o candomblé no olhar fotográfico de pierre verger e josé medeiros
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7/27/2019 o candombl no olhar fotogrfico de Pierre Verger e Jos Medeiros
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Erivam Morais de Oliveira
As diferentes formas do olhar:
O candombl de Pierre Verger e Jos Medeiros
Pesquisa apresentada Faculdade
Csper Lbero, como exigncia do CIP -
Centro Interdisciplinar de Pesquisa,
como resultado do trabalho Memrias
do Fotojornalismo Brasileiro, vinculado
Linha de Investigao Comunicao:
Meios e Mensagens.
So Paulo
Dezembro de 2008
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Faculdade Csper Lbero
Diretora:
Professora Doutora Tereza Cristina Vitali
CIP Centro Interdisciplinar de Pesquisa
Coordenador:
Professor Doutor Jos Eugenio Menezes
As diferentes formas do olhar:
O candombl de Pierre Verger e Jos Medeiros
Palavra chave:
Fotojornalismo Verger Medeiros memria - candombl - religio
Projeto
Memria do Fotojornalismo Brasileiro
Professor Mestre Erivam Morais de Oliveira
Reviso
Professor Mestre Edson Santos Silva
Participao das alunas do Curso de Jornalismo:Daniela de Angelo Moras
Luisa Pollo de Oliveira
So Paulo - Brasil
Dezembro - 2008
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Agradeo a ajuda ilustre das alunas do
Curso de Jornalismo da Faculdade Csper
Lbero, Daniela de Angelo Mors e Luisa
Pollo de Oliveira.
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Jos Medeiros no era de ajeitar ningum.
O trabalho dele no se via, jamais ele iria
dizer: vamos botar isso aqui ou ali que o
efeito fica melhor". Mas estava de olho em
tudo, at conseguir o momento fotogrfico
dele.
Jean Manzon
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"Pierre Verger um homem livre. Livre de
compromissos rigidamente acadmicos. Livre
de ligaes burocraticamente universitrias.
Livre de obrigaes para com esta ou aquela
ortodoxia cientfica. Da a frescura de suas
pginas de divulgador e, s vezes, revelador
de culturas exticas. Da o seu encanto
artstico que, nas suas fotografias, se junta
exatido - exatido que lhes d categoria de
documentos cientficos - sem os prejudicar ou
comprometer."
Gilberto Freyre, 1955
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Sumrio
Agradecimentos ______________________________________________________ 7Introduo ___________________________________________________________ 81. O ponto de ruptura: divergncias entre o Candombl e a Umbanda ________ 101.1. As diferentes correntes Afro-religiosas _______________________________ 121.2. Sincretismo entre entidades do Candombl e do Catolicismo _____________ 152. Lendas e Mitos ____________________________________________________ 162.1 Caractersticas dos Filhos-de-santo __________________________________ 193. O sagrado e o profano ______________________________________________ 244. Deuses sagrados do candombl e umbanda _____________________________ 275. As diferentes formas do olhar ________________________________________ 295.1. Pierre Verger ____________________________________________________ 295.1.1. O Candombl de Pierre Fatumbi Verger __________________________ 325.2. Jos Medeiros ____________________________________________________ 365.2.1. O Candombl de Jos Medeiros e as noivas dos deuses sanguinrios _____ 396. Concluso ________________________________________________________ 496.1. Pierre Verger versus Jos Medeiros. _________________________________ 497. Anexo ____________________________________________________________ 688. Glossrio _________________________________________________________ 70Referncias Bibliogrficas _____________________________________________ 93
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Agradecimentos
Ana Beatriz Knig de Oliveira
Daniela de Angelo Mors Aluna de Jornalismo Faculdade Csper Lbero
Cinthia Aparecida Knig Morais de Oliveira
Esmeraldo Feitosa
IMS Instituto Moreira Salles
Ivanaldo Succar - Laboratrio fotogrfico da Faculdade Csper Lbero
Juliana Pereira - Laboratrio fotogrfico da Faculdade Csper Lbero
Luisa Pollo de Oliveira Aluna de Jornalismo Faculdade Csper Lbero
Fundao Pierre Verger
Pai Bila
Professor Doutorando Edson Santos Silva USP
Professor Doutor Jos Eugenio Menezes Csper Lbero
Professora Mestre Vania Silva Uni SantAnna
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Introduo
O objetivo desse trabalho no fazer qualquer tipo de anlise antropolgica ou
temporal dos ritos do candombl, apenas uma anlise de imagens, com bases
jornalsticas e informativas. As diferentes formas de olhar o candombl apresentadas
por Pierre Verger e Jos Medeiros so evidenciadas pela prpria formao cultural dos
fotgrafos.
Pierre Verger, alm de estudioso, era tambm integrante do candombl, ao qual
fora iniciado em 1953 e no qual galgou posies importantes. Embora afirmasse que
no acreditava em cultos africanos, porque era muito racionalista para crer, tinha, ao
mesmo tempo, um respeito profundo pelo lado esttico da religio, pela dinmica
desenvolvida entre a crena e a vida cotidiana, pela esttica das divindades e sua
representao atravs da pintura e da escultura. Para Verger, a incorporao dos
espritos uma condio transacional do indivduo, que anula todos seus pensamentos e
transporta a imaginao para o ritual.
Verger seria incapaz de desrespeitar as regras e os ensinamentos do candombl,
e como fotgrafo, emprestava seu olhar religio, retratando-a com respeito e
encantamento.Para Jos Medeiros, essas limitaes no existiam, e sua nica preocupao era
com a informao jornalstica, cujas regras e ensinamentos religiosos deveriam ficar em
segundo plano. Na condio de reprter-fotogrfico, seu dever era retratar os
acontecimentos, mesmo que contraditrios ou secretos, desmistificando situaes at
ento jamais vistas por um leigo.
Os trabalhos realizados pelos dois fotgrafos contriburam para o
enriquecimento da cultura religiosa do candombl e para a desmistificao desociedades secretas. Pierre Verger trouxe luz a beleza dos ritos e da cultura popular,
por meio de suas imagens, e Jos Medeiros trouxe ao mundo o respeito para com a
informao jornalstica, transgredindo as convenes e se aprofundando em tema
absolutamente secreto do ritual religioso, tornando-o acessvel ao pblico, preocupando-
se primeiramente com a arte de informar.
O trabalho de Pierre Verger e de Jos Medeiros aproximou o pblico dos
mistrios da religio africana, com seus ritos sagrados para os seguidores da religio e
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os profanos para os leigos, envoltos nas razes populares e, consequentemente, na
cultura brasileira.
A complexidade do tema obrigou-me a aprofundar a pesquisa nas diferenas
entre candombl, verdadeiramente africano, e na umbanda, miscelnea brasileira, e
tentar aproximar o leigo dos ensinamentos oferecidos pelas duas religies.
O material produzido por Pierre Verger acerca do candombl, comparado ao
produzido por Jos Medeiros, infinitamente maior e com carter iconogrfico.
Portanto, para concluso desse trabalho, limitei-me em selecionar imagens
produzidas na Bahia, tanto por Verger como por Medeiros, que tivessem o mesmo
contexto para fazer uma anlise das diferentes formas de olhar dos dois fotgrafos.
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1. O ponto de ruptura: divergncias entre o Candombl e a Umbanda
O candombl e a umbanda so cultos popularmente conhecidos como africanos,
no Brasil, e, de maneira geral, relacionados ao universo maligno. Ou seja, sofrequentemente confundidos e estereotipados. No entanto, tais esteretipos podem ser
desconstrudos, revelando a face singular de cada religio.
De fato, a crena de que candombl e umbanda so nomes diferentes para o
mesmo culto a orixs possui uma explicao bastante plausvel: ambas possuem razes
comuns; o passado africano est contido na realidade das duas religies. Dessa forma, o
elemento negro/africano facilmente identificvel no cosmo religioso umbandista e no
candombl.Apesar da raiz comum, a anlise histrica e sociolgica permite delimitar os
universos e as distines entre esses cultos. De maneira metafrica, pode-se identificar o
candombl com a frica, e a umbanda, com o Brasil.
O candombl, apesar de no poder ser considerado como um culto africano puro,
representa a perpetuao da memria africana. um produto da bricolage1das
recordaes africanas nos elementos nacionais brasileiros, inserido no contexto da
escravatura negra. J a umbanda identifica-se com o Brasil; o resultado da
incorporao das prticas afro-brasileiras moderna sociedade industrial, que surge no
Brasil dos anos 30.
Observa-se, ento, que, enquanto o candombl idealiza a frica como a Terra-
Me que emana sacralidade e na qual residem os deuses negros, a umbanda concebe e
reconhece toda uma brasilidade. Ou seja, apesar da raiz negra (a qual no de forma
nenhuma negada), a umbanda no se v como produto de um sincretismo religioso entre
a tradio afro e a tradio brasileira: concebe-se como uma sntese endgena e
brasileira.
Portanto, a ruptura entre o cosmo umbandista e o do candombl se apresenta no
instante em que a umbanda deixa de considerar a frica como fonte sagrada de
inspirao, tornando o que afro-brasileiro em brasileiro, apenas.
1 O termo bicolageprovm da definio lvi-straussiana, apresentada por Vagner Gonalves da Silva:
deslocamento de termos de um sistema classificatrio para outro construindo significados diversos emfuno dos novos arranjos obtidos. (http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-77011999000100006), acessado em 06 de maio de 2007.
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Alm da anlise terica, ocorrem exemplos prticos, observveis na
formalizao e na ritualstica tpicas do candombl e da umbanda. Tomemos como
exemplo o transe: a dramatizao dos mitos que envolvem os orixs/deuses, as danas e
os ornamentos que recriam a simbologia africana desaparecem nas prticas
umbandistas. Ao invs disso, as divindades no descem, elas se configuram como
espritos que cavalgam no corpo dos mdiuns.
Analisando em termos econmicos, o candombl se mostra uma crena bem
mais cara, se comparada umbanda: nos rituais de iniciao, as comidas, os animais a
serem sacrificados e todos os outros componentes da cerimnia devem ser pagos pelo
novo iniciado. J a umbanda apresenta um carter econmico, de gratuidade, uma vez
que no so necessrios sacrifcios e o pai ou me-de-santo utilizam-se apenas daquilo
que foi trazido pelo filho-de-santo para a realizao de determinado ritual. Segundo
perspectiva umbandista a partir desse aspecto que se observa uma crtica em relao
ao candombl, que desperdia dinheiro com as oferendas.
