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1 Notae Philosophicae Scientiae Formalis, vol. 2, n. 1, p. 1 - 21, maio 2013. Categorificação, Teoria dos Conjuntos e Finitude Edward Hermann Haeusler Departamento de Informática - PUC-Rio [email protected] Luiz Carlos Pereira Departamento de Filosofia - PUC-Rio [email protected] Paulo Augusto Veloso Coppe UFRJ [email protected] Abstract: Finiteness is regarded a rather intuitive concept. There are no reports of problems or paradoxes directly related to it. On the other hand, infinity, its negation, has always been a source of inspiration for paradoxes and conceptual problems. Only in the mid-nineteenth century is that we had know the first precise definitions both of one and the other. Proposals for other definitions of these concepts continue to emerge until the early twentieth century. Among the definitions of one or another concept, it is worth mentioning those due to Peano, Dedekind Tarksi and Kolmogorov. It is known that even in ZFC (Zermelo-Fraenkel with Axiom of Choice) these definitions are equivalent. However, they are not equivalent in constructive / intuitionists theories. This can be partially explained by the use of non-classical negation, but there are models where even with a classical base, such concepts are not equivalent. To undertake a conceptual analysis of these cases, we try to consider them in the framework of Category Theory, more precisely Topos Theory. At the risk of not being much faithful to the development of this theory, we analyze Topos Theory as related to Set Theory, by a process known as categorification. Key words: Finiteness; Categorification; Category Theory; Topos Theory.

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Notae Philosophicae Scientiae Formalis, vol. 2, n. 1, p. 1 - 21, maio 2013.

Categorificação, Teoria dos Conjuntos e Finitude

Edward Hermann Haeusler Departamento de Informática - PUC-Rio

[email protected] Luiz Carlos Pereira

Departamento de Filosofia - PUC-Rio [email protected]

Paulo Augusto Veloso Coppe – UFRJ

[email protected]

Abstract: Finiteness is regarded a rather intuitive concept. There are no reports of problems or paradoxes directly related to it. On the other hand, infinity, its negation, has always been a source of inspiration for paradoxes and conceptual problems. Only in the mid-nineteenth century is that we had know the first precise definitions both of one and the other. Proposals for other definitions of these concepts continue to emerge until the early twentieth century. Among the definitions of one or another concept, it is worth mentioning those due to Peano, Dedekind Tarksi and Kolmogorov. It is known that even in ZFC (Zermelo-Fraenkel with Axiom of Choice) these definitions are equivalent. However, they are not equivalent in constructive / intuitionists theories. This can be partially explained by the use of non-classical negation, but there are models where even with a classical base, such concepts are not equivalent. To undertake a conceptual analysis of these cases, we try to consider them in the framework of Category Theory, more precisely Topos Theory. At the risk of not being much faithful to the development of this theory, we analyze Topos Theory as related to Set Theory, by a process known as categorification. Key words: Finiteness; Categorification; Category Theory; Topos Theory.

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Resumo: A finitude é considerada um conceito bastante intuitivo. Não se tem relatos de problemas ou paradoxos diretamente relacionados com ela. Por outro lado, a infinitude, sua negação, sempre foi fonte de inspiração para paradoxos e problemas conceituais. Somente em meados do século XIX é que tivemos conhecimento das primeiras definições precisas tanto de um conceito quanto de outro. Até o início do século XX, continuaram a surgir propostas de outras definições para estes conceitos. Dentre as definições, de um ou de outro conceito, vale citar aquelas devidas a Peano, Dedekind, Tarksi e Kolmogorov. É sabido que mesmo em ZFC (Zermelo-Fraenkel com Axioma da Escolha) estas definições são equivalentes. No entanto, estas definições em teorias construtivas/intuicionistas não são equivalentes. Isto pode ser parcialmente explicado pelo uso da negação não-clássica, mas existem modelos onde mesmo com base clássica, tais conceitos não são equivalentes. Para proceder a uma análise conceitual destes casos, tratamos de considerá-los no ambiente da Teoria das Categorias, mais precisamente da Teoria de Topos. Mesmo correndo o risco de sermos pouco fieis ao desenvolvimento desta teoria, analisaremos a Teoria dos Topos como relacionada à Teoria dos Conjuntos, via um processo conhecido como categorificação. Palavras-chave: Finitude, Categorificação, Teoria das Categorias, Teoria de Topos.

