benevolo, l. as origens da urbanistica moderna

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As origens da urbanistica moderna Benevolo

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Page 1: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

1. A ARTE COMO OFICIO - Bruno Munar;

2. 0 DESIGN INDUSTRIAL E A SUA EsnTICA - Gillo Dortles3. ARTISTA E DESIGNER - Bruno Munar;4. APRENDIZAGEM DA FOTOGRAFIA� INICIACI\O - Miahael Longford

5. DESENHO DE PERSPECTIVA - Robe" W. Gill6. OESENHO BASICO-As OinAmicas�da Forma Visl;Ial-Maurice de Sausmarez7. PRDJECTAR A CIDADE MODERNA - L. Benevolo. Tommaso Giura Longo ..

e Carlo Melognni . , .' , ,-,,,_;,,_�;,;�:,,,,,,--��'L'::�,;j"��1ii�<";::,_::,\_,>�"HAPRENDIZAGEM DA FOTOGRAFIA- APERFEICO�MENT.o -Miah8elLa!1li'oi:<:li:i"+�� ':"r .. ' .'."FAfolTASIA. InvenQ.B!'I:- ,C;"rialividad�e,:, ImagI�8fi.��,�,�;._,:::,,���,;�:.:����n�:;�i7t����:#�i�-�:?;�.-'-. '.�:;' - ­AS. ORIGEN$.DAURBANISTICA. MODERNA,""'O"8rdc)�Benevolot"-:"''('t,�'''''' " .

.. .'l$�""'":f'�"'�'"-::aJ??;��:

'1.Il;,,=JZ!�!rtC'�_='_ o.o.•(@¥;;*tiQ;;,,?41:tr . ,-

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COLECCAO DIMENsoES

8,

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10.

.1

-/--

LEONARDO BENEVOLO

as orlgens

da urbanfstica

moderna

EDITORIAL PRESENCA L1VRARIA MARTINS FONTES

BRASIL

PORTUGAL

Page 2: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

A republica dos iguais, esse grande

albergue aberto a todos os hornens.

Do Manifesto dos Iguais. 1796.

Titulo original LE ORIGINI DELL' URBANISTlCA MODERNA@ Copyright by Gius. Laterza & FigH - BariTradU/;io de Conccil;8.0 Jardim e Eduardo L. Nogueira

Reservados todos os direitos

para a lingua portuguesa A

EDITORIAL PRESENCA, LOA.

Rua Augusto Gil, 3S.A - 1000 LISBOA

Page 3: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

I. _", " _:.::i&"qff>.,..'"%;y-rw.tzfii.::t(f-7z'fi.....'r�7t'refi'ti-Y --�p T 7" �;., 't" ','me. sog l'tp'fti'TttnnrC1fflitiw-i �._�... --..�------�

�.

PREFACIO

A urbanistica moderna nlio surgiu contemporaneamente aos

processos tee-nicos e econ6micos que deram origem e implicaram

a transfornuu;ao da cidade industrial. mas formou-se posteriormente,

quando os efeitos quantitalivos das transforma�oes em curso se /or­

naram evidentes e entraram em con/lito entre si, lornando inevitavel

uma intervenfBo reparadora.

Ainda hoje a tecmea urbanistica se encontra normalmente

atrasada relativamente aos aconlecimenlas que deveria contralar e

conserva 0 cardcter de urn remedio aplicado a posteriori. Torna-se

por isso importance estudar as primeirar experiencias urbanis/icas

apUcadas 00 ambiente industrial, para descobrir 0 motivo do alraso

{nidal.

o presente ensaio tern 0 prop6sito de por em evidencia, em

primeiro lugar, a dupla origem. teenica e moralista, dessas expe­

riencias, e prop5e-se reconstruir paralelamente os dais tipas de mo.

vimentos dos primeiros refarmadares: as .transforma�oes econ6micas

e sociais que produziram os desequilibrios dos primeiros decenios

do seculo XIX. e as transformaroes da teoria politica e da opiniao

publica, para quem estes desequilibrios id nlia eram aceites coma

uma fatalidade inevildvel, mas se apresentavam coma obstdculos que

podiam e deviam ser removidos.

As primeiras tentalivas para corrigir os males da ddade indus­

trial polarizaram-se em dois casos extremos: ou se defendia a ne­

cessidade de recomefar do principio, contrapondo a cidade existente

novas formas de convivencia ditadas eXclusivamente pela teoria,

DU se procurava resolver os problemas singulares e remediar os

inconvenientes isoladamente, sem ter em canta as suas conexoes

e sem uma vislio global do novo organismo citadino.

Ao primeiro caso pertencem os chamados ut6picos - Owen,

Saint-Simon, Fourier, Cabet, Godin - que nao se limitam contudo

9

Page 4: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

(

a descrever a sua cidade ideal. como Moro. Campanella ou Bacon,

mas se empenham em p6-kJ em pratica; ao segundo caso pertencem

os especialistas e funcionarios que introduzem na cidade os novos

regu/mnentos de higiene e as novas instokJ,Des e que. tendo deencontrar os meios tecnicos e juridicos para levar a cabo estas

modifica,Des. doo efectivamente inicio a modema legisla,oo ur­

banis/iea.

A maior parte destas iniciaJivas, mesmo as aparentemente mais

tecnicas. possuem um fundo ideol6gico faci/mente reconhecive/. que

coincide em larga medida com os prim6rdios do socialismo modemo.

de tal modo que para encontrar noticias des/cs acontecimentos

convem consultar os manuals de hist6ria econ6mica e de his/aria

do socialismo, mais do que os livros tecnicos especializados.

Esta coincidencia s6 e porem verdadeira ote 1848, enquanto

o movimento operario nlio es/a ainda organizado contra os partidos

burgueses; de facto, nas experiencias urbanisticas deSle periodo con­

fluem diversas correntes ideo/6gieas, desde 0 comunismo igualitd,io

de Cabet aD neocatolicismo trances.

Marx e Engels imprimem seguidamente aD movimento operaria

a viragem decisiva, e 0 socialismo marxisla, empenhado em explicar

a revolur;lio de 48 e 0 seu insucesso em termos estritamente p0­

liticos, poe em evidencia as contradir;oes dos movimentos anteriores.

mas perde de vista a interliga,oo entre as instancias politica e

urbanistica, que apesar de formulada de um modo simplista fora

ate ai tenazmente mantida.

De ai em diante. a teoria politica menospreza quase sempre

as investigar;oes e as experiencias sectoriaf!, esjorr;ando-se por absor.

ver, sem deixar residuos, as propostas de reformas parciais na reforma

geral da sociedade, Por seu [ado; a cultura urbanisrica, isolada do

debate politico, configura-se cada vez mais coma uma simples tecnica

ao servir;o do poder constituido; mas nao se torna por isso politi­

camente neutra, caindo sim no dmbito da nova ide%gia conser­

vadora em jormllfao precisamente nesses anos, do bonapartismo em

Fran,a, dos grupos tcrics inovadores em lnglaterra. do imperialismo

bismarckiano no A lemanha.

Daqui deriva a fei,oo agn6stica e subaltema das principais

experiencias urbanislicas posteriores a 48. por tras da qual se esconde

o paternalismo politico da nova direita,

Esta e a tese central do Iivro. que contem ainda uma pista

para 0 debate contemporaneo, As instancias renovadoras da cultura

urbanistica moderna s6 podem efectivamente traduzir-se em realidade

se retomarem 0 contacto com as for,as politicas que tendem para

uma transformar;oo geral analoga da sociedade,

o debate cultural dos ultimos trinta anos ensinou a reconhecer

o conteudo politico virtual das op,Des urbanisticas. mas este reco­

nhecimento manter.se.a apenas no dominio te6rico enquanto vigorar

o conceito da urbanistioa coma um campo separado de interesses,

que deve depois ser rekJcionado com os de natureza politica. 0 que

constitui justamente a heran,a actual da separa,oo entre os dois

termos operada em 1848,

Owen e Chadwick, se bem que apegados a uma ideia primi­

tiva da pkJnifica,oo urbanistica. moslram-nos esta simples verdade:

que a urbanistica e uma parte do politica. necessaria para concre­

tizar qualquer programa operalivo e simultaneamente nao redutive/

as f6tmulas programaticas gerais.

Para me/horar a distribui,oo territorial das actividades huma­

nas e necessaria melhorar as rela�oes econ6micas e sociais de que

dependem essas actividades; por outro kJdo, noo basta me/horar

as rela�6es econ6mfcas e sociais para que as espaciais jiquem auto­

maLicamente corrigidas.

Os tempos e os modos desta acr;1io sao infinitamente mais

complexos do que Owen poderia supor. mas 0 objectivo estabelecido

pela sua utopia continua ainda vdlido para os pIanos urbanistieos

contemporaneas: «Encontrar uma c%ca�lio vantaiosa para todos,

num sistema que permita a continullflio do progresso tecnico de

modo i1imitado».

