a face oculta do lobbying

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O agregador do marketing. www.briefing.pt Dezembro de 2010 17 Fátima sousa jornalista fs@briefing.pt Reputação A face oculta do lobbying Governos acusados de viola- ção dos Direitos Humanos es- tão a contratar consultoras de Relações Públicas sediadas em Londres e Bruxelas para fazer lobby. Um fenómeno que está a gerar discussão, entre os que defendem o direito de lutar pela reputação e quem questiona os limites éticos deste negócio. Mais ou menos públicos, os exemplos sucedem-se. Gover- nos como os do Cazaquistão, Sri Lanka e Ruanda, acusados por organizações como as Na- ções Unidas e a Amnistia Inter- Londres é a capital mundial da lavagem de reputação? Governos acusados de violação dos direitos humanos estão a contratar consultoras de Relações Públicas, um fenómeno que está a gerar discussão, entre os que defendem o direito de lutar pela reputação e quem questiona os limites éticos deste negócio Gettyimages Indiscutível é a tendência para cada vez mais governos contratarem consultoras britânicas >>>

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A face oculta do lobbying

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Page 1: A face oculta do lobbying

O agregador do marketing.

www.briefing.pt

Dezembro de 2010 17

Fátima sousajornalista

[email protected]

Reputação

A face oculta do lobbying

Governos acusados de viola-ção dos Direitos Humanos es-tão a contratar consultoras de Relações Públicas sediadas em Londres e Bruxelas para fazer lobby. Um fenómeno que está a gerar discussão, entre os que defendem o direito de lutar pela

reputação e quem questiona os limites éticos deste negócio.Mais ou menos públicos, os exemplos sucedem-se. Gover-nos como os do Cazaquistão, Sri Lanka e Ruanda, acusados por organizações como as Na-ções Unidas e a Amnistia Inter-

Londres é a capital mundial da lavagem de reputação? Governos acusados de violação dos direitos humanos estão a contratar consultoras de Relações Públicas, um fenómeno que está a gerar discussão, entre os que defendem o direito de lutar pela reputação e quem questiona os limites éticos deste negócio

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Indiscutível é a tendência para cada vez mais governos

contratarem consultoras britânicas

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O agregador do marketing.18 Dezembro de 2010

www.briefing.ptEntrevistaReputação

“governos como os do Cazaquistão, sri Lanka

e Ruanda, acusados por organizações como as Nações Unidas e a Amnistia Internacional

de violação dos Direitos Humanos,

estão a descobrir as potencialidades das Relações Públicas,

contratando agências de renome para

melhorar a sua imagem internacional”

nacional de violação dos Direi-tos Humanos, estão a descobrir as potencialidades das Relações Públicas, contratando agências de renome para melhorar a sua imagem internacional.Bruxelas é um dos centros deste novo lobbying. É uma “face pou-co conhecida”, mantida a salvo do escrutínio público pelo “si-lêncio das embaixadas e consul-toras” de acordo com um rela-tório produzido em Maio último pelo Corporate Europe Observa-tory (CEO), organização que se dedica ao estudo dos grupos de pressão. Esta “subcontratação da diplomacia” nem está sempre relacionada com a necessidade de lavar a reputação (o relatório inclui o governo português e a Região Autónoma dos Açores). Mas, dos 15 casos estudados e descritos, a maioria envolve governos que, directa ou indi-rectamente, são conotados com repressão e violação dos Direi-tos Humanos. É assim com o Sri Lanka, onde a guerra movi-da pelo Movimento de Liberta-ção dos Tigres Tamil contra o governo causou entre 80 a 100 mil vítimas, com ambas as par-tes beligerantes a merecerem a condenação das Nações Unidas por violação dos Direitos Huma-nos. Pelas mesmas razões, a União Europeia removeu do país um programa de auxílio ao de-senvolvimento, fazendo depen-der o regresso do respeito pelas convenções internacionais.Para combater esta decisão, o governo de Colombo lan-çou-se numa campanha de lobby sem precedentes, a cargo da firma inglesa Bell Pottinger Sans Frontières, especializada emaconselhar governos estrangei-ros. Trata-se de uma divisão da Chime plc, de Lord Bell, antigo conselheiro da “Dama de ferro”, Margaret Thatcher. Segundo o jornal britânico The Guardian, só em 2009, Bell ganhou 67 mi-lhões de libras com estes con-tratos, mais 37 por cento do que em 2008.É também Bell que representa o governo zambiano, acusado