1.Conjuntos,Categorias e categorificação Esta nota assume a terminologia e algum conhecimento básico da Teoria

dos Conjuntos (TC). O que tomamos como mais básico em TC são as proposições

da forma “a A”, denotando que a é um elemento do conjunto A, e, o axioma

da especificação (comprehension axiom), que permite especificar um conjunto B

A, formado pelos elementos de A que satisfaçam uma propriedade (x), ou

seja, B = {x/x A e (x)}. Assim, nossa análise não favorece nenhuma teoria de

conjuntos específica. A identidade entre dois conjuntos A e B daí que é então

definida como x(x A x B). Assumimos o pressuposto “não há entidade

sem identidade”, explícito em Quine e aparentemente bem aceito na literatura

sobre ciências formais. Dessa forma, como toda entidade é um conjunto, o

critério de identidade entre conjuntos baseia-se na identidade entre seus

possíveis elementos, que, por sua vez, não tem como ser dissociada da relação

de pertinência, que é primitiva. Trata-se aqui de um comprometimento

ontológico bastante rígido. Apesar disso, a matemática usa a TC como uma

linguagem de especificação para seus objetos e relacionamento entre eles. A

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maioria dos enunciados da matemática tem seu significado mais preciso

elaborado na linguagem de TC. Muitos desses resultados são teoremas do tipo

“representação”, que basicamente, demonstram que um certo tipo de objeto é

essencialmente um outro tipo de objeto, em que o relacionamento entre esses

dois tipos preserva um certo número de propriedades relevantes. Por exemplo, o

teorema de Cayley afirma que todo grupo finito é “essencialmente” o grupo de

permutações de um conjunto finito. O significado mais preciso para

“essencialmente” é, de fato, a existência de um isomorfismo. O uso de

isomorfismos, mesmo sendo expressos dentro de TC, demonstra que a

identidade conjuntista é bastante rígida.

Em meados do século XX ([1, 2]), Eilenberg e Maclane desenvolveram a

teoria das categorias (CT), oferecendo uma alternativa ontológica para a

fundamentação da matemática. O objetivo desses autores, entretanto, não foi

propor uma alternativa não conjuntista à fundamentação da matemática. CT foi

criada com o propósito específico de precisar a noção de “natural” em

matemática. Em 1971, Maclane escreve “category has been defined in order to

define functor and functor has been defined in order to define natural

transformation”. A equivalência natural entre categorias C1 e C2 indica que toda

propriedade categórica que vale em C1, vale em C2, e vice-versa. Duas categorias

isomorfas são naturalmente equivalentes. Entretanto, existem casos de

categorias não isomorfas que são naturalmente equivalentes, demonstrando que

o conceito de equivalência natural é mais adequado à CT que o de isomorfismo

(herança de TC). Um exemplo típico é a categoria dos conjuntos finitos e a

categoria dos ordinais finitos. A primeira, por conter todos os conjuntos finitos, é

formada a partir de uma classe imprópria, enquanto a segunda é um conjunto,

não havendo, portanto, possibilidade de isomorfismo entre elas.

Formalmente, uma Categoria é constituída por: (1) uma coleção Obs de

“objetos”, (2) (2) para cada par A, B Obs de objetos há uma coleção Hom(A, B)

de morfismos (“setas”) de A para B, (3) uma operação de composição : Hom(A,

B) Hom(B, C) Hom(A, C), (4) para cada objeto A, IdA Hom(A, A). Além disso,

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as seguintes igualdades valem para todo f, g, h, A e B : (Id) f IdA= IdB f = f;

(Ass) f (g h) = (f g) h. A categoria arquetípica é SET, tendo conjuntos como

objetos e funções entre conjuntos como morfismos. A categoria FINSET é uma

subcategoria de SET, compreendendo conjuntos finitos (objetos) e todas as

funções entre estes (morfismos).

Uma diferença essencial entre TC e CT aparece no modo como ambas

expressam conceitos e construções em SET. TC percebe a identidade entre

objetos da categoria, enquanto CT só tem a igualdade definida para os

morfismos. Quando utilizada em associação com TC, CT oferece mais de uma

forma de analisar construções em categorias. À igualdade entre objetos definida

por TC, CT só pode oferecer a noção mais fraca de isomorfismo. Por exemplo, um

conjunto unitário {a} é igual a outro {b}, somente se a = b. Em CT não é possível

verificar que a = b. SET só oferece igualdade entre funções. O que CT tem a dizer

sobre estes dois unitários é que existe um par de funções f : {a} {b} e g : {b}

{a}, tal que, f g = Id{b} e g f = Id{a}. Ou seja, CT diz que {a} e {b} são isomorfos.

De “dentro” de SET não há como dizer se a é igual a b ou não. Esta verificação só

é possível a partir de um olhar externo. Esta dicotomia interno versus externo é

bem específica em CT. Em geral toda propriedade que vale internamente vale

externamente.

1.1 Propriedades Universais

Em CT toda definição ou construção importante é dada via uma

propriedade universal. Este termo foi provavelmente cunhado por Charles

Ehresman quando desenvolveu o conceito de categoria estruturada ([3]). É

bastante difícil definir este conceito em termos intuitivos, pois sua explicação

nestes termos soa como “metafísica ruim” (*4+). Correndo o risco de não elucidar

completamente esse conceito, podemos dizer que “Se considerarmos todas as

entidades que possuem uma certa propriedade e, existir entre essas entidades

uma que exemplifica de forma absolutamente perfeita essa propriedade, então

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essa entidade é dita ser um universal concreto.” (tradução livre de *4+). Uma

conseqüência dessa definição é que toda entidade que possui uma propriedade

P(x), tem alguma participação no universal concreto associado à P(x). O conjunto

vazio é o universal concreto da propriedade “x está incluído em todo conjunto”.