Tambm a separao entre bem e mal se encontra sob prismas diferentes
nos dois credos. No candombl, tal separao no ntida. J a umbanda caracteriza
seus orixs como seres de luz, guardies do sagrado, levando o que est fora desse
conceito a se configurar como negativo. Assim, os deuses da umbanda assumem certo
carter plano, agindo sempre de acordo com sua posio espiritual. por esse motivo
que a umbanda apresenta dois ramos distintos: a umbanda, propriamente dita, que
representa a esfera do bem, e a quimbanda, que seria o universo do mal. Podemos,
aqui, tecer uma reflexo: o sacrifcio de animais, ritual caracterstico de algumas
linhagens do candombl, as quais consideram o sangue o elemento de ligao entre o
sagrado e o profano, condenado pela prtica umbandista. Tal negao seria fruto dessa
diviso rgida da umbanda entre bem e mal, a qual veria na prtica uma tendncia
ao universo dos espritos menos evoludos?Talvez a resposta para tal questo seja difusa, uma vez que ambos os credos
apresentam-se to prximos pela origem e to distantes ao mesmo tempo, em relao a
alguns dogmas. No entanto, sabe-se que apesar de serem cultos enquadrados pela
sociedade em geral como obscuros, brbaros, ignorantes e ligados macumba e tratados
de maneira ofensiva e preconceituosa, a umbanda e o candombl consolidam-se em
diversos pases como religies do povo, com um nmero muito grande de seguidores.
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1.1. As diferentes correntes Afro-religiosas
O candombl chegou ao Brasil com os escravos africanos na poca do Imprio,
vindos do Congo, Angola, Moambique e Sudo, originrios das tribos Nags, Jejes,
Keto, Bantu, Male, Mina, entre outros. Rapidamente a cultura trazida pelos escravosafricanos se espalhou pelo litoral e interior do Brasil, por conta da comercializao dos
negros para todas as provncias brasileiras. Essa diviso provocou uma ruptura entre os
adeptos das religies africanas, originando a miscigenao cultural entre as diversas
tribos que acabaram aderindo cultura e os costumes oriundos do continente africano.
O termo Jejes identifica os negros vindos do Daom; Nag e os Iorubas,
vindos da Nigria; os Male, adeptos do islamismo, vindos de Angola; os Bantu e
os Mina que detinham dois grupos bem grandes, os Fanti e os Ashanti, sotribos do centro oeste e sul de Moambique e de Angola.
Os negros escravizados no Brasil viviam em senzalas onde a liberdade para
cultuarem seus orixs no era permitida pelos fazendeiros e donos dos engenhos.
O confinamento em condies subumanas imposto aos escravos fez com que os
negros adaptassem a adorao aos seus orixs, agregando cultura e costumes de tribos
diferentes. Para ampliar ainda mais essa miscigenao estabelecida compulsoriamente
aos negros africanos no Brasil, os escravos tiveram contato com a pajelana,religiosidade praticada pelos ndios em todo o territrio brasileiro e o catolicismo
praticado pelos colonizadores portugueses.
Da mistura dos negros com os ndios surgiu o catimb no Nordeste, xang,
em Pernambuco, e o batuque no Sul, e devido combinao com o catolicismo,
surgiu a umbanda no Rio de Janeiro e em So Paulo, prevalecendo o candombl na
Bahia.
Durante a escravido, para os negros praticarem livremente sua religiosidade,
acabaram adotando as imagens e os nomes dos santos catlicos, em clara aluso aos
orixs; dessa forma, fugiam das perseguies impostas pelos coronis e pela igreja
catlica. Desse consrcio surgiu o sincretismo dos orixs africanos, que a forma
utilizada na umbanda at hoje. Esses orixs dominavam particularmente um ponto da
natureza, lugar de fora comum a todas as naes africanas, mesmo que seus orixs
fossem adorados de formas diferentes. Cultuavam-se, ainda, deuses das pedreiras, das
cachoeiras, das matas, dos rios, do mar, entre outros, dos quais podemos citar:
Olorum - (Nag), Zambi - (Bantu), criador de tudo; Oxal cujo nome sofre
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variao: Oxaluf o Oxal velho e Oxagui o moo; Xang orix da justia,
dono das pedreiras; Oxosse orix da caa, dono das matas; Iemanj orix das
guas salgadas, que conta com a ajuda das sereias, dona dos oceanos; Ogum orix
da guerra, sendo amplo o seu domnio; Oxum orix dos rios; Ians (Inhans)
orix dos ventos raios e tempestades, em algumas naes cultuam Ianscomo deusa
dos Eguns, Omulu orix das doenas, Nana a mais velha das Iabsdona
da lama; Osse orix das folhas, atuando tambm nas mata; Oxumar (Oxum-
Mar) orix de dois sexos, representa o arco-ris; Exu mensageiro dos orixs.
Enfim, esses orixs representam o povo Ioruba (Nags e Jejes) e Bantu (Angola, Congo,
Moambique).
H uma diferena bsica entre a umbanda e o candombl: na umbanda, foram
incorporadas entidades, como os pretos velhos, caboclos, crianas; e no candombl, os
orixs se manifestam atravs dos filhos-de-santo.
No candombl, imputa-se ao tomador de conta, pai-de-santo, babalorix,
ialorix ou outro nome qualquer, que seja o mentor espiritual dos filhos e filhas que
frequentam um terreiro. Espera-se do lder religioso dignidade para conduzir e orientar
a seus filhos, alm de cultura e conhecimento para dar o exemplo no falar e no
compreender as pessoas. Outro ponto importante dentro do candombl ter bons
colaboradores, como me ou pai-pequenos e bos, que observem e organizem uma lista
infinita de pequenos itens imprescindveis para a execuo dos trabalhos, como uma
cozinha organizada, acessrios como velas, fumo, marafos, vinhos, cafs, champagnes,
conhaques, alguidares, quartinhas, fsforo, etc. J aos filhos-de-santo, mdiuns ou em
desenvolvimento, cabe o respeito ao seu lder, mentor ou qualquer outro nome devendo
comparecer a todos os dias de trabalhos vestidos adequadamente, geralmente de branco,
os homens, de calas compridas, camisa ou jaleco e as mulheres, de bermuda, saia
rodada e camisa ou jaleco. permitido, a critrio do mentor ou dirigente, o uso deroupas coloridas em dias de festejos, nas cores do santo ou guia determinado.
O terreiro pode ser composto de altar, com os santos da preferncia, dependendo
da linha espiritual adotada pelos filhos-de-santo, salo com definio de lugares
especficos para os preto-velhos, as crianas, e os atabaques, tocados pelos Ogns da
casa.
Na umbanda, religio que mais cultuada entre o povo brasileiro, necessita-se
de um grupo de irmos com a mesma finalidade e afinidade religiosa. Satisfazendo suaprtica, este grupo utiliza ritos, cerimnias, atos e procedimentos prprios que julgam
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adequados para a harmonia com os seus guias e deles obterem proteo. Cada integrante
deste grupo, chamado de mdium, sensitivo, aparelho, burro, dever cumprir algumas
obrigaes para agradar a seus protetores e ter a simpatia e a fora para o auxlio nas
lutas do dia a dia.
A manifestao do guia acontece quando o mdium est sendo preparado; neste
momento, a incorporao acontece. O guia passa a utilizar o mdium para ajudar aos
outros ou a si prprio, aumentando sua energia e fora espiritual.
Este grupo de mdiuns dirigido por um orientador, chamado pai ou me de
santo, babalorix ou ialorix, chefe de terreiro, babala ou bab. Os trabalhos so
realizados em dias estipulados pelos seus responsveis, em terreiros devidamente
licenciados pelas autoridades competentes e reconhecidos pela Federao do Estado
respectivo, contendo um altar ou congar (gonga, peji), assistncia, vestirio.
So utilizados, durante as sesses, vrios objetos e utenslios como: velas,
defumadores, flores, gua, pemba, bebidas, caf, plvora, entre outros. A sesso pode
ser dividida em doutrina, magia e mista. A doutrina o que acontece nos terreiros e
centros de mesa branca, com palestras, sendo dirigidas por um responsvel, em que os
mdiuns se manifestam com guias e com a finalidade de amenizar as agruras das
pessoas que procuram ajuda. Nos terreiros de umbanda tambm se pratica a linha
branca. So os famosos atendimentos com os pretos velhos, com sua fumaa, sua
pemba, suas mirongas, que atuam nas mentes dos interessados, fazendo com que essas
pessoas aumentem a auto-estima e segurana em resolver seus problemas.
Por sua vez, as sesses de magia, exaltadas com rituais complexos, de muita
vibrao, os mdiuns preparados no precisam ter nenhum conhecimento de magia ou
alta magia, pois os guias fazem todo o trabalho.
A magia, praticada antigamente por feiticeiros, magos, bruxos, pajs, tinham
como finalidade a manifestao de espritos. H que se diferenciar, todavia, a magiabranca e a negra. A magia branca, utilizada nos terreiros pelos pretos velhos, caboclos,
exus, so realizadas para o bem. J a magia negra, com rituais macabros, requerida
para o mal.
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1.2. Sincretismo entre entidades do Candombl e do Catolicismo
Dependendo da regio ou Estado em que so praticados os cultos do Candombl
e do Catolicismo, obtm-se diferentes resultados para a identificao entre os santos
cristos e os orixs africanos. Sendo assim, a relao abaixo rene o resultado desse
sincretismo aplicado Bahia, uma vez que tanto Verger, quanto Medeiros, fotografaram
rituais de Candombl nesse estado.
Orix Entidade catlica
Xang So Jernimo
Exu Diabo, Anjo Rebelde ou So Gabriel
Ogum Santo Antnio
Oxossi (Od) So Jorge
Omolu (Xapan, Obaluai, Abaluai) So Roque, So Lzaro ou So Bento
Oxal (Orixala) Senhor do Bonfim ou Pai Eterno
Oxum Nossa Senhora das Candeias (segundo o
prprio Verger), Nossa Senhora da
Conceio
Iemanj Nossa Senhora do Rosrio, Nossa Senhora
das Candeias, Nossa Senhora da
Conceio
Ians (Aloi) Santa Brbara
Nana SantAnna
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2. Lendas e MitosAs lendas que constituem, por assim dizer, a mitologia do Candombl so
recheadas de magia e folclore, geralmente envolvendo temticas bastante humanas,como traio, cobia e amor. Pode-se dizer, portanto, que, a partir delas, criou-se um
universo imaginrio de Deuses sagrados ou profanos, os quais, atravs de suas aes
nos mitos, acabam por demonstrar a origem de algo tpico religio, ou lecionar uma
conduta de comportamento para os seguidores.
Um dos orixs que mais aparece nos mitos do Candombl Bara (Exu). A
maioria deles trata de alguma excentricidade da entidade, que aparenta gostar de criar
intrigas e problemas, representando o caos, o lado negativo da religio. Segundo a
crendice, Bara era filho do rei do Congo, assim como Xang e Ogum, seus irmos.
