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Co-design de ambientes online para promover a participação dos cidadãos Co-design of online environments to foster inhabitants’ participation Hanauer, Rodrigo; Mestrando; Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos [email protected] Remus, Bruna; Mestranda; Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos [email protected] Franzato, Carlo; PhD; Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos [email protected] Resumo O artigo visa discutir o uso de estratégias de co-design aliadas às tecnologias de informação e comunicação, para promover cenários digitais de acesso, inclusão e participação dos cidadãos. Para tanto, estuda-se o caso do projeto PortoAlegre.cc, desenvolvido no âmbito de uma parceria entre iniciativa pública, iniciativa privada e universidade. Palavras Chave: co-design, plataformas online, cenários, participação, internet 2.0 Abstract The paper aim at discuss the use of co-design strategies allied with information and communication technologies, to foster digital scenarios of inhabitants’ access, inclusion and participation. For this, it is studied of the PortoAlegre.cc project, developed within a partnership between academia, industry and government. Keywords: co-design; online platforms; scenarios; participation; web 2.0

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Co-design de ambientes online para promover a

participação dos cidadãos Co-design of online environments to foster inhabitants’ participation Hanauer, Rodrigo; Mestrando; Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos [email protected] Remus, Bruna; Mestranda; Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos [email protected] Franzato, Carlo; PhD; Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos [email protected] Resumo O artigo visa discutir o uso de estratégias de co-design aliadas às tecnologias de informação e comunicação, para promover cenários digitais de acesso, inclusão e participação dos cidadãos. Para tanto, estuda-se o caso do projeto PortoAlegre.cc, desenvolvido no âmbito de uma parceria entre iniciativa pública, iniciativa privada e universidade. Palavras Chave: co-design, plataformas online, cenários, participação, internet 2.0 Abstract The paper aim at discuss the use of co-design strategies allied with information and communication technologies, to foster digital scenarios of inhabitants’ access, inclusion and participation. For this, it is studied of the PortoAlegre.cc project, developed within a partnership between academia, industry and government. Keywords: co-design; online platforms; scenarios; participation; web 2.0

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10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA).

Introdução O cotidiano dos grandes centros urbanos é marcado por aspectos como o aumento da

densidade populacional, desenvolvimento sustentável e busca por qualidade de vida. Tais questões apresentam-se como desafios caracterizados pela incerteza em relação ao futuro desses sistemas complexos (GÜELL, 2006; LUHMAN, 2010). A construção de cenários futuros, baseados em relações de causa e efeito, surge como instrumento capaz de diminuir a imprevisibilidade em relação ao futuro, dando suporte à tomada de decisão estratégica (SCHWARZ, 1996; VAN DER HEIJDEN, 2009; REYES, 2011).

O design pode contribuir nesse processo, fornecendo conhecimentos e competências para a construção de cenários que estimulem o desenvolvimento de projetos colaborativos para a sustentabilidade e o bem-estar social (MANZINI, 2003; MANZINI, JÉGOU, 2004). Esses cenários têm por objetivo, por um lado, promover a interação com a população ao longo do processo de construção do futuro das cidades, aumentando a participação popular, por outro lado, tensionar o modelo mental nos processos decisórios, ampliando a perspectiva futura. A inclusão de atores externos às estruturas políticas promove a transparência dos processos decisórios e valoriza a participação daquele que vivencia a realidade que está sendo debatida, o cidadão. Essa participação constrói uma interação projetual que acentua aspectos como colaboração, engajamento e participação, características fundamentais de um processo de co-design (RIZZO, 2009).

Este processo, no entanto, requer ferramentas que realizem a mediação do processo. Para tanto, o meio digital, a partir da web 2.0 (O'REILLY, 2005; JENKINS, 2006), possibilita o desenvolvimento de plataformas interativas que promovem o contato entre os atores envolvidos. O objetivo deste artigo é discutir como os projetos de co-design estão modificando o modo como as pessoas interagem umas com as outras e com a cidade onde vivem, a partir da perspectiva de um ambiente aberto.

Este artigo é resultado do trabalho de um grupo de pesquisa que investiga a valorização do território e as formas de ampliação da participação social através de processos em rede. O foco do estudo em projetos especificamente colaborativos permitiu que se percebesse que a maioria destes projetos são desenvolvidos com o uso de plataformas online. Deste modo, a real interação entre usuários do espaço público não se encerra durante seu uso, mas continua através de interação virtual, prolongando sua extensão física (IACUCCI, KUUTI, 2002). Para representar o estudo desenvolvido, será apresentado nesse artigo um projeto colaborativo que acontece na cidade de Porto Alegre e que foi desenvolvido pela empresa Lung em parceria com a Unisinos – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, o projeto PortoAlegre.cc.