Em uma categoria C, o objeto inicial é o universal da propriedade “existe um

morfismo f : x a, para todo a obj(C)”. Nem sempre uma categoria possui

objeto inicial. Por outro lado, uma propriedade da forma “todo conjunto está

contido em X” é co-universal, pois, a entidade é que coparticipa da propriedade.

Neste caso o co-universal concreto, relativo a todos os subconjuntos de um certo

conjunto A, é o próprio A. Em uma categoria, o co-universal concreto da

propriedade “existe um morfismo f : a X”, é dito ser um objeto terminal. Em

linguagem usual da CT, um objeto inicial (terminal) em uma categoria C é um

objeto 0 (1) tal que existe um único morfismo ! : 0 a (! : a 1), para todo

objeto a. Nem sempre categorias possuem esses universais.

Vamos usar o conceito de objeto inicial e terminal para definir de forma

mais precisa os conceitos de universal e co-universal, como é feito em [5].

Consideramos um morfismo U de uma categoria A em outra categoria B 1.

Fixamos um objeto X de B e consideramos todos os morfismos g : X U(Y),

onde Y obj(A). Se pensarmos nos objetos de B como protótipos ou abstrações

dos objetos de A, os morfismos g : X U(Y) dizem como X participa das

propriedades dos objetos Y de A. Um universal concreto é então um par (, a),

onde a obj(A) e : X U(a). Para qualquer objeto y A e morfismo f : X

U(Y), existe um único morfismo g : a Y tal que f = U(g) , ou seja, a participa

da propriedade U em y. Podemos provar que (, a) é então o objeto inicial da

categoria que tem morfismos f : X U(Y) como objetos e U(h) : U(Y) U(Z) é

um morfismo de f para f’ se e somente se U(h) f = f’2. Alguns exemplos de

construções definidas por meio de propriedades universais são: produtos

1 Um morfismo entre categorias preserva identidades e composição de “setas” da categoria

origem na categoria destino. Um morfismo entre categorias também é chamado de funtor. 2 Esta categoria é denominada categoria comma (,) e é denotada por X ↓ U.

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cartesianos, produtos tensoriais, ínfimo de uma família de conjuntos, monóides

livremente gerados, grupos topológicos, etc.

Podemos expressar o co-universal como sendo o objeto terminal de uma

construção semelhante à descrita acima. Um co-universal (concreto) para uma

propriedade co-universal V : A B é um par (, a), onde a obj(B) e : V(a)

X. Para qualquer objeto y B e morfismo f : V(y) X, existe um único morfismo

g : y a, tal que, f = V(g), ou seja, y participa da propriedade V em a.

Exemplos de construções definidas por meio de propriedades co-universais são:

união disjunta, co-produto, álgebras co-livres, etc. Os morfismos f : V(Y ) X

dizem como as propriedades dos objetos Y se manifestam em X. O co-universal

concreto manifesta somente as propriedades das entidades que participam de

sua propriedade co-universal. Os co-universais u são definidos por expressões

lógicas da forma x(P(x) !f : x u). O mesmo tipo de fórmula expressa os

universais, sendo a diferença apenas no sentido do morfismo f. O co-produto

categórico de X, Y obj(C) é um objeto X + Y e dois morfismos i : X X + Y e j :Y

X + Y, tais que, para quaisquer Z e morfismos f : X Z, g : Y Z, existe uma

único morfismo h : X + Y Z tal que h i = f e h j = g. Podemos ver que o par

(X + Y, (i, j))33 é o objeto inicial da categoria dos morfismos de (X, Y) no funtor

(X ↓ ), onde (Z) = (Z, Z) e (f) = (f, f), para f : Z Z’.

De forma análoga, o objeto terminal (co-universal) da categoria ↓ (X,

Y)é o produto categórico caracterizado pelo objeto X Y e os morfismos 1 : X

Y X, 2 : X Y Y, com a respectiva propriedade co-universal. Os nomes co-

universal e universal, por vezes, confundem e, por razões de simetria, são

intercambiáveis sob certos pontos de vista. Adotaremos a denominação

universal para ambas as propriedades. Na literatura sobre teoria das categorias

podemos constatar que essas propriedades são determinantes para a maioria

das construções categóricas. O conceito, aparentemente mais geral, de adjunção

também pode ser visto como inicial na categoria U ↓ V, com U : C D C : V.

3 O morfismo (i; j) : (X, Y ) (X + Y, X + Y) está na categoria C C, que tem como morfismos

pares de morfismos de C.

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Na seção 2 este conceito será bastante utilizado. Vale ressaltar que as

construções caracterizadas por uma propriedade universal são naturalmente

definidas a menos de isomorfismo. A seguir apresentamos alguns exemplos de

construções importantes obtidas por meio de propriedades universais (ou co-

universais).

