análise funcional

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1 Análise Funcional: Definição e Aplicação na Terapia Analítico-Comportamental . Functional Analysis: Definition and Application in Behavior-Analytic Therapy. 2 Simone Neno Universidade Federal do Pará 1 Este artigo reproduz parte da Dissertação de Mestrado apresentada pela autora ao Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, Universidade Federal do Pará (Brasil), sob orientação do Prof. Dr. Emmanuel Zagury Tourinho 2 Endereço para correspondência: Rua Aristides Lobo, 884, Apto.100. Reduto. 66.053-020, Belém, Pará, Brasil. E-mail: [email protected] Resumo O artigo revisa alguns usos do conceito de análise funcional na análise do comportamento e na terapia comportamental, enfatizando suas relações com o modelo causal de seleção por conseqüências. Em seguida, propõe que uma aplicação clínica da análise funcional consistente com o sistema explicativo analítico-comportamental estaria apoiada em: a) selecionismo como modelo causal e funcionalismo como princípio de análise; b) externalismo como recorte de análise; c) complexidade, variabilidade, e caráter idiossincrático das relações comportamentais; d) critério pragmático na definição do nível de intervenção; e) distinção entre alcance da avaliação e alcance da intervenção. Palavras-chave: análise funcional; análise do comportamento; terapia comportamental; terapia analítico-comportamental. Abstract This paper reviews some uses of the concept of functional analysis in behavior analysis and behavior therapy, emphasizing its relation to the causal mode of selection by consequences. It proposes that a clinical application of functional analysis consistent with the behavior-analytic explanatory system would be based on: a) selectionism as a causal model and functionalism as the principle for analysis; b) externalism as analytical orientation; c) the complexity, variability, and idiosyncrasy of behavioral relations; d) the pragmatic criteria for defining the intervention level; e) the distinction between assessment scope and intervention scope. Key words: functional analysis; behavior analysis; behavior therapy; behavior-analytic therapy. ISSN 1517-5545 2003, Vol. V, nº 2, 151-165 Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva 151

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1Análise Funcional: Definição e Aplicação na Terapia Analítico-Comportamental .

Functional Analysis: Definition and Application in Behavior-Analytic Therapy.

2Simone Neno

Universidade Federal do Pará

1Este artigo reproduz parte da Dissertação de Mestrado apresentada pela autora ao Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, Universidade Federal do Pará (Brasil), sob orientação do Prof. Dr. Emmanuel Zagury Tourinho2Endereço para correspondência: Rua Aristides Lobo, 884, Apto.100. Reduto. 66.053-020, Belém, Pará, Brasil. E-mail: [email protected]

Resumo

O artigo revisa alguns usos do conceito de análise funcional na análise do comportamento e na terapia comportamental, enfatizando suas relações com o modelo causal de seleção por conseqüências. Em seguida, propõe que uma aplicação clínica da análise funcional consistente com o sistema explicativo analítico-comportamental estaria apoiada em: a) selecionismo como modelo causal e funcionalismo como princípio de análise; b) externalismo como recorte de análise; c) complexidade, variabilidade, e caráter idiossincrático das relações comportamentais; d) critério pragmático na definição do nível de intervenção; e) distinção entre alcance da avaliação e alcance da intervenção.

Palavras-chave: análise funcional; análise do comportamento; terapia comportamental; terapia analítico-comportamental.

Abstract

This paper reviews some uses of the concept of functional analysis in behavior analysis and behavior therapy, emphasizing its relation to the causal mode of selection by consequences. It proposes that a clinical application of functional analysis consistent with the behavior-analytic explanatory system would be based on: a) selectionism as a causal model and functionalism as the principle for analysis; b) externalism as analytical orientation; c) the complexity, variability, and idiosyncrasy of behavioral relations; d) the pragmatic criteria for defining the intervention level; e) the distinction between assessment scope and intervention scope.

Key words: functional analysis; behavior analysis; behavior therapy; behavior-analytic therapy.

ISSN 1517-5545

2003, Vol. V, nº 2, 151-165

Revista Brasileira deTerapia Comportamentale Cognitiva

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Simone Neno

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Análise Funcional e Behaviorismo RadicalA análise funcional tem sido mencionada como

o tipo de recurso explicativo de que se serve a A análise de relações funcionais representa análise do comportamento (e.g. Skinner, um modelo de interpretação e investigação 1953/1965) e também como estratégia (e.g., dos fenômenos naturais que estará presente

Owens & Ashcroft, 1982), ou método (e.g., no projeto skinneriano de constituição da

Hayes & Follette, 1992; Samson & McDonnell, psicologia como ciência do comportamento.

1990) de intervenção em terapias compor-Originalmente, o conceito foi empregado por

tamentais. Enquanto recurso explicativo, seu Skinner com o sentido atribuído pelo físico

alcance pode não ser tão consensual, uma vez Ernst Mach (1838-1916): identificação de

considerados aspectos diversos da relações ordenadas entre eventos da natureza.

interpretação analítica-comportamental para Na proposição do reflexo como unidade

as relações organismo-ambiente (cf. básica de análise de uma ciência compor-

Micheletto, 2000). A ausência de consenso tamental, descrição e explicação científicas sobre o que significa a análise funcional foram interpretadas como coincidindo com a aparece de modo mais evidente na literatura especificação de relações ordenadas entre de aplicação clínica, onde uma diversidade de (classes de) estímulos e respostas, portanto definições para o termo tem sido referida (eg. requerendo a análise funcional (cf. Skinner,

iHaynes & O'Brien, 1990) e a necessidade de 1931/1961a) . estudos conceituais a respeito sugerida (cf. A análise funcional promove a identificação Sturmey, 1996). O presente trabalho tem como de relações de dependência entre eventos, ou objetivos: (a) examinar o conceito de análise de “regularidades na relação entre variáveis funcional no behavior ismo radica l dependentes e independentes” (Chiesa, 1994, skinneriano, assinalando alguns aspectos p.133), mas com respeito às quais o uso dos c o n t r o v e r s o s o u n ã o i n t e i r a m e n t e conceitos de causa e efeito não seria mais equacionados nesse domínio; (b) revisar apropriado, uma vez que implicaria algumas interpretações sobre o que significa suposições (metafísicas) além do alcance de