Sistemas Complexos, Incertezas e Cenários

Alguns sistemas são caracterizados pela sua complexidade. A economia, as organizações, as cidades, o ecossistema e até mesmo o clima apresentam características que Güell (2006) atribui a ciência da complexidade, relacionada pelo autor à capacidade auto-organizativa e a natureza adaptável destes sistemas. Como características básicas dos sistemas complexos, Güell destaca que 1) não há como entender todo o sistema a partir de uma análise individual de um dos componentes; 2) os sistemas complexos apresentam dinâmicas não lineares; 3) possuem a capacidade de adaptação e transformação em resposta a mudanças ocorridas no seu entorno; 4) a adaptação requer a existência de variedade no sistema; 5) os sistemas se transformam de modo nem sempre previsível. Deste modo, observou-se também que tais sistemas são caracterizados pelo risco e pelas incertezas em relação aos acontecimentos futuros.

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Relacionado às incertezas, Van der Heijden (2009, p.121) identifica três categorias diferentes: 1) riscos, quando há precedentes que permitam estimar prováveis acontecimentos; 2) incertezas estruturais, quando não há evidências suficientes que suportem cadeias de raciocínio sobre eventos futuros; 3) impossíveis de acontecer, quando não se pode imaginar o acontecimento.

Em meio a esse contexto de complexidade, improbabilidade e risco, o desafio que se impõe é, justamente, encontrar maneiras de reduzir as incertezas em relação ao futuro. Sendo assim, a utilização de cenários construídos a partir de relações de causa e efeito representa diferentes possibilidades de futuro, se apresenta como uma maneira de dar suporte à tomada de decisões em ambientes de incerteza. Neste sentido, operar com cenários significa projetar futuros imaginários expressos através de histórias plausíveis nas quais se narram sequências futuras de ações e de suas consequências. Os propósitos da utilização dos cenários são os mais diversos, no entanto, aplicam-se em geral, em situações de difícil previsão (REYES, 2011, p.2). Atores Externos

Se o futuro é imprevisível, quanto mais fatores forem levados em consideração, menor é o risco de surpresa nos processos de desenvolvimento urbano. Esses fatores não são só internos. Manzini e Jégou (2004) afirmam que, para reconfigurar as suas próprias atividades, as organizações produtivas e sociais devem operar de modo sistêmico, envolvendo múltiplos atores que sejam internos e externos às organizações. Ainda, este envolvimento deve ocorrer em diversas etapas do processo, como nas fases decisória, projetual e produtiva. Especificamente falando de cenários, os autores fazem referência ao fato de tratar-se de um processo de projetação participativa, utilizado como suporte à tomada de decisões em contextos marcados por mudanças rápidas, complexas e incertas.

Essa participação, no entanto, prevê que o sistema seja aberto à colaboração dos atores externos. Conforme atesta Luhman (2010), a abertura significa troca com o meio. Esses sistemas interpretam o mundo e reagem conforme esta interpretação. A entropia faz com que os sistemas estabeleçam um processo de troca entre sistema e meio, e, consequentemente, com que esse intercâmbio suponha que os sistemas devam ser abertos (LUHMAN, 2010, p.62). Luhman considera: sistema, a estrutura organizacional produtiva ou social; e meio, os agentes externos (consumidores, usuários e cidadãos). Deste modo observamos que as “respostas”, provenientes desta interação/intercâmbio, têm a possibilidade de modificar o sistema de acordo com as necessidades do meio. Ao tratarmos de cenários, porém, observamos que este intercâmbio deve ser realizado com antecedência. Esta evidência acentua a necessidade de sistemas abertos, na “medida em que os estímulos provenientes do meio podem modificar a estrutura do sistema: uma mutação não prevista [...], uma comunicação surpreendente” (LUHMAN, 2010, p.63). Co-Design e Web 2.0

Torna-se assim evidente a importância da participação de atores externos à organização produtiva ou social, durante a construção, projetação e planejamento por cenários. Isso implica aspectos como co-criação de valor, colaboração e interatividade que constituem a base de um processo de co-design.