Definição 1. Pullback (ou produto fibrado). Dados dois morfismos f : A C e g

:B C, o produto fibrado de f e g é um objeto D com dois morfismos p :D A e

q :D B, tal que, p f= q g. Para qualquer objeto E, com morfismos h1 :E A

e h2 : E B, tais que, h1 f = h2 g, existe um único morfismo ! : E D, tais que o diagrama abaixo comuta (todas as composições com morfismos que possuem mesmo domínio e contra-domínio são iguais).

Em uma categoria com no máximo um morfismo entre cada par de

objetos, isto é, uma pré-ordem, o produto fibrado de A e B é A B. Em SET, D =

{a, b/f(a) = g(b), a A, b B}. Em uma categoria com objeto terminal 1, o

produto categórico pode ser obtido como o produto fibrado de ! : A 1 e ! : B

1. O produto fibrado é um exemplo de do conceito mais geral de limite finito.

Em termos gerais, um cone é um funtor K de uma categoria finita J em uma

categoria C. O cone limite é então o objeto terminal da categoria K ↓ X. Um

resultado importante sobre produtos fibrados e limites finitos é o seguinte

teorema.

Teorema 1. Uma categoria possui limites finitos para todo cone finito, se e somente se, possui objeto terminal e produto fibrado para todo par de morfismos

f : A C e g : B C.

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Em TC, qualquer f : A B C é tal que f(a; b) = f(a)(b), ou seja, podemos

tomar a função f fixando o primeiro argumento e tendo por resultado uma

função de B em C, para cada a A. Ou seja, a coleção de funções f(a) : B C,

para cada a A. Esta associação é tal que f(a)(b) tem o mesmo valor que f(a, b).

Levando em conta a estrutura interna de uma categoria, isto equivale a dizer que

existe um isomorfismo natural entre Hom(A B, C) e Hom(A;CB), onde CB é o

conjunto das funções de B em C. Em uma categoria arbitrária K, com produto

cartesiano, diremos que ela possui objeto exponencial sempre que, dados A, B, C

K, temos um objeto CB tal que Hom(A, B, C) e Hom(A, CB) são naturalmente

isomorfos. Esse é mais um exemplo de construção obtida por propriedade

universal.

1.2 Categorificação Um mecanismo bastante útil na comparação de CT com TC é

categorificação (termo cunhado por Crane, ver [6]). Categorificar uma definição

ou propriedade expressa na linguagem de TC é encontrar seu análogo em CT.

Esse mecanismo faz com que identidades sejam trocadas por isomorfismos e

equações por isomorfismos naturais. Pode-se verificar, por exemplo, que FINSET

é o resultado da categorificação do conjunto dos números naturais. A união

disjunta e o produto cartesiano são categorificações da soma e do produto de

números naturais, respectivamente. Os toposes são categorias que fornecem

construções que possibilitam que diversos conceitos de TC podem ser

categorificados. Toposes possuem também uma lógica interna, com a qual

propriedades de construções em TC podem ser estudadas do ponto de vista de

suas respectivas categorificações.

O produto categórico é resultado da categorificação do produto

cartesiano em conjuntos, que por sua vez pode ser visto como categorificação

em SET do ínfimo () em reticulados. O processo de categorificar um conceito,

pode ser obtido via interpretação na lógica interna do Topos da sentença que

define o conceito. Por exemplo, o objeto terminal em SET é um objeto unitário. A

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expressão x A de TC pode ser categorificada como x : 1 A, onde x é

confundido com a função x do unitário {} em A, tal que x () = x. Dessa

forma, uma sentença como x1, x2 A (f(x1) = f(x2) x1 = x2), que expressa que f

: A B é uma função injetiva, é categorificada como x1, x2 : 1 A(f x1 = f

x2 x1 = x2). Observamos aqui que x1 = x2 é uma igualdade entre morfismos.

Essa sentença lógica interpretada em CT pode ser vista como a categorificação

da propriedade de injetividade de um morfismo. Em SET, por exemplo, ela é

válida somente quando f é uma função injetiva. Podemos investigar, no entanto,

o que este conceito de injetividade diz com respeito a outras categorias. Seja,

por exemplo, a categoria dos monóides (objetos) e homomorfimos entre

monóides (morfismo). Nesta categoria o objeto terminal é qualquer monóide M

que possua só a identidade, isto é, M= ({e}, ), onde é a operação do

monóide e e sua identidade. Homomorfimos de monóides h : M1 M2 devem

satisfazer h(e1) = e2, onde ei é a identidade do monóide Mi. Daí segue-se que só

há um morfismo x : 1 Mi. A sentença que expressa injetividade, quando

interpretada na categoria dos monóides, é satisfeita para todo homomorfismo

de monóides. Por outro lado, parece interessante verificar se alguma

propriedade expressa somente em termos categóricos corresponde a essa noção

de injetividade. Um morfismo f : a b é um monomorfismo, se e somente se,

para todo par de morfismos h1 : c a, h2 : c a, se f h1 = f h2 então h1 = h2.