Aps a morte de Bara, todas as preces, festas e sacrifcios dirigidos aos Deuses no
surtiam nenhum efeito; os rebanhos foram dizimados, as colheitas secaram e os homens
caam doentes. O rei pediu ao Babala que consultasse os obis, a fim de descobrir qual a
causa de tantas desgraas. A resposta obtida foi a de que Bara estava com cimes e
queria sua parte nos sacrifcios. Dessa forma, convencionou-se que os sacrifcios e
oferendas devem ser primeiramente servidos a Bara.
Outra explicao para o fato de Bara ser sempre o primeiro a receber os
sacrifcios a seguinte: conta-se que este orix fazia arruaa nas ruas e, ento, o rei
resolveu prend-lo. Logo aps a priso, Bara fugiu e depois de alguns anos em
liberdade, morreu. Em seguida, quando se faziam axs, morriam vinte e um negros.
Consultado, o Babala, ao ler os bzios, escutou Bara dizendo: Se me derem o
sacrifcio primeiro, no desaparecero mais os pretos da seita.
H outras lendas que tambm ilustram muito bem as atitudes de Exu (Bara).
Exu descobriu que certa rainha havia sido abandonada pelo esposo. Ele, anto,
prometeu rainha que traria seu marido de volta, mas que para isso, ela deveria cortar,
com a faca que lhe dera, um fio da barba de seu esposo para que fizesse um amuleto.
Em seguida, Bara procurou o filho do rei, dizendo-lhe que seu pai estava partindo para a
guerra e que exigia que o prncipe comparecesse em seu castelo, levando seu exrcito.
Por fim, Exu procurou o prprio rei e o alertou de que a rainha estava profundamente
magoada com ele e que por isso, iria mat-lo naquela noite.
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O rei, prevenido por Bara, deitou-se e fingiu dormir; quando a rainha entrou em
seus aposentos com a faca na mo, iniciou-se intensa luta entre os dois. Quando o
prncipe chegou ao palcio com seus guerreiros, ouviu os gritos e se dirigiu aos
aposentos do pai. O prncipe encontrou seu pai com a faca na mo, que havia tomado da
rainha durante o embate, e pensou que sua me corria perigo.
Por seu lado, o rei, ao ver o filho chegar com seus guerreiros, acreditou que eles
desejavam mat-lo. Gritou por socorro e logo seus guardas o acudiram, travando grande
luta com os guerreiros do prncipe, resultando num massacre generalizado.
Os mitos que envolvem Ians (Oi), tratam, frequentemente, de seus filhos e dos
Eguns. Conta-se que Ians chefiava uma sociedade secreta de mulheres, as quais
mantinham seus maridos sob domnio. Porm, um dia, essas mulheres se rebelaram
contra a divindade, e Oi fugiu para onde vivem os mortos, os Eguns, e l se tornou
rainha. Isso explica o carter destemido e guerreiro da deusa. Alm disso, outra lenda
nos conta que os Ojs subjugavam os Eguns, fazendo-os aparecer e desaparecer,
obrigando-os a satisfazer todos os seus desejos sem o consentimento de Oi. Sabendo
disto, Oi resolveu pregar uma pea nos Ojs; vestiu-se de Egum e saiu pela floresta.
Ao ver o Egum, que na verdade era Ians, os Ojs pegaram seus ixs e
comearam a persegui-la. Na fuga, Ians disfarada avistou um buraco na terra, e nele
se escondeu. Os ojs ficaram esperando que sua presa sasse do orifcio at o
anoitecer, quando ouviram o il de Ians no alto de uma montanha. Quando olharam,
Oi estava tirando seu disfarce de Egum, e desde aquele dia, s se faz um pedido a um
Egum se antes pedir o consentimento de Ians.
J as lendas que tratam da concepo e do nascimento dos filhos de Ians
possuem duas verses bastante trgicas. Relata-se que Ians tinha dificuldades para
gerar filhos, por isso, procurou um Babala para que ele pudesse mostrar uma sada.
Segundo os bzios, para realizar seu desejo, Ians deveria fazer um eb que deveriaconter carne de carneiro, panos coloridos e 18 mil bzios.
Oi deu, ento, ao Babala os bzios, a carne e os panos, sendo que a carne fora
utilizada para o preparo de um remdio e os panos serviram como oferenda. Feito isso,
Ians deu luz a nove filhos e por isso a deusa dos ventos e tempestade conhecida
como Oi Mesan Orun.
A outra verso conta que para ter direito maternidade, Ians foi possuda
fora por Xang, com quem teve nove filhos. Desses filhos, oito eram mudos e umpossua uma voz indecifrvel, quase animal. Ians abandonou a todos.
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Ainda segundo as lendas, Ians, Oxum e Ob eram mulheres de Xang. Desse
regime de poligamia, nasceram diversos mitos. Relata-se que das trs esposas, Oxum
era a preferida e Ob vivia abandonada. Ob, para seduzir Xang, pediu ajuda a Oxum.
Muito astuta, a deusa da gua doce, disse possuir um feitio mgico, ou seja, cortara a
orelha para cozinh-la no amal de Xang.
Assim que Xang ps uma colherada na boca, chamou Ob para saber o que
havia na comida, pois o gosto era ruim. Ob, em prantos, chegou com o rosto
desfigurado, ainda ensanguentado. Xang explodiu de raiva e a expulsou de casa.
Conta-se, tambm, que o carneiro estava difamando Ians, dizendo que ela era
infiel a Xang. Assim, Ians virou motivo de chacota, mas suportava as fofocas e,
sempre que podia, subia a colina para se queixar para Orixal (Oxal). Ele a
aconselhava a beber gua para se acalmar, coisa que ela sempre fazia.
Certa vez, ao descer a colina, Ians no aguentou os comentrios e, assim que
ouviu cochichos e risadas, olhou para a aldeia e soprou seus ventos, destruindo tudo. O
carneiro foi a Xang e contou sua verso do ocorrido; Xang ficou furioso.
Indignada, Ians viu passar uma carroa carregando palhas. Ali se escondeu e,
ao passar pelas terras de Omulu, saiu coberta de palhas, idntica ao orix, e todos lhe
deram passagem. Em seguida, invocou os mortos e ordenou que fossem atrs de Xang.
Ao ver o exrcito, Xang fugiu.
Outro mito relata um dia, Bara, dono da encruzilhada, veio para um cruzamento
que ficava em frente ao palcio de Xang. Ao ver Oxum chorando, perguntou-lhe o
motivo de tanta tristeza. Ela contou seu sofrimento e Bara, mais do que imediatamente,
passou a informao a Orumil. If mandou avis-la para que deixasse a janela aberta.
Ele soprou um p, que ao entrar pela janela, transformou-a em uma Pomba. Assim, ela
pde voar para a casa de seu pai e voltou a sua forma. por esse motivo que Oxum no
come pomba.Oxum era rainha de um grande e rico territrio. Este foi invadido pelos Ionis,
que triunfaram sobre a rainha e apoderaram-se da capital, saquearam o pas e tomaram
conta da fortuna da soberana. Oxum, para no ser aprisionada, foi obrigada a fugir,
aproveitando a escurido da noite. Subiu em uma jangada e dirigiu a Olorum uma
orao fervorosa. Depois, sob inspirao divina, pediu para seus sditos que
preparassem abars e os deixassem nas margens do rio. Quando os invasores chegaram
beira da praia, estavam famintos e avanaram sobre os abars.
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Dentro deles no havia veneno, mas fora divina ax. Todos os invasores
caram mortos, deixando o caminho livre para que Oxum retomasse seu reino. Deste dia
em diante, devido vitria, atribuiu-se a Oxum o nome de Oxum-Ioni.
Outra lenda que envolve Oxum trata de seu casamento com Od (Oxossi), cuja
delicadeza e educao cativaram a divindade. Porm, aps os festejos do casamento,
Oxum comeou a conhecer mais profundamente os pensamentos e desejos do marido:
Od pretendia construir uma cidade para abrigar odadis ealakuats (homossexuais
masculinos e femininos).
Existem vrias outras verses para as lendas que envolvem as divindades do
candombl e da umbanda.
2.1 Caractersticas dos Filhos-de-santoPode-se dizer que os Filhos-de-Santo so uma espcie de personificao de seus
Orixs de cabea. Dessa forma, esses indivduos apresentam diversas caractersticas
peculiares ao comportamento e, inclusive, ao porte fsico os quais so atribudos aos
Orixs pelo folclore afro-brasileiro.
A seguir, esto relacionadas as caractersticas fsicas e comportamentais dos
diferentes filhos-de-santo.
Comecemos pelos Filhos de Oxal, considerado o pai dos Orixs e, portanto, de
toda a humanidade. Aqueles que possuem Oxal como Orix de cabea so,
frequentemente, calmos e tranqilos, inclusive em momentos de dificuldade, mas nunca
subservientes. Dessa forma, ganham o respeito de todos, mesmo quando no se
esforam para obt-lo. So reservados e argumentam de maneira eficiente, mas no se
tornam orgulhosos por causa disso. Porm, o defeito mais aparente daqueles que vivem
sob a bno de Oxal a teimosia; dificilmente se deixam convencer de que h
diferentes solues para um problema e no admitem errar.
Como se sabe, Oxal possui diferentes idades: quando se trata de Oxal mais
velho, diz-se Oxaluf, o qual confere a seus Filhos uma tendncia intolerncia e ao
mau-humor. Quando se trata do Oxal mais novo, d-se o nome de Oxagui, o qual
apresenta certo gosto pelo debate e pela argumentao. Quanto s caractersticas fsicas
dos Filhos de Oxal, estes apresentam porte majestoso, principalmente quando se nota a
maneira de andar. s vezes, porm, tal vigor para caminhar se transforma em um certo
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pesar, deixando o indivduo curvado, como se o peso de toda uma vida recasse sobre
seus ombros, mesmo se tratando de algum muito novo.
J os Filhos de Ogum se mostram muito mais enrgicos do que os de Oxal.
Ogum confere a seus Filhos um comportamento arrebatado e passional, que d espao
para exploses, obstinao e teimosia frequentes. De maneira geral, so indivduos
bastante conquistadores e inquietos, ou seja, so incapazes de permanecer em um
mesmo lugar por muito tempo; a rotina os chateia em demasia. Por isso, so
apreciadores de viagens, mudanas e assuntos novos. Alm disso, gostam de novidades
tecnolgicas, so curiosos e resistentes, concentrando-se firmemente no objetivo em
pauta e, s vezes, so corajosos e francos demais, podendo ser considerados rudes.
Os Filhos de Oxssi apresentam em seu arqutipo as mesmas caractersticas do
Orix: ambos representam o homem imprimindo sua marca no mundo, mas sem alter-
lo; dessa forma, os Filhos de Oxssi necessitam de independncia e de liberdade.