Na Hist6ria da Atquitectuta Moderna tentei jd uma breve

reconstilui�lio destes acontecimentos. Fui induzido a vo/tar ao dis­

curso de entdo, ndo por uma exigencia dialectica, talvez prematu­

ra, mas devido a algumas experiencias recentes que tornaram ur�

gente a defini,oo de uma nova rekJ>oo entre urbanistica e politica.

e por conseguinle entre plani{ica,oo espacial e planifica,oo socia­

-eeon6mica. Creio, a/em disso, ter indivldualizado a principal fra�

queza daquele discurso, isto e, 0 omisso con/ronto entre os aeon­

tecimentos urbanisticos e arquitectonicos e a profunda transforma­

,!io da conjuntura politica entre 1830 e 1850, e sobretudo a crise

de 1848, 0 esclarecimento dodo nestas paginas rectifica. a meu ver,

inclusive a exposi,oo dos acontecimentos do final do seculo e per­

mite uma me/hor compreenslio dos movimentos de vanguarda de

Morris em diante, Deste modo. toda a Hist6ria da Arquitectura Mo­

derna se poderia rever deste ponto de vista.. sem qualquer melindre

para 0 autor, uma vez aeeile 0 cardcter provisorio de um discurso

hist6rico que entra em Iinha de conta com os prop6sitos operativos

do nosso tempo; isto indica apenas que as candi,Des do nosso tra­

balha mudam a todo 0 momento, exigindo uma continua revisdo

das nossas concep,Des sobre 0 passado recente.

[ 1963]

10 11

Page 5: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

I

A FORMA<;:AO DA CIDADE INDUSTRIAL

A hist6ria da urbanistica moderna e, numa primeira fasc, uma

hist6ria de simples factos: as mudancas produzidas gradualmente pela

revolu��o industrial nas cidades e nos campos s6 mais tarde suclaramente e sao percebidas como problemas, Quando as Quantidades

em jogo se tornam sufIclentemente grandes.

A prlmeira mudan,a declslva e 0 aumento de popula,ao, de­vido a diminui,ao da taxa de mortalidade que, pela primeira vez,

se afasta decididamente da de natalidade'. Este mecanismo de

1 A. populal;io inglesa comer;a a aumentar rapidamentc, a partir de

1760. Os calculos modernos, baseados nos numeros de entcrros e de baplismos,

estabelecem que em 1700 a populat;:io da Inglaterra e do Pais de Gales era

de doco milh6es e meio, e cm 1750 de seis milhoes e meio: mas em 1801,Quando se raz 0 primeiro recenseamento. ja subira para nove milhoes, Cem 1831 paracatorze milh6es. Sabe-se, por outro lade, que a natalidade_ ap6s urn leve aumento nos quatro primeiros decenios do seculo dezoito­se mantem praticamente constanle em todo 0 periodo. corn urn indice vari4velde 36.6 a 37,7 poT mil, e nlo parece que a imigra�io de outros paises tenhasido consistente, mantendl>se certamente inferior a emigrac;io para as colonias.Em contrapartida a mortalidade, alta ate 1740 devido as car�ncias e aoalcoolismo, diminuiu gradualmente de 35,8 por mil no decenio de 1730-40para 21,1 por mil no decenio de 1811.21. Entre as causas desta diminuicao.Ashton enumera a lntrodu�io das culturas de tuberculos, que facilitou acria�io do gado no lnvemo e tornou possivel 0 reabastecimento de came(resca durante todo 0 ano; a substituicio dos outros cereais pelo trigo e 0maior consumo de verduras; 0 melhor asseio pessoal. devido ao maior consumode sablo e de roupa branca de algodio; a substitui�io da madeira peto tijolopara as paredes. do colmo pela ard6sia e pela pedra para os tclhados das casas:a diminuil;a.o dos fabricos industriais que se praticavam denlro das paredesdomesticas; os progressos da medicina e da cirurgia. 0 aumento dos hospitaise dos dispensarios;' a localiza�io mais facional dos dep6sitos de lixo e doscemiterios; 0 melhoramento dos esgotos e dos aquedutos nas cidades (Cr.T. S. ASHTON. Industrial R�l1olution).

13

Page 6: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

;... •.

!

creSGimcnto da meSTe odgem a uma mudam;a da composiciio Jo\J��-OS: era 0 trabalho industrial, sobretudo 0 tcxtil, que desde ha muito

lnterna- aumenta a percentagem da populacao jovem, pela queda � estava organizado nos campos, nos domicllios. dos camponeses. Masa mortalidade infantil-' e t, 0 secular eqUili-t»/Il(» �- a antiga organiza9iio familiar, no ilmbito da qual as opera90es debno as circunstilncias nat 1 ual cada era9ao tendia a <.\ 'PI>. fia9ao, tecelagem e tintura eram realizadas pela mesma familia, que

ocu ar 0 lu ar das recedentes e a repetir 0 seu destino. suces-. L>ir� comprava a la bruta e vendia 0 produto acabado, era demasiado

s,vas geracoes encontram-se numa nova sltua9ao e tern e reso ver i?J--:r--' estatica e improdutiva para fazer face a procura de urn mercadocorn novos meios urn problema desconhecido. _._-... �. em continua expansao; por isso, os comerciantes preferiam fornecer

medida que aumenta 0 numero dos habitantes, muda a sua a materia-prima e receber 0 produto acabado, pagando 0 trabalho

distribui9ao no territorio como efeito das transforma90es economicas. feito por empreitada, podendo as diversas opera90es ser confiadas

As primeiras transforma90es dizem sobretudo respeito a organiza9ao a diferentes grupos de operarios especializados.

do trabalho, criando as premissas para uma mudan9a completa na Esgotadas porem as margens de malor. produtividade facul-

tecnica produtiva, que se reflecte il Sua volta sobre a organiza9ao tadas por este sistema, as exigencias da concorrencia impunham

acelerando 0 desenvolvimento e a eoncentra9ao do novo sistema uma ulterior diminui9ao dos custos e urn aumento das quantidades,

econ6mico. Por este motivo, a mudan9a da distribui9ao da popula9ao tendo estimulado uma serie de inven90es tecnicas que mudaram

provocada pelas primeiras transforma90es organizativas e acentuada radicalmente as condi90es de trabalho.

pelas inova90es t6cnicas, assume 0 caracter de uma verdadeira crise, Os teceloes usavam a maquina inventada em 1733 pelo relo-alterando bruscamente 0 antigo equilibrio entre cidade e campo joeiro J. Kay (fly shuttle), que permitia que cada operario traba-

e cnando novas tensoes que so a longo prazo se poderao reequilibrar. lhasse sozinho no tear sem 0 auxilio de urn ajudante que estendesseMas convem acompanhar ponto por ponto os efeitos das trans- os fios; a produ9ao continuava porem limitada, pela impossibilidade

forma90es economicas sobre 0 povoamente urbana e rural que se de produzir fio em quantidade suficiente, ate que em 1764 0 car-

delinearam em Inglaterra entre 1760 e 1830. pinteiro Hargreaves inventou urn novo tipo de maquina de fia9ao

A veda9ao[enclosurej* das antigas terras comuns em redor das (jenny) que tornava possivel a urn sO operario manobrar mais fios.

aldeias inglesas torna possivel uma melhor utiliza9ao do solo e trans- A jenny e a fly shuttle entraram assim nas casas rurais dos

forma gradualmente os cultivadores directos em rendeiros ou assala- distritos lanigeros e algodoeiros, modificando 0 ritmo de vida de

riados, coagidos a urn nivel de vida for9ado. pouco superior ao minimo cada componente valido da famnia. Mas a quantidade de fio e de

necessario para sobreviver'. A alternativa para este estado de coisas tecido produzido por cada maquina era necessariamente limitada pela

energia que 0 trabalho muscular permitia imprimir; para ir mais

alem era necessario substituir 0 bra90 do homem por urn impulso

rnecanico.

Em 1771, um barbeiro de Preston, R. Arkwright, inventou a

primeira maquina de fia9ao movida a energia hidraulica (water

frame). e em 1775 0 tecelao S. Crompton come90u a experimentar

uma maquina mais aperfei90ada, resultante de uma combina9ao

da jenny corn 0 novo tear a agua.

Estas in,-en90es deram il fia9ao uma vantagem temporaria

sobre a tecelagem, ate que em 1778 0 reverendo E. Cartwright

inventou a primeira tecedeira meclinica; pouco depois, entre 1785

e 1790, descobriu-se uma forma de substituir a energia hidrliulica

recorrendo.il maquina a vapor de Watt, patenteada em 1769.

A industria textil tinha portanto de abandonar a antiga orga­

niza9ao dispersa e concenlrar-se em grandes oficinas onde pudesse

dispor da necessaria for9a motriz, primeiro proximo dos cursos

de agua e depois das minas de carvao, necessarias para alimentar

• Ernparcelamento e veda(:io das terns comuns, que passam a ter pro­

prietario individual [N. T.}.

2 Em 1795. 0 subsidio que a rregucsia devia pagar aos trabalhadores

necessitados roi estabelecido pela Spetnhamland Resolution, determinando queeada ramOia tem direito a urna retribui�io minima, em con{orrnidade corno pre�o do plo, e que a freguesia deve completar 0 sahirio real ate llquele

nivel: «Quando urn peda�o de pio de urn gal30 custar urn "elirn. entio cadahomem pobre e laborioso recebera para a sua subsistcncia tres "elins !:'Cmanais.

ou atraves do seu trabalho e do da familia. ou do subsidio aos pobres. e parao sustento da sua mulher ou de qualquer outra pessoa da familia reeeber! um

"elim e seis pence. Quando 0 mesrno peda�D de pia custar um xelim e quatropence, entio cada homem pobre e laborioso recebera quatro xelios semanais

para 0 seu S'Ustento e um xelim e dez pence para 0 de urn outro membro

cia sua famnia. E assim por diante proporcionalmente ... «(cit. em Th� VillogtLabourer. J. L. e B. HAMMOND, London 1911, p. 139).

Oeste modo, 0 subsidio 80s pobres serviu. ate 1834 - quando 0 sistema

foi abotido- para manter os sal8rios agricolas baixos. assegurando aos tra­

balhadores 0 minima vital mas excluindo Quatquer rnelhoria da sua condi�io.

