

    ram oram o cerceamento das liberdades individuais e a

    eliminao sumria dos seus antigos colaboradores, os le-

    vellers (artesos)eos diggers (sem-terra). Foi um estado de

    exceo necessrio para consolidar a Revoluo contra os

    adversrios de direita e de esquerda.

    Em 1651, Cromwell publicou os Atos de Navegao,

    que, ao obrigar que o trnsito de produtos importados os-

    se eito em navios ingleses ou de seus pases de origem,

    eliminou a possibilidade de atuao de intermedirios, ato

    que arontou os interesses holandeses. Tal episdio preci-pitou o incio das guerras entre Inglaterra e Holanda pela

    supremacia nos oceanos, que ez daquela, ao nal do pro-

    cesso, a Senhora dos Mares.

    A revoluo liberal-burguesa na Inglaterra, que oi

    associada a lutas religiosas e tenses externas, terminou de

    ato em 1688, aps a Revoluo Gloriosa. A Inglaterra havia

    se tornado o pas que modicara mais proundamente sua

    estrutura social, econmica e poltica. Sobre esse ltimo

    aspecto, oi introduzido o bipartidarismo, que, com peque-

    nas modicaes, existe at os dias de hoje. A noo de

    que a sociedade uma soma de indivduos oi ortalecida,

    e, em 1694, oi criado o Banco da Inglaterra, a primeira ins-tituio do mundo com unes tpicas de banco central.

    J a poltica externa inglesa assumiu denitivamen-

    te a lgica do capital, em oposio lgica territorial que

    orientava os pases europeus continentais. O objetivo prin-

    cipal era o de conquistar o maior mercado possvel para

    os produtos ingleses. A estratgia de dominar os mares oi

    essencial para conseguir isso, assim como a negociao,

    geralmente por imposio, de tratados de livre comrcio

    que beneciassem os produtores britnicos. A unio com

    a Esccia, em 1707, tambm oi importante para ortalecer

    a posio internacional da Inglaterra.

    Na Europa, a participao no equilbrio continental

    era pontual, j que o maior interesse ingls em relao aos

    seus vizinhos era o de impedir que surgisse uma potn-

    cia territorial que pudesse controlar todo o resto a Europae impusesse limites ao comrcio ingls o objetivo era,

    portanto, manter o continente dividido. Na Amrica, as

    colnias do Norte gozaram, at a segunda metade do s-

    culo XVIII, de relativa independncia, enquanto que o Sul

    escravista, devido a sua grande produo de algodo, ma-

    tria-prima essencial para a nascente indstria txtil metro-

    politana, continuava sob o controle mais rgido da Coroa.

    A Revoluo Industrial Inglesa

    Uma conjuno muito especca de atores levou

    a Inglaterra a ser o bero do capitalismo em sua ormamadura e o primeiro pas a industrializar-se. Esses atores

    oram de ordem geogrca, econmica, poltica, social e

    cultural. A posio geogrca insular do pas ajudou-o a

    preservar-se da devastao de guerras, pois, mesmo quan-

    do esteve envolvido em alguma batalha, a luta se deu em

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    26Histria mundialcontempornea (1776-1991)

    territrio de outros Estados. Os recursos naturais encontra-

    dos na Gr-Bretanha tambm oram essenciais para que a

    industrializao avanasse. Havia, em solo ingls, grandes

    jazidas de carvo (onte primria de energia para as bri-

    cas) e de erro (matria-prima essencial para a produo de

    bens industriais).

    Outra condio que possibilitou Inglaterra ser a

    pioneira no processo de industrializao oi a acumulao

    de capital oriunda da Revoluo Comercial, da qual o pas

    participou ativamente. Tal capital oi, por sua vez, multipli-cado no mercado nanceiro ingls Londres j era, na po-

    ca, o principal centro nanceiro do mundo, e a Inglaterra

    dispunha do mais avanado sistema bancrio conhecido.

    A supremacia naval tambm oi determinante para que a

    Inglaterra tenha sido pioneira no desenvolvimento capita-

    lista industrial. O controle sobre os mares oi obtido aps

    a vitria denitiva sobre a Holanda a principal razo das

    guerras travadas entre as duas potncias martimas oi a

    edio, em 1651, dos Atos de Navegao, que impunham,

    para o transporte de produtos importados, o uso de navios

    dos pases de origem desses ou o uso de navios ingleses

    (o trabalho de intermedirio, muitas vezes executado porholandeses, oi banido). A supremacia naval possibilitou

    Inglaterra ter a superioridade no comrcio internacional,

    ato que resultou no ortalecimento do imprio colonial

    ingls, que era destino das mercadorias inglesas industria-

    lizadas e onte de matrias-primas.

    Uma prtica tornada comum na Inglaterra nos s-

    culos XVI e XVII auxiliou a criao do sistema produtivo in-

    dustrial ingls: os cercamentos. Esse termo usado para

    descrever a apropriao, pela nobreza, de terras comunais

    inglesas que estavam de posse de pequenos proprietrios,

    processo que resultou na migrao de populao do cam-

    po para as cidades, onde as bricas iriam instalar-se. Tal mi-

    grao acarretou grande disponibilidade de mo de obra

    ato que tambm causou o rebaixamento dos salrios a

    ser usada na indstria. Finalmente, aos cercamentos deveser acrescentado outro ator que aumentou a quantidade

    de mo de obra disponvel e diminuiu os salrios: a runa

    dos artesos, que no mais podiam competir com produ-

    tos industrializados, os quais, devido produo em srie,

    eram mais baratos.

    Politicamente, a industrializao tornou-se possvel

    devido instaurao, aps a Revoluo Gloriosa (1688), da

    monarquia parlamentar, que passou ao parlamento ingls,

    no qual os representantes da burguesia estavam presen-

    tes, o poder de governar o pas. De ato, esse processo teve

    incio j em 1640, com a Revoluo Inglesa, momento em

    que o parlamento, orientado pela burguesia e pelos no-bres com interesses comerciais, comeou a opor-se mo-

    narquia A Revoluo Gloriosa e a Declarao de Direitos

    (1689) oram o ponto de chegada desses acontecimentos.

    J a consolidao do capitalismo como modelo le-

    gtimo ocorreu atravs do ortalecimento da ideologia que

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    27 A hegemonia britnica num mundoconservador / 1776-1848

    o justicava teoricamente: o Liberalismo, cujos deensores

    atacavam o mercantilismo vigente at ento e pregavam

    a livre concorrncia. John Locke oi o precursor desse mo-

    vimento sua obra O Segundo Tratado do Governo Civil, de

    1689, reerncia para a discusso sobre o Liberalismo,

    que, principalmente aps a edio deA Riqueza das Naes

    (1776), de Adam Smith, tornou-se o iderio dominante

    da nascente sociedade capitalista. A preponderncia da

    sociedade sobre o Estado, undamental para o pensa-

    mento liberal, oi tratada nas clssicas obras iluministas deMontesquieu (O esprito das Leis, 1748), Voltaire (O Sculo de

    Lus IV, 1751; Ensaio sobre os Costumes e o Es prito das Naes,

    1756, e as Cartas Inglesas, 1734) e Rousseau (Discurso sobre

    a Origem das Desigualdades entre os Homens, 1755; Emilio,

    1762, e O Contrato Social, 1762).