Podemos verificar que todo monomorfismo em SET é uma função injetiva. No

entanto, há categorias onde todos os morfismos são monomorfimos. Por

exemplo, seja a categoria Nat, que tem como único objeto, tem N como o

conjunto de morfismos, 0 como a identidade, e + como composição de

morfismos. Nessa categoria todo morfismo k é injetivo, pois n + k = m + k n =

m.

Considere a categoria SETC, onde C é uma categoria. Seus objetos são

funtores F : C SET e seus morfismos são transformações naturais. Uma

transformação natural de um funtor F em um funtor G é uma coleção

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(a)aobj(SET) de morfismos (funções neste caso específico) que fazem o diagrama

comutar para cada a, b SET e morfismos f : a b.

Isto é, G(f) a = b F(f).

Podemos observar que em SETC o objeto inicial é o funtor definido como

0(a) = , para todo a obj(C), e 0(f : a b) =! : . O objeto terminal em

SETC é Um funtor definido como 1(a) = {} e 1(f : a b) =! : {} {}.

Notamos que o unitário {} pode ser qualquer unitário, daí que no caso do

objeto terminal, temos uma infinidade deles, todos isomorfos. A fórmula x(x

V), que expressa que V é um conjunto vazio, pode ser interpretada em

qualquer categoria como x : 1 V . Esta fórmula é verdadeira para funtor 0,

assim como para qualquer funtor F tal que exista a obj(C) com F(a) = . Desta

forma em SETC existem objetos vazios que não são iniciais, o que não acontece

em SET.

Como observamos, nem sempre um conceito quando é categorificado

preserva as propriedades que valem em sua versão mais concreta. A seguir

apresentaremos uma classe de categorias especial, os toposes, que buscam

categorificar de forma uniforme um universo onde se pode expressar conceitos

de forma similar a teoria dos conjuntos. No entanto, como veremos, várias

propriedades não são preservadas em relação ‘a TC.

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2. Toposes: Universos para o discurso matemático A teoria de topos tem suas origens em três abordagens aparentemente

bastante distintas: (1) Generalização da geometria para dar conta da

fundamentação de espaços independemente do conceito de ponto.

Grothendieck foi pioneiro em abandonar a noção de espaço de pontos como

fundamentação do espaço geométrico; (2) Tierney trabalha sobre a noção de

Topos de Grothendieck, definindo o conceito de Topos elementar em termos

topológicos ; (3) Lawvere se utiliza da noção de Topos elementar como uma

abordagem para a fundamentação da Física. O que vale ressaltar é que esses

trabalhos fazem uso intenso de CT. Um topos é uma categoria que possui

propriedades semelhantes a SET. Toposes possuem um objeto (de valores de

verdade), com pelo menos dois “elementos”, Т (verdadeiro) e (falso). Dado um

objeto qualquer A do topos, um morfismo de : A pode ser visto como um

predicado (x : A) em uma linguagem tipada. Como em SET, cada predicado

define univocamente um subobjeto de A. Esta é uma versão localizada (restrita a

A) do axioma da especificação de TC. A seguir apresentamos as definições e

alguns resultados fundamentais da teoria de topos.

Definição 2. Topos Um topos é uma categoria T que possui: (1) Objeto terminal; (2)Produto fibrado; (3) Objeto Exponencial e (4) Classificador de sub-objeto.

A partir do teorema 1 temos que toposes possuem limites finitos. O topos

arquétipo é SET. Neste topos existe o conjunto = { Т, } formado por dois

elementos. O ponto importante de é o fato de qualquer subconjunto B de um

conjunto A poder ser definido por uma função de B : A definida como B(x)

= T, se x B, e B(x) = , se x B. Por outro lado, qualquer função B : A

define univocamente um subconjunto B = {x/ =B(x) = T}. Em uma categoria

arbitrária a categorização do conceito de subconjunto é o conceito de subobjeto.

B é um subobjeto de A se existe um monomorfismo h : B A. tem o papel do

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conjunto de valores de verdade que, contendo necessariamente o valor

verdadeiro (T), é usado para relacionar um predicado (x) sobre elementos x

A, com o subconjunto {x/= (x)} de A. Um classificador de subobjeto é o que

resulta da categorificação do axioma da especificação de TC.

Definição 3. Classificador de subobjeto. Um classificador de subobjeto, em uma

categoria T é um objeto , juntamente com um morfismo T : 1 tal que, para

todo monomorfismo f : B A, existe um único morfismo f : A formando o produto fibrado:

FINSET também é um topos. A categoria dos grafos e dos homomorfismos de

grafos é um topos. Se nos restringirmos a sub-categoria das árvores, ainda temos

um topos. Estes dois últimos toposes são exemplos de um tipo mais geral de

topos, cuja existência está baseada no seguinte teorema fundamental de topos.

Teorema 2. Seja C uma categoria tal que para todo a, b C a coleção Hom(a, b) é um conjunto. A categoria dos funtores de C em SET (SETC) é um topos.