Conforme destaca Rizzo (2009), o processo de co-design vai além do envolvimento do usuário final através da sua satisfação, mas caracteriza-se pela colaboração proativa do usuário ao longo de todo o processo criativo. Em um processo de co-design o “não-designer”,

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coloca-se ao lado do designer e se torna protagonista das práticas de pesquisa e desenvolvimento de novos sistemas produto-serviço (SANDERS, STAPPERS, 2008).

Nessa abordagem observa-se que os cenários elaborados em conjunto com usuários potenciais e futuros, têm por objetivo testar ideias, coletar novas sugestões e criar uma imagem realística da situação futura (IACUCCI, KUUTTI, 2002). Desse modo, ao inserirmos autores diversos no processo, criam-se condições para a co-projetação diretamente ligada ao real contexto de uso futuro.

A partir do que Jenkins (2009) define por cultura participativa, consumidores e produtores não são mais vistos em papéis separados, mas sim interagindo de acordo com um novo conjunto de regras que contrasta com as noções mais antigas sobre a passividade do usuário.

Rizzo (2009) destaca também os novos gêneros de produtos culturais, em especial os novos tipos de mídia – os blogs e redes sociais como plataformas abertas de interação. Desse modo, configuram-se como potenciais plataformas on-line de co-design. A utilização destas plataformas é fundamental para que haja a colaboração criativa do usuário. Conforme afirma Rizzo, as organizações que decidem incluir não-designers no processo de projetação, devem substancialmente criar um modelo estruturado para que ocorra essa interação.

Deste modo, analisando o processo de co-design e a participação/interação a partir das plataformas on-line da Web 2.0, observamos que todo este contexto pode ser aplicado ao co-design de cenários.

Plataformas on-line e a complexidade urbana

Observando o contexto dos grandes centros urbanos, notamos que o ambiente das cidades apresenta muitas das características relacionadas aos sistemas complexos, que relevamos na primeira seção deste artigo. Conforme destaca Güell (2006), muitos autores exploram a relação entre a ciência da complexidade e as cidades, principalmente para mediar temas conflituosos como, por exemplo, o enfrentamento entre ecologia e desenvolvimento econômico.

Além da noção de que as cidades são sistemas complexos marcados por incertezas, devemos observar a importância da participação de diversos atores no co-design de cenários futuros relativos ao contexto urbano. Conforme destaca Güell (2006), a diversidade presente nas comunidades urbanas é um ativo importante, quando bem gerida. Para tanto, é necessário conhecer os diversos atores que influenciam o desenvolvimento urbano para, deste modo, incluí-los nos processos de definição das estratégias de futuro. Deste modo, acentua-se a importância do contraste de opiniões que pode se formar uma vez que participarão não apenas atores locais, mas também cidadãos em geral. O autor coloca, ainda, que o planejamento estratégico das cidades é um processo sistemático que envolve criatividade, além de ser fundamentalmente participativo. No sentido de construir os cenários futuros do ambiente urbano, deve haver colaboração dos atores locais ao longo de todo o processo. De modo integrado, devem ser criadas estratégias de desenvolvimento de longo prazo aliadas à formulação de cursos de ação e de tomada de decisões para, assim, alcançar o modelo desejado.

Nesse contexto de construção participativa de cenários futuros do ambiente urbano, surgem as plataformas on-line. Assim, coloca-se em prática a proposta de Güell (2006) em relação à inserção das novas tecnologias na gestão do planejamento das cidades. A partir de plataformas on-line, cria-se um canal direto com a comunidade, agilizando o processo de coleta de informações que serão importantes para a tomada de decisões. Além disso, a participação dos atores locais neste processo de co-design tem a capacidade de criar o que o autor define por capital social. Ou seja, cria-se um canal de discussão e interação que traz à

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tona os valores simbólicos da cidade. Além disso, esse processo aberto e colaborativo através de plataformas on-line tem a possibilidade de conferir maior transparência informativa à tomada de decisões sobre o futuro das cidades, pois “acabar com esta opacidade informativa deve ser um objetivo central de toda sociedade democrática, e isto pode ser alcançado mediante a utilização de mecanismos de participação e comunicação apoiados nas novas tecnologias” (Güell, 2006, p.36).