    Enquanto todas essas mudanas ocorriam na vida

    poltica, econmica, social e cultural da Inglaterra, as ino-

    vaes tcnicas concretizavam de ato o desenvolvimento

    do capitalismo industrial. O setor txtil oi o primeiro bene-

    ciado pelo novo padro tecnolgico que se estabelecia: a

    lanadeira mecnica (Kay, 1733), as mquinas de ar (Watt e

    Paul, 1764; Hargreaves, 1765) e o tear hidrulico (Arkwright,1768/70) oram determinantes para o incremento da pro-

    dutividade. A transormao denitiva da lgica produtiva

    veio quando a energia a vapor, que mais tarde revoluciona-

    ria os transportes (navios e locomotivas a vapor), comeou

    a ser utilizada nas bricas. Assim, a Inglaterra tornou-se o

    centro do novo sistema econmico e poltico que nascia.

    Esse sistema no mais seguia unicamente a lgica territo-

    rialque orientava os Estados europeus continentais. A par-

    tir de ento, a lgica do capitalcomeava a imperar.

    O desenvolvimento do capitalismo

    O contexto histrico no qual a Revoluo Industrial

    ocorreu revela contradies que explicam as mudanas

    ocorridas no perodo. Nessa poca, cam claras algumastendncias histricas presentes h muito tempo na socie-

    dade inglesa. A tradio britnica de reconhecimento de

    direitos individuais era antiga. Em 1215, quando da assi-

    natura da Magna Carta pelo Rei John, os nobres tiveram

    reconhecidos alguns direitos dos quais o monarca no po-

    deria dispor. De ato, o individualismo, essencial para o de-

    senvolvimento da mentalidade capitalista, esteve sempre

    presente na cultura inglesa. A consolidao dessa tradio

    ocorreu na poca da Revoluo Industrial, quando a socie-

    dade comeou a ser vista como uma soma de indivduos.

    O sistema econmico europeu ocidental, e em par-

    ticular o ingls, j estava passando por mudanas proun-das quando a industrializao ocorreu. A principal delas

    era o progressivo esvaziamento da servido, substituda

    rapidamente pelo trabalho assalariado. Isso dava aos ho-

    mens alguma possibilidade de opo. O resultado desse

    processo oi a migrao em massa dessas populaes

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    28Histria mundialcontempornea (1776-1991)

    desenraizadas para a cidade, ato essencial para que a in-

    dustrializao ocorresse, pois permitia uma maior disponi-

    bilidade de mo de obra a ser assalariada. Os indivduos

    que se tornariam operrios no s comporiam a ora de

    trabalho empregada na produo, mas, tambm, seriam

    parte importante do mercado consumidor de produtos

    manuaturados.

    Tal ideia de mercado, tambm essencial para que

    o capitalismo industrial se estabelecesse denitivamente

    como sistema econmico, oi uma herana do mercanti-lismo. A partir da necessidade de expandir e garantir mer-

    cados houve a ormao de Estados territoriais (dentro dos

    quais haveria o monoplio, para as companhias nacionais,

    da venda de produtos de todos os tipos) e de imprios

    coloniais que, alm de consumirem os bens oriundos das

    metrpoles, eram importantes ornecedores de matrias-

    -primas para essas.

    Do mesmo modo, a questo religiosa oi um ator in-

    uente para que o capitalismo se desenvolvesse. As ento

    recentes reormas protestantes transormaram a relao

    dos europeus com o trabalho, que passou a constar no rol

    de valores das sociedades ocidentais. Enriquecer deixou deser um pecado, processo cujo resultado oi a legitimao

    da acumulao de capital enquanto objetivo pessoal a ser

    perseguido.

    Na Inglaterra, havia sido undada, por Henrique VIII,

    a Igreja Anglicana, que signicou a imposio ocial de

    uma religio. De modo contrrio, a Coroa inglesa enren-

    tava constantemente a rebeldia religiosa (contestao de

    baixo) de diversas seitas (cujos membros optaram, muitas

    vezes, por exilar-se nas colnias, principalmente nas ameri-

    canas) e ameaas de restaurao catlica, com ingerncias

    externas. Em relao criao da Igreja Anglicana, um de

    seus resultados econmicos mais visveis oi a expropria-

    o das terras da Igreja Catlica.

    Os cercamentos expropriao, pela nobreza, de

    terras comunais ocupadas por camponeses oram acondio essencial para que a agricultura inglesa se tor-

    nasse mercantil, pois permitiram a transormao de terras

    cuja produo era de subsistncia em latindios voltados

    para o mercado. Considerando as inovaes tcnicas que

    permitiram o melhor uso do solo (cultivo rotativo, uso de

    adubos e drenagem) e a progressiva mecanizao do cam-

    po, a produtividade das plantaes britnicas aumentou

    de tal modo que permitiu a venda de excedentes para ou-

    tros pases e viabilizou o aumento da disponibilidade de

    alimentos para a populao inglesa.

    O resultado desse processo oi a acumulao de mais

    capital a ser usado na industrializao e o expressivo incre-mento demogrco (tambm produto do melhor controle

    de enermidades e dos avanos na rea do saneamento),

    cuja consequncia imediata oi o aumento do nmero de

    jovens da populao inglesa. J essa mudana signicou

    uma maior disponibilidade de mo de obra barata e resis-

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    29 A hegemonia britnica num mundoconservador / 1776-1848

    tente ao trabalho pesado, alm de ter possibilitado que o

    aumento da emigrao, que ento ocorria principalmente

    para as colnias de povoamento da Amrica do Norte, no

    tivesse um impacto to grande na ora de trabalho local.

    As transormaes ocorridas no pensamento aristo-

    crtico ingls tambm oram essenciais para que o capi-

    talismo se desenvolvesse na Gr-Bretanha. Os nobres in-

    gleses, ao contrrio dos da Europa continental, viram no

    desenvolvimento capitalista uma oportunidade de cresci-

    mento material sem precedentes, razo pela qual apoia-ram, em grande parte, as mudanas econmicas e sociais

    ocorridas.