Normalmente, comportam-se como caadores espera da presa, ou seja, so
observadores, silenciosos e, ao mesmo tempo, so pessoas jovens e geis. Tambm
apresentam alto grau de concentrao e determinao, alm de uma pacincia tpica
daqueles que esperam o melhor momento para agir. Da mesma forma que o Orix, os
Filhos de Oxssi so guiados pela necessidade de sobreviver e, por isso, no so
ambiciosos ou sonhadores, apenas sabem quando e onde agir para alcanar seus
objetivos. Complementando o perfil de caador, os Filhos de Oxssi so bastante
discretos e reservados, no fazendo juzo de valor sobre terceiros.
Por esses motivos, so pessoas que preferem trabalhos individuais aos em grupo,
porm sempre se mostrando muito responsveis, uma vez que se identificam com o
provedor, no sentido de ser aquele que trabalha para que nada falte. Na vida social e nos
relacionamentos, so alegres e extrovertidos, mas sempre primando por sua
individualidade e buscando se relacionar com um grupo pequeno de pessoas.Os Filhos de Xang so facilmente identificveis por seu porte fsico: indivduo
forte, com estrutura ssea bastante desenvolvida e tendncia obesidade. As mulheres
Filhas de Xang apresentam um caminhar masculinizado e certa falta de elegncia, o
que no as atrapalham, j que so consideradas boas amantes. J os homens sob a
proteo de Xang so bastante mulherengos. Os filhos de Xang so enrgicos e
possuem grande auto-estima, tornando-se um pouco egocntricos a ponto de se
julgarem importantes. Por isso, suas opinies sempre so tidas como decisivas; quandoopinam, do o veredicto e terminam o impasse. Dessa forma, quase sempre interferem
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de maneira violenta, resolvendo os problemas de maneira rpida e demolidora e, aps o
consentimento de todos, retoma seu comportamento usual.
Os Filhos de Omulu caracterizam-se pela discrio e, em certos casos, pela
autopunio, principalmente quando se trata de casamentos. Normalmente, apaixonam-
se por pessoas extrovertidas e sensuais, como, por exemplo, as Filhas de Oxum e Ians.
Apesar de gostarem de ver seu amado (a) brilhar, os Filhos de Omul sentem certa
inveja de seu parceiro, vivendo com uma insegurana constante. Assim como os Filhos
de Oxssi, preservam sua individualidade, mas so mais austeros e provocam medo nas
pessoas; so tambm irnicos e secos.
J os Filhos de Ossanhe (Ossaim ou Osse) possuem temperamento equilibrado;
so capazes de controlar seus impulsos emocionais, no permitindo que suas opinies
pessoais interfiram em suas decises a cerca de pessoas e fatos. Por esse motivo,
desinteressam-se por falatrios e so mais reservados, o que no significa que sejam
introvertidos.
Alm disso, aqueles que possuem Ossanhe como seu Orix de cabea so
atrados por assuntos religiosos e ritualsticos. Dessa forma, os rituais, costumes e
tradies fascinam esses indivduos, uma vez que possuem algo de mstico e teatral e
no pela simples repetio da cerimnia. Consequentemente, so bastante caprichosos e
meticulosos, no deixando que a pressa ou a ansiedade os atrapalhe. Devido a essa
ligao ao que mstico, os Filhos de Ossanhe com frequncia apresentam o dom da
vidncia.
Os indivduos que vivem sob a proteo de Oxumar apresentam carter de
mutao, de transformao, uma vez que o Orix muitas vezes representado como
mulher durante metade do ano, e na outra metade, por uma figura masculina. Dessa
forma, os Filhos de Oxumar modificam, de tempos em tempos, tudo em suas vidas:
cidade, casa, emprego e amigos; ou seja, metaforicamente, abandonam o que ultrapassado em busca do novo. Por esse motivo, so delicados e silenciosos quando se
locomovem, no dando pistas para qual direo pretendem seguir, artifcio que se torna
muito eficiente contra seus inimigos.
J aqueles que possuem Nan como Orix de cabea, constituem o arqutipo da
av, ou seja, carinhosa em excesso, mas igualmente ranzinza, estando propcio a criticar
todos e tudo, uma vez que no aceita que nem todos pensem da mesma forma que
ele(a). Somado a isso, no possuem grande senso de humor, o que os fazem valorizarpequenos incidentes, a ponto de transform-los em grandes dramas. Para contrabalanar
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tal trao de personalidade, costumam ser bastante compreensivos, uma vez que parecem
ter vivido mais tempo do que realmente viveram, e conseguem perdoar aqueles que
erram e oferecer consolo queles que sofrem. Como as avs, possuem decises
equilibradas e pertinentes, mostrando sempre que primam pela sabedoria e pela justia.
No que diz respeito aos aspectos fsicos, os Filhos de Nan envelhecem
rapidamente, aparentando sempre ter mais idade do que realmente tm.
Nan, atravs de seus filhos-de-santo, vive voltada para a comunidade, sempre
tentando realizar as vontades e necessidades dos outros.
Diferentemente de Nana, Ians (Oi) reconhecida como guerreira, ou seja, a
mulher que troca o lar pela guerra. Dessa forma, os Filhos de Ians preferem os desafios
ao cotidiano repetitivo. Devido a esse gosto pela guerra, costumam ser bastante
competitivos e agressivos, geralmente tendo ataques de raiva, alm de serem
individualistas, acreditando que so capazes de vencer todas suas batalhas apenas com
sua coragem e energia.
Da mesma forma que so intensos na guerra, tambm so intensos na busca do
prazer, mesmo que a busca por esse elemento envolva riscos. Em consequncia disso,
so ciumentos e possessivos, incapazes de perdoar traies, e, obviamente, costumam
ser muito fiis aqueles que escolhem como ntimos. Quando rompem com uma
ideologia e se envolvem com outra, ignoram e repudiam a primeira, entregando-se
plenamente a sua nova crena. Por esse motivo, os Filhos de Ians possuem um
temperamento instvel e dramtico, sendo protagonistas de atitudes sbitas e
imprevisveis, alm de se mostrarem diretos e extrovertidos, o que faz com suas
intenes sejam prontamente reveladas.
Apesar de sua objetividade e energia, os Filhos de Ians possuem uma viso
inconstante sobre seus relacionamentos. Dessa maneira, no costumam ter
relacionamentos duradouros, pois possuem vocao para a guerra e para a destruio.Os Filhos de Iemanj se caracterizam pela fora e determinao, assim como
pela amizade e o companheirismo. Por esse motivo, Iemanj frequentemente
identificada ao arqutipo da me, uma vez que a famlia e os filhos tm grande
importncia em sua vida, mostrando-se carinhosa, mas nunca esquecendo a relao de
respeito e hierarquia existente entre eles. Por esse motivo, no gostam de viver sozinho,
e costumam se casar cedo. No so pessoas muito ligadas carreira, com exceo nos
casos em que o futuro de seus parentes depende de seu sucesso profissional. Porm,assim como as mes, possuem a tendncia de concentrar a vida dos outros em suas
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mos, tomando para si a responsabilidade sobre o futuro dos que o cercam. Alm disso,
os Filhos de Iemanj demoram a adquirir confiana em algum, porm, quando o fazem,
passam a proteg-lo e defend-lo tanto nos erros, como nos acertos, conseguindo
perdoar falhas. No entanto, podem se tornar rancorosos e remoer antigas questes.
Finalmente, os Filhos de Oxum. Da mesma forma que Oxum representada pelo
rio, tambm o so seus filhos: apesar de parecerem calmos, escondem em seu interior
correntes, pedras, buracos e grutas. Assim, os Filhos de Oxum preferem contornar
habilmente os obstculos a encar-los de frente, escondendo, por trs de sua aparncia
doce, grandes determinao e ambio. Fisicamente, possuem tendncia a engordar,
uma vez que apreciam a vida social, festas e prazeres em geral.
Inclusive, o sexo fundamental para aqueles que possuem Oxum como seu
Orix de cabea. Possuem uma vida sexual intensa e ativa, mas so narcisistas demais
para gostarem de algum; no entanto, sua doura e sensualidade fazem-nos parecer
apaixonados e dedicados. Da mesma forma que apreciam o destaque social, tambm
temem escndalos que possam ruir com sua imagem inofensiva, cautelosamente
construda por eles.
Somado a isso, os Filhos de Oxum adoram jias, perfumes e roupas caras, o que,
apesar de se constituir como superficialidade e, portanto, um defeito, neles se apresenta
como a expresso de seu interior mais profundo. So indivduos incompreendidos, mas
de tendncias fortes e atitudes agressivas, alm de serem bastante ciumentos, o que
encontra cura no seu sucesso material.
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3. O sagrado e o profano
As definies dadas aos fenmenos religiosos proporcionam uma oposio entre
o sagrado e profano. Estes paradigmas evidenciam a sua maneira, uma caractersticacomum entre a oposio do sagrado e a vida religiosa; e o profano e a vida secular. Para
buscar estabelecer limites na esfera do sagrado exatamente onde comeam as
dificuldades, tanto de ordem terico como prticas. Isto porque ao se pretender dar uma
definio do fenmeno religioso, esbarramos na busca dos fatos, em especial aqueles
que podem estar relacionados aos estados mais simples ou mais prximos s origens.
Infelizmente, esta uma tarefa extremamente difcil, porquanto, quase sempre, nos
encontramos diante de fenmenos religiosos complexos, cuja histria supe uma longa
trajetria evolutiva e, consequentemente, tais fatos no se apresentam acessveis em
nenhuma parte, nem entre os chamados primitivos e nem mesmo, entre as sociedades
cuja histria se pode seguir.
Vemos, portanto, em que medida a descoberta ou revelao do espao sagrado
tem seu valor existencial para o homem religioso. Porque nada pode comear ou fazer
sem uma orientao prvia, que implica aquisio de um ponto fixo. por essa razo
que o homem religioso sempre se esforou por estabelecer-se no centro do mundo.
A estudante de doutorado de Meio Ambiente Natural e Humano de Cincias
Sociais da Universidade de Salamanca, Espanha, Nelcina Cairo do Amparo, ao citar na
pgina 3 do artigo O sagrado e o fenmeno religioso na pr-histria, o autor Eliada
Mircea, para justificar a religiosidade do homem, refora essa crena.
Na ontologia arcaica, o real se identifica essencialmente com uma fora, uma vida,uma opulncia, com tudo que existe plenamente ou manifesta um modo deexistncia excepcional; pelo fato de tambm se identificar com o estranho, o
singular, etc. Quanto mais religioso o homem mais se separa da irrealidade, de umvir a ser sem significao, razo porque tende sempre a consagrar sua vida inteira.Neste aspecto, todo ato possvel de se converter em um ato religioso, da mesmaforma que um objeto csmico pode se converter em uma hierofana (Eliade,1974)p.3.