O caso PortoAlegre.cc

A Unisinos é uma Instituição com sede em São Leopoldo – cidade situada perto de Porto Alegre, no sul do Brasil. A Unisinos recentemente abriu uma sede em Porto Alegre para hospedar atividades institucionais e cursos especiais. Nesse processo, a Unisinos desenvolveu junto a empresa Lung uma ação denominada “Redenção.cc”, focada na valorização do parque Redenção, o maior de Porto Alegre. A extensão “cc” presente no domínio Redenção.cc, se refere à licença de uso Creative Commons. Essa ação mobilizou cidadãos porto-alegrenses gerando mídia espontânea e despertando o interesse de diversos agentes públicos e privados.

A partir dessa experiência, Unisinos, Prefeitura de Porto Alegre e a empresa Lung se juntaram para elaborar o projeto “PortoAlegre.cc”, formando uma “hélice tripla”, seguindo os termos propostos por Henry Etzkowitz (2008), onde iniciativa privada, universidade e governo estão articulados para o alcance de um objetivo comum.

A interface principal do PortoAlegre.cc consiste em uma plataforma online que implementa o conceito de “Wikicidade”, termo que se refere a uma plataforma digital que permite a discussão da história, da realidade e do futuro de territórios específicos (www.portoalegre.cc, acessado em 10 de Fevreiro de 2012). A plataforma apresenta o mapa da cidade de Porto Alegre no qual o usuário pode postar uma “causa”, geolocalizada no mapa por meio de “pins” (Figura 1). As causas podem ser críticas, sugestões ou ideias sobre algum aspecto de Porto Alegre, registradas e divulgadas através de fotografias, entrevistas, filmes entre outros.

Figura 1: Plataforma do PortoAlegre.cc. Cada pin representa uma causa.

Fonte: www.portoalegre.cc, acessado em 10 de Fevereiro de 2012

As formas de contato e troca oferecidas pelo projeto estão baseadas fundamentalmente na interface online da plataforma, conectada com um blog e com duas redes sociais: Facebook e Twitter. Para engajar os usuários e estimular a interação contínua entre a plataforma e os cidadãos e entre os próprios cidadãos, são compartilhadas diariamente nas redes sociais, causas, fotos e notícias relacionadas ao contexto, funcionando como teasers.

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Como o objetivo inicial do projeto é a construção coletiva de melhorias e novas ideias para Porto Alegre, não bastaria apenas a existência de um mapa com a indicação de causas ligadas à cidade. A intenção do PortoAlegre.cc é também pensar soluções possíveis para as causas, resolvendo os problemas urbanos ou gerando visibilidade para as sugestões e as ideias mais interessantes. Para tanto, são previstas reuniões presenciais que contam com a presença da Lung e dos voluntários que se inscrevem no site para aderir ao PortoAlegre.cc, participando mais ativamente do projeto e ficando em contato direto com a organização.

Dessa forma, o modelo da hélice tripla, que orienta a estrutura base do projeto, se torna ainda mais complexo e rico com a inserção da sociedade (figura 2).

Figura 2: Esquema representativo dos atores envolvidos no PortoAlegre.cc

Fonte: elaborado pelos autores com base na hélice tripla de Etzkowitz (2008) O PortoAlegre.cc é um projeto que continua crescendo e segue em atualização para

obter resultados ainda mais significativos que os já obtidos. No entanto, a lógica de ouvir a cidade, gerar ideias e co-criar uma cidade cada vez melhor, continuam sendo o cerne do projeto. Com base na discussão teórica apresentada neste trabalho, foi montada uma tabela que apresenta sinteticamente os critérios utilizados para a realização da análise do caso PortoAlegre.cc, descrito anteriormente. Tabela 1: Critérios de análise do caso PortoAlegre.cc Critérios Descrição 1. Sistemas complexos Lidar com sistemas complexos pressupõe lidar com algum grau

de imprevisibilidade e riscos. 2. Construção de Cenários Construir cenários futuros é uma estratégia para lidar com

sistemas complexos, minimizando riscos e antecipando oportunidades.

3. Atores Diversos Diversas visões sobre o mesmo tema. Envolvimento de pessoas internas e externas ao contexto em diversos contextos.

4. Ouvir o Usuário Alterar/adaptar as dinâmicas do sistema a partir da compreensão das necessidades e desejos do meio.

5. Co-criação Interatividade e criação coletiva envolvendo diversos atores. Criação colaborativa de valores.

6. Co-design Designers e não-designers trabalhando juntos, articulando suas diferentes competências rumo à realização de um projeto.