Exemplo 1. No caso em que C é a ordem linear {i/i Nat} com menor elemento 0, podemos ver SETC como o topos dos conjuntos que variam discretamente no tempo. Cada objeto do topos é da forma c(0) c(1) ... c(k) .... Um

morfismo de h : c d é uma família de funções (hi)iNat, tal que gi(i+1) hi= hi+1

fi(i+1). O objeto terminal neste topos é u(0) ! u(1) ... u(k) ! ..., onde cada u(i) é

um conjunto unitário. Seja inc : c d o monomorfismo em SETC cujas componentes4 são inclusões inci : c(i) d(i). Pela naturalidade de inc, temos d(f)

inci = inci + 1 c(f). Portanto para cada i, se x c(i), então d(f)(x) d(i + 1), e,

no caso geral, se x c(i) e i + k = j, Então d(fk)(x) d(j). Como c é um funtor então

c(i) c(j), sempre que i < j. Mas pode ser que exista x c(j) e x c(i), isto é, c “cresceu de tamanho” do instante i para o instante j. O classificador de

4 Lembramos que os morfismos em uma categoria de funtores são transformações naturais.

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subobjeto, neste caso, indica o primeiro “instante” em que x está em c, se tal

instante não existir então isto também deve ser indicado. Formalmente inc(x) =

min({j/x c(j)}) se {j/x c(j)} não é vazio, senão, inc(x) = ∞. Neste exemplo, podemos ver, que o grau de “verdade” de um elemento de d pertencer a um elemento de c (parafraseando em TC) é o primeiro instante j em que este elemento é imagem, via iteradas aplicações de d(f), de algum elemento

pertencente a c(j). O classificador de subobjeto é então (0) t (1) t ... (n)

t ..., onde (i) = {i, i + 1; ... , ∞} e t(0) = 0, t(i + 1) = i e t(∞) = ∞.

Notamos que no exemplo acima Hom(1, ) tem infinitos elementos.

Outro exemplo de topos com infinitos valores de verdade (elementos de ) é a

categoria SET ↓ I de todas as funções com contradomínio I. Para cada função f :

A I temos a família de conjuntos (f-1(i))i I. O objeto terminal desta categoria é

a função IdI, que dá origem a família ({i})iI, que é uma família de terminais de

SET indexada por I. As construções nesta categoria são feitas de forma indexada,

como no caso do terminal. O produto fibrado do par de morfismos k1 : f h e k2

: g h, é formado por produtos fibrados de k1i : f-1(i) h-1(i) e k2i : g-1(i) h-

1(i), para cada i I. O classificador de subobjeto desta categoria é a família ({ T,

}i )iI, portanto, cada elemento de é uma função I { T, }, e, pode ser

definido como : { T, } I I, com (b, i) = i. O elemento T deste é T(i) = (i,

TSET)5.

Os exemplos acima foram apresentados de forma externa. Internamente,

o classificador de subobjeto desses exemplos não compartilha propriedades

importantes de conjuntos infinitos, apesar de externamente terem uma

quantidade infinita de elementos. Johnstone provou ([7]) que em qualquer

topos, se h : é um monomorfismo, então é um isomorfismo. Em TC, ou

seja, em SET, todo conjunto A (objeto em SET) cujas funções de A em A que são

injetivas coincidem com bijeções é um conjunto finito, e somente conjuntos

finitos possuem esta propriedade. Portanto, segundo esta definição de finito e

usando o resultado provado por Johnstone, é finito. No entanto os exemplos

acima mostram que, pelo menos externamente, os respectivos possuem uma

5 Note que fomos obrigados a nomear o T de SET para não criar confusão.

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infinidade de elementos. Verificamos uma certa relatividade na noção de

finitude.

2.1 A lógica interna de um topos

Já dissemos que Hom(1, ) é o conjunto dos valores de verdade que o

classificador de subobjeto pode assumir. No entanto, em TC o uso do axioma de

especificação é facilitado pela existência de operações lógicas que têm

contrapartida em operações de conjuntos. Por exemplo, o conjunto {x/A(x)}

{x/B(x)} é o mesmo conjunto que {x/A(x) B(x)}. Ou seja, para especificar uma

interseção de conjuntos utiliza-se a conjunção das especificações constituintes.

Em toposes isto também acontece, isto é, existe uma lógica que é pode ser usada

de forma harmônica com o classificador de subobjetos e seu axioma de

especificação. Esta lógica é denominada de lógica interna ao topos. Cada topos

possui uma lógica interna específica, entretanto há um denominador comum a

todos estas lógicas, a Lógica Intuicionista.

A primeira observação que fazemos é que todos os conectivos

intuicionistas são definidos no topos.