    O crescimento exponencial da economia inglesa se

    deu por diversos atores. O monoplio da produo indus-

    trial mundial, associado transormao da agricultura de

    subsistncia em agricultura comercial, oi o mais importan-

    te deles. O Estado britnico beneciava-se, entretanto, de

    outra relevante onte de receitas: a pirataria. A supremacia

    naval britnica, como se v, no oi utilizada apenas no co-

    mrcio lcito e na deesa, mas tambm no assalto a navios

    mercantes de outras bandeiras e no contrabando de di-

    versos itens com alto valor agregado no mercado mundial,como especiarias, produtos tropicais e escravos.

    A superioridade inglesa nos mares possibilitou

    uma estratgia internacional que, alm de acilitar o co-

    mrcio lcito e ilcito, servia poltica externa da Coroa: o

    estabelecimento de pontos de apoio nas principais rotas

    martimas do planeta. Essa lgica levou a Inglaterra a cap-

    turar Cingapura (Estreito de Mlaca), den (entrada do

    Mar Vermelho), as Ilhas Malvinas (ou Falkland, prximas

    ao Estreito de Magalhes), o extremo sul aricano (Cabo

    da Boa Esperana, passagem do Oceano Atlntico para o

    ndico), Gibraltar (entrada do Mar Mediterrneo) e, mais

    tarde, Hong Kong (Mar do Sul da China), alm de outros

    territrios insulares em todo o planeta, como a Ilha de

    Diego Garcia (no centro do ndico).

    Essa estratgia no permitia Inglaterra atacar ovasto Imprio Espanhol, mas possibilitava que o acesso da

    Espanha s suas colnias osse prejudicado e que, quando

    necessrio, seus domnios, assim como os de outras po-

    tncias concorrentes, ossem atacados. Um pas escolheu,

    todavia, o caminho do alinhamento aos ingleses ao invs

    do conronto: Portugal, que oi satelizado pela Inglaterra j

    no incio do sculo XVIII2.

    A sociedade industrial

    Indubitavelmente, a Revoluo Industrial trouxe

    imensos benecios humanidade e transormou o modopelo qual os seres humanos relacionavam-se entre si e

    com a natureza. A riqueza tornou-se acessvel a um nme-

    2 O Tratado de Methuen, amplamente avorvel a essa, oi assinado em 1703.

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    30Histria mundialcontempornea (1776-1991)

    ro maior de pessoas, mesmo que ainda restrito. O caminho

    denido naquele momento histrico determinou, contu-

    do, qual o rumo que a sociedade humana tomaria: os be-

    necios materiais oriundos do capitalismo industrial iriam

    estender-se, nos sculos seguintes, a uma grande quanti-

    dade de indivduos e comunidades.

    Outros reexos da Revoluo Industrial mostraram-se,

    todavia, negativos. A relao do homem com o meio am-

    biente deteriorou-se sobremaneira, j que, para a espcie

    humana, ao invs de hospedeiro que provia suas neces-sidades nutricionais e de vesturio, o planeta tornou-se

    onte das matrias-primas e riquezas que aziam o novo

    sistema uncionar. Desse modo, a deteriorao ambiental

    cresceu, gradativamente, a nveis que no mais permitiam

    a reposio dos recursos naturais. O grande salto produtivo

    gerado pelo capitalismo (que Marx deniu como o sistema

    mais revolucionrio at ento criado pela humanidade)

    baseou-se na apropriao gratuita de recursos naturais.

    J as condies de trabalho da classe operria,

    que nasceu com a industrializao, oram, por muito

    tempo, neastas. Jornadas de trabalho extenuantes, de

    at 16 horas dirias, ausncia da mnima proteo legal,ambiente de trabalho insalubre e perigoso, salrios bai-

    xos, explorao do trabalho inantil, alta de saneamen-

    to bsico e higiene e impossibilidade do acesso ao lazer

    oram alguns dos desaios enrentados pelos operrios

    durante muito tempo, at que o sindicalismo e as rei-

    vindicaes sociais ganhassem espao e viabilizassem

    mudanas nas leis e costumes que regiam as relaes

    entre capital e trabalho.

    Os prprios valores da sociedade modicaram-se

    brutalmente: o tempo passou a ser controlado pelo rel-

    gio (para que os industriais mantivessem o controle sobre a

    produo), tendncia que teve como resultado o estabele-

    cimento da pontualidade como condio sociabilidade; o

    uxo de inormaes passou a ser mais rpido a imprensa

    estruturou-se nessa poca; a razo e a tcnica impuseramo controle da natureza; o trabalho tornou-se repetitivo e

    orado. Os novos costumes urbanos comearam a pre-

    ponderar sobre as ormas tradicionais de relacionamento

    entre indivduos, e o campo, apesar de estar em processo

    de modernizao econmica, adquiriu a condio de lo-

    cal retrgrado e conservador, do qual os jovens desejavam

    aastar-se (tendncia que acelerou o xodo rural).

    A Revoluo Americana e a ruptura colonial

    As contradies e a crise do colonialismo

    As Treze Colnias se ormaram a partir do sculo

    XVII. Ao nal do sculo XVIII, havia 680 mil habitantes no

    norte, ou Nova Inglaterra (Massachusetts, Nova Hampshire,

    Rhode Island e Connecticut), 530 mil no centro (Pensilvnia,

    Nova York, Nova Jersey, Delaware) e 980 mil no sul (Virgnia,

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    31 A hegemonia britnica num mundoconservador / 1776-1848

    Maryland, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Gergia). No

    total, existiam mais de 2 milhes de colonizadores em dois

    tipos de colnias: as de povoamento e as de explorao.

    As colnias de povoamento oram estabelecidas na regio

    centro-norte, ou seja, os colonos ingleses que se localiza-

    vam nessas regies procuravam um lugar para viver.

    A maioria desses colonos ugiu para a Amrica do

    Norte para se proteger da perseguio religiosa da rainha

    Elizabeth, deensora do Anglicanismo. Portanto, a maioria

    desses ingleses eram Puritanos (calvinistas) que acredita-vam na teoria da predestinao que pregava a poupana e

    o lucro. Sua regio cou conhecida como Nova Inglaterra,

    que logo prosperou e alcanou um grande desenvolvi-

    mento industrial e comercial. As colnias de povoamento

    eram caracterizadas pela pequena propriedade amiliar,

    policultura, manuaturas, mercado interno, trabalho livre e

    autonomia econmica.

    Ao contrrio das colnias do norte, as colnias do sul

    tinham carter exploratrio, pois seu clima era mais quente e

    propcio produo de produtos tropicais como tabaco, al-

    godo e anil. Era controlada pela metrpole e sua produo

    era exportada para a Inglaterra. Tinha como caracterstica olatindio, monocultura, exportao, trabalho compulsrio e

    a orma de explorao agrcola ali desenvolvida era denomi-

    nada Plantation. O trabalho era escravo, mas tambm exis-

    tiram servos de contrato (brancos), que tinham a obrigao

    de trabalhar por determinado tempo, normalmente por sete

    anos, at pagarem todos os gastos com a viagem a Amrica.