A tarefa mais complexa est em compreender e se fazer compreensvel na
manifestao do sagrado. Conhecer as diferentes modalidades do sagrado
precisamente uma das maiores capacidades que apresentam os povos das sociedades
primitivas, em que o homem entra em conhecimento com o sagrado porque este se
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manifesta, se mostra como algo completamente diferente do profano. Todavia, o
homem tem conquistado no Cosmos, uma vez que sagrado e profano constituem duas
situaes ou modalidades de estar no mundo. (Eliade, 1974)-p.3.
Ao longo da histria, sempre se tm encontrado objetos ou seres considerados
sagrados ao lado daqueles considerados profanos, uma vez que o que converte um
objeto em sagrado a revelao ou incorporao dele mesmo; a nova dimenso de
sacralidade que se adquire. A dialtica da sacralidade de um objeto supe uma
separao clara deste em relao aos demais objetos que lhe rodeiam, em razo de uma
singularizao mais ou menos manifestada.
Desta maneira, quando algo se manifesta sagrado, (Eliade, 1967:19) passa a ser
visto completamente diferente de uma realidade que no pertence a nosso mundo,
materializado em objetos que formam parte integrante do nosso mundo natural, profano,
como por exemplo, uma pedra sagrada ou uma rvore sagrada. Estas, em verdade, no
so sagradas em si mesmas; sua sacralizao se define pelo fato de conter e ao mesmo
tempo mostrar algo que j no se constitui apenas no que lhe caracteriza
essencialmente como pedra ou rvore, mas pela sacralidade que lhes foi incorporada.
Ao manifestar o sagrado, um objeto qualquer se converte em algo diferente, sem
contudo deixar de ser ele mesmo pelo fato de continuar participando do meio csmico
circundante. Uma pedra sagrada segue sendo uma pedra: Nada a distingue das demais, a
no ser a relao que estabelecida com aquela pedra.
O sagrado pode se manifestar de qualquer forma, mesmo quelas que dentro donosso ponto de vista, poderiam ser consideradas aberrantes, vez que o paradoxo, oininteligvel, no o fato do sagrado se manifestar em rvores ou plantas, e sim, ofato mesmo da manifestao que, por conseguinte, o limita e o torna relativo frenteaos demais. Alm disto, a ambivalncia do sagrado no se apresenta somente noaspecto psicolgico, atuando como algo que atrai ou repele, mas, tambm deordem axiolgica, porquanto o sagrado ao mesmo tempo sagrado e
imaculado. O que se torna imaculado, e, portanto consagrado, ainda que mantenhasuas caractersticas essenciais, se distingue de tudo que pertence a esfera do profanoe, acabam por se tornar praticamente proibidos existncia profana. Ningum podese acercar impunemente de um objeto imaculado ou consagrado quando est emcondio profana, ou seja, sem que tenha sido ritualmente preparado para tal (Eliade,1974). Nelcina Cairo do Amparo. O sagrado e o fenmeno religioso na pr-histria - p. 3.
Na verdade, para um homem religioso o que caracteriza um objeto esfera do
sagrado o fato de haver sido criado pelos deuses. Pelo contrrio, tudo o que os homens
fazem por sua prpria iniciativa, e que no tem um referencial mtico, pertence esfera
do profano e portanto uma atividade v e ilusria, na verdade irreal. Pode-se dizer
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que, quanto mais religioso o homem, maior o acervo de modelos exemplares que
dispe para referenciar seus modos de conduta e suas aes. (Eliade,1967).
Para os povos primitivos, a fora e a vida no so mais do que manifestaes da
realidade ltima. Os atos que o homem das culturas arcaicas executa so apenas
repeties de um gesto primordial que foi executado no incio e na formao dos tempos
por um ser divino ou por uma figura mtica. Adquire sentido a partir da repetio de um
modelo transcendente, repetio esta que lhe assegura a normalidade do ato e lhe
concede um status ontolgico, uma vez que apenas se torna real pelo fato de repetir um
arqutipo. Consequentemente, os atos elementares se convertem em um ritual que lhe
ajuda a acercar-se realidade, a inserir-se no ser, libertando-se assim dos automatismos
do vir a ser, do profano, do nada, que no possuem contedo ou sentido.
Por outro lado, no desejo do homem religioso se perder neste mundo, sentir-
se esvaziado de sua substncia ontolgica e se dissolver no caos que o levar a
extinguir-se. Por esta razo procura viver o sagrado com a mesma intensidade com que
busca se situar na realidade objetiva, no se deixar paralisar pela realidade sem fim das
experincias puramente subjetivas e, sobretudo, viver em um mundo real e eficiente e
no em uma iluso. Ele est vido de ser, de viver num mundo que exista realmente,
para fugir ao terror ante o caos que rodeia o mundo habitado ou o mundo do nada. A
forma de configurar isto para o homem primitivo realizar sempre os ritos que se
caracterizam pela repetio de um gesto realizado no comeo da histria pelos
antepassados ou pelos deuses.
Os atos mais triviais e mais insignificantes, at mesmo aqueles fisiolgicos, em
cerimnias, conseguindo atravs da sacralizao, ontific-los e com isto faz-los
transpor e se projetar para mais alm do tempo at a eternidade. (Eliade, 1967) p.3.
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4. Deuses sagrados do candombl e umbanda
De acordo com o Dicionrio de Cultos Afro-Brasileiros de Olga Cacciatore, os orixs
so divindades intermedirias entre Olorum (o Deus supremo) e os homens. Na fricaeram cerca de 600 para o Brasil vieram talvez uns 50, que esto reduzidos a 16 no
Candombl: Ess, gun, Ososs, Osanyin, Obalaye, smr, Nn Buruku, Sng,
Oya, Oba, Ewa, Osun, Yemanj, Logun Ede, Osguian e Oslufan, dos quais s 8
passaram para a Umbanda: Oxal, Ogum, Oxossi, Xang, Ians, Iemanj, Nan, Oxum.
Muitos deles so antigos reis, rainhas ou heris divinizados, os quais representam as
vibraes das foras elementares da Natureza raios, troves, tempestades, gua;
atividades econmicas, como caa e agricultura; e ainda os grandes ceifadores de vidas,as doenas epidmicas, como a varola, etc.
No Brasil, porm, pode-se notar um culto predominante do ritual e das
concepes iorub - um povo sudans da regio correspondente atual Nigria, que
dominou e influenciou poltica e culturalmente um grande nmero de tribos. Esse culto
se estendeu por toda a Amrica Latina e com um nmero reduzido na Amrica do
Norte.
Quanto origem dos orixs, uma das lendas mais populares diz que Obatal (o
cu) uniu-se a Odudua (a terra), e desta unio nasceram Aganju (a rocha) e Iemanj (as
guas). Iemanj casou-se com seu irmo Aganju, de quem teve um filho, chamado
Orung, que apaixonou-se loucamente pela me, procurando sempre uma oportunidade
para possu-la, at que um dia, aproveitando-se da ausncia do pai, violentou-a. Iemanj
ps-se a fugir, perseguida por Orung. Na fuga, Iemanj caiu de costas, e ao pedir
socorro a Obatal, seu corpo comeou a dilatar-se grandemente, at que de seus seios
comearam a jorrar dois rios que formaram um lago, e quando o seu ventre se rompeu,
saiu a maioria dos orixs. Por isto, Iemanj chamada a me dos orixs.
Ao analisarmos os cultos afros, uma das primeiras coisas que observamos a
impossibilidade de se fazer uma avaliao objetiva a cerca da origem dos orixs. H
muitas lendas que tentam explicar o surgimento dos deuses do panteo africano, e estas
histrias variam de um terreiro para o outro e at de um pai-de-santo para o outro. No
h possibilidade de se fazer uma verificao cientfica ou arqueolgica; que leve a
concluir se os fatos aconteceram mesmo ou que se trata apenas de mitologia, sendo
difcil uma avaliao histrica dos eventos relatados.
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Um fato que devemos considerar a posio tradicionalmente dada aos orixs
nos cultos afros como intermedirios entre o Deus supremo (Olorum) e os homens.
Para os crticos do candombl, no pode ser esquecido que os filhos-de-santo,
uma vez comprometidos com os orixs, vo viver em constante medo de suas
represlias ou punies. Alm do constante medo de punies em que vive o devoto do
orix, ele deve ainda submeter-se a rituais e sacrifcios nada agradveis, para o leigo, a
fim de satisfazer os deuses.
Para a pesquisadora Nelcina Cairo do Amparo em artigo publicado pela
Universidad de Salamanca, com o ttulo O sagrado e o fenmeno religioso na pr-
histria, falta consenso entre os pesquisadores sobre o as questes polmicas
relacionadas aos culto-afros.
Embora muitos estudiosos tenham j se debruado sobre o fenmeno religioso,especialmente no que se refere aos povos primitivos, h que se considerar que no fcil dar uma definio exata sobre o que entendemos por religio. Para alguns ofato religioso abarca temas como magia, o totemismo, o tabu e inclusive a bruxaria,ou seja, tudo o que pode ser englobado dentro do que se considera mentalidadeprimitiva ou que resulta irracional ou supersticioso. No fazem diferena entremagia e religio, falam do mgico-religioso ou as consideram geneticamenteaparentadas; outros, quando distinguem, as explicam de forma quase similar. Enfim,sobre este tema muito j se investigou e muitos livros j foram publicados mas no
se chega a consenso (E.Evans-Pritchard,1991).
Nos culto-afros necessrio conhecer tambm o significado do termo eb. De
acordo com Cacciatore, eb a oferenda ou sacrifcio animal feito a qualquer orix. s
vezes chamado vulgarmente de despacho, um termo mais comumente empregado
para as oferendas a Exu (um dos orixs, sincretizado com o diabo da teologia crist).
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5. As diferentes formas do olhar
5.1. Pierre Verger
O fotgrafo francs Pierre Verger nasceu no dia 4 de novembro de 1902, em
Paris. Com boa situao financeira, aos 30 anos se interessa pela profisso de fotgrafo,
e logo trata de aprender as tcnicas bsicas com seu amigo Pierre Boucher. Aps o
falecimento de sua me, decide colocar em prtica seu sonho de viajar pelo mundo,
unindo a paixo pela liberdade com a fotografia, que seria sua principal fonte de
captao de recursos. Sua nica companheira nessas viagens era uma Rolleiflex,
primeira mquina fotogrfica do aventureiro francs, que durante 14 anos (dezembro de
1932 a agosto de 1946) viajou por diversos pases, comercializando suas fotografias e
histrias para diversos jornais, agncias, centros de pesquisas e empresas espalhadas
pelo mundo.