7. Cenários Co-criados Os objetivos são: testar ideias, coletar sugestões e criar imagens de uma situação futura.

8. Web 2.0 Plataformas abertas e online que proporcionam interatividade.

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O projeto estudado lida claramente com um sistema complexo – a cidade e a interação

dos seus cidadãos. Esse sistema é caracterizado por um alto grau de dinamismo que gera situações imprevisíveis. No caso do PortoAlegre.cc essa imprevisibilidade é uma constante, já que o projeto é construído por diversos atores e só acontece com a participação dos cidadãos, sob os quais não se tem controle. Para agir nesse sistema é necessária a aceitação do risco conseguinte.

Nesse contexto de imprevisibilidade a construção de cenários futuros foi apontada como uma ferramenta capaz de fornecer determinado grau de previsibilidade e antecipação em relação ao que pode acontecer. O PortoAlegre.cc lida de outra forma com a insegurança em relação ao que pode acontecer no futuro, adotando uma postura de total flexibilidade e capacidade de adaptação e atualização por parte de seus organizadores. A postura adotada pelos envolvidos é também de abertura à criatividade e inovação.

As discussões sobre as causas postadas são uma demonstração de preocupação com o futuro. As causas que relatam problemas e crises na cidade são discutidas virtualmente nas redes sociais e fisicamente nos encontros com voluntários, a fim de buscar uma solução ou dar visibilidade para a causa, chamando a atenção do governo para a mesma. Nesse sentido, o PortoAlegre.cc torna a si mesmo, um cenário para o estabelecimento de diálogos sobre as questões da cidade e para o projeto do seu futuro, ainda que a plataforma não ofereça processos e ferramentas para a formalização metodológica da construção destes cenários.

Percebe-se também, aspectos em relação às qualidades pessoais dos membros do PortoAlegre.cc e que vão ao encontro com o objetivo da construção de cenários. Observamos que os organizadores do projeto têm uma tendência para buscas constantes por atualização e antecipação, tornando o projeto inovador e pré-disposto à novidades.

A estrutura do projeto, que permite e, praticamente exige, o engajamento de vários atores internos e externos pode ser considerada um ponto forte. Conforme vimos, lidar com um contexto amplo e complexo como o das cidades é uma tarefa que pressupõe grande envolvimento. Para uma organização que atua nesse âmbito é um desafio mapear e conectar as diversas opiniões e situações que se movem na cidade, portanto, a solução encontrada pelo PortoAlegre.cc é muito pertinente.

A plataforma colaborativa traz à tona circunstâncias (crises ou ideias) que contemplam a visão das mais diversas pessoas de uma maneira inclusiva. Ainda, depois da postagem de causas, quando são buscadas as soluções para as mesmas, formam-se grupos diversos que têm interesse em apoiar o projeto. Não há nenhum tipo de restrição na participação destes grupos. Então, as ideias que já surgem de forma participativa e que trazem diferentes olhares, são pensadas posteriormente por outras novas visões. Estabelece-se quase que uma rede de olhares sobre um mesmo problema, o que resulta em soluções agradáveis e plausíveis para um maior número de pessoas.

Há, portanto, a questão do olhar de fora da cidade. Agentes internos e externos ao projeto participam ativamente, mas são moradores de Porto Alegre. Indivíduos que moram fora da cidade, têm uma participação mais pontual. Existe uma articulação, que ocorre em algumas ocasiões, com porto-alegrenses e não porto-alegrenses que moram hoje fora da cidade. Estas pessoas atuam como um respiro eventual para as ideias do grupo, sendo consultadas conforme o tema que se discute.

Conforme dito anteriormente, trata-se de um projeto flexível e adaptável. Notou-se uma grande pré-disposição dos organizadores para ouvir sugestões e críticas sobre o PortoAlegre.cc, ou seja, há uma sensibilização destas pessoas pelos movimentos da sociedade de Porto Alegre, que os leva a querer entrar em contato, ouvir e traduzir estas vontades em novas formas de interação com o projeto ou novas soluções. Um exemplo claro disso, são as

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propostas de novas formas de contribuir com o projeto, permitindo que pessoas com diferentes disponibilidade de tempo, diferentes habilidades e interesses diversos se engajem na causa.

A co-criação faz parte da alma do PortoAlegre.cc, ela não está diretamente ligada à todas as decisões referentes ao projeto, pois como todo projeto, este pressupõe liderança para ser levado em frente, ainda que seja esta uma liderança que escuta, que aprende e que se adapta. Entretanto, quando se fala em co-design, o princípio de colaboração e compartilhamento de talentos é o mesmo, porém se pensa em designers e não-designers trabalhando em equipe complementado uns as opiniões e ideias dos outros, e atuando juntos inclusive em etapas criativas. Os processos do PortoAlegre.cc não envolvem, no entanto, um designer que regule as atividades referentes ao projeto, a fim de trazer com mais relevância a dimensão projetual às dinâmicas, o que acredita-se ser um ponto positivo tanto para a construção de cenários como para buscar uma implementação das ideias.