    Depois disso poderiam se tornar proprietrios, constituindo

    um grande grupo de proprietrios livres.

    As primeiras ideias revolucionrias de independn-

    cia das Treze Colnias surgiram com o m da Guerra dos

    Sete Anos (1756-1763), conito militar iniciado na Europa,

    mas que, no plano mundial, ops Frana e Inglaterra. A ori-

    gem desse conito est na rivalidade econmica e colonial

    ranco-inglesa na Amrica do Norte, devido ocupao

    dos territrios ranceses da Terranova e Nova Esccia porcolonos britnicos instalados na costa nordeste e colonos

    ranceses instalados a oeste das Treze Colnias. Durante a

    guerra, a Frana aliou-se a tribos indgenas e passou a ata-

    car as colnias britnicas.

    Diante desse ato, as colnias acabaram obrigadas a

    lutar juntamente com a Inglaterra contra a Frana para de-

    ender seus territrios, principalmente as colnias do nor-

    te, para se proteger dos ranceses instalados no Canad.

    A Inglaterra venceu a Guerra dos Sete Anos e se apossou

    de grande parte do imprio colonial rancs no mundo, es-

    pecialmente a ndia, o Canad e as terras a oeste das Treze

    Colnias. Apesar de os ingleses terem vencido a guerra, sa-ram enraquecidos economicamente. Diante disso, o parla-

    mento ingls decidiu que os colonos deveriam pagar parte

    dos custos da guerra, alm de contriburem para ortalecer

    os direitos da Coroa Britnica na Amrica, ato que culmi-

    nou com o aumento dos impostos da colnia.

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    32Histria mundialcontempornea (1776-1991)

    As Treze Colnias possuam certa autonomia e os

    colonos no estavam habituados a uma poltica repressiva.

    Cada colono poderia escolher seus representantes polticos.

    Qualquer pessoa que possusse 50 acres de terra poderia

    votar, o que na poca no era muito dicil. As colnias pos-

    suam uma assembleia com poderes para elaborar as leis

    locais, que, por sua vez, poderiam ser vetadas pelo governa-

    dor. Esse governador era escolhido pela metrpole, sendo

    muito dicil que ele vetasse alguma lei criada pela assem-

    bleia, pois era ela que estipulava seu salrio. Alm de todosesses atores, os colonos britnicos do norte haviam apren-

    dido a se deender muito bem e desenvolveram um orte

    senso de autonomia e independncia, pois haviam lutado

    para garantir suas terras durante a Guerra dos Sete Anos.

    Nesse quadro, os novos atos s poderiam gerar

    protestos. A poltica repressiva, os atores culturais, junta-

    mente com a inuncia do iluminismo, ez com que colo-

    nos britnicos seguissem na direo de um conito com a

    metrpole. No tardou para que George Grenville, primei-

    ro-ministro ingls, posicionasse na colnia uma ora mili-

    tar de dez mil homens, criando uma despesa extra de 350

    mil libras, e para que o parlamento ingls aprovasse duasleis para arrecadar um tero da quantia a Lei do Acar

    (1764) e a Lei do Selo (1765). Os colonos comearam a con-

    testar tais atitudes da Coroa britnica, sentindo-se preju-

    dicados. Outro acontecimento que mudou a relao das

    colnias com a sua metrpole oi a Revoluo Industrial

    Inglesa, que ez com que a metrpole dependesse mais da

    colnia, pela produo de algodo e outros produtos do

    sul, ao mesmo tempo em que precisava exportar produ-

    tos industrializados. Naturalmente, a colnia era um timo

    mercado consumidor.

    Como explicitado acima, a Coroa britnica decidiu

    aumentar as taxas das colnias americanas para cobrir

    parte dos gastos da Guerra dos Sete Anos, criando, assim,

    alguns tributos novos. Os colonos protestaram contra a

    Lei do Selo, argumentando que se tratava de um impostointerno, enatizando o ato de no terem representao no

    parlamento ingls que havia votado essa lei. Assim, em

    1765, ocorreu em Nova York o Congresso da Lei do Selo,

    que decidiu boicotar o comrcio ingls. A Lei do Selo e a

    Lei do Acar acabaram sendo revogadas por presses dos

    colonos e comerciantes ingleses, boicotados pelos norte-

    -americanos.

    Em 1765, os ingleses elaboraram uma nova lei: a Lei

    de Aquartelamento, que exigia dos colonos alojamento

    e transporte para as tropas enviadas colnia. Enquanto

    isso, os colonos protestavam por no terem direito legis-

    lativo no parlamento ingls e recusaram-se a cumprir tallei. Em 1767, o primeiro-ministro Townshend criou os Atos

    de Townshend, que estabeleciam uma srie de impostos

    alandegrios sobre as importaes. Portanto todos os pro-

    dutos importados tais como ch, vidro, papel, zarco, co-

    rantes, entre outros, teriam altas taxas, o que dicultaria o

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    33 A hegemonia britnica num mundoconservador / 1776-1848

    comrcio dos colonos, diminuindo mais ainda sua liberda-

    de e autonomia econmica. Mais uma vez, os colonos boi-

    cotaram o comrcio ingls e, em 1770, os Atos Townshend

    oram abolidos.

    Em 1773, oi elaborada a Lei do Ch, que garantia o

    monoplio de comrcio desse produto Companhia das

    ndias Orientais, empresa na qual muitos parlamentares

    tinham investimentos. A partir dessa nova lei, os colonos

    norte-americanos comearam a questionar se o gover-

    no aria isso com outros produtos. Dessa orma, no oimais possvel controlar a crise entre colnia e metrpole.

    A guerra de independncia estava comeando. Na noite

    de 16 de setembro de 1773 ocorreu o episdio conheci-

    do como Boston Tea Party, quando um grupo de colonos,

    disarados de ndios, invadiu o porto de Boston e destruiu

    trezentas caixas de ch, jogando-as ao mar.

    Aos olhos dos britnicos, se o parlamento cedes-

    se e revogasse a Lei, provavelmente, jamais recuperaria

    o controle da situao. A sada, ento, seria uma atitude

    enrgica, que levou implementao das Leis Intolerveis

    (1774), que obrigavam os colonos a sustentar as tropas

    inglesas residentes na colnia. A partir desse momentoo porto de Boston oi echado, cando interditado at o

    pagamento do prejuzo. A colnia de Massachusetts oi in-

    terditada e o governador assumiu poderes excepcionais.

    O Ato de Quebec, de 1774, impediu que as colnias de

    Massachussets, Virgnia, Connecticut e Pensilvnia ocu-

    passem terras a oeste (desde 1763 a Linha da Proclamao

    Real j demarcara os montes Apalaches como limite co-

    lonizao) e os colonos oram obrigados a contentarem-se

    com o que j tinham, sem poderem explorar novas terras,

    exatamente ao contrrio do esprito da nao que estava

    iniciando.