Definição 4. Lógica Proposicional. Seja Ƭ um topos e seja seu subobjeto

classificador. Podemos definir os conectivos neg, , e a constante , via as respectivas construções mostradas pelos diagramas comutativos abaixo:

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Definição 5. Implicação. A definição da implicação (a b), em termos algébricos

é a b, que por sua vez é equivalente a a b = a. Em um topos arbitrário, esta

igualdade é expressa como o equalizador (um limite) dos morfismos e . Isto é

expresso pelo diagrama da esquerda. Isto é, é o subobjeto de que denota a relação de ordem que define a implicação. Esta, por sua vez, é o morfismo

característico da relação . Os diagramas abaixo descrevem estas definições.

A relação de igualdade é local a um objeto A de um topos. Ela é o

morfismo característico do morfismo (ou subobjeto) diagonal : A A A,

definido como (IdA, IdA) a partir da propriedade universal do produto cartesiano.

Portanto a igualdade local a A(=A) é definida pela seguinte instância do axioma

.

Só resta definirmos as quantificações universal e existencial. Antes porém

vamos ver como é a relação de pertinência categorificada logicamente em um

topos. O diagrama abaixo define A, ou seja, a pertiência local a A, como o

morfismo característico da função de avaliação evA do objeto exponencial A.

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Para expressar as versões locais das quantificações, vamos estabelecer que uma

relação binária R(xB, yA) é qualquer subobjeto de A B, ou seja r : R B A.

Como r é um monomorfimos, então usando o axioma obtemos o morfismo

característico r : B A . Usando a definição de exponencial, sabemos que

existe um único ^r tal que evA ^rA, IdA = r. Por outro lado, xA.R é o caso,

se e somente se, R(xB; yA) é o caso em todo o objeto A. Isto é, r é T em todo o A,

o que equivale a dizer que ^r deve ter o valor denotado por T!^A1. O diagrama

de produto fibrado abaixo especifica o

Finalmente, o existencial local a A é especificado pelo diagrama abaixo:

Assim, como no caso do universal, o predicado é r : R B A, com morfismo

característico r : B A . Nestas condições, yA.R(xB, yA) é definido como A

^r.

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Todo topos possui então uma lógica interna, que pode ser vista como

uma lógica com variáveis tipadas e formadores de tipos. Ou seja, temos uma

lógica de alta ordem tipada. Esta linguagem é por vezes denominada de

linguagem de Mitchell-Benabou, apesar de Lawvere e Tierney terem sido seus

principais investigadores. Em [8] esta lógica/linguagem é denominada de Teoria

Local de Conjuntos. Esta denominação é muito feliz, pois a linguagem é

totalmente local, cada connectivo, quantificador e identidade é local aos tipos de

variáveis, ou aos objetos, relativamente aos quais são definidos. Um exemplo de

uso da linguagem local é quando especificamos o que é ser um monomorfismo:

M ono(𝑓𝐵𝐴

) 𝑕𝐴𝐶𝑔𝐴𝐶 (f h h =𝐴𝐶 g). Note que a variável 𝑓𝐵

𝐴 tem o tipo

BA, ou seja, de um morfimos de A em B. Na seção seguinte, seremos capazes de

entender na Teoria Local de Conjuntos as diversas definições de finito e entender

como elas são interpretadas em um topos qualquer dado. Antes porém, um

lembrete fundamental: O exemplo 1 foi um caso particular de uma construção

geral de toposes. Mostramos o classificador de subobjetos no caso do topos

SETC, com C uma ordem linear com primeiro elemento. Este pode ser visto

como uma álgebra de conjuntos hereditários também. (n) = {m/n m} = [m.

Estes elementos de podem portanto serem entendidos como uma ordem

linear, e a relação de satisfação de uma fórmula atômica na linguagem local é

tal que se [p I= e p q, então [q I= . Ou seja, este topos é de fato um

modelo de Kripke com relação de satisfação monotônica. A forma como os

quantificadores e os conectivos foi definida internamente em faz com que os

conectivos sejam operações (conectivos) conhecidas sobre álgebras de Heyting.

Além disso, os quantificadores têm semântica intuicionista neste modelo de

Kripke. Destas observação podemos afirmar (prova em [9]):

Teorema 3. A lógica subjacente a um topos arbitrário Ƭ é a lógica intuicionista,

ou seja, se I= Int, então Ƭ I= , para qualquer fórmula .

A recíproca do teorema acima não é válida. Basta observar que em SET existem

fórmulas válidas que não são intuicionisticamente válidas, como por exemplo A

A.

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3. Categorificando o Finito

Temos algumas formas de categorificar o conceito de finito.

Complementando o que foi dito no final da seção anterior, vamos expressar o

conceito de isomorfismo: Isso (𝑓𝐵𝐴

) (f h = =𝐶𝐵 f g h =𝐴𝐶 ). Existem

propriedades de conjuntos finitos que a literatura classifica como intuitivas. Este

é, por exemplo, o caso de: (1) A união de conjuntos finitos é finita; (2) O conjunto

dos subconjuntos de um conjunto finito é finito; (3) O produto cartesiano de

conjuntos finitos é finito; (4) Uma função injetiva de um conjunto finito nele

mesmo é sempre uma permutacão. Abaixo listamos 3 definições (alternativas)

para finitude e observamos que elas não possuem todas as propriedades

intuitivas que foram mencionadas.