iiempregar a análise funcional na terapia uma ciência (cf. Skinner, 1953/1965) . A descrição de relações ordenadas entre comportamental; e (c) sugerir alguns aspectos

definidores de uma aplicação clínica da eventos encontra um modo de expressão na matemática. O reflexo, por exemplo, pode ser análise funcional que esteja em acordo com o expresso pela equação “R = f (S)”, onde “R” é a sistema explicativo analítico-comporta-resposta e “S” o estímulo (cf. Skinner, mental.1931/1961a). A relação especificada por aquela equação é uma relação “funcional” no sentido de que o primeiro termo (a resposta) é

iMoore (1984) aponta que no livro Verbal Behavior, Skinner trata descrição e explicação como empreendimentos contínuos e não isomórficos. A descrição envolveria a especificação topográfica e a explicação corresponderia à indicação das variáveis das quais o comportamento sob análise é função. Pode-se dizer, no entanto, que ao identificar descrição com explicação (e.g. Skinner, 1931/1961a) a preocupação de Skinner estaria em ressaltar que uma descrição “completa” do comportamento requer a indicação de relações funcionais; de outro lado, a limitação da explicação àquelas descrições representaria a interdição de recursos explicativos que apelam a eventos localizados num plano diferenciado daquele das relações ambiente-comportamento. Assim, a proposição de que descrição e explicação são, para Skinner, esforços contínuos, está correta tanto quanto se observe que descrições topográficas são descrições parciais do fenômeno comportamental e explicações comportamentais são aquelas que permanecem no nível das relações organismo-ambiente. iiSkinner (1953/1965) falará destas implicações afirmando: “Os termos 'causa' e 'efeito' não são mais amplamente usados na ciência. Eles têm sido associados a tantas teorias da estrutura e da operação do universo que podem significar mais do que os cientistas querem dizer. Os termos que os substituem referem-se, porém, ao mesmo núcleo fatual. Uma 'causa' torna-se uma 'mudança numa variável independente' e um efeito, 'uma mudança em uma variável dependente'. A antiga conexão causa-efeito torna-se uma 'relação funcional'. Os novos termos não sugerem como uma causa produz seu efeito; eles meramente afirmam que eventos diferentes tendem a ocorrer juntos em uma certa ordem. Isso é importante, mas não é crucial. Não há nenhum perigo particular no uso de 'causa' e 'efeito' em uma discussão informal, se estivermos sempre prontos a substituí-los por suas contrapartidas mais exatas” (Skinner, 1953/1965, p.23).

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Análise Funcional: Definição e Aplicação na Terapia Analítico-Comportamental.

será encontrada na avaliação das abordado enquanto função do (causado pelo) c o n t i n g ê n c i a s d e r e f o r ç a m e n t o

segundo termo da equação (o estímulo). A predominantes. Uma contingência especifica a interrelação entre uma noção de causação aqui implicada é do tipo condição antecedente, uma resposta e mecânica e será abandonada por Skinner à uma conseqüência alcançada pela medida que o modelo de seleção por resposta. A relação funcional que existe é

conseqüências vai sendo admitido como a relação entre a resposta e sua conseqüência, indicada pela condição modelo causal apropriado para a interpre-antecedente; juntas [as condições tação do fenômeno comportamental (cf. antecedentes e conseqüentes] constituem

Micheletto, 1995).a variável independente e a resposta em

Com o advento do modelo de seleção por questão, a variável dependente. A conseqüências, a análise funcional estará variável dependente é tipicamente

tratada em termos de probabilidade da associada a uma noção selecionista, não taxa de resposta. Diz-se que o controle é mecanicista, de causalidade. No lugar da exercido sobre a probabilidade de

busca por um agente originador do resposta pelo conjunto de interrelações comportamento, a análise estará voltada para chamado contingência (Moore, 1984,

p.87).o reconhecimento da múltipla e complexa O funcionalismo analítico-comportamental, rede de determinações de instâncias de seja em sua elaboração mecanicista, seja na comportamento, representada pela ação em versão selecionista, representará um diferentes níveis (filogênese, ontogênese e afastamento frente a abordagens de cultura) das conseqüências do compor-orientação estruturalista na psicologia. tamento sobre a probabilidade de respostas Originalmente, o estruturalismo havia se futuras da mesma classe. O princípio manifestado na psicologia do século XIX com selecionista apresenta-se como um princípio um viés mentalista, a exemplo do projeto explicativo derivado da investi-gação do científico de Wundt. Mas também no interior comportamento operante. Como apontado de abordagens comportamentais , o por Chiesa (1992) a “seleção como modelo estruturalismo pode se sugerir, quando a causal não é uma suposição; ela é análise tem como foco a especificação empiricamente validada em experimentos de topográfica do comportamento, em detri-condicionamento operante, que demonstram mento das relações funcionais entre a modelagem e manutenção de compor-organismo e ambiente. O recorte analítico-tamentos complexos por contingências comportamental, ao contrário, sugerirá que a complexas” (p.1291).especificação topográfica não deve ir além do Com o advento do conceito de operante, a que permite apreender as relações ordenadas adesão a um modelo causal selecionista entre ambiente e comportamento (cf. Skinner, representará, ainda, uma reelaboração do 1935/1961b).funcionalismo skinneriano. A análise deve Na ciência skinneriana, a busca de relações agora se voltar para as “funções” das funcionais estará sempre associada ao respostas e para os modos através dos quais as reconhecimento da multideterminação do mudanças por elas produzidas afetam a fenômeno comportamental e à seleção de um probabilidade de comportamento futuro. A recorte específico como domínio da análise do análise funcional requerida passa a ser aquela comportamento o das relações do organismo que identifica relações de tríplice contingência como um todo com eventos do ambiente a sua responsáveis pela aquisição e manutenção de volta. repertórios comportamentais.

Os analistas do comportamento No sistema skinneriano, uma explicação procuram relações causais na interação da categoria de comportamento mais entre comportamento (a pessoa ou outro importante, o comportamento operante, organismo) e aspectos de seu ambiente.