    Os colonos, ento, convocaram o Primeiro Congresso

    da Filadla, em 1774, pedindo a revogao daquelas leis

    e exigindo uma maior participao no parlamento ingls.

    Todavia, a metrpole manteve a represso e no atendeuqualquer reivindicao. Dessa orma, em 1775, oi realizado

    o Segundo Congresso da Filadla, com carter separatis-

    ta. George Washington, da Virgnia, oi nomeado coman-

    dante das tropas americanas e uma comisso organizada

    por Thomas Jeferson teve a tarea de redigir a Declarao

    de Independncia, o que oi eito em 4 de julho de 1776,

    iniciando a guerra de independncia.

    A guerra de independncia e a ormao dos Es-

    tados Unidos

    Na verdade, a guerra j havia iniciado em maro de1775 quando os americanos tomaram Boston. No entan-

    to, nessa ocasio ainda no estavam organizados e tinham

    interesses divergentes. No sul, a nica colnia que partici-

    pava incisivamente da guerra era a Virgnia. Os voluntrios

    do exrcito, alistados por um ano, muitas vezes largavam a

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    34Histria mundialcontempornea (1776-1991)

    guerra para cuidar de seus aazeres pessoais. Nesse ritmo,

    acabaram sendo vencidos em Nova York. Essa situao oi

    revertida aps a vitria na Batalha de Saratoga, quando, en-

    to, comearam a ganhar aliados, como os espanhis e os

    ranceses, que haviam perdido a Guerra dos Sete Anos e

    queriam vingar-se da Inglaterra.

    Os ranceses tiveram importante papel na vi-

    tria, pois estavam ainados com os ideais de liberda-

    de do movimento e muito interessados em golpear a

    Inglaterra. A Frana transeriu dinheiro para os ameri-canos, assinaram tratados e buscaram aliana dos es-

    panhis contra os ingleses. A guerra ampliou-se para o

    Caribe e para as ndias, com a ajuda martima rancesa.

    Com apoio externo os ingleses oram, ento, derrotados

    no ano de 1781 na Batalha de Yorktown. Finalmente, em

    1783, pelo Tratado de Versalhes, a Inglaterra reconheceu

    a Independncia dos Estados Unidos. Os aliados dos

    norte-americanos oram recompensados a Frana re-

    cuperou Santa Lcia e Tobago, nas Antilhas, e suas pos-

    sesses no Senegal; a Espanha ganhou a ilha de Minorca

    e a regio da Flrida.

    George Washington, lder das tropas rebeldes, tor-nou-se o primeiro presidente dos Estados Unidos, pri-

    meiro pas da Amrica a se converter em uma Repblica

    Federativa e Presidencialista. Em 1787, a nova nao pro-

    clamou sua primeira Constituio, que entrou em vigor em

    1788. A Constituio apresentava um carter liberal e mo-

    derno convergente com os ideais republicados de Thomas

    Jeferson que primavam pela autonomia poltica para os

    Estados membros da Federao.

    A Cmara dos Representantes e o Senado compu-

    nham o Congresso. A primeira oi constituda por delega-

    dos de cada Estado conorme sua populao, e o Senado,

    por dois representantes de cada Estado. O Congresso vo-

    tava as leis e os oramentos, e o Senado se preocupava

    com a poltica exterior. Ao presidente caberia a indicao

    de nove juzes para ocupar a Corte Suprema que resolveriaos conitos entre Estados e entre estes e a Unio. O poder

    cou dividido em executivo, legislativo e judicirio, seguin-

    do as ideias iluministas de Montesquieu. Apesar de todas

    essas leis que buscavam a liberdade e independncia dos

    cidados, as mulheres, os ndios e os escravos continuaram

    sem direitos polticos.

    A guerra de Independncia dos Estados Unidos oi

    um movimento de grande importncia, pois oi o primei-

    ro movimento de emancipao que alcanou seu objeti-

    vo. Trata-se, portanto, de uma das revolues burguesas

    do sculo XVIII. Em verdade, podemos alar de uma dupla

    revoluo, pois alm do seu contedo liberal, oi a pri-meira revoluo anticolonial e antimercantilista vitoriosa.

    Paradoxalmente, oi, ao mesmo tempo, uma espcie de

    meia revoluo, na medida em que a escravido oi manti-

    da nos estados do sul, como condio de sua permanncia

    na Unio.

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    35 A hegemonia britnica num mundoconservador / 1776-1848

    Alm disso, segundo alguns analistas, quase um

    tero dos colonos lutou ao lado da Inglaterra e, com a

    independncia, emigraram para o Alto Canad (atual

    provncia de Ontrio), que ento era quase desabitada.

    As tropas americanas tentaram, ento, anexar o Canad,

    mas oram derrotados por uma aliana de tropas brit-

    nicas, colonos realistas e ndios. Dessa orma, a compo-

    sio tnica do Canad oi modicada, com os colonos

    ranceses permanecendo em Qubec (Baixo Canad) e

    os ingleses no Alto Canad e provncias litorneas, comcolnias vinculadas ao Imprio Britnico. Todavia, du-

    rante a guerra de independncia, os territrios situados

    entre os Apalaches e o Rio Mississipi (que a Inglaterra

    arrebatara dos ranceses com a Guerra dos Sete Anos)

    oram anexados pelos Estados Unidos, que ampliaram

    seus domnios, abrindo-se, assim, um amplo espao para

    a colonizao.

    A Revoluo Francesa e o desao napolenico

    A Revoluo Francesa e seus impactos internacio-

    nais (1789-1799)

    Ainda durante a Guerra de Independncia dos

    Estados Unidos, a crise do absolutismo rancs prenuncia-

    va uma ruptura. O prprio sucesso contra a Inglaterra na

    Amrica do Norte s serviu para agravar a crise scal do

    Estado rancs e ampliar o prestgio dos ideais iluministas.

    Os eeitos dos acontecimentos da Revoluo Francesa no

    se circunscrevem aos limites da Histria da Frana, uma

    vez que os impactos internacionais dos eventos ranceses

    representam um divisor de guas. A burguesia que che-

    gou ao poder enunciou o princpio da soberania da na-

    o com a qual ela mesma se identicava. Este princpio j

    havia sido proclamado por ocasio da Independncia dos

    Estados Unidos quando se deniu a recusa aos valores do

    velho absolutismo. A construo de uma nova ordem re-cusou no apenas as antigas estruturas polticas e sociais

    do Ancien Rgime, como tambm valores e concepes

    predominantes at ento. Isto no pas que representava

    o mais acabado modelo de Absolutismo e Mercantilismo,

    alm de ser o pas mais povoado (25 milhes de habitan-

    tes, contra 6 milhes da Inglaterra) e maior economia da

    Europa.