A ideia de co-design, além de envolver não-designers para que se entenda o contexto de uso do que se projeta a partir do envolvimento de outros olhares, proporciona uma maneira organizada de co-projetação, na qual métodos e ferramentas de projeto dão suporte as criações podendo aumentar ainda mais a eficiência das propostas pensadas.

O uso de uma plataforma online como a escolhida pelo PortoAlegre.cc é totalmente adequado ao contexto com o qual o projeto visa trabalhar. As plataformas online geram agilidade no processo e facilitam a participação de um maior número de atores, aumentando as possibilidades criativas e interativas dos mesmos. A criação de valor e a compreensão e tradução de uma identidade da cidade se tornam dessa forma, com a participação de inúmeros cidadãos, mais robustas e próximas à realidade. Além disso, a plataforma online e aberta, reforça a ideia de coletividade e colaboração que se deseja transmitir. A não linearização dos processos e participação dos atores sem delimitações de hierarquia acolhem também um maior número de interessados. As plataformas utilizadas conferem ao PortoAlegre.cc velocidade, trocas intensas, espaço amplo para a fomentação da criatividade, trocas de conhecimento e liberdade para a expressão de novas ideias.

Reconhece-se por fim, que há uma importante limitação do projeto no que diz respeito a implementação das ideias. Elas vêm ocorrendo sim, porém, ainda com características de ações pontuais que chamam a atenção para problemas sociais, mas que não os resolvem. Esse, no entanto, é o objetivo inicial do projeto; sensibilizar e engajar cidadãos que queiram melhorar a cidade. Sugere-se então, que sejam pensadas e desenvolvidas novas estratégias para dar suporte ao desenvolvimento das ações pensadas. O viés dessas estratégias pode se estabelecer pela visão projetual ofertada pelo design (co-design) ou até, mais pontualmente, pela aplicação da ferramenta de construção de cenários orientada pelo design.

Considerações finais Hoje quase seis mil usuários estão participando do PortoAlegre.cc, postando centenas

de causas e discutindo-as através de milhares de comentários nas redes sociais, visando uma cidade melhor. Em um País com problemas de inclusão social, a proposta de um cenário que garanta o acesso e estimule a participação efetiva dos cidadãos, é com certeza o principal resultado dessa iniciativa.

Além disso, é preciso considerar que o Brasil e a suas cidades estão crescendo de forma tão rápida e continua que se torna difícil acompanhar esta dinâmica de crescimento. Os processos e as ferramentas para o co-design, especialmente se aliados a tecnologias de informação e comunicação, permitem aos cidadãos acompanhar essa dinâmica. O PortoAlegre.cc é uma plataforma em constante movimento assim como a dinâmica das cidades, pois é alimentado pelas postagens e réplicas de um crescente número de usuários.

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Participar do PortoAlegre.cc, ainda que com algumas limitações, significa fazer parte deste fluxo ininterrupto.

A web 2.0 possui diversos limites com relação à qualidade da participação de não-designers nos processos de co-design, mas os seus benefícios são inegáveis. Formas de co-design que misturam participação presencial e remota, como ocorre em PortoAlegre.cc, podem ajudar a superar esses limites e podem até gerar estreitamento das relações dos envolvidos.

Ressalta-se a percepção de que a construção coletiva de uma nova cidade é um forte agente para o sensível número de adesões ao projeto. A inclusão, abertura, interatividade e transparência nos processos envolvendo os diversos stakeholders se mostram eficientes no sentido de gerar uma sensação de pertencimento ao projeto que se torna dotado de uma identidade coletiva e genuína dos moradores da cidade. No entanto, os usos individuais de plataformas online podem esvaziar o conteúdo político que é próprio de um processo democrático.

O estudo de PortoAlegre.cc, finalmente, demonstra que os conhecimentos e as competências que o design está desenvolvendo para um projeto cada vez mais colaborativo e interativo, são aplicáveis não somente no desenvolvimento de novos produtos e serviços, mas também, na elaboração de novas instâncias sociais com o envolvimento direto de diversos stakeholders, incluindo dos cidadãos.

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