14 15

Page 7: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

Figura 1: A aldeia de BalseoU (Oxfordshire) em 1768. corn os terrenos co-­

muns dados em coneesslo em pequenos lotes (em T. SHARP, English Panorama).Figura 2: A mesma aldeia ap6s a vedacio [emparcelamento] dos terrenoscomun, (em SHARP).

16 17

Page 8: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

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a maquina de Watt. Por sua vez, a maquina a vapor permitia resolverdefinitivamente 0 problema da elimina�lio das infiltra�oes de aguanas minas, .revolucionando a tecnica de extrac�lio do carvlio etransformando a pr6pria mina numa oficina moderna.

No mesm<> periodo tornou-se de uso comum a inven�lio de

Darby que substituia <> carvlio vegetal pelo coque, na labora�liodos metais ferrosos, e em 1783 H. Cort descobriu a maneira deutilizar 0 carvlio nos processos de pudlagem e de laminagem; a si­

derurgia tornou-se apta a alimentar a industria medinica nascente,

e ate as fundi�oes, como os altos fornos, se deslocaram das regioesde floresta para as regioes mineiras, favorecendo 0 nascimento de

grandes instala�oes de tratamento completo.Assim, consumaram-se durante uma unica gera�lio, entre 1760

e 1790, os progressos tecnicos que tornaram possivel urn aumento

ilimitado da produ�lio industrial'; 0 desenvolvimento das industrias

e a sua concentrar;3.0 em grandes oficinas at'rairam muitas familias

dos distritos agricolas do Sui para os distritos mineiros do Norte

e do Centro, e transferiram-nas das casas isoladas do campo para

os bairros compactos construidos nas proximidades das oficinas; nas­

ceram assim, improvisadamente, novas cidades, e muitas das cidades

antigas cresceram desmedidamente'.

A associa�lio entre industria e cidade depressa se consolidou:

nas novas cidades, que se desenvolveram fora do sistema tradicional 117

dos burgos e freguesjas empresarios e operarios po�Iaos vinculos anacr6nicos do sistema corporativo isabelin"g; os empre� '.sarics contavam corn urna reServa de mao-de-:obra sempre sbun.dante e substituivel, enquanto os operaTios, se bem que cruelmente

explorados pelos novas pat roes, encontravam na cidade uma maiorvariedade de escolha e uma possibilidade de reconhecer-se coma

c1asse, de se organizarem em defesa dos interesses comuns�.

3 A produ�io de ferro passou de 17 000 toneladas em 1140 para

650000 em 1830; a industria do algodio trabalhava em .1164 (quando a jenny

roi descoberta) 8800 000 Jibras peso por ano, que aumentaram em 1115

- corn 0 aparecimento do tear a vapor - para 18 milh6es. em 1810 para

123 milhoes, e em 183Q para 273 milhOes de libr.. (er. C. BARBAGALLO.

Le Origini d�/a Grande Industria Contemporanea. F1oren�a 1951).

... Manchester, que em meados do seculo XVIII era uma aldeia de

12000 habitantes, transforma-se em 1800 numa cidade de 95000, e em 1850

atinge os 400 000 habitantes; entre meados dos anos 700 e dos anos 800,

Glasgow passou de 30 000 para 300 000 habitantes, e Leeds de 11 000 para

170000. Em Fran�a, Mulhouse passou de 10000 habitantes em 1812 para

36000 em 1836, e Roubaix de 8000 em 1816 para 65000 em 1866 (er. P.

LAVEDAN, Histoire de l'Urbanisme, vol. Ill, Paris 1958).

$ As primeiras associa�6es operarias, surgidas coma antitese das cor­

pora�6es tradicionais, incorrem nas praibic;6es da lei francesa de 1191 e da

inglesa de 1800, revogadas respectivamenle em 1813 e em 1824.

Figura 3: Urna parte da perireria de Nottingham. onde 0 loteamenta privado

aeampanha a trac;ado da veda�ia (er. w. C. HOSKINS, The Making of

English Landscape).

18 19

Page 9: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

OfI�&�'>;11>",,&

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--:--=�.�-_:�_.::-.-=-,:::,.;.::.==_::=.. =.::..=::..;;:;.::;.==========.="'�==='-..." ...''''''''-----------�----- --.--_..,--_.---�

Entretanto, devido as exigencias do comercio e especialmente

para 0 transporte das mercadorias pobres e pesadas como 0 carviio

e os minerais ferrosos, foi renovada a rede das vias de comuni.Ca9iio; as incomodas estradas das freguesias foram substituidas depois

de 1745 por novas estradas corn portagem, construidas por corn.

panhias privadas; os estuarios e 0 curso dos rios navegaveis foram

ligados por novoS canais ap6s os anos 60; outras companhias pri.vadas organizaram nas estradas e nos canais urn servi90 regularde diligencias e de embarca90es para 0 transporte de passageiros

e de mercadorias. Em 1767, R. Reynolds constroi 0 primeiro cardl

em ferro fundido para 0 transporte de carviio, e em 1801 entrou

ao servi90 a Surrey Iron Railway, a primeira empresa ferroviaria

para 0 transporte de mercadorias; mas so depois de 1825, a seguir

a inven9iio da locomotiva de Stephenson, se iniciou 0 desenvolvi­

mento dos caminhos de ferro, marcando assim decisivamente os

decenios seguintes.

E em fun9iio da nova: rede de transportes e do movimento

comercial sempre em expansiio que convem interpretar 0 cresci.

mento sem precedentes de algumas cidades, para onde convergiam

as vias comerciais e oode se concentravam as alavancas de comancto.

financeiras e administrativas, da nova economia; no final dos aoes

700, Londres tinha ja urn milhiio de habitantes, e em 1841 estes

eram avaliados em 2235000, superando qualquer outra cidade pre.

sente e passada.

Este conjunto de transforma90es originou a mudan9a de do.

micilio e de modo de vida da maior parte da popula9iio inglesa.

e modificou a utiliza9iio do solo e a propria paisagem. E totalmente

nova a natureza dos fenomenos - a multidiio dos habitantes, 0 nu.

mero de novas casas. a capacidade das novas zonas industriais e

comerciais, os quil6metros de novas estradas e canais, 0 numero de

veiculos que circulam nas esiradas da cidade - e a velocidade dastransforma90es niio tern precedentes: cidades que nascem e duplicam

numa gera9iio, iniciativas especulativas que se concretizam pronta.

mente em estabelecimentos, estradas, canais e minas abertas em

poucos anos na paisagem agreste, altos fornos e chamines apon.

tadas para 0 ceu ao lado das torres das catedrais.

.A cultura politica e economica da opaca 0 tocada nlio tanto

,por �uilo que de novo se coostr6j mas pela queda das estrutura'i

.tJjdlclonals, e teoriza sobretudo a oposiciio aos vinculos e institujsw

-9,ue impedem a Jjvre expansio das novas inicia,tivas.

Os reformadores politicos usam a critica r,;;;on"l para demoliros privilegios do absolutismo, da hierarquia social, do dirigismo eco­

nomico, e enquanto estudam corn cuidado as garantias do cidadlio

Figura 4: A aldeia industrial de Sunny Brow, Durham (em SHARP).

20 21

Page 10: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

1,1

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,

contra os abusos da autoridade, deixam na sombra 0 tipo de orga­

niza9iio do novo Estado, concebido de preferencia coma urn espa�o

vazio onde 0 individuo e 0 poder publico se confrontam directa­

mente, abstraindo de qualquer estrutura intermedia que perturbe essa

rela9iio: a realiza9iio do ideal democratico parece de facto condi-� I>.S fJ'III.'IJ,) �IAcionada a absor9iio de todas as «sociedades parciais» pela «republica» <ps T�l<"-S .so"""" A

soberana'. �"""Y'" E!>""'�.

Esta posiciio tearica, enquanto cp!oca em primeiro pIano os \.'V�.'> � ",,\>OM S"problemas politicos gerajs e cooStilucjooajs, menospreza os pro. f-Eb1Q.iNe� 0. 1'lZ.O�

I or anIzativos sectoriais ou redu-' -es dos po;.. ....e<>S NAS b""� "1lIC,

enunciados te ncos geralS. /off), 'l�� �.s-Qualquer dlhculdade encontrada, relacionada corn a sobrevi-"", ''fi'�I�p..I(N).

vencia de alguma institui9iio tradicional, favorece a forma9iio de

teorias que excluem qualquer forma de interven9iio publica nesse

sector. Durante a fome de 1797, Malthus enuncia a sua leoria da

popula9iio, demonstrando a inutilidade de qualquer lei para a ass is-

tencia aos pobres, e em 1817, durante a depressiio do pas-guerra.

Ricardo publica 0 seu tratado de economia politica defendendo a

aboli9iio dos impostos e das alfandegas.

Assim, enquanto 0 pensamento liberal consegue levar a re­

m09iio das velhas restri90es legais e consuetudinarias - 0 que na

Europa e na America se realiza quase completamente entre 1776

e 1832 - as cidades e os campos permanecem praticamente privados

de controlos urbanisticos adequados.

A parte mais progressiva da cultura econamica e politica

persuade os governos e a opiniao publica a nao interferirem, e

porlanto a nao reconhecerem os problemas derivados das transfor­

mac;oes em curso no territario; desacredita e enfraquece os metodos

tradicionais de controlo urbanistico, sem propor outros metodos em

alternativa, . do pelo contritrio nesta materia uma absurda

extensiio d laisse� laire (Adam Smith aconselha 0 governo a liber-

rose as propne a es do Estado para paga.r as dividas).