Fundao Pierre Verger
Fotgrafo e pesquisador francs Pierre Verger
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Segundos dados publicados no site da fundao Pierre Verger,
http://www.pierreverger.org/br, o fotgrafo francs estava sempre pronto para partir.
Paris tornou-se uma base, um lugar onde revia amigos - os surrealistas
ligados a Prvert e os antroplogos do Museu do Trocadero - e fazia contatos
para novas viagens. Trabalhou para as melhores publicaes da poca, mas
como nunca almejou a fama, estava sempre de partida: "A sensao de que
existia um vasto mundo no me saa da cabea e o desejo de ir v-lo me
levava em direo a outros horizontes".
Em 1946, em clima de ps-guerra na Europa, Pierre Verger desembarca na
tranquila Bahia, aps viagens por diversos pases. O clima tropical, a hospitalidade do
povo e a riqueza cultural foram atrativos decisivos na escolha do viajante francs em
estabelecer residncia na terra de todos os Santos ou Orixs.
O pesquisador francs, mesmo vindo de uma classe social elevada, sempre se
identificou com o provo mais humilde dos lugares por onde passou, e no foi diferente
ao chegar Bahia. Acabou alugando um quarto no centro da cidade, prximo ao
Pelourinho e ao elevador Lacerda, onde poderia desfrutar da companhia do povo mais
humilde, muitos deles personagens de suas imagens.
Os negros monopolizavam a cidade e tambm a sua ateno. Alm depersonagens das suas fotos, tornaram-se seus amigos, cujas vidas Verger foibuscando conhecer com detalhe. Quando descobriu o candombl, acreditouter encontrado a fonte da vitalidade do povo baiano e se tornou um estudiosodo culto aos orixs. Esse interesse pela religiosidade de origem africana lherendeu uma bolsa para estudar rituais na frica, para onde partiu em 1948.http://www.pierreverger.org/fpv/index.php?option=com_wrapper&Itemid=176- acessado em 02/01/2009.
Pierre Verger tinha um fascnio pela cultura negra e em especial pelo
candombl, e por isso dedicou-se a estudar a cultura afro-brasileira, chegando a receberem 1953 o nome de Fatumbi, que no candombl significa "nascido de novo graas ao
If".
Segundo o dicionrio de Yorub (Umbanda - Candombl) e Dicionrio de Keto,
http://yle.iya.nom.br/yleiya/glossario.html#o- acessado em 04/05/2007, If, dentro da
cultura do candombl, o Deus dos orculos e da adivinhao, o Senhor do destino. H
quem afirme ser sua representao a cabaa, envolvida por uma trama de fios de bzios.
Sua cor o branco. Seu dia a quinta-feira. Conhecido tambm como rnml,"somente-o-cu-sabe-quem-ser-salvo". Saudao "Epbb/".
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Foto: Pierre Verger/FPV
Dona Maria Bibiana do Esprito SantoMe Senhora do Ax Op Afoj
A proximidade com os dirigentes da religio possibilitou a Verger desenvolver
pesquisas muito mais aprofundadas acerca do candombl, com o apoio do Instituto
Francs da frica Negra (IFAN), que no se contentou com os dois mil negativos
apresentados pelo pesquisador francs como resultado da sua pesquisa fotogrfica e
exigiu que Pierre Verger escrevesse sobre o que havia presenciado; dessa forma,
praticamente a contragosto, surgiu um dos trabalhos mais espetaculares sobre cultura
afro-brasileira.
A histria, costumes e principalmente a religio praticada pelos povosiorubs e seus descendentes, na frica Ocidental e na Bahia, passaram a seros temas centrais de suas pesquisas e sua obra. Ele passou a viver como ummensageiro entre esses dois lugares: transportando informaes, mensagens,objetos e presentes. Como colaborador e pesquisador visitante de vriasuniversidades, conseguiu ir transformando suas pesquisas em artigos,comunicaes, livros. Em 1960, comprou a casa da Vila Amrica. No finaldos anos 70, ele parou de fotografar e fez suas ltimas viagens de pesquisa frica. http://www.pierreverger.org/fpv/index.php? - acessado em02/01/2009.
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A grande preocupao de Pierre Verger nos ltimos anos de vida passou a ser
disponibilizar as suas pesquisas e imagens a um nmero maior de pessoas e garantir a
sobrevivncia do seu acervo. Aps publicar alguns livros na dcada de 80, pela Editora
Corrupio, em 1988 criou a Fundao Pierre Verger (FPV), da qual era doador,
mantenedor e presidente, assumindo assim a transformao da sua prpria casa num
centro de pesquisa.
Pierre Verger faleceu no dia 04 fevereiro de 1996, um dia aps conceder
entrevista ao cantor e compositor Gilberto Gil, que deu origem ao documentrio
produzido por Lula Buarque de Holanda, Pierre Verger, mensageiro entre dois
mundos, que descreve a trajetria do fotgrafo e pesquisador francs em solo brasileiro
e africano.
5.1.1. O Candombl de Pierre Fatumbi Verger
Foto: Pierre Verger/FPV
Filhos de Ghandi
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Verger era muito curioso, paciente e observador, atributos recomendados a um
bom fotgrafo e pesquisador, que gerou uma forma singular na captao, coleta e
catalogao dos materiais. Verger no impunha limites em suas pesquisas, investigando
todos os seguimentos possveis da cultura iorubs, na Bahia e na frica.
Sem formao acadmica, nem vnculos institucionais duradouros, Verger foiautodidata, o que o deixou livre para desenvolver a sua forma particular detrabalho. Ele anotava tudo o que via e dedicava a mesma ateno a fontesescritas, relatos orais, cultura material e rituais, alm de ter a vantagem de serum experiente e hbil fotgrafo. As pesquisas que geraram maior produoforam aquelas relacionadas com a religio dos iorubs e seus descendentes,na frica e no Brasil; o estudo das conseqncias sociais, econmicas epolticas do trfico de escravos para o Brasil e o uso medicinal e litrgico dasplantas.http://www.pierreverger.org/br/pierre_verger/pesquisas_candomble.htmn -
acessado em 28/01/2007.
Verger demonstrou respeito pela cultura africana, e principalmente pela religio,
que podem ser percebidos em seus textos, em que descries minuciosas sobre dados e
fontes evitam distores e conduzem os leitores aos arquivos coletados. Esse respeito e
paixo pela cultura africana ficam evidentes nas pesquisas que Pierre Verger realizou
sobre as plantas medicinais e litrgicas do candombl, catalogando aproximadamente
3.500 espcies de plantas usadas pelos iorubs africanos e que no Brasil cerca de 200
delas so conhecidas pelos seus nomes de origem.
O interesse principal de Verger eram as plantas usadas como revigorantes e
calmantes, e que de alguma maneira ajudam na incorporao e desincorporao dos
Orixs e nas combinaes de espcies usadas para criar a sinergia necessria para essa
incorporao.
Verger criou um horto com mudas de plantas de origem africana e como o
espao de que dispunha era pequeno, acabou doando vrias espcies para instituies
especializadas no estudo das plantas, como podemos perceber no texto coletado abaixo.
Como no dispunha de muito espao, Verger reunia as plantas, estudava-as edepois doava. Em 1969, mandou 1.210 exemplares para Paris. Em 1976,doou 150 plantas da flora baiana ao Instituto de Biologia da UniversidadeFederal da Bahia. Na reunio e classificao dessas plantas, ele contou com aajuda de instituies como o Servio Botnico de Ibadan, de pesquisadorescomo o bilogo Alexandre Leal Costa e de sacerdotisas como Me Senhora eOlga do Alaketu. Os primeiros textos sobre o assunto comearam a serpublicados no final da dcada de 60, tratando de aspectos como amemorizao do uso das plantas atravs de versos, o sistema de classificao
de plantas criado pelos iorubs e outros.http://www.pierreverger.org/br/pierre_verger/pesquisas_candomble.htmn -acessado em 28/01/2007.
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Pierre Verger procurou ser paciente e cuidadoso no que se refere ao trato com o
candombl, e acabou conquistando amigos, afeto, proteo e conhecimento, requisitos
fundamentais e necessrios para embarcar no misterioso mundo dos cultos afros. Para
retribuir essa confiana, Verger acabou tornando-se um assduo frequentador dos
terreiros de candombl, registrando suas lendas, liturgias e procedimentos em fotos e
livros. Esse respeito para com a cultura negro-africana era to intenso que Verger
acabou adotando o candombl como religio.
"O candombl para mim muito interessante por ser uma religio deexaltao personalidade das pessoas. Onde se pode ser verdadeiramentecomo se , e no o que a sociedade pretende que o cidado seja. Para pessoas
que tm algo a expressar atravs do inconsciente, o transe a possibilidadedo inconsciente se mostrar"http://www.pierreverger.org/br/pierre_verger/pesquisas_candomble.htmn -acessado em 28/01/2008.
Foto: Pierre Verger/FPV
Rio de Janeiro
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Essa longa paixo pelo candombl proporcionou a Pierre Verger viagens a vrias
regies e terreiros brasileiro e tambm a alguns pases, como Haiti, Guiana Holandesa,
Cuba e por alguns pases do continente africano. Em cada uma dessas viagens, Verger
adquiria mais experincias e angariava novos amigos, como a Me Senhora do Il Ax
Op Afonj, que se ofereceu para consagrar a cabea do francs a Xang, um pouco
antes de seu embarque para frica.
Na frica, esteve com descendentes dos antigos soberanos que originaram osmitos; conheceu os locais sagrados, assistiu e participou de rituais. Quandoestava na Bahia, continuava o aprendizado: "O interessante voc conviver,fazer as mesmas coisas e participar sem inteno de entender. Participando, acoisa fica completamente diferente. Foi o que aconteceu comigo aqui. Euconvivia no terreiro do Op Afonj, fazia as mesmas coisas das pessoas daCasa, sem saber o porqu, nem como. Vivia em comum tomando parte daspreocupaes, das crenas".http://www.pierreverger.org/br/pierre_verger/pesquisas_candomble.htmn -acessado em 28/01/2008.
Pierre Verger frequentou vrios outros terreiros, como a Casa Branca, as casas
de Joozinho da Gomia, Joana de Ogum e Catita, onde tinha muitos amigos e, depois
de alguns anos, o Aganju, fundado com a sua ajuda pelo sacerdote e amigo Balbino
Daniel de Paula. Entretanto, Verger se declarava um "francs racionalista" que no tinha
"sentimentos religiosos muito fortes", ainda que talvez no fosse to ctico assim.