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Esta ênfase não nega contribuições de dos diferentes níveis de variação e seleção a s p e c t o s g e n é t i c o s , b i o l ó g i c o s , estende-se para além dos repertórios bioquímicos, neurológicos e outros do

comportamentais, alcançando também as organismo. Ela simplesmente identifica próprias condições orgânicas e os eventos os tipos de relações causais buscadas pela

ciência comportamental skinneriana; ela privados de cada um. é a direção na qual os analistas do Micheletto (2000) sugere que com o conceito comportamento procuram as relações

de operante e com o modelo de seleção por que explicam seu objeto de estudos

conseqüências torna-se discutível se uma (Chiesa, 1994, pp.114-115).análise funcional pode/deve ater-se à A complexidade do fenômeno comporta-identificação das variáveis atuais às quais o mental adquire amplo reconhecimento à comportamento está funcionalmente medida que o comportamento humano torna-

iii relacionado. Na medida em que o fenômeno se o objeto central da análise skinneriana . É comportamental passa a ser abordado não sobre o homem que operam os três conjuntos apenas do ponto de vista da relação presente de variáveis ambientais (filogenéticas, entre variáveis, mas, também, do modo como ontogenéticas e culturais), conjugando tais relações são produzidas e/ou mantidas, determinações de modos únicos e gerando uma outra perspectiva de análise se instaura. uma var iada gama de reper tór ios Micheletto (2000) deriva das afirmações de comportamentais. Micheletto (1995) aponta Skinner sobre o assunto duas possibilidades: a que:primeira, de supor “que as conseqüências A variabilidade, ao nível humano, está

associada a determinações múltiplas - a passadas não participam das relações multiplicidade e variabilidade presentes funcionais. Sendo assim, o que eu posso falar em cada nível de determinação se

do comportamento não incorpora suas potencializam ao se conjugarem os vários características significativas” (p.120). A níveis, tornando pouco prováveis

s e m e l h a n ç a s n a s c o n d i ç õ e s d e segunda possibilidade é colocada nos determinação do comportamento. Estas seguintes termos:determinações se inter-relacionam, podemos (...) supor que as conseqüências agindo juntas ou às vezes de forma passadas participam da análise funcional, conflitante e produzindo também efeitos o que implicaria mudanças na noção de múltiplos (Micheleto, 1995, p.167). relação funcional. Falta responder como

A variabilidade pode também ser abordada incorporar outras variáveis. Consi-derando uma diversidade de sentidos com os conceitos correspondentes aos que se pode atribuir a variáveis produtos daqueles conjuntos de variáveis que ambientais - ambiente externo, ambiente

afetam o indivíduo: a filogênese produz o interno, ambiente imediato, ambiente

organismo, a ontogênese produz a pessoa (ou relacionado à história passada, ambiente iv

as pessoas, muitas vezes sob a mesma pele ) e genético, ambiente cultural ou social que variáveis deveriam estar envolvidas na a cultura produz o self (conjunto de estados função? Como considerar na função internos observados) (cf. Skinner, 1989). Desse variáveis de complexidade tão diversa e

modo, o caráter idiossincrático do que resulta

iiiMicheletto (1995) sugere que tanto o interesse de Skinner pelo comportamento humano aumenta com o desenvolvimento de sua obra,

quanto o reconhecimento da complexidade do fenômeno comportamental assume maior dimensão com a elaboração do modelo de seleção por conseqüências. Diz ela: “O foco do interesse no fazer do organismo se mantém, mas adquire um novo sentido e toma amplas dimensões no decorrer [da] obra [de Skinner]; na fase final de sua obra seu interesse dirige-se principalmente para o fazer humano. Há uma ampliação de seu objeto de estudo, ou seja, seu objeto abarca o comportamento humano em toda a sua complexidade” (p.154); “Durante toda a sua obra, Skinner trabalha com o comportamento como objeto de estudo, mas a abrangência do que pode ser entendido como comportamento se estende no desenvolvimento de sua ciência (...) Skinner mantém a suposição, do primeiro momento de sua obra, de que o comportamento é determinado, mas apresenta uma noção de determinação muito ampliada. As determinações se tornam múltiplas e variáveis na medida em que uma nova noção de determinação se desenvolve” (p.160).iv

Diz Skinner (1989): “As contingências de reforçamento operante ... dão origem a repertórios chamados pessoas. Diferentes contingências produzem diferentes pessoas, possivelmente sob a mesma pele, como mostram os exemplos clássicos de múltiplas personalidades” (Skinner, 1989a, p.28).

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Análise Funcional: Definição e Aplicação na Terapia Analítico-Comportamental.

pertencentes a dimensões temporais tão abordagens comportamentais, pouca atenção distintas? Seria possível manter a noção tem sido dada à discussão de aspectos teóricos de função matemática? (Micheletto, 2000,

e ao estudo conceitual do termo “análise p.120).funcional” (Sturmey, 1996). Assim, diferentes No mínimo, a discussão levantada por termos têm sido empregados como Micheletto (2000) significa que a análise equivalentes em sua definição: a) “análise do funcional requerida para a compreensão do comportamento”, b) “análise comporta-fenômeno comportamental muda com a mental funcional”, c) “avaliação comporta-transição de uma causalidade mecânica para mental” e d) “elaboração comportamental de uma causalidade selecionista. A mudança caso” (cf. Haynes e O'Brien, 1990, p.654). Ao ocorre, entre outras coisas, para dar conta da lado disso, observa-se o uso de um mesmo complexidade dos processos de determinação termo genérico com diferentes conotações (cf. do comportamento e do caráter idiossin-Haynes e O'Brien, 1990; Sturmey, 1996). Isso crático de seus produtos. Trata-se, neste caso, tem expressado umou de reformar o conceito de “análise

desacordo sobre a definição de análise funcional” para abarcar a rede de

funcional, seus supostos subjacentes, seus determinações que se supõe pertinentes a métodos de derivação, seus componentes instâncias comportamentais, ou de notar que a relevantes e seu domínio de utilidade.