Os arranjos urbanisticos barrocos, sobretudo algumas realiza­

90es da corte da primeira metade dos anos 700, antecipam as vezes

de modo sugestivo a dimensiio espacial da cidade moderna (podemos

imaginar as alamedas de Versailles transformadas nos boulevards de

uma cidade do final dos anos 800, do mesmo modo que a forma

radiada desenhada pelos jardineiros reais nos Campos Elisios vira

de facto a constituir 0 tra9ado da Etoile haussmanniana), mas man-

tern-se de facto estranhos a dimensao temporal que condiciona assim

doravantc, e decisivamente, 0 novo ambiente urbana.

I Bta e a terminologia de Rousseau no seu Contrat Social de 1762.

22

SCOTLAND

INGLATEARA E GALES

Princtpels CII'I&is • rios

no Inicio do lI6cuIo XLX

......-! 10 Jl .. .,

Figura 5: A rede de rios e canais navegiveis ingleses em 1800 (cf. E. L.

BOGART, Historia Economica do Europo).

23

Page 11: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

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Figura 6: Vista de uma cidade calolica em 1440 (cf. A. W. PUGIN, Con­trasts, 1836)

A cidade antiga mudava assim tao lentamente que podia a

qualquer momento considerar-se imutavel por tempo indefinido. Con­

ceber uma pra�a. urn quarteirao DU uma cidade inteira significava

impor-Ihe, de uma vel para sempre, uma forma arquitect6nica

precisa, dotada de margens suficientes para absorver sem modifi­

cac;:5es os previsiveis crescimentos futuros; por outras palavras. signi.

ficava aplicar a uma realidade em movimento lentissimo a maior

aproximac;;ao passivel de uma imagem de facto invariavel.

Mas esta aproximal'ao toma-se cada vez mais dificil a medida

que aumenta a velocidade das transformac;6es, enquanto a cultura

liberal destroi a confianl'a na iniciativa autoritaria, da Qual depende

a possibilidade de levar a cabo, corn coerencia, este tipo de ope­

ra,ao. Por isso, a partir de meados dos anos 700 - enquanto a ar­

quitectura alingia por si propria 0 maximo apuramento no planea­

menta dos espac;os monumentais e na sua harmonizal;3o corn a

paisagem ur:bana OU natural - diminui a coerencia executiva e a

capacidade de actuar duradoiramente, corn semelhantes meios, no

tecido da cidade.

Nas pral'as reais de Paris. a regularidade arquitectonica e

obtida impondo uma fachada uniforme a muitos edificios inde.

pendentes. Mas Luis XIII. que completa em 1609 a realiza,ao

da Place des Vosges. reserva para si proprio a propriedade dos

dois pavilhOes axiais. Sob 0 reinado de Luis XIV, Mansart constroi

(entre 1685 e 1699) apenas as fachadas da Place Vendilme e da

Place des Victoires. que sao vendidas aos proprietarios dos terrenos,

contribuindo eles proprios para a construl'ao de alguns edificios

circundantes, que foram executados em nipida sucessao. Para

24

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Figura 7: Vista de uma cidade cat6lica em 1840 (em PUGIN).

Luis XV, Gabriel constroi igualmente apenas as fachadas dosedificios de cabeceira da Place de la Concorde. e as dos ediiiciosao longo da Rue Royale (1755-63), mas os edificios da retaguarda

so foram complerados muilos anos depais. Finalmente, quanto a

Rue de Rivoli, os arquitectos de Napoleao I, Percier e Fontaine,

fomeceram em 1805 apenas 0 desenho das fachadas, que os cons­

trutores individuais se comprometiam a executar.

Analogamente, muitos dos mais admirados arranjos do final

dos anos 700 em Inglaterra - 0 Circus e 0 Royal Crescent de

Bath (J. Wood, 1764 e 1769), as celebres squares londrinas de

Bloomsbury (I775-1827), e mais tarde Regent's Street em Londres

(1. Nash, 1812) - <;onsistem numa arqJljtect"ra uniforme sobreposta

a yma multidio de casas independentes: a simetria e a unidade

de ers ectiva Assam d meios de controlo estrutural a meios

oatrolo aisa istic 0 re rnamento e a elegancia destes ul-

timos produtos da tradll'ao classica encobrem a separal'ao agora

total relativamente aos problemas da nova cidade, e impedem de

facto qualquer contacto entre esta tradi,ao e 0 ambiente que se

vai formando por efeito da revolul'ao industrial.

, Enquanto a grande burguesia londrigna se reune nos ambientesrequintados de Bedford Place e de Russel Square, os miseniveis

bairros orientais crescem compactos, sem pausa nem esperanc;a.

Rapidamente, a sua extensilo e os seus inconyenientes higjCnjc?s

Q,yseram em crise rode e cidade e foj necessaria conceber de ralz

UJDa nova metodp!ogia urbanistica sem qllaisqller ligacQe�oJll

'a antLl!3.-

25

Page 12: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

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Figura 8: Paris. Place Vendome (vista do piano de Turgot. 1737). A prar;a.

foi projectada por Mansart entre 1685 e 1699. em honra de Luis XIV. mas

a panir de rinais de 1677 0 arquitecto associara-se a outros Hnanceiros para

adquirir e lotear os terrenos circundantes. Quando .os tccrenos Coram postos

i venda. Coi estabelecido que t(os compradores dos terrenos fronteiros i pra<;a

tomar-se-io proprietarios das fachadas que Sua Majestade rizer construir. e

poderio adquirir a extensao desejada. desde que nio seja inferior a duas

arcadas. Os compradores dos terrenos em redor da prac;:a e das ruas que a

circundam nio terao de pagar quaisQuer direitos por esta aquisi<;ao. salvo

os direitos senhoriais devidos aos anteriores proprietarios. segundo 0 decreta

do Conselho de Estado de 2 de Maio de 1686».

:::

Figura 9: Paris. Place de la Concorde (em R. AUZELLE. Encyclopedie de

rUrbanisme). Gabriel projectou em 1755 a decorac;:io da prac;:a, dedicada a

Luis XV. corn os arranjos ajardinados do lado das Tulherias e dos Campos

Elisios. a perspecliva para 0 Sena do lado do Palicio Bourbon. e as fachadas

dos dois edificios na embocadura da Rue Royale. As fachadas foram cons­

truidas peLa autoridade cornunal e postas a venda do scguinte modo: «A Mu­

nicipalidade encarregar.se-a da constrUl;ao das grandes fachadas na prac;:a e

da sua continuaclo para asruas: 0 terreno sobre ,0 qual se encontram tais

fachadas continuara a pertencer aos respectivos proprietarios, corn as fachadas

que a municipalidade cedera nas seguintes condic;:oes: 350 liras por braca

de coluoata. 300 por brac;:a de fachada de pedra. 250 por braca da continuacao

pelas ruas, com servenlia de passagem no pOrtico. que sera calculada para

tal em um quarto do valor do terreno» (1. INSOLERA. A spetti del Paesa.ggia

Urbana di Parigi. em «Urbanistica», n.' 32. p. 2l).

26 27

Page 13: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

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Figuras 10 e 11: Bath, Queen's Square e 0 Royal Crescent (em AUZELLE).

John Wood iniciou a sua actividade de arQuitecto e empreiteiro em Bath,

precisamente corn 0 complexo de Queen's Square. Arrendou 0 terreno em

1724, par 99 aoos, e subarrendou os totes por 98 anos, deixando ao criterio

de cada um 0 interior dos edificios, mas impondo fachadas uniformes. A ope­

ra�io roi repetida mais tarde no Royal Circus e, por seu filho John Junior, no

Royal Crescent (1769), Corn maiores dimensoes e exigencias arquitect6nicas

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Page 14: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

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Figura 12: Paris, Rue de Rivoli. A fachada foi desenhada per Percier eFontaine. ern 1806. e imposta a todes os ediricios do !ado setentrional da ruB.

Neste casa, a municipalidade farneceu apenas urn desenho, deixando a in i­

ciativa privada lodos os encargos da construc;io.

Figura 13: Londres. os arranjos concebidos por John Nash para a Principe

Regente (em H. R. HITCHCOCK, Architecture. Nineteenth and Twentieth Cen.

turies). Nash iniciou 0 projecto em 1812. para valorizar urn grande terreno

de propriedade da Coroa; entre 1820 e 1830 foi fcito 0 parque publico - 0

Regent's Park - corn as casas circundantes. enquanto era aberta a nova rua

dc acesso a Picadilly Circus - Regent's Street - atraves de urn populosa Quar­

teirlo. Nash construiu alguns dos ediricios em redor do parque e da rua,

actuando ainda coma empreiteiro privado, enquanlo em 1813. na qua­

lidade de Superinlendente geral. teve a possibilidade de coordenar as iniciativas

dos outros empresirios e dos outros projectistas.

Nash teve a cotaboracio de Humphry Replon para os arranjos ajardi­

nados. 0 conjunto de Regent's Park compreende ainda algumas vivendas

seohoriais isoladas e dois agregados de cottages. algumas em estilo c1assico e

oulras em estilo Tudor; as casas construidas ao longo dos lerTenOS perifericos

sio destinados i Brande burguesia, enquanto as casas ao tongo de Munster

Square sio acessiveis aos rccufSOS da clas.o;e media, e lodo a complexo e

servido por um mereado localizado Da margem oriental.

Assim. 0 parque e concebido quase coma urna cidade ideal. idnica

e abstracta. alheando-se dos verdadeiros problemas da cidade que se iam

agravaoda naqueles anos, como Chadwick se esforcava por demonstrar.