Foto: Pierre Verger/FPV
Filhas de Santo de Obaluay em gua de Meninos
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Verger muitas vezes era acusado por integrantes de outras religies de se
aproveitar da condio de pesquisador e fotgrafo para divulgar as crenas e mitos da
cultura africana, sem os questionamentos dos sacrifcios de animais e apologia aos
rituais de magia negra, que algumas correntes religiosas fazem nos cultos afros.
O fato que a riqueza cultural e a credibilidade em suas pesquisas fazem de
Pierre Verger a principal referncia da cultura e da religio afro-brasileira para todas as
pessoas de todas as religies.
5.2. Jos Medeiros
Acervo/Instituto Moreira Salles
Jos Medeiros na redao de O Cruzeiro anos 50
Jos Medeiros costumava dizer que sua intimidade com a fotografia comeou
ainda criana, em sua casa, onde a sala era uma enorme cmera obscura princpio
bsico de uma mquina fotogrfica e quando menino ficava deitado com as janelas
fechadas e, por um buraco que entrava luz, observava as pessoas que passavam na rua
eu as via, invertidas, projetadas numa parede e aquela cmera escura me encantou
demais. O piauiense Jos Arajo de Medeiros (1921-1990) era filho de fotgrafoamador que aos domingos adorava montar seu equipamento fotogrfico em um trip e
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fazendo uso do disparador automtico da cmera, programava uma fotografia com toda
a famlia na praa principal de Teresina. O menino arteiro e alegre fazia alguma
peraltice para que todos rissem na fotografia, que para ele, na poca, seria uma
profisso menor.
Durante a 2 Guerra Mundial a famlia Medeiros se transferiu para o Rio de
Janeiro, com uma escala em Salvador, onde Jos Medeiros apaixonou-se pela Bahia de
todos os Santos, sem imaginar que aquela cidade lhe proporcionaria uma das principais
matrias de sua vida, como fotgrafo da revista O Cruzeiro. Alis, Z Medeiros
no se imaginava exercendo a profisso de seu pai.
O jovem Medeiros prestou vestibular para o curso de arquitetura no Colgio
Juruena e no foi aceito, e acabou virando postalista dos Correios e Telgrafos e depois
trabalhou no Departamento Nacional do Caf. Segundo Flvio Damm, o destino lhe
reserva outra profisso, e por sua habilidade em fotografar, acabou sendo aceito para
trabalhar na revista Tabu, Rio e Sombra, publicaes de pouca expresso dentro do
jornalismo, mas lhe proporcionaram boas amizades, e por meio delas chegou revista
O Cruzeiro.
Como j fotografava razoavelmente foi trabalhar nas revistas Tabu, Rio edepois na Sombra, publicaes mundanas. Tornou-se amigo de milionrios,recebia telefonemas de Stela Marinho e Elisinha Moreira Salles, conviviacom Sanchez Galdeano, Nehemias Gueiros, Clemente Mariani, DraultErnanny e Spitzman Jordan. Cantava nas boates Sachas, Night and Day e noClube da Chave. No Bar Alcazar varava madrugadas com HumbertoTeixeira, Ben Nunes, Marcelo Machado, Mrio Saladini, Haroldo Costa, asirms Marinho, Cacilda Becker, Andrzinho Spitzman Jordan, MaraAbrantes, Jardel Filho, Vera Barreto Leite, Aracy de Almeida e de umpolicial boa pinta,o Celso Copacabana. Pela mo de Jean Manzon entrou paraa (ento) pequena equipe de O Cruzeiro, coincidentemente, na mesmaocasio em Chateaubriand entregava a revista para que seu sobrinho, ojornalista Frederico Chateaubriand, o Fredy, a modernizasse.http://photos.uol.com.br/materia.asp?id_materia=1700 acessado em
28/10/2008.
Durante 15 anos foi um dos mais importantes nomes da fotografia no Pas;
esteve na revista O Cruzeiro, imprimindo sua marca como um dos mestres do
fotojornalismo brasileiro.
Por ser um jovem contestador, o interesse de Medeiros sempre foi pelos setores
mais oprimidos da sociedade. Adorava fazer reportagens sobre negros e ndios, valendo-
se do prestgio adquirido, fazia a prpria pauta, dava uma idia na redao. Embora
obtivesse algumas informaes adquiridas com seu pai, Medeiros costumava assinar
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publicaes especficas de fotografia e revistas eminentemente de reportagens
ilustradas, comoLook,Life eMatch. Como era um timo observador e aprendiz, acabou
recebendo influncias dos trabalhos de Henri Cartier-Bresson, Walker Evans, Paul
Strand, Berenice Abbot, Eugene H.Smith e George Platty. Segundo Flvio Damm,
Medeiros sempre afirmou que Cartier-Bresson foi muito importante para mim, apesar
de eu no ter aquela maluquice de andar permanentemente com a cmera na mo.
Quantas vezes vejo a foto se armar na minha cabea e eu no fao porque estou sem
mquina, de qualquer jeito sinto a fotografia acontecendo, o momento chegando.
Jos Medeiros tambm foi o primeiro brasileiro a fazer parte do seleto grupo de
fotgrafos da revista O Cruzeiro, que, at ento, s contratava estrangeiros, dessa
forma abrindo caminho para tantos outros profissionais importantes para o
fotojornalismo brasileiro, como Walter Firmo e Jos Pinto. Os profissionais da revista
O Cruzeiro, eram tratados como verdadeiras celebridades, no pelo reconhecimento
de sua relevncia artstica, mas pela popularidade que suas imagens alcanavam numa
revista que era lida por grande parte da populao brasileira.
Foto:Jos Medeiros/IMS
Os fotgrafos se tornaram dolos to populares que, no tradicional baile de fantasias do HotelGlria, o folio se veste de Jean Manzon, companheiro de profisso de Medeiros em O Cruzeiro.
Hotel Glria. Rio de Janeiro / Brasil. 1958.
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Em 1962, Jos Medeiros, Flvio Damm e Yedo Mendona fundaram a agncia
Image e trs anos depois Medeiros teve sua primeira experincia em cinema: assinou a
direo de fotografia de obras clssicas do cinema nacional, como A falecida, Xica
da Silva e Memrias do crcere chegou a dirigir um longa, Parceiros da
aventura, que acabou lhe dando status para lecionar na Escuela Internacional de Cine
de Santo Antonio de los Baos, em Havana, Cuba.
Medeiros deixou um legio de admiradores, como o cineasta Cac Diegues, que
dizia: Jos Medeiros era um fotgrafo do cotidiano. Seu acervo inclui registros da
burguesia nacional, do mundo artstico e da poltica, cenas de futebol, praia, ndios e
candombl. Talvez o mais engajado dessa legio de seguidores de Jos Medeiros tenha
sido seu scio Flvio Damm, que nunca perdeu a oportunidade de divulgar o trabalho
do amigo, como podemos perceber em material publicado no portal
http://photos.uol.com.br/materia.asp?id_materia=1700 acessado em 28/10/2008.
um dos nossos mais brilhantes, modernos e inteligentes fotgrafos. Saltoupor cima de sua gerao de fotgrafos corretos e acadmicos, inventando umestilo pessoal, cheio de poesia, inspirao e improvisao, criando umaestrutura tcnica absolutamente livre de dogmas, perfeitamente adaptada sdificuldades reais do cinema brasileiro. Nesse sentido, ele um precursor
solitrio, cujos ensinamentos vo fertilizar muito a fotografia do cinemabrasileiro.
Recentemente, a Editora Aprazvel lanou o livro Olho na rua O Brasil nas
fotos de Jos Medeiros, que conta a histria do fotgrafo e tem texto de Leonel Kaz e
apresentao de Arnaldo Jabor.
5.2.1. O Candombl de Jos Medeiros e as noivas dos deuses sanguinrios
Jos Medeiros, contemporneo de trs fotgrafos franceses, que deixaram para
trs uma Europa devastada pela guerra e chegaram ao Brasil nos anos quarenta, Pierre
Verger, Marcel Gautherot e Jean Manzon, conforme relato de Flvio Damm publicado
no stio http://photos.uol.com.br/materia.asp?id_materia=1700 acessado em
28/04/2004.
Verger havia estado aqui de passagem e trazia uma bagagem cultural fixadana antropologia e tinha amplo conhecimento de prticas religiosas de origemafro. Gautherot, um grande documentarista, mergulhou na paisagem humana
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brasileira e deixou uma memria fotogrfica incomparvel, em qualidade equantidade. Jean Manzon j veio profissional da Europa e, ao chegar noBrasil, foi trabalhar no DIP, o rgo de propaganda da ditadura Vargas. Aoassumir um lugar na Revista O Cruzeiro implantou um fotojornalismocapenga, fazendo fotografias posadas usando uma, to preciosa quanto falsa,iluminao. A revista estava numa fase de crescimento, desenvolvendo um
programa de distribuio por todo o pas. Manzon veio a calhar, fazendo umjornalismo sensacionalista. O pblico leitor no conhecia uma publicaoilustrada com fotos de impacto, em grande formato e por isso O Cruzeirovirou coqueluche, era disputada em bancas no dia do lanamento e formavaopinio. E Manzon com David Nasser, formaram uma dupla de sucesso comreportagens inventadas que derrapavam na falta de seriedade, numsensacionalismo primrio.
Foi nesse cenrio que surgiu Medeiros, vindo de revistas de acontecimentos
sociais, e que despertou o interesse de Jean Manzon pelo seu trabalho e acabou lhe
convidando para trabalhar na revista O Cruzeiro. Essa era a oportunidade que
Medeiros necessitava para mudar a cara do fotojornalismo praticado pela Revista,
conforme relato de Damm, http://photos.uol.com.br/materia.asp?id_materia=1700
acessado em 28/04/2004.
E este comportamento vingou na imprensa brasileira a partir dos anoscinqenta. Muito jovem, simples por natureza, fotografava como via a vida,se possvel usando a luz existente ou usando o flash de maneira que suasfotos pareciam feitas sob luz ambiente. Rpido, sem posar seus motivos, faziaa reportagem pela reportagem. Sabia escolher o melhor ngulo, era de fcilconvivncia, boa conversa, um brasileiro sem retoque. Fez o primeirofotojornalismo srio no Brasil, autntico, sem retoque nem artifcios, noalterava nada na cena que tinha que fotografar. Sem pretenso alguma tinhaconscincia do seu grande talento. Tinha faro jornalstico e uma grandefacilidade em se identificar com minorias, ndios, negros e com o povo emgeral.
Z Medeiros era o que podemos chamar de tempo bom, sapateava, cantava,
escrevia bem, era irreverente, corajoso, tinha bom humor e dele qualquer um ficava
amigo na hora; sempre procurou deixar evidente sua predileo pelas classes menos
favorecidas. Adorava estar entre os ndios, fez parte de muitas expedies lideradas
pelos Irmos Villas-Boas. Tinha livre acesso entre as minorias negras; na Bahia,
transitava entre a Rampa do Mercado e a Feira de gua de Meninos, o restaurante de
Maria de So Pedro, e os terreiros de candombl, as rodas de malandragem da Praa
Cayru, a manso milionria de Clemente Mariani e os estdios dos artistas baianos.