Estas inconsistências impedem a análise funcional concebida como a simples comunicação entre anal is tas do indicação de relações entre variáveis não dá comportamento sobre as características

conta dos processos que precisam ser da análise funcional e seu papel na terapia considerados na avaliação e intervenção comportamental (Haynes e O'Brien, 1990,

p.654).comportamental. Segundo Micheletto (2000), A existência de diferentes conotações para o “parece que em lugar de reiterarmos a noção termo “análise funcional”, ou diferentes de relação funcional, como uma noção interpretações do que seria uma intervenção esclarecida, precisamos no mínimo elucidá-la clínica baseada na análise funcional, espelha ou, mais provavelmente, reformulá-la” uma diversidade de entendimentos do que (p.121).tem sido apresentado como característica central da intervenção em terapia compor-1.2 Análise Funcional e Terapia Comporta-

mental tamental. As soluções para tal diversidade elaboradas por alguns autores são também

Na terapia comportamental, a análise diferenciadas e ilustram a dificuldade funcional tem sido apontada como um corrente na área. Alguns trabalhos sobre o fundamento para a avaliação clínica (e.g. tema são discutidos a seguir, com o intuito de Sturmey, 1996) e identificada como o caminho explicitar algumas das divergências e os mais efetivo para o planejamento da aspectos com respeito aos quais parece ser intervenção (e.g. Carr, 1994; Ferster, 1973; possível traçar algum consenso.Haynes e O'Brien, 1990; Samson e McDonnell, Owens e Ashcroft (1982) apontam que a 1990). A ênfase na busca de relações ampla adoção da análise funcional na funcionais é interpretada por Haynes e psicologia clínica tem como precursores usos O'Brien (1990) como resultado tanto da diferenciados na matemática/física e nas rejeição às abordagens estruturalistas para o ciências sociais/biológicas. Na matemática e estudo dos problemas de comportamento, na física, o uso da análise funcional como da reação ao modelo “causal” e às corresponde à “especificação das variáveis às questões metafísicas que dele se originam. quais um fenômeno está relacionado” (p.181), Embora ocupe lugar de destaque nas sem referência a causalidade. Nas ciências

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funcionais alternativas para casos clínicos é sociais e biológicas, a indicação das variáveis infinita e mesmo o número de análises relacionadas envolve a explicação das funções funcionais precisas (efetivas) para um caso de um fenômeno, ou “a forma da relação entre particular é provavelmente muito grande” as variáveis especificadas” (p.182), o que (p.373). Hawkins faz os comentários acima no conduz a uma indicação de causalidade. A contexto de uma discussão sobre a validade, psicologia conjugaria as duas perspectivas, na para os analistas do comportamento, de medida em que se ocupa “tanto dos sistemas nomotéticos de classificação e

determinantes do comportamento, quanto da diagnóstico, particularmente o DSM (Manual

forma das relações entre tais determinantes e Diagnóstico e Estatístico de Transtornos

o comportamento” (p.182).Mentais APA, 1994), naquela ocasião em sua

Limitado à identificação de variáveis terceira edição. O debate sobre a compa-

relacionadas ao fenômeno comportamental e tibilidade de uma perspectiva funcional na

ao modo como essas relações se dão, o uso avaliação e intervenção clínicas com sistemas

psicológico da análise funcional não nomotéticos de classificação e diagnóstico

constituiria uma teoria, mas apenas “uma será abordado adiante neste trabalho. Do

estratégia para a resolução de problemas” ponto de vista da análise de Hawkins, o autor

(Owens e Ashcroft, 1982, p.188). Também não apresenta argumentos contrários a uma tal

estaria comprometido com nenhuma compatibilidade, mas também indica a v

“perspectiva teórica particular” (p.188), existência de trabalhos favoráveis ao uso do

embora implique a adesão ao “paradigma DSM por terapeutas comportamentais.

ABC”, a “investigação do comportamento (B), Uma revisão mais sistemática dos usos da

seus antecedentes (A) e suas conseqüências análise funcional na terapia comportamental é

(C)” (p.188).apresentada por Haynes e O'Brien (1990). Os

Owens e Ashcroft (1982) também salientam autores identificam, na literatura da terapia

que, enquanto estratégia, a análise funcional comportamental, 11 definições diversas para a

aplica-se tanto a clientes individuais quanto análise funcional: a) “uma especificação de

institucionais. No entanto, especificamente c o m p o r t a m e n t o s a l v o ” ( p . 6 5 3 ) ; b )

abordando seu uso clínico na avaliação e “demonstrações de 'controle' através da

intervenção com clientes individuais, manipulação de variáveis controladoras

ressaltam o caráter idiossincrático de seus ( causa i s ) h ipote t izadas (p .653 ) ; c )

produtos. “Na prática, é claro, é normal que a “especificação de fatores controladores para

análise funcional seja altamente complexa e, uma classe de problemas de comportamento,

como decorrência, específica àquele em vez de para um caso individual” (p.654); d)

indivíduo” (p.183).“identificação de fatores situacionais (setting

Hawkins (1986) também destaca o caráter factors)” (p.654); e) “relações estímulo-

idiográfico da intervenção baseada na análise resposta ou resposta-resposta” (p.654); f)

funcional. Diz ele que “as funções que se “fatores motivacionais e de desenvol-

descobrirão em um caso individual serão vimento” (p.654); g) “identificação de relações

únicas, individuais, ou idiográficas” (p.371). funcionais potenciais, alternativas àquelas em

De forma semelhante, no interior de um operação para um cliente” (p.654); h)

mesmo caso, dada a complexidade das redes “previsões sobre o comportamento de um

de de terminação de ins tânc ias de cliente” (p.654); i) “especificação de

comportamento, a pluralidade de análises componentes da resposta” (p.654); j)

funcionais é possível. “O número de análises

vSegundo Owens e Ashcroft (1982) a observação freudiana de que a “agorafobia pode servir à função de evitar situações que produzem

ansiedade pode claramente ser vista como constituindo uma análise funcional” (p.184), tanto quanto a análise comportamental de Fester para a depressão.