em Maio de albergar suspeitos do genocídio no vizinho Ruan-da. Na página da consultora na internet, é possível identificar a Zâmbia entre os seus clien-tes, ainda que apenas venha mencionada uma intervenção anterior a esta acusação prota-gonizada por organizações de defesa dos Direitos Humanos. A Bell foi contratada em 2008 para conduzir a campanha eleitoral do então presidente em exercí-cio, Rupiah Banda, que carecia de “melhorar o perfil” para ser aceite como sucessor natural do falecido presidente Mwanawa-sa. Banda ganhou as eleições.Questionado pelo The Guardian, Lord Bell respondeu: “Fazemos trabalho de comunicação. Se as pessoas querem comunicar

Richard Ellisdirector de comunicação da PRCA

“Tal como as organizações não governamentais têm

o direito de comunicar os seus pontos de vista,

também os indivíduos e os governos devem

poder transmitir as suas mensagens

e responder às críticas”

Lord BellBell Pottinger

“Fazemos trabalho de comunicação. Se as pessoas querem comunicar os seus

argumentos, somos da opinião de que

têm esse direito. Não somos um corpo

internacional de ética”

os seus argumentos, somos da opinião de que têm esse direito. Não somos um corpo interna-cional de ética”. A Bell Pottinger não é caso úni-co. A também londrina Portland PR trabalha directamente com o Kremlin, visando suavizar as suas relações com as institui-ções britânicas e, sobretudo, promovê-lo nos media. A Race-point PR aconselha o governo do Ruanda, não obstante um re-latório de 2009 da Commonwe-alth Human Rights Initiative ter concluído que o respeito pelos Direitos Humanos no país era “muito baixo”.E a BGR Garbara gere a reputa-ção do Cazaquistão a partir de Londres mas também junto das instituições europeias. O gover-

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“Para o Corporate Europe Observatory, este é um mercado

em crescimento: e, mais do que

lobbying, é country branding – trata-se

de pôr um país no mapa, melhorando

a sua imagem para vencer o

isolamento político”

Reputação

no cazaque foi acusado pela Human Rights Watch de ter sen-tenciado o principal defensor dos Direitos Humanos no país a quatro anos de prisão sem um julgamento justo. E, num relató-rio divulgado no início do ano, a Amnistia Internacional denun-ciou a tortura de presos como sendo uma rotina neste estado saído da URSS. Todavia, o presidente da BGR Garbara, Ivo Garbara, rejeita es-tas associações. Foi o que fez numa declaração ao Briefing: “Rejeito fortemente qualquer as-sociação entre o meu cliente, o Ministério dos Negócios Estran-geiros do Cazaquistão, e even-tuais ‘regimes estrangeiros con-troversos’ que possam trabalhar com agências de relações públi-cas de Londres”.E justifica a sua posição: “Em Novembro de 2007, 56 estados membros da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), numa votação livre e por esmagadora maioria, decidiram confiar ao governo do Cazaquistão a presidência da organização em 2010. A OSCE é uma organização internacional líder na defesa dos valores de-mocráticos e o Cazaquistão tem desempenhado um papel exem-plar na presidência. A prova dis-so é que, no início deste Verão, os países membros aceitaram o convite do presidente Nazar-bayev para organizar a primeira cimeira da OSCE, em mais de dez anos. Em Dezembro, chefes de governo e de estado de 56 países, representando o mun-do livre e democrático, irão ao Cazaquistão e tenho dificuldade em imaginar isto a acontecer se fosse um regime controverso”.Indiscutível é a tendência para cada vez mais governos contra-tarem consultoras britânicas. É, aliás, reconhecida pela PRCA – a associação que congrega as agências de Relações Públicas, que a atribui à reputação do conselho made in Grã-Bretanha. O director de comunicação da associação, Richard Ellis, co-munga de certa forma da opi-