Cultuava uma grande amizade por Pierre Verger, de quem recebeu grande influncia
pelo gosto refinado da cultura afro.
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O sertanista Orlando Villas-Boas, aps uma expedio da qual Medeiros
participou, relatou que numa aldeia indgena margem do Rio Kuluene, na tribo
Kalapalos, ouviu um som caracterstico da linguagem dos nativos, mas com a melodia
um pouco diferente. Resolveu sair em direo ao som, naquele final de tarde, e
encontrou o fotgrafo Jos Medeiros deitado em uma rede, e como maestro, ensinava
meia dzia de ndios a cantarNature Boy, em ingls.
Foto: Jos Medeiros/IMS
Jos Medeiros entre ndios xavantes. Brasil. 1952.
De todos os fotgrafos da revista O Cruzeiro, Jos Medeiros foi o que mais
viajou com Assis Chateaubriand, dono dos Dirios Associados, que editava a revista.
Figura folclrica, Chat como era conhecido, tinha um carinho especial pelo jeito
sereno de seu Zmedeiros, como o chamava. Certa ocasio, Medeiros foi escalado, a
pedido do patro, para a cobertura de uma festa, e displicentemente acabou levando um
nmero menor de filmes em relao s lmpadas do flash. Ao perceber que o filme
acabara, continuou a virar a manivela de sua mquina fotogrfica Rolleiflex, fazendo
com que a lmpada acendesse como se estivesse fotografando. Foi quando Chat o
abordou perguntando, seu Zmedeiros, quantas chapas tem esse seu filme que
parece feito de borracha... j fez dezesseis fotos e no trocou o rolo... Medeiros ficou
com a cara no cho, pois o filme 120 daRolleiflex, tinha apenas 12 fotogramas.
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Foto: Jos Medeiros/IMS
Campanha de Chateaubriand para o Senado, fazendo uso do meio de comunicao -a televiso - que ele fundara. Brasil. 1958.
Por trs do jeito despojado, todos tinham a conscincia do enorme
profissionalismo que Medeiros sempre teve pelo seu trabalho; quando no meio de uma
matria na Paraba, o fotgrafo recebeu uma carta de seu chefe que questionava uma
matria publicada pela revista francesa Paris Match, cuja a reportagem sobre o ritual
de iniciao no candombl, intitulada As possudas da Bahia, publicada em maio de
1951, trazia fotografias do cineastaHenri-Georges Clouzot, que deixou o todo poderoso
magnata da comunicao brasileira Assis Chateaubriand irritadssimo, e com sede de
lavar a honra nacional.
Para Chat era inadmissvel que uma revista estrangeira chegasse no quintal
da revista O Cruzeiro e lhe impusesse um furo de reportagem. Ainda para piorar a
situao, a revista Paris Match, alm da matria Les Possdes de Bahia (As
possudas da Bahia), alardeava em seu subttulo que o material da reportagem era um
extraordinrio documento etnogrfico. A abertura da matria, vendida como uma
amostra exclusiva de um livro que Clouzot lanaria posteriormente sobre o tema, Le
Cheval de Dieux [O Cavalo dos Deuses], dizia ainda que pela primeira vez um
branco entrara num santurio de deuses negros, conforma matria da Unicamp,
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www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/julho2004/ju259pag06.html - acessado em
17/08/2008.
Reproduo Paris Match
Matria publicada na Paris Match - As possudas da Bahia - maio de 1951Fotografias do cineasta Henri-Georges Clouzot
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A carta recebida por Medeiros, cheia de provocaes e sigilo, foi encontrada
pelo professor Fernando de Tacca (Unicamp) na Casa de Cultura de Teresina, cidade
natal do fotgrafo, conforme relato de lvaro Kassab, publicado no endereo do stio da
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/julho2004/ju259pag06.html acessado
em 01 de agosto de 2004.
Mais que um documento histrico, a correspondncia revela a temperatura deO Cruzeiro depois da reportagem de Clouzot, e dimensiona a missosecreta imposta a Medeiros pelo ento diretor de redao da revista, AcciolyNeto. Ao colocar o jornalista de texto em segundo plano, valorizou-se afotografia como principal elemento de comunicao pretendida, avaliaTacca. Detalhe: Arlindo Silva, o autor da reportagem, leu a carta pelaprimeira vez em 2002, 51 anos depois de escrita, ao ser entrevistado porTacca. Segundo depoimento de Silva, Jos Medeiros deve ter recebido apauta quando ambos estavam em Cabedelo, na Paraba, preparando umareportagem sobre a pesca da baleia. Ainda de acordo com o reprter, o chefemencionado por Accioly era Leo Gudim, diretor responsvel de OCruzeiro e primo de Assis Chateaubriand, dono dos Dirios Associados.Odorico Tavares, outro nome citado, ocupava a chefia da sucursal deSalvador.
Jos Medeiros manteve-se muito discreto a respeito da carta recebida de seu
chefe (a qual transcreverei nos anexos), e nunca revelou nada a ningum. Mas tratoulogo de preparar terreno para sua investida no candombl.
O professor Fernando de Tacca entrevistou Jos Medeiros no Rio de Janeiro em
1988, quando o fotgrafo relata alguns detalhes da reportagem.
O fotgrafo revelou que parte das fotos reunidas no seu livro havia sidousada na reportagem As noivas dos deuses sanguinrios, publicada pela O
Cruzeiro em setembro de 1951. Segundo Medeiros, a reportagem feita emSalvador em parceria com o reprter Arlindo Silva sobre o ritual de iniciaono candombl (epilao), teve uma repercusso muito grande, a tal ponto quea me-de-santo fora assassinada e que as filhas-de-santo acabaram no sendolegitimadas e reconhecidas pelos adeptos da religio. Pela verso dofotgrafo, diz Tacca, a matria foi feita para que os estrangeiros conhecessemo verdadeiro candombl. Medeiros no fez, porm, nenhuma meno matria da Paris Match, publicada quatro meses antes.http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/julho2004/ju259pag06.html acessado em 01 de agosto de 2004.
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Reproduo O Cruzeiro
As noivas dos deuses sangunrios publicado pela revista O Cruzeiro em 1951Texto de Arlindo Silva e fotografias de Jos Medeiros
A matria de Medeiros ficou famosa porque, pela primeira vez, um reprter teve
acesso ao ritual de iniciao das Ias e segundo os iniciados no candombl, essapermisso para fotografar partiu da me de santo, e no dos orixs, conforme texto
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abaixo publicado no blog http://patriafc.blogspot.com/2007/02/as-noivas-dos-deuses-
sanguinrios-1951.html - acessado em 17/09/2007.
O confinamento que precede a festa de apresentao das novas filhas de
santo. Mas tambm ficou polmica justamente por conta desse fato: ocandombl, como qualquer outra religio, tem seus regulamentos. Apublicao das imagens foi considerada gravssima pelos seguidores docandombl e as duas Ias no tiveram sua iniciao reconhecida. Aocontrrio, ficaram marginalizadas dentro da religio. Uma delas se suicidoumeses depois; outra foi internada com srios problemas psiquitricos. Nomenos trgico foi o destino da me de santo Me Riso da Plataforma: foiassassinada um ano depois de ter aceitado o dinheiro oferecido pelo jornalistadO Cruzeiro que praticamente "comprou" o direito de violar um ritualsagrado.
A verso sobre a perseguio contra a me de santo e as filhas de santo que
aparecem na reportagem da revista O Cruzeiro no passa de lenda, como
perceberemos a seguir no relato de lvaro Kassab publicado no endereo do stio da
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/julho2004/ju259pag06.html acessado
em 01 de agosto de 2004.
O texto da revista O Cruzeiro no ressoou entre a intelectualidade, mascaiu como uma bomba nos meios religiosos baianos, cujos representantesabominaram a idia de os segredos do candombl serem revelados. A cordaarrebentou no lado mais fraco. No caso, sobrou para a cidad RisolinaEleonita da Silva, me-de-santo mais conhecida como Me Riso daPlataforma, protagonista da reportagem. O resgate de sua histria e das trsfilhas-de-santo reportadas na matria consumiu boa parte da pesquisa deTacca, que comeou seu levantamento no bairro da Plataforma, em Salvador.Embora hostilizada por seus pares, Risolina no foi assassinada e tampoucoteve de sair corrida de Salvador, como rezava a lenda. Estabeleceu-se nacidade fluminense de Nilpolis, no final da dcada de 1950, onde exerceuintensamente suas atividades de me-de-santo at morrer, em 1995.Descobri que seu terreiro em Salvador foi demolido para a construo deuma avenida. Ela foi inclusive indenizada. Mesmo saindo de Salvador,constatei que Me Riso manteve um intercmbio intenso com o candomblbaiano, revela Tacca.
As matrias publicadas pelas revistas Paris Match e O Cruzeiro acabaram
provocando diversos protestos a favor e contra as reportagens. O mais significativo
protesto foi publicado pelo professor francs da Faculdade de Filosofia da Universidade
de So Paulo, Roger Bastide, que j havia chamado a matria da Paris Match de
sensacionalista, levantou sua voz e fria contra a reportagem da revista O Cruzeiro,
em artigo da revista Anhembi, edio de novembro de 1951, intitulado Uma
Reportagem Infeliz. Roger Bastide foi o nico intelectual com coragem de criticar
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aberta a reportagem, conforme texto publicado no endereo do stio da
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/julho2004/ju259pag06.html acessado
em 01 de agosto de 2004.
No texto, o intelectual francs menciona o silncio sepulcral que se seguiu matria dos brasileiros. Fiquei espera do protesto dos que se haviamvoltado contra Clouzot, a saber os Cavalcanti, os Edison Carneiro e outros.Porm, passam-se os dias e este prolongado silncio me assusta. Desconfia-se, avalia Tacca, que a sombra de Assis Chateuabriand, o todo-poderoso donodos Dirios Associados, grupo publicador de O Cruzeiro, tenha pairadoacima do bem e do mal.
Foi criada uma grande expectativa em torno da matria de Jos Medeiros; os
jornais do grupo publicavam chamadas sobre o assunto e consequentemente obrigavam
outras publicaes a entrarem na discusso, sendo amplamente usada pela direo dos
Dirios Associados, que aumentaram em 10% a tiragem da revista, pois previam que
aquela matria iria puxar as vendas da revistas, como puxou.
Para apimentar mais a matria, Medeiros deixa vazar a histria de que a mquina
quebrou na hora de fazer as fotos, confor
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