    A Revoluo Francesa assinalou a etapa nal do pro-

    cesso de secularizao das estruturas de poder inauguran-

    do certa modernidade ocidental.Pode-se identicar essa

    modernidade com a undao da sociedade burguesa,

    com os novos padres econmicos (liberalismo) e com apassagem da condio de sdito a cidado (modicaes

    ideolgicas advindas do iluminismo). Os ranceses prota-

    gonizaram experincias histricas inditascomo a politiza-

    o da questo social, a experincia democrtica e republi-

    cana, at mesmo os primeiros projetos socialistas.

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    36Histria mundialcontempornea (1776-1991)

    A derrocada da Monarquia Absolutista na Frana e a

    abolio dos princpios aristocrticos tiveram como ponto

    de partida o processo de centralizao do poder, na orma

    como se apresentou no reinado de Lus XVI e a chamada

    Reao Aristocrtica iniciada em 1787, com presses para

    restaurar privilgios da decadente nobreza no tocante

    aos cargos do Estado. Este perodo caracterizou-se por

    uma prounda crise econmica que conduziu ao contro-

    le scal e ao monoplio da violncia. A nobreza rancesa,

    descendente das tradicionais amlias proprietrias de terrae a quem cabia os encargos guerreiros e militares, perdia

    gradativamente suas unes, seus privilgios e seu status.

    O Absolutismo, nesse contexto, mostrava-se incapaz de

    conter o descontentamento da aristocracia e promover as

    reormas necessrias.

    O eeito mais imediato das novas prticas, alm do

    aumento da misria das classes populares, oi constitui-

    o da nova nobreza ou nobreza togada, em sua grande

    maioria composta pela alta burguesia. Esse recurso, na ver-

    dade, aburguesou os nobres e enobreceu os burgueses

    e ambos passaram a ocupar um plano secundrio na vida

    social e poltica do reino. Ademais, as relaes monetriasconheceram, a partir de ento, a elevao expressiva do

    grau de corrupo. O Estado Absolutista passou a desem-

    penhar o papel de promotor de mobilidade social, ironi-

    camente construindo as bases de sua prpria derrocada.

    O que ocorreu na Frana desde o reinado de Lus XVI at

    as vsperas da Revoluo, decorreu em larga medida, das

    tenses sociais geradas por essa mobilidade e pela disun-

    cionalidade que imprimiu ao sistema.

    Essa situao pode ser melhor avaliada quando

    se considera as necessidades nanceiras crescentes, seja

    para nanciar as guerras ou para pagar a mquina admi-

    nistrativa, ou, ainda, para manter o alto padro de vida

    da corte. Alm disso, deve-se considerar a constncia na

    obteno de nanciamentos atravs da criao de novos

    impostos e emprstimos junto burguesia. Outro cami-nho, para a soluo das necessidades nanceiras, levou o

    rei a valer-se de dois expedientes bsicos: alm dos em-

    prstimos, a venda de cargos pblicos e ttulos de nobre-

    za. Em sntese, ao mesmo tempo em que se pretendia o

    estabelecimento de vnculos de dependncia e delida-

    de, diundiu-se novos valores, distintos da ordem eudal.

    Todavia, a crise econmica oi tambm conjuntu-

    ral. Alm dos enmenos climticos, o desastroso Tratado

    Eden-Rayneval, de 1786, assinado com a Gr-Bretanha, o

    qual assegurava baixos direitos de importao aos tecidos

    e produtos metalrgicos ingleses em troca de tarias pre-

    erenciais ao vinho rancs exportado para a Gr-Bretanha,aetou proundamente a indstria manuatureira rancesa.

    A instabilidade entre a manuteno dos princpios de orga-

    nizao social herdado do perodo eudal e a tentativa de

    promover a prosperidade do reino no se ajustou s novas

    tendncias do perodo. O caminho em direo constru-

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    37 A hegemonia britnica num mundoconservador / 1776-1848

    o de um Estado Moderno apresentou um sistema eudal

    que entrava em colapso e o avano do desenvolvimento

    das oras capitalistas de produo.

    Acompanhando tal processo, seria necessrio uni-

    car o mercado nacional, racionalizar a produo e a troca,

    alm de destruir as velhas comunidades agrrias. Mas essas

    transormaes no aconteceriam sem uma prounda alte-

    rao na correlao das oras sociais. Porm, a sociedade

    rancesa, por volta de 1789, estava ainda organizada em

    Estados ou Ordens: o Clero, integrando o Primeiro Estado(o Alto Clero composto por bispos, abades e cnegos

    oriundos de amlias nobres que recebiam dzimos e ren-

    da de imveis urbanos e rurais de propriedade da Igreja,

    e o Baixo Clero, com alguns sacerdotes que simpatizavam

    com os ideais revolucionrios); a nobreza compunha o

    Segundo Estado (Nobreza Cortes, que vivia em Versalhes

    s custas das penses do Estado; Nobreza Provincial, grupo

    empobrecido que vivia no interior recebendo os impostos

    cobrados dos camponeses; Nobreza de Toga); por m, o

    povo correspondia ao Terceiro Estado (comportando in-

    meras classes camponeses, sans-culottes, pequena, m-

    dia e alta burguesia).Desde meados do sculo XVIII, como oi dito, a

    economia rancesa j apresentava sinais de crise, agrava-

    da pelas guerras na Europa e na Amrica. Em 1784, os

    problemas climticos, que acarretaram ms colheitas e

    ocasionaram o aumento do preo dos alimentos, levaram

    o povo rancs subalimentao. A indstria txtil tinha

    diculdades pela concorrncia dos produtos ingleses e a

    burguesia ligada manuatura e ao comrcio estava cada

    vez mais descontente.

    A grave situao nanceira do pas e as sucessivas

    crises polticas ampliaram o debate sobre a necessidade

    de esboar novas reormas tributrias e as ormas para o

    nanciamento das instituies da Monarquia Absolutista.

    Em 1787, sentindo-se ameaados em seus privilgios, a no-

    breza e o clero pressionaram o rei a convocar a Assembleiados Estados Gerais, o que no ocorria desde 1614.

    O Primeiro e o Segundo Estado, isoladamente, no tinham

    poder de deciso, pois participariam os representantes dos

    trs Estados. Contudo, rmado o critrio de votao por

    ordem, a desvantagem numrica em relao ao Terceiro

    Estado estava resolvida.