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A a n á l i s e f u n c i o n a l c l á s s i c a é “integração global conceitual de problemas de essencialmente a arte de analisar um caso

comportamento, variáveis causais e individual em termos de contingências funcionais. Não há nenhuma regra clara mediacionais, recursos, e assim por diante” de como isso deveria ser feito (...) (p.654). Adicionalmente, afirmam que a nenhuma evidência sobre a melhor análise funcional ora é definida como maneira de fazê-lo. Como todas as artes,

processo, ora como produto. ela é aprendida e passada adiante de Haynes e O'Brien (1990) apontam dois forma direta e o 'melhor' método de

realizá-la é uma questão de convenção fundamentos epistemológicos da análise social (Hayes e Follette, 1992, p.361).funcional, em sua apropriação pela terapia

A “análise funcional clássica”, que estaria comportamental: a rejeição do estruturalismo distante de representar uma aplicação e a evitação de questões metafísicas. Na científica do conceito cientificamente definição proposta por Haynes e O'Brien, a derivado, é descrita por Hayes e Follette análise funcional é “a identificação de relações (1992) como uma metodologia de "avaliar-funcionais importantes, controláveis e formular-intervir-avaliar", constituída dos causais, aplicável a um conjunto especificado seguintes passos: 1) “identificar caracte-de comportamentos alvo para um cliente rísticas potencialmente relevantes do cliente individual”.(p.654). Entretanto, nos limites da individual, seu comportamento e o contexto proposição dos autores, “apenas algumas no qual ocorre, através de uma avaliação variáveis funcionalmente relacionadas a um ampla” (p.349); 2) “organizar a informação comportamento alvo serão causais , coletada no passo 1 em uma análise controláveis e importantes” (p.654). Assim, preliminar das dificuldades do cliente em “uma análise funcional (...) nem sempre termos de princípios comportamentais, de 'explica' o comportamento, no sentido de modo a identificar relações causais identificar todas as variáveis causais importantes que poderiam ser mudadas” importantes (...) ela identifica variáveis (p.350); 3) “juntar informação adicional com causais importantes, que podem ser base no passo 2 e finalizar a análise manipuladas, ou [colocadas] sob controle do conceitual” (p.350); 4) “planejar uma cliente ou do analista do comportamento” intervenção com base no passo 3” (p.350); 5) (p.655). Também para Haynes e O'Brien, “as “implementar o tratamento e avaliar a análises funcionais são idiográficas (abordam mudança” (p.350); e 6) “se o resultado não for relações causais para problemas de aceitável, retornar aos passos 2 e 3” (p.350).comportamento de clientes individuais), e não Hayes e Follette (1992) entendem a definição nomotéticas (abordam relações causais para proposta por Haynes e O'Brien (1990), um problema de comportamento de vários segundo a qual a análise funcional consiste da clientes)” (p.656). “identificação de relações funcionais De acordo com Hayes e Follette (1992), a importantes, controláveis e causais, aplicável ausência de consenso sobre os usos clínicos da a um conjunto especificado de comporta-análise funcional é o modo como repercute na mentos alvo para um cliente individual” prática de terapeutas comportamentais o não (p.654) como um apelo à utilidade da análise desenvolvimento de metodologias que conduzida, para a tomada de decisões com representem uma aplicação consistente da respeito ao tratamento. No entanto, Hayes e análise funcional no contexto clínico. A Follette (1992) apontam que a utilidade da metodologia atualmente disponível é análise funcional não pode ser apenas designada de “análise funcional clássica” e “assumida”. “Mesmo que um cliente melhore, descrita como “altamente abstrata” (p.351), na como saberemos se ele teria melhorado mais medida em que não explicita claramente os se o tratamento tivesse sido guiado por uma passos de uma intervenção nela baseada.

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comportamento e a possibilidade da análise alternativa?” (p.355). Na interpretação variabilidade dos procedimentos na dos autores, então, a análise funcional clássica intervenção clínica, Hayes e Folette (1992) não se desenvolveu positivamente na clínica insistem em que uma sistematização da pela ausência de regras que a tornem análise funcional poderia ser buscada a partir repl icável em di ferentes contextos de duas alternativas: a) especificação de terapêuticos. Em outras palavras, o princípio métodos analíticos e b) especificação de da análise funcional teria fracassado na tarefa resultados analíticos. Na primeira hipótese, a

de prover metodologias a serem empregadas conduta do analista seria guiada por um

indiscriminadamente no contexto clínico. sistema de regras coerente com o sentido da

Neste sentido, uma sistematização da análise análise funcional clássica, possibilitando, em

funcional deveria prover: a) “um guia para a tese, a replicação do procedimento. Na

coleção de informação para avaliação”; b) segunda alternativa, Hayes e Follette (1992)

“uma linguagem para comunicação em sugerem o desenvolvimento de sistemas de

relação aos casos”; c) “um guia para o uso dos classificação e diagnóstico funcionalmente

princípios comportamentais”; d) “decisões de or ientados , os quais dever iam ser

tratamento” e e) “a base para testar a confrontados e avaliados com base em sua adequação da própria análise funcional” (p. utilidade para o tratamento. Mais exatamente, 355). a solução vem no sentido de converter a Mas a alegação (de Hayes e Follette, 1992) de análise funcional em um procedimento que fracasso da análise funcional como geradora seja replicável e capaz de prover a análise de metodologias para a clínica “talvez aplicada do comportamento de um recurso recomende um passo anterior, que favoreça a classificatório que possa fazer frente às discussão da real possibilidade de emergência demandas dirigidas ao Manual Diagnóstico e de tais metodologias, uma vez que a expressão Estatístico de Transtornos Mentais, DSM IV. O 'contexto clínico' pode estar encobrindo uma confronto promovido por Hayes e Follette diversidade de situações de intervenção” (1992) entre o DSM e a perspectiva funcional (Cavalcante & Tourinho,1999, p.145). A de análise, classificação e diagnóstico situa-se padronização precisa dos procedimentos no terreno de uma problematização que tem clínicos também é contestada por Owens e como referência o critério contextualista de Ashcroft (1982). Como mencionado acima, verdade. No pensamento contextualista, a e s t e s a u t o r e s e n f a t i z a m o c a r á t e r utilidade de uma explicação é aceita na idiossincrático dos produtos da avaliação e medida em que favorece uma ação efetiva intervenção e discordam da possibilidade de (Pepper, 1942/1970). Entretanto, torna-se generalizações amplas a esse respeito, a necessário demarcar, precisamente, o critério mesma tese defendida por Hawkins (1986), de instrumentalidade que estaria orientando a que aponta a possibilidade de análises construção de sistemas alternativos de funcionais múltiplas para um mesmo caso. Na classificação fundamentados nos princípios mesma direção, Samson e McDonnell (1990) analítico-comportamentais (cf. Tourinho & argumentam que a análise funcional Neno, 2003). psicológica será sempre particular em função Samson e McDonnell (1990) também da diversidade de funções dos comporta- enfatizam a ausência de um consenso sobre o mentos humanos. Desse modo, pode ser que significa análise funcional no contexto incorreto pressupor que intervenções clínico e apontam, assim como Owens e padronizadas podem vir a ser efetivas quando Ashcroft (1982), a existência de pelo menos aplicadas a problemas que apresentem dois usos diversos do termo “função”: um na alguma similaridade. matemática, outro nas ciências biológicas eEmbora admitam a determinação múltipla do