3031

Page 15: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

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11

A EPOCA DAS GRANDES ESPERANCAS

(1815 -1848)

Quando em Junho de 1815 chega a Inglaterra a notieia da

vitoria de Waterloo, 0 alivio pelo final da guerra foi rapidamente

superado pelas preocupa90es relativas iI situa9ao intern.. agravada

par muitas dificuldades que 0 sucesso militar deixava inalteradas.

o velho Jorge III estava louco e as suas fun90es eram exer­

cidas pelo corrupto Prineipe Regente. A politica externa era dirigida

pelo frio e impopular CasUereagh, que sete anos mais tarde se sui­

cidaria perante a indiferen9a e a hostilidade dos seus concidadilos.

As despesas da guerra tinham causado uma progressiva infla<;ao,

duplicando quase 0 custo de vida entre 1790 e 1813; agora, 0 final

das restri90es de guerra colocava em crise quer 0 monop6lio dos co­

merciantes ingleses nas rotas oceanicas, quer 0 monop6lio dos agri­

cultores ingleses no abastecimento do mereado interno. 0 Parla­

mento, dominado pelos proprietarios fundiarios, preparava-se para

aprovar a infausta lei proteccionista sobre 0 trigo que iria transferir

para os consumidores, e indirectamente para 0 custo da mao-de-obra

industrial, os encargos da crise agricola. 0 medo da Revolu9ao

Francesa transformara muitos conservadores Huminados, coma Burke,

em pregadores da violencia, e induzira 0 governo a reprimir corn

desusado rigor qualquer manifesta9ao nao conformista.

Entretanto, a revo!u9ao demografica e industrial transformara

ja radicalmente a distribui9ao dos habitantes no territorio, e as

33

Page 16: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

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o capital investido sO podiam portanto ser aumentados reduzindo

os custos e baixando 0 mais possfvel 0 nive! das constru90es. Para

alem disso, a maioria das casas openuias de Manchester, de Leeds,

de Birmingham e dos suburbios de Londres fora construfda durante

as guerras napole6nicas, quando a madeira importada dos pafses

balticos come9ava a escassear, a mao-de-obra da constru9ao civil

se tornara mais dispendiosa e sobretudo as taxas de jura sabre 0

capita! aplicado iam subindo, mantendo-se altas ainda durante multos

anos ap6s 0 final do conflito. As condi90es do tempo de guerra

contribufram pois decisivamente para piorar a .qualidade dos novas

bairros.

Corn tudo isto, e provavel que as casas ocupadas pelas fami­

lias operarias nas cidades nao fossem piores, consideradas uma a

uma, do que as casas do campo de onde essas mesmas familias

provinham em grande parte.

As paredes eram construidas em tijolo em vez de madeira,

e os telhados em ard6sia ou em pedra em vez de colmo; os quartos

cram mais acanhados, mas sem 0 estorvo e a poeiea das ffiaquinas

fiandeiras domesticas; os sanitarios estavam ausentes ou eram igual­

mente primitivQs em ambos os casos.

A diferen9a e, em contrapartida, evidente, se se considerarem:

- os problemas derivados das rela90es reciprocas entre as

casas e os outros edificios, no corpo compacta da cidade industrial;

- a mudan9a de atitude dos habitantes relativamente aos in­

cornados que sao constrangidos a suportar.

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IFigura 14: Glasgow, uma casa superapinhada ainda existente em 1948 (do

dournal» do Royal Institute of British Architects, 1948).

carencias dos novos locais de fixa<;ao come<;avam a manifestar-se

em larga escala, na ausencia de providencias adequadas.

As ramilias que abandonavam 0 campo e aFluiam aos aglome­

rados industriais ficavam alojadas nos espa90s vazios disponiveis

dentro dos bairros antigos. ou nas novas constru,oes erigidas na

perireria, que depressa se multiplicaram formando bairros novas e

extensissimos em redor dos nucleos primitivos.

A constru9ao das novas casas ou a adapta,ao das existentes

era obra de especuladores privados - os ;erry builders - e, devido

ao jogo da concorrencia, a qualidade dos alojamentos, tal como

o valor dos salarios ou a extensao dos horarios de trabalho na oricina,

era quase em toda a parte a pior que as familias operarias estavam

dispostas a suportar. Os alugueres podiam variar apenas dentro de

Iimites muito estreitos, nivelados pelo mfnimo compativel corn a

sobrevivencia dos vendedores de for9a de trabalho; os lucros sobre

. As carencias higienicas relativamente suportaveis no campo

tornam-se insuportaveis na cidade, pela contiguidade e 0 numero

enormissimo das novas habita90es.

Enquanto cada casa tinha muito espa90 a sua volta, os de­

jectos Ifquidos e s6lidos podiam ser eliminados corn facilidade, e

as diversas actividades que se realizavam ao ar livre - cria,ao dos

animais, trafego dos peoes e dos carros, os ;ogos das crian,as­

podiam processar-se sem interrerirem demasiado entre si. Mas agora,

o adensamento e a extensao sem precedentes dos bairros operarios

tornam quase impossivel 0 escoamento dos detritos; ao longo das

ruas correm. os regos dos esgotos a descoberto, e qualquer recanto

arastado esta cheio de amontoados de imundfcies. Nos mesmissimos

espa<;os, promiscuamente, circulam os carros e os peoes, vagueiam

os animais, brincam as crian<;as.

3435

Page 17: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

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Os bairros de habita�o sao construldos preferencialmente pr6­

ximo dos locais de trabalho, pe10 que as casas e as oficinas ficam

amilido em contacto, alternando-se sem qualquer ordem e pertur­

bando-se mutuamente. As oficinas impregnam as casas de fumo,inquinam os cursos de agua corn residuos, enquanto 0 trafego

industrial e penosamente tolhido pelo trafego residencial.

Este quadro ca6tico vai sendo continuamente alterado pelo

dinamismo dos seus pr6prios factores: as oficinas transformam-se

e arnpliam-se, as casas sao demolidas e reconstruidas, as orlas da

cidade avan�am para 0 campo sem se ordenarem num equilibrio

definido.

Eis a classica descri�ao de Manchester feita por Engels em

1845, utilizando muitos dados dos inqueritos e dos estudos efectua­

dos nos decenios precedentes:

{Na cidade velha] as ruas. mesmo as melhorcs. sao estreitas e lor.

tUQsas, as casas sio imundas, velhas, a cair, e 0 aspecto das ruas laterais

e absolutamente horriveL Chegando a Long Millgale peta Igreja Velha. tem.se

logo A direita urna nia de casas antiquadas. nas quais nem urn. 56 das paredes

frontais se maoleve de pC: s10 os restas da velha Manchester pre.industrial.

cujos antiges habitantes se transreriram com os sew descendentcs para bairros

melhor construidos, abandonaodo as casas, que para eles se tioham tornado

demasiado miseraveis, a urn. casta de operarios rortemente mesclada de sangue

irlandes. AQui encontramo-nos realmente num bairro Quase manifestamente

openirio, vista que nem as lojas nem as tabemas se dio ao trabalho de

mostrarem urn pouco de asseio. Mas isto ainda nio e nada comparado corn

as vielas e os pitios que se estendem par detras, e aos quais ilpenas se chega

por meio de estreitas passagens cobertas atraves das quais nao passam nem

duas pessoas ao lado uma da outra.

E dificil imaginar a mistura desordenada das casas, escarnecendo de

qualquer urbanistica racional, 0 seu apiohamento, de tal ordem que se en­

contram literalmente em cima uma das outras. E a culpa oio e somente

imputavel aos edificios sobreviventes dos velhos tempos de Manchester: em

tempos mais recentcs a confusio roi levada ao maximo. pais onde quer que

houvesse urn bocadinho de espaco entre as construc;Ocs da epoca precedente

continuou-se a construir e a rernendar, ate arrebatar entre as casas a ultima

unha de terreno livre ainda suscepdvel de ser utilizado. A prova�lo. apre­

sentamos uma pequena pane da planta de Manchester; nio e sequer a parte

mais chocante e n10 representa nem urn decimo de toda a cidade velha.

36

-;--- .._--_._----- -...

Extensio • anln de 1&Q I!i!!!!!I de 1&Q a 1920

D_e_ tPChe.-

_ ""'"" ....... --Unhe .....

o de 1920 • 1940

� CanallNIitimo

Figura 15: 0 crescimento de Manchester (em P. GEORGES, L�s Yille�).

37

Page 18: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

--

Figura 16

terrificantc das condi�6es deste patio naqueles tempos. Desde entaa, parece

que al8uma coisa Coi demolida e reconstruida; pelo rrienos, da Ducie Bridge

vCem�se ainda atgumas parcdes em ruinas e altos mont6es de entulho ao

lado de casu de construcao recente. A vista desta ponte - dclicadamente cs.

candida dos mortais nio muito altos por um parapeito de pedra e cal da

altura de urn homem - e em geral caracteristica de loda a zona. Em baixo

carre. ou melhor, estagna 0 Irk, urn rio estreito. escuro. fedorento, cheio

de imundicies e de detritos que atira para cima cia mat"gcm direita, mais

plana: corn 0 tempo seea. esta margem fiea coberta de repugnantes pocas

lamacentas, esverdeadas. de cujo (undo saem cootinuamentc ate A 5uperficie

bolhas de gas (elido que difundem urn mau cheiro intolerivcl ate para quem

est! sabre a pante, quarenta ou einquenta pes aeima do n{vel da 'cua. Para

a16m disso, a eada passo 0 rio 6 interrompido por altos diques, dentro dos

quais se depositam e apodreeem em grandes quantidades 0 lodo e os detritos.