    Em maio de 1789, a Assembleia dos Estados Gerais

    abriu seus trabalhos e as discusses aconteceram isolada-

    mente, dentro de cada Estado. O Terceiro Estado, obser-

    vando com preocupao essa situao e temerosos de

    que a nobreza e o clero pudessem obter vantagens, soli-

    citou que as votaes ossem individuais, pois contavamcom a maioria entre os trs Estados. Diante da rejeio a tal

    procedimento, o Terceiro Estado desligou-se dos Estados

    Gerais e autoproclamou-se Assembleia Nacional, em ju-

    nho do mesmo ano. A perseguio aos seus membros

    e anulao de suas decises no oram sucientes para

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    38Histria mundialcontempornea (1776-1991)

    conter o processo revolucionrio que se iniciava. Ademais,

    Lus XVI percebeu que as adeses do Primeiro e Segundo

    Estados cresciam e, para contemporizar, ordenou que as

    classes privilegiadas se reunissem burguesia, ormando a

    Assembleia Nacional Constituinte, em julho.

    A nova Assembleia, na verdade, reunia uma maioria

    monrquica constitucional, dirigida por Mirabeau, e uma

    minoria pela democracia igualitria republicana, lidera-

    da por Robespierre. Todavia, a situao poltica continua-

    va instvel e organizou-se em Paris uma MunicipalidadeRevolucionria (denominada Comuna), apoiada pela

    Guarda Nacional. Esses eram rgos populares nancia-

    dos pela burguesia e suas aes ecoaram por quase toda a

    Europa. A Tomada da Bastilha, smbolo do poder da monar-

    quia, representou o radicalismo contra os privilgios, e os

    atos polticos que se seguiram com a crescente participa-

    o popular, a exemplo dos movimentos camponeses veri-

    cados em quase todo o pas (o Grande Medo), levaram Lus

    XVI a reconhecer a legitimidade da Assembleia Nacional

    Constituinte no sentido de conter os avanos populares.

    Em agosto de 1789, a Assembleia aboliu o regime

    eudal, eliminando os direitos senhoriais sobre os cam-poneses, estabeleceu o m dos privilgios da nobreza e

    do clero e imps diversas ormas de castigo aos nobres.

    A Assembleia proclamou a Declarao dos Direitos do

    Homem e do Cidado, tendo como pontos principais o

    respeito dignidade das pessoas, liberdade e igualdade

    entre os cidados, direito propriedade individual, direito

    da resistncia opresso poltica e liberdade de pensa-

    mento e opinio. Em 1790,ocorreu o consco de terras

    da Igreja pela Assembleia e a subordinao do clero ao

    Estado atravs do documento intitulado Constituio

    Civil do Clero.

    No ano seguinte, oi concluda a Constituio, na

    qual o rei perdia os poderes absolutos (pois havia ugido

    com a inteno de preparar a reao) e institua um sis-

    tema de governo dominado pela alta burguesia estabele-cendo uma monarquia constitucional. No que diz respeito

    organizao social, a Constituio previa a extino dos

    privilgios da nobreza e do clero, ao passo que mantinha

    a escravido nas colnias. Quanto economia, promoveu

    a liberdade de produo e de comrcio, minimizando a

    intererncia do Estado, ao mesmo tempo em que as gre-

    ves eram proibidas. Em relao religio, propunha-se a

    liberdade de crena, a separao entre Estado e Igreja e

    a nacionalizao dos bens do clero. J em relao orga-

    nizao poltica, oram criados os trs poderes (Executivo,

    Legislativo e Judicirio) e o voto para cidados ativos e

    passivos.Apesar de a nova Constituio promover algumas

    conquistas, a Assembleia mostrava suas resistncias e seus

    temores em relao s camadas populares, pois previa que

    o republicanismo poderia ameaar a alta burguesia liberal

    emergente. Diante das maniestaes de julho de 1791,

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    39 A hegemonia britnica num mundoconservador / 1776-1848

    a reao oi violenta. O rei oi inocentado e a ameaa es-

    trangeira minimizada (os demais monarcas temiam o que

    acontecia na Frana). Lus XVI selou a adoo da Monarquia

    Constitucional que, na prtica, atendeu aos principais ob-

    jetivos da alta burguesia: limitar o poder real e tutelar as

    massas populares.

    J azendo valer a Constituio, oi eleita e empossa-

    da a Assembleia Legislativa. Nela, predominavam os depu-

    tados moderados, como Mirabeau e La Fayette, partidrios

    da Monarquia Constitucional e Parlamentar aos moldes

    da inglesa. Os deensores da repblica ormavam a mi-

    noria dividida em dois grupos os liberais, liderados pelo

    jornalista Brissot, depois conhecidos como Girondinos e

    os democratas, dirigidos por Robespierre, denominados

    Jacobinos. A adeso de Lus XVI era apenas aparente. Em

    1792, surgiu a oportunidade que o rei aguardava para aca-

    bar com o processo revolucionrio e golpear a Assembleia

    o iminente conito com a ustria, que unida Prssia,

    invadiu a Frana, deteriorando ainda mais a situao pol-

    tica e econmica do pas. Os racassos iniciais do exrcito

    rancs levaram os revolucionrios a radicalizar ainda mais

    o processo. Conspirava-se abertamente contra o rei e ossans-culottes,populao pobre da Comuna de Paris, bus-

    cavam a destituio de Lus XVI e da convocao de nova

    assembleia, eleita por surgio universal.

    Comeava, ento, a ase mais radical da Revoluo.

    O Rei oi preso ao tentar ugir disarado (episdio de

    Varennes), a monarquia constitucional suspensa e reuniu-se

    a Conveno ou Assembleia Convencional. Eleita por sur-

    gio universal, a Conveno elaborou a Constituio do Ano

    I (1793) que instituiu a Primeira Repblica. Neste momento,

    as discusses aconteciam circunscritas aos representantes

    de trs aces polticas. direita, os Girondinos, represen-

    tantes da alta burguesia mercantil, aceitavam a repblica

    desde que osse liberal e garantisse o direito proprieda-

    de. Seus principais representantes, Brissot e Condorcet,

    permaneciam sem aprovar a participao das camadas

    populares no movimento revolucionrio. esquerda, os

    Montanheses ou Jacobinos, pequena burguesia exaltada

    liderada por Robespierre, Marat e Danton. Os Jacobinos

    colocavam as razes do Estado Revolucionrio acima de

    qualquer liberdade ou instituio. Ao centro, a Plancie

    (maioria), com Sieys deendendo a unio da esquerda e

    da direita para salvar a Revoluo dos perigos internos e

    externos.

    A Declarao Austro-Prussiana de Pilnitz maniesta-

    va a inteno de restaurar a ordem na Frana, ao que a

    Revoluo respondeu com a consgnia de varrer o euda-

    lismo e o absolutismo da Europa. Assim, as relaes inter-nacionais passavam a abarcar uma dimenso ideolgica,

    em lugar unicamente das tradicionais disputas dinsticas e

    territoriais, que caracterizaram o perodo do Antigo regime.

    Alm disso, iniciava-se a ase em que a ormao territorial

    e estatal acrescia-se ormao da nao e ao estabeleci-

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    40Histria mundialcontempornea (1776-1991)

    mento de ronteiras contnuas, necessrias consolidao

    de um mercado interno.