nião de Lord Bell: ao Briefing, sustentou que “tal como as or-ganizações não governamentais têm o direito de comunicar os seus pontos de vista, também os indivíduos e os governos de-vem poder transmitir as suas mensagens e responder às crí-ticas”.E precisamente numa alusão às críticas de que essas con-sultoras são alvo por alegada-mente infringirem princípios éti-cos, Ellis remete para o código da PRCA: “Os membros têm o dever de, em todas as alturas, respeitarem a verdade e não disseminar intencionalmente ou irresponsavelmente informaçãofalsa ou errónea, devendo adop- tar os cuidados necessários para não o fazerem”. E se o fizerem? A PRCA abrirá uma investigação e desencadeará os procedimen-tos disciplinares adequados, da admoestação à expulsão. Até agora, este cenário não se co-locou. A Bell Pottinger não é subscrito-

ra deste código de ética, nem do registo europeu de representan-tes de interesses, uma tentativa de Bruxelas para conferir algu-ma transparência ao lobbying. Existe desde 2008, mas a ade-são não é obrigatória e mesmo empresas signatárias relutam em inscrever todos os interes-ses que representam. Para o Corporate Europe Obser-vatory, este é um mercado em crescimento: e, mais do que lo-bbying, é country branding – tra-ta-se de pôr um país no mapa, melhorando a sua imagem para vencer o isolamento político. O observatório lamenta que as mesmas consultoras que abra-çam o discurso da responsabili-dade social pareçam não hesitar em aceitar regimes controver-sos, não obstante os problemas éticos envolvidos. E questiona: “Assim como algumas recusam fazer lobby pela indústria do ta-baco, não devia uma consultora ‘ética’ recusar-se a representar um regime repressivo?”.

O mais recente relatório do Corporate Europe Observatory (CEO) apresenta o lobbying gover-namental como um negócio lucrativo que gira à volta de Bruxelas. Eis dois exemplos:

Bielorrússia. Considerada “a última ditadura europeia”, contratou a Bell Pottinger, em Agos-to de 2008, para “assegurar um correcto fluxo de informação com figuras-chave de Bruxelas”. Lord Bell, presidente da firma de Relações Públi-cas sediada em Londres, assumiu a conta pes-soalmente e promoveu o presidente bielorrusso, Lukashenko, na Comunicação Social, garantin-do-lhe entrevistas em jornais como o The Finan-cial Times e o Wall Street Journal. E até a audi-ência papal, em Abril de 2009, correu mundo em imagens. O resultado foi o fim da moratória nos encontros entre a União Europeia (UE) e Minsk e

a promessa da Assembleia Parlamentar da Eu-ropa de que o país recuperará o seu estatuto de “convidado especial” quando abolir a pena de morte. Ainda não aconteceu.

Bulgária. Em Novembro de 2008, a UE cortou 220 milhões de euros na ajuda ao desenvolvi-mento devido à escalada de corrupção e crime organizado. Mas podiam ter sido 500 milhões se o governo búlgaro não tivesse entrado em modo de gestão de crise e contratado uma equipa li-derada pelo ex-primeiro-ministro francês Domi-nique de Villepin, complementada pela firma de Relações Públicas Alber & Geiger. Missão: des-vanecer a imagem do país como o “papão euro-peu”. Certo é que no barómetro internacional de transparência de 2009 a Bulgária é o mais cor-rupto dos estados-membros.

As pistas búlgara e bielorrussa

mADE IN EUROPE