Acima da ponte fieam grandes oficinas de curtumes, e mais acima ainda

tinturarias, moinhos para pulverizar ossos e gasOmetros. cujos eanais de escoa­

menta c detritos desembocam todos no Irlc, que recehe ainda 0 contel1do dos

esgotos e latrinas vizinhos. E facit imaginar, partanto, qual a natureza do!

dep6sitos que 0 rio eneerra. Aos pes da ponte vc..se 0 entulho, a imundicie.

a sujidade e as ruinas dos pAtios que dio para a ingreme margem esquerda;

as easas sucedem-se imediatamente umas as outras e, devido a inclina.;lo da

margem, consegue ver-se urn bocado de cada uma: todas negra.. do fuma.

desfeitas, velhas, COrn os caixilhos e os vidros das janelas em peda.;os. 0 fundo

6 constituido por velhos estabelecimentos industriais semelhantes a quart6is2.

[ •.. JA cidade nova estende-se depois da cidade velha, sobre uma colina ar­

gilosa entre 0 Irk e St. George's Road. Aqui desaparece qualquer fisionomia

de cidade; filas de isoladas casas ou grupos de ruas encontram�e dispersas

aqui e acola comopequenos aglomerados, sobre 0 desnudado terreno argiloso

onde nema erva cresce; as casas, ou ante!:, as cOl/ag�s. encontram-se cm

estado degradado, sem nunca tcrem sido reparadas, sujas, corn quartos em

caves humidas e insalubres; as ruas nio sic pavimentada� nenl po$Suem

canais de escoamento. mas albergam inumeras col6nias de porcos, fechados

em pequenos pa:tios e chiqueiros ou percorrendo Iivremcnte a encosta. Estas

ruas sio tio I.macentas que somente quando 0 tempo est' muito seco se

tem alguma possibilidade de as atravessar sem afundar os pes ate ao tomozelo

a cada passo. Nas vizinhanc;as de St. George's Road, as i1has de casas tomam-se

mais densas, e deparamos corn uma serie interminavel de caminhos, becos,

ruelas secund'rias e patios, cada vez mais numerosos e desordenados a medida

que nos vamos aproximando do centro da cidade. Em compensa.;ao, tomam-se

mais frequentes as ruas pavimentadas ou pelo menos corn passcios calcetados

e canais de escoamento; mas a porcaria e as carencias das ca�, particular.

mente as caves, mantem-se exactamente as mesmas.

E oportuno fazer aqui algumas observal;Oes de canicter geral sabre

o tipo de construl;oes pr6prias dos bairros operanos de Manchester. Vimos

como na cidade velha foi na maior parte das vezes 0 acaso a presidir ao

agrupamento das casas. Cada casa e construida sem qualquer preocupa.;ao

corn as restantes, e os recantos livres entre as casas recebem, a faIta de outro,

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Este esbo<;o e suficiente para caracterizar 0 urbanismo absurdo de todo 0

bairro, particularmente na vizinhan�a do Irk. A margem meridional do Irk i

aqul muito ingreme e corn uma altura entre quinze e trinta pes; sobre este in­

greme declive estio construidas na maior parte das vezes tres filas de casas. a

mais baixa das quais se ergue quase imediatamente sabre 0 rio, enquanto a fa­

chada da mais alta se encontra ao nivel das colinas de Long Millgate. Aa 10ngo

do rio estio ainda intercaladas fAbricas: tambem aqui as constru.;oes sio portanto

apertadas e desordenadas, tal como na parte inferior de Long MiIlgate. A direita

e a esquerda, uma quantidade de passagens cobenas conduzem da rua principal

aos numcrosos p.hios, entrando nos quais se depara corn uma revoltante

imundicie que nia tern igual, panicularrnente nos patios virados ao Irk. que

contSm as mais horrendas habita.;6es que eu alguma vez vira. Num destes

patios, mesmo it entrada, onde termina a passagem coberta. exisle uma latrina

privada de porta e tio imunda que os moradores, para entrarem e sairem

do patio. tern de atravessar uma po.;a lamacenta de urina putreracta e de

e:tcrementos que a circunda. E 0 primeiro patio junto ao Irk. por cima de

Ducie Bridge, se alguem liver vontade de 0 ir ver; em baixo, sob re 0 rio.

enconlram.se numerosas fabricas de curtumes, que empestam toda a zona

corn 0 fedor da putrefac.;ao animal. Nos patios por baixo de Dude Bridge

de9Ce.se alem disso por escadas estreitas e sujas. e s6 atravessando montaes

de escombros e de imundicies se consegue chegar as casas. 0 primeiro patio

por baixo de Ducie Bridge charna-se Alien's Court, e durante a c61era encon­

trava.se' em condi.;6es lais que a policia sanitaria teve de 0 desimpedir. limpar

e desinfectar corn clora: 0 doutor Kay faz numa ,sua publica.;ao1 um relato

J. P. KAY, The Moral and Physical Condition of the Working Clauer.

Employed in the Cotton Manufactur� in Manchest�r. London 1832 [Nota

de EngelsJ. 2 F. ENGELS, A Situa900 da Clasu Operaria em Inglaterra (1845),

38 39

Page 19: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

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o nome de patios (courts). Nu partes mais novas deste e lloutros bairros

operirios. construldos nos primeiros tempos de norescimento da indUstria.observa-se um maior esforeo de sistemati%aC&o. 0 espaeo entre duas casas� dividido em pAtios mais regulares, ha maior parte de forma quadrada,aproximadamente do sesuinte modo:

.....

�Rua

Figura 17

dispostos assim de enliada e aos quais se tern acesso das rou atraves depassagens cobertas. Mu se a disposieio do lodo, privada de urn piano, erajs. nociva para a saude dos habitantes porque impedia a ventilacAo, este modode encerrar os operarios em patios cereados de construe6cs por todos os ladose-o ainda muito mais. 0 ar nio tern qualquer possibilidade de sair de 1&;as proprias chamines das casu constituem, ate se acender 0 lume. a unicavia de escape para 0 ar viciado dos patios. A isto vcm juntar-sc ainda 0 factode as casas em volta destes patios serem Da sua maioria duplas, unidas duasa duas pela parede posterior, 0 que e ja de si suficiente para impedir uma boaventila;io. E na medida cm que a polieia nio se ocupa das condieoes destespatios, polo que tudo aquilo quc para la e arremessado ai pode permanceertranquilamente, nio e caso para near admirado COrn a porearia e os mont6csde cinzas e de imundicics que neles existem. Estive em patios - nas proximi.dades de Millers Street - que se eneontravam pclo menes a meio pC abaixodo nivel da rua, e que nio possuiam 0 mfnimo canal de escoamento paraas aguas que ai se concentram durante as chuvas! Em tempos mais recentespassou-se a urn outro modo de construeio, que agora se tomou geral.

As c:ottag�s opc:rarias ja nlo slo construfdas isoladamente, mas quase sempreAs duzias, ou verdadeiramente aos montaes, construindo urn s6 empreiteireuma ou mais ruas A volta. A disposi�io � entia a seguinte: urn !ado � eons­titufdo por cottag�s de primeira fila. muito .rortunadas por possuirem umaporta traseira e urn pequeno pitio, e pclas quais � pedido 0 aluguer maiselevado. Por trts do muro dos patios destaS cottdg�S fica uma estreita ruela,a via secundaria (back stn�tJ. que � obstrulda por c'onstrue6es nas duas extre.midades e na qual desemboca uma estreita viela ou uma passalem coberta.As cotta,�i que dio para esta ruela secundaria pagam urn aluluer menordo que as restantes, e em leral sio as mais dcseuradas. As suu paredesposteriores sio comuns com a terceira fila de cottdges. que por sua vez dio

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para a rua do lade Op05to e pagam um aluguer inferior ao da primeira fila,

mu superior ao da segunda. Eis pais, aproximadamente, a disposieao das ruas:

....

T"" ...,., 101"

do .,....

Fila cetllfal

....

Figura 18

Corn este sistema de constnu;ao, a ventila�o das cottages da primeira

rHa e bastante boa. e a das cottages da terceira fila nio � pelo menas piar

do que a das constro;5es correspondentes do velho slstema; mas a fila central

e mal ventiIada, pelo menas tanto como as casas dos patios. e a rua secunc4aria

e suja e s6rdida. nio menas do que OS' pr6prios patios. Os empreiteiros pre.

ferom cste sistema de constru�io porque economiza esp8!;O e pennite explorar

ainda mais os operarios melhor pagos, mediante os alugueres mais clevados

das cottages da primeira e da tcrceira fila. "Em toda a Manchester se encontramestes tres tipos de cottages, DU melhor, cm todo 0 Lancashire e York.shire,

frequentcmente misturados, mas na maior parte das vezes bastante separados.

o que permite deduzir a idade relativa dos varios bairros citadinos. 0 terceiro

sistema, 0 das ruas secund6rias. predomina decididamente no crande bairro

opcnirio a Este de St. Geotie's Road, dos doj$.. Iados"'de Oldham Road e de

Great Ancoats Street, e � tam�m 0 mais difundido nos outros bairros

operAnos de Manchester c dos seus suburbios.