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fenômenos psicológicos (medo, ansiedade, sociais. Na primeira, o termo função remete à por exemplo) são vistos como multidimen-especificação de quais variáveis estão sionais, envolvendo componentes comporta-relacionadas; nas segundas, a como essas mentais, cognitivos e fisiológicos. A referência variáveis se relacionam. O uso “psicológico” a inobserváveis, sob a forma de construtos da análise funcional combinaria os dois usos, hipotéticos, “é essencial para aumentar a força ocupando-se dos “determinantes do explanatória de uma Análise Funcional” fenômeno e das relações entre esses (p.261), como também para facilitar “a

determinantes e o fenômeno” (Samson e geração de um grande número de hipóteses,

McDonnell, 1990, p.260).algumas das quais merecedoras de exame

A diversidade de funções dos comporta-empírico” (262).

mentos humanos, segundo Samson e Jones e Owens (1992) comentam a

McDonnell (1990) confere a instâncias da interpretação de Samson e McDonnell (1990)

análise funcional psicológica um caráter para a análise funcional recomendando

particular e limitado:cuidado com a referência a “variáveis que Uma análise funcional pode ser altamente existem apenas num nível teórico” (p.37). Tais complexa e, como decorrência, específica

ao indivíduo. É improvável que sejam referências são admissíveis apenas se “nos exatamente as mesmas as intervenções ajudam a prever e controlar (...) eventos que as análises funcionais podem

externos” (p.38). McDonnell e Samson (1992) recomendar para dois problemas que

observam que as ponderações de Jones e pareçam ser similares. Quaisquer Owens não explicitam uma posição com similaridades entre as intervenções

estarão relacionadas à similaridade das respeito à definição de análise funcional funções a que os problemas servem. Isso proposta por Samson e McDonnell. significa que não é possível, quando se

Acrescentam que a proposição de aceitação da usa uma abordagem analítica funcional, referência aos inobserváveis não vem fazer generalizações amplas sobre a

intervenção a ser realizada ou sobre o acompanhada de uma negligência para com estilo com que deve se apresentar as metodologias empíricas. Ao contrário (Samson e McDonnell, 1990, p.260).

disso, busca integrar capacidade preditiva O uso da análise funcional não estaria restrito,

com força explicativa.contudo, a um quadro conceitual particular.

Sturmey (1996) acrescenta à lista de Haynes e Em vez disso, pode ser visto como

O'Brien (1990) sete definições diversas para o independente de s is temas teór icos

termo análise funcional: 1) “afirmações que específicos. Partindo desta posição, Samson e

dizem respeito à forma matemática da relação McDonnell (1990) propõem uma definição de

entre diferentes variáveis” (p.8); 2) análise funcional nos seguintes termos:

“afirmações relativas à função ou propósito a análise funcional é um método de

do comportamento” (p.8); 3) “abordagem explicar fenômenos, que envolve a ateorética, genérica, para avaliação e geração de hipóteses com respeito a

dados observáveis e não observáveis. Ela elaboração de caso” (p.8); 4) “análises busca explicar e prever a(s) função(ões) funcionais descritivas ecléticas” (p.8); 5) de um fenômeno através do exame das

“análises funcionais descritivas comporta-relações que contribuem para ele (p.261).mentais” (p.8); 6) “uso do termo exclusi-A admissão de referência a “não observáveis” vamente para manipulações experimentais de sustenta-se, na argumentação de Samson e variáveis, a fim de demonstrar relações McDonnell (1990), tanto na postulação de que funcionais entre comportamento e ambiente” a análise funcional não exige a adesão a uma (p.8); e 7) “análise funcional como método de teoria que interdite tal referência, quanto na tratamento ou como componente do suposição de que disso depende um maior tratamento” (p.8). Alguns esclarecimentos dealcance das hipóteses explicativas. Alguns

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(estímulos antecedentes/conseqüentes, Sturmey sobre as definições citadas são úteis comportamentos). A sexta definição para para a visualização do alcance da análise análise funcional citada por Sturmey funcional no contexto clínico.representa a restrição da referência a relações Na explicação da primeira definição, Sturmey funcionais experimentalmente verificadas. A (1996) salienta que as relações matemati-última definição corresponde a tomar-se o camente descritas podem não ser de causação, tratamento como oportunidade para prover mas de correlação. Não está contida na versão ao cliente um treinamento em análise matemática da relação funcional a referência à funcional, de modo que possam “desenvolver função adaptativa de uma classe de variáveis uma análise funcional de seu próprio ou uma indicação necessária de causação. A comportamento e assisti-los para que usem a segunda definição, um outro “tipo de análise funcional para mudar seu próprio funcionalismo” (p.11), envolveria a suposição comportamento” (Sturmey, 1996, p.18).de que “os comportamentos sob consideração Na interpretação de Sturmey (1996), a servem a um propósito para o indivíduo” definição de análise funcional proposta por (p.11). A terceira definição coincide com a Haynes e O'Brien (1990) está baseada num proposição de Samson e McDonnel (1990), reconhecimento da multicausação do segundo a qual a análise funcional não tem comportamento e do caráter probabilístico de compromisso estreito com qualquer instâncias de relações inferidas. Desse modo, abordagem teórica. A quarta definição pode

a aplicação clínica da análise funcional ser tomada como uma variação da terceira, na

não tenta descrever todas as relações medida em que acrescenta simplesmente a entre variáveis relevantes. Aquelas que

têm um alcance insignificante e que não possibilidade de se conciliar apelos a variáveis podem ser modificadas são excluídas, a comportamentais e cognitivas no interior de fim de simplificar o quadro e identificar um mesmo tipo de aplicação da análise aquelas variáveis que poderiam ser

funcional. A quinta definição é apontada por modificadas durante o tratamento. Sturmey como mais diretamente vinculada à Assim, nesse contexto, a análise funcional