Definição 6. Dedekind-finito. Em um Topos Ƭ, um objeto A é D-finito se e

somente se f AA(Mono(f) Iso(f))

Temos alguns fatos contra-intuitivos sobre D-finitude: (1) é D-finito; (2)

Existem A, B1 e B2, tais que, A = B1 B2, A é D-finito e B1 não é D-finito; (3) Um

subojeto complementado de um D-finito A é D-finito; (4) Se Ƭ é bivalorado e há

um objeto A em Ƭ que não é D-finito, então Ƭ tem um objeto de números

naturais.

Definição 7. Kuratowski-finito. Em um Topos Ƭ, um objeto A é K-finito se e

somente se z 𝐴

([0 A] z a A({a} z) y Ay’ A((y z

y’ z) (y y’) z) [idA] z)

Considerando K(A) como o subobjeto de A formado somente de

subobjetos K-finitos de A, temos os seguintes fatos: (1) 0 e 1 são K-finitos; (2) Se f

: A B é um epimorfismo e A é K-finito, então B é K-finito; (3) B, C K(A) se e

somente se B C K(A); (4) Se B e C são K-finitos, então B + C e B C são K-

finitos; (5) Se A é K-finito, B Power(A) e B é complementado, então A é K-finito;

(6) X é K-finito se e somente se K(X) é K-finito.

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Um objeto de números naturais em um topos é um objeto N, com

morfismos 0 : 1 e suc : N N que é inicial na categoria dos diagramas 1 A

A. Isto equivale a dizer que N admite definições recursivas (recursão

primitiva). Em um topos que possua objeto de números naturais é possível

definir (por recursão primitiva) a relação como subobjeto de N N. Definimos

[p] ≈ {0, ... ; p – 1}, como o subobjeto de N definido pelo pullback abaixo.

Definição 8. Cardinal-finito Em um Topos Ƭ com objeto de números naturais, A is

c-finito se e somente se A é isomorfo a [p] para algum p : 1 N.

Alguns fatos sobre c-finitude que corroboram ser esta a categorificação

de finitude mais próxima a nossa intuição: (1) [p + q] ≈ [p]+[q], onde o segundo +

é o coproduto categórico; (2) [p.q] ≈ [p] [q] e [pq] ≈ [p][q]; (3) A categoria Ƭcf dos

objetos cardinal-finitos de um topos Ƭ é fechada para produtos, co-produtos,

exponenciais, limites e co-limites finitos em geral; (4) Um subobjeto de um

cardinal-finito é um cardinal-finito se e somente se ele é complementado6. Por

outro, lado, uma consequência de (5) acima é que Ƭcf é um topos booleano, pois

1 + 1 é seu classificador. Pode-se também mostrar que em Ƭcf todo epimorfismo

possui inversa. Este último fato, juntamente com o teorema de Diaconescu7 nos

diz que Ƭcf é clássico.

6 Tem complemento no reticulado dos subobjetos.

7 Todo topos em que o axioma da escolha é válido é um topos booleano, ou seja, a lógica interna

é clássica.

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4 Conclusão Nesta nota observamos como propriedade universais são utilizadas nas

definições em teoria das categorias, e como estas são estabelecidas a menos de

isomorfismos naturais. Apresentamos as definições básicas de categorificação e

alguns exemplos desse processo em relação ao universo matemático da teoria

dos conjuntos. A teoria de topos foi rapidamente apresentada com o objetivo de

servir de ambiente para uma comparação entre as diversas possibilidades para a

categorificação de finito. Com base no que foi observado na última seção desta

nota, podemos concluir que: o conceito de finito, apesar de parecer bem

intuitivo, está: (1) muito associado a uma negação do conceito de infinito

(Dedekind), e que por isso a D-finitude não é uma categorificação estável dentro

de teoria de topos, que possui lógica subjacente intuicionista; (2) uma

categorificação local de finito (Kuratowski), mesmo preservando boa parte das

propriedades intuitivas esperadas, não é estável para união de finitos,

dependendo da lógica interna do topos induzir complementos booleanos para tal

estabilidade; (3) A alternativa global (cardinal-finito) para a categorifcação é a

que mais se aproxima das propriedades mais intuitivas de finitude, entretanto

cardinal-finitude depende da existência de um objeto de números naturais, que

implica em dependência de um objeto intuitivamente infinito por natureza.

Reforçamos então que a terceira alternativa é intimamente ligada a existência de

um objeto infinito para balizar a definição de finito. Considerando todas as

alternativas, parece ser essencial ao conceito de finito alguma conexão ao

conceito de infinito, seja explícita (como em Dedekind), ou implicitamente, via

uso de objeto de números naturais (cardinal-finitude), ou então a adoção, pelo

menos localmente, de uma lógica clássica, como em K-finitude. Não parece haver

uma noção intuitivamente clara do que seja um objeto finito em um topos não-

clássico.

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