No arande bairro ja mencionado, conhecido pelo nome de Ancoats, O$tio

situadas ao longo dos eanais a maior parte das grandes f'bricas de Manchester,

edificios eolossais de seis a sete andares, que corn as SUBS chaminis altaneiras

sobranceiram as pequcnas cottages opedrias. Por isso a populat;io do bairro

c principalmente constitufda por opcr.6.rios fabm e, nas ruas piores, por te­

cel6es manuais. As ruas mais pr6ximas do centro da cidade slo as mais

antigas. e portanto as piores, mas mcsmo assim lageadas e providas de valetas

de escoamento: entre cstas contam.se as paralelas mais pr6ximas de Oldham

Road e de Great Ancoats Street. Mais para 1.6.. na direeeio Nordeste. existem

algumas ruas de construe1o nova; aqui as cottdges enfilciram-se Iimpas e

polidas, corn portas e janelas novas e envemizadas de fresco, e as divis6es

intcriores hem caiadas; as pr6prias ruas sio mais arejadas. corn espa!;os livres

maiorcs e mais frequentes. Mas isto reporta-se apenas a uma parte e nio a

maioria das habita�6es; ao que vem ainda somar-se 0 facro de em quasc

todas as cottdgel existirem caves habitadas. de muitas ruas nio serem pavi­

mentadas nem providas dc valetas e. oobretudo, 0 facto de este aspecto limpo

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Page 20: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

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nie passar de aparancia. Aparencia essa que nlo dura mais de dez anos.

De facto, a estrutura das pr6prias cottates nio c menas reprovavel do que

a disposi�lo das ruu. De inicio, todas se apresentam limpas e s61idas. as

suas paredes macic:as de tijolo enchem a vista, e percorrendo urna destas

ruas opcrtrias, de construcao recenlc, sern ler em conta as ruas secundArias

au sern observar melhor a constrw;ao das pr6prias casas. nac se podc deixar

de partilhar a afinnacao dos industriais liberais de que em pane alguma os

operarios se encontram tao hem alojados come cm loglaterra. Mas, olhaodo

urn pouco mais de perto, va-se que as paredes dcstas collages sio 0 mais

fdgil que � passivel consti'uir. As paredcs exteriores. que swtem a cave, 0

andar t�rreo e 0 telhado tern, no maximo. a espessura de urn tijola, de tal

modo que em cada estrato horizontal os tijolos se encontram unidos pelo

lado mais comprido: mas tenho visto muitas cottages da mesma altura - e

algumas ainda cm construc;ao - nas quais as paredes exteriores tinham apenas

a espessura de meio tijolo, e em que os tijolos cram portanto aplicados nao ao

largo mas ao comprido. unindo-se 8ssim uns 80s outros pclo lado mais curto. Isto

acontece em parte para poopar material, e em parte tambem porque a� em­

preiteiros nao sia os proprietarios do terreno mas, segundo 0 costume ingles,

tern-no alugado por vintc, trinta. quarenta. cinquenta ou ate por noventa anos,

decorridos os quais retorna ao antigo proprietario corn tudo 0 Que sobre ele

se encantra, sem que estc ultimo tenha de rcembolsar seja 0 que for pela

constru�io erguida. Por isso 0 arrendatario constr6i 'os edificios de tal modo

que, no fim do praze eantratual. estejam 0 mais passivel privados de valor;

e na medida em Que essas cottages sao frequentemente construidas apenas

vinte ou trinta anos antes de tal data. e facit compreender que os emprei­

teiros nao estejam interessados em fazer corn etas grandes despesas. A isto

vem juntar.se 0 facto de estes construtores, na sua maioria pedreiros, car.

pinteiros ou industriais, gastarem pouea ou nada em repara�oes, em parte

para nao diminuirem os rendimentos provenientes dos alugueres, e em parte

tambem porque se avizinha 0 momento da restituic;io do terreno onde se

erguem as construc;oes; e a tudo isto vem ainda somar.se 0 facto de. devido

as crises comerciais e � consequente falta de trabatho, fiearem frequente.

mente ruas inteiras desert as, caindo as cottages rapidamente em ruinas e

tornandl?se inabitaveis3.

suas exalac;6es e escurecida e adensada por uma duzia de chamines; urna

massa de mulheres e de crianc;as mattrapilhas circulam pelas imediac;Ocs, sujas

coma os porcos que se deleitam nos mont6es de cinzas e nos lameiros; em

suma, toda a ZOna apresenta urn aspecto talvez mais desagradavel e repug.

nante do que os piores pAtios junto ao Irk. A ra�a humana que vive nestas

cottages a cair, por tras de janelas partidas e remendadas corn tela, por tras

de portas desconjuntadas e de caixilhoS' podres, ou nas caves humidas e

escuras. no meio de toda esta porcaria sem limites e deste mau cheiro, numa

atmosfera que parece propositadamente fechada, esta raca humana deve per.

tencer realmente ao mais baixo degrau da humanidade; esta e a impressao

e a conclusio que somos constrangidos a tirar tio 56 pelo aspecto exterior

do bairro. Mas que dizer ao tomar conhecimento de que em cada uma destas

casitas, que contern no maximo dais quartos e as aguas-furtadas, e quando

muite ainda uma cave, habitam em media vinte pessoas, ao saber que emtoda 0 'bairro existe uma unica latrina - naturatmente, na maior parte das

veze� impraticavel- para cada 120 pessoas. aproximadamente. e que nao

obstante todas as advertencias dos medicos, nao obstante a agitac;ia provocada

na policia sanitaria na Cpoca da c61era pelas condic;6es da «Pequena Irlandu,

ainda hoje, no ano da graca de 1844, as condi�6es se mantem quase as

mesmas de 18)1? 0 dautor Kay relata que nio somente as caves mas tambem

os andares t�rreos de todas as casas deste bairro sio humidos; que nurnerosas

caves, inicialmente aterradas, pOUCD tempo volvido foram de novo dcsobstruidas

e sio agora habitadas por irlandeses; que numa cave cujo pavimento $e en­

contrava abaixo do nivel do rio, a tgua brotava continuamente por urn buraco

subterraneo tapado corn argila. peIo que D inquilino. urn teeelae manual,

era obrigado a esvaziar a sua cave atirando a agua para a rua4,

Eis efectivamente a descri,ao de urn bairro de collagesdegradado:

Engels de.screve os casos piores e nao a media. Todavia, a sua

recolha de situa,oes-limite e justilicada na medida ern que a opiniao

publica ja nao as considera admissiveis, independentemente da sua

difusao estatistica. Aqui reside 0 verdadeiro m6bil das denuncias

literatias contemponineas e das sucessivas ac,oes reformadoras.

Os inconvenientes do ambiente pre-industrial eram entendidos

como urn destino inelutavel; existiam desde tempos imemoraveis e

pareciam - pelo menos no horizonte de cada gera,ao - substancial­

mente imutaveis.

Ern contrapartida, a cidade industrial e urn facto novo, surgido

num tempo limitado sob os olhos das mesmas pessoas que Ihe

suportam os inc6modos. E urn facto singular, perturba os habitos

e a capacidade de compreensao dos contemporaneos, mas parece

tudo menos fixo e inevitavel. Ainda nao se encontrou urn sistema

razoavel para comrolar os seus processos, mas parece natural que

a inventiva do homem e a lor,a das maquinas, tal como otiginaramesta realidade, possam tambem mudar-Ihe 0 curso.

Ern todas as epocas existiram miserias equipaniveis e talvezmesmo mais graves do que as de;critas por Engels e polos outros

Numa depressio bastante profunda. rodeada em semicircuto pelo Medlocke em todos os quatro lados par ahas fabricas e altas margens cobertas deconstruc;6es e areas terrapIenadas, estao cerea de 200 cottages reunidas emdois grupos. na sua maior parte corn a parede posterior comum duas a duas,e nas quais habita urn total de cerea de 4000 pessoas, quase tadas irlandesas.As cottages sio velhas. sujas e do tipo mais peQueno, as ruas sio desiguais.cheias de buracos e em parte nio pavimentadas e sem valetas. Imundicies,detritos e lama nauseabunda estlo dispersos por todo 0 Jado em enormesquantidades, no meio de Iameiros permanentes; a atmosfera e empestada petas

Op. cil. Op. cit.

42 43

Page 21: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

.-;l!f-

fi $' f It' escritores' dos prim6rdios do seculo XIX, e e possivel contrapor asI � . � r,(, suas descri�oes outros escritos mais antigos que repetem quase lite-

. �:::: raImente a mesma coisa; foi 0 que fez Barbagallo, citando textos. de Vauban (1698), de Boisgui1lebert (1697) e de Mereier (1783)'.

<t: De facto, a diferen�a na� reside nas coisas descritas, mas no tom

'If .�as descn�oes: EnsEe e resl naao na c re-mdustrial, e__�gQra<;i carrega 0 e revo a e ummado. oia obstante a grande mlseria� � 'do presentc, pets conhanca Dum fntut:o nu:lhor.

� ,A pobreza condicio snpt>rtada ha securos sem c$P.eranca

� At alternativas razoaveis - e Ignea rcconbecida coma «miseria», _q,!�!,

tl> dizer, 6 vista na perspectiva moderna de um mal que pode e deve!l.> - ser elimmado com os melOS a disposi�ao.

� j\ • A. Bevan escreve: «Por mlsena entendo uma conseiencia geral,Q i de priva�oes nao necessarias - e esta e a condi�ao normal de

milh6es de pessoas na moderna cidade industrial- unida a um

profundo sentimento de desilusao e de insatisfa�ao pela situa�aolocal actual. De nada serve replicar que as coisas sempre estaomelhor que outrora. As pessoas vivem no presente, na� no passado.o descontentamento nasce do contraste entre a .'5cr paSSJve e 0 gue cfec lvamente eXlsle Ha a unjversal J:-ius1ilicad�

. conviccio de Que a ,rBode massa de hQmcn� e mulheres se encontra

Eior do que poderia estan'.