é uma forma idiográfica de avaliação, tradição da análise aplicada do compor-vi orientada para o desenvolvimento de um tamento . Além do foco no comportamento

tratamento individualmente programado desajustado, descrição das contingências

(Sturmey, 1996, pp.10-11).atuais responsáveis pelo comportamento e Segundo Cone (1997), uma adoção ampla das ausência de manipulação experimental das estratégias baseadas na análise funcional var iáve is envolv idas , as seguintes depende da superação de abordagens para características desta versão da análise classificação e diagnóstico baseadas em funcional são citadas: definição operacional categorias de síndromes, cuja ênfase recai em do comportamento (enquanto classe aspectos topográficos do comportamento (o funcional), especificação funcional das exemplo mais significativo é o DSM-IV). Tais conseqüências que mantêm o comportamento abordagens, na medida em que não enfatizam (e.g. referências a reforçadores positivos e as funções do comportamento, pouco negativos), distinção entre variáveis poderiam orientar a intervenção eficaz. “O antecedentes e operações estabelecedoras e, fato de que os clientes podem ser finalmente, inclusão dos eventos privados na confiavelmente classificados em classes de análise, enquanto eventos comportamentais síndromes com base em topografias comuns

viUm exemplo do uso da terminologia apresentado por Sturmey (1996) pode ser encontrado em Lopes (1997), onde a autora apresenta a

sistematização de uma análise funcional comportamental descritiva de comportamentos de enfrentamento de mulheres com câncer de mama. Com base no modelo analítico-comportamental de Skinner, os comportamentos de enfrentamento foram compreendidos como "uma classe de respostas operantes (pensamentos, ações e sentimentos), discriminadas em relação a certos aspectos do ambiente e mantidas por contingências de reforçamento que estariam produzindo reforçadores positivos e evitando, removendo estimulações aversivas"(p.21).

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análise funcional pode ser tomada como não nos leva longe, se nosso interesse está em produto no sentido de que já é uma entender seu comportamento a fim de ajudar proposição de relações, a partir de uma coleta a mudá-lo” (p.272). e análise sistemática de dados do caso sob Um aspecto da interpretação de Cone (1997) exame. Em qualquer das definições, a que pode apontar para um modo mais amplo preocupação é com a identificação de relações de compreensão da intervenção compor-ambiente-comportamento decorrentes da tamental está em sua proposição de que a história ambiental dos indivíduos e com o análise funcional corresponde à etapa de teste planejamento de uma intervenção baseada das hipóteses explicativas para o problema naquela identificação.sob exame, sendo precedida por uma etapa de Alguns autores tratam a análise funcional avaliação funcional, que inclui a coleta de como dissociada de constrangimentos informações e a formulação de hipóteses. A teóricos particulares (e.g. Owens e Aschcroft, contribuição não reside na introdução de 1982; Samson e McDonnell, 1990) e mesmo novas expressões para designar as diferentes como de uso não limitado à intervenção com etapas do processo terapêutico, mas em clientes individuais (e.g. Owens e Ashcroft, chamar atenção para o fato de que, enquanto 1982; Sturmey, 1996). Se estas são na etapa de testes da hipótese a intervenção do possibilidades contidas numa noção ampla de terapeuta atém-se a variáveis observáveis, nas análise funcional, é também verdade que no etapas de coleta de informações e formulação interior de uma prática orientada por de hipóteses a referência a eventos remotos e princípios analítico-comportamentais a não manipuláveis é possível (e eventualmente análise funcional assume características necessária).particulares, que podem ser resumidas nos seguintes pontos tratados acima: a) 1.3 Aplicação clínica da análise funcional: selecionismo como modelo causal e Aspectos definidores em acordo com o funcionalismo como princípio de análise; b) sistema explicativo analítico-compor-externalismo como recorte de análise; c) tamental. complexidade, variabilidade, e caráter idiossincrático das relações comportamentais; Apesar de sua importância para a constituição d) critério pragmático na definição do nível de do sistema explicativo analítico-compor-intervenção; e) distinção entre alcance da tamental, são poucas as obras nas quais o avaliação e alcance da intervenção. Estes modelo causal elaborado por Skinner é pontos podem ser resumidamente definidos tratado detalhadamente (Moore, 1984). A como a seguir.lacuna talvez explique parcialmente a a) selecionismo como modelo causal e diversidade de leituras relativas ao uso clínico

funcionalismo como princípio de análise. da análise funcional, ora referida como A rejeição de modelos estruturalistas desde estratégia (Owens e Ashcroft, 1982) ou o princípio afasta a análise do comporta-método (Hayes e Follette, 1992; Samson e mento de uma preocupação estrita com a McDonnell, 1990) através do qual o analista topografia comportamental. A posterior do comportamento reconstitui processos adoção do modelo de seleção por comportamentais e a partir da qual planeja a conseqüências representa o reconheci-mudança, ora citada como produto de um tal mento da complexidade dos processos de processo (Haynes e O'Brien, 1990). O sentido determinação dos comportamentos com que Haynes e O'Brien (1990) propõem a humanos, ao mesmo tempo em que indica análise funcional como produto é o mesmo a adoção de uma nova versão de contido na distinção de Cone (1997), entre funcionalismo (Micheletto, 1995), cujaavaliação funcional e análise funcional. A