    O predomnio dos Girondinos, num primeiro mo-

    mento, acarretou na ormao da Primeira Coalizo euro-

    peia. Reuniram-se Gr-Bretanha, ustria, Prssia, Holanda,

    Espanha, Rssia e Sardenha com pretexto de vingar a de-

    capitao de Lus XVI. A ameaa de invaso estrangeira

    e a possibilidade de contrarrevoluo interna, mais uma

    vez, resultou na interveno dos sans-culottes no curso da

    Revoluo: Girondinos, acusados de traio oram guilhoti-nados e os Jacobinos assumiram a direo da Conveno.

    A poltica radical dos Jacobinos concretizou-se na orma-

    o de um Comit de Salvao Pblica (1793), que es-

    magou a invaso externa e suocou com violncia a con-

    trarrevoluo interna atravs do Terror. O novo Governo

    Revolucionrio instituiu-se como um governo centraliza-

    do, adotando medidas extremas como o consco e a re-

    distribuio dos bens inimigos, tabelamento de preos,

    abolio da escravido nas colnias e elaborao de uma

    legislao social, entre outras.

    A ltima ase da Revoluo oi aberta com o Golpe

    do Nove do Termidor (1794). Robespierre, acusado pelasua poltica excessivamente democrtica e perdendo seus

    principais pontos de apoio, oi deposto e executado. A con-

    trarrevoluo girondina, ou reao termidoriana, conduziu

    a alta burguesia novamente ao poder, que se empenhou

    em estabilizar as conquistas burguesas. Na Conveno, os

    termidorianos procuraram esvaziar o carter de exceo

    dos rgos do Governo Revolucionrio e elaboraram uma

    nova Constituio, a do Ano III (1795), em decorrncia da

    qual se institua o Diretrio. Na verdade, o Diretrio oi uma

    tentativa rustrada de reorganizar uma Repblica Burguesa,

    baseada no regime censitrio. A diculdade de relacio-

    namento entre os membros do Executivo era tamanha

    (o Diretrio oi conado a cinco diretores e o Legislativo

    exercido pelo Conselho dos Ancios e pela Assembleia dos

    Quinhentos), demonstrando a sua ragilidade institucional,produzindo novas reaes internas, como a Conspirao

    dos Iguais, dirigida por Babeu.

    A essa instabilidade interna, agravada pela crise

    econmica, somou-se a problemtica externa. Embora a

    Primeira Coalizo tenha sido vencida pelos ranceses, de

    acordo com os Tratados de Bal e Haia (1795), nos quais

    a Frana recebeu a margem esquerda do Reno, e, a ob-

    teno, pelo Tratado de Campormio, da Blgica (1797),

    os problemas internacionais no estavam solucionados.

    A Gr-Bretanha organizou, em 1798, a Segunda Coalizo

    com a ustria, a Rssia, a Sardenha, o Reino de Npoles e

    a Turquia, pois se sentia ameaada no Egito devido ex-pedio enviada pelo Diretrio regio, comandada por

    Napoleo Bonaparte. Ficava claro alta burguesia rancesa

    que, diante das crises internas e do peso da Gr-Bretanha

    no aliciamento dos Estados continentais, a integridade da

    Frana dependeria de sua ora militar.

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    41 A hegemonia britnica num mundoconservador / 1776-1848

    O chamamento populao, consagrado pelo hino

    da Marselhesa, permitiu criar um grande exrcito de cida-

    dos, comandados por jovens generais leais Revoluo.

    A mobilizao geral permitiu a vitria militar sobre os in-

    vasores e a contrarrevoluo interna, e na perseguio

    aos exrcitos absolutistas, as oras da Conveno oram

    saudadas pelos libertadores nas regies vizinhas como

    Blgica, Holanda, estados alemes do Reno, Sua e norte

    da Itlia, que possuam uma situao semelhante rance-

    sa, especialmente devido abolio do eudalismo e doabsolutismo que acompanhava o exrcito revolucionrio.

    Surgiam as Repblicas irms, calcadas no modelo rancs.

    Contudo, durante o Diretrio, a libertao social passou

    a ser acompanhada da conquista, anexao e explorao

    das regies vizinhas, enmeno que se agravaria durante o

    Consulado e, especialmente, o Imprio Napolenico.

    O Sistema Napolenico: o primeiro desao Pax

    Britannica (1799-1815)

    A burguesia, que ainda no havia conseguido

    usuruir das conquistas revolucionrias, percebia a ne-cessidade de reormar o Diretrio e de deender os seus

    interesses. Para tanto, seria necessrio organizar a ora

    militar sob seu controle. O retorno de Napoleo Frana,

    aps a campanha do Egito, seria o momento para tal

    conspirao. A ascenso de Napoleo no contexto revo-

    lucionrio rancs oi extraordinria e o resultado dessa

    aliana oi o Golpe do 18 Brumrio (ele representava a

    ascenso social do novo sel made man, propiciado

    plebe pela Revoluo, como lembra Hobsbawm). Com

    o Golpe oi estabelecido o Consulado, regulado pela

    Constituio do Ano VIII (1799), aprovada por plebisci-

    to. O Executivo icava teoricamente com trs cnsules,

    mas na prtica todos os poderes estavam nas mos do

    Primeiro-Cnsul Napoleo Bonaparte (Roger Ducos e

    Sieys ocupavam os outros postos). O Primeiro-Cnsultinha um cargo decenal, de reeleio indeinida, que

    mais tarde tornou-se vitalcio. Ele comandava o exrci-

    to, nomeava os membros da administrao, propunha

    leis e conduzia a poltica externa.

    Diante de um Legislativo enraquecido, a reorgani-

    zao judiciria ez-se paralelamente centralizao ad-

    ministrativa e restaurao nanceira (undao do Banco

    da Frana, em 1800, criao do ranco e novo padro mo-

    netrio). A proposta do novo governo era a de promover

    um perodo de consolidao das instituies burguesas,

    estabilidade poltica e ecincia administrativa proporcio-

    nada por um Estado orte. Atravs da promessa de que apartir de ento se iniciava um perodo de paz, Jacobinos

    e Realistas oram anistiados, as boas relaes com Roma

    e com clero rancs oram reatadas (Concordata, 1801),

    embora ainda ossem colocados sob a autoridade civil.

    A Segunda Coalizo oi vitoriosamente encerrada e estabe-

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    42Histria mundialcontempornea (1776-1991)

    lecida a paz com a ustria, em 1801, e com a Gr-Bretanha,

    em 1802. Napoleo deendeu e incorporou denitivamen-

    te na legislao os princpios liberais burgueses, atravs da

    instituio do Cdigo Civil em 1800, promulgado em 1804.

    O Cdigo Civil, talvez a obra mais importante produ-

    zida durante o Consulado, traduzia os anseios da burgue-

    sia, reorando o