Convem portanto buscar as origens do urbanismo moderno

na epoca em que as situa�oes de facto se concretizaram em medidasufieiente para provocar nao somente 0 mal-estar, mas tambem 0protesto das pessoas nelas envolvidas; aqui 0 discurso hist6rico deve

ser necessariamente alargado das fonnas de povo.mento il proble­

ffiatica social da epoea, mostrando 0 correcto posicionamento daurbanistica moderna coma parte da tenlativa em curso para es­

tender a todas as classes os beneficios potenciais da revolu�ao indus­trial. e pondo • claro de uma vez por todas a inevitavel implica,aopolitica inerente ao debate tecnico.

Nao e por acaso que se da precisamente em Manchester, em1819, 0 primeiro incidente importante que inaugura os conflitos so­ciais do seculo XIX: 0 epis6dio de Peterloo.

A politica repressiva do governo levar. as associa,oes openiri.se os radicais extremistas a pore m-se de acordo. Os operarios liam

..__ ... _�----- -'---._--�_ ..

o «Policial Registef» de Cobbett, que desde 1816 era vendido a

dois pence. e 0 governo respondia mobilizando polieia e exercito,

ordenando pris6es preventivas, fazendo suspender as seculares gar.n­

tias do habeas corpus.

A 16 de Agasta de 1819 - conta Trevelyan - fai autorizada para 0

campo de S. Pedro. em Manchester, a rcuRiao de urna multidio ordenada

e desarmada de 60 000 homens, mulheres c crian�as; mas dcpois, as autoridades

encarregadas da vigilancia, alannadas i vista de uma tal mullidao. maodaram

a miUcia a cavalo prcnder 0 orador, 0 conhecido radical Hunt. oa sltura em

que a rcuniao atingia 0 augc. Quando os militares. embrenhando--se entre a

multidio para cumprirem a missio. Coram vaiados e repelidos, as autoridades

ordenaram i. cavalaria de rcscrva que carrcgassc. 0 embatc empurrou a densa

massa de sefCS humanos praguejando e gritaodo para tora do campo, enquanto

a miHcia, formada por partidArios tories, brandia os sabres corn l05tO. Nos

recontros desse dia. pelo menos onze pessoas foram mortas ou morrerarn

na sequeneia de ferimentos; mais de uma centena ficou ferida pelos sabres

e varias outras centenas foram colhidas pelos cascos dos cavalos ou safram

maltratadas da rixa. 0 numero de mulheres feridas elevou-se a mais de uma

eentena1•

Este episOdio rapidamente sensibilizou a imagina�ao dos con­

temporaneos, que 0 baptizaram corn 0 nome de «batalha de Peterloo•.

A hist6ria corroborou esta apreci'\,ao, e em todos os manu.is 0

nome de PeterIoo vem lado a lado, corn significativa simetria, corn 0

de Waterloo, re.l,.ndo 0 contraste entre 0 esplendor d. politica

externa e a obscuridade d. politica intern •.

Os contemporaneos foram sensibilizados nao pela natureza dos

factos nem pela crueldade das autorid.des responsaveis, que ceder.m

ao panico e nao propriamente a urn piano pre-estabelecido, mas pelo

sentimento de inutilid.de no comportamento das duas partes, .mbas

aparentemente bloqueadas num impasse sem saida.

A autoridade, adoptando uma posi,ao de for�a, na� podiaesperar qualquer resultado duradouro razoavel (a hist6ria inglesa

tornara desde ha tempo impossivel governar com tais meios); e os

manifestantes, por sua vez - os moradores das vielas e dos patios

descritos por Engels - eram movidos par uma revolta element.r.

ainda priv.da de perspectivas de aC\Oao definidas.

Cobbett inventara um termo significativo, a coisa, «par. de­

sign.r 0 conjunto de ministros, de traficantes eleitorais, de jubil.dos.

de senhores, de eclesiasticos, de industriais que acorrentavam, tir.­

nizavam e sangravam a Inglaterra»"; e contra uma imagem deste

I

� C. BARBAGALLO, Le Origin' del/a Grande Industria Con/tmpo­ranea, eit. cap. XIX.

• Cit. in «11 Mondo», 20 de Dezembro de 1960.

1 G. M. TREVELYAN. British History in Nineteenth Century and

After (1922).

y Op. cit�.

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Page 22: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

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I

tipo e que era dirigido 0 protesto dos manifestantes de Peterloo,\ ainda incapaz de apontar para objectivos precisos.

- A constatacao dos males da cidade industrial e 0 protesto dos \�,N 1'1seus hab.tantes pcrfiIam-sc pais, por agora, OHm vano jdeoJ6&icoque deixa a- sociedade dos primeiros decenios do seculo XIX mo- 1J'O'IQ.s ��mentaneamente privada de instrumentos para corrigir esses males t>(- "P\:.--JJSAlZ '"'�Jrulltauca: msuflctentes e desacreditados os anUgos instrum,<-ntos, P,-",,*� 0ainda nlQ ca@cteIiiados os novas. v�

;loravante trata-se de enc t v uma serie de

iniciatlvas In IVI ua,s de propostas, de Jeis capazes de saldar-sepor uma nova e coercnre experi,;;ncia' de caractcrjzar uma a uma

�s relcoes da «coisa». para ca.nsc.guir muda-la. .

o urbanismo moderno nao e apenas uma tentativa para re.­

presentar visualmente este fen6meno, transferindo-o para a organi­

zaeao dos espaeDS, mas intervem concretamente como um dos facto-res que cooperam na construeao de uma comunidade democratica.

A urbanistica perde assim a posieao de aparente distanciamentodos conflitos sociais, mantida ate entao a sombra do poder absoluto,e perde inclusive a aparente capacidade para regular com caracterdefinitivo, do alto, 0 equilibrio do povoamento; apresenta-se, maismodestamente, coma uma das tecnicas necessarias para definir esteequilibrio; nao insiste ja numa forma perfeita a realizar a partida,mas numa serie de modificaeoes parciais, num compromisso razoavelentre as for'Yas em jogo, a renovar continuamente de acoedo corno seu movfmento recfproco.

No periodo entre 1815 e 1848 - de Waterloo a revolueaoaeFevereiro - os aspectos tecnicos e os aspectos politicos da pesquisaurbanistica apresentam-se fortemente Iigados e quase incorporadosentre si.

Este e um aspecto caracteristico da cultura da epoca: bastararecordar 0 caso de Bentham, 0 filosofo radical que empenhou osmelhores anos da Sua vida e uma boa parte do scu patrimonio nava tentativa de realizar 0 seu «pan-optico», uma prisao modelo cons­truida de lal modo que um so carcereiro pudesse ver todos os pri.sioneiros atraves de um sistema de espelhos, sem ser visto por eles.

A facilidade Com que eram associados argumentos tecnicos eideologicos em urbanistica parece-nos hoje desconcertante e ingenua,na medida em Q.ue resulta de uma avaliacao imperfeita das foreasem jogo e dos obstaculos reais a superar, e que virao gradualmentea clarificar-se nos periodos sucessivos. Todavia, esta capacidade deassociaeao mantem-se ainda fortemente sugesti.va, e testemunha aunidade ideal subjacente as diversas experiencias urbanisticas doseculo XIX, encaminhadas apes 1848 num sentido consideravel­mente divergente.

46

c.��.t>�

• - ,,<;;\) QP>

�tJP>

Por isso este periodo- que quanto aos efeitos das realizacoes

concretas pertence antes a pre-historia do urbanismo moderno - e

pelo contrario rico de assomos metodologicos tanto mais significativos.

Torna-se finalmente claro 0 duplo caracter, cientmco e mora­

Iista, da urbanistica moderna; delineia-se a combinacao particular de

motivos que distingue tao claramente a aCeao responsavel dos seus

promotores, da accao subalterna ou Iiterariamente evasiva dos artistas

de uma epoca, e que pode ser descrita atraves das palavras de Brecht:

//

desdem e tenacidade, conhecimenlO e rebeliio

compreensio do panicuIar e do geraIl,

Neste ambito existem du�s linhas de aCeao, que por agorase apresentam claramente divididas: a que aborda os problemas da

urbanistica moderna partindo de urn modelo ideologico global, que

e apresentadn em alternativa a cidade existente e que se procura

realizar experimentalmente longe desta, ou entaD a que parte das

exigencias tecnicas individuais, ligadas ao desenvolvimento da cidade

industrial, e procura corrigir os seus defeitos isolados.

Ambas tendem a convergir e integrar-se, pois as tentativas

para realizar os modelos teoricos levam a teoria a confrontar-se

corn a realidade, enquanto as providencias para resolver os pro­

blemas tecnicos isolados trazem a luz a interligaeao entre os di­

versos problemas, e finalmente 0 problema unitario da planifi­

cacao territorial.

Por isso, a nossa exposieao sera dividida em duas partes:

na primeira falar-se-a das utopias do secula XIX - as de Owen,

de Saint-Simon, de Fourier e de Cabet - e das experiencias para

po-las em pralica; na segunda examinar-se-ao as experiencias te6ricas

que a1teraram 0 equilibrio tradicional da utilizaeao do solo, e intra-

Figuras 19 e 20: 0 Pan.6ptico de Bentham.

, B. BRECHT, A Unh. de Condur. (1932).

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Page 23: Benevolo, L. As origens da urbanistica moderna

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"

duziram portanto a exigencia de um novo equilibrio calculado_ Como

veremos, as principais iniciativas nao partem das grandes obraspublicas, mas dos multiplos inconvenientes de ordem higienica da

cidade industrial, que dependem de uma combina�ao de muitos

factores e requerem uma legisla�ao que rapidamente se estende do

campo sanitario ao campo mais geral da urbanistica.

48 49