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cia, a análise funcional e/ou a intervenção ênfase recai nas funções do compor-por ela orientada são idiográficas tamento na produção de conseqüências (Hawkins, 1986; Haynes e O'Brien, 1990; ambientais. A noção de função caracte-Owens e Ashcroft, 1982; Samson e rística de uma interpretação selecionista McDonnell, 1990; Sturmey, 1996), não são difere daquela presente na noção possíveis generalizações amplas da matemática de função (Micheletto, 2000; intervenção (Owens e Ashcroft, 1982; Owens e Ashcroft, 1982; Samson e Samson e McDonnell) e a pluralidade de

McDonnell, 1990; Sturmey, 1996), sendo análises funcionais é reconhecida como

essa última insuficiente para dar conta da uma possibilidade mesmo no interior de

análise funcional psicológica, que se um único caso (Hawkins, 1986), o que

interessa não apenas pela identificação de contraria o apelo a uma formalização da

variáveis relacionadas, mas também pela análise funcional que a torne replicável.

identificação das relações de causação e d) critério pragmático na definição do nível

pelo modo como estas relações se de intervenção. A análise funcional

constituem e se mantêm.desenvolve-se dentro de limites que

b) externalismo como recorte de análise. Ao atendem ao interesse pela solução de

interpretar o fenômeno comportamental problemas comportamentais concretos (cf.

de uma perspectiva funcional, a análise do Hayes e Follette, 1992; Haynes e O´Brien,

comportamento busca identificar relações 1990; Sturmey, 1996). É a preocupação com

do indivíduo com o ambiente que lhe é o atendimento deste critério que leva

externo. O interesse por relações neste Haynes e O´Brien (1990) a proporem uma

nível exclui o apelo a construtos hipotéticos definição de análise funcional que a limita a

(Jones e Owens, 1992; McDonnell e variáveis “controláveis” e Jones e Owens

Samson, 1992; Samson e McDonnell; 1990), (1992) a fazerem restrições ao uso de

mas não a investigação dos eventos “inobserváveis”. Este critério também está

privados (Sturmey, 1996), Ao contrário, a presente na proposição de Sturmey (1996)

compreensão destes eventos requer sua de que a análise aplicada do compor-

análise no contexto de relações do tamento trabalha com a análise funcional

indivíduo com contingências sociais. enquanto “análise descritiva compor-

Tampouco representa a negação da tamental”, que envolve a identificação de

importância de variáveis biológicas no relações atuais de tríplice contingência

fenômeno comportamental, mas apenas (ainda que não envolva manipulação

limita o campo das relações das quais o experimental). O caráter pragmático da

analista do comportamento se ocupa ao análise funcional na terapia compor-

abordar o fenômeno comportamental tamental vai sendo elaborado, então, de

(Moore, 1984).modo entrelaçado e nem sempre coerente

c) complexidade, variabilidade, e caráter com outros aspectos definidores da análise

idiossincrático das relações comporta-e intervenção baseada neste modelo,

mentais. Da complexidade dos processos requerendo um tratamento mais cuidado-

de determinação do comportamento so. Em particular, torna-se necessário

humano resultam produtos variáveis e diferenciar o interesse na solução dos

idiossincráticos. A variabilidade manifes-problemas (do qual a análise funcional

ta-se inter e intra-sujeitos (Micheletto, pertinente a um modelo de intervenção

1995) e são seus produtos idiossincráticos analítico-comportamental efetivamente

os comportamentos em geral, condições não se afasta e que pode ser atendido de

orgânicas e processos comportamentais modos diversos) de princípios que supos-

privados (Skinner, 1989). Como decorrên-

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funcional nem sempre “explica” o tamente são condição para sua realização. comportamento, uma vez que se atém ao e) distinção entre alcance da avaliação e que é manipulável, pode bem ser alcance da intervenção. Na análise considerada pertinente a uma etapa de funcional do fenômeno comportamental, teste de hipóteses e definição da uma restrição às variáveis presentes pode intervenção (Cone, 1997). A diferenciação representar a não consideração dos estabelecida por Samson e McDonnell processos amplos de determinação (1990) entre força explicativa e capacidade (Micheletto, 2000); de outro lado, a referên-preditiva das análises, salientando a cia a todas as variáveis com as quais o necessidade de integração das duas, sugere comportamento está historicamente precisamente o movimento necessário relacionado pode comprometer a entre uma avaliação que leve em conta os instrumentalidade da análise para a diferentes processos de determinação do solução do problema (Haynes e O'Brien, comportamento e a necessidade de 1990). Este aparente paradoxo pode ser delimitação da intervenção para a solução e q u a c i o n a d o p o r m e i o d e u m a concreta dos problemas. A dificuldade é diferenciação das etapas da intervenção também detectada na concordância de baseada na análise funcional (Cone, 1997). Sturmey (1996) com a definição de Haynes A referência a eventos inobserváveis e O´Brien (1990), interpretada como (Samson e McDonnell, 1990) e a eventos correspondendo a excluir da análise remotos e/ou não manipuláveis (Cone, relações entre variáveis que não podem ser 1997) é compatível e pode ser necessária modificadas, mas que também têm um nas etapas de coleta de informações e “alcance insignificante” (pp.10-11). Como elaboração de hipóteses. Isto é, a rejeição do as categorias de disponibilidade para apelo a construtos hipotéticos não manipulação e significância não são desqualifica a proposição de Samson e coincidentes, a melhor solução parece ser a McDonnell de que a análise funcional em proposta por Cone (1997), de distinção do algumas circunstâncias precisa levar em alcance das análises nas diferentes etapas, conta fenômenos inobserváveis (porém levando em conta a problematização de interpretados sob a ótica analítico-Micheletto (2000) sobre o que pode vir a se comportamental), a exemplo da inclusão constituir em um modelo de análise de eventos privados (Sturmey, 1996)) no funcional pertinente, derivada de visão escopo da análise funcional. A proposição selecionista do comportamento.de Haynes e O´Brien (1990) de que a análise

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Recebido em: 03/11/2003Aceito em: 